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4- FACHIN, Luiz Edson Direito civil sentidos, transformações e fim 1 ed Renovar Rio de Janeiro, 2014, Capítulo 1

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Prévia do material em texto

LUIZ EDSON 
Professor Titular de Direito Civil da Universidade 
Paraná e Advogado 
DIREITO CIVIL 
SENTIDOS, TRANSFORMAÇÕES E FIM 
RENOVAR 
Aio de Janeiro 
2015 
952 
aI.lr~ 
Todos os direitos reservados à 
LIVRARIA E EDITORA RENOVAR LTDA. 
MATRIZ: Rua da Assembléia, 1012.307 - Centro - RJ 
CEP: 20011-901 - Tel.: (21) 2531-2205 - Fax: (21) 2531-2135 
FILIAL RJ: R. Antunes Maciel, 177 - São Cristóvão-RJ 
CEP: 20940-010 - Tels.: (21) 2589-1863/2580-8596 
FILIAL SP: R. Conselheiro Carrão, 247 - Bela Vista, São Paulo-SP 
CEP: 01328-000 - Tels.: (11) 2645-5442/2645-5452 
www.editorareno\lar.com.br 
Conselho Editorial: 
© 2015 by Livraria Editora Renovar LIda. 
Arnaldo Lopes Süssekind - Presidente (in memoriam) 
Antonio Celso Alves Pereira 
Caio Tácito (in memoriam) 
Carlos Alberto Menezes Direito (in memoriám) 
Celso de Albuquerque Mello (in memoriam) 
Gustavo Binenbojm 
Gustavo TepedIDo 
Lauro Gama 
Luís Roberto Barroso 
Luiz Edson Facbin 
Luiz Emygdio F. da Rosa Jr. 
Manoel Vargas 
Nadia de Araujo 
Nelson Eizirik 
Ricardo Lobo Torres 
Ricardo Pereira Lira 
Sergio Campinbo 
Capa: Sheila Neves 
Editoração Eletrônica: TopTextos Edições Gráficas Ltda. 
CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte 
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ. 
Facbin, Lniz Edson 
F186d Direito civil: sentidos, transformações e fim / Luiz Edson Facbin -
Rio de Janeiro: Renovar, 2015. 
226p. ; 21cm. 
Inclui bibliografia. 
ISBN 978-85-7147-891-6 
1. Direito civil - Brasil. I. Título. 
CDD-346.81052 
Proibida a reprodução (Lei 9.610/98) 
.~ .... ,.voov no Brasil 
'-'M·-~~_-"bv.:_ in Brazil 
Dare quam accipere. 
explorar suas possibilidades, o que seria hipótese de auto-
mutilação intelectual. 
As reflexões que seguem são evidentemente da instân-
cia jurídica, com apoio em alguns outros saberes, pois nela 
(na teorização jurídica) têm em conta suas possibilidades 
de formulação no campo do Direito Civil, com seus desa-
fios teóricos e práticos. Não obstante, a análise sorve rele-
vantes aspectos que brotam do tempo e do espaço vivencia-
dos no Brasil de hoje. Nele, desenvolvimento legítimo, ex-
clusão social inaceitável, justiça imprescindível e segurança 
jurídica necessária acordam juntos à mesa e ainda com gos-
to amargo de um dia cujo sol não amanheceu para todos. 
Com sincera e necessária modéstia na postura metodo-
lógica, impende dar ao Direito Civil essa ambiência de res-
peito, tolerância, pluralidade e responsabilidade, sem abrir 
mão da unidade e da organização do pensamento. O Di-
reito, tal como a vida, não pode diminuir-se ao almejar ser 
tão somente ,prático e útil; deve ser mesmo pragmático, 
mas a vida não se reduz a essas equações mecânicas das 
operações condicionadas a priori; ao Direito e ao jurista 
cumpre também, e precipuamente, serem verdadeiros. E 
assim será se ambos prestarem contas, acima de tudo, à 
realidade humana. 
6 
CAPÍTULO 1 
Três constituições do Direito Civil 
Principiemos pelo fim: o tríplice modo de atuação 
constitutiva do Direito Civil contemporâneo extrema uma 
possibilidade de conhecimento que envelopa o sistema ju-
rídico atual, como síntese e como porvir. Três espacialida-
des e três temporalidades imbricadas ali se lançam como 
hipótese organizativa, a partir de um método tópico-siste-
mátic02, de um conteúdo que se alça como apto a apre-
ender o Direito, as pessoas, os bens e as relações interpri-
vadas. 
2 Polissêmicos são todos os significantes dessa expressão. As discussões e 
as mais diferentes opiniões sobre eles são encontráveis, dentre outras, nas 
obras citadas na bibliografia. É inviável pensá-los fora de seu tempo de for-
mulação e de seu contexto, o que demandaria, por si só, uma revisão bibli-
ográfica quando menos. Aqui, nos estritos termos deste texto, a tópica cor-
responde a um procedimento racional que se dirige a refletir por problemas 
a partir da abertura semântica de alguns significantes ou signos linguísticos 
(é o que chamamos de investigação das possibilidades dentro dos limites in-
ternos do sistema), e sua junção com o pensamento sistemático se dá, aqui, 
precisamente porque se opera com plúrima noção de sistema, haurido então 
em vários significados, ora como conjunto de conceitos, ora como a compo-
sição de sentidos vincados pela função, mas sempre aberto, poroso e plural, 
de tal modo que se apresenta aqui o limite externo, o da unidade do sistema. 
7 
De uma parte, o universo jurídico fundante, vale dizer, 
as três atuações constitutivas ou constituições, quer for-
mal, quer substanciaP e quer ainda prospectiva4, e de ou-
tra, o tempo em movimento, isto é, a linha do precedente, 
a ambiência contemporânea e a construção iminente do 
porvir. 
No que diz respeito à tríplice atuação constitutiva, for-
mal é o significante que veicula a expr:essão de regras posi-
tivadas, . especialmente (mas não exclusivamente) na Cons-
3 Exemplo da dimensão substancial é a eficácia civil dos direitos funda-
mentais,expressão sinônima, para alguns autores, de constitucionallzação do 
direito privado (NERY, Rosa Maria de Andrade. Introdução ao pensamento 
jurídico e à teoria geral do direito privado. São Pilulo: RT, 2008, p. 58). 
Com efeito, a constitucionalização em sentido estrito compreende essa di-
mensão, embora nela não se esgote. Já a constitucionalização em sentido am-
plo tem b tríplice sentido formal, substancial e prospectivo afirmado no 
tran.scurso destete:ícto. 
4 Impende elucidar que. esse é o cerne da textura que vai se seguir como 
pano de fundo dos argumentos constantes deste texto. Aqui não nasce nem 
desenvolve o direito civil como direito constitucional concretizado. Não é 
disso que se trata. Não se trata de reduzir ambos os fenômenos normativos 
(Direito Civil e Direito Constitucional) num só horizonte formal, o que é 
inaceitável, nem de encerrar ali equívocos sistemáticos. Trata-se, de uma 
parte, da atuação hermenêutica do civilista, tomando a unidade dos direitos 
fundamentais como limite e como possibilidade, sem que o Direito Civil 
seja uma ordem pronta e acabada a partir da qual seriam dedutíveis as solu-
çõespara a vida concreta das relações sociais. De outro lado, com as disposi-
ções constitucionais há um diálogo próprio das texturas abertas, e o vocábu-
lo constituição aqui representa um tripé que o texto intentará expor. Afasta-
se, pois; das teorizações autopoíéticas, mas o faz apenas por duas razões: 
uma de método e outro de contexto, quer porque não entende possível as-
sociá-las de modo coerente com o norte .que aqui tomam tópica e pensa-
mento sistemático, quer porque também não reputa sustentável uma sistê-
micaatemporalidade histórica para compreender o Direito Civil no Brasil, 
diferentemente de sociedades outras, com outra teia de relações inter-indi-
viduaisjreconhecenelas, contudo, o que fez merecido espaço na teoria do 
conhecimento, especialmente a conLibuição útil da teoria dos sistemas. 
8 
tituição apreendida como Direito Constitucional Positivo} 
como·também na legislação infraconstitucional, incluindo 
as regras em sentido estrito do próprio Código Civi15} sub-
metida à correção hermenêutica6 da Constituição; não 
raro} é produto de olhar que se recolhe do pretérito ou se 
esgota no presente; em si não tem, pois} transcendência em 
direção ao vindouro. Substancial é a manifestação da força 
normativa da principiologia constitucional, distante do 
conceito de princípios gerais do Direito em sentido tradi-
cional} e inserida no conceito de norma. Prospectiva é a di-
mensão propositiva e transformadora desse modo de cons-
titucionalizarí como um atuar de construção de significa-
dos e que pode} dentro do sistema jurídico, ocorrer como 
reálização hermenêutica ou} em alguns cenários de lacunas} 
como integração diante da situação que se apresente sem 
texto (constitucional ou infraconstitucional)em sentido 
formal} pois aqui se trata (i) da força constitutiva dos fatos 
e (ii)·da constituição haurida da realidade humana e social. 
5 "Hoje é inconcebível visualizar-se o Direito Privado reduzindo-o ao Có-
digo. Civil", afirmou, com a integral adequação, Judith Martins-Costa, reco-
nhecendo no trabalho pioneiro de Maria Celina Bodin de Moraes, A cami-
nho de um Direito Civil Constitucional, "valor significante de uma mudança 
no modo de compreender a relação entre Constituição e o direito privado" 
(MARTINS-COSTA, Judith. Mercado e solidariedade social. In: MAR-
TINS-COSTA, Judith. A reconstrução do direito privado: reflexos dos prin-
cípios, dirétrizes e direitos fundamentais constitucionais no direito privado. 
São Paulo: RT, 2002. p. 624), com ressalva sobre.a expressão em si. 
6 A hermenêutica aqui não é instrumental, e sim a razão de ser dessa ope-
ração. Por isso mesmo o reconhecimento que o texto em formulação faz à 
imprescindibilidade da hermenêutica como núcleo da operação pela qual o 
Direito se revela por meio da linguagem. V., a propósito: STRECK, Lenio 
Luiz. Hermenêutica e(mJcrise. 11 .. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 
2013. 
9 
Quanto à tríplice temporalidade} a configuraçãotripar-
tida no tempo entre constituído, constituinte e a constituir 
traduz} particularmente no Direito Civil, a transversalida-
de imprescindível e simultânea entre conceito} experiência 
e síntese} abrindo lugar a um procedimento metodológico 
que apreende a normatividade (simultaneamente interna) a 
já formada} e externa} aquela em contínua formação pela 
força constitutiva dos fatos) de regras e de princípios à luz 
da história? contextual respectiva. Intenta-se} aqui, captar 
a síntese que daí advém} decorrente de um movimento que 
transforma o Direito em sua estática performance e o loca-
liza} em movimento} sob uma dinâmica operativa dentro 
das contradições sociais} emergindo} assim} objetivamente} 
sentidos diversos para significantes não raro conhecidos. 
A introdução às reflexões que seguem apreende a me-
mória que} por meio de narrativas} se tornou parte do pro-
grama problematizante do governo jurídico das bases do 
Direito Civil. O olhar do presente recolhe o memorial que 
se reteve no espaço dessa formação inerente ao tempo mo-
derno. 
Antes, porém} impende sumariar o cenário que} em ter-
mos gerais} se apresenta nos limites e possibilidades do Di-
reito Civil contemporâneo. 
É possível elencar} dentre as ideias assentadas} alguns 
horizontes: 
• a incidência franca da Constituiçã08 nos diversos âm-
bitos das relações entre particulares} mormente nos 
7 Sobre a construção histórico-jurídica do novo Código Civil} v.: 
SCHMIDT, Jan Peter. Zivilrechtskodifikation in Brasilien: Strukturfragen 
und Regelunsprobleme in historisch-vergleichender Perspecktive. Tübin-
gen: Mohr Siebeck, 2009. 
8 Impende alertar que a expressão forte e plena de sinergia que emerge 
10 
contratos} nas propriedades e nas famílias} à luz de co-
mandos inafastáveis de proteção à pessoa; 
• há} nada obstante} criativas tensões entre a aplicação 
de regras (e princípios) constitucionais e o ordenamen-
to privado codificado; 
• como há} sob todo o sistema constitucional} concep-
ções filosóficas} o Estado liberal patrocinou o agasalho 
privilegiado da racionalidade codificadora das relações 
interprivadas; 
• a ordem pública pode limitar a autonomia ou o autor-
regulamento dos interesses privados} sob a vigilância 
das garantias fundamentais; 
• os Códigos Civis são reinterpretados pelas Constitui-
ções do Estado Social de Direito. 
Permanecem} nada obstante, algumas problematiza-
ções} e dentre elas podem ser mencionadas as seguintes 
questões: 
• os Códigos privados mantêm sua força reguladora? 
• autonomia privada e liberdade continuam sendo pila-
res do ordenamento privado? 
do vocábulo não pode remeter a uma espécie de ecumenismo constitucional 
de base. A Constituição, em sentido próprio, tem seu lugar que não se con-
funde com os demais sentidos constituintes do termo aqui sustentado. Dois 
são, por conseguinte, os fluxos migratórios conceituais: de um lado, da: cons-
tituição social para a constituição do Estado, e de outro, do sentido formal 
(ou institucional) da Constituição para a dimensão prospectiva, de feitio 
hermenêutico. 
11 
111 quais limites a constituição econômica traduz para a . 
empresa9 e a iniciatiya privada? 
111 a harmonização entre Constituição e ordem jurídica 
privada pode operar-se por obra dos juízes? 
111 a inércia legislativa infraconstitucional fratura a ne-
cessária segurança jurídica? . 
Sem embargo de tais pontos em aberto, iluminados pelo 
propulsor diálogo entre o Código Civil e a Constituição, e 
das tentativas de respostas que adiante seguirão, há inflexões 
que podem e devem ser feitas de saída. É possível elencar, 
dentre a gama que nessa seara emerge; as seguintes: 
111 a mediação legislativa não pode ser pressuposto da 
aplicabilidade das disposições principiológicas consa-
gradoras de direitos e liberdades; 
111 está o juiz investido do poder de afastar regra que vio-
la o programa normativo constitucional, mediante ra-
cional fundamentação sistemática; 
9 O tema da unificação do Direito Privado se abre ao debate, e não é de 
hoje. "Seria, aliás, perfeitamente possível que, ao invés de um só Código de 
Direito Privado, houvesse codificações separadas para as Obrigações, a Pro-
priedade e a Família, ligada a esta o direito das Sucessões", anotou-se em 
Exposições de Motivos do Anteprojeto de Código de Obrigações, subscrita 
por Orozimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães; v.: 
AZEVEDO, Philadelpho; GUIMARÃES, Hahnemann; NONATO, Oro-
zimbo. Anteprojeto de Código de Obrigações. Introdução, organização eno-
tas de João Baptista Villela. Arquivos do Ministério da Jústiça, Brasília, a. 
41, n. 174, p. 24, out./dez. 1988. E também a propósito dotema, agora na 
perspectiva do direito empresarial e de sua autonomia, v.: COELHO, Fabio 
Ulhôa;GUEDES NUNES, Marcelo; LIMA, Tiago Asfor Rocha [coords.]. 
Reflexões sobre o Proje,to de Código Comercial. São Paulo: Saraiva, 2013. 
12 
• no terreno dos direitos, das liberdades e das garantias 
constitucionais, há plena e imediata eficácia dos direi-
tos fundamentais nas titularidades, nas famílias e nos 
contratos, ainda que em diferentes modos e densidade; 
~ , ~-
111 sob os imperativos de tutela, emerge o Estado-garan-
tidor, que não pode despir-se de suas funções; 
• há espaço destacado para a tutela da parte que, sub-
metida ao poder contratual da outra, não frui de afir-
mação e defesa autônoma dos próprios interesses; 
111 a liberdade limita a liberdade, especialmente diante. 
da desproporção e da asfixia econômica, juízo franca-
mente distinto da eventual ilicitude ou invalidade. 
Nesse diálogo floresce uma dialética constitucional que 
se abre tanto em função defensiva quanto em função tute-
ladora; de uma parte, as competências para ações e em-
preendimentos; de outra, a salvaguarda, a contenção de 
abusos e a compensação. Tais problematizações se disten-
dem para a pessoa, para a liberdade e para a autonomia no 
Direito Civil. 
Expostas as ideias que, ao mesmo tempo, (i) principiam 
pelo fim, (H) e1encam assertivas e (iH) indicam 
problematizações; é tempo de prosseguir no transcurso re-
cém-iniciado para buscar, ainda que em bosquejos, os mo-
mentos precursores desse limite e seu respectivo ideário. 
1.1 ESPACIALIDADE JURÍDICA PRIVADA: a consti-
tuição formal 
A primeira constituição do Direito Civil na modernida-
de edificou-se na gestação da ideia codificadora que cum-
13 
priu tal papel num tempo definido para o transcurso social 
e político. As Constituições formais e as codificações de 
Direito Privado têm berço similar na maternidade históri-
ca: as Constituições liberais. 
DasConstituições liberais) frutos da burguesia ascen-
dente contra o absolutismo) vêm a liberdade, a defesa dos 
interesses privados e uma autonomia privada do Estado. 
Não ao acaso diferenciam-se por aí Direito Público e Direi-
to Privado lO • Neste) erige-se o Direito Civil, que se funda 
nos moldes clássicos. As relações dentro da sociedade) 
pois) a rigor se edificam) em tal contexto) fora da 'consti-
tuição do Estado') e dentro) portanto) das codificações ci-
vis) vale dizer) do Direito Privado. 
O espaço jurídico privado é considerado lugar privile-
giado de exercício da liberdade individual) campo da auto-
nomia) direito natural por excelência) que antecede ao pró-
prio conceito de Estado moderno. Constitui limite à atua-
ção desse Estado (e do próprio status) que te,m por finali-
dade primordial assegurá-la. A propriedade é) na fase li-
beral-jusnaturalista) o direito fundamental por excelência) 
que define o limite entre as espacialidades pública e pri-
vada. 
O Direito Privado) em tal moldura) acaba por se nu-
clear na 'liberdade' dos sujeitos exercida sobre suas pro-
priedades. Embora) na realidade fática) o direito restrinja 
suas garantias - e) mais especificamente) o Direito Privado) 
sua disciplina jurídica - aos proprietários de bens) a legiti-
mação do status quo é oferecida pelo discurso de igualdade) 
que por evidente se coloca apenas no âmbito formal. O pa-
10 A bifurcação não é de interesse recente; a propósito da distinção e de 
seu caráter, V., na edição francesa, a partir da página 372: KELSEN, Hans. 
Théorie pure du droit. Paris: Dalloz, 1962. 
14 
trimonialismo do espaço privado - que) nessa fase) não co-
gita como valor maior a dignidade da pessoa humana - aca-
bou por se refletir nas codificações do século XIX e início 
do século xx. O real) nesse direito) é elevado a uma abstra-
ção que sombreia a pessoa e produz dois vultos conceituais) 
o do próprio titular (como categoria do sujeito de direito) 
e o da sua respectiva titularidade II . Precede à pessoa o pa-
trimônio. Como será visto na análise a ser aqui apresenta-
da) somente mais tarde) na evolução do Direito Civil clás-
sico ao contemporâneo) a funcionalização das titularidades 
irá arrostar essa abstração e reclamar a presença da pessoa 
concreta) em sua dimensão de existencialidade e de neces-
sidade. 
A abstração da figura do sujeito de direito) em tal tem-
po e contexto) também está diretamente conectada ao pa-
trimonialismo: o centro do ordenamento de Direito Priva-
do é o sujeito proprietário; e o sujeito proprietário12) uma 
persona conceitual formalmente ao alcance de todos) que 
são) nessa configuração) iguais perante a lei. Esse mito) po-
rém) não tardaria em ser desvelado) necessitando as 
codificações de outros instrumentos de legitimação em 
face das demandas por igualdade na lei. A consolidação 
desse modelo - por meio do instrumento conceitual ad-
11 As titularidades em sentido amplo compõem o tripé da estrutura de 
base do Direito Civil contemporâneo, e abrangem desde a propriedade, pas-
sando pelo crédito, e enfeixando inclusive a titularidade fiduciária no âmbi-
to da técnica da separação patrimonial, dos quais são exemplos: (i) a securi-
tização de créditos imobiliários; (ü) o fundo de investimento imobiliário; e 
(üi) a incorporação imobiliária, nos termos da Lei 10.931, de 2 de fevereiro 
de 2004. 
12 Entre nós, uma tese verticalizou esse ponto: CORTIANO JUNIOR, 
Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas. Rio de Janeiro: 
Renovar, 2002. 
15 
E isso bem se compreende. A noção de esfera jurídica 
capta os sujeitos em movimento e a dinâmica jurídica se 
desenha como representação do fato. Cunha-se aí a moeda 
de duas faces, direitos reais e direitos pessoais. A todo cus-
to as teorias personalista, dualista e monista, ora afirmando 
diferenças, ora negando-as, contribui para esse corte da 
realidade. 
Em duas faces, a tal moeda tem, em ambas, um só pré-
ço: Promover uma classificação fundante da articulação en-
tre sujeitos, direitos e relações jurídicas. É para isso que, 
mesmo sob fundamento e crítica, realistas, dualistas e mo-
nistas arrostam distinções quanto à determinação ou inde-
terminação do sujeito passivo; mais ainda, quanto ao obje-
to, à atualidade da coisa, à configuração, à posse, à extin-
ção, à sequela e preferência, ao modo de exercício, à dura-
ção, ao limite, à consequência do exercício, à essência, ao 
regime jurídico, ao nascimento em função do título, à pu-
blicidade e à inerência. Compreender esses traços distintos 
passa a ser a chave de entrada na espinha dorsal do Direito 
Civil clássico, herdado na tradição romano-germânica. 
Há, porém, mais do que isso entre a propriedade e o 
contrato. Um tertius genus assume o palco dessa cena (até 
então bipartida entre direitos pessoais e direitos reais); tal 
gênero intermediário, cuja existência, por si só, desabona a 
ortodoxia da dicotomia, é o conjunto das obrigações oh rem 
ou propter rem; evidencia-se, assim, que, sob as duas faces 
daquela moeda, abrigam-se zonas híbridas irredutíveis à ló-
prove here, as in so rnany other aspects, the catalyst for change", e que "soon 
after of the Constitution of1949 the general clauses of the BGB carne to be 
regarded as entrance points for Constitutional values" (MARKESINIS, Sir 
Basili UNBERATH, HanneSi JOHNSTON, Angus. The Gerrnan Law of 
contract: a comparative treatise. 2. ed. Oregon: Hart Pubhshing, 2006, às 
páginas 37 e 38, respectivamente). 
18 
gica binária classificatória, ali se instalam as obrigações 
reais, expressão que define o que decorre de exemplos 
como transmissão por abandono liberatório, e que associam 
os ônus reais às obrigações com eficácia real nesse con-
texto. 
O pano de fundo é mesmo uma tentativa de conceituar 
e classificar, a partir da imagem da relação jurídica 19 (cuja 
categoria se mantém estruturalmente intacta, com a revi-
são que a refinada teoria produziu na segunda metade do 
século XX) , seus sentidos e seus elementos: sentido amplo 
e sentido estrito do vínculo articulam sujeito(s), objeto 
(mediato , imediato), fato jurídico constitutivo e garantia. 
Projeta-se daí, por exemplo, o estatuto jurídico encon-
trado no Direito das Obrigações. Nada de novo advém des-
sa noção histórica: desde grupos sociais primitivos à Roma 
ao tempo das XII Tábuas, antecedentes iluminam a forma-
ção progressiva do direito clássico pretoriano; o aproveita-
mento renascido desses legados por nacionalidades moder-
nas tem espelho na generosa e inegável influência da Escola 
das Pandectas. Nelas, o conceito e o objeto nascem para 
dar azo a uma renovada função econômica. O tempo da 
constituição econômica não podia estar mais ao lado da fi-
nalidade pragmática do movimento codificador. Era em tal 
período e dele não se apartam os dias da atualidade. 
Tomado nos dias correntes esse liame, vem daí apenas 
um dos sintomas que se revela para demonstrar o equivoca-
do minus que em determinadas concepções se destina à 
análise econômica do Direito; eficiência20 e justiça não se 
19 O conceito de relação jurídica é a sublimação do Direito Civil pandec-
tistai a propósito: CARVALHO, op. cito 
ZO De nlOdo especial referimo-nos ao princípio da celeridade e da duração 
razoável do processo, nos termos do acréscimo constitucional da Emenda 
19 
excluem, como também Díreito e Economia não são antÍ-
podas .. Tanto à economia se dirige a compreensão jurídica 
necessária e crítica, quanto o caminho'inverso não pode ser 
obstado. Afinal, nesse aspecto específico, efetividade tam-
bém casa com eficácia, a primeira no horizonte da tutela do 
Poder Judiciário e a segunda, mais profundamente, na sea-
ra dos instrumentos práticos de realização da própria pres-
tação jurisdicional. Codificação e racionalidade econômica 
são searas de interpenetração fecunda, inclusive no ade-
quado(ou não) funcionamento das cortes superiores. 
A relação, por exemplo, que se pode ver entre o Supe-
rior Tribunal de Justiça e o equivalente na Alemanha, Bun-
desgerichtshof, Tribunal Federal de Justiça, é expressiva 
entre os filtros para assegurar qualidade e eficiência; certe-
za e prazo razoável, elevado no Brasil ao estatuto de garan-
tia, são legítimos e importantes objetivos21 • 
45, do ano de 2004; sobre o tema explicitou a melhor doutrina: "O princípio 
da duração razoável possui dupla função porque, de um lado, respeita o tem-
po do processo em sentido estrito, vale dizer, considerando-se a duração que 
o processo tem desde seu início até o final com o trânsito em julgado judicial 
ou administrativo e, de outro, tem a ver com a adoção de meios alternativos 
de solução de conflitos, de sorte a aliviar a carga de trabalho da justiça ordi-
nária, o que, sem dúvida, viria contribuir para abreviar a duração média do 
processo" (NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo na Constituição 
Federal: processo civil, penal e administrativo. 10. ed. São Paulo: RT, 2010, 
p.319). 
21 "Os diferentes filtros que o legislador alemão instituiu para equilibrar o 
acesso à tutela jurisdicional efetiva, de um lado, e a preservação do funcio-
namento do Judiciário desimpedido, de outro lado, têm como objetivo diri-
mir de forma definitiva questões cuja importância extravase o caso particu-
lar e preservar a certeza legal proporcionada 'pelo trânsito em julgado" 
(QUARCH, Tilman: Equilíbrio entre efetividade da tutela jurisdicional e 
eficácia do funcionamento judiciário. Revista de Processo, São Paulo, a. 37, 
v. 207, p. 85-132, maio 2012). 
20 
Daí por que a operação contemporânea dos instrumen-
tos de realização da jurisdição não é tema que escapa da 
busca do sentido do denominado direito materiat nomea-
damente porque, na formulação das raízes modernas, opri-
mado do conceito sobre a materialidade restou posto no 
cenário dos sistemas jurídicos. 
Fontes desse conceitualismo remontam, mediatamen-
te,.à recuperação do pensamento jurídico moderno quevai 
às origens romanas, nomeadamente às Institutas de Gaio, e 
imediatamente, na teoria do Direito e na filosofia jurídica, 
à Pandectística22, e no planq legislativo) aos Códigos Civis 
alemão, francês, italiano, grego e português; é o marco do 
alcance codificador que perdura por mais de dois séculos. 
Legatários dessa ordem de ideias, os sistemas contem-
porâneos, perpassados por essa leitura histórica, se estri-
bam no patamar indispensável da classificação;' definir é, 
pois, ali, classificar, e vice-versa; a exemplo, os atos jurídi-
cos em sentido estrito e em sentido amplo (lícitos unilate-
rais, plurilaterais; ilícito), os fatos jurídicos (responsabili-
dade pelo risco, enriquecimento sem causa, relações con-
tratuais de fato), ambos (atos e fatos) redutíveis ao concei-
to de fonte, quer mediata, quer imediata. A posição do Có-
digo Civil brasileiro, não destoando daquela do Código Ci-
vil italiano, não descura de considerar a explicitação das 
fontes, ali enfeixando negócio jurídico e atos ilícitos. Até o 
meado do século XX pouca turbulência abalava o voo das 
codificações. 
22 Com alguma arrumação na síntese reducionista, referimo-nos, nesse 
âmbito, ao pensamento cio movimento pandectístico, influenciado por Frie-
drich Carl von Savigny, Georg Friedrich Puchta, Bernhard Windschied, Karl 
L. Arndts von Arnesberg, Julius Baron, Heinrich Derburg, Ferdinand Re-
gelsberger, entre outros. 
21 
Somente com o fim da Segunda Grande Guerra e de 
modo especial após a Lei Fundamental de Bonn) de 1949) 
direitos) liberdades e garantias passam a ser diretamente 
aplicáveis às entidades públicas e privadas j enfimj aos sujei-
tos da espacialidade pública e privada. No Brasil) bem mais 
tarde, somente em 1988) erigiu-se o ícone desse reconhe-
cimento, ainda que com debilidades nos instrumentos de 
efetivaçãoj o quej de resto j não é peculiar ao ordenamento 
jurídico brasileiro. 
O Direito Civil contemporâneoj por conseguintej com 
novos ares de diretivas sobre tais espacialidades j é reflexo 
de um tempo que se firma a partir da segunda parte do sé-
culo pretéritoj e mais diretamentej entre nós j a partir da 
Constituiç"ã023 brasileira que redemocratizou o País e in-
tentou reentronizar a sociedade no poder polític024. Essa li-
nearidadej contudoj não é firmej pois o panorama das rela-
ções entre Estadoj sociedade e poder são diversos e múlti-
plos em diferentes momentos históricos j às vezes são para-
doxalmente simultâneos o pretérito e o presente em deter-
minadas instituições ou categorias jurídicas. Como adiante 
se examinaráj no item sobre as resiliências do pretéritoj 
formas jurídicas tendem a ser duradouras. Exemplos de 
permanência são o Code j de 1804 j e o BGBjde 1900. 
23 Sobre o tema, amplamente, v.: BARROSO, Luís Roberto. Curso de di-
reito constitucional. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 
24 O estudo do transcurso histórico não dispensa, quanto a isso também, 
a necessária contribuição de juristas que, em diversos momentos históricos, 
especialmente na era Vargas e no período 1964-1988, se postaram na defesa 
das liberdades democráticas, como Raymundo Faoro e Victor Nunes Lealj a 
propósito, v.: COELHO, Fábio Ulhôaj FRAZÃO, Anaj FILHO, Alberto 
Venâncio. A contemporaneidade do pensamento de Victor Nunes Leal. Insti-
tuto Victor Nunes Leal. São Paulo: Saraiva, 2013. 
22 
A vocação de lex superior das codificações encontrou 
terreno fértil na codificação civil alemãj com pretensões le-
gítimas de abarcar a materialidade de todo o campo jurídi-
co das relações privadas e as respectivas opções valorativas. 
L1.2BGB 
À codificação alemã se deve a ancestralidade imediata 
da visão contemporânea das obrigações; do berço liberal ao 
Estado contemporâneo a letra da lei retempera-se. Equilí-
brio social e interesse coletivo se apresentam na seara da 
autonomia da vontadej mais tardej adequadamente autono-
mia privada j bem assim sob sua função política e também 
econômica. Emergem por essa ponte limitações importan-
tes j ainda que lidas tardiamente no Brasil (entre elas: 
standardização contratualj renascimento da cláusula re-
bus j a intervenção estatal na economia interna dos contra-
tos pela atuação jurisdicional) . 
Boa-fé e princípios gerais (sem qualquer parentesco 
ainda com o valor vinculante dos princípios constitucio-
nais) noticiam sua importância nesse sentido modernoj po-
sição ocupada por excelência pelo BGB. Alij as significa-
ções originárias da boa-féj quer subjetivaj quer como máxi-
ma objetivaj dão norte para a boa-fé como norma de condu-
ta e não apenas boa-fé como crença. 
Sob esse refinado arcabouço teórico não se perdeu (ao 
contrário j elevou-se) a relevância prática do Direito das 
Obrigaçõesj nomeadamente nos direitos de créditoj bem 
assim nos ditames sobre direitos reais de garantiaj no direi-
to de danos (antesj a tradicional responsabilidade civiF5)j e 
25 Nessa seara, legitimamente alargada, da responsabilidade, se insere a 
tutela externa do crédito e a responsabilidade do terceiro que contribui para 
o inadimplemento. Por igual, a responsabilidade civil pela perda de uma 
23 
mesmo nos títulos de crédito. O Direito das Obrigações no 
Código Civil brasileiro vigente é um herdeiro miscigenado 
dessa evolução, captando, ora com harmonia, ora com ruí-
dos, uma herança técnica digna de respeito e de crítica. 
A Obrigação (imagem especular da relação jurídica), 
assim, veicula dois tempos, o clássico e o contemporâneo: 
naquele, perduram as conhecidas acepções de debitum e de 
obligatio: e ali seus desdobramentos em debítum sem obli-
gatio; obligatio sem debitum próprio; obligatio sem debi-
tum atual; debitum sem obligatio própria. A estrutura é co-
mum: elemento subjetivo, ativo e passivo; objeto e presta-
ção; vínculo. Distinções se edificam entreobrigação, dever 
jurídico e ônus jurídico, para fins de bem delimitar esse tri-
pé: patrimônio, pessoa26 e relação jurídica obrigacional. 
Nele, o Direito Civil moderno faz sua morada. 
N a quadra contemporânea apresenta-se a moder-
nização no Direito das Obrigações do BGB em 2002, data 
que coincide com a promulgação de novo Código Civil bra-
sileiro. Aos ventos do tempo de então, o Brasil respondeu 
com novo Código, e a Alemanha, com a modernização de 
seu monumento legislativo. 
Modernizar pode ter sido, ali, o verbo que ocupou o lu-
gar de um trabalho de reforma a fim de aprimorar estrutu-
chance, com as sanções decorrentes de perdas e danos. 
26 Pessoa é aqui significante compreensivo da generalização que lhe foi le-
gada pela sublimação conceitual; logo, ali estão as pessoas naturais, as pes-
soas jurídicas, os entes com efeitos de personalidade condicionada (como, 
por exemplo, o espólio), e se reporta aos nascituros e embriões que, não sen-
do, à evidência, bens ou coisas, estão no estatuto das pessoas; apreende, ade-
mais, formas contemporâneas de expressão da pessoa jurídica, como a em-
presa individual de responsabilidade limitada, nos termos da Lei 12.441, de 
2014, a qual alterou por adição o art. 44 do Código Civil. Esta forma de em-
presa, a rigor, é um núcleo patrimonial autônomo de efeito societário. 
24 
ras, introduzir novos elementos, mantendo, na essência, a 
formulação codificada. Numa síntese telegráfica: foi preci-
so mudar oBG B para que o BG B continuasse a ser precisa-
mente o que é, sendo um antigo Código novo. 
Adotou-se, para o BGB, uma técnica de reformulação 
sob a luz da prática jurídica} apreendendo a contribuição da 
jurisprudência27 e dos fatos da vida reaF8. 
Compra e venda, condições de negócios, inadimple-
mento, mora debitoris, prescrição, integração do direito do 
consumidor ao BGB29, entre outros aspectos emergem da 
reformulação3o. O remédio alemão3l para a decodificação 
foi a modernização. 
27 "A adaptação do sistema jurídico às necessidades concretas da vida é 
(deve ser) uma tarefa levada (a levar) a cabo, em primeira linha, pela juris-
prudência, coadjuvada pela doutrina" (Cláusulas limitativas e de exclusão 
de responsabilidade. Separata de: Suplemento ao Boletim da Faculdade de 
Direito da Universidade de Coimbra, Coimbra, v. 28, p. 18, 1985). 
28 EHMANN, Horst; STUSCHET, Holger. La reforma del BGB; mo-
dernización del derecho alemán de obligaciones. Bogotá: Universidad Exter-
nado de Colombia, Editorial Cordillera, 2006. 
29 Tratando dos argumentos contrários a essa inclusão do direito contra-
tual do consumidor, escreveu com humor e precisão o professor ZIMMER-
MANN: "(00') a modern code of privaté law should rather resemble a buil-
ding site, bristling with the cheery voices of craftsmen and artisans, than a 
museum, in wich only the weary murmurs of the occasional tourist group 
can be heard" (ZIMMERMANN, Reinhard. The new German law of obliga-
tions: historical and comparative perspectives. Oxford: Oxford University 
Press, 2005, p. 228). 
30 WITZ, Claude; RANIERI, Filipo. La réforme du droit allemand des 
obligations. Colloque du 31 mai 2002 et noveaux aspects. Paris: Société de 
Législation Comparée, 2004. 
31 "11 rimedio tedesco alla c.d. decodificazione: la modernizzazione del 
Bürberliches Gesetzbuch. ( ... ) Questo importante intervento legislativo e 
stato denominato di modernizzazíone e non riforma" (DIURNI, Amalia; 
KINDLER, Peter. Il Codice Civíle tedesco 'modernizzato'. Torino: Giappi-
chelli, 2004, p. 11). 
25 
1.2 GENERALIZAÇÃO E CONCEITUALISMO 
o sistema jurídico da racionalidade clássica, assentada 
na ideia de codificação, se edificou seccionando o direito 
da realidade, e o fez mediante conceitos gerais e abstratos. 
Eis que o tempo, aquela superfície e ondulante321 
mostrou-se um elemento essencial para a contemplação do 
Código Civil e das mudanças havidas no tablado jurídico do 
Direito Privado, operadas no trânsito da faticidade do real 
para o conteúdo normativo ali inserido. Uma técnica que 
nasceu do refinamento formal. 
O tempo da lei, em sentido estrito, todavia, captou a 
forma como razão de ser. Aqui se intentará dar cores a essa 
pintura de poucas variações. 
1.2.1 Ilha onde apenas habita Robinson33? 
A realidade humana pode ser, como o foi, conceitual-
mente redesenhada no Direito Civil por meio de categorias 
e definições, mas em todos os momentos, ainda que por ex-
clusões, Direito e realidade social se reconhecem mesmo 
como uns com os outros: não há realmente Direito na ilha 
onde apenas habita Robínson34, como já se afirmou. Contu-
32 SARAMAGO, José. O evangelho segundo Jesus Cristo. São Paulo: 
Companhia das Letras, 1991, p. 289. 
33 Titular da racionalidade, o sujeito que dimana da construção de Daniel 
Defoe coloca o ser humano dominador da Natureza, objetivamente 
considerada. 
34 Credita-se a expressão ao notável Carlos Alberto da Mota Pinto, ao tra-
tar da relação jurídica: "O conceito está, com efeito, dotado de transparên-
cia e adequação na expressão da realidade social disciplinada pelo Direito. O 
Direito não regula o homem isolado ou considerado em função das finalida-
des individuais, mas o homem no seu comportamento convivente. Não há 
Direito na ilha onde apenas habita Robinson. O Direito pressupõe a vida dos 
26 
dOI não responde por aí a qual sistema se está a tratar. A 
metáfora é, a rigor, um exercício da metafísica, mais aquela 
apreendida nos séculos XVIII e XIX, e arquiteta de ilhas e 
arquipélagos conceituais para incrustar sujeitos abstratos. 
O sistema que teve como nota de aprendizado a relação 
jurídica recai na formulação codificada do tipo conceitos ge-
rais-abstratos r deixando de lado outros tipos: como o ca-
suístico e o de ~eras diretivas), e a linguagem35 toma para 
si a chave de ingresso} é a linguagem técnica. Ao lado dessa 
tela, emerge o sistema de exposição (por excelência) a clas-
sificação germânica: parte geral, obrigações, contratos, coi-
sas, família e sucessões). E sob essa moldura um núcleo 
principiológico (no sentido moderno, da principiologia ge-
ral) estruturante: reconhecimento da pessoa e dos direitos 
de personalidade; liberdade contratual; responsabilidade 
civil; concessão de personalidade jurídica aos entes coleti-
vos; propriedade; família e herança. 
O direito valorativo que daí emerge, quando muito al-
cança cláusulas gerais (boa-fé) fraude à lei, repressão à usu-
ra), sem avançar, a rigor, um centímetro. A base se manti-
nha na diferenciação entre a Esfera jurídica pessoal e a Es-
fera jurídica patrimonial, precisamente o que fez, décadas 
homens uns com os outros e visa disciplinar os interesses contrapostos nesse 
entrecruzar de atividades e interesses", referindo-se por aí à crítica de Or-
lando de Carvalho, que alcunhou a relação jurídica de um veredicto anti-hu-
manista, ressalvando Mota Pinto que não se pode olvidar que o principal es-
copo do Direito Civil é a tutela da personalidade do indivíduo humano, o 
que contrapõe o generoso e nobre humanismo do Código português de 1867 
e do Código Civil suíço à despersonalizadora sistematização germânica 
(MOTA PINTO, Carlos Alberto da. Teoria geral do direito civil. 3. ed. 
Coimbra: Coimbra, 1993, p. 21- 22); tal crítica constante da edição aqui ci-
tada bem se agasalhou na refinada atualização promovida após o passamento 
do saudoso professor português. 
35 Referimo-nos ao poder nomeador da linguagem. 
27 
mais tarde, o Código Civil brasileiro, explicitamente, no 
Livro de família36 . 
A pessoa destinatária de tais articulações era mesmo o 
sujeito (a categoria) um universal) no tempo e nos quadran-
tes da teoria geral. Esse singular conceitualismo) sem muita 
crítica) faz todas as suas incursões no Código Civil brasilei-
ro) a exemplo de inclusões quanto aos direitos da persona-
lidade3? (art. 11 do Código Civil).Da Parte Geral, numa 
síntese, se encontram nas disposições de 2002: (i) ausência 
(art. 22 do Código Civil), estatuto agora vincado à capaci-
dade restrita e não mais apenas na família ou nas sucessões; 
(ii) associações e sociedades (art. 53 do Código Civil) 
como expressões tradicionais das pessoas imateriais corpo-
rificadas; (iii) bens: sem alterações (art. 79 do Código Ci-
vil) de fundo; (iv) redução da maioridade (art. 5°. do Códi-
go Civil), sem debate que verticalize a superação formal da 
definição da capacidade, a ser, quando menos, admitida, 
ad hoc; (v) nascituros: de base conceptualista (art. 2°. do 
Código Civil) a regra mantém berço para a teoria natalista; 
(vi) patologia negociaI: leves elementos de melhoria técni-
36 Em Teixeira de Freitas, a Seção III vinha aberta sob o título "Dos direi-
tos pessoais nas relações civis", assentado no pórtico das obrigações advindas 
dos contratos, cuja ideia ele mesmo reconheceu ser "tão difícil é definir" 
(TEIXEIRA DE FREITAS, A. Código Civil: esboço. Ministério da Justiça e 
Negócios Interiores, Serviço de Documentação, 1952, p. 663). 
37 São os direitos de personalidade os primeiros a sentirem os efeitos da 
migração do primado material do Direito Civil à função nuclear da Consti-
tuição. Esse upgrade de dignidade legislativa se explica. Integridade física, 
moral e psíquica, com expressões no direito à vida, ao nome, à liberdade, à 
segurança e à identidade pessoal, sem embargo de outros direitos, formam, 
assim, uma espécie de direito geral de personalidade com inclusão nas 
Constituições contemporâneas. Agora, o desafio já é o acesso de dados, ao 
sigilo, à proteção de informações pessoais, pois regras estáticas não dão con-
ta do acelerado processo de transformação na informática e da própria perda 
de privacidade que daí emerge. 
28 
ca como lesão, estado de perigo (art. 157 do Código Civil); a~ui aquietou-se a formulação numa preocupaçã~ mais f~r­
mal do que funcional; (vii) atos jurídicos em sentido estnto 
(art. 185 do Código Civil) captados na criticá,:el ~órmula 
dos atos ditos lícitos; (viii) prescrição e decadenCla (arts. 
189 e 207 respectivamente) do Código Civil), agora em re-
gime for~almente diferenciado! para tratar do valor jurídi-
co do fluir do tempo, com evidente redução de lapsos tem-
porais. . 
Aí se vê parcela do elenco da Parte Geral, um tardlO re-
quentar transversal da modernidade. Em termos técnicos, 
porém, corrigiu alguns problemas e defeitos deco.rrentes 
do tempo e da evolução doutrinária e jurisprudencial, mas 
sem alterações de fundo. Foi fiel ao gene originário. 
Acabou por ratificar o Código Civil de 2002, portanto, 
aquela nítida ideia de que uma lei não nasce lei, antes se ia.: 
lei em sua construção e lapidação cotidiana. Imperava, Ja 
naquele momento de gênese de 2002, uma certeza de.que 
o porvir demandava uma importante tarefa a concretizar, 
tarefa essa que apenas o tempo daria conta de expressar a 
ocorrência ou não de êxito. 
Exemplos não faltam, aptos que são a essa demonstra-
ção, tanto da insuficiência legislada quanto das possibilida-
des do discurso jurídico. 
1.2.2 Síndrome do Barão de Munchausen; o exemplo 
derivado do renascimento do contrato de casamento 
Tomemos, aqui para ilustrar, a concepção canônica do 
casament038 que se verteu numa expressão do contrato 
38 O texto constitucional de 1988 aloja o casamento como modo destaca-
do de constituição da família, deferindo à modalidade posição de realce coe-
rente com a relevância histórica e social do casamento civil válido. Não o fez, 
29 
clássico, e apreendeu os significados da Modernidade, se 
apresentando corno o pacto de constituição da família ma-
trimonializada39 . Era o contrato formal e perene. 
O conceito desse contrato moderno pereceu. Hoje, na 
contemporaneidade, dois fenômenos ao menos atestam 
esse óbito que é, ao mesmo tempo, novo renascimento: de 
um lado, a transubjetivação (quem contrata não mais con-
trata somente com quem contrata), e de outro, a transob-
jetivação (quem contrata não mais contrata apenas o que 
contrata). A relação entre autonomia privada e ordem pú-
blica, entre autorregulamento de interesses particulares e 
os princípios constitucionais,mudou de eixo. A feição es-
sencialmente patrimonialista do contrato resumia o senti-
do dos pactos, inclusive na área das famílias. 
Isso está superado. O que, hoje, se apresenta nas rela-
ções de comunhão de vida, é pacto existencial plurissubje-
tivo, prioritariamente marcado por circunstâncias comple-
tamente diversas, corno o direito potestativo ao divórcio, 
ao desafio das individualidades plúrimas, entre outros as-
pectos. 
Impende aprofundar o exemplo. O casamento, corno se 
sabe, não mais se faz à entrada, na reiteração do propósito 
e no momento da celebração, mas é urna construção, urna 
caminhada. O contrato do modelo duro, monolítico e infle-
todavia, em nosso ver, excluindo outras constituições da família, até porque 
o próprio legislador constitucional abriu as portas, expressamente, para a 
união estável e à família monoparental adotiva; esse entendimento está ao 
abrigo da jurisprudência recente do Supremo Tribunal Federal, mencionada 
neste texto. Adiante, neste transcurso de exposição, esse pilar do tripé de 
base do governo jurídico das relações interprivadas (qual seja, transito jurí-
dico, titularidades e projeto parental) será melhor examinado. 
39 Quanto a esse campo, por todos v.: OLIVEIRA, José Lamartine Corrêa 
de; MUNIZ, Francisco José Ferreira. Curso de direito de família. 4. ed. Cu-
ritiba: Juruá, 1998. 
30 
xível não dá conta desses semitons entre laços existenciais 
e ratio das famílias 40 contemporâneas. Isso não expurga o 
relevante valor jurídico da contratação e suas vinculações, 
afinal, ainda tem largo cabimento o pacta sunt servanda no 
sentido contemporâneo da expressão. A 
. A espacialidade e a temporalidade contemporaneas es-
boro aram o contrato clássico e demonstraram que ~ con-
ceito é incompatível com os pactos existenciais plunssub-
jetivos. A finitude dos arranjos jurídicos nas famílias 41 fez 
nascer para muito além de mera liberdade de contratar, 
um si~nificado renovado da responsabilidade e mesmo da 
liberdade. A liberdade deixa de ser meramente formal ou 
negativa demandando urna prática de liberdade substan-
cial, val~ dizer, liberdade para o desenvolv~mento pesso~l, 
com limites próprios inexistentes nas re1açoes contratUaIs. 
Aquele sentido de contrato, po_is, pa:a dar conta dessas 
ressignificações do casamento, nao maIS serve. 
A travessia da estrutura para a função 42 alterou ontolo-
gicamente diversos institutos jurídicos de base, dentre eles 
o casamento. Essa transformação enc~ntrou as d~~andas 
que se agasalham na tríade da Revoluçao Francesa '. rede-
senhando as noções de igualdade, liberdade e fratermdade. 
40 V. a propósito dessa mirada: LÔBO, Paulo Luiz Netto. Direito civil-
famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. 
41 Teoria e prática emblemáticas estão demon~tradas ~a obra de LA?A.S-
TRA NETO Caetano; TARTUCE, Flávio; SIMAO, Jose Fernando. Direito 
de família: ~ovas tendências e julgamentos emblemáticos. São Paulo: Atlas, 
2011. 
42 Por empréstimo tomam-se os vocábulos da ~br.a dá~sica: B~=>.BBIO, 
Norberto. Dalla struttura alla funzione: nuovi studI dI teona deI dmtto. 2. 
ed. Milano: di Comunità, 1984. 
43 A primeira República, na França, se caracter~ou pela d~fesa de valore~ 
contrários à aristocracia, arejada pelos ventos da lIberdade, Igualdade e fra 
ternidade. 
31 
Além disso, a emancipação dos sujeitos, a redescoberta das 
questões de gêner044 e os direitos sexuais e reprodutivos4S, 
faz emergir demandas46 democráticas e republicanas, e es-
tas projetaram a necessidade de responder não mais apenas 
à igualdade na diferença, mas sim a diferença dentro da 
própria diversidade. Assim, a estrutura rígida do laçoma-
trimonial despiu-se do jugo da submissão e foi encontrando 
espaços de liberdade substancia147 e de solidariedade real. 
Ademais, a necessidade cedeu lugar à ambiguidade do de-
sejo, nascendo, pois, o assim alcunhado "necejo" (necessi-
dade mais desejo), que são as necessidades sedutoras do hi-
perconsumo e os selos das pulsões indomadas. 
O problema não raro encontra uma falsa solução. Su-
põe-se que a esclerose do contrato matrimonial dê, incon-
44 Anotação que calha aqui, com memória saudosa da notável contribui-
ção da civilista espanhola, da obra: FERNANDÉZ, Maria Rosario Valpuesta. 
Mujeres, contratos y empresa desde la igualdad de género. Espana: Tirant 10 
Blanch,2014. 
45 "O efetivo exercício dos direitos sexuais e reprodutivos demanda polí-
ticas públicas, que assegurem a saúde sexual e reprodutiva. Nesta ótica, es-
sencial é o direito ao acesso a informações, a meio e recursos seguros, dispo-
níveis e acessíveis. Essencial também é o direito ao mais elevado padrão de 
saúde não como mera ausência de enfermidades e doenças, mas como a ca-
pacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e satisfatória e de reprodu-
zir-se ou não, quando e segundo a frequência almejada" (PIOVESAN, Flá-
via. Direitos sexuais e reprodutivos: aborto inseguro como violação aos di-
reitos humanos. In: __ i SARMENTO, Daniel [orgs.]. Nos limites da 
vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos 
humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007. p. 55). 
46 Com efeito, há explicitaçoes sólidas na literatura jurídica quanto a iSSOi 
v. e.g.: MARQUES, Cláudia Limai MIRAGEM, Bruno. O novo direito pri-
vado IJ a proteção dos vulneráveis. São Paulo: RT, 2012. 
47 Sobre o tema, amplamente, ver a tese: PIANOVSKI RUZYK, Carlos 
Eduardo. Institutosfundamentais do direito civil e liberdade(s). Rio de Ja-
neiro: GZ, 2011. 
32 
tinenti, lugar a um novo instrumento jurídico. Não basta 
novo significante. Cumpre abrir as portas para entender os 
novos significados. 
Somente a dialética, advinda das relações materiais da 
sociedade de classes, e uma dimensão da zetética48, no ter-
reno da jurididdade, poderão fazer emergir um desenho ju-
rídico submetido à contraprova da realidade. Enfim, não há 
família justa - para tanto ensinou a escola sociológica de 
Frankfurt49 - numa sociedade injusta. 
O impacto foi (e está sendo) imenso. Inexiste aprioris-
ticamente um conceito único de família; a realização pes-
soal se elevou a um direito fundamental. Todos esses novos 
arranjos representam conquistas e dilemas. Afinal, a liber-
dade de ser, individual e coletivamente, o que cada um é, 
também implica em dar resposta a essa liberdade, em ser 
responsável também com o outro. Ou seja: tem lugar a éti-
ca da responsabilidade e não da convicção, como se susci-
tou a partir do pensamento legado, nesse sentido, por Max 
Weberso. 
48 Utiliza-se aqui a dimensão material da zetética que dialoga com a tópi-
ca, opondo-se à lógica formal mecanicista. O vocábulo não tem, n~ste texto 
e respectivo contexto, a pretensão de agasalhar o que se denommou, com 
ácido e lúcido humor de "nominações de sabor isotérico, como zetética ou 
sinépica" (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. Da bo~-fé 
no direito civil. Coimbra: Almedina, 1984, especialmente no v. 1, nas pagi-
nas 30 e 42, notas de rodapé 17 e 63, respectivamente). 
49 A referência genérica somente se destina a acolher, na tradição do que 
usualmente passou a denominar-se de Frankfurter Schule, instrumentos da 
teoria social que são úteis aqui para reconhecer como inerentes à sociedade 
contradições e o respectivo caráter dialético, como demonstraram, nos tra-
balhos daquele jaez, Max Horkheimer, Theodor Adorno e Herbert Marcu-
se. 
50 Concernente ao ponto e ao tema, v.: BURGER, Thomas. Max Webers 
Theory of concept formation: history, laws, ad ideal types. Durham: Duke 
University Press, 1987, especialmente na página 6. 
33 
A garantia do respeito ao projeto de vida é um direito 
fundamental. Essa garantia efetivada corresponde a uma 
sociedade menos preconceituosa e menos excludente. Para 
operar essa inclusão tem o Poder Judiciário um papel de 
extraordinária relevân~ia, quer abrindo as portas que a 
inércia do legislador fechou, quer agasalhando demandas 
de proteção contramajoritárias, nos limites do ordenamen-
to jurídico. 
Nada obstante, o juizS1 precisa vencer a Síndrome do 
Barão de Munchausen, vale dizer, superar a concepção in-
sular do direito, vencer a imagem especular do juiz clássico 
que fotografava o mundo da vida através da vida das formas 
jurídicas. 
Dissensões e consensos somente se desenvolvem legiti-
mamente nos foros abertos e plurais de debates, próprios 
do Estado de Direito democrático. Desde Esopo, "nin-
guém é tão grande que não possa aprender, nem tão peque-
no que não possa ensinar". Numa sociedade em constante 
mutação e com vocação para realizar a igualdade, a liberda-
de e a fraternidade, ainda que com alguns séculos em mora, 
o debate se alça nesse patamar de oblação de questões e 
possíveis respostas para os desafios da vida em família. 
Por aí se pode ver um singelo exemplo, tal como expos-
to; impende agora dar um passo adiante. 
51 Calha a mais não poder o conselho respeitoso ao juiz para "estudar o Di-
reito, frequentar a cultura geral, as artes e vida", bem como ter "sintonia so-
cial, que faz do Juiz o conhecedor da própria realidade circunjacente, como 
que especialista em apreender os extratos da experiência da sociedade a que 
serve" (BENETI, Sidnei Agostinho. Da conduta do juiz. São Paulo: Saraiva, 
1997, p. 179; 172). Precisamente porque, como escreveu Ripert, "le juge est 
le gardien du droit et sa fonction impose l esprit que lanime" (RIPERT, Geor-
ges. Les forces ... , p. 11). 
34 
1.3 CATEGORIAS ESTRUTURANTES 
o papel do privatismo doméstico na codificação de 
1916, cujas raízes históricas e sociológicas foram disseca-
d~s em Orlando Gomes, deita ramificações no Código Ci-
vil brasileiro vigente. Da codificação patrimonial imobiliá-
ria, contudo, forçoso é reconhecer que o novo Código vem 
sendo perpassado por leitura que apreende contrato, titu-
laridades e família, categorias estruturantes da organização 
jurídica dessa espacialidade. 
O mobiliário científico nas raízes do Brasil do século 
XIX se redesenha ao final do século XX como pilar funda-
mental nas obrigações, nas relações familiais e na proprie-
dade (em sentido amplo, englobando, aí, também a empre-
saS2). Para a atividade, empresaS3 vero e própria, celeridade, 
desburocratização e segurança constituem tripé de desejos 
a realizar. Para o regime de Contratos, as Obrigações 
tendem a recolocar o sentido da vinculatividade substan-
cial das partes, ambiência de especial cabimento da 
boa-fé. Quanto a essa cláusula geral, a síntese pode ser 
mesmo esta: consolida-se, no Brasil, conceito mesclado 
52 Desaparece na unificação operada pelo Código Civil a figura do comer-
ciante, em face do Livro do Direito de Empresa; contudo, alerta atilada dou-
trina que "o empresário não se mostra como simples versão moderna do co-
merciante" (CAMPINHO, Sérgio. O direito de empresa à luz do novo Códi-
go Civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2003, p. 3). 
53 O tema da função social da empresa não integra o conteúdo das presen-
tes reflexões; o tema, sem embargo, é de ímpar relevo, quer pelas conexões, 
e.g., com o exercício abusivo do direito de voto e a responsabilidade do só-
cio, quer pela atual unificação que, nessa parte, o Código Civil promoveu no 
Brasil do Direito Privado. Direitos de acionistas minoritários, responsabili-
dade civil dos administradores sociais, dentre outras questões, emergem 
agora para esse cenário de reflexão à luz dos princípios inscritos no Código 
Civil, inclusive o do parágrafo único do art. 2.035. 
35 
(Mischling) de boa-fés4, emparte distinto da tradição ger-mânica, quer pelas diversas origens, quer pela metodologia 
de aplicaçãoss . Preservação e construção são dois aspectos 
dessa travessia: as categorias estruturantes se preservam, 
sem prejuízo das operações derivadas da força construtiva 
dos fatos percebidos pela doutrina e pelos tribunais. 
Problemas e virtudes da boa-fé l por exemplo I na juris-
prudência e na doutrina, tomam como 'pano de fundo' o 
panorama instalado a partir da contemporaneidade .. proje-
tando-se, de algum modo, na codificaçãos6 de 2002 e nos 
54 "A boa-fé tem, no Código Civil, uma presença múltipla", escreveu Me-
nezes Cordeiro no monumental estudo de sua autoria, referindo-se à codifi-
cação portuguesa; parece-me legítimo ampliar a menção ao Código Civil 
brasileiro também (MENEZES CORDEIRO, António Manuel da Rocha e. 
Da boa-fé ... , v. I, p. 24). 
55 A exemplo, do STJ vem. a correta decisão no Recurso Especial 
1.040.606 - ES, relator Ministro Luis Felipe Salomão ao suplantar o argu-
mento do paralelismo de forma com a aplicação de institutos ligados à boa-
fé objetiva. Não há dúvida da indireta pertinência do tema com o venire con-
tra factum proprio, a supressio, a surrectio, e o tu quoque. Sem embargo, o 
tema se resolvia na incidência dos artigos 107 e 472 do Código Civil brasi-
leiro, pois a simetria formal somente se impõe quando a própria lei, impera-
tivamente, define a forma. No caso, realmente não podia mesmo a locadora 
alegar nulidade da avença de distrato, pactuado consensualmente, com o in-
tento de manter o contrato rompido pelo mútuo acordo entre as partes oral-
mente celebrado, buscando estribar-se, como consta da ementa do acórdão, 
no "argumento de que a lei exige forma para conferir validade à avença". Vê-
se no corpo do acórdão a tentativa de dar incorreta aplicação do artigo 472 
do Código Civil, o que foi adequadamente repelido pelo Tribunal. O STJ, 
no caso; levou em conta o que denominou de "peculiaridade da moldura fá-
tica", considerando que "a forma utilizada para o distrato não é o ponto ne-
vrálgico para a solução da controvérsia". Socorreu-se do acutíssimo ensina-
mento de Judith Martins-Costa para acolher, na esteira da boa-fé objetiva, a 
Verwikung, isto é, a supressio, mencionando, quanto ao tu quoque, a obra de 
Flávio Tartuce, bem como o Enunciado 412, da V Jornada de Direito Civil 
do Centro de Estudos da Justiça Federal. 
56 O vocábulo codificação ao ser datado no tempo se apresenta em sinoní-
36 
julgados do Superior Tribunal de Justiça, com novos desen-
volvimentos teóricos, nomeadamente a incidência de prin-
cípios e direitos fundamentais nas relações entre particula-
res. Nada obstante, esse campo vai se defrontar com ques-
tões técnicas importantes surgidas como v.g. a aplicação da 
boa-féS? nos contratos, e problemas de ausência de critérios 
e de definição de conteúdo nos julgados. O equilíbrio entre 
a base científica e as razões dessa ductibilidade conceitual 
suscita relevante contribuição da literatura jurídica em vá-
rios conceitos sob a ideia de boa-fé. 
Na estrutura de fundo, ao objetivo da realização da 
cientificidade, resiste, na doutrina e na racionalidade jurí-
dica do Direito Civil, a distinção organizada a partir das ca-
tegorias dicotômicas. Direito objetivo e direito subjetivo 
abrem o pórtico, e isso é assim tanto na explicitação da 
doutrina italiana quanto entre nós. Direito Privado e Direi-
to Público se bifurcam na metáfora do jardim à praça, 
como também, em sede isolada do privado clássico, a nor-
ma e o princípio, o individual e o coletivo. 
Pessoa e sujeito nesse status se elevam como categoria 
testemunhal de um tempo que eclode por meio de juízo de 
inclusão. Isso se dá, todavia, apenas após o fim da Segunda 
Grande Guerra. Até ali, e no Brasil de forma persistente 
quase até o final do século XX, configura-se uma decala-
mia ao de Código. Codificação, porém, não se reduz ao ato de codificar, ain-
da que o compreenda. De modo mais alargado, apreende uma racionalidade 
própria de circunscrever o fenômeno jurídico sob o ideário da totalidade e 
da completude. A propósito, v.: HERNANDEZ GIL, Antonio. Formalismo, 
antiformalismo y codificación. In: Conceptos jurídicos fundamentales. Ma-
drid: Espasa-Calpe 1987. 
57 No âmbito dos direitos reais, ver a incidência do tema em nosso: Aqui-
sição construtiva de solo alheio: princípio superficies solo cedit, boa-fé e fun-
ção social à luz do Código Civl1 brasileiro. Revista dos Tribunais, São Paulo, 
v.922,p.123-138,2012. 
37 
gem no direito entre a pretensão (pessoa) e a possibilidade 
(sujeito). O exemplo da doutrina portuguesa é emblemáti-
co para compreender o esforço evolutivo a partir do Códi-
go de SEABRA até a codificação dos anos 60. Impactos há, 
ali e alhures. O conceito ético objetivo da doutrina alemã, 
decalcado do BGB, traduz outros desafios para as obriga-
ções e os contratos. Ainda mais profundo, o transcurso dos 
fatos ao jurídico apreende num patamar quase simétrico as 
relações jurídicas e as relações de fato. 
Os princípios fundamentais começam a ser escritos sob 
outro tempo: a liberdade individual relê autonomia com 
igualdade substancial; o reconhecimento da pessoa e direi-
tos de personalidade recebe o influxo dos direitos funda-
mentais e forte reação do sujeito em face do Estado; à li-
berdade contratual começa a corresponder uma renovada 
comutatividade, com amplos espaços de limites, inclusive 
pela nova significação da bana fides; responsabilidade civil 
principia por se vestir de direito à reparação de danos, com 
foco na vítima e não mais apenas no nexo causal; proprieda-
de e posse se distanciam sem ruptura58; a formação do nú-
cleo familiar desaprende os nós com os quais se atava a li-
berdade de autodeterminação da pessoa; a legitimidade da 
herança e direito de testar59 recebem tímidos prenúncios 
58 "O novo Código Civil pode também ser visto sob o prisma da oscilação 
entre abstração e autonomia. Abstração, e subordinação da posse à proprie-
dade, à medida que manteve o jheringniano art. 485 do Código Beviláqua" 
(V ARELA, Laura Beck. A tutela da posse entre abstração e autonomia: uma 
abordagem histórica. In: MARTINS-COSTA, Judith. A reconstrução do di-
reito privado: reflexos dos princípios, diretrizes e direitos fundamentais 
constitucionais no direito privado. São Paulo: RT, 2002, p. 789-842). 
59 Tema conexo e de grande relevo é o living will, traduzindo-se no cená-
rio jurídico como a legítima possibilidade de emanar diretivas antecipadas 
de vontade com eficácia em vida. Usualmente denomina-se de testamento 
vital, em que pese certa impropriedade no vocábulo testamento, eis que, 
38 
de vitalidade; e a concessão de personalidade jurídica aos 
entes coletivos60 se abre, progressivamente, para novas 
formações complexas que arrostam o nominalismo perso-
nificador61 . 
Ainda assim) o sujeito abstrato do pensamento estrutu-
rado sob a codificação é mesmo uma categoria de ser racio-
nal que o conceito fez substituir à pessoa. 
1.3.1 O ser pelo pensar? 
A Razão, a seu modo e a seu tempo, deu azo a uma certa 
superação de um dado paradigma da cognoscibilidade, e 
fez-se premente no articulado renascimento da ciência 
clássica no século XVI, aquilo que rompe, em termos ge-
rais, com a mentalidade medieval europeia. 
Contudo, não menos verdade é o fato de que a promo-
ção deste conhecimento lastreou o desenvolvimento da ra-
cionalidade moderna, levando à ebulição política, que já se 
precisamente aqui, os efeitos são precipuamente para se produzirem em 
vida. 
60 A exemplo, um desafio que se postou foi precisamente a desconsidera-
ção da personalidade jurídica, especialmente em grupos de sociedade. 
61 A crise de função e de estrutura da pessoa jurídica foi o ápice desse sin-
toma. Tornou-se, por todos os méritos, clássica e de indispensável consulta 
a obra do Professor Lamartine Corrrêa de Oliveira sobreo tema: OLIVEI-
RA, J. Lamartine Corrêa de.A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Sa-
raiva, 1979; mais tarde, em artigo ímpar o tema foi retomado: LEONAR-
DO, Rodrigo Xavier. Pessoa jurídica: por que reler a obra de J. Lamartine 
Corrêa de Oliveira hoje? In: CASTRO, Rodrigo Pironti Aguirre de [org.]. 
Concurso de monografias prêmio J. Lamartine Corrêa de Oliveira. Curitiba: 
Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Paraná, 2005. Especificamente a 
partir do âmbito das controvérsias na família, v.: MADALENO, Rolf.A des-
consideração judicial da pessoa jurídica e da interposta pessoa física no di-
reito de família e no direito das sucessões. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 
2013. 
39 
sagrava, de algum modo, no plano econômico e social; a 
manutenção dos privilégios da nobreza na Europa, já no 
apagar das luzes do século XVIII, não mais se fazia possível. 
Revolucionou-se, pois, não apenas uma sociedade, mas sim 
uma cultura e, porque não, certa racionalidade. O Brasil, na 
aculturação, tomou carona e empréstimo do que observou 
e do que se lhe impôs, por transposição, nos limites das 
possibilidades, do contexto e da originalidade que cabia. 
Ademais, mesmo no Velho Continente, um determina-
do conceito de metafísica clássica que outrora havia sido res-
gatado e lapidado sob o método cartesiano, que pela lógica 
matemática chegou à existência do ser pelo pensar, passa por 
uma forte turbulência, a qual pode ser apreendida como pro-
cesso crítico de constante questionamento e (des )constru-
ção, cujo desiderato não poderá ser outro senão aquele que 
tem sua síntese numa concepção epistêmica. 
Como se sabe dos fundamentos elementares, Comte 
deixou seu legado à ciência pela elaboração do método cien-
tífico positivista62, que buscava observar e explicar os fenô-
menos isoladamente considerados, incluindo-se aqui os fa-
tos sociais. Neste caso, o Direito foi cientificamente conce-
bido na busca pela regulamelltação dos fatos sociais por es-
truturas transpessoais, naquilo que se denominou de Esta-
do, e que elaboraria leis abstratas para prever e orientar as 
pessoas segundo um juízo de dever ser das condutas huma-
nas. Os fatos redesenhados em conceitos se tornam gerais 
e abstratos compondo as leis, e, do estudo destas, inaugu-
rar-se-ia, pois, uma nova ciência, que desvinculou fato e 
norma, tomando esta por objeto. Eis aí uma notável cisão. 
62 Em diversas obras o pensamento do conhecido positivista está presen-
te; no Brasil, um dos repertórios básicos é o seguinte: COMTE, Auguste. 
Curso de filosofia positiva. São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 3. Col. Os 
pensadores. 
40 
O quadro não era, pois, linear nem imóvel. A exemplo, 
criticando a conformação social do século XIX, Nietzsche 
extraiu de sua externalidade política, cultural e organiza-
cional a vontade de poder - uma necessidade histórico-psi-
cológica do existir humano que visa "imprimir no deviro 
caráter de ser63 . Escancara-se, pois, a contradição intra-
muros não apenas da coisa em si, mas do próprio sujeito ra-
cional64 • 
Além de colocar em xeque a própria concepção de su-
jeito racional, Nietzsche procede a uma crítica aguda da 
moral e da própriaformaçáo cultural da sociedade, susci-
tando que os significados eos valores vigentes na sociedade 
são relativos e mutáveis, frutos de sua própria historicida-
de, inexistindo, assim, uma verdade absoluta65 . 
1.3.2 Os tempos de Hegel a Kelsen 
Há mais ainda nesse quadro de ebulições, nomeada-
mente no campo da filosofia, da teoria do conhecimento e 
da economia política. Assim, todo o pensamento em Marx, 
influenciado em boa medida pelo materialismo de F euer-
bach e pela dialética de Hegel66, elaborou um método 
63 NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A vontade de poder. Rio de Janeiro: 
Contraponto, 2008, p. 316. 
64 Ibidem, p. 29l. 
65 Idem. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, 
p. 172-175. 
66 O ser está no centro do conhecimento, com sua história, vivência e 
contradições. É essa a dimensão hegeliana que informa este texto. Não se 
trata de outra ontologia, especialmente a kantiana quando suscita a prece-
dência do conhecimento ao ser. Não se exclui a ideia filosófica de que a pa-
lavra também, a seu modo, é um ser em cujo reino de possibilidades habita 
a compreensão em si e a apreensão do próprio objeto do conhecimento. So-
bre Hegel, interessante olhar a partir da filosofia para o direito: FINE, Ro-
41 
novo, diferente daqueles até então existentes para o estudo 
das ciências sociais, o materialismo histórico-dialético. Por 
meio deste método, dedicou-se ao estudo das relações so-
ciais e propugnou que a conformação social dos indivíduos, 
estratificados em classes, tratava-se do resultado histórico 
das relações de produção e de exploração praticadas pelo 
homem nas relações materíais da vida67 , Depreende-se, 
assim, cenário de clara conformação do Direito dentro do 
sistema econômico. 
Suscitou Marx68 que as relações tidas em sociedade es-
tavam na infraestrutura de um sistema cuja superestrutura 
estava ordenada à manutenção dessas relações de explora-
ção, por meio de aparatos tanto materiais quanto ideológi-
cos. Nesse sentido, os valores disseminados socialmente 
por meio da religião e da moral condicionam ideologica-
mente o pensamento do homem, alienando-o e escamo-
teando as relações de exploração historicamente estabele-
cidas, conduzindo a uma "compreensão invertida dessa his-
tória ou à abstração total dela69 . 
Desse modo, sem embargo de uma síntese reducionis-
ta, é possível afirmar, para os fins desse ensaio, queda crí-
bert. Hegels critique of Law: A Re-Apraisal. In: Plurallegalities: criticalle-
gal studies in Europe. Nijmegem: Ars Aequi Libri, 1991. p. 127-138. Mais 
especificamente: BRUDNER, Alan. Hegel and the crisis of private law. In: 
CORNELL, Drucila; ROSENFELD, Michel; CARLSON, David Gray. He-
gel and Legal Theory. London: Routledge, 1991. p.127-173. 
67 MARX, Karl. Obras escolhidas. Lisboa: Avante, 1982, t. 1. 
68 Especificamente, num dos pilares de sustentação do Direito Civil, a fa-
mília, ver nosso: Aspectos do legado de Marx e Engels para a teoria crítica do 
direito civil contemporâneo: uma releitura à luz da sagrada família. In: 
LIMA, Martônio Mont'Alverne Barreto; BELLO, Enzo [orgs.]. Direito e 
marxismo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 143-154. 
69 MARX, Karl. Teses sobre Peuerbach. Rio de Janeiro: Civilização Brasi-
leira, 2007, p. 36. 
42 
tica à metafísica clássica levada a cabo pelo positivism07o de 
Comte, pelo niilismo de Nietzsche e pelo materialismo his-
tórico-dialético de Marx71 emergiram diferentes posiciona-
mentos no início do século XX, dentre eles, em síntese, a 
s:;lber: (i) provinda da noção de ordem e progresso trazida 
peda ciência positiva e pelo método científico, floresce a 
Escola Positivista do Direito, que teve por expoente Hans 
Kelsen72; (ii) derivando das críticas marxistas, sobreveio a 
Escola de Frankfurt, marcadamente preocupada com o as-
pecto social do homem e com as relações de exploração, 
manifestando, inclusive, especial interesse sobre a arte e 
sobre a técnica em uma perspectiva crítica; (iii) das críticas 
de Nietzsche, sobreveio a Filosofia Existencialista, cujo 
pensamento foi fortemente influenciado pela fenomenolo-
gia73, cujo estudo buscou a compreensão do homem em si, 
70 A crítica que aqui se subscreve é aquela que se dirige de encontro à for-
mulação de verdades totalizantes e definitivas para o Direito, como peremp-
tórias por serem dotadas de certeza científica. 
71 A propósito, algumas fontes: MARX, Karl. O capital: crítica da econo-
mia política; o processo de produção do capital. Rio de Janeiro: Civilização 
Brasileira. v. 1. Idem, op. cit., v. 2; Idem; ENGELS, Federico. La sagrada 
família: y otros escritos filosóficos de la primera época. 2. ed. México: Gri-
jalbo, 1960. 
72 "Nãohá exagero em se considerar Hans Kelsen como o grande filósofo 
do Direito do século XX" (DIAS TOFFOLI; RODRIGUES JUNIOR, Ota-
vio Luiz. Hans Kelsen, o jurista e suas circunstâncias: estudo introdutório 
para a edição brasileira da Autobiografia de Hans Kelsen. In: Autobiografia 
de Hans Kelsen. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011, p. 12). Sobre Kelsen, 
cite-se ainda recente publicação relevante: DUARTE DALMEIDA, Luís; 
GARDNER, John; GREEN, Leslie. Kelsen revisited; newessays on the Pure 
Theory of Law. Oxford and Portland, Oregon: Hart Publishing, 2013. 
73 Nesta área da filosofia fenomenológica aparece ímpar o nome de Ed-
mund Husserl, cujo pensamento esteve ontologicamente vincado pelo co-
nhecimento adequado sobre a essência das coisas; sobre a fenomenologia 
aplicada ao Direito, v. o clássico: SICHES, Luis Recaséns. Direcciones con-
43 
sobre como ele se coloca no mundo e quais eram os seus an-
seios pessoais, existenciais. 
Tal sucinta apreensão fornece, nos seus limites, ideias 
para assentar a presente reflexão sobre a compreensão do 
sistema clássico que aninhou as codificações na origem mo-
derna. Desse ontem mais longínquo, assentado em termos 
de codificação no Código Civil francês e no BGB, chega-se 
ao ontem recém-ocorrido, a exemplo o Código brasileiro 
de 2002. Nesse Brasil, até o passado chegou tarde. Dessa 
mora tratar-se-á a seguir. 
1.4 CODIFICAÇÕES E SEUS TEMPOS 
Prelúdio que apreenda o Direito Civil clássico e o pro-
jete ao Direito contemporâneo não pode deixar de registrar 
que o Brasil teve duas codificações, paradoxalmente, den-
tro e fora de seu próprio tempo. A fotografia dos fatos so-
ciais, em seu contexto histórico, cultural e econômico, re-
cebeu molduras distintas, mas sob um mesmo fio condu-
tor. Dois Códigos revestidos de importância a que jurista 
algum pode mesmo negar. 
O Código de 1916 é produto do século XIX, ainda que 
tenha entrado em vigor logo ao fim dos três primeiros lus-
tros do século XX. O Código Civil de 2002 74 é produto do 
pensamento jurídico sistematizado na década de 70 de um 
temporáneas deZ pensamiento jurídico: la Filosofia deI Derecho en el siglo 
XX. Barcelona/Buenos Aires: Labor, 1929, especialmente a partir da p. 212. 
74 "Na realidade, no Código Civil de 2002 tudo o que é de fato novo fi-
cou de fora, enquanto os pretensos avanços corresponderr: a soluç~es já :co-
lhidas pela jurisprudência de há muito, especialmente após os avanços im-
postos pela Constituição de 1988" (FARIAS, Cristiano Chaves de. Direito 
civil: teoria geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005, p. 20). 
44 
Brasil que restou sepultado, em boa parte, pela Constitui-
ção de 1988; entra em vigor ao começo deste século com 
desafios redobrados, após longo embalo no berço legisla-
tivo. 
1.4.1 O registro histórico em Orlando Gomes 
No meio desse caminho há registro relevante a ser reto-
mado. Trata-se não apenas do Projeto Orlando Gomes para 
a codificação, como também de um viés de relevo histórico 
imenso para o Estado de Direito democrático. 
O anteprojeto foi publicado em março de 1963 e repu-
blicado em 198575 . Contém a exposição de motivos subs-
crita pela Comissão, da qual era Orlando Gomes relator. 
Era o tempo da recente aprovação pela Câmara do antepro-
jeto da Comissão presidida por Miguel Reale. Assentou Or-
lando Gomes na nota explicativa ao pórtico da publicação: 
"A sua leitura pode vir a oferecer hoje alguma contribuição 
à modernização e ao asseio da recodificação que recebeu as 
bênçãos do defunto governo autoritário, até porque a von-
tade de ruptura pacífica com a ordem extinta tem cristali-
zação lenta. Poucas inovações traz esse projeto tradiciona-
lista ( ... )". 
Quatro partes compunham o anteprojeto apresentado 
em 31 de março de 1963, sob o Brasil ainda democrático de 
então: Pessoas, Família, Coisas e Sucessões; eliminava a 
Parte Geral e registrava a separação do Livro de Obriga-
ções, em homenagem à unificação do Direito Privado. A 
ide ia era elaborar, como se sabe, um Código de Obrigações, 
tarefa que, naquela altura, houvera sido confiada a juristas 
75 GOMES, Orlando. Código Civil: projeto Orlando Gomes. Rio de Ja-
neiro: Forense, 1985. 
45 
do !a~z de Caio Mário da Silva Pereira} Alfredo Lamy Filho} 
TeofIlo de Azeredo Santos e Silvio Marcondes. 
. Em Orlando Gomes} consolidação e inovação eram os 
dOIs prumos da proposição} pois, como acentuou o seu au-
tor, "sem esse propósito de inovar não se justificaria a re-
forma .do Código Civil". Propôs a conciliação necessária 
entre lIberdade e justiça, entre inovação e preservação. 
Na mensagem exarada na Cidade do Salvador em 
1963, arrematava Orlando Gomes: "Toda tentativa d~ co-
dificação implica uma definição da política J'urídica a ser se-
'd "76 C C . , gUl a . om eleIto, o PaIS testemunhou mais tarde a op-
ção feita. " 
1.4.2 Filho tardio da modernidade 
Em _2002 vem a termo a tramitação legislativa e a pro-
mulgaçao do novo Código, mantendo substancialmente a 
estrutura dos Livros do Código de 1916. São codificações 
o~to~~is do ideário postado no envelope do positivismo 
cIentIfIco que caracterizou, no Direito, o que se denomi-
nou ~e M~der~idade (não sem controvérsia) para fins de 
e.nfeIxar, hIston~amente, no pensamento ocidentallegatá-
no das formulaç~e~ da Europa ocidental e da família jurídi-
ca romano-germamca, uma proposição de código e de com-
pletude do sistema jurídico. 
. ~ada obstante, será de uma flagrante injustiça não ad-
mItIr que ambos os Códigos tiveram no Brasil longos perío-
dos se s?mada~ as fases de anteprojeto e de projeto (não 
:ar~, maiS de ~Ibernação do que de elaboração), a partir de 
IdeIas e propositos de notável sustentação dogmática e 
c~m conhecin:ento elogiável do estado da arte nas legisÍa-
çoes estrangeIras de porte. Também cumpre reconhecer 
76 Ibidem, p. 94. 
46 
que ambos os Códigos j após aprovados e promulgados j não 
se erigiram como muralha intransponível para a hermenêu-
tica. Assim se passou com o Código de 1916, sendo, a seu 
tempo, a Súmula 380, do Supremo Tribunal Federal, um 
exemplo de reconstrução de sentido. 
Mesmo filho tardio da modernidade (agora grafada 
com minúscula para expressar uma representação do pen-
samento cuja possibilidade de apreensão da vida e das coi-
sas esteja, em si, espelhada), o Código de 2002, a seu 
modo, também não tem sido imune à reconstrução de sen-
tidos. É que o transcurso do tempo e a força dos fatos de-
ram razão ao legislador da Constituição, cujo programa am-
pliado generosamente se refletiu como abrigo para a super-
veniente codificação. 
É, sem embargo, um projeto filho de seu tempo e de 
seus limites conceituais da racionalidade codificadora. Ain-
da assim, na operabilidade dos mais de dois mil artigos, é 
notável o que tem sido produzido. 
Tribunais e doutrina têm sido chamados77, mais pela 
força construtiva dos fatos do que por vocação constituin-
te, a integrar, a interpretar e a dar sentido de limite e de 
possibilidades. É possível reconhecer, então, sem embargo 
da crítica feita a seu tempo quanto à ideia de codificação, 
que a presença do Código, ainda que seja o triunfo pragmá-
tico de um projeto de asas fabricadas para voar mais ventos 
soprados do pretérito, não é, nem tem sido, por si só bar-
77 Mesmo divergindo da ideia codificadora e assentando, em nosso ver, 
uma inconstitucionalidade axiológica em relação ao projeto da década de 
70, anterior à Constituição de 1988, ao ser vencida tal etapa de debate, pre-
valecendo o desdobramento da proposta na remessa da Câmara para o Sena-
do, não nos furtamos à colaboração crítica e construtiva, pelo chamamento 
do saudoso Senador Josaphat Marinho, registrada, aliás, por Miguel Reale no 
histórico da nova codificação (REALE, Miguel. História do Novo Código Ci-
vil. São Paulo: RT, 2005, p. 32). 
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reira à reconstrução

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