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AULA 3 SEGURANÇA PÚBLICA CONTEMPORÂNEA Prof. Alex Erno Breunig 2 INTRODUÇÃO Nesta aula, abordaremos o monopólio do uso da força que é conferida ao Estado, que somente pode ser exercido pelos profissionais de segurança pública, os quais têm por incumbência a repressão imediata e as atividades vinculadas às atividades pré-processuais e investigação criminal. Trataremos ainda de questões carcerárias e do ciclo completo de polícia. TEMA 1 – MONOPÓLIO DO USO DA FORÇA É óbvio que é sempre preferível que os conflitos sejam resolvidos de maneira pacífica, por meio do diálogo direto entre os envolvidos ou, se necessário, com a mediação de uma terceira pessoa que não tenha nenhum envolvimento pessoal na questão. No entanto, essa não é uma realidade em diversas situações. Para que ocorra a resolução pacífica dos conflitos, há necessidade de ao menos duas componentes, conforme lições a seguir: Em primeiro lugar, tem-se a participação das partes envolvidas; em segundo lugar, o diálogo como ferramenta para se obter uma solução consensual, em que todas as partes são vencedoras. Tal processo pressupõe a possibilidade de cada parte exteriorizara suas angústias, sem que ocorram ofensas, mantendo-se o respeito mútuo. O responsável pelo manejo deve avaliar, de forma isenta, os reais argumentos apresentados e empenhar-se na busca da solução pacífica. (Dorecki. 2017, p. 48, grifo no original) Quando a solução pacífica dos conflitos não for alcançada, legalmente cumpre única e exclusivamente ao Estado fazer uso de força, sendo esta exclusividade conhecida como monopólio do uso da força. Esse monopólio conferido ao Estado significa que a garantia da segurança que deve ser propiciada à população não pode se divorciar da atuação estatal, a quem incumbe determinar as normas legais que devem ser cumpridas, bem como as formas de coerção disponíveis para exigir que todos cumpram essas normas, fazendo valer as determinações legais, mesmo que em prejuízo de interesses particulares. O descumprimento das normas legais, que se afiguram como regras de convivência pacífica que têm por finalidade manter a normalidade e a ordem pública, deve receber atenção de estruturas estatais com competência legal e meios materiais e humanos para compelir a cessação do descumprimento e a volta à normalidade. 3 O Estado possui como formas de manter a ordem pública a imposição de sanções pelo descumprimento da lei, as interdições e outras medidas administrativas, podendo ainda usar de medidas restritivas de liberdade e também o uso direto de força física, como última opção. No entanto, o Estado deve utilizar esse poder-dever de forma que cause o menor sofrimento e dano possível, conforme nos ensina Oliveira (S.d.a, p. 3) Esse uso da força, coerção, violência, por outro lado, não é – e não pode ser – um uso arbitrário do poder de imperium do Estado, mas um uso a partir de regras pré-estabelecidas também para tal uso da força. Essa é a essência do princípio da legalidade que permeia toda a atividade policial do Estado; por isso, trata-se de um Estado de Direito. O Estado exerce esse seu poder político de coação mediante o chamado “poder de polícia” (que não se confunde necessariamente com o poder da polícia, conforme veremos oportunamente), distribuído a diversos agentes públicos de acordo com as respectivas atribuições legais (princípio da legalidade). Assim, o poder de polícia pode ser definido como “a capacidade que tem o Estado de, legitimamente, impor limitações às liberdades individuais, por vezes, liberdades coletivas, em prol de um propalado e enigmático bem comum” Resta-nos, nesta análise dos fundamentos da atividade policial, situar os agentes de segurança pública no contexto das atribuições distribuídas pela lei. A alternativa ao monopólio estatal para o uso legal da força seria a resolução de conflitos “pelas próprias mãos”, situação em que se instalaria a barbárie na sociedade, pois cada pessoa poderia utilizar de força física para resolver seus problemas, com seus próprios critérios, meios e intensidades. TEMA 2 – PROFISSIONAL DA SEGURANÇA PÚBLICA Conforme já tivemos oportunidade de nos manifestar em outras oportunidades, a respeito da natureza da atividade policial: O trabalho policial é desempenhado, em regra, em ambiente de hostilidade e de desconfianças, sendo que vivemos em um mundo de armas brancas e de fogo, onde vizinhos e parentes se atacam, ou seja, de violência em todos os lugares. No entanto, mesmo com esse cenário, o policial deve manter a calma nas situações mais alarmantes e estressantes, não podendo se envolver pessoalmente nas ocorrências. Apesar da desejada isenção no trato com as situações, o policial não deve perder a sensibilidade. Ou seja, tem por obrigação agir com o menor envolvimento possível, mas, considerando que trabalha diretamente com pessoas, é desejável também que exercite a empatia. Perceba que conciliar os dois sentimentos - isenção e empatia - exige grande preparo técnico e psicológico, bem como depende de condições pessoais. (Breunig, 2020, p. 35) 4 Esse ambiente de trabalho comumente conturbado e com potencial risco à vida gera um severo estresse nos operadores da segurança pública, impactando em sua saúde e de sua família, exigindo redobrada atenção de toda a sociedade para a necessária proteção social dos policiais. Fruto desse estresse, dentre outras características do serviço, tem-se notícia do alto índice de suicídio entre os policiais. A segurança pública é uma atividade considerada de Estado, ou seja, necessita ser desempenhada por agentes do próprio Estado, não podendo ser delegada nem exercita por meio de terceirizações. Para bem cumprir essas atividades, há necessidade de que a legislação conceda poderes especiais aos agentes públicos para fazer cumprir as normas legais, por meio do poder de polícia, podendo, inclusive, fazer uso de força legal. A esse respeito, transcrevemos as lições de Oliveira (S.d.a, p. 5): Logo, sem hesitação, podemos afirmar: a atividade policial é uma atividade essencial do Estado, e todos os agentes de segurança pública são agentes especiais por natureza. Não é por outra razão que a polícia é a principal agência encarregada pelo enfrentamento do “fenômeno criminal”, seja para evitar a ocorrência de crimes (tutela inibitória criminal), seja para a repressão imediata diante da recente ocorrência do crime (situação flagrancional), ou seja para apurar-lhes todas as circunstâncias (investigação), [...] De fato, sendo o direito criminal a ultima ratio do direito, nada mais natural que a estrutura voltada ao seu enfrentamento seja, basicamente, a atividade policial, ultima ratio do Estado. No entanto, diferente do que comumente se imagina, a atividade policial vai muito além de questões criminais, competindo às polícias – especialmente às Polícias Militares – buscar e promover a paz e a tranquilidade social, tratando de questões que não têm repercussão criminal, como o aconselhamento em assuntos pessoais e familiares, prevenção e socorro de acidentes, auxílio a pessoas doentes, localização de pessoas desaparecidas, dentre outras. Assim, para que o desempenho de todas essas atribuições – criminais, administrativas e de assistência social – seja o mais proficiente possível, há necessidade de especial atenção ao policial, mesmo antes de sua inclusão nos quadros estatais, realizando-se uma seleção de maneira adequada, assim como uma formação de qualidade, instruções e qualificações profissionais constantes e acompanhamento e correição de seus atos. 5 TEMA 3 – REPRESSÃO IMEDIATA E ATIVIDADE PRÉ-PROCESSUAL A resposta da sociedade aos fenômenos criminais pode ser realizada por meio da prevenção – que é a condição ideal – e da repressão imediata,sendo que esta marca o início da persecução penal, conforme ensinamentos de Oliveira (S.d.b, p. 3): Assim, podemos dizer que o ciclo persecutório penal apresenta três grandes fases. A primeira fase, que antecede o processo penal, consiste na fase pré-processual penal, em que sobrelevam a atuação policial na prevenção de crimes, sua repressão imediata e apuração de infrações penais, embora outras entidades possam também realizar tais atividades, conforme veremos em seguida. A segunda fase, por sua vez, diz respeito à fase processual propriamente dita, quando há uma causa penal perante o Poder Judiciário, quando se forma ou não um juízo de culpabilidade capaz de infringir uma sanção de caráter penal ao sujeito violador de uma norma penal incriminadora. Por fim, a terceira fase, pós-processual ou de execução penal, quando o sujeito apenado cumpre a pena imposta, com vistas a sua ressocialização e recolocação no seio da sociedade, retornando o ciclo da segurança pública. Sendo infrutíferos os esforços preventivos, cumpre ao Estado – em regra pela atuação das Polícias Militares – envidar esforços para restabelecer a ordem, por meio da repressão imediata, que deve levar em consideração o respeito a todos os direitos constitucionais e os direitos humanos, podendo, quando necessário, fazer uso moderado e progressivo de força. Na fase da repressão imediata, os órgãos policiais dão resposta ao ilícito verificado, providenciado para cessar sua continuidade, colhendo provas de sua ocorrência, registrando os dados de eventuais envolvidos e testemunhas e realizando a prisão de quem se encontre em flagrante delito. A prevenção a ocorrências delituosas é atividade típica das Polícias Militares, realizada por meio do policiamento ostensivo preventivo fardado. No entanto, essa atividade é realizada, de maneira atípica, por outros órgãos policiais e também por outros órgãos públicos não policiais, por exemplo, quando a Receita Federal atua na prevenção a crimes aduaneiros, tráfico de drogas, contrabando e descaminho. As atividades pré-processuais são aquelas que objetivam a apuração de infrações penais, sendo integrante da primeira fase do ciclo persecutório. É a fase antecedente ao processo penal, tendo grande relevância, pois uma investigação bem realizada fornecerá subsídios sólidos para o processo penal. 6 TEMA 4 – INVESTIGAÇÃO E EXECUÇÃO DA PENA Não há dúvidas de que a proficiente investigação criminal e a adequada execução da pena são pilares elementares para o funcionamento do sistema de segurança pública. O objetivo principal do sistema de segurança pública é prevenir o cometimento de ilícitos, no entanto, por mais que sejam envidados grandes esforços, sempre haverá quem prefira não respeitar às leis. Cometido o ilícito, nasce a necessidade da atuação estatal para buscar informações a respeito do autor e das circunstâncias do fato. Aqui se inicia a fase de investigação, conforme nos explica Oliveira (S.d.b, p. 6): A fase de investigação, ou como preferimos “instrução extraprocessual preparatória”, pode ser definida como conjunto de atividades prévias que caracterizam a busca e coleta de informações de relevância penal, pela autoridade competente, capazes e suficientes para uma cognição convergente para um juízo de probabilidade necessário à propositura de ação penal ou arquivamento como contraponto. Vencida a fase de investigação e havendo a correspondente condenação criminal, na qual haja sentença com ordem judicial para o recolhimento do réu em estabelecimento penal, inicia-se a fase de execução penal, também conhecida como fase pós-processual. Essa fase, que encerra o ciclo da persecução penal de segurança pública, é o momento em que o infrator deverá cumprir a pena judicialmente imposta, sendo a resposta estatal ao fenômeno criminal, que tem por objetivos reeducar e ressocializar o infrator, antecedendo seu retorno ao convívio social. A questão carcerária nacional é um dos pontos de maior importância dentro do sistema de segurança pública, pois pouca valia há em realizar uma investigação proveitosa se o cumprimento da pena não for adequado. Neste ponto, devemos fazer algumas reflexões a respeito, por exemplo: a quantidade de presos é demasiadamente grande? As penas são demasiadamente severas? Seria prudente promover a libertação em massa dos apenados? Sem dúvida, o encarceramento de apenados é uma tarefa que demanda vultuosas somas em dinheiro público, embora afigura-se essencial para a manutenção da ordem pública, no intuito de inibir novos ilícitos. 7 TEMA 5 – CICLO COMPLETO DE POLÍCIA O ciclo da segurança pública se inicia pela condição ideal, que é a tranquilidade e a manutenção da ordem, situação em que há necessidade apenas da atividade ostensiva e preventiva. Turbada a ordem ou cometido o ilícito criminal, tem-se a continuidade desse ciclo da segurança pública, com a repressão imediata, investigação criminal, processo crime e cumprimento da pena. Essas etapas se inter- relacionam e envolvem diversas instituições policiais, Ministério Público e Poder Judiciário. No entanto, a legislação brasileira contempla uma peculiaridade singular no que se refere ao ciclo de polícia, qual seja: a ausência de ciclo completo! Essa peculiaridade, que não existe em nenhum outro país, faz com que tenhamos polícias com meias competências, ou seja, determinada polícia detém competência legal para realizar a prevenção e repressão imediata e outras para realizar a investigação criminal. Essa característica de nossa legislação produz reflexos negativos nos resultados das polícias, conforme já tivemos oportunidade de nos manifestar: Essa particularidade provoca sérios obstáculos à segurança, pois aumenta a demanda por atividades meramente burocráticas e cartorárias e resulta em prejuízos à segurança da população. (Breunig, 2020, p. 24) Em outras palavras, uma polícia não termina o serviço que iniciou, e a outra termina o serviço que não foi iniciado por ela e cujas particularidades, não raras vezes, desconhece. A única polícia brasileira que exerce atividades próximas do ciclo completo é a Polícia Federal. Apesar de essa polícia não exercer essencialmente a polícia ostensiva, não raras vezes o faz, exercendo, ainda, as atividades de investigação. No Congresso Nacional, há vários projetos legislativos com o objetivo de corrigir essa distorção, por meio de alteração constitucional, para conferir ciclo completo a todas as polícias, com o objetivo de avançar na melhoria dos serviços de segurança pública. NA PRÁTICA Analise a segurança pública prestada na sua cidade e procure correlacionar com as atribuições constitucionais e peculiaridades tratadas nesta aula. 8 Possivelmente esta aula contribuirá para a compreensão da realidade vivenciada e para a construção de um futuro melhor. FINALIZANDO Tivemos a pretensão de possibilitar ao aluno conhecer essas atribuições e peculiaridades, para que tenha condições de adequadamente compreender a estrutura e poder elaborar na seara da segurança pública. Após isso, tratamos sobre um mecanismo disponível ao Estado para possibilitar a manutenção da ordem pública, que é o uso da força. Apresentamos, em seguida, peculiaridades a respeito do profissional de segurança pública, da repressão imediata, da investigação e da execução da pena e, por fim, falamos a respeito do ciclo completo de polícia. Esses conhecimentos têm grande importância para a compreensão do estado atual da segurança pública, possibilitando, ainda, refletir a respeito de possibilidades de melhoria nesse serviço que influencia diretamente na vida de todos. 9 REFERÊNCIAS BREUNIG, A. E. Gestão de segurança pública. Curitiba: Iesde, 2020. DORECKI, A. C. Resolução pacífica de conflitos: alternativas para a segurança pública. Curitiba: InterSaberes,2017. OLIVEIRA, A. J. F. de. Segurança pública contemporânea – Aula 1. Uninter, S.d. Disponível em: <http://ava.grupouninter.com.br/ccdd/producao/ccdd_grad/gstSegPublica/segPu blicaContemp/a1/includes/pdf/impressao.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2021. _____. Segurança pública contemporânea – Aula 5. Uninter, S.d. Disponível em: <http://ava.grupouninter.com.br/ccdd/producao/ccdd_grad/gstSegPublica/segPu blicaContemp/a5/includes/pdf/impressao.pdf>. Acesso em: 29 nov. 2021.