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DIREITOS HUMANOS E LEGISLAÇÃO SOCIAL Flaviana Aparecida de Mello Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Reconhecer o processo de materialização de direitos humanos no Brasil. � Relacionar a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a legislação brasileira. � Identificar os direitos humanos na CF de 1988 e como são materiali- zados na contemporaneidade. Introdução O estudo a respeito da Constituição Federal de 1988 associada aos di- reitos humanos representa um importante debate acerca das garantias constitucionais no que tange ao princípio da dignidade humana e aos direitos sociais estabelecidos na referida Carta Magna para todos os cida- dãos como direito universal e integral. A Constituição Federal desponta como um marco fundamental na histórica política brasileira, visto ter sido promulgada após o fim do regime militar que se instaurou no Brasil no ano de 1964 e que teve fim apenas no ano de 1985, perdurando por 21 anos um governo totalmente autocrático, repressivo e de cerceamento às liberdades, às garantias individuais e às concepções de direitos para a população. Assim, neste capítulo, você terá a oportunidade de aprender como se deu o processo de materialização dos direitos humanos no Brasil, a partir de um procedimento histórico-conjuntural, e de que maneira podemos perceber os direitos humanos no cotidiano. Ainda, vai compreender de que modo as principais legislações brasileiras direcionadas às garantias de direitos, que asseguram a vida, estão relacionadas aos preceitos da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH). E, por fim, reconhecerá e identificará os direitos humanos arrolados no texto da Constituição Federal de 1988, e de que maneira têm sido materializados na sociedade brasileira contemporânea, potencializando as conquistas e observando os principais desafios encontrados nesse processo. Por avaliarmos que o tema tem uma ampla relevância para o desen- volvimento do conhecimento em matéria de serviço social, visto que os/as assistentes sociais atuam na viabilização de direitos sociais, que, por sua vez, são considerados direitos humanos, tendo como um dos seus princípios básicos — em seu projeto ético e político — a defesa intransigente dos direitos humanos, é fundamental que se compreenda o que as legislações apresentam em termos de concepção de direitos e de sua viabilidade, para que esses profissionais possam atuar concretamente. 1 Materialização dos direitos humanos no Brasil Os direitos humanos foram sistematizados a partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), desenvolvida pela Organização das Nações Unidas (ONU) no ano de 1948 e orientada a todos os países. Sua elaboração e, por conseguinte, declaração estão conectadas ao final da Segunda Guerra Mundial, evento que promoveu diversas iniquidades à vida humana. No Brasil, os direitos humanos tiveram suas primeiras comissões inau- guradas a partir da década de 1970 (PINHEIRO; MESQUITA NETO, 1998), as quais começaram a observar que o Estado brasileiro usava de muita trucu- lência, torturas e cometia assassinatos de pessoas e de seus presos. Convém ressaltar que, nesse período, o país estava em meio a um regime político ditatorial militar, que cerceou as liberdades de expressar livremente os pensa- mentos e ir e vir, além de ter retirado o direito ao voto direto e à democracia. Ainda, todas as pessoas que se colocassem em oposição a esse regime eram perseguidas, muitas vezes presas sob muita tortura e até mesmo perdendo suas vidas. Cabe ressaltar que o Estado brasileiro vivenciou por 21 anos esse governo ditatorial determinado pelos militares, configurando-se em um cenário alta- mente repressor e de aniquilação de direitos humanos, sociais, civis e políticos. Assim, a partir dos anos de 1980, com forte pressão de populares e diversos atores da sociedade civil, o regime militar foi perdendo força, o que culminou no seu encerramento oficial em 1985. A partir desse modo, a sociedade brasi- leira se mobilizou para que o país pudesse ter uma nova Constituição Federal, Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos2 lei maior capaz de assegurar os direitos fundamentais à toda a população e que afiançasse a democracia com a participação popular, juntamente com o Estado, nas tomadas de decisões. Desse modo, no ano de 1987, o Brasil teve o movimento pela constituinte, que contou com a participação popular e a sociedade civil organizada por meio de sindicatos, partidos políticos, classe artística, professores, juristas, movimentos sociais, associações, conselhos de classes, entre outros, que se movimentaram junto ao Congresso Nacional para que pudesse ser elaborada uma nova Constituição brasileira. Assim, após a sistematização da nova Constituição brasileira, ela foi aprovada e teve sua promulgação em outubro de 1988 (Figura 1), batizada também como Constituição Cidadã, em virtude da ampla e ativa participação da sociedade civil. Figura 1. Dia da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil em outubro de 1988. Fonte: Conheça... (2018, documento on-line). De acordo com Ramos (2012), os direitos sociais elencados no texto da Carta Magna de 1988 se correlacionam aos direitos humanos e estão elencados no título II, que trata dos direitos e das garantias fundamentais, e estruturados no artigo 6º: o direito a educação, saúde, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e infância, e assistência aos de- 3Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos samparados (BRASIL, 1988). Ainda no que diz respeito à materialização dos direitos humanos na Constituição Federal, Ramos (2012) ressalta que o artigo 5º, em seu parágrafo 1º, também se refere aos preceitos dos direitos humanos quando assevera que os direitos fundamentais para a população brasileira devem ser de imediata ação por parte do Estado e, no mesmo compasso, de acesso à população. É importante advertimos que, quando o Estado não atende à população provendo os direitos fundamentais à manutenção da vida humana, ele deve responder em juízo e ser determinado a cumprir com o seu dever em provê-los aos cidadãos. Dessa maneira, cabe ainda ressaltar que os direitos humanos se classificam em três gerações: � primeira geração: direitos políticos e civis; � segunda geração: direitos sociais, econômicos e culturais, assinalados como direitos fundamentais, pois são inerentes à preservação e à ma- nutenção da vida humana; � terceira geração: direitos difusos ou coletivos. Aqui, o que queremos destacar é que os direitos sociais elencados na Carta Magna brasileira são os direitos humanos de segunda geração e que a Constituição Federal buscou assegurá-los para que não houvesse qualquer tipo de retaliação, retração e negação desses direitos, também classificados como fundamentais. Entretanto, ressalvamos que, anteriormente à DUDH, tivemos algumas legislações que se voltaram à garantia de algum direito social. Por fim, corroborando com esse debate, Ramos (2012, p. 2) afirma: Em razão da interdependência e indivisibilidade dos direitos humanos, conclui-se que a efetivação desses direitos é indispensável para o exercício de outros direitos e liberdades fundamentais. O direito à vida, por exemplo, exige a eficácia do direito à saúde, e o direito à dignidade reclama o direito à moradia, à educação, à escolha de um trabalho digno e à proteção social em caso de desemprego e outras contingências. Ademais, importa recordar que o princípio da prevalência dos direitos humanos, disposto no art. 4º, inciso II, da Constituição da República é um dos princípios que regem as relações internacionais do Brasil. Portanto, em obediência a este princípio, bem como aos Direitos Fundamentais consagrados pelo constituinte de 1988, o Estado tem o dever de proporcionar aos indivíduos o pleno exercíciodos Direitos Sociais, para que possam viver com dignidade, livres da insegurança causada pelo desemprego e miséria crescentes que assolam o sistema capitalista globalizado. Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos4 Já na década de 1990, Pinheiro e Mesquita Neto (1998) destacam que o aumento da criminalidade fez com que a população brasileira, em sua ampla maioria, passasse a desacreditar dos direitos humanos, associando-o meramente à condição de defesa dos criminosos. De acordo com os autores: A apologia da violência em programas de rádio e de televisão, em campanhas eleitorais, somada à emergência de movimentos religiosos fundamentalistas, em concorrência com a igreja católica omissos quanto à defesa dos direitos humanos, tiveram um papel crucial para a percepção daqueles direitos como danosa para os cidadãos que justamente visava proteger (PINHEIRO; MES- QUITA NETO, 1998, p. 2). Com o objetivo de conter o discurso de ódio, da violência e da criminali- dade, bem como apresentar de fato o que são os direitos humanos e como se materializam na sociedade brasileira, destacamos o Plano Nacional dos Direitos Humanos (PNDH), lançado no governo de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1996, que solidificou o preceito constitucional apresentado no artigo 84, inciso IV, tendo sua primeira versão instituída por meio do Decreto Federal n.º 1.904 (BRASIL, 1996). No ano de 2002, FHC assinalou o segundo PNDH, e o último PNDH foi decretado pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva em 2009. Você sabe quais são os objetivos do PNDH? De acordo com Pinheiro e Mesquita Neto (1998), o objetivo do PNDH consiste em limitar, controlar e reverter as graves violações de direitos humanos, implementando uma recomendação da Conferência Mundial de Direitos Humanos realizada em Viena, em 1993, na qual o Brasil teve um papel muito atuante, visto ter sido o embaixador Gilberto Sabóia o coordenador do comitê de redação de sua Declaração e Programa. Ao assumir esse compromisso, o governo brasileiro reconhece a obrigação do Estado de proteger e promover os direitos humanos, bem como seu princípios de universalidade e indivisibilidade. 5Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos Contudo, mesmo que o Brasil tenha instituído até o momento três PNDH, isso não é suficiente, exigindo-se a materialização dos direitos humanos conforme expresso e assegurado na nossa Carta Magna de 1988 e reafirmado pelos próprios PNDH (Figura 2). É necessário, portanto, que o Estado brasileiro implemente e implante políticas públicas sociais capazes de ofertar os direitos sociais de modo a contemplar a totalidade de vida dos sujeitos e grupos, sobretudo os mais vulnerabilizados e/ou em risco pessoal e social, para que, assim, possam ter mais condições de ter uma vida digna, com qualidade no acesso aos serviços de saúde, cultura, educação, etc. Figura 2. Características dos direitos humanos. Indivisíveis Legalidade Legitimidade Direitos humanos Interdependentes Constitucionalidades Inter-relacionados Contudo, ao considerarmos que os direitos humanos no Brasil datam de pouco mais de quatro décadas, significa dizer que ainda é um assunto muito recente em comparação a outros países que adotaram os direitos humanos em suas legislações e os materializaram em políticas públicas. Ainda, soma-se o fato de que o país é marcado por governos ditatoriais, como o da Era Vargas e o governo militar, que perdurou 21 anos, o que se reflete no modo como as pessoas consideram o que são os direitos humanos. Por essa razão, entendemos ainda ser fundamental haver engajamento por parte de profissionais que atuam na defesa e na garantia de direitos para que consigam, além de viabilizar o direito, realizar ações que apresentem às pessoas o que de fato são os direitos Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos6 humanos, o motivo de sua existência e o razão pela qual são fundamentais para a vida em sociedade. Assim, também se torna basilar a atuação do Estado na repressão a atos criminosos, mas não na forma de aniquilar os direitos dessas pessoas, e sim para que repensem sobre suas ações ilícitas e tenha uma oportunidade de um possível (re)começo de vida, sem a prática de atividades delituosas. Por fim, que todas as políticas públicas sociais sejam de fato integradas e com o intuito de efetivar os direitos humanos, respeitando a vida e garantindo condições humanas e com dignidade para viver na sociedade brasileira. 2 Relação da Declaração dos Direitos Humanos com a legislação brasileira Datada de 1948 e aprovada na Assembleia Geral da ONU, a DUDH representa um importante subsídio para lutar contra a discriminação racial, a opressão, a tortura, a desigualdade social, entre outros, bem como defender a ampliação das liberdades e ser a favor da equidade, da igualdade e da justiça social. Trata-se de um documento que visa a nortear os países a desenvolver suas legislações com base nos princípios e objetivos que descreve. A Declaração dos Direitos Humanos é essencial para a existência humana, asseverando que todas as pessoas do mundo possam ter condições digna de vida, com moradia, alimentação, saúde, educação, etc., além de assinalar direitos econômicos, individuais e que todos esses direitos se deem a partir do princípio da universalidade. Nesse compasso, ao analisarmos algumas das principais legislações sociais brasileiras, não podemos deixar de citar a Carta Maior, ou seja, a nossa Constituição, pois ela desponta como um marco na transição de um Estado autocrático, que não respeitava os direitos humanos, para um posicionamento em validar os direitos humanos, baseando-se neles para elaborar suas legislações. Tendo como princípio basilar a dignidade da pessoa humana, a Constitui- ção pauta-se contrária à tortura, à pena de morte e a diversos outros tipos de opressão e crueldade contra a pessoa, e, assim, é favorável a justiça social, atendimento integral, universal, etc. Como destaque, mencionamos o art. 4º, que aponta como se dá a política de relação exterior do Estado brasileiro com outros países. Entre seus princípios, destacamos: � II — prevalência dos direitos humanos; � VI — defesa da paz; 7Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos � VII — solução pacífica dos conflitos; � VIII — repúdio ao terrorismo e ao racismo; � IX — cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; � X — concessão de asilo político. Você sabia que quem desrespeita e/ou menospreza os direitos humanos contribui também com as violências, a crueldade e a opressão? E que a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) reforça que o posicionamento das nações deve ser contrário à escravidão? Para saber mais a esse respeito e conhecer o que rege a DUDH, acesse o site do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). De acordo com alguns incisos destacados do artigo 4º da Constituição, percebemos que o Brasil ratifica seu posicionamento a favor dos direitos humanos, tanto que algumas legislações brasileiras se basearam em outros acordos e tratados internacionais, somado à própria Declaração dos Direitos Humanos. Assim, destacamos algumas legislações que corroboram com a asseveração da declaração e de outros acordos internacionais, como é o caso da Lei n.º 9.474/1997, que regulamenta o Estatuto do Refugiado, uma legislação que atende às necessidades de manutenção da vida e condições para sobreviver, corroborando com a DUDH, a partir da qual a vida é o princípio fundamental e deve ser livre de crueldade, opressão, etc. Desse modo, podemos perceber que o Brasil se coloca de maneira diplomática e solidária em relação à situação de pessoas que necessitam resguardar suas vidas, colocando o Estado brasileiro como possibilidade de um recomeço de vida. Pela referida lei, no artigo 1º, considera-se refugiado: I — devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-sefora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II — não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitua, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III — devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país (BRASIL, 1997, documento on-line). Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos8 Outra legislação que destacamos é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) — Lei n.º 8.069/1990 — que, em seu artigo 3º, coaduna com o que assevera a DUDH: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se lhes, por lei ou por outros, meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990, documento on-line). No Brasil, a partir da Constituição Federal e com a promulgação do ECA, que materializa o artigo 227 da CF/1988, o país passou a considerar de fato a criança e o adolescente como pessoas em desenvolvimento e que devem ser livres de qualquer crueldade e opressão, além de sujeitos de direitos, o que ratifica a cidadania dessas pessoas que durante décadas foram tidas como um objeto de análise do juiz. Igualmente, o novo Código Civil de 2002 apresenta preceitos que foram embasados pela DUDH, dos quais uma das grandes alterações se refere à quebra do poder familiar centralizado nas mãos do homem, passando a reconhecer que mulheres e homens têm os mesmos direitos e deveres na sociedade conjugal, o que também se relaciona com a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher de 1979 (CEDAW). Ainda, enfatiza que todas as pessoas desde o seu nascimento passam a ter uma personalidade civil, garantindo, assim, a cidadania de todas as pessoas desde o momento de seu nascimento e colocando-as no patamar de detentoras de direitos e o Estado se responsabilizando por mais um cidadão. Outra legislação brasileira que se relaciona à DUDH é o Estatuto do Idoso (Lei nº. 10.741 de 2003), que também assegura que se consideram idosas no Brasil as pessoas a partir dos 60 anos de idade, às quais deve ser garantido o direito de gozar de todos os direitos inerentes à vida humana, sendo o Estado responsável por ofertar a proteção integral e assegurar condições de liberdade e dignidade para viver (BRASIL, 2003). Já em 2006, o Brasil sancionou definitivamente a Lei n.º 11.340, que ficou conhecida como Lei Maria da Penha, em homenagem à biofarmacêutica cearense que durante anos sofreu tentativas de feminicídio por parte do seu ex-marido e diversas outras formas de violência, o que a deixou sem poder mais deambular, tornando-se cadeirante. A lei assegura o direito humano à vida da mulher, livre de qualquer opressão e violação com base na sua 9Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos condição de gênero, materializando o que ficou acordado na CEDAW (1979) e na Convenção de Belém do Pará (1994), que apresentaram orientações de como os países devem se posicionar contrários a violência e todas as suas formas, além de criar mecanismos para aniquilar a violência contra a mulher (BRASIL, 2006). Mencionamos, por fim, o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n.º 13.146 de 2015), que tem por principal finalidade assegurar às pessoas com deficiência condições de igualdade, a oportunidade de gozar dos direitos e das liberdades fundamentais, dirigindo-se para a efetivação da inclusão social e da cidadania, e o Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.º 12.288 de 2010), com o objetivo de concretizar a igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate aos atos de discriminação e aos vários outros tipos de violência e de intolerância étnicas (BRASIL, 2010, 2015). De modo geral, o que pretendemos aqui não foi apresentar todas as leis, nem esgotar o tema, mas descrever, partindo da Constituição Federal de 1988, as principais legislações sociais que avalizam e ratificam o que a DUDH as- severa e relata ser direitos humanos, bem como o Brasil ratifica vários outros acordos/tratados internacionais em relação aos direitos humanos. Contudo, é fundamental que os assistentes sociais, em seu exercício profissional, busquem um constante conhecimento e atualização no que diz respeito às legislações sociais, a fim de desenvolver seu projeto profissional considerando a defesa intransigente dos direitos humanos, usando das legislações para viabilizá-los e garanti-los à população brasileira. 3 Identificação dos direitos humanos no texto da Constituição e sua materialização na contemporaneidade Conforme Souza et al. (2010), os direitos humanos são direitos basais, motivo pelo qual precisam ser acessados por todas as pessoas, visto que se tratar de elementos básicos para a condição e manutenção da vida humana. Esses direitos têm por características ser invioláveis e universais e integrais. Como sabemos, a Constituição Federal brasileira demarcou a passagem de um país Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos10 que viveu um regime ditatorial por 21 anos para uma expectativa de viver um Estado democrático de direito, cujos preceitos foram embasados nos direitos humanos. Em vários dos títulos, capítulos e artigos da Carta Magna, podemos identificar os direitos humanos. Como destaque, mencionamos o título II, que tem por nome “direitos e garantias fundamentais”, o capítulo II, art. 6º, que trata sobre o que venha a ser considerado direito social, e o art. 7º desse mesmo título e capítulo, que se refere aos direitos de trabalhadores rurais e urbanos. Entre os vários incisos do último artigo citado, destacamos o XXXIII, que assinala a proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre aos menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 14 anos, salvo na condição de aprendiz (BRASIL, 1988). Outro ponto da nossa Carta Magna na qual identificamos estreita relação com os direitos humanos reside no título VIII da Ordem Social, a partir do qual destacamos alguns capítulos e artigos. Começamos com o capítulo II da Seguridade Social, que traz dois direitos sociais também assegurados como componentes da seguridade social: a assistência social, elencada nos artigos 203 e 204, que ratificam que o atendimento se dará para qualquer cidadão, livre da obrigação de colaborar financeiramente com a seguridade social; e o direito à saúde, estruturado do artigo 196 ao 200 e, da mesma forma que a assistência social, um direito de todos e livre de contribuições financeiras. Você sabia que o direito à saúde também é considerado um direito humano e, portanto, inviolável? Para saber mais sobre esse direito social, deixamos como dica assistir a “O que são direitos humanos?” o primeiro vídeo da série sobre Direitos Humanos elaborado pela Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV DIREITO SP). Nesse pequeno vídeo, explica-se por que a saúde é um direito humano, entre outras informações. 11Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos Ainda no que diz respeito à identificação da Constituição com os direitos humanos, podemos verificar no título VIII da Ordem Social no capítulo VIII sobre os direitos da criança, do adolescente, da família e do idoso. Entre seus vários incisos e parágrafos, destacamos os trechos do art. 227 (BRASIL, 1988, documento on-line): § l.º O Estado promoverá programas de assistência integral à saúde da criança e do adolescente, admitida a participação de entidades não governamen- tais e obedecendo aos seguintes preceitos: I — aplicação de percentual dos recursos públicos destinados à saúde na assistência materno-infantil; [...] V — obediência aos princípiosde brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade. VI — estímulo do poder público, através de assistência jurídica, incentivos fiscais e subsídios, nos termos da lei, ao acolhimento, sob a forma de guarda, de criança ou adolescente órfão ou abandonado; VII — programas de prevenção e atendimento especializado à criança e ao adolescente dependente de entorpecentes e drogas afins. § 4.º A lei punirá severamente o abuso, a violência e a exploração sexual da criança e do adolescente. § 5.º A adoção será assistida pelo poder público, na forma da lei, que estabe- lecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros. § 6.º Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. § 7.º No atendimento dos direitos da criança e do adolescente levar-se-á em consideração o disposto no art. 204. Assim, podemos traçar uma relação direta dos preceitos dos direitos huma- nos com o que a nossa Carta Maior avaliza e assegura ser direito para todos os cidadãos brasileiros, uma vez que ela se consolidou com o compromisso de assegurar as liberdades, os direitos e a democracia. No entanto, ao fazermos uma análise mais criteriosa em relação à materialidade efetiva desses direitos para a população brasileira, percebemos que existem alguns obstáculos, como a necessidade de enaltecer a economia a todo custo e, com isso, “massacrar” a população mais vulnerável socialmente. Para corroborar com esse debate, Piovesan (1999, p. 98) exemplifica que: Este excessivo ímpeto de reforma da Constituição tem esvaziado e mitigado a força normativa da Carta de 1988, em particular no que tange aos direitos sociais. Intensifica-se o processo de pulverização das molduras jurídicas do Estado de Bem-Estar Social, sob o impacto das diretrizes do processo de globalização econômica. Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos12 Outro fator se deve ao aumento da pobreza, o que provoca intensas desi- gualdades sociais e vem colocando as pessoas em exclusão social, justamente pelo fato de parte da agenda do governo brasileiro atual pensar com máxima veemência nos acordos econômicos globais, buscando, assim, maximizar os lucros e, em contrapartida, desmantelar os direitos sociais historicamente conquistados e assegurados na Constituição. Segundo Piovesan (1999, p. 100), o “forte padrão de exclusão socioeconômica constitui um grave comprome- timento às noções de universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos. O alcance universal dos direitos humanos é mitigado pelo largo exército de excluídos”. Conforme Souza et al. (2010), os direitos fundamentais são um contíguo de direitos e fianças para cada ser humano, cujo desígnio basilar reside na proteção do poder estatal às condições para se viver com dignidade e se desenvolver na sociedade. Como direitos afiançados pelo Estado, as pessoas que deles necessitam precisam ter acesso em igualdade e não estar em condição de miserabilidade humana, visto seu caráter universal e integral. Porém, com a política neoli- beral que se instalou no Brasil a partir dos anos de 1990, os direitos na sua materialização passaram a se dar de forma compensatória, seletiva e focalista, o que contribui ainda mais para as desigualdades sociais. Iamamoto (2012, p. 141) assevera que: [...] o aprofundamento das desigualdades sociais e a ampliação do desemprego atestam ser a proposta neoliberal vitoriosa, visto serem estas suas metas, ao apostar no mercado como a grande esfera reguladora das relações econômi- cas, cabendo aos indivíduos a responsabilidade de “se virarem no mercado”. Nesse compasso, podemos compreender que esse projeto neoliberal de enaltecimento das relações econômicas globais coloca os direitos humanos e sociais na periferia das ações de responsabilidade do governo, como percebido pelos congelamentos de investimentos em saúde, educação, assistência social, segurança pública, entre outras políticas sociais. Por fim, alertamos para a relação dos preceitos constitucionais com os direitos humanos e enaltecemos os nossos avanços, ainda que sem deixar de analisar criticamente os efeitos do neoliberalismo, contrapondo-se à garantia universal dos direitos humanos e tornando-os grandes desafios no cotidiano profissional. Contudo, mesmo diante desses imensos desafios com que os/as assistentes sociais se deparam na realidade cotidiana, é necessário buscar redirecionar o trabalho profissional para a lógica do código de ética e se pautar nele para reunir todas as condições 13Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos de orientar os usuários quanto ao que lhe é devido por direito legal, além de desenvolver várias formas de pressão junto ao Estado para garantir e assegurar aos cidadãos seus direitos sociais e humanos. BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Presidência da República, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Decreto nº 1.904, de 13 de maio de 1996. Institui o Programa Nacional de Direitos Humanos - PNDH. Brasília: Presidência da República, 1996. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d1904.htm. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. 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Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Brasília: Presidência da República, 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340. htm. Acesso em: 20 out. 2020. BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nos 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Brasília: Presidência da República, 2010. 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Florianópolis: CRESS 12ª Região, 15Constituição Federal de 1988 e os direitos humanos Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. 2013. Disponível em: http://cress-sc.org.br/wp-content/uploads/2014/03/Direitos- -Humanos-e-o-Servi%C3%A7o-Social.pdf. Acesso em: 20 out. 2020. NONATO, A. A. M. Os desafios dos direitos humanos no Brasil. DireitoNet, [S. l.], 15 jan. 2020. Disponível em: https://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/11464/Os-desafios-dos- -direitos-humanos-no-Brasil. Acesso em: 20 out. 2020. OLIVEIRA, D. A. Direitos humanos e a legislação brasileira. Conteúdo Jurídico, Brasilia, 24 set. 2020. 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