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Luiz Damon Moutinho - Sartre_ Psicologia e fenomenologia-Editora Brasiliense (1995)

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PSICOLOGIA EFENOMENOLOGIAPT(pod: 
 
 
 
SARTRE
PSICOLOGIA E
FENOMENOLOGIA
 
 
OFICINA ve FILOSOFIA
DIREÇÃO: MARILENA CHAUI
Luiz Damon SANTOS MouTINHO
SARTRE
PSICOLOGIA E
FENOMENOLOGIA
PREFÁCIO DE BENTO PRADO JÚNIOR
TOMBO . 186472
 
 
SBD-FELCH-USP
BIBLIOTECA DE FILOSOFIA
E CIÊNCIASSOCIAIS
Fapesp
brasiliense 
 
Copyrichi Opyrght
O
by Luiz Damon Santos Moutinho, 1995
Nenhumaparte desta publicaç
armazenada
e pireproguanada emsistemas eletrônicos fotocopiad.
uzida por meios mecâni
isqu
ecânicos ou outro. i
À os me ico Ss quaisquerem a autorização prévia da editora, 4
dopode ser gravada,
Coordenação editorial: Floriano Jonas €Eeparação € revisão: José Teixeira Netoapa e projeto gráfico: Carlos das Nevesção eletrônica: Guilherme Rodrigues NetProdução: discurso editorial ú
DEDALUS- Ace
Edit
NOM
Dados Internacionais de Catalo,(Câmara BrasilOgação na Publicação (CIP)
Livro, SP, Brasil)
Moutinho,Luiz Damon Santos, 1964-
Sartre: psicologi i
SantosMoiColoEa € fenomenologia / Luiz Damonde Fios) aulo: Brasiliense, 1995. — (Oficina
ISBN 85-11-12069-6
1. Filosofia 2, Filosofia - Brasil 1. Título. II. Série
95-1932
CDD-100
Índices para catálogo sistemático:1, Filosofia 100 ,
io de À FAPESP
do de Amparo à Pesquisa do Estado de Sã
Rua Pio XI, 1500 “SãoPaulo05468-901 — São Paulo — SP
Fone (011!) 837-0311
Fundaç.
EDITORABRASILIENSE S.A
Av. Marquês de São Vicente, 1 771
01139-903
=
São Paulo SP
Fone (0H) 861-3366
Filiada ÂABDR 
Oficina de Filosofia
MARILENA CHAUI
NOS últimos decênios, cresceram no Brasil
tanto a produçãode trabalhos emfilosofia quanto
o interesse — profissional ou não — dos leitores de
filosofia. Certamente, do lado acadêmico, o desen
volvimento dos cursos de pós-graduação estimu
lou pesquisas originais e rigorosas nos mais varia
dos camposfilosóficos, fazendosurgir um público
leitor exigente, cuja carência de bons textos não
tem sido atendida,pois, quase sempre, a produção
- filosófica permanece sob a formade teses deposi
tadas em bibliotecas universitárias, sobretudo as
dos mais jovens, ainda pouco armados para entren
tar as imposições feitas pelo mercadoeditorial. As
sim, bonse belostrabalhosficamrestritos ao conhe
cimento de poucos. Doutra parte, do lado dos lei
tores não especialistas, a demanda porfilosofia pos
sivelmente exprime o mal-estar do fim do século,
a crise das utopias e projetoslibertários, da racio
nalidade, dos valores éticos e políticos, que repoem
o interesse e a necessidade dareflexãofilosófica,
Para responder a essa dupla situação, nasce à
Oficina de Filosofia, cujo intuito é publicar (edi
tando e divulgando) os resultados de pesquisas de
jovens estudiosos de filosofia. Mas nãosó, ixis
tem trabalhos que são, para os privilegiados que à
eles têm acesso, clássicos da produçãofilosófica
brasileira, nunca editados. É nossa intençãopublicá
los também, estimulandonovas pesquisas emfilo
sofia e garantindo aos nãoespecialistas o direito à
informação e à fruição dessas obras. À Oficina de
Filosofia publicará, alternadamente, trabalhos dos
mais jovens e dos mais velhos, buscando expor,
para usarmos a expressão de Antonio Candido, a
existência de um“sistema de obras” que, do lado
acadêmico, suscite debates e permita tornarmo-nos
referência bibliográfica e de pesquisa uns para 08
 
»5 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
Sumaái IO
AGRADECIMENTOS
E
; outros, instituindo, assim, uma tradição filosófica
PREFÁCIO
p»
: brasileira; e, do lado não acadêmico, cumpra o pa-
INTRODUÇÃO| pel de alimentar a reflexão e de criar novas perple-
|
I xidades ao propor respostas às existentes.
CONSCIÊNCIA E EGO Cenirica
: Há de parecer estranho o título “Oficina de Fi- [= REVISÃO DAPSICOLOGIA: A PERSPECTIVA CRÍTIC; ,
, losofia”, escolhido para esta coleção. Afinal, não
EA FENOMENOLOCEVNSERLIANO º
diferenciara Pitágoras os filósofos dos demais,
I— OBJEÇOESAO EU FOR (to)
 
UE- OBJEÇÕESAO EU MATERIAL e
IV
=
A CONSTITUIÇÃO DO EGOrsss ma q
-V —* O TRANSCENDENTALEOPSÍQUICO.
comparando-os aos que compareciam aos Jogos
Olímpicos, alguns para vender e comprar, outros
para competir e, os superiores, dedicados apenas a
 
,
2
contemplar? Platão e Aristóteles não prosseguiam
A CONTINGÊNCIA ni
| na mesmatrilha, afirmando o laço necessário entre
[= OTEMA DA CONTINGÊNCIA.... mm ro
| theorta e scholé, contemplação e ócio?
= A EXPERIÊNCIA.DEROQUENTIN,. af No entanto, a diferença temporal, tema e obje-
N - À NECESSIDADENA ARTEsms od
| to da investigação filosófica,seria perdida ou fica-
V- AIRRUPÇÃODA EXISTÊNCIA,, LN
| ria dissimulada se quiséssemos ignorar que faze-
vI- O CORPOPARASms o
) | mos filosofia num mundo em que, pelo menos na
vo ABRIMADODA EXISTÊNCIA
É ity aparência, foi abolida à instituição da escravidão
(5)
| é, portanto, também a hierarquia entre escravos que
FENÔMENO E SIC SNIFICADO
trabalham
e
livres quefruem. Mundo capitalista e
NIO DA PSICOLOGIA o
hegemonicamente da ética protestante, ainda que |
nr ODELOHUMIANO. a
| quantitativamente os não cristãos sejam mais nu-
m- OMODELO CARTESIANO.. 7
| merosos, e os católicos romanosexistam em maior
a OPSÍQUICOENQUANTO WENÔMENO s
número do que os reformados. Pertencemos a uma
vI= OTEMADA TEMPORALIDADEINALISMO top
cultura e a umasociedade quecrê novalor das obras
VIL- RELAÇÕESINTERNAS E RACIONA Lt
| (para a salvação eterna ou para o prazer da vida
4
presente), que fala em trabalho intelectual eo
PASSAGEM À FENOMENOLOGIA e
: profissionaliza dentro e fora da academia, e que
[= A “CIÊNCIA FUNDANTE”ss ' ”
| faz do ócio “oficina do diabo”. Tanto do ponto de
[= O PROBLEMA DA HYLE..... (DO
vista das condições materiais de nossa sociedade
quanto da perspectiva ideológica quefaz do traba-
lho um valor moral, os que fazem filosofia traba-
LE JEM MENTAL,HI AHYLE DA IMAGEMMENI | mem
IV
=
OTEMA DA REDUÇÃOFENOMENOLÓGICA
V- OBJEÇÕESAO NADAHEIDEGGERIANO ao
VI= OSER-NO-MUNDO..
Il.
. À . VIL= O SER TRANSFENOMENAL. Ar
lham. Por Isso, contrariando nossos ancestrais, Vil O SERTRANSFENON is fr
ie | ç TICACÃOE O PROJETO SERteimade Filosofia IX ANADIFICAÇÃ R :
hsCONCLUSÃO. sete po
CRONOLOGIA 19]
BIBLIOGRAFIA 51
INDICE ONOMÁSTICO
INDICE REMISSIVO 
 
 
DEIXO AQUI REGISTRADOS MEUS MAIS
sinceros agradecimentos ao Prof. Dr.
CarlosAlberto Ribeiro de Moura, que,
gentilmente, orientou este trabalho;a
Floriano Jonas Cesar, que tornou
possível sua publicação; e a Vilma
Aguiar, a quem o dedico,
 
as o Vo 4 rabo 5 ate cede cria po HRRE
Vo Ri;
t io dh sd
Uma Introduçãoa
Osereonada uni
 
 
 
 
BENTO PRADO JÚNIO)
Universidade Podoraldosão
me “sdar
rattinao
Pet Lual o
otra
NOSSA relação com os textos filosóficos parece ser goveridda o
por uma complicadadialética de proximidade e distância. Não sãoNy
mesmas as dificuldades que se opõem à compreensão da filosofiaariti
ga e da filosofia contemporânea. E não é a proximidade da obra
temporânea que nos assegura um acesso privilegiado a seu sentido
mai ili o, como sugéb
rem Husserl e Heidegger. É o que explica, involuntariamente, o prós
prio Sartre, na homenagem póstuma que consagrou a Merleau-Ponty!
na revista Les Temps Modernes. Trata-se, à primeira vista, de um parh-
doxo, já que não poderíamos imaginar (pensando nos escritos di
Merleau-Ponty e de seu amigo) duas empresas filosóficas mais próxi=
mas. Uma mesma formação escolar, uma inegável simpatia intelectual:
mútua, o uso dos mesmos instrumentos conceituais (colhidos, na corn
tingência da contemporaneidade, como os moyens du bord imediatas
mente disponíveis, a fenomenologia, a Gestaltpsychologie, o marxis-
mo etc... — toda uma série de produtos culturais de recente importação
na França). E, no entanto, o próprio Sartre confessa, no texto referido,
que nada compreendia do que Merleau-Ponty sugeria em suas últimas —
reflexões consagradas à Natureza, um pouco inspiradas pela metafisi-
caou pela cosmologia de Whitehead, Sartre diz que, na ocasião, não
podia entender por “Natureza” coisa diferente do objeto das ciênciasÀ dissertação de mestrado que d ida pela Fapesp e pelo CNP| eu origem a este trabalho foi financia- 
 
lá éLUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
naturais (sempre desconfiadodo“objetivismo” que comprometera, entre
outras coisas, a idéia de uma “Dialética da Natureza”).
O que queremos sugerir é que o entusiasmo por uma obra, a cer-
teza de sua significatividade filosófica, essa espécie de adesão imedia-
ta à seu poder de revelação ou de verdade, não significa necessaria-
mente compreensãode seu sentido. A simpatia, decididamente, não é
condição suficiente de compreensão. E sentir o poder veritativode um
discurso não significa necessariamente compreender o seu funciona-
mento lógico ou transcendental.
Após 52 anos desde a publicação de O ser e o nada, é possível
perceber a necessidade desse distanciamento. Comose esse grande Ji-
vro só pudesse revelar tardiamente o que importa (as regras de sua
construção) depois do declínio do fascínio que exerceu sobre seus lei-
tores, quandodesua publicação. Pois é bem em termos de fascina ção
que devemos descrever sua acolhida pelos leitores dos anos40 São
inúmeros os testemunhos (lembro aqui o de Michel Tournier. entre mil
outros) desse acontecimento filosófico: todos falam, mais ou menos
nos mesmos termos, da vertigem de algo semelhante a uma descoberta
absoluta (um pouco como o próprio Sartre descreve sua descoberta
enquanto estudante secundário, dos Dados imediatos da consciênci
de Bergson: “Bergsonfazia a verdade cair do céu”). .
| Enfim, uma linguagem “viva” ou “totalizante”, que permite via-
ja das noções mais abstratas da filosofia às mais concretas da vida
cotidiana, pública ou privada. Essa nova linguagem descompartimentada
dá coesãoa linguagensantes dispersas, quando desligadas da experiên-
cia única do sujeito: discurso científico, literário, erótico ou amoroso
político e mesmoosurdo discurso do sonho reagrupam-se harmonio-
quente, tornando finalmente visível o sentido (ou não sentido) do
Mas é claro (sobretudo retrospectivamente) que essa descoberta
era tambémo efeito de umainvenção ou de uma construção. Lembre-
mos aqui as belas páginas que Yvon Belaval consagrou aos Filósofos e
suas linguagens, logo após a Guerra, Lá ele diz mais ou menos o se-
guinte: fica difícil, depois de ler O sere o nada, descrever qual ver
tenômeno (sobretudo os que implicamo olhar) semrecorrer ao estilo
inventado por Sartre e às suas metáforas, Como se, desdetoda à eterni-
PREPÁCIO
dade,tais fenômenos esperassema publicação desselivro para revelái
enfim sua secreta verdade.
Tratava-se da invenção de umalinguageme de umestilo
=
ihven
ção fortemente motivada, é claro, dentro, mas sobretudofora do Cimpo
da filosofia universitária. A atraçãoirradiada por O ser e o nada tinha
muito a ver, também, com o drama da Segunda Guerra e da Ocupação
da França. Comose os escritos de Sartre oferecessema linguapein ne
cessária para a intelligentzia resistente nessa trágica cireunstáne ta,
Poética de que ela carecia.
Passados 52 anos da publicação, é possível reler a obraide tim
perspectiva diferente da de seus contemporâneos, adeptos entusiastas
ou inimigos mortais (pois ninguém ignoraaextraordinária vaga de ódio
queesse livro também provocou). Não que odistanciamento
=
0'6 eclipse
tanto da fascinação quanto do ódio — diminuade alguma maneitno sei
peso. Certamente ninguém mais lê a obra de Sartre, hoje, como “atilo
sofia inultrapassável de nosso tempo”, comoele próprio caracterizar
mais tarde não o seu “existencialismo”, mas o marxismo, Mas ndo o
por isso que O ser e o nada se transformou em apenas um livro etitre
outros, na imensa e homogênea praia onde se justapõemas mil 6 uma
obrasda tradição da filosofia. Tudo se passa comose essa obra tivesse
de morrer (ou libertar-se de seu esplendor ideológico), para poder re
nascer como obra propriamente filosófica. Era preciso quese apajiasse
a precipitada evidência de sua verdade, para que viesseà luzà arquito
tura de seu sentido.
Não quero sugerir, aqui — o que provocariao justo horror de Sartro
-, a idéia de uma veritas philosophica perennis, que retiraria sua stbs
tância e sua subsistência do desvanecimentohistóricoda obra e de seu
* autor. Comose a philosophia perennis(essa espécie de vampirotri
cendental) se alimentasse da morte das filosofias e dos filósofos singgu
lares, ou seja, da filosofia real. Mesmo porque afilosofia de Sartre é
essencialmente atualista:umaverdade.eterna é uma verdade.moarta, 6-6
que
importa
é
otempo e ohomempresente.
Na verdade, o que querosugeriré que até mesmoa relação vivi
da da obra comsuacircunstância temporal (examinada atualmente por
Cristina Diniz Mendonça, emtrabalho ainda emcurso, que visa O ser
e o nada como filosofia que exprimetambéma experiência da Ocupa
 
LUIZ DAMON SANTC 5 MOUTINHO
ga ) so Se toi na ple hamen Cc col pi cecnst el 1 2m passado. À co
| t » CON s V
e M , €
no te po
Iv
Depois de 52 anosmento I H de 52 anos — e nesta data que marcaria 90 anos do nascio ) > c
,
núntodo | ósofo » vem a calhar a publicação deste livro de LuizFa vantos Moutinho. Livro que se caracteriza, entre outras liAUS Or 4 3 ac LU
.
» Por um grande acerto metodológico. Acerto que ousaría odeerever c É 1QO arts
DOS a
| comoa descoberta de um ponto intermediário entre doi d95 opostos da historiografia filocsóf;
-hamado
Í à historiografia filosófica: Oni
IN
a: o bergsoniano e o chamado
Expliquemo-nos: imei
da upa Pa cmo nos no primeiro caso,o historiador mergulha, a partiro o Jr: é Fc Í â
on Heral da obra, em direção de uma intuição única originalMnária (assim a filosofi
A €
riSsim a filosofia de Berkeley, rebatida sobre a imagemà matéria como a “finíssim:
q
ma an ae transparente película”epara a subjetividade E ini de ta deDenoo
Nei ra jetividade humanafinita da realidade absoluta de Deus)Segundo cas istoris Í I
r-
none caso, o historiador-arquiteto limita-se a reconstituir as arações ar ntativaç 1
a
o $ * dargumentativas (livres de qualquer solo irtuiti o“controláveis por qu: rf
o
| lveis por qualquer forma de experiência) que, só el mstmocer o sentido da obra.
É dE Cs podemLuiz D: ão fa;, tz Damonnãofaz nem uma coisa nem outra. Não aspira asomunicação simpática” c i
o
nicação simpática” com alguma intuição original, queseri meNo € necessariamente /raí,
o
” | cessariamente traída pela expressão discursiva. Tampoucdad TOS ti Ir; nas a é
e ela
ia constituir apenas a épura argumentativa da obra, como se :do núscesse de ad experiênci
o
ho
R
a
s
cons: de uma experiência, que não é inefável embo ja ne-sessarinmente sobredeterminada
oneO que esta análise te i
men, à Na sta análise tem de particularmente interessante é justa-m *"€-VEM comque entretece os pólos opostos da intuição (A OSpOrCnNCI! j a estr raçã ó gi
o.
ora pertencia) e da estruturação lógico-argumentativa do discurCraQuo rara e exemplar i
nto
mplar que lhe permite captar in vi Í
un vção rara npl ptar in vivo o movimei | 6 de um pensamento. Acerto metodológico que tem asom aúupleme Ê i
no ,
Fora 'prementar de atenderàs exigências de seu “objeto” (co sesimilauso a explicar Si | | sofoem
ar oartre ad mentem auctoris). iá
|
uctoris), já Jó
mta ' entem S), Já que o filósofo eme concordaria que não há intuição que não se exprima, assiSultão Bi ô é
.
O há discurso articulado sem uma experiência que o pr da,
xperiênci: 3
O
preceda.Mai al nd)
É | c dd
l éjue “ movimento | p nsam nt las
Í
o en ne O! ce sempre da tensãoCNO cuaes daia pólos
 
PRITÁCIO
Comefeito, Luiz Damontornavisível o fio conceitual (comsua
tensão, suas torçõese distorções) quelevados primeiros textos de Sartré
ao limiar de O ser e o nada. Temos diante de nós umasofisticada intro
dução a O ser e o nada. Comose passadapsicologia à fenomenologia?
Ou da fenomenologia à ontologia? Que transformações devemsotrei
as disciplinas da psicologia pura e da fenomenologia transcendental;
para que, finalmente, a intuição básica da contingência possa ser Ex
pressa conceitualmente? Tais são algumas das perguntas essenciais
aqui recebemumaprimeira resposta. Não se trata de uma crônica das
opiniões sucessivas de Sartre na década de 30 e no início da de40s%w
leitor não tem nas suas mãos, agora, uma obra de doxografia. A6 és
ponder às questões acima enumeradas, Luiz Damon descreve a mort
gem de um horizonte problemático bem comoas aporias que ele insti
la. Sem a consciênciadesse horizonte e dessas aporias, não podera
mos compreender a solução que lhes oferece O ser e o nada, ou seja
necessidade e o sentido desse grande livro.
V
O mínimo que podemos dizer é que este livro acolhe bem, nó
Brasil, a obra de Sartre. Para mostrá-lo, cabe situar, mesmoque suma
riamente, essa acolhida ao fio da história recente.
Quando Sartre passou pelo Brasil, em 1960, além dos efeitos
hiperbólicos que sua passagem provocou, com justiça aliás, na impren
sa, houve ocasião para um diálogo com osbrasileiros que cuidavamde
filosofia e, mais particularmente, de teoria das ciências humanas. Que
a presença de Sartre na produção local era viva, é o que se pode notar
na Introdução (e não apenasnela) da tese de doutoramentoque Fernando
Henrique Cardoso consagrou a Capitalismoe escravidão no Brasil meri
dional. Naquela ocasião, Gérard Lebrun dedicou um ensaio crítico à
introdução do livro de Fernando Henrique, onde discutia a maneira pela
qual as noções de dialética e estrutura eramaí encadeadas. Infelizmen
te esse belo ensaio foi perdido e, comele, umregistro, porolhar extet
no ou europeu,da presençaviva de Sartre no pensamentobrasileiro da
época. Lembro, ainda, para marcar aquele tempo, uma longa resenha
da Crítica da razão dialética, feita por Gerd Bornheimnas páginas de
O Estado de S. Paulo. O mesmo Gerd Bornheim que, mais tarde, con
sagraria outras páginas aofilósofo,
 
Ly LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
Não terão sido apenasesses ossinais do efeito do pensamento dedartre entre nós, nemtalvez os mais importantes — são apenas aquelesque a minha memória desarmada registra no momento. Porque o queimporta sobretudovincar é a mudança dos tempos. Trinta e cinco anosdepois da passagemde Sartre pelo Brasil, é um outro autor que aparecepara nós
—
mais distante, é claro, mas também,talvez, mais próximo.Mais distante, porque hoje é mais difícil ser sartriano, ou utilizar dire-ta 6 ingenuamente os instrumentos de pensamento queele forjou. Maispróximo, sobretudo, porque hoje é menos difícil compreendersua obra,porque podemos começar a compreendê-la como obra clássica — comouma obra que nãocarece de verdadeliteral ou imediata para impor-seà quempretende pensar a filosofia, a cultura e à sociedade.
Mas é apenas graças a trabalhos como o de Luiz Damon, quecontribui fortemente para a análise da origem e da gênese da ontologiafenomenológica (lançando luz sobre essa expressão aparentemente pa-radoxal), que a obra de Sartre começa novamente, mesmo se à dis-tincia, a aproximar-se de seus leitores atuais, deste como de outrospaíses,
 
 
e
INTRODUÇÃO
i í stré realizaESTE texto é fruto de uma pesquisa, em nível de mestrado. e 1 a
i Universidade de 5:ilosofia da FFLCH dada no Departamento de F dadode
ição é : os acompanhar à!odesta: nele, procuram doaPaulo. Sua ambição é m ompanher area
cessivas fases do pensamento de Jean-Paul Sartre, des
de euapr A
5 ; € »” 170) , í
i | a do ego, até
O
ser dilosó sobre a transcendênciobra filosófica, Ensaio idênc pa
nada. Não. certamente, descrever a segiiência de tema
s e pr l € maes
i ão em especial: a leitumjetivo é focalizar uma questão ndonosso objetivo é antes a
sartriana da fenomenologia. Procuramos mostrar como essa leit
a
se alterando ao longo do tempo, sofrendo revisões e comp emen o
º
] ópria e ana.
O
debitee, simultaneamente, constituindoela própria a obra sartriana q date
rmanente com Edmund Husserl de início e depois com o
He içã junto dotra
balhode Sartre;i á i só dar feição ao conjuntcHeidegger deverá por si só
até esse período. | co cãod
o
É certo que nesse debate Sartre adota por vezes a posção 7
É epois é ivediscípulo. Ele será “husserliano” até 1938, depois, quando1 . RA E ncoar lhe pei
esgotado” Husserl, sofrerá a “influência” de Heidegger, o que lhe |
- ssim, no pémitirá superar o antigo mestre (Sartre 39, pp. 224 230). A none
íodo husserliano, limita-se a desenvolver umapsicologia que e
da j a de sserl, E
ssa figura
da “ciência fundante”, a fenomenologia pura de Husserl. 1] a
E |
inar com a imagem clássica dede “discípulo” não parece contudo combinar com a imagemc o
artre é iscÍ 's tradic
ionaisSartre. E, de fato, ele tampoucoé um discípulo nos moldestr a i '+35 € . = 4 , “ «É e da a " ar 4 o Os. rol
Dointerior mesmodapsicologia procurará reordenar cont y ro
ganizá-los, conforme seu objetivo; mas reivindicará a influénci: :
 
O LUIZ DAMON SANTOS MOL FTINHO
alemães, enquanto desenvolve aquela psicologia. Haverá contudo ummomento
—
aí terá fim a figura do discípulo — em que nosso autor faráà passagemdo planodapsicologia ao da “ciência fundante”, o terrenoda fenomenologia pura em que se colocam Husserl e Heidegger. Essapassagem se consumará quando o pensamento de Husserl pender para
o “idealismo”.
Procuramos acompanharnosso autor até o momento em que essapassagem se consuma. A explicação integral para ela — é o que nosparece = está no conceitode contingência. Quando Husserl adota a teseidealista da “constituição de ser”, rompendo com a possibilidade deseafirmar a dupla contingência (da consciência e do ser do mundo), im-poe-se a Sartre a necessidade de reescrever à fenomenologia pura. Daípor que este texto se encerra com a análise da Introdução de O sere onada: é nela que Sartre esclarece o equívoco idealista de Husserl, mos-trando a impossibilidade da constituição de ser. Deixamos, portanto,vosso autor no momento em que ele mostra a necessidade de seredimensionar o plano da fenomenologia pura, no momento em queessa fenomenologia começa a ser reescrita, na sua porta de entrada,quando tivermos mostrado o restabelecimento do verdadeiro ser daconsciência e do verdadeiro ser do mundo. E quando, paralelamente, omtsenal teórico de Sartre estiver inteiramente pronto, já que o filósofotora vencido as dificuldades mais sérias para desenvolver uma verda-deira “ontologia fenomenológica”.
Para dar conta doestabelecimento desse arsenal teórico, mostrando,desde o início, a constituição progressiva da obra sartriana, começamospela análise do primeirotextofilosófico de Sartre, o curto Ensaio sobre4 transcendência do ego. Depois, recorremos a um texto literário, Anemsoa, que Sartre, um pouco analogamente a Platão, supunhaser umbom veículo para “verdades e sentimentos metafísicos”. A náusea apa-rove como uma espécie de “duplo” do Ensaio sobre a transcendênciado ego, duplo literário que dá prosseguimento e avança alguns temasabordados no ensaio, Depois, passamos aÀ imaginação e O imaginário,textos concebidos como duas partes de um mesmo livro: a primeira,“crítica”, em que são passadas em revista algumas teorias da imaginação,e a segunda, “científica”, em que Sartre desenvolve uma psicologia
tonomenológica da imaginação. São dois momentos importantes da obrasutrana, que, junto como Esboço de umateoria das emoções, revelamHo som Bartro psicólogo, mas as dificuldades que desse plano elelocaliza na tonomenologia de Husserl e Heidegger, Daí sua importância
 
 
INTRODUÇÃO
para nós. Depois disso, sempre em função derevelar, através o tur
sartriana da fenomenologia, a constituição de uma obra, aborc ame | ,
diários de guerra, primeiro esboço do que virá a sei O ser o nada
Nos diários, é possível verificar, numato de voyeurismo, à apar im e
dos conceitos, suas primeiras roupagens, suas dificulda: é b, eus
obstáculos, as soluções encontradas, Certamente, não6 uma pi qu A
vantagem ter diante dos olhos a revelação explícita cos ondaMae à
encontrados pelofilósofoe as reflexões, não para ( ortá Os : o! Eno
bárbaro alemão, mas para desatá-los. Por fim, analisamos é x E ' ,
nada. E detemo-nosna Introdução, certamente, onde o autor mou
superado as dificuldades que por uma década molIvai amTN
e onde portanto se abrem as portas para umareconst Ituiç no , ou
fenomenológica”. Mas não só na Introdução; afora a guns Po o
esparsos, dedicamo-nos ao capítulo sobre o corpo, analisar õ . "
com A náusea, pois no corpo se condensa o segredo das singulares
experiências de Antoine Roquentin,
 
 
I
CONSCIÊNCIA E EGO
|- REVISÃO DA PSICOLOGIA: A PERSPECTIVA CRÍTICA E À
FENOMENOLOGIA
EM outubro de 1933 (Contat e Rybalka 5, p. 25), Sartre pa
rte pata
Berlim com um objetivo: estudar o pensamento de Husserl. Lá de
veria
permanecer nove meses, como bolsista do Instituto Francês,
substitia
indo Raymond Aron. Conhece-se o famoso episódio, descrito po
t
mone de Beauvoir, no qual Aron, num café em Paris
, fala a Sartre de
fenomenologia: “Estás vendo, meu camaradinha,se
tu és fenomenolo
gista, podes falar desse coquetel, e é filosofia” (Beauvoir
1, p. 138)
Esse encontro foi a circunstância que levou Sartre a Berlim. Ar
on 6
teria convencido “de que a fenomenologia atendia exatamente às SU
AS
preocupações: ultrapassar a oposição do idealismoe do realismo, a
lii
mar a um tempo a soberania da consciência e a presença do mu
ndo, tal
como se dá a nós” (id., ibid.; grifos nossos). À parte o anedótico da
lembrança de Beauvoir, é preciso notar que, se “Sartre empalideceu
de
emoção, ou quase”, às palavras de Aron foi porque este lhe
apresentou
umafilosofia já constituída que vinha ao encontro de suas preoc
upa
ções e que lhe permitiria “superar as contradições que O dividiam en
tão”(id., ibid., p. 188).
Era ao conceito de intencionalidade que aludia Aron,efoi nele que
Sartre enxergou novas possibilidades. Segundo as memórias
de
Beauvoir, na Páscoa de 34, ainda bolsista do Instituto Francês, O jovem
 
4 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
Dono! a pussa as férias emParis e fala-lhe exatamente desse conceito.
| a e art vislumbra nele, lembra Beauvoir, é a liberação total da
oa esmeEpulsÃo daqueles “conteúdos de consciência”quea fi-
Adgiiade Nica francesa preconizava e, por consegiiência, o fim de
Ida interior”, da qual “sempre tivera horror”: “Tudose situava
tora, as coisas, as verd; |
As Coisas, as verdades, os sentimentos, as significações e o pró-
MIO CU; = 4 "Ss ieti
;
prio eu; nenhum fator subjetivo alterava, portanto, a verdade do mundo.2tal qual se dava a nós” (Beauvoir1, p. 188)
n A jmtencionalidade deverá representar o fim da “filosofia alimenroda o foodigestivar “Todos lemos Léon Brunschvicg, André
ande cam CAPeron todos acreditamos que o Espírito-Aranha
Ce as dosto para sua cia, as cobriade uma baba branca e lentamen-
eglutia, re Zta-as à sua própria substância. Que é uma mes:
um ros hedo, umacasa? Um certo conjunto de “conteúdos d jen
eia, uma ordem desses conteúdos” (Sartre 40 p. 29) Já nãodeverá
haver mais representação como imagem ou signo da coisa es a tem.
por, À representação, tal como o Eu, implica a “vida inte jar”dequefala Bi unschvicg, e que Sartre sempre desejou expurgar do c: do da
imanencia, Liberada assim a consciência, via intencionalid: de,Sai ose impos de imediato, ainda segundo Beauvoir uma árd a tá efaacovisão de toda a psicologia. Não é outra coisa o que eleprocuraráan m pnprimeiro texto filosófico publicado, escrito ainda em
9 Ensaio. obre a transcendência do ego. “Revisar toda a psi-oblogia”: na verdade, esse curto ensaio não tem todo esse fôlego: l Éantes o começo dessa tarefa. Sartre procurará nesse texto a en “o .ar uma teoria do objeto psíquico” (id., ibid. p.317) isto É fi lda
montar o psíquico, objeto da psicologia!. e ND 6 findaem oralerumentaçãoéfeita a partir do conceito deconsciência in-foton! se-à que para Sartre a expulsão dos “conteúdos de cons-cirhoia, à recusa de umEuhabitante da consciência, de toda f
ida inter lor ”, são decorrências necessárias impostas pelo conceito de
enc f £ a (GA paEsse trabalho de limpeza precederá aquele de
àydo. ie Constitui propriamente a parte negativa da obra,
to O o E 1 HE à * Do “NC à
MJLICO ki val dept O nómo | l EÊ Je c b eto CS 4 i
Jele pi isamente Í ( que, sea consciência C
un vazio lo é t ) É I ) one cia, mas d Cl cremo (
, im sor do Hiun lo É Í la remos 1 )
Nu da « , ;é , 5 para YV S ss
 
 
CONSCIENCIA E EGO
onde, fazendovigir a idéia de consciência intencional, Sartré
recusar
a presença de qualquer conteúdo no interior dessa consciênc
ia
guir, estabelecido o vazio do campoda imanência, buscará e
ntão fun
damentar o Ego transcendente e, comele, todo o campo do ps
íquico: O
Ensaio sobre a transcendência do ego nãoé portanto umte
xtóde pal
cologia, na medida em que não se visa nele ao sentid
o do psíquico,
trata-se antes de fixar o seu ser, ou, se se quiser, a
maneira pela qual'o
psíquico é constituído. o
Porquevisa a essa constituição, Sartre procura tornar clavóp d
e tm
cio, a perspectiva em que ela pode ser pensada. Daí por que
, atites de
Husserl entrar em cena, nosso filósofo ajusta as contas com O ne
okan
tismo francês, que, numa perspectiva crítica, procura igualment
e pela
maneira segundo a qual o transcendental constitui o empíri
co, À pers
pectiva crítica não é boa, dirá ele, pois o transcendental
kantianó ido e
um transcendental constituinte. Visá-lo nessa perspectivaé sul
venter a
questão crítica,já que o problema de Kanté apenas o de “detertnima
r is
condições de possibilidade da experiência” (Sartre 36, p. 14). O
trans
cendental é aqui um conjunto de condições lógicas, não uma co
nscren
cia real: “A consciência transcendental é somente para
ele [Kant] o
conjunto das condições necessárias para a existência de uma co
nseien
cia empírica” (id., ibid., p. 15). Os neokantianos realizam e
ssas condi
ções, tomám
o
transcendental comofáto absoluto, quando procuram ui
pela constituição do Eu. Exatamente por isso; colocam-se
“em um pon
to de vista radicalmente diferente do de Kant” (id., ibid.)?.
Mas se os neokantianos subvertem a perspectivacrítica é precis
a
mente porque a constituição do empírico (ou do psíquico,
na termito
logia sartriana) sópodeserpensada a partir de uma consciência réu,
fatoabsoluto; otranscendentalpensadono plano puramente formal ni
si
podeconstituir, como é o caso do transcendental kantian
o. O erró do
neocriticismo é procurar no kantismo o queele não pode of
erecer, isto
é, a resposta ao problema da constituição do Ego. Isso
levará 65
neokantianos ao equívoco de conceber aquele transcendental
“como
um inconsciente” (id., ibid., p. 14), dé vez que, entendido
como cons
ciência real, está para além da consciência empírica. É comose a afit
mação de que a consciênciatranscendental tem apenas uma pre-ex
t
0 so
2. Sartre apóia sua leitura de Kant em Emile Boutroux (A filo
sofia de Kant)
 
ty
pLUIZDAMON SANTOS MOL JTINHO
tência lógica não bastasse; conforme observa P. Lachiêze-Rev. “ isamenteporque é consciência, ela não poderia comportar sóessapré.FopresentaaPreexistência lógica não podeser aqui senão um mododepres ação para umareflexão que procede por umaanálise raci ;mas, ao termo do processo, a idéia de uma consciência supostadeveDD oituída por uma consciência efetiva; como teria ditona den CAIcOizer a prova “(Lachitze-Rey 19, p. 449). Entre-empire sei ncia tornadaefetiva nãoseria tal comoa consciêncianpír à, consciente de si: seria real, porém inconsciente... S ivio cora reencontrada progressivamente pelo eu empírico: esseteriaaPap: de Fiontrar conscientemente O que a consciência transcen-Cida id AD) tormente ou faria eternamente no inconsciente”
Ó po * parti ã á pol
rcadds ontode Partida não será pois o sujeito kantiano, já que este éRPASLInA - pa tir ele, não é possível resolver o problema quenp end ca nesse pequeno texto: a constituição do Ego..Ele não éTN la de sl à si não é o verdadeiro absoluto; ele é antes ond, e puma consirução, o que significa que ele tem o seu ser medi-Rap 9 can cimento;é O significado mais profundo do idealismo:nantes a pedido pelo conhecimento”, “há apenas ser conhecido”(ue boPorque a subjetividade é recuperada e construídaonntltuida o oPr 5,Isto é, buscar-se-á “interrogar as ciênciasDORTipar anda» a título de condição de possibilidademotos (iddo TooSse caso, o pensamento (ou a subjetividade) sedonoMravés d seu: próprios produtos, isto é, nós apenas o apreen-
10 à significação de pensamentos feitos” (id., ibid.). Há ium primado do conhecimento que éaregraea medid nãbuscaasubjetividade! Precisaria, diz Sartre, fundar o pró rio erdoSo( mento, que aqui aparece como um dado (id., ibid, p 17) soorienta4 Wirapassar o terreno da epistemologia único di; : ironia,conhecido da filosofia francesa” (idem 40 p 29) NoutraspalavrasPp. . avras,
deve ae abandoi ar "im: i
lar O pi imado do conhecimento e atingir o ser, absoluto 4» |que deve cundê lo; essa é a questão que se impõe ao idealismo, noercosantianos. Se a subjetividade é mero construto lógicoo 00 junto de condições de possibilidade da experiência nãopRoopepela constituição real de um Eu empírico.o tiruto Táia se Uscar uma subjetividade concreta, não um
160, Acessível a cada umde nós, É então que Husserl apa: 
CONSCIÊNCIA E EOO
rece: “Se abandonamostodasas interpretações mais ou menos for
ças
que os pós-kantianos deram ao “Bu penso” e entretanto queremos tosol
ver o problemadaexistência defato do Euna consciência, encontramos
no nosso caminho a fenomenologia de Husserl” (Sartre 36, p. 16).
H — OBJEÇÕESAO EU FORMAL HUSSERLIANO
A
A primeira parte do Ensaio sobre a transcendência do ego, com
o
dissemos, é negativa. O problema da constituição do Ego só será
enfrentado quando se tiverem recusado as teorias que afirmaiuma
presença do Eu, formal ou material, na consciência. A intencionalidade
será aqui a chave que liberará o campo da consciência, para então se
reconstituir o psíquico. E Husserl, que parecia ser o patrono dessa
empreitada, é paradoxalmente o primeiro a ser alvo de objeção: é que,
em Idéias, Husserl ressuscita o Eu transcendental ausente das
Investigações (id., ibid., p. 20). Isto soará para Sartre como uma infi
delidade ao conceito de consciência intencional.
Assim, as objeções a Husserl se valem de noções que Sartre inlei
preta como sendo de Husserl mesmo; tratar-se-á apenas de repor 0 ver
dadeiro conceito de consciência adulterado com o ressurgimento do
Ju
transcendental. E, para isso,ele procurará mostrar, de início, a inutil
dade desse Eu ressuscitado, na medida em que os conceitos centrais da
fenomenologia dele prescindem; depois, procurará mostrar que, nndis
que inútil, o Eu de Idéias é nocivo e “ameaça pôra perder” (...) “todo
s
os resultados da fenomenologia”(id., ibid., p. 26).
Por que um Eu transcendental é inútil? Porque o papel “ordinário
conferido a ele é realizado, na fenomenologia, pela própria conseién
cia. Esse papel — a realização da “unidade e individualidade da conscién
cia” (id., ibid., p. 20) — pode ser explicado a partir dos conceitos de
consciência intencional e consciência em fluxo, semque seprecise recor
rer à hipótese inútil de um Eu.
A consciência se define pela intencionalidade,diz Sartre(id., ibid,
p.21); ela é “o princípio essencial da fenomenologia”, o quelhe permi
te, já no Ensaio sobrea transcendência do ego, anunciar o seu re
frão
preferido: “Toda consciênciaé consciência de algumacoisa”(id. Ibid,,
p. 33). O objeto implicadopela consciência intencional, e que aparecia
 
o! :LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
SOMo unas “das c CIânoi K :
de, tida por S: ee ir é “cessidade de
um Eu que forje essa unida-
pentação Cimaécomo real”, Se, aocontrário, reafirmamos a repre
transcendental enduan ou S1gNO da coisa espaço-temporal, talvez o Eu
necessário; nesse caso,05 conteide subjetivo de unificação, torne-se
ua nodade real”: a “unidade”seria aquiredutível àconscienai
atória, de ve; » ce tro ne
um princi o aa due se trata de representação, por ondese exigiriaafirma: PA DAe unificação.É o que Sartre parece dizer quando
s0mo é somarei dois dei consciências ativas pelas quais eu somei,
“dois e dois fazem uat x para fazer quatro é o objeto transcendente
áéria impossível conseumacoapormanência dessa verdade eterna
o edutiveis quantas consciências operatório”(SertãoSÉidos
um, O obje , , » P.
- AAS-
ão Eu unificanteMamedidoanet, torna desnecessário o recurso
elo já é aquela dad i pe que é verdadeiramente transcendente,
das consciências: “O obie & Por isso mesmo, a unidade não forjada
apreendem eé nele | Jeto é transcendente às consciências que o
Esta solução é que y encontra sua unidade” (id., ibid., p. 22).
tendente real, não de um oparcial; ela fala apenas da unidade trans-
dh em queétranscende PUNCPio imanente. A unidade real,
na medi-
do er nidade unificado “e não representação, exclui a possibilidade
av consciências. Impõe-se DoisIDRa ded ca própria nã unificadlbábias e da sidade de umasíntese da -
clas ora susceleldoo resma de que “o fluxo contínuodas consciên-
bol DP, Um princí io | por o objetos transcendentes fora dele” (id.
Ialis andlogo : Pio imanente não significará entretanto um pólo-su-
det dus) no Pólo-objeto? Nãosignificará um idêntico, um perma-
nufvito, a o samente seria o Eu transcendental? Se não é um pólo-
letraas Fio o poe operar a síntese das consciências? Aqui, Sartre
qoes de Husserl para afirmar que é a própria consciência
+. O mov imonto aqui é análoantogo ao que deverá nrrar
nada: também erá ocorrer na Introduçã! all. sob à ávide a , ução de O
s
vas objoçhea contra H | égide do princípio
de intencionalidade, Sartre erguerá 1.
ais à Husse SA VEZ C ro
dd à No-
reafirmadia iúito a verd a! (dessa
vez contra o nóemairreal), €
tambémali or
SÊ i úviri O dadeira transcendência do objeto (do ser) qu: ; ão
dum ansfenomenais”, CL cap, 4, Vile VII É Iuantoa da cons-é + e
 
 
CONSCIENCIA E tuts
ty
mesma e concretamente por
um jogo de
intencionalidades “transversais”, que são
as retenções concretas € neais
das consciências passadas” (Sartre 36,p. 2
2), modopelo qual a consciém
cia se constitui como fluxo unitário.
Ali, Husserl teria ensinado, que;
embora possa parecer chocante, é o fluxo
daconsciência que constitua
sua própria unidade (Husserl 13, pp. 105
-106). É da maneira mesma
pela qual os vividos se reúnem, fun
dem-se em unidades mais vastas, SC
unificam, que a “unidade da consciência s
e encontrajá constituída sem
que seja necessário, por acréscimo, um pri
ncípio egológico (Ichpriniip)
próprio suportando todos os conteúdo
s e unificando-os uma sepunda
vez. Aqui como alhuresa função de um tal
princípio seria incomprecn
sível” (idem 15, p. 153).
Assim, nem do lado do transcend
ente, que é unidade real, não te
presentação, nem do lado do imanente,
que é fluxo auto-unificátito,
não fluxo unificado, o Eu transcendental p
arece necessário. São OS pro
prics conceitos da fenomenologia que o
tornam inútil, desde, é ela:
que se aceite ter o Eu aquele papel assina
lado, afirmação quediga so
de passagem, Sartre não credita a
Husserl. Na verdade, nenhum pap
el é
assi ralado diretamente ao Eu de Idéias. S
artre apenas aponta, náieto
mada desse Eu, “preocupações metafísic
as ou críticas que nada tom
que ver com à fenomenologia” (Sartre 3
6,p. 34). Talvez por conta des
sas “preocupações críticas” de Husserl
, nosso autor trate logo de des
mantelar o papel do Eu tal como ele
é entendido “ordinariamente” (ld,
ibid., p. 20), leia-se, pelos neokantian
os.
“que se unifica a si
B
Entretanto, não basta mostrar o Eu como
hipótese inútil, realizando
ue a própria consciência desempenh
a. Mais que isso,
um trabalho q
fenomenologia; noutias
preciso mostrar que o Eu é nocivo e ameaç
a a
palavras, buscar-se-á agora fixar os danos c
ausados pelo Eutranscen
dental, e isso se fará apontando a deturpaçã
o que ele causa no campo
da consciência.
Segundo Sartre, “após ter considerado o Eu com
ca e transcendente da consciência (nas Invest
igações
nas Idéias, à tese clássica de um Eu transcend
ental”(id.,
nas Investigações Husserl recusa O eu puro,
entendido como
aciona, de maneira completamente qfipi
(Husserl 15, p. 159). Num
o produção sintéti
), Husserl voltou,
ibid.). De tato,
“ponto, de
referência unitário aoqual serel
nal, todo conteúdo de consciência como tal”
 sa
50 ;LUIZ DAMON SANTOSMOUTINHO
texto em que cita Paul Natorp, objetando-lhe, isso fica ainda mais cla-ro. O Euaparece para Natorp como “centro subjetivo de referência”sem poder tornar-se conteúdo, “rebelde a toda descrição”: “Tod
presentação que poderíamosnos fazerdo eu faria dele um objeto Manós Jácessamos de pensá-lo como um eu quando o pensamos comoobjeto” (Husserl 15, p. 160). Ora, “por impressionantes que sejam e -
ses desenvolvimentos”, diz Husserl, “não posso, após madu fe.xão, dar-lhes meu assentimento”(id., ibid.). A objeção ue se gue éde nat ureza muito diversa da que fará Sartre no Ensaio sobre atran -cendência do ego ao próprio Eu husserliano ressuscitado E
Segundo Husserl, não há sentido em se falar de um “fato fund
mental da psicologia”, se não podemos pensá-lo, e para pensá-loé --cessário fazer dele um “objeto”. Nãose trata de um conceito estreit de
objeto, sem dúvida, mas ainda assim se trata de objeto: “Do mesmo
modo que a orientação da atenção sobre um pensamento, umasensa ão
[...] faz desses vividos objetos de percepçãointerna sem por isso fazer
deles objetos no sentido de coisas, igualmente o centro de referência
que é o eu e toda relação determinada do eu a um conteúdo seri
também, enquanto observados, dados objetivamente”fid., ibid. 161).
Não há aqui Eu rebelde à descrição: ele, como tudo o mais | od
dado objetivamente”; não é, pois, “centro de referência” PoEe de
Entretanto, já em Idéias, Husserl muda sua posição; afirma ali t
tomado nas Investigações uma posição “cética”: “Nas Investi a ses
lógicas adotei na questão do eu puro uma posição cética que não mude
manter com o progresso de meus estudos” (idem 11 p. 190) Igual.
mente na segunda edição das Investigações, em nota acrescentada à
primeira edição, volta a afirmar que aprendeua encontrar o eu primiti-
vo, enquanto centro de referência necessário, “ou antes aprendi que a
pente não precisa se deixar reter, na apreensão pura dodado elo t
mordecair no excesso da metafísica do Eu” (idem 15, p 161) 'g ndo Husserl, na evidência mesma do cogito o Eu é apreendido: ieessa
evidência [eu sou”] existe verdadeiramente como adequada - e ncia
desejaria negá-lo? —, como podemos nos dispensar de admitir um Eupuro? Este é precisamente apreendido na realização da evidência c -
to, essa realização pura o apreende eo ipso de uma maneira
fenomenologicamentepura e necessariamente como sujeito de '
vido “puro do tipo “cogito”” (id., ibid,, p. 157). o e
| Seguramente a esse Eu não cabe o papel de unificar as consciên-
cias. Uma vez executada à redução, contudo, ele aparece; não como 
CORSCIPNCIA PEGO
um vividoentre outros, nem como um fragmentodevivido; entret
anto,
“ele parece estar aí constantemente, mesmo necessariamente”; e
le
pertence a todo vivido; enquanto esses passam, ele permanece idênti
co, e essa identidade “que ele conservaatravés de todas as mudanças
reais e possíveis dos vividos não permite considerá-lo em nenhum, séi
tido como uma parte ou um momento real (reelles) dos próprios:
vivi
dos” (Husserl 11, p.189). Noutras palavras, nenhuma reduçãop
ode su
primir o “puro” sujeito do ato: “O fato “de estar dirigido para”, de
estar ocupado com”, “de tomar posição com relação a” [...) env
olve
necessariamente em sua essência de ser precisamente um raio que “eita
na do eu””(id., ibid., p. 270).
Enquanto não é momento real do próprio vivido, forçoso é conclui
que o Eu transcendental (“transcendência no seio da imanência”) (id.
ibid., p. 190) não podeser considerado como “para si”. Quantoà desen
ção desse Eu, na medida em que ela incide sobre um “raio”, incide
não
sobre um algo, mas sobre uma maneira: “Se se faz abstraç
ão de sua
“maneira de se relacionar” ou “de se comportar”, ele é abso
lutamente
desprovido de componentes eidéticos e não tem mesmo nenhum conte
do que se possa explicitar” (id., ibid., p. 270). O raio do “olhar” varia
portanto, enquanto o Eu permanece idêntico, no sentido de que ele pet
tence a todo vivido, que vem e passa. As descrições a que se presta O
Eutratam pois, precisamente, das “maneiras particulares pelas quaisele é
emcada espécie ou modo do vivido o Eu que os vive” (id., ibid., p. 271):
C
Ora, que problemas Sartre vê nessa concepção do Eu? Que danos
podeele causar à consciência? Segundo nosso filósofo, o Euseria
pata
| Husserl estrutura formal da consciência (Sartre 36, p. 37), não como
| para Kant, evidentemente, mas ainda assim estrutura formal. Entretat
/ to, se a fenomenologia é científica e não crítica,isto é, se a consciência
” aparece aí como fato, não como um conjunto de condições lógic
as,
torna-se para Sartre um equívoco falar no Eu comoestrutura formal:
“O Eu, com sua personalidade, é tão formal, tão abstrato quanto
se
supõe, como um centro de opacidade. Ele é para o Euconereto €
psicofísico o que o ponto é para as três dimensões: é um Eu infinita
mente contraído” (id., ibid., p. 25). Entendamos: o Eu formal, “trans
cendental”, nada mais é que uma “contraçãoinfinita do Eu material”
(id., ibid., p. 37). Simplesmente porqueseo transcendental é fato, não
 
14 éLUIZDAMON SANTOS 'MOUTINHO
princípio lógico, o Eu é da mesma ordem,isto é, material e não formalDaí por que o Eutranscendental implica opacidade: é que se trata d
um Eu material contraído.
Isso explica por que a sua presença na consciência implica dano: aopacidade do Eu rompe com
o
princípio da translucidez da consciên-
cia. À consciência, diz Sartre, é translúcida, isto é, não há nela germe
de opacidade: “Tudo é claro e lúcido na consciência: o objeto está e
face dela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e si qplesmente consciência de ser consciência desse objeto é à lei de suaexistência” (Sartre 36, p. 24). Já o Eu, por seu lado “não é claroe
translúcido para si mesmo,ele se apresenta como realidade cujo “c -teúdo” (psíquico, pois que se trata de um Eu material) exige desenvol.vimento. Essa opacidade, se afirmada como presente na consciência,destrói o princípio segundo o qual a consciência é fenômeno, isto é,
nela “ser” e “aparecer” são um e o mesmo. É por isso que se o E :
tornadoestrutura da consciência, ele a transforma em “mônada” o .na-a “obscura”, substancializa-a. E poraí rompe o que para Sartreseconstitui como o ponto básico da fenomenologia. o
D
Dizer que o Eu formal é na verdade material equivale a dizer que
ele é não transcendental, mas psíquico. Ou, por outra, equivale a dizer
que, de mera forma, ele torna-se um Eu cujo único sentido são seu
conteúdos psíquicos. Mas de onde vem que à perspectiva científica umEu transcendental é impossível? De onde vem que ele se reduz a ser
mera contração de um Eu material e psíquico? Sartre deverá mostrá-lopela descrição da consciência, na qual o campo transcendental deverá
aparecer puro, e o Eu como sendo de outra ordem precisamente a or-dem dopsíquico.
Mas há de início uma dificuldade para operar essa descrição:ela só
pá de se dar reflexivamente. Por conta disso, impõe-se uma descontian a:Nãoseria precisamente o ato reflexivo que faria nascer o Eu na cons.ciênciarefletida?”(id., ibid., p. 29). A modificação que sofre o vividoao tornar se refletido, não seria essencialmente a aparição do Eu, ist
6,9 vivido comovivido de umEu? Essa desconfiança se impõe uandopercebemos, na reflexão, que aquilo que é afirmado diz respeito à cons-
clência refletida, não à consciência reflexionante. Dá-se o mesmo no
Eu penso”, isto é, o pensamento aí afirmado é0 da consciência refle-
COPSCUNCIA DOOU
tida. Ora, se é assim, estamos no direito de perguntar se ocorre o mes
mo com o Eu, ou, noutras palavras, “se o Eu que pensa é comum às
duas consciências superpostas ou se não é antes o da consciência reflé
tida” (Sartre 36, pp. 28-29). Sartre se recusa aqui à “evidência” “eu
sou”, mas não apenas porqueela poderia implicar umasubstancialização
da consciência, mas antes e principalmente porque o termo“eu” parece
encontrar conteúdos assimiláveis nos limites da consciência refletida,
o quesignificariadizer que ele é uma criaçãodareflexão.
A mera possibilidade disso impede-nosde recorrerà reflexão .Más
haveria outra maneira de visarmos à consciênciairrefletida que não
reflexivamente? A questão aqui se resume aisso: há a possibilidadede
que o Eu apareça apenasà reflexão, pertencendo assim à consciência
refletida; se visarmos à consciência reflexionante, ela por sua vez tor
nar-se-á refletida, e o nosso problema permanece. Assim, como atingi
a consciência irrefletida enquanto irrefletida? Evidentemente, visar, à
consciência presente é refletir, o que nos força a apelarpara as consciên
cias passadas. Mas visar às consciências passadas sem pô-las
teticamente! Sartre chama a isso “lembrança não-reflexiva”!, O quea
torna possível é o fato de que toda consciência, “sendo consciência
não-tética de si mesma, deixa uma lembrança não-tética que se pode
consultar” (id., ibid., p. 30). Trata-se da lembrança de uma consciên
cia, sem que essa lembrança ponhaessa consciênciateticamente, Pos
so apelar para ela na medida em que dirijo minhaatençãopara os “ob
jetos ressuscitados”, sem contudo “perder de vista” a consciência em
questão, “guardando com ela um tipo de cumplicidade e inventariando
seu conteúdo de maneira não-posicional” (id., ibid.). Se o faço, diz
Sartre, o resultado não é duvidoso”: “Enquantoeulia, havia consciên
cia do livro, dos heróis do romance, mas o Eu não habitava essa cons
ciência, ela era somente consciência do objeto e consciência não
posicional de si mesma”(id., ibid.).
Evidentemente, essa operação sugere de imediato que há aqui uma
oposição indevida e uma má escolha: estou opondoa reflexão, que ga
4. Há um erroda edição (ou talvez dopróprio Sartre). Num momento, aparece o termo
“souvenir non-réfléchi” (Sartre 36, p. 32) e, noutro momento, o termo “souvenirs non
réflexifs” (id., ibid.) quando designam na verdade uma mesma operação, O erro
está na grafia daquele primeiro termo, que deveria ser “souvenir non-réflexif”
5. Na verdade, é duvidoso sim, comoo próprio autor admitirá mais à frente
 
Ha
LUIZDAMON SANT Ja MOUTINHO
rante a “certeza absoluta”, e na qual aparece o Eu, a uma apreensãonão-reflexiva e oblíqua de uma consciência por outra, na qualo Eu não
brança não-reflexiva: é que, desde que procuro restituir consciênciasescoadas, já estou no terreno da lembrança, e, reflexiva ou não, ela ésempre duvidosa. Não há aqui oposição entre o certo e o duvidoso. E
E
Essa operação, contudo, não pode nos garantir que a ausência doEu na consciência é uma evidência apodítica e adequada. Mas elatrazuma consegiiência fundamental: a de preparar o terreno para a práticade um tipo de reflexão, chamada Pura, que será a responsável pelaliberação definitiva do campo da imanência.A reflexão, diz Sartre, nãoé um poder misterioso e infalível, ela tem “limites de direito e de fato”(Sartre 36, p. 45). Na medida em que ela põe uma consciência e selimita a essa consciência, “tudo o que ela afirma é certo e adequado”.Assim, não erro quando, sentindo repulsão e cólera à vista de Pedrodeclaro: “Experimento nesse momento uma violenta repulsão porPedro”. Dizendo isso, não ultrapasso os dados de minha consciênciarefletida, isto é, não ultrapasso o meu vividos.Entretanto, um sentido transcendente aparece como unidade dasconsciências coléricas, como unidade transcendente: o ódio. Nessemomento, se me volto para o ódio, muda a hatureza da reflexão (parareflexão “impura” ou “constituinte”), e muda porque me dirijo agorapara o sentido transcendente constituído através do Erlebnis, e não paraO Erlebnis imanente. Nessa mudançaestá implicada uma “passagem aoinfinito”, já que o ódio aparece como não se limitando à consciência
mma
6. No Ensaio sobre a transcendência do 80, não aparece o termo “vivido” (vécu), mas
o original alemão (Erlebnis), não traduzido. Sartre só o traduzirá em A imaginação. 
CCI DICIA LEGO
instantânea derepulsão, mas como unidadede uma infinidade dedons
ciências coléricas, presente e passadas. O ódio apareceatra o o
periência de repulsão, ele se dá “em e por cada movimentodeé Ro
to, de repulsãoe de cólera, mas ao mesmo mponãoéneo Ros
escapa a cada um afirmandosua permanência (Sartre ? E n r do
sa medida, o ser do ódio não coincide com º seu parece 4 io
bastante para afirmar que ele não é da consciência.Ta comooa
se revela através de perfis, igualmente o ódio, (ambémunid e ni
cendente, se revela através de aparições: as repulsas,có eraseba
com uma diferença básica: o ódio só aparece à consciênciae
já que ele é unidade sintética transcendente deOoai VA
Ora, na liberação da consciência outra coisa não. arí qu Nos
praticar a reflexão pura, devendo portanto ater-se emao | , na
dados da imanência. É por onde nos asseguramos das evi cnciased
ca e adequada. A diferença assinalada entre a imanência eos no
transcendente (vivido de repulsão e ódio) deve repetir-se agoraq .
consciência e Eu. É essa reflexão que está implicadana 0] era a
verdadeiro cogito. A descrição do cogito, diz varre, most quam
apreensão de uma consciência por outra se dá sem porO “
Já o objeto espaço-temporal se dá através de uma inaAR
pectos. De outro lado, as verdades eternas afirmam suart o dono!
na medida mesma em que se dão como ,independentes ó o ipa a
quanto a consciência é rigorosamente individualizada na ó ur ção E
questão que se põe é: operada a reflexão pura, hálugar para
entre os dados da imanência? Não, “o Eu nãose dá como um nom
concreto, uma estrutura perecível de minha consciência atuail: n
pp. 33-34). Ele se dá como permanente, comotr inscençel vaia
conclui que ele não é da consciência. O Eu, tal como0 ód 1ox está a
além da imanência; ele aparece, mas aparece como u anscer ente
na exata medida em que aparece como tal queele é nãotu insoer na ,
mas psíquico. Ou seja, se tomadaa consciência na perapeciva cent
fica”, isto é, comofato absoluto, o Bu transcendenta se reo Decor
sariamente em Eu material, e pela simples razão de que,al ad
apareça à reflexão, ele aparece para além da consciência.
 
tá LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
HW- OBJEÇÕESAO EU MATERIAL
Tendo mostradoque o Eu nãoé “habitante” da consciência, mas, ao
contrário, transcendência, impõe-se mostrar a constituição dessa trans-
cendência e, concomitantemente, o sentido do transcendental constitu-
inte. Antes, porém, é preciso completar o trabalho negativo de libera-
ção da consciência, considerando agora as teorias que afirmam uma
presença material do Eu na consciência, que serão aqui as teorias dos
“moralistas do “amor-próprio””, na medida em que afirmam emtodos
Os atos uma“relação ao Eu” (Sartre 36, p. 38)”. Se socorro Pedro, esse
ato esconde um estado que permanece na penumbra: é um estado desa-
gradável em que me encontro à vista dos sofrimentos de Pedro, causa |
do meu socorro (id., ibid, p. 40). O Eu é aqui o pólo de atração de
nossos desejos, ainda que seja inconsciente.
O equívoco dessa tese é a confusão inicial que ela estabelece entre
atos reflexivos e atos irrefletidos, “erro frequente dos psicólogos”(id.,
ibid., p. 39). Essa confusão se manifesta no fato de que só se pode
tentar suprimir o estado desagradável referido se ele for conhecido, e
isso só pode ocorrer por um ato dereflexão: Superpõe-se aqui portanto
uma estrutura reflexiva a uma consciência irrefletida, a do ato piedoso.
Esse, contudo, não é o único erro; além da superposição, o refletido
aparece aqui como primeiro, como original, o que constitui uma
“absurdidade”(id., ibid., p. 41).
Pode-se argumentar que a objeção apresentada toma o elemento
superposto como consciente, tal como o ato piedoso, vindo daí que se
fale em “superposição”. Mas ele pode estar “escondido” por trás da
consciência, pode estar na “penumbra”; numa palavra, pode ser “in-
7. Por que os “moralistas”? Nosdiários de guerra, Sartre confessará que o papel as-
sumido pelo Egono Ensaio sobre a transcendência do ego é indicativo de suaatitude:“de olhar de cimapara baixo”, de se “refugiar no alto da torre” (Sartre 39, pp. 392-
193). O Eu posto fora, “como um visitante indiscreto”, salvaguardaa “consciência-relúgio”, quepara Sartre, em 1940, já se assemelha a umaliberdade aérea, não enraizada(tl, tbid., p. 356). Falandodesi, diz ele: “Por muito tempo acreditei que não se podiaconciliar a existência de um caráter com à liberdade da consciência; pensei que ocaráter nada mais era que o bouquet de máximas mais morais que psicológicas” (id.,
tbied,, p. 393), O caráter assim confundido com as máximas dos moralistas, e tidocomo ameaça à liberdade, não explica bastante por que se recusará no Ensaio sobre a
transcendência do ego as teorias dos moralistas do amor próprio? 
COPBSCIENCIA ELOS vi
consciente”, Aqui aparece pela primeira vez a crítica sartriana à noção
de inconsciente, Ligado de início à psicologia clássica (La Roche
foucauld teria sido “um dos primeiros a fazer uso, sem noméá-lo, do
inconsciente”; Sartre 36, p. 38), Sartre nãoo distinguirá porémdo im
consciente freudiano: a mesmacrítica vale para ambos, O inconsciente
será tomado apenas, em qualquer caso, como uma variação daquela
mesma superposição, O que se busca aqui é assegurar à autonoua ta
consciência irrefletida, sua “prioridade ontológica”: ela é primeira mos
mo quando aparece a consciência refletida, Não há portanto estrutura
auperposta, não há Eu implicado nas consciências, ainda que seja to
mado como“inconsciente”.
[| Ássim, não é um estadosubjetivo o que move meu desejó, mo
objeto desejável; vê-se aqui o uso quefaz Sartre do conceito de inten
cionalidade: a consciênciase transcende em direção ao objeto, isto vc. 0
meu desejo é “centrífugo”,lé Pedro mesmo quem me aparecé Conto
“devendo-ser-socorrido”. Mais ainda, se não há Eu no plano irrellet
do, se é o desejável que move o desejante, se essa estrutura se bástu,
então a dor de Pedro me aparece comoa cor desse tinteiro: “Tudo Le
passa como se vivêssemos em um mundo onde os objetos, além dis
qualidades de calor, odor, formaetc., tivessem as de repugnante, atraét
te, charmosas, úteis etc., e comose essas qualidades fossem forças que
exercessem sobre nós certas ações” (id., ibid., pp. 41-42). O atraente, à
umável, o terrível são propriedades da coisa mesma, não a soma de
reações subjetivas: “Eis que essas famosas reações subjetivas , Ódio,
amor, temor, simpatia, queflutuam na salmoura malcheirosa do Espíri
to, daí se arrancam; elas nãosãosenão maneiras de descobrir o mundo
São as coisas que se desvelam frequentemente a nós como odiáveis,
simpáticas, horríveis, amáveis” (idem 40, p. 31),
Evidentemente, essa descrição do plano irrefletido não invalida os
casos em que aafetividade é posta para si mesma; se digo “tenho pena
de Pedro”, essa reflexão qualifica minha ação, olho-mea agir “no sen
tido em que se diz de alguém queele se escuta falando”, Nesse caso,
“não é mais Pedro que meatrai, é minha consciência socorredora que
me aparece comodevendoser perpetuada” (idem 36, p. 42). Isso con
tudo não significa superposição de estrutura, já que se assenta apenas
na reflexividade da consciência; significa somente que os sentimentos
podemaparecer de início como meus sentimentos,
 
1h
jLUIZ DAMON SANTi 15 MOUTINHO
IV - A CONSTITUIÇÃO DO EGO
A
“
A
x
. .
essa descrição é váli Í
Todoção é válida no planoirrefletido. Na passagem para o planoda TE EsaeTA unidade transcendente das consciências refles. » ha atitude reflexiva. é aná j
ida
é análogo ao ob i i
Medidas , g objeto na atitude irre-: Os aparecem como pól jos-objetos, com Í intéti
rn
, o unidadessintéticasDaor com a diferença de que o Ego, ao contrário daquele, éconseiaTa dlEntretanto, o Ego será apenasa unidade indireta dasqse e MU A unidade direta será representada pelo queS: e estados”, “ações”
e
“ i ? i
(e36 den e 2 ç e qualidades”, que, evidentemen-parecer na atitude reflexiva.
Já desc i itui
é revemos acima a constituição de um estado, o ódio Ele se
: e | ) O L li 4 . . 24
q $ : fi : l
f
 
8. Sartre reserva otermo jPassiva) (Sartre 36, p. 19)56 distim ão(6 no Sa mo CieOaCe
realidade”. dio SP aos Tt nção €..) entre esses dois aspectos de uma mesmagramatical(4 Sei , 1 parece ser simplesmente funcional, para não dizerMa cri psicologiapora o termo que aparecia na crítica a Husserl: MoiEgo” emLD Ea qo sis ni monesduca paí por que agora utilizaremos; antes ora à tradução para Je, ora para Moi,
PAIS ICIA LIGO
”
dente na atitude reflexiva, é em uma atitude muito precisa: aquela da
reflexão impura ou constituinte, que busca precisamente uma unidade
transcendente para os vividos, Não há vivido de ódio, há um sentido
transcendente para os vividos de repulsão, sentido'esse posto, como
unificador daqueles vividos pela reflexão impura[E nesse reino de sem
tido unificador, transcendente, que morará o psíquicoJDessa maneira,
ele está fora; como objeto, o psíquico implica dubitabilidade: Ecento
que Pedro me repugna, mas é e permanecerá sempre duvidosoqueseu à
odeie” (Sartre 36, p. 47).
Alémdos estados, Sartre descreverá o que chamade “ações"teu
lidades”. As ações são também transcendências. Mas, diferentemente
do estado, “a ação não é somente a unidade noemática de uma contente
de consciência: é também umarealização concreta” (id, ibidasps 5)
O que a torna transcendência é o fato de ser unidade das consetene as
ativas; por exemplo, “tocar piano”, “raciocinar”, “fazer umahipótese”
etc. Quantoà qualidade, ela não unifica espontancidades, come o está
do, ou consciências ativas”, como a ação, mas passividades, ou Sei,
estados: “Quando experimentamos muitas vezes ódios em face de dito
rentes pessoas ou rancores tenazes ou longas cóleras, unificamos essas
diversas manifestações intencionando uma disposição psíquica para
produzi-las” (id., ibid., p. 53). A qualidade é, pois, uma virtualidades
uma potencialidade.
B
Ora, que será o Egosenãoa unidade dos estados, das ações e, faculta
tivamente, das qualidades!”, numapalavra, do psíquico? “O psíquica.o.
o objetotranscendente da conseiência-reflexiva”, e o Ego aparece como
realizando a “síntese permanente do psíquico” (id,, ibid., p. 54), sinte
se indissolúvel, “real e concretamente inanalisável” (id,, ibid, p. 56)
Se é o Ego quem aparece comounificador, deve-se perguntar: de
que maneira o Ego operaasíntese? Comopodefazê-lo, se ele é trans
cendente? Novamente se põe aqui o problema da síntese, Dessa vez
9, Segundo Sartre, a diferença, que ele não estabelece, entre consciência ativa é aim
plesmente espontânea é das “mais difíceis da fenomenologia” (Sartre 36, p. 51)
10, “Facultativamente”, porque a qualidade é uma unificação, digamos, de “segun
do grau”, não unificação direta
 e
aU LUIZ DAMONSANTOS MOUTINHO
contudo, a questão parece mais complicada: antes, tratava-se apenas de
mostrar que o Eutranscendental não realiza síntese, não unifica cons- -
ciências, que, aocontrário, é a própria consciência que se auto-unifica.
Afastado o Eu do campo da imanência, tornado transcendente,ele pa-
rece agora ganhar um papel que lhe foi recusado quando este parecia
possível, Defato, é incompreensível que se fale em um Ego transcen-
dente comorealizador de síntese. A solução desse problemaliga-se à
última das nossas questões indicadas acima, a da constituição do Ego.
Essa constituição,realizada pela reflexão impura,é feita “emsenti-
do inversodoque segue a produçãoreal”, o quesignifica que “as cons-
ciências são dadas como emanando dos estados, e os estados como
produzidos pelo Ego” (Sartre 36, p. 63). O Ego aparece como produ-
zindo seus estados, ações e qualidades, tipo de produção que Sartre
denomina “poética” (id., ibid. p. 60). Não é o estado que se reúne à
totalidade Ego, mas, por meio da reflexão constituinte (impura), é in-
tencionada “umarelação que atravessa o tempo ao inverso”, de modo
que o Egoaparece como a fonte do estado (id., ibid.).
O Ego, objeto e portanto passivo, aparece paradoxalmente como
produtor, como espontâneo, no momento mesmo de sua constituição.
Mas trata-se aqui de uma “pseudo-espontaneidade”. Pois “a verdadeira
espontaneidade deve ser perfeitamente clara: é o que produz e nada
mais” (id., ibid.,p. 62). A noção justa de espontaneidade afasta a pos-
sibilidade de ligação “sintética” entre ela e outra coisa!!, tal como há
entre o Ego e oestado. Isso implicaria “umacerta passividade na trans-
formação” (id., ibid.). Em O ser e o nada, essa idéia é retomada: “É
precisamente porque ela [a consciência] é espontaneidade pura, porque
nada podeagir sobre ela, que a consciência não pode agir sobre nada”
(idem 37, p. 26). Sartre cita a título de exemplo o princípio de ação e
reação: a passividade do paciente reclama passividade igualno agente.
Dessa maneira, estamos diante de dois conceitos de espontaneidade,
ou melhor, diante de uma verdadeira e de uma falsa espontaneidade.
Essa última, segundo Sartre, é “ininteligível” (idem 36,p. 63), deriva-
da apenas da inversão implicada na constituição mesma do Ego.
11, Será na forma de“ligação sintética” a relação entre consciência e mundo tal
como aparecerá em Diário de umaguerra estranha e O ser e o nada. Mas já não se
tratará da mesmaligação, até porque ela implicará uma negação permanente da
consciência em relação ao mundo, 
Cor E ba PN Do tato t
A que se deve essa inversão? Ainda: como compatibilizar a afirma
gho de que a consciência espontânea nada produz a não ser ela mesma
e a idéia de que o Ego é constituído afinal pela própria consetenem?
Deve-se lembrar que a consciência liberada tornou-se um nada: Do
dos os objetos físicos, psicofísicos e psíquicos, todas as verdades do
dos os valores estão fora dela, pois meu próprio Eu deixou do'fazer
parte dela”, Entretanto, pode-se dizer que esse nada é tudo, ma medida
em que “é consciência de todos esses objetos” (Sartre 36, p. /4ju Nao
senão porque é “nada”, porque é absolutamente translúcida avspánes
ma, que a consciência é espontaneidade. Defato, ligada sintetieaminto
a algo, pelo princípio de ação e reação, ela envolveria alguma passiva
dade; nãoseria assim espontânea. A consciência nãose liga poisisenao
a si mesma, na realização da síntese das consciências escoadas ela
nada “produz” que não ela mesma. Diante disso, como afimarque ai
consciência “constitui” o Ego?
Sabemos que, malgrado a inversão, “o que é primeiro realmento
são as consciências, através das quais se constituem os estados depois
através destes, o Ego” (id., ibid., p. 63). A consciênciarellexivadinvo nto
a produção real, numa espécie de projeçãode sua própria espontamor
dade no objeto Ego, para fugir de si mesma, À “função” do Ego sema
assim antes “prática” que “teórica”: “Talvez seu papel essencial-seja
mascarar à consciência sua própria espontaneidade” (id., ibid., pb),
tal como uma“falsa representação” da consciência, Eque só aí, graças
ao Ego, “umadistinção poderá se efetuarentre o possível e o real, entre
a aparência e oser, entre o querido e o sofrido” (id. ibid., p. 82),
Isso não explica contudo como a consciência constitui o Ego;
SegundoSartre, a produçãojá invertida é espontânea: “Nós constituímos
espontaneamente nossos estados e ações como produções do Ego” (id,
ibid., p. 77). O Egojá nasce como falsa espontaneidade, falsa répre
sentação. Ora, isso parece ainda não resolver o problema da constituição;
não resolve contudose entendermos essa questão comoa quetrata do
surgimentodaidentidade noemáticaa partir da multiplicidade das cons
ciências. Mas nãoé assim que Sartre a pensa, ao menos no que toca di
constituição do Ego.[“Constituir” tem aqui simplesmente o sentido de
“projetar”, e o que é projetado é já a consciência enquanto unidade
sintética, que toma a forma de unidade noemática| E o que permite
resolver os problemas quese podem colocaracerca dasíntese do Ego
| Porque o Egoé consciência projetada, a sua constituição não im
plicará ligação sintética entre constituinte e constituído | Igualmente pos
 
há LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
isso se produz a inversão: porque, enquanto consciência projetada,
hipostasiada, o Ego deve aparecer como primeiro, como espontâneo:
“A consciência projeta suaprópria espontaneidade no objeto Ego para
lhe conferir o podercriadorque lhe é absolutamente necessário” (Sartre
'6, p. 63). Mesmoaindissolubilidade da síntese do Ego é garantida
pelo fato de que essa síntese não é senão a da própria consciência.
sendo objeto, o Ego não opera síntese, mas tampouco esta é feita de
tora, como se houvesse aí um X suporte. Na medida em que o Ego é
projeção da consciência, sua síntese é tal como a desta: indissolúvel e
passiva jNo fundo, trata-se apenas de uma só e mesmasíntese, realiza-
da no nível ainda da consciência: é a consciência já unificada que é
projetada como Ego,/
sendoassim, não há problema em se compreender que o Ego apa-
reça comounificador, comorealizando a síntese permanente do psíqui-
co, Defato, ele assim aparece, mas apenas à reflexão impura, àquela
retlexão que não apenas ultrapassa os dados da imanência, mas que
toma ainda o Ego pela consciência, confundindo-o com esta. Por isso
ele aparece comounificador.[A reflexão impura constitui o Ego, confe-
rindo-lheos caracteres-que são antes da consciência espontânea) Entre-
tanto, “essa espontaneidade, representada e hipostasiada em um obje-
to, torna-se uma espontaneidade bastarda e degradada, que conserva
magicamente sua potência criadora tornando-se passiva. De ondea ir-
racionalidade profunda da noção de Ego” (id., ibid, pp. 63-64). Irra-
cionalidade que ressalta na medida em que o Ego aparece comosíntese
de atividade e passividade, de interioridade e transcendência,de cons-
ciência e objeto.
V
-
OTRANSCENDENTAL E O PSÍQUICO
A liberação da consciência torna os campos transcendental e psí-
quico nitidamente separados,correspondendo a cada um uma discipli-
na particular, com seus métodos próprios. De um lado, “uma esfera
transcendental pura acessível apenas à fenomenologia” (id., ibid, p.
1), através da “redução fenomenológica”. É uma esfera de existência
absoluta,isto é, “de espontaneidadespuras que não são jamais objetos
e que se determinamasi mesmasa existir”(id., ibid.). De outro lado, o
psíquico enquanto objeto transcendente da consciência reflexiva (id.,
tbid., p. 54), esfera acessível à psicologia. Enquanto “objeto”, valem
DIM NCIA E LOU
aqui os métodos de observação externa e de introspecção (Sartre 36, p
1. Neste caso, “posso colecionar os fatos que me concernem é tentar
interpretá Jos tão objetivamente quanto se setratasse de umoutro” (id,
ibid., p. 68). |
Dois campos, duas ciências; [consciência e Ego nãose confundem,
comonão se confundem consciência e objeto./O transcendental assim
liberado, aparece comovazio, comonada”, espontaneidade que é criação
ex nihilo, e o Ego, por seu lado, aparece com o papel essencial do,
talvez, “mascarar à consciência a sua própria espontaneidade” (id., ibid,
p. 81). “Espontaneidade monstruosa” que conceberá contudo um meto
de “escapar-se a si mesma”, quando se projeta no Eu e aí se abso! Vo
(id., ibid., p. 83). Não é de outro modo que Sartre define o sentido da
célebre “atitude natural” (id., ibid.). Só nessaatitude fazem sentido às
noções de ação e paixão: a atividade “se dá como emanando de uma
passividade (...) num plano em que o homemse considera ao mesmo
tempo sujeito e objeto” (id., ibid., p. 82): já aí é necessária a constituição
do Ego, ou antes,já estamosno planodo Ego. Mas deve se ainda acres
centar que o Ego pertence ao planoreflexivo. Não foi o próprio Sai tre
quem afirmou que no nível da consciênciairrefletida não há Ego! Isso
nos leva à conclusão de que a atitude natural, aquela em queexiste o
Ego, é para Sartre não a condutairrefletida, mas a conduta reflexiva...
ifi ne x Ta . ará a k pos12, Mas não como nadificação, não como negação, o que só deverá ocorrer depoi
da leitura de Heidegger, Cl. cap, 4, Ve VI
 
 
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DISSEMOSnocapítulo anterior que o encontro com Aron foi aci
cunstância que levou Sartre a Berlim, onde deveria permanecer nove
meses estudando o pensamentode Husserl, comobolsista do Instituto
Francês. Aron teria conseguido convencê-lo de que a fenomenologia
vinha ao encontro das suas preocupações, permitindo-lhe superaras
contradições que o dividiam então (entre realismo e idealismo) pela
afirmação da soberania da consciência e da presença do mundo, tal
qual se dá a nós. Contudo, não foi comAron que Sartre teve o primeiro
contato com a fenomenologia. Antes desse episódio, em 1927, particiy
para, com Paul Nizan, da tradução da Psicopatologia geral, de K
Jaspers; os dois normalistas fizeram a correção das provas do texto
francês. Sartre teria conhecido com Jaspers o conceito de “compreen-
são”, que, segundo Beauvoir, ele procurara reter e aplicar, “Jaspers”,
diz ela, “opunha à explicação causal, utilizada nas ciências, outro tipo
de pensamento quenão se assenta em nenhum princípio universal, mas
que apreende relações singulares, mediante intuições (...), ele a definia
e a justificava a partir da fenomenologia. Sartre ignorava tudo dessa
filosofia, mas nem por isso deixara de reter a idéia de compreensão é
tentava aplicá-la” (Beauvoir |, p, 46). Foi a possibilidade de uma nova
psicologia que Sartre enxergou no conceito de compreensão: por opos
sição “à psicologia analítica e empoeirada que ensinavam na Sorbonne”,
 
 
tá LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
Jaspers fornecia uminstrumento que respeitava o indivíduo enquanto
“totalidadesintética e indivisível”, instrumento que vinha a calhar ao
jovem estudante, que já “desprezava a análise que só disseca cadáve-
res" (Beauvoir1, pp. 35 e 46). De novo aqui aparece a fenomenologia,
embora comopanode fundo, e novamente como “atendendo a preocu-
pações” que eramentãodo jovem Sartre.
Nãose temnotícia de que entre esse primeiro contato indireto, em
1927, e o encontro com Aron, em 1932, Sartre tivesse procurado se
aproximar da fenomenologia. Pelas lembranças de Beauvoir, tudo se
passa comose o contato entre as culturas francesa e alemã fosse então
bastante reduzido. Nesse ínterim, escreve poemas, um volume de en-
satos chamadoA lenda da verdade, uma peça, de um ato, inspirada em
Pirandelloe dá início aA náusea (Contat e Rybalka 5, pp. 24-25). Mesmo
a tradução de um fragmento de Que é metafísica?, de Heidegger,
aparecida em junho de 1931 no mesmo número da revista (Bifur) que
publicou umtrecho de A lenda da verdade, não atraiu Sartre: “Não lhe
percebemos o interesse”, diz Beauvoir, “porque não compreendemos
nada”. Segue ainda com
o
seuinteresse por psicologia; é nesse perío-
do que forja a noção de “má-fé”, passível de explicar “todos os fenô-
menos que outros atribuem ao inconsciente” (Beauvoir 1, p. 131); pro-
cura aplicar o conceito de “compreensão”, tirado de Jaspers, mas en-
contra aí apenas “uma diretriz bastante vaga”: faltavam-lhe “esque-
mas”; “nosso esforço durante esses anos tendeu para induzi-los e
inventá-los” (id., ibid., p. 130). :
Alémdointeresse porpsicologia, da tentativa de superar os impasses
entre realismo e idealismo, outro problema preocupava Sartre nesse
período. Na verdade, é um problema que vem desde pelomenos 1925:
trata-se do conceito de contingência. Há notícias desse te já em sua
correspondência de 1925 (Contat e Rybalka5,p. 23) e 1926 (has Lettres
au Castor, de Sartre), e ainda várias referências de Beauvoir. Era sobre
a contingência o poema que escreveu em 1929, A árvore: “Como mais
tarde, em À náusea, a árvore com sua vã proliferação indicava a contin-
gência” (Beauvoir 1, p. 48). Do mesmo modo, o “factum” que come-
13, O próprio Sartre, em Diário de uma guerra estranha, embora confundindo as
datas, diz: “Li sem compreender, em 1930, Que É Metafísica? na revista Bifur”
(Sartre 39, p. 225, n.1; Beauvoir |, p. 82). 
A CENTTINGINCIA a
çou a escrever no final de 1931; Sartre o chamava “o factum sobre
contingência”, é essa obra, que, após modificações, tornar-se-á A mit
sea. Segundo Beauvoir, “em sua primeira versão o novo factum asse
melhava-se ainda a 4 lendada verdade: era uma longae abstrata medi
taçãosobre a contingência”. Teria sidoela queminsistiu “para que Sartre
desse à descoberta de Roquentin [o herói do romance] uma dimensão
romanesca, para que introduzisse em sua narrativa um pouco do
suspense que nos agradava nos romances policiais” (Beauvoir |, p
109). Não que a formaliterária tivesse sido sugerida por Beauvoir,
essa forma já havia sido tentada pelo próprio Sartre em A lena iu
verdade e parecia fazer parte de um programa. De novo Beauvoir “Re
cusando qualquer crédito às afirmações universais, ele tirava de si o
direito de enunciar a própria recusa .no tom do universal; em vez de
dizer, cabia-lhe mostrar. Ele admirava os mitos a que, por razões análo
gas, Platão recorrera, e não se incomodava com imitá-lo", Andiscu
nascepoisinseridanessaperspectiva:“Exprimirmunaforma-literim
verdades.esentimentosmetafísicos” (id. ibid., p. 284).
Mas a ambição de Sartre nãose restringia à produção literária. Pot
conta dos estudos defilosofia e psicologia acabará sendo levadoa esere
ver também ensaios. Numaentrevista de 1938, depois da publicação de
A náusea, declarou: “Desejaria exprimir minhas idéias apenas de uma
forma bela — querodizer, na obra de arte, romance ou novela, Mas fé
apercebi de que era impossível. Há coisas muito técnicas, que exigem
um vocabulário puramentefilosófico. Assim, me vi obrigadoa duplicar,
por assim dizer, cada romance de umensaio, Dessa forma, ao mesmo
tempo que À náusea, escrevi À psique, obra que logoaparecerá e que
trata da psicologia do ponto de vista fenomenológico” (Contate Rybalka
5, p. 65). Sabe-se que de À psiquesó foi publicado um trecho, o Eshoço
de uma teoria das emoções (Beauvoir1, p. 317). Essa obra, e mesmo,
pelo que se temnotícia, Apsique, não parece contudo o “duplo” de À
náusea: os temas são, aparentemente, muito diferentes. Entretanto, há
talvez um meio declarear a relação, mas paraisso valeria mais aproximar
A náusea não do Esboçode umateoria das emoções, pequenofragmen
14, Ver ainda a apresentação de Contat e Rybalka de A lenda da verdade: “O interesse
principal desse texto (,..) é nos indicar a maneira pela qual Sartre concebe de início seu
projeto de unir filosofia e literatura” (Contat e Rybalka 5, p. 53; Beauvoir 1, p, 48)
 ps
48 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO
to, mas do Ensaio sobre a transcendência do ego: é que nessa obra,
como vimos, Sartre “esboçaa teoria do objeto psíquico”, de que o Esbo-
ço de umateoria das emoções, na verdade, procurará ser um “desenvol-
vimento”!*. Essateoria, por seu lado, tem como contrapartida o conceito
de consciência, entendida como vazio puro, “nada”; ora, é precisamente
através desse conceito de consciência, tal como aparece no Ensaio sobre
a transcendência do ego, e do conceito de contingência, tal como
descrito em A náusea, que procuraremos uma aproximação entre as
duas obras. Tentaremos mostrar comoesses dois conceitos são o anverso
6 o reverso de uma mesma moeda. A nosso ver, (aafirmaçãode.que.a
consciência é “nada”sósetornainteiramenteinteligívelàluzdo.conceito
de contingência [E é a partir daí que algo como uma“teoria do psíquico”
se imporá como umanecessidade.
HI
=
A EXPERIÊNCIA DE ROQUENTIN
A .
O suspense que Sartre deveria introduzir no seu “factum” refere-
se à descoberta, feita pelo herói, da contingência. Todo o romance é
um percurso que tem seu ponto alto quando o herói Antoine Roquentin
enuncia: “A contingência não é uma ilusão, (...) é o absoluto, (...) a
gratuidade perfeita” (Sartre 34, p. 194). Até que o enuncie, contudo,
deverá passar por umasérie de experiências, narradas por ele em forma
de diário,
De início, Roquentin percebe uma mudança na sua maneira de ver
as coisas, algo novo, que bem pode ser afinal uma mudanca no modo
como os objetos se dão. A primeira experiência narrada ocorreu quan-
do se preparava para lançar uma pedra no mar; algo o fez deter-se:
“Nesse momento, detive-me, deixei cair a pedra e fui embora” (id.,
tbid., p. 14). Era um “enjõo adocicado”, desagradável, que passava da
pedra para as mãos (id., ibid., p. 27). Noutro momento,

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