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A sentença de pronúncia deve limitar-se a um juízo de dúvida a respeito da acusação evitando consider

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A sentença de pronúncia deve limitar-se a um juízo de
dúvida a respeito da acusação, evitando considerações
incisivas ou valorações sobre as teses em confronto
nos autos, sob pena de nulidade
dizerodireito.com.br/2023/02/a-sentenca-de-pronuncia-deve-limitar-se.html
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023
Procedimento do Tribunal do Júri
Quando a pessoa pratica um crime doloso contra a vida, ela responde a um processo
penal que é regido por um procedimento especial próprio do Tribunal do Júri (arts. 406 a
497 do CPP).
Procedimento bifásico do Tribunal do Júri
O procedimento do Tribunal do Júri é chamado de bifásico (ou escalonado) porque se
divide em duas etapas:
1) Fase do sumário da culpa (iudicium accusationis): é a fase de acusação e instrução
preliminar (formação da culpa). Inicia-se com o oferecimento da denúncia (ou queixa) e
termina com a preclusão da sentença de pronúncia.
2) Fase de julgamento (iudicium causae).
Sentença que encerra o sumário da culpa
Ao final da 1ª fase do procedimento do júri (sumário da culpa), o juiz irá proferir uma
sentença, que poderá ser de quatro modos:
Pronúncia Impronúncia Absolvição
sumária
Desclassificação
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O réu será pronunciado
quando o juiz se
convencer de que
existem prova da
materialidade do fato e
indícios suficientes de
autoria ou de
participação.
O réu será
impronunciado
quando o juiz
não se
convencer:
§ da
materialidade
do fato;
§ da
existência de
indícios
suficientes de
autoria ou de
participação.
Ex.: a única
testemunha
que havia
reconhecido o
réu no IP não
foi ouvida em
juízo.
O réu será
absolvido,
desde logo,
quando
estiver
provado (a):
§ a
inexistência
do fato;
§ que o réu
não é autor
ou partícipe
do fato;
§ que o fato
não constitui
crime;
§ que existe
uma causa
de isenção
de pena ou
de exclusão
do crime.
Ex.: todas
as
testemunhas
ouvidas
afirmaram
que o réu
não foi o
autor dos
disparos.
Ocorre quando o juiz se
convencer de que o fato
narrado não é um crime
doloso contra a vida, mas
sim um outro delito,
devendo, então, remeter o
processo para o juízo
competente.
Ex.: juiz entende que não
houve homicídio doloso,
mas sim latrocínio.
Recurso cabível: RESE. Recurso
cabível:
APELAÇÃO.
Recurso
cabível:
APELAÇÃO.
Recurso cabível: RESE.
Fundamentação da sentença de pronúncia e excesso de linguagem
A sentença de pronúncia deve ser fundamentada. No entanto, é necessário que o juiz
utilize as palavras com moderação, ou seja, valendo-se de termos sóbrios e comedidos,
a fim de se evitar que fique demonstrado na decisão que ele acredita firmemente que o
réu é culpado pelo crime.
Se o magistrado exagera nas palavras utilizadas na sentença de pronúncia, dizemos que
houve um “excesso de linguagem”, também chamado de “eloquência acusatória”.
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Ex: na sentença de pronúncia, o juiz afirma: “não tenho nenhuma dúvida de que o réu foi
o autor do homicídio da vítima Fulano. Na verdade, em todos os meus anos de
magistratura, nunca vi um homicida tão frio, cruel e desprezível, sendo esse um crime
brutal que merece ser gravemente reprimido”. Ora, no caso houve claramente excesso
de linguagem por parte do juiz.
Por que não pode haver o excesso de linguagem?
Porque o CPP afirma que os jurados irão receber uma cópia da sentença de pronúncia e
das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação e do relatório do processo
(art. 472, parágrafo único). Assim, se o juiz se excede nos argumentos empregados na
sentença de pronúncia, o jurado irá ler essa decisão e certamente será influenciado pela
opinião do magistrado. O jurado poderá, inclusive, pensar o seguinte: “se o juiz, que
estudou e conhece das leis, está aqui no papel dizendo que o réu é culpado, deve ser
porque ele realmente é culpado. Vou ter que condená-lo também.”
Perceba, portanto, que existe claro prejuízo para a defesa.
Havendo excesso de linguagem, o que o Tribunal deve fazer?
Se o Tribunal reconhecer que houve excesso de linguagem na sentença de pronúncia,
ele deverá anular a decisão, assim como atos processuais seguintes, determinando que
outra sentença de pronúncia seja prolatada.
Em vez de anular, o Tribunal pode apenas determinar que a sentença seja
desentranhada (retirada do processo) ou seja envelopada (isolada)? Isso já não
seria suficiente, com base no princípio da economia processual?
NÃO. Não basta o desentranhamento e envelopamento. É necessário anular a sentença
e determinar que outra seja prolatada. Isso porque, como já dito acima, a lei determina
que a sentença de pronúncia seja distribuída aos jurados. Logo, não há como
desentranhar a decisão, já que uma cópia dela deverá ser entregue aos jurados. Se essa
cópia não for entregue, estará sendo descumprido o art. 472, parágrafo único, do CPP.
Assim, não há outro jeito. A providência adequada é a anulação da sentença e os
consecutivos atos processuais que ocorreram no processo principal para que outra
decisão seja proferida:
Havendo excesso de linguagem, o Tribunal deverá ANULAR a sentença de pronúncia e
os consecutivos atos processuais, determinando-se que outra seja prolatada.
Não basta o desentranhamento e envelopamento. É necessário anular a sentença e
determinar que outra seja prolatada.
STF. 1ª Turma. RHC 127522/BA, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 18/8/2015 (Info
795).
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STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1.442.002-AL, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado
em 28/4/2015 (Info 561).
Feita esta breve revisão, imagine a seguinte situação adaptada:
O Ministério Público denunciou João pelo homicídio de Pedro.
O réu foi pronunciado pela prática do crime de homicídio qualificado.
Na sentença de pronúncia, o juiz escreveu:
“(...) pela dinâmica dos fatos, conforme relatado pelas testemunhas, demonstrou-se que
o réu, agindo com ânimo homicida, por motivo fútil e empregando recurso que dificultou a
defesa da vítima, matou Pedro da Silva.
(...)
Não há que se falar em desclassificação já que o dolo de matar é evidente nos autos”.
Irresignada, a defesa interpôs recurso em sentido estrito perante o Tribunal de Justiça,
alegando, em suma, nulidade da decisão, por excesso de linguagem (decisão com
eloquência acusatória).
O Tribunal de Justiça rejeitou a nulidade e negou provimento ao recurso por entender
que não houve excesso de linguagem, mantendo a pronúncia do réu.
Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus ao STJ alegando que houve “excesso
acusatório, pois o juízo expressa a certeza de que há dolo de matar, em que pese a tese
desclassificatória para crime não doloso contra a vida ter sido alegada pela defesa em
sede de alegações finais e de recurso em sentido estrito”.
O STJ concedeu a ordem? Os argumentos da defesa foram acolhidos?
SIM.
Na primeira fase do procedimento especial do tribunal do júri, o magistrado deve realizar
apenas um juízo de admissibilidade da acusação, ou seja, deverá avaliar se a conduta
do agente pode se enquadrar na descrição de crime doloso, tentado ou consumado,
contra a vida. Não é feito um juízo de certeza. Isso porque o juízo de certeza acerca da
autoria e a deliberação acerca de dúvidas só podem provir do conselho de sentença
(jurados), que é o juiz natural da causa.
Justamente por isso, a jurisprudência do STJ é pacífica no sentido de que a sentença de
pronúncia deve limitar-se a um juízo de dúvida a respeito da acusação, evitando
considerações incisivas ou valorações sobre as teses em confronto nos autos.
No caso, o magistrado afirmou que “pela dinâmica dos fatos, conforme relatado pelas
testemunhas, demonstrou-se que o réu, agindo com ânimo homicida, por motivo fútil e
empregando recurso que dificultou a defesa da vítima, matou Pedro da Silva”. Essa
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sentença denota (indica) juízo de certeza quanto à culpabilidade do acusado. Sua
redação mostra-se absolutamente imprópria à decisão de pronúncia, já que pode induzir
o ânimo dos jurados em favor das teses acusatórias, em prejuízo da defesa.
Da mesma forma, ouso da contundente afirmação de que “o dolo de matar é evidente
nos autos” ultrapassou, efetivamente, as barreiras da legalidade - com isso incorrendo o
magistrado no chamado vício de excesso de linguagem -, tendo em vista o juízo
peremptório acerca do dolo do acusado.
Assim, verifica-se configurada manifesta ilegalidade a justificar a concessão da ordem de
ofício, ante a nulidade da decisão de pronúncia por vício de excesso de linguagem.
Em suma:
A sentença de pronúncia deve limitar-se a um juízo de dúvida a respeito da
acusação, evitando considerações incisivas ou valorações sobre as teses em
confronto nos autos.
STJ. 5ª Turma. AgRg no HC 673.891-SP, Rel. Min. Joel Ilan Paciornik, Rel. Acd. Ministro
João Otávio de Noronha, julgado em 23/8/2022 (Info Especial 10).

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