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Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias SEMINÁRIO II - ESPÉCIES TRIBUTÁRIAS Questões 1. Efetue, de forma fundamentada, proposta de classificação jurídica dos tributos, evidenciando os critérios classificatórios adotados. A destinação do produto da arrecadação tributária é relevante para a classificação jurídica dos tributos e consequente definição das espécies tributárias? Considerar, na análise da pergunta, o art. 167, inciso IV, da CF/88, e o art. 4 º do CTN. (Vide anexo I). A legislação tributária pode proibir a compensação de tributos entre diferentes espécies sob a justificativa de que a destinação das receitas são diferentes? (Vide REsp 1.449.713) Em relação à proposta de classificação jurídica dos tributos, faz-se necessário analisar o disposto na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional, na doutrina e no entendimento do STF. Para a CF/88, com fulcro no art. 145, I a III, os Entes Tributantes – União, Estados, Distrito Federal e Municípios – poderão instituir três espécies tributárias, quais sejam: impostos; taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; e contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas. Além disso, nos arts. 148 e 149, verificam-se mais duas espécies: empréstimos compulsórios e as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas (contribuições especiais). Sendo assim, entendo que para a nossa Carta Magna, os tributos são classificados em cinco espécies. Para o CTN, com base no art. 5º, as espécies tributárias são classificadas em três, sendo: impostos, taxas e contribuições de melhoria. Por conseguinte, na doutrina, encontramos outras propostas de classificação dos tributos. Primeiramente, vamos considerar a teoria do Professor Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias Paulo de Barros de Carvalho, que optou pela classificação intranormativa 1 , que pode ser sintetizada como a análise de cada espécie a partir da regra-matriz de incidência de cada um. Para tanto, o autor considera como elementos úteis ao agrupamento das classes a hipótese de incidência e a base de cálculo. Partindo desse pressuposto, tomando por base a hipótese de incidência, ocorre a divisão dos tributos em vinculados e não vinculados. Os tributos vinculados apresentam em sua hipótese de incidência, de forma clara, uma atividade do Estado, que pode ser direta ou indiretamente relacionada ao contribuinte. Já os tributos indiretos, em seu antecedente normativo, preveem a indicação de aspectos relacionados à realização de negócios jurídicos pelo sujeito passivo, sem relacionar qualquer tipo de prestação estatal. Por conseguinte, quanto a base de cálculo, encontramos três possibilidades 2 : a) quando se tratar de tributo diretamente vinculado, como a taxa, deverá ser considerado o custo da atuação do Estado, direta e específica destinada ao contribuinte, refletindo na base de cálculo a medida e a intensidade da referida contraprestação do ente tributante; b) no caso de exação indiretamente vinculada, como a contribuição de melhoria, deverá ser levado em conta a atuação da atividade estatal, qual seja a valorização imobiliária decorrente da obra pública, mensurando assim a base de cálculo; e c) em relação à espécie não-vinculada, como o imposto, o que deverá ser considerado como base de cálculo é o valor do fato praticado pelo particular, totalmente desvinculado de qualquer ação/atuação do Estado. Não obstante, quanto aos empréstimos compulsórios e contribuições especiais, é possível que se amoldem a qualquer uma das três classificações anteriormente descritas, sendo necessário a análise do caso concreto para que 2 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 423. 1 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 422. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias seja classificado em uma das referidas espécies, como imposto, taxa ou contribuição de melhoria, bastando a aplicação do critério composto pelo binômio da hipótese de incidência x base de cálculo. Outra corrente doutrinária que apresentaremos será a de Márcio Severo Marques 3 . O estudioso afirma que é necessário verificar a destinação do produto de arrecadação como critério de classificação, ao lado da consistência material do antecedente normativo e da restituição do tributo arrecadado ao contribuinte. Sendo assim, para a classificação jurídica dos tributos, é importante considerar três fatores: (i) a exigência constitucional de previsão legal de vinculação da materialidade do antecedente normativo (hipótese tributária) ao exercício de uma atividade por parte do Estado, referida ao contribuinte; (ii) a exigência constitucional de previsão legal de destinação específica para o produto de arrecadação do tributo; e (iii) a exigência constitucional de previsão legal de devolução do montante arrecadado ao contribuinte, ao cabo de determinado período. O STF, por meio da ADI n. 447, se preocupou em definir tributo como gênero, elencando de forma esquematizada a classificação das suas respectivas espécies. As diversas espécies tributárias, determinadas pela hipótese de incidência ou pelo fato gerador da respectiva obrigação (CTN, art. 4º), são: a) os impostos (CF, art. 145, I, arts. 153, 154, 155 e 156); b) as taxas (CF, art. 145, II); c) as contribuições, que são: c.l) de melhoria (CF, art. 145, III); c.2) sociais (CF, art. 149), que, por sua vez, podem ser: c.2.1) de seguridade social (CF, art. 195, CF, 195, § 4º); e 3 MARQUES, Márcio Severo. Classificação constitucional dos tributos. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 244 a 245. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias c.2.2) salário educação (CF, art. 212, § 5º); c.3) especiais: c.3.1.) de intervenção no domínio econômico (CF, art. 149); e c.3.2) de interesse de categorias profissionais ou econômicas (CF, art. 149). Constituem, ainda, espécie tributária; d) os empréstimos compulsórios (CF, art. 148). Após apresentadas diversas possibilidade de classificação jurídica dos tributos, considerando a CF/88, o CTN, a doutrina e o entendimento do STF, acompanho a proposta do Professor Paulo de Barros, ao estabelecer como método a análise intranormativa por meio do binômio “hipótese de incidência x base de cálculo”, possibilitando assim uma definição acertadas das espécies tributárias, verificando a natureza da vinculação e não vinculação dos tributos. Referente à relevância da destinação do produto da arrecadação tributária para a classificação jurídica dos tributos e consequente definição das espécies tributárias, faz-se necessário primeiramente observar o disposto nos arts. 167, IV da CF/88 c/c art. 4º do CTN. CF/88 Art. 167. São vedados: IV - a vinculaçãode receita de impostos a órgão, fundo ou despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo; CTN Art. 4º A natureza jurídica específica do tributo é determinada pelo fato gerador da respectiva obrigação, sendo irrelevantes para qualificá-la: I - a denominação e demais características formais adotadas pela lei; II - a destinação legal do produto da sua arrecadação. Sendo assim, com fulcro no art. 167, IV da CF/88, entendo que é vedada a vinculação de receita de impostos, em obediência ao postulado da não Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias afetação dos impostos 4 . Dito isso, é possível afirmar que essa vedação não é aplicada aos tributos vinculados, como a taxa e a contribuição de melhoria, por apresentarem em sua hipótese uma atividade do Estado direta ou indiretamente relacionada ao contribuinte. Para corroborar tal afirmação, socorro-me ao entendimento fixado pelo STF no RE n. 570.513, anexo I do presente seminário: Preceito de lei estadual que destina 5% [cinco por cento] dos emolumentos cobrados pelas serventias extrajudiciais e não oficializadas ao Fundo Estadual de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário – FUNDESP não ofende o disposto no art. 167, IV, da Constituição do Brasil Precedentes. 2. A norma constitucional veda a vinculação da receita dos impostos, não existindo, na Constituição, preceito análogo pertinente às taxas. No caso concreto, o entendimento da Corte Suprema definiu claramente que as receitas auferidas a título de “impostos” não podem ser vinculadas, consoante art. 167, IV da CF, contudo, o mesmo não ocorre com as “taxas”, tendo em vista a inexistência de preceito análogo. Conforme veremos na questão nº 2 do presente seminário, as taxas são tributos vinculados, cobrados com o objetivo de remunerar atividades estatais específicas relativas ao contribuinte. O fato gerador da taxa está vinculado a uma atividade estatal relacionada ao contribuinte. Por essa razão, a doutrina refere-se às taxas como tributos bilaterais, contraprestacionais, causais, retributivos, remuneratórios ou sinalagmáticos. É o que nos ensina Sabbag 5 : Ademais, insta mencionar que o imposto é, concomitantemente, exação não vinculada e gravame de arrecadação não afetada. Com efeito, a receita dos impostos visa custear as despesas públicas gerais ou universais, v.g., educação, segurança pública, limpeza pública etc., não se atrelando a qualquer órgão, fundo ou despesa, consoante proibição derivada do Principio da não afetação dos impostos (ver art. 167, IV, da CF). Ante o exposto, entendo que das espécies tributárias do nosso ordenamento jurídico, somente os impostos não possuem destinação específica. 5 SABBAG, Eduardo. Elementos do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 179. 4 Como não se trata de direito absoluto, temos algumas exceções ao princípio da não afetação dos impostos, como: a repartição constitucional dos impostos (art. 157 e 158 da CF/88); e a destinação de recursos para a saúde (art. 198, § 2º da CF/88), o desenvolvimento do ensino (art. 212 da CF/88) e a atividade de administração tributária (art. 37, XXII da CF/88). Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias Sendo assim, entendo que a redação do art. 4º, II do CTN não foi recepcionada pela CF/88, tendo em vista que o conceito da irrelevância da destinação legal do tributo é gênero. Para mim, o entendimento é que somente as receitas da espécie tributária “impostos” não possuem vinculação. É o que leciona Paulsen 6 : Por certo que já houve tempo em que os próprios impostos eram identificados pela destinação do seu produto, o que se vê do Decreto-Lei nº 1.804/39, e que o CTN procurou limpar a matéria do que os tributaristas consideravam, na época, questões de Direito Financeiro. Assim, destacou que a espécie tributária seria definida pela análise do fato gerador (se não-vinculado à atividade estatal, imposto; se vinculado a serviço ou exercício do poder de polícia, taxa; se vinculado à obra pública, contribuição de melhoria), vendando a consideração da destinação legal. Isso posto, concluo que a destinação do produto da arrecadação é sim relevante para a classificação da espécie tributária. Sobre a possibilidade de proibição pela legislação tributária da compensação de tributos entre diferentes espécies, sob a justificativa de que a destinação das receitas são diferentes, entendo que a compensação de tributos é um mecanismo legalmente previsto em nosso ordenamento jurídico, possibilitando ao sujeito passivo a utilização de créditos de determinados tributos para quitação de outros débitos tributários. Como exemplos, podemos citar o art. 155, § 2º, XII, alínea c, da CF/88, ao determinar que cabe à lei complementar disciplinar sobre o regime de compensação do imposto. Como se não bastasse, o art. 156, II do CTN prevê a compensação como uma modalidade de extinção do crédito tributário. O STJ, por meio do REsp 1.449.713, firmou entendimento no sentido de que as empresas não podem aproveitar créditos de tributos recolhidos pela Receita Federal para pagar débitos previdenciários, porque “o INSS e a União são pessoas diferentes, ainda que o sistema arrecadatório seja único”. Segundo a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, a legislação veda expressamente essa possibilidade. 6 PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, pág. 35. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias Cumpre mencionar que o art. 66, § 1º da lei 8.363/91 7 , veda a compensação de tributos de espécies diferentes: Art. 66. Nos casos de pagamento indevido ou a maior de tributos, contribuições federais, inclusive previdenciárias, e receitas patrimoniais, mesmo quando resultante de reforma, anulação, revogação ou rescisão de decisão condenatória, o contribuinte poderá efetuar a compensação desse valor no recolhimento de importância correspondente a período subseqüente. § 1º A compensação só poderá ser efetuada entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie. Diante disso, entendo que a lei tributária pode sim vedar a compensação de tributos de diferentes espécies, como no caso da lei 8.363/91, contudo não julgo ser razoável e justo. Para mim, o que deve ser analisado no caso da compensação de crédito tributário não é a destinação da receita, mas sim, o sujeito ativo que detém a competência do referido tributo. Isso porque, com a máxima vênia, alego que proibir a compensação de tributosentre diferentes espécies com base na destinação das receitas pode não ser a abordagem mais adequada para garantir a justiça fiscal e a eficiência do sistema tributário. Admito ser razoável a possibilidade de compensação de tributos tomando por base a competência do sujeito ativo. Suponhamos que determinado contribuinte possua crédito tributário de competência da União. Nesse caso, seria razoável a possibilidade de compensação do referido crédito com qualquer débito tributário de competência da União, independentemente da destinação das receitas. Para reforçar essa conclusão, vejamos a Súmula nº 152 do CARF: Os créditos relativos a tributos administrados pela Receita Federal do Brasil (RFB), reconhecidos por sentença judicial transitada em julgado que tenha permitido apenas a compensação com débitos de tributos da mesma espécie, podem ser compensados com débitos próprios relativos a quaisquer tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, observada a legislação vigente por ocasião de sua realização. 2. Que é taxa? Que se entende por o “serviço público” e “poder de polícia”? (Vide anexo II). Há necessidade de comprovação da efetiva fiscalização para 7 disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8383.htm acessado em 22/03/2023. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias cobrança da taxa de poder de polícia? (Vide anexos III, IV e V). Na CF/88, encontramos o conceito de taxa no art. 145, II: Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição; No CTN, a definição de taxa consta no art. 77, qual seja: Art. 77. As taxas cobradas pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, têm como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição. Segundo Carvalho 8 , taxa pode ser definida como atividade do Estado diretamente relacionada ao contribuinte, que somente pagará o valor exigido pelo Poder Público quando deste receber ou tiver à disposição alguma prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, utilizados, efetiva ou potencialmente, ou ainda, se for exercido o poder de polícia, ficando certo que é imprescindível lei anterior prevendo determinada prática estatal como condição suficiente e necessária à exigência do tributo. Para Mazza 9 , as taxas são tributos vinculados cobrados com o objetivo de remunerar atividades estatais específicas relativas ao contribuinte. O fato gerador da taxa está vinculado a uma atividade estatal relacionada ao contribuinte. Por essa razão, a doutrina refere-se às taxas como tributos bilaterais, contraprestacionais, causais, retributivos, remuneratórios ou sinalagmáticos. Diante disso, entendo que taxa corresponde à contraprestação pecuniária vinculada do contribuinte ao sujeito ativo, que poderá ser a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em razão da prestação de serviços públicos e/ou do exercício do poder de polícia – efetivo ou potencialmente prestados – desenvolvidos em prol do interesse público, devendo sempre atender 9 MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 128 a 129. 8 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 806 a 807. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias ao caráter da especificidade e divisibilidade. Quanto ao entendimento de “serviço público” e “poder de polícia”, o CTN define serviço público nos arts. 77 e 79 como prestação de serviço efetivo, por ele usufruído a qualquer título ou potencial, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento. Já o poder de polícia encontra abrigo no art. 78 do CTN, sendo atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interêsse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. Para Mazza 10 , à luz do direito administrativo, serviço público é toda atividade material ampliativa, definida pela lei ou pela Constituição como dever estatal, consistente no oferecimento de utilidades e comodidades ensejadoras de benefícios particulares a cada usuário, sendo prestada pelo Estado ou por seus delegados, e submetida predominantemente aos princípios e normas de direito público. Enquanto o poder de polícia consiste nas atividades administrativas de limitar, fiscalizar e sancionar particulares em razão do interesse público, que são cobradas para remunerar atividades estatais contra o interesse do contribuinte, na medida em que limitam sua liberdade e propriedade, buscando sempre a supremacia do interesse público. Em síntese, vislumbro como principal diferença entre taxa de serviço público e poder de polícia a finalidade. Isso porque na prestação de serviços públicos temos uma atividade ampliativa, que resulta em utilidade e comodidade ao usuário (sujeito passivo), sendo imprescindível a existência da especificidade e divisibilidade, enquanto o poder de polícia tem natureza de atuação restritiva, trazendo como núcleo a limitação, fiscalização e sanção por parte do sujeito 10 MAZZA, Alexandre. Manual de Direito Administrativo, p. 664. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias ativo, buscando sempre proteger o interesse público. Entendo não haver necessidade de comprovação da efetiva fiscalização para cobrança da taxa de poder de polícia. Isso porque a mera existência de Órgão Administrativo que detenha a atribuição do exercício do poder de polícia legitima a cobrança da taxa, diferente da cobrança de taxa de serviço público, que somente deverá ser recolhida ao Poder Público quando o contribuinte receber ou tiver à disposição alguma prestação de serviços públicos específicos e divisíveis, utilizados, efetiva ou potencialmente. Para corroborar tal afirmação, o STJ, por meio do AgRg no REsp n. 1.078.480/MG, fixou entendimento sobre a legalidade da cobrança de taxa de poder de polícia como: “A cobrança da taxa de fiscalização de anúncios dispensa a comprovação da atividade fiscalizadora, face à notoriedade do exercício do poder de polícia pela Municipalidade.”. Esse é o entendimento do STF, no julgamento do RE 588.322, qual seja: À luz da jurisprudência deste Supremo TribunalFederal, a existência do órgão administrativo não é condição para o reconhecimento da constitucionalidade da cobrança da taxa de localização e fiscalização, mas constitui um dos elementos admitidos para se inferir o efetivo exercício do poder de polícia. Sendo assim, concluo não haver necessidade de comprovação da efetiva fiscalização para cobrança da taxa de poder de polícia, bastando apenas a existência de Órgão Administrativo competente e que detenha a atribuição do exercício do poder de polícia para constituir um dos elementos necessários para legitimar a referida cobrança. 3. Que diferencia taxa de preço público? (Vide voto do Min. Carlos Velloso na ADI 447). Os serviços públicos de energia elétrica, água e esgoto, quando prestados diretamente pelas pessoas jurídicas de direito público, são remuneráveis por taxa? E no caso de concessão desses serviços? (Vide anexos VI e VII). E os serviços que, embora prestados pelo Poder Público, são suscetíveis de prestação pela iniciativa privada em Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias regime concorrencial? (Vide anexo VIII). Como dito na questão anterior, taxa corresponde à contraprestação pecuniária vinculada do contribuinte ao sujeito ativo, que poderá ser a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, em razão da prestação de serviços públicos e/ou do exercício do poder de polícia – efetivo ou potencialmente prestados – desenvolvidos em prol do interesse público, devendo sempre atender ao caráter da especificidade e divisibilidade. Já o preço público pode ser definido como o pagamento de um valor em favor de uma empresa concessionária ou permissionária de serviço público, com fulcro no art. 175, III da Carta Magna. Isso ocorre quando o Estado decide realizar a prestação de serviço por meio de concessionária ou permissionária. Nesse caso, não há que se falar em remuneração por taxa, haja vista o regime de direito privado e presente o requisito da facultatividade, quando o usuário pode decidir por tomar o serviço do ente público ou do privado. Para Carvalho 11 “o preço público ou tarifa remunera o serviço público prestado, sob regime de direito privado, por empresas concessionarias”. No voto do Min. Carlos Velloso na ADI 447, é possível verificar a diferença entre taxa e preço público. Para Velloso, taxa e preço público diferem quanto à compulsoriedade de seu pagamento. A taxa é cobrada em razão de uma obrigação legal, enquanto o preço público é de pagamento facultativo por quem pretende se beneficiar de um serviço prestado. Em síntese, no preço público estamos diante da facultatividade, enquanto na taxa verifica-se a presença da compulsoriedade. Dito isso, entende-se que os serviços públicos propriamente estatais por serem indelegáveis e cuja prestação o Estado atue no exercício de sua soberania; e os serviços públicos essenciais ao interesse público (prestados no interesse da comunidade) são remunerados pela taxa, presentes a especificidade e a divisibilidade, enquanto os serviços públicos não essenciais e que, quando não utilizados, disso não resulta dano ou prejuízo para a comunidade ou para o 11 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 426. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias interesse público, devem ser remunerados mediante preço público. Esses serviços são, de regra, delegáveis, vale dizer, podem ser concedidos a entes privados, como por exemplo: o serviço postal, os serviços telefônicos, telegráficos, de distribuição de energia elétrica, de gás, etc. Ante todo o exposto, concluo que os serviços públicos de energia elétrica, água e esgoto, quando prestados diretamente pelas pessoas jurídicas de direito público, deverão ser remunerados por taxa quando presente a compulsoriedade da prestação. Para corroborar tal afirmação, recorro ao caso concreto trazido pelo anexo VII do presente seminário, RESP n. 167.489/SP, fixando entendimento de que o serviço de fornecimento de água e esgoto é cobrado do usuário pela entidade fornecedora como sendo taxa, quando tem compulsoriedade. Nos ensina Machado 12 que “Se a ordem jurídica obriga a utilização de determinado serviço, não permitindo o atendimento da respectiva necessidade por outro meio, então é justo que a remuneração correspondente, cobrada pelo Poder Público, sofra as limitações próprias de tributo.”. Noutro giro, serão remunerados por preço público, considerando o instituto da delegação da prestação do serviço a particulares concessionários ou permissionários, quando os serviços ofertados forem de caráter facultativo, sendo a contraprestação pecuniária exigida por meio de preço público ou tarifa. Por fim, quanto à remuneração dos serviços que, embora prestados pelo Poder Público, são suscetíveis de prestação pela iniciativa privada em regime concorrencial, entendo estarmos diante da cobrança de preço público, tendo em vista a inexistência da compulsoriedade. Isso porque quando o serviço for suscetível de ser prestado pela iniciativa privada em regime concorrencial (direito privado), vislumbro a remuneração exigida pelo prestador como preço público. Para ratificar tal entendimento, vejamos a decisão no REsp n. 1.452.956/PR, anexo VIII do presente seminário: o serviço de aferição de bombas de combustíveis em postos 12 Hugo de Brito Machado, in Regime Tributário da Venda de Água, Rev. Juríd. da Procuradoria-Geral da Fazenda Estadual/Minas Gerais, n. 05, p. 11 Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias distribuidores, realizado pelo INMETRO, possui natureza jurídica de preço público, conforme o disposto no art. 7º, b, da Lei 5.966/73, seja porque, embora atualmente avocado pelo Estado como monopólio, o serviço de certificação não é ontologicamente insuscetível de prestação pela iniciativa privada em regime concorrencial. 4. Há necessidade do valor exigido a título de taxa referir-se ao custo do serviço prestado? Caso essa referibilidade não seja verificada, é possível a restituição? No caso de excessiva dificuldade de mensurar o custo do serviço prestado, como fixar a base de cálculo da taxa? (considerar em sua resposta o exemplo das taxas judiciais – vide anexos IX, X e XI). Entendo ser necessária a exigência do valor cobrado a título de taxa referir-se ao custo do serviço prestado, tendo em vista ser a taxa uma espécie de tributo vinculado a uma contraprestação estatal, instituída com objetivo de remunerar as atividades estatais específicas relativas aos serviços públicos prestados ou colocados à disposição do contribuinte. Diferentemente do que ocorre com os impostos, a arrecadação obtida pela cobrança de taxas pressupõe um agir estatal, com natureza de contraprestação da atuação realizada pelo Estado. Ensina Carvalho 13 que “o pagamento do valor prescrito no consequente representará a contraparte devida ao Estado, pelo administrado,a quem o Poder Público voltou sua atenção.”. Para corroborar tal afirmação, nos ensina Mazza 14 sobre valor da taxa e o custo do serviço prestado “sua instituição atende ao princípio financeiro segundo o qual, sempre que possível, o custeio de uma atividade estatal específica deve recair sobre o seu beneficiário direito.”. Nesse sentido, o STF fixou entendimento no ARE 990.914,,anexo IX do presente seminário, que as taxas comprometem-se tão somente com o custo 14 MAZZA, Alexandre. Manual de direito tributário. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 129. 13 CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: linguagem e método. 7. ed. São Paulo: Noeses, 2018, p. 808. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias do serviço específico e divisível que as motiva, ou com a atividade de polícia desenvolvida. Diante do exposto, concluo que o valor cobrado a título de taxa deve ser proporcionalmente ligado ao custo efetivo do serviço prestado, respeitando os pressupostos da divisibilidade e da especificidade. É a tradução do princípio da retributividade, que consiste na retribuição pecuniária pelo serviço público utilizado. Dito isso, em caso de não ser verificada a referibilidade entre o valor cobrado a título de taxa e o custo do serviço prestado, como no caso do RE 582.340 AgR, anexo XI do presente seminário, entendo ser possível sim a restituição dos valores recolhidos, por estarmos diante de inconstitucionalidade, tendo em vista a ausência de relação entre a base de cálculo e o efetivo exercício do poder de polícia. Em relação ao caso de excessiva dificuldade de mensurar o custo do serviço prestado, entendo ser necessário a fixação de um critério razoável para mensuração do custo, desde que não seja idêntico ao de outros tributos, sob o risco da ocorrência da bitributação. Como caso prático, vamos recorrer ao entendimento do STJ na ADI 2696, anexo X do presente seminário: 3. Tanto quanto possível, o valor cobrado a título de taxa deve equivaler ao custo do serviço prestado. Porém, há situações em que, por excessiva dificuldade de mensuração do fato gerador, o estabelecimento exato do quantum debeatur fica prejudicado. É o caso das custas judiciais, em virtude da diversidade de fatores que poderiam influir no cálculo da prestação do serviço jurisdicional, tais como o tempo e a complexidade do processo, bem assim o tipo de atos nele praticados. 4. A esse respeito, a jurisprudência da Corte firmou-se no sentido da legitimidade da cobrança das custas com parâmetro no valor da causa ou dos bens postos em litígio, desde que fixadas alíquotas mínimas e máximas para elas. Sendo assim, como no caso em tela, diante da dificuldade da mensuração do custo da prestação de serviço jurisdicional, tais como o tempo e a complexidade do processo, foi utilizado, como critério definidor da base de cálculo da taxa, o valor da causa ou dos bens postos em litígio. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias 5. Sobre a contribuição de melhoria pergunta-se: (i) Quais os requisitos e limites à cobrança da contribuição de melhoria? (ii) A Lei que a institui deve ser produzida antes do início da obra ou pode ser posterior à sua conclusão e à valorização imobiliária? Se for apresentado laudo comprovando a perspectiva de gastos, poderia ser exigido o tributo antes da conclusão da obra e da valorização imobiliária? (Vide anexos XII e XIII). No nosso ordenamento jurídico, a contribuição de melhoria encontra abrigo nos arts. 145, III da CF/88, 81 do CTN e Decreto-Lei nº 195/67. Trata-se de tributo vinculado e de competência comum entre União, Estados, Distrito Federal e Municípios. Nos ensina Moreira 15 sobre a contribuição de melhoria: Assim, em termos gerais, Contribuição de Melhoria, é a espécie do gênero tributo que, em nosso sistema tributário - e, também, no alemão e em outros construídos por sua influência - recupera, diretamente, os custos da obra pública; sendo que, para a lei alemã essa obra pública deverá ser nova; para nós, apenas acarretar valorização imobiliária. Cumpre mencionar que, por se tratar de um tributário vinculado, a contribuição de melhoria pode ser confundida com a taxa, pela ocorrência de uma atuação do Estado. No entanto, dois fatores devem ser analisados para o reconhecimento da contribuição de melhoria: 1º decorre de uma obra pública e não de mero serviço público; 2º é imprescindível a ocorrência do fato gerador “valorização do imóvel”. Para fortalecer tal ideia, vejamos o que leciona Carvalho 16 sobre o tema: Em comparação com as taxas, que também são tributos vinculados a uma atuação do Estado, as contribuições de melhoria se distinguem por dois pontos expressivos: pressupõem uma obra pública e não serviço público; e dependem de um fator intermediário, que é a valorização do bem imóvel. Daí dizer-se que a contribuição de melhoria é um tributo vinculado a uma atuação do Poder Público, porém indiretamente referido ao obrigado. Os requisitos exigidos que ensejam a cobrança da contribuição de melhoria podem ser resumidos como a realização de obra pública que resulte em 16 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 44 a 45. 15 MOREIRA, João Baptista. Tratado de direito tributário brasileiro, v. III: Contribuição de melhoria. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 98. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias acréscimo no valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente pela obra. Cumpre mencionar que a finalidade dessa contribuição está alinhada ao conceito de “mais valia”, tomando por base a valorização de um bem privado em virtude da execução de uma obra pública. Considerando que o particular não realizou nenhuma ação para resultar na valorização do imóvel, a ausência dessa exação pelo Estado resultaria em enriquecimento sem causa. A referida contribuição poderá ser cobrada em virtude das seguintes obras, elencadas no art. 2º do Decreto-lei nº 195/67, quais sejam: Art 2º Será devida a Contribuição de Melhoria, no caso de valorização de imóveis de propriedade privada, em virtude de qualquer das seguintes obras públicas: I - abertura, alargamento, pavimentação, iluminação, arborização, esgotos pluviais e outros melhoramentos de praças e vias públicas; II - construção e ampliação de parques, campos de desportos, pontes, túneis e viadutos; III - construção ou ampliação de sistemas de trânsito rápido inclusive todas as obras e edificações necessárias ao funcionamento do sistema; IV - serviços e obras de abastecimento de água potável, esgotos, instalações de redes elétricas, telefônicas, transportes e comunicações em geral ou de suprimento de gás, funiculares, ascensores e instalações de comodidade pública; V - proteção contra secas, inundações, erosão, ressacas, e de saneamento de drenagem em geral, diques, cais, desobstrução de barras, portos e canais, retificaçãoe regularização de cursos d’água e irrigação; VI - construção de estradas de ferro e construção, pavimentação e melhoramento de estradas de rodagem; VII - construção de aeródromos e aeroportos e seus acessos; VIII - aterros e realizações de embelezamento em geral, inclusive desapropriações em desenvolvimento de plano de aspecto paisagístico. No tocante aos limites à cobrança da contribuição de melhoria, é importante analisar três características: o limite global, o individual e o fiscal (valor da parcela anual). Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias O limite global está relacionado ao total da despesa suportada pelo Estado. Nele, estão computados os gastos com estudos, projetos, fiscalização, desapropriações, administração, execução e financiamento, inclusive prêmios de reembolso e outras de praxe em financiamento ou empréstimos e terá sua expressão monetária atualizada na época do lançamento, mediante aplicação de coeficientes de correção monetária, conforme art. 4º do Decreto-lei 195/67 c/c art. 81 do CTN. Decreto-lei 195/67 Art 4º A cobrança da Contribuição de Melhoria terá como limite o custo das obras, computadas as despesas de estudos, projetos, fiscalização, desapropriações, administração, execução e financiamento, inclusive prêmios de reembolso e outras de praxe em financiamento ou empréstimos e terá a sua expressão monetária atualizada na época do lançamento mediante aplicação de coeficientes de correção monetária. § 1º Serão incluídos nos orçamentos de custo das obras, todos investimentos necessários para que os benefícios delas decorrentes sejam integralmente alcançados pelos imóveis situados nas respectivas zonas de influência. § 2º A percentagem do custo real a ser cobrada mediante Contribuição de Melhoria será fixada tendo em vista a natureza da obra, os benefícios para os usuários, as atividades econômicas predominantes e o nível de desenvolvimento da região. CTN Art. 81. A contribuição de melhoria cobrada pela União, pelos Estados, pelo Distrito Federal ou pelos Municípios, no âmbito de suas respectivas atribuições, é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado. Dito isso, referente ao limite do valor global, é simples concluir que o valor arrecadado pelo ente tributante a título de contribuição de melhoria não poderá exceder o valor total da obra, devendo guardar relação direta entre o valor do investimento suportado pelo Estado e o valor arrecadado pelos contribuintes beneficiados pela obra. Em relação ao limite individual, é necessário observar o disposto no art. 81 do CTN, tendo em vista a vinculação da condição de cada imóvel isoladamente analisada. Assim como a metodologia do limite global, quando Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias falamos de limite individual, é defeso ao Estado exigir do contribuinte o recolhimento de valores superiores ao da valorização de sua propriedade. Como exemplo, digamos que determinado imóvel valorizou R$ 100.000,00 em virtude da obra pública. Sendo assim, o valor exigido pelo Estado a esse contribuinte não poderá ser superior a R$ 100.000,00 a título de Contribuição de Melhoria. Importante ressaltar que a Constituição Federal ao tratar do empréstimo compulsório, nada estabeleceu referente aos limites global e individual. Diante dessa “omissão”, entende-se que tanto o disposto nos art. 81 do CTN e art. 4º do Decreto-Lei 195/67 foram recepcionados pela Carta Magna, em compasso com o art. 34, § 5º, do ADCT. É o que nos ensina Sabbag 17 : O Código Tributário Nacional (art. 81, parte final) reportou-se aos limites total e individual, enquanto o dispositivo da vigente Constituição (art. 145, III), silenciando a respeito, nada estabeleceu em contrário, com relação a existência de um limite, apenas, em detrimento de ambos, operando-se, a nosso ver, a recepção do dispositivo. Não se pode considerar o Decreto-Lei e o CTN incompatíveis com a nova ordem instalada, até porque não se deu incompatibilidade, segundo se prevê no art. 34, § 5º, do ADCT, inexistindo qualquer conflito que imponha óbice a teoria da recepção. Por fim, em relação aos limites, é mister observar o previsto no art. 12 do Decreto-lei 195/67: “Art 12. A Contribuição de Melhoria será paga pelo contribuinte da forma que a sua parcela anual não exceda a 3% (três por cento) do maior valor fiscal do seu imóvel, atualizado à época da cobrança.”. Quanto ao momento da Lei instituidora da contribuição de melhoria, importante mencionar que requer a edição de lei de efeitos concretos, específica e prévia, com fulcro no art. 150, III, a da CF/88, art. 82, I do CTN e art. 5º do Decreto-lei 195/97. Dito isso, entendo que a lei que tenha por objetivo a cobrança da referida exação deverá ser produzida antes do início da obra, não podendo ser posterior à sua conclusão e à valorização imobiliária. Para corroborar tal entendimento, cito a orientação do Pleno do Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE-PR) 18 : 18 Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/a-instituicao-de-contribuicao-de-melhoria-requer-edicao-de-lei-prev ia-a-obra-tributada/10138/N acessado em 21/03/2023. 17 SABBAG, Eduardo de Moraes. Manual de direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 465. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias A instituição de contribuição de melhoria requer a edição de lei de efeitos concretos, específica e prévia, para cada obra pública que estará sujeita à sua tributação, em razão das disposições da alínea "a" do inciso III do artigo 150 da Constituição Federal (CF/88) e do inciso I do artigo 82 do Código Tributário Nacional (CTN). Nesse sentido, o Tribunal do Pleno do TCE-PR, por meio do Acórdão nº 1453/20 19 fixou o seguinte entendimento : Representação da Lei nº 8.666/93 nº 600611/18) fixou que o lançamento referente à contribuição de melhoria instituída sem lei prévia não poderia ter sido realizado, sob pena de violação ao princípio da legalidade tributária. Como já demonstrado, o critério material para a instituição da contribuição de melhoria é a valorização de cada imóvel em decorrência da realização da obra pública. A efetiva valorização deverá ser verificada após a conclusão da obra, caso contrário estaríamos diante de uma mera especulação. Dito isso, caso a lei instituidora da referida contribuição fosse editada após a conclusão da obra e da efetiva valorização, ao meu ver, estaríamos diante de uma ofensa ao princípio da irretroatividade, com fulcro no art. 150, III, a da CF/88, tendo em vista ser uma exigência fiscal instituída a fatos geradores anteriores a sua criação e vigência. Por fim, é mister discorrer sobre a possibilidade de cobrança da contribuição de melhoria no caso de apresentaçãode laudo comprovando a perspectiva de gastos antes da conclusão da obra e da valorização imobiliária. Pois bem, como já exaustivamente explanado nesta questão, o critério material da cobrança é a valorização de cada imóvel em decorrência da realização da obra pública. Dito isso, não vejo razoabilidade nem segurança jurídica na cobrança da referida contribuição antes da conclusão da obra ou da apresentação de laudo comprovando a perspectiva de gastos. Isso porque, além da comprovação do custo da obra, é necessário verificar a efetiva valorização da propriedade privada em face da realização da obra pública. É o que foi decidido pelo STF, no ARE 1.123.627, anexo XIII do presente seminário: "indispensável a comprovação do custo da obra pública e a valorização do imovél.” e “o fato gerador da contribuição de melhoria é a efetiva 19 Disponível em: https://www1.tce.pr.gov.br/noticias/a-instituicao-de-contribuicao-de-melhoria-requer-edicao-de-lei-prev ia-a-obra-tributada/10138/N acessado em 21/03/2023. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias valorização do bem imóvel.”. Ante o exposto, concluo ser ilegal a cobrança da contribuição de melhoria antes da conclusão da obra e da efetiva comprovação da valorização da propriedade, em face da não ocorrência do fato gerador do tributo. Para corroborar tal afirmativa, leciona Machado 20 “o fato gerador da contribuição de melhoria é a valorização do imóvel do qual o contribuinte é proprietário, ou enfiteuta, desde que essa valorização seja decorrente de obra pública.” e “A obrigação só nasce se da obra pública decorrer valorização”. 6. Os adicionais ao IPI, ICMS e ISS sobre supérfluos destinados ao Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza, constantes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 79, introduzido pela EC n. 31/00), se enquadram em qual espécie? Pode o “adicional” de imposto ter destinação específica? E ser de natureza tributária diversa do tributo adicionado? (Vide anexos XIV, XV e XVI). Primeiramente, cumpre mencionar que os adicionais de IPI, ICMS e ISS sobre supérfluos são denominados de "adicionais" porque incidem sobre as alíquotas normais desses impostos, com a finalidade específica de arrecadar recursos para o Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza. Dito isso, por exclusão, é possível definir que os adicionais ao IPI, ICMS e ISS sobre supérfluos destinados ao Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza, constantes do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (art. 79, introduzido pela EC n. 31/00), não podem ser classificados como taxas, tendo em vista a ausência do caráter da vinculação, que define as taxas como espécies de tributos cobrados com o objetivo de remunerar atividades estatais específicas relativas ao contribuinte, respeitando os critérios da especificidade e divisibilidade. Diante da impossibilidade da referida espécie ser classificada como 20 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 19. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p. 373. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias taxa, permanece a dúvida quanto a classificação entre imposto, contribuição de melhoria ou contribuição especial. De plano, é possível concluir que não se trata de imposto, com fulcro no art. 167, IV da CF, que veda a vinculação de sua receita. É indiscutível que as receitas auferidas a título de IPI, ICMS e ISS são classificadas como tributo, tendo em vista a não vinculação, contudo o mesmo não pode ser aplicado ao adicional sobre supérfluos destinados ao Fundo de Combate a Erradicação da Pobreza que tem por escopo viabilizar a todos os brasileiros acesso a níveis dignos de subsistência, cujos recursos serão aplicados em ações suplementares de nutrição, habitação, educação, saúde, reforço de renda familiar e outros programas de relevante interesse social voltados para melhoria da qualidade de vida. Adiante, não há que se falar em classificação do adicional na espécie contribuição de melhoria, diante de total ausência de seus critérios definidores, quais sejam o da realização de obra pública e do resultado acréscimo no valor do imóvel localizado nas áreas beneficiadas direta ou indiretamente pela obra. Desse modo, é possível concluir que o referido adicional se amolda perfeitamente à espécie de contribuição social. Em síntese, a espécie contribuição pode ser resumida como o exercício do poder de tributar pelo sujeito ativo, que as institui como uma forma de arrecadação de recursos para exercer uma atuação do Poder Público em algum setor específico. Nesse sentido, leciona Amaro 21 que as contribuições “adstringem-se à solidariedade em relação aos integrantes de um grupo social ou econômico, na busca de uma finalidade”.” No mesmo sentido, estabelece o autor 22 que: [...] a circunstância de as contribuições terem destinação específica que as diferencia dos impostos, enquadrando-as, pois, como tributos afetados à execução de uma atividade estatal ou paraestatal específica, que pode aproveitar ou não ao contribuinte. Como se não bastasse, o STF, por meio do RE n. 581.688, anexo XIV do presente seminário, corrobora tal entendimento, ao decidir que o referido 22 Ibidem , p. 85. 21 AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro, 14. ed., p.56. Módulo Tributo e Segurança Jurídica Seminário II - Espécies Tributárias adicional possui vinculação extraordinária, devendo a destinação do produto de sua arrecadação atender um propósito específico, qual seja: Vinculação extraordinária que visa a atender ao princípio da solidariedade e ao postulado da dignidade da pessoa humana através da erradicação da pobreza e da redução das desigualdades sociais, estas reconhecidas como objetivos fundamentais da República pela Lex Matter . Sendo assim, como o “adicional” possui destinação específica do produto de sua arrecadação ao Fundo de Combate à Erradicação da Pobreza com o objetivo de financiar políticas públicas voltadas para a redução da pobreza e da desigualdade social, como a promoção da educação, saúde, moradia, segurança alimentar, entre outras, entendo que a presente exação deverá ser classificada como espécie contribuição social, com base no art. 149 da CF/88 c/c art. 79, introduzido pela EC n. 31/00. Pela simetria, sua natureza tributária deverá ser diversa a dos tributos adicionados. Isso porque é vedada a utilização das mesmas materialidades dos impostos para as contribuições, sob o risco de ferir vários princípios tributários, como o bis in idem, devendo ser observados os pressupostos do art. 149 da CF/88, quais sejam a veiculação em lei complementar, a não cumulatividade e fato gerador e base de cálculo diversos dos discriminados na Constituição.
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