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A CONSTRUÇÃO DE IDÉIAS ESTATÍSTICAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL 
 
Antonio Carlos de Souza – Universidade Cruzeiro do Sul 
Celi Espasandin Lopes – Universidade Cruzeiro do Sul 
 
 
Resumo 
 
Neste trabalho apresentamos uma atividade relacionada ao ensino e a aprendizagem 
de Estatística, parte de nosso projeto de pesquisa de mestrado (em andamento) 
desenvolvido com a participação de 17 alunos de uma escola da rede municipal de 
educação da cidade de Suzano-SP. Desenvolvemos uma pesquisa com abordagem 
qualitativa e construímos os dados a partir da observação e intervenção no 
desenvolvimento das atividades relacionadas a um projeto estatístico sobre uma 
temática escolhida pelas crianças. O referencial teórico centra-se nos trabalhos de 
Batanero; Garfield e Gal; e Lopes. Da análise inicial evidencia-se uma ruptura com as 
crenças de que crianças em idade pré-escolar não têm condições de construir 
conceitos relacionados à Estatística. 
 
Palavras-chave: Estatística, Educação Infantil, ensino e aprendizagem. 
 
1. Introdução 
 
 O interesse do homem pela Estatística vem desde a Antigüidade. De acordo 
com Lopes (1998), antigas civilizações realizavam estudos estatísticos com o objetivo 
de colher informações sobre agricultura, nascimentos e mortalidade. Dessa forma, 
determinavam parâmetros para taxação e cobrança de impostos, assim como 
verificavam a quantidade de homens aptos para a guerra. 
 Na sociedade moderna, a importância da Estatística se faz presente. Grandes 
empresas, órgãos públicos e outras entidades se valem de informações estatísticas 
para tomarem decisões cujos resultados influenciam a vida de parte significativa da 
sociedade. Porém, tomar decisão não é algo restrito a uma empresa ou a um órgão 
público, é também inerente ao cidadão comum. Segundo Shaugnessy (apud Carvalho, 
2001), ser competente em Estatística é essencial aos cidadãos das sociedades atuais. 
Com tal competência, poderão ser críticos em relação à informação disponível na 
sociedade, podendo entender, se comunicar e tomar decisões com base nessa 
informação. 
 Ao homem moderno é exigido que tenha consigo desenvolvidas habilidades e 
competências para: ler; estabelecer relações; levantar e verificar hipóteses; interpretar; 
e argumentar. Para tanto é de grande importância que essas capacidades sejam 
desenvolvidas o mais cedo possível. Segundo Lopes (2003), “a sociedade da 
informação e conhecimento na qual nos encontramos inseridos apresenta-nos 
exigências que não são futuras, mas imediatas”. Dessa forma, acreditamos que o 
ensino de Estatística, raramente abordado na Educação Infantil e muitas vezes 
abordado de forma equivocada nos demais níveis da Educação Básica, possa trazer 
contribuições significativas para o desenvolvimento de tais habilidades e competências. 
Nesse sentido, Carvalho (2001) diz que: 
 
Numa sociedade onde a informação faz cada vez mais parte do dia-a-dia da 
maioria das crianças, onde grandes quantidades de dados fazem parte da 
realidade quotidiana das sociedades ocidentais, importa que as crianças, desde 
logo, consigam coligir, organizar, descrever dados de forma a saberem 
interpreta-las e, com base nelas, tomarem decisões. (CARVALHO, 2001, pp. 29-
30). 
 
 A partir desses pressupostos elaboramos algumas atividades de ensino que 
visam evidenciar respostas à questão Como as crianças de 5 e 6 anos problematizam, 
elaboram instrumentos, coletam, organizam e analisam dados? Essa questão central 
relaciona-se a um projeto de pesquisa – A educação estatística na infância – 
desenvolvido junto ao Programa de Mestrado Profissionalizante em Ensino de Ciências 
e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul (UNICSUL–SP). No qual, pretendemos 
verificar as etapas de uma proposta didático-pedagógica para a abordagem da 
Estatística na educação infantil, bem como o significado que as crianças atribuem a 
algumas noções estatísticas. Trata-se de uma pesquisa qualitativa de caráter 
interpretativo onde as categorias de análise serão emergentes a partir da triangulação 
dos dados construídos. Os 17 participantes de nossa pesquisa são alunos de uma 
turma de G5 da EMEIF Vereador Antonio Martins, situada na cidade de Suzano-SP. 
Vale aqui ressaltar que o termo “G5” se refere às turmas de alunos com 5 anos de 
idade. 
 
2. A Educação Matemática e a Educação Estatística 
 
 
 Quando falamos em Estatística na escola, independente do nível de ensino, o 
que se tem em mente é a demonstração de fórmulas e cálculos complicados não acessíveis 
para a maioria da população. Esse pensamento existe mesmo entre professores e 
principalmente entre os de Educação Infantil, o que acreditamos ser um obstáculo para a 
implementação do estudo estatístico nesse nível de ensino. O professor tende a acreditar que 
seja inviável tal abordagem, primeiro que sua formação não lhe forneceu conhecimentos 
suficientes para lidar com a Matemática e segundo, porque está lidando com crianças 
pequenas e acredita que elas ainda não estão prontas para ter acesso a algo que imagina 
complexo. Como vivemos numa sociedade que alimenta o mito de que a Matemática é algo 
para ser entendido por poucos privilegiados e percebe-se a Estatística como parte da 
Matemática, uma vez que muitos pensam que Matemática e Estatística são a mesma coisa 
(Garfield e Gal, 1999), isso parece dificultar o interesse pela abordagem da temática. 
 Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (Brasil, 1998), o 
ensino de Matemática deve “contribuir para a formação de cidadãos autônomos, 
capazes de pensar por conta própria, sabendo resolver problemas”. Porém tal 
documento não faz referências ao ensino de Estatística. Em Lopes (2003), 
encontramos citações de Moura e Moura (1996), nas quais esses autores consideram 
que a Educação Matemática deva permitir à criança acesso ao conhecimento 
matemático já produzido, possibilitando o desenvolvimento de potencialidades para que 
ela apreenda o modo de resolver problemas, pois esse seria o momento em que o 
conhecimento está se fazendo. Da mesma forma deve ser feito com a Educação 
Estatística, ou seja, deve se permitir à criança o acesso ao conhecimento estatístico. 
Porém, é importante salientar que Educação Matemática e Educação Estatística são 
duas coisas distintas. Portanto devem ser abordadas de formas também distintas. 
Nesse sentido, Vendramini (2006) diz que: 
 
Existe uma diferença fundamental entre Educação Matemática e 
Educação Estatística, enquanto na primeira busca-se operar com os 
fenômenos reais e imaginárias, na segunda busca-se resumir 
informações grupais para explicar e inferir sobre esses fenômenos. 
(VENDRAMINI, 2006, p. 241). 
 
 Ao elaborarmos atividades didáticas para a coleta de dados junto aos alunos 
participantes da pesquisa, nos preocupamos com esta distinção entre Educação 
Matemática e Educação Estatística. 
 
3. A Estatística na Educação Infantil 
 
 Nosso “despertar” para um trabalho mais sistemático com Estatística, na 
Educação Infantil, surgiu após o questionamento de um aluno ao encontrar um gráfico 
em linhas em uma folha de jornal, que manuseava durante a realização de uma 
atividade (Souza, 2006). No início nosso trabalho, em sala de aula, estava restrito a 
construção de tabelas e gráficos de dados observados. Nossa proposta de atividades, 
no projeto de pesquisa, implica na participação dos alunos em todo o processo de 
tratamento de dados, partindo pela definição do problema; passando pela 
instrumentação; coleta de dados; tabulação; pela representação dos dados, sua 
interpretação e conclusão, até chegar à comunicação. 
 A atividade aqui apresentada se refere à definição do problema e elaboração 
de um instrumento para coleta de dados (questionário) em um projeto de pesquisa 
realizada pelos alunos, com intervenções do professor/pesquisador. O ponto de partida 
para iniciarmos nossas discussões foi avisita, na escola, de uma funcionária do setor 
da Prefeitura de Suzano-SP responsável pela merenda escolar. A referida funcionária 
colhia dados para uma pesquisa sobre o que os alunos achavam da merenda oferecida 
na escola. Para o registro dos dados, foram utilizadas fichas contendo três “carinhas”, 
como mostra a figura 1. 
 
 
 
Figura 1 
 
 Os alunos tinham que escolher a “carinha” que representasse sua opinião sobre a 
merenda, cujo significado era: merenda boa, regular e ruim, respectivamente. 
 A discussão girou em torno da importância daquela pesquisa e quais as 
possíveis decisões a serem tomadas após seu término. Como alguns alunos ficaram 
curiosos sobre as respostas dadas pelos colegas e o objetivo de nossa discussão era 
definir o problema para a pesquisa, sugerimos então que fizéssemos uma pesquisa 
com os alunos da própria classe e com os das outras classes que estudam no mesmo 
período. A partir da questão sobre a merenda, propomos que fossem elaboradas outras 
questões que os alunos achassem pertinentes. Batanero e Díaz (2004) destacam a 
importância da introdução do trabalho com projetos, que podem ser propostos pelo 
professor ou escolhidos livremente pelos alunos. Destacam ainda que o trabalho com 
projetos permite contextualizar os conteúdos em situações interessantes para os 
alunos. Partindo desse princípio e com a participação dos alunos, chegamos a um 
questionário com nove questões apresentadas no quadro abaixo: 
 
 
 
1. Sexo. 
Masculino Feminino 
 
2. Idade. 
5 6 7 
 
3. Você gosta da escola? 
Sim Não 
 
4. O que você acha da merenda da escola? 
Muito gostosa Gostosa Ruim 
5. Como você vem para a escola? 
De transporte escolar De carro A pé De bicicleta De moto 
 
6. A que horas você vai dormir? 
7 8 9 10 11 
 
7. A que horas você se levanta para vir para a escola? 
Cinco Cinco e meia Seis Seis e meia 
8. Você mora... 
Perto da escola Longe da escola 
 
9. Onde você vai estudar no ano que vem? 
E.E. Zeikichi Fukuoka EMEI Vereador Antonio Martins Outra escola 
 
 
 
Quadro 1: Questionário para coleta de dados 
 
 De acordo com a proposta de nosso projeto de pesquisa, os alunos deveriam 
coletar os dados. Surgiu então um problema: Como esses alunos poderiam entrevistar 
seus colegas? A solução foi encontrada após discussão: gravação das entrevistas. 
Com isso, surgiu outra questão: Quem iria transcrever as entrevistas de todos os alunos 
do período (61 no total), já que os entrevistadores ainda não sabiam ler e escrever? 
Depois de algum tempo de discussão chegamos a uma solução: As respostas seriam 
representadas por meio de figuras. Assim, os símbolos a serem criados teriam a função 
de representar a linguagem escrita, como fora feito na entrevista sobre a merenda 
escolar. Segundo Dante (1996), é fundamental que a criança “compreenda que um 
símbolo deve transmitir a mesma mensagem para todas as pessoas”, o mesmo autor 
salienta a importância da própria criança inventar símbolos que possam representar 
idéias, objetos, pessoas e situações. Dessa forma, seguindo as sugestões dos alunos e 
as nossas também, chegamos ao resultado que se encontra abaixo: 
 
 
1. SEXO 
 
 
 
2. IDADE 
 
5 6 7 
 
 
3. VOCÊ GOSTA DA ESCOLA? 
 
 
4. O QUE VOCÊ ACHA DA MERENDA DA 
ESCOLA? 
 
 
5. COMO VOCÊ VEM PARA A ESCOLA? 
 
 
 
6. A QUE HORAS VOCÊ VAI DORMIR? 
7 8 9 10 11 
 
7. A QUE HORAS VOCÊ SE LEVANTA PARA VIR 
PARA ESCOLA? 
5 5 6 6 
 
8. VOCÊ MORA.... 
 
 
9. ONDE VOCÊ VAI ESTUDAR NO ANO QUE 
VEM? 
 
 
 
Quadro 2: Segunda versão do questionário para coleta de dados 
 
 Concordamos com Machado (apud Smole, 1996) ao afirmar que antes mesmo 
que a linguagem escrita seja acessível para a criança, os recursos pictóricos tornam-se 
elementos fundamentais na comunicação. Para Smole (1996), o fato de uma criança 
não saber ler ou escrever não significa que ela é incapaz de ouvir e pensar, ainda 
segundo a autora, existem outros meios que podem ser utilizados na solução de um 
problema proposto, como por exemplo, o desenho e a expressão pictórica. 
 
4. Considerações Finais 
 
 Ao discutirmos a coleta de dados sobre merenda, percebemos a preocupação 
dos alunos em relação aos resultados da pesquisa, que se justifica, uma vez que eles 
irão influenciar diretamente o seu dia a dia na escola. Para os alunos a merenda deve 
agradar a todos e não apenas a maioria. 
 No questionário, para a coleta de dados que propomos, surgiram questões 
relevantes e significativas para os alunos, uma vez que tratam de situações que 
vivenciam todos os dias. Também nos chamou a atenção as sugestões para 
representação das respostas, o que nos mostra capacidade para resolução de 
problemas. 
 O que apresentamos neste texto refere-se às primeiras etapas do projeto de 
pesquisa que desenvolvemos como os alunos. Além disso, foram realizadas também 
atividades de: coleta dos dados, tabulação, representação dos dados em gráficos de 
colunas, interpretação dos dados, a conclusão e comunicação dos resultados. As 
atividades deste projeto estão sendo analisadas a fim de responder a questão central 
de nosso projeto de pesquisa: Como as crianças de 5 e 6 anos problematizam, 
elaboram instrumentos, coletam, organizam e analisam dados? 
 A análise inicial evidencia uma ruptura com as crenças de que crianças em 
idade pré-escolar não têm condições de construir conceitos relacionados à Estatística. 
 
5. Bibliografia 
 
BATANERO, Carmen e DÍAZ, Carmen. El papel de los proyectos en la enseñanza y 
aprendizaje de la estadística. En J. Patricio Royo (Ed), Aspectos didácticos de las 
matemáticas (125-164). Zaragoza: ICE, 2004. Disponível em 
http://www.ugr.es/~batanero, acesso em 10/11/2006. 
 
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria Fundamental de Educação. 
Referencial curricular nacional para a educação infantil. Brasília. MEC/SEF, 1998. 
 
CARVALHO, Carolina. Interação entre pares: contributos para a promoção do 
desenvolvimento lógico e do desempenho estatístico, no 7º ano de escolaridade. 
Departamento de Educação da Faculdade de Ciências. Universidade de Lisboa 
(Portugal). Tese de Doutorado, 2001. 
 
DANTE, Luiz Roberto. Didática da Matemática na Pré-escola. São Paulo: Ática, 1996. 
 
GARLIELD, Joan B. e GAL, Iddo. Teaching and Assessing Statistical Reasoning. IN: 
Stiff, L. and Curcio. F. Developing Mathematical Reasoning in Grades K-12.USA:The 
National Council of Teachers of Mathematics,1999. 
 
LOPES, Celi A. E. A probabilidade e a estatística no ensino fundamental: uma análise 
curricular. Campinas: FE/UNICAMP. Dissertação de Mestrado, 1998. 
 
LOPES, Celi A. O conhecimento profissional dos professores e suas relações com 
Estatística e Probabilidade na Educação Infantil. Campinas: FE/UNICAMP. Tese de 
Doutorado, 2003. 
 
VENDRAMINI, Claudette M. M. Contribuições da Educação Estatística para a Educação 
Matemática. In: BRITO, Márcia R. F. (org.) Solução de Problemas e a Matemática 
escolar. Campinas: Alínea, 2006. 
 
SMOLE, Kátia. C. S. A Matemática na educação infantil: A teoria das inteligências 
múltiplas na prática escolar. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996. 
 
SOUZA, Antonio Carlos de. A construção de gráfico em linhas com alunos de Educação 
Infantil: Um relato de experiência. Artigo publicado nos anais do VIII Encontro Paulista 
de Educação Matemática.São Paulo, 24 a 26 de agosto de 2006.

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