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PSICOLOGIA EFENOMENOLOGIAPT(pod: SARTRE PSICOLOGIA E FENOMENOLOGIA OFICINA ve FILOSOFIA DIREÇÃO: MARILENA CHAUI Luiz Damon SANTOS MouTINHO SARTRE PSICOLOGIA E FENOMENOLOGIA PREFÁCIO DE BENTO PRADO JÚNIOR TOMBO . 186472 SBD-FELCH-USP BIBLIOTECA DE FILOSOFIA E CIÊNCIASSOCIAIS Fapesp brasiliense Copyrichi Opyrght O by Luiz Damon Santos Moutinho, 1995 Nenhumaparte desta publicaç armazenada e pireproguanada emsistemas eletrônicos fotocopiad. uzida por meios mecâni isqu ecânicos ou outro. i À os me ico Ss quaisquerem a autorização prévia da editora, 4 dopode ser gravada, Coordenação editorial: Floriano Jonas €Eeparação € revisão: José Teixeira Netoapa e projeto gráfico: Carlos das Nevesção eletrônica: Guilherme Rodrigues NetProdução: discurso editorial ú DEDALUS- Ace Edit NOM Dados Internacionais de Catalo,(Câmara BrasilOgação na Publicação (CIP) Livro, SP, Brasil) Moutinho,Luiz Damon Santos, 1964- Sartre: psicologi i SantosMoiColoEa € fenomenologia / Luiz Damonde Fios) aulo: Brasiliense, 1995. — (Oficina ISBN 85-11-12069-6 1. Filosofia 2, Filosofia - Brasil 1. Título. II. Série 95-1932 CDD-100 Índices para catálogo sistemático:1, Filosofia 100 , io de À FAPESP do de Amparo à Pesquisa do Estado de Sã Rua Pio XI, 1500 “SãoPaulo05468-901 — São Paulo — SP Fone (011!) 837-0311 Fundaç. EDITORABRASILIENSE S.A Av. Marquês de São Vicente, 1 771 01139-903 = São Paulo SP Fone (0H) 861-3366 Filiada ÂABDR Oficina de Filosofia MARILENA CHAUI NOS últimos decênios, cresceram no Brasil tanto a produçãode trabalhos emfilosofia quanto o interesse — profissional ou não — dos leitores de filosofia. Certamente, do lado acadêmico, o desen volvimento dos cursos de pós-graduação estimu lou pesquisas originais e rigorosas nos mais varia dos camposfilosóficos, fazendosurgir um público leitor exigente, cuja carência de bons textos não tem sido atendida,pois, quase sempre, a produção - filosófica permanece sob a formade teses deposi tadas em bibliotecas universitárias, sobretudo as dos mais jovens, ainda pouco armados para entren tar as imposições feitas pelo mercadoeditorial. As sim, bonse belostrabalhosficamrestritos ao conhe cimento de poucos. Doutra parte, do lado dos lei tores não especialistas, a demanda porfilosofia pos sivelmente exprime o mal-estar do fim do século, a crise das utopias e projetoslibertários, da racio nalidade, dos valores éticos e políticos, que repoem o interesse e a necessidade dareflexãofilosófica, Para responder a essa dupla situação, nasce à Oficina de Filosofia, cujo intuito é publicar (edi tando e divulgando) os resultados de pesquisas de jovens estudiosos de filosofia. Mas nãosó, ixis tem trabalhos que são, para os privilegiados que à eles têm acesso, clássicos da produçãofilosófica brasileira, nunca editados. É nossa intençãopublicá los também, estimulandonovas pesquisas emfilo sofia e garantindo aos nãoespecialistas o direito à informação e à fruição dessas obras. À Oficina de Filosofia publicará, alternadamente, trabalhos dos mais jovens e dos mais velhos, buscando expor, para usarmos a expressão de Antonio Candido, a existência de um“sistema de obras” que, do lado acadêmico, suscite debates e permita tornarmo-nos referência bibliográfica e de pesquisa uns para 08 »5 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO Sumaái IO AGRADECIMENTOS E ; outros, instituindo, assim, uma tradição filosófica PREFÁCIO p» : brasileira; e, do lado não acadêmico, cumpra o pa- INTRODUÇÃO| pel de alimentar a reflexão e de criar novas perple- | I xidades ao propor respostas às existentes. CONSCIÊNCIA E EGO Cenirica : Há de parecer estranho o título “Oficina de Fi- [= REVISÃO DAPSICOLOGIA: A PERSPECTIVA CRÍTIC; , , losofia”, escolhido para esta coleção. Afinal, não EA FENOMENOLOCEVNSERLIANO º diferenciara Pitágoras os filósofos dos demais, I— OBJEÇOESAO EU FOR (to) UE- OBJEÇÕESAO EU MATERIAL e IV = A CONSTITUIÇÃO DO EGOrsss ma q -V —* O TRANSCENDENTALEOPSÍQUICO. comparando-os aos que compareciam aos Jogos Olímpicos, alguns para vender e comprar, outros para competir e, os superiores, dedicados apenas a , 2 contemplar? Platão e Aristóteles não prosseguiam A CONTINGÊNCIA ni | na mesmatrilha, afirmando o laço necessário entre [= OTEMA DA CONTINGÊNCIA.... mm ro | theorta e scholé, contemplação e ócio? = A EXPERIÊNCIA.DEROQUENTIN,. af No entanto, a diferença temporal, tema e obje- N - À NECESSIDADENA ARTEsms od | to da investigação filosófica,seria perdida ou fica- V- AIRRUPÇÃODA EXISTÊNCIA,, LN | ria dissimulada se quiséssemos ignorar que faze- vI- O CORPOPARASms o ) | mos filosofia num mundo em que, pelo menos na vo ABRIMADODA EXISTÊNCIA É ity aparência, foi abolida à instituição da escravidão (5) | é, portanto, também a hierarquia entre escravos que FENÔMENO E SIC SNIFICADO trabalham e livres quefruem. Mundo capitalista e NIO DA PSICOLOGIA o hegemonicamente da ética protestante, ainda que | nr ODELOHUMIANO. a | quantitativamente os não cristãos sejam mais nu- m- OMODELO CARTESIANO.. 7 | merosos, e os católicos romanosexistam em maior a OPSÍQUICOENQUANTO WENÔMENO s número do que os reformados. Pertencemos a uma vI= OTEMADA TEMPORALIDADEINALISMO top cultura e a umasociedade quecrê novalor das obras VIL- RELAÇÕESINTERNAS E RACIONA Lt | (para a salvação eterna ou para o prazer da vida 4 presente), que fala em trabalho intelectual eo PASSAGEM À FENOMENOLOGIA e : profissionaliza dentro e fora da academia, e que [= A “CIÊNCIA FUNDANTE”ss ' ” | faz do ócio “oficina do diabo”. Tanto do ponto de [= O PROBLEMA DA HYLE..... (DO vista das condições materiais de nossa sociedade quanto da perspectiva ideológica quefaz do traba- lho um valor moral, os que fazem filosofia traba- LE JEM MENTAL,HI AHYLE DA IMAGEMMENI | mem IV = OTEMA DA REDUÇÃOFENOMENOLÓGICA V- OBJEÇÕESAO NADAHEIDEGGERIANO ao VI= OSER-NO-MUNDO.. Il. . À . VIL= O SER TRANSFENOMENAL. Ar lham. Por Isso, contrariando nossos ancestrais, Vil O SERTRANSFENON is fr ie | ç TICACÃOE O PROJETO SERteimade Filosofia IX ANADIFICAÇÃ R : hsCONCLUSÃO. sete po CRONOLOGIA 19] BIBLIOGRAFIA 51 INDICE ONOMÁSTICO INDICE REMISSIVO DEIXO AQUI REGISTRADOS MEUS MAIS sinceros agradecimentos ao Prof. Dr. CarlosAlberto Ribeiro de Moura, que, gentilmente, orientou este trabalho;a Floriano Jonas Cesar, que tornou possível sua publicação; e a Vilma Aguiar, a quem o dedico, as o Vo 4 rabo 5 ate cede cria po HRRE Vo Ri; t io dh sd Uma Introduçãoa Osereonada uni BENTO PRADO JÚNIO) Universidade Podoraldosão me “sdar rattinao Pet Lual o otra NOSSA relação com os textos filosóficos parece ser goveridda o por uma complicadadialética de proximidade e distância. Não sãoNy mesmas as dificuldades que se opõem à compreensão da filosofiaariti ga e da filosofia contemporânea. E não é a proximidade da obra temporânea que nos assegura um acesso privilegiado a seu sentido mai ili o, como sugéb rem Husserl e Heidegger. É o que explica, involuntariamente, o prós prio Sartre, na homenagem póstuma que consagrou a Merleau-Ponty! na revista Les Temps Modernes. Trata-se, à primeira vista, de um parh- doxo, já que não poderíamos imaginar (pensando nos escritos di Merleau-Ponty e de seu amigo) duas empresas filosóficas mais próxi= mas. Uma mesma formação escolar, uma inegável simpatia intelectual: mútua, o uso dos mesmos instrumentos conceituais (colhidos, na corn tingência da contemporaneidade, como os moyens du bord imediatas mente disponíveis, a fenomenologia, a Gestaltpsychologie, o marxis- mo etc... — toda uma série de produtos culturais de recente importação na França). E, no entanto, o próprio Sartre confessa, no texto referido, que nada compreendia do que Merleau-Ponty sugeria em suas últimas — reflexões consagradas à Natureza, um pouco inspiradas pela metafisi- caou pela cosmologia de Whitehead, Sartre diz que, na ocasião, não podia entender por “Natureza” coisa diferente do objeto das ciênciasÀ dissertação de mestrado que d ida pela Fapesp e pelo CNP| eu origem a este trabalho foi financia- lá éLUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO naturais (sempre desconfiadodo“objetivismo” que comprometera, entre outras coisas, a idéia de uma “Dialética da Natureza”). O que queremos sugerir é que o entusiasmo por uma obra, a cer- teza de sua significatividade filosófica, essa espécie de adesão imedia- ta à seu poder de revelação ou de verdade, não significa necessaria- mente compreensãode seu sentido. A simpatia, decididamente, não é condição suficiente de compreensão. E sentir o poder veritativode um discurso não significa necessariamente compreender o seu funciona- mento lógico ou transcendental. Após 52 anos desde a publicação de O ser e o nada, é possível perceber a necessidade desse distanciamento. Comose esse grande Ji- vro só pudesse revelar tardiamente o que importa (as regras de sua construção) depois do declínio do fascínio que exerceu sobre seus lei- tores, quandodesua publicação. Pois é bem em termos de fascina ção que devemos descrever sua acolhida pelos leitores dos anos40 São inúmeros os testemunhos (lembro aqui o de Michel Tournier. entre mil outros) desse acontecimento filosófico: todos falam, mais ou menos nos mesmos termos, da vertigem de algo semelhante a uma descoberta absoluta (um pouco como o próprio Sartre descreve sua descoberta enquanto estudante secundário, dos Dados imediatos da consciênci de Bergson: “Bergsonfazia a verdade cair do céu”). . | Enfim, uma linguagem “viva” ou “totalizante”, que permite via- ja das noções mais abstratas da filosofia às mais concretas da vida cotidiana, pública ou privada. Essa nova linguagem descompartimentada dá coesãoa linguagensantes dispersas, quando desligadas da experiên- cia única do sujeito: discurso científico, literário, erótico ou amoroso político e mesmoosurdo discurso do sonho reagrupam-se harmonio- quente, tornando finalmente visível o sentido (ou não sentido) do Mas é claro (sobretudo retrospectivamente) que essa descoberta era tambémo efeito de umainvenção ou de uma construção. Lembre- mos aqui as belas páginas que Yvon Belaval consagrou aos Filósofos e suas linguagens, logo após a Guerra, Lá ele diz mais ou menos o se- guinte: fica difícil, depois de ler O sere o nada, descrever qual ver tenômeno (sobretudo os que implicamo olhar) semrecorrer ao estilo inventado por Sartre e às suas metáforas, Como se, desdetoda à eterni- PREPÁCIO dade,tais fenômenos esperassema publicação desselivro para revelái enfim sua secreta verdade. Tratava-se da invenção de umalinguageme de umestilo = ihven ção fortemente motivada, é claro, dentro, mas sobretudofora do Cimpo da filosofia universitária. A atraçãoirradiada por O ser e o nada tinha muito a ver, também, com o drama da Segunda Guerra e da Ocupação da França. Comose os escritos de Sartre oferecessema linguapein ne cessária para a intelligentzia resistente nessa trágica cireunstáne ta, Poética de que ela carecia. Passados 52 anos da publicação, é possível reler a obraide tim perspectiva diferente da de seus contemporâneos, adeptos entusiastas ou inimigos mortais (pois ninguém ignoraaextraordinária vaga de ódio queesse livro também provocou). Não que odistanciamento = 0'6 eclipse tanto da fascinação quanto do ódio — diminuade alguma maneitno sei peso. Certamente ninguém mais lê a obra de Sartre, hoje, como “atilo sofia inultrapassável de nosso tempo”, comoele próprio caracterizar mais tarde não o seu “existencialismo”, mas o marxismo, Mas ndo o por isso que O ser e o nada se transformou em apenas um livro etitre outros, na imensa e homogênea praia onde se justapõemas mil 6 uma obrasda tradição da filosofia. Tudo se passa comose essa obra tivesse de morrer (ou libertar-se de seu esplendor ideológico), para poder re nascer como obra propriamente filosófica. Era preciso quese apajiasse a precipitada evidência de sua verdade, para que viesseà luzà arquito tura de seu sentido. Não quero sugerir, aqui — o que provocariao justo horror de Sartro -, a idéia de uma veritas philosophica perennis, que retiraria sua stbs tância e sua subsistência do desvanecimentohistóricoda obra e de seu * autor. Comose a philosophia perennis(essa espécie de vampirotri cendental) se alimentasse da morte das filosofias e dos filósofos singgu lares, ou seja, da filosofia real. Mesmo porque afilosofia de Sartre é essencialmente atualista:umaverdade.eterna é uma verdade.moarta, 6-6 que importa é otempo e ohomempresente. Na verdade, o que querosugeriré que até mesmoa relação vivi da da obra comsuacircunstância temporal (examinada atualmente por Cristina Diniz Mendonça, emtrabalho ainda emcurso, que visa O ser e o nada como filosofia que exprimetambéma experiência da Ocupa LUIZ DAMON SANTC 5 MOUTINHO ga ) so Se toi na ple hamen Cc col pi cecnst el 1 2m passado. À co | t » CON s V e M , € no te po Iv Depois de 52 anosmento I H de 52 anos — e nesta data que marcaria 90 anos do nascio ) > c , núntodo | ósofo » vem a calhar a publicação deste livro de LuizFa vantos Moutinho. Livro que se caracteriza, entre outras liAUS Or 4 3 ac LU . » Por um grande acerto metodológico. Acerto que ousaría odeerever c É 1QO arts DOS a | comoa descoberta de um ponto intermediário entre doi d95 opostos da historiografia filocsóf; -hamado Í à historiografia filosófica: Oni IN a: o bergsoniano e o chamado Expliquemo-nos: imei da upa Pa cmo nos no primeiro caso,o historiador mergulha, a partiro o Jr: é Fc Í â on Heral da obra, em direção de uma intuição única originalMnária (assim a filosofi A € riSsim a filosofia de Berkeley, rebatida sobre a imagemà matéria como a “finíssim: q ma an ae transparente película”epara a subjetividade E ini de ta deDenoo Nei ra jetividade humanafinita da realidade absoluta de Deus)Segundo cas istoris Í I r- none caso, o historiador-arquiteto limita-se a reconstituir as arações ar ntativaç 1 a o $ * dargumentativas (livres de qualquer solo irtuiti o“controláveis por qu: rf o | lveis por qualquer forma de experiência) que, só el mstmocer o sentido da obra. É dE Cs podemLuiz D: ão fa;, tz Damonnãofaz nem uma coisa nem outra. Não aspira asomunicação simpática” c i o nicação simpática” com alguma intuição original, queseri meNo € necessariamente /raí, o ” | cessariamente traída pela expressão discursiva. Tampoucdad TOS ti Ir; nas a é e ela ia constituir apenas a épura argumentativa da obra, como se :do núscesse de ad experiênci o ho R a s cons: de uma experiência, que não é inefável embo ja ne-sessarinmente sobredeterminada oneO que esta análise te i men, à Na sta análise tem de particularmente interessante é justa-m *"€-VEM comque entretece os pólos opostos da intuição (A OSpOrCnNCI! j a estr raçã ó gi o. ora pertencia) e da estruturação lógico-argumentativa do discurCraQuo rara e exemplar i nto mplar que lhe permite captar in vi Í un vção rara npl ptar in vivo o movimei | 6 de um pensamento. Acerto metodológico que tem asom aúupleme Ê i no , Fora 'prementar de atenderàs exigências de seu “objeto” (co sesimilauso a explicar Si | | sofoem ar oartre ad mentem auctoris). iá | uctoris), já Jó mta ' entem S), Já que o filósofo eme concordaria que não há intuição que não se exprima, assiSultão Bi ô é . O há discurso articulado sem uma experiência que o pr da, xperiênci: 3 O preceda.Mai al nd) É | c dd l éjue “ movimento | p nsam nt las Í o en ne O! ce sempre da tensãoCNO cuaes daia pólos PRITÁCIO Comefeito, Luiz Damontornavisível o fio conceitual (comsua tensão, suas torçõese distorções) quelevados primeiros textos de Sartré ao limiar de O ser e o nada. Temos diante de nós umasofisticada intro dução a O ser e o nada. Comose passadapsicologia à fenomenologia? Ou da fenomenologia à ontologia? Que transformações devemsotrei as disciplinas da psicologia pura e da fenomenologia transcendental; para que, finalmente, a intuição básica da contingência possa ser Ex pressa conceitualmente? Tais são algumas das perguntas essenciais aqui recebemumaprimeira resposta. Não se trata de uma crônica das opiniões sucessivas de Sartre na década de 30 e no início da de40s%w leitor não tem nas suas mãos, agora, uma obra de doxografia. A6 és ponder às questões acima enumeradas, Luiz Damon descreve a mort gem de um horizonte problemático bem comoas aporias que ele insti la. Sem a consciênciadesse horizonte e dessas aporias, não podera mos compreender a solução que lhes oferece O ser e o nada, ou seja necessidade e o sentido desse grande livro. V O mínimo que podemos dizer é que este livro acolhe bem, nó Brasil, a obra de Sartre. Para mostrá-lo, cabe situar, mesmoque suma riamente, essa acolhida ao fio da história recente. Quando Sartre passou pelo Brasil, em 1960, além dos efeitos hiperbólicos que sua passagem provocou, com justiça aliás, na impren sa, houve ocasião para um diálogo com osbrasileiros que cuidavamde filosofia e, mais particularmente, de teoria das ciências humanas. Que a presença de Sartre na produção local era viva, é o que se pode notar na Introdução (e não apenasnela) da tese de doutoramentoque Fernando Henrique Cardoso consagrou a Capitalismoe escravidão no Brasil meri dional. Naquela ocasião, Gérard Lebrun dedicou um ensaio crítico à introdução do livro de Fernando Henrique, onde discutia a maneira pela qual as noções de dialética e estrutura eramaí encadeadas. Infelizmen te esse belo ensaio foi perdido e, comele, umregistro, porolhar extet no ou europeu,da presençaviva de Sartre no pensamentobrasileiro da época. Lembro, ainda, para marcar aquele tempo, uma longa resenha da Crítica da razão dialética, feita por Gerd Bornheimnas páginas de O Estado de S. Paulo. O mesmo Gerd Bornheim que, mais tarde, con sagraria outras páginas aofilósofo, Ly LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO Não terão sido apenasesses ossinais do efeito do pensamento dedartre entre nós, nemtalvez os mais importantes — são apenas aquelesque a minha memória desarmada registra no momento. Porque o queimporta sobretudovincar é a mudança dos tempos. Trinta e cinco anosdepois da passagemde Sartre pelo Brasil, é um outro autor que aparecepara nós — mais distante, é claro, mas também,talvez, mais próximo.Mais distante, porque hoje é mais difícil ser sartriano, ou utilizar dire-ta 6 ingenuamente os instrumentos de pensamento queele forjou. Maispróximo, sobretudo, porque hoje é menos difícil compreendersua obra,porque podemos começar a compreendê-la como obra clássica — comouma obra que nãocarece de verdadeliteral ou imediata para impor-seà quempretende pensar a filosofia, a cultura e à sociedade. Mas é apenas graças a trabalhos como o de Luiz Damon, quecontribui fortemente para a análise da origem e da gênese da ontologiafenomenológica (lançando luz sobre essa expressão aparentemente pa-radoxal), que a obra de Sartre começa novamente, mesmo se à dis-tincia, a aproximar-se de seus leitores atuais, deste como de outrospaíses, e INTRODUÇÃO i í stré realizaESTE texto é fruto de uma pesquisa, em nível de mestrado. e 1 a i Universidade de 5:ilosofia da FFLCH dada no Departamento de F dadode ição é : os acompanhar à!odesta: nele, procuram doaPaulo. Sua ambição é m ompanher area cessivas fases do pensamento de Jean-Paul Sartre, des de euapr A 5 ; € »” 170) , í i | a do ego, até O ser dilosó sobre a transcendênciobra filosófica, Ensaio idênc pa nada. Não. certamente, descrever a segiiência de tema s e pr l € maes i ão em especial: a leitumjetivo é focalizar uma questão ndonosso objetivo é antes a sartriana da fenomenologia. Procuramos mostrar como essa leit a se alterando ao longo do tempo, sofrendo revisões e comp emen o º ] ópria e ana. O debitee, simultaneamente, constituindoela própria a obra sartriana q date rmanente com Edmund Husserl de início e depois com o He içã junto dotra balhode Sartre;i á i só dar feição ao conjuntcHeidegger deverá por si só até esse período. | co cãod o É certo que nesse debate Sartre adota por vezes a posção 7 É epois é ivediscípulo. Ele será “husserliano” até 1938, depois, quando1 . RA E ncoar lhe pei esgotado” Husserl, sofrerá a “influência” de Heidegger, o que lhe | - ssim, no pémitirá superar o antigo mestre (Sartre 39, pp. 224 230). A none íodo husserliano, limita-se a desenvolver umapsicologia que e da j a de sserl, E ssa figura da “ciência fundante”, a fenomenologia pura de Husserl. 1] a E | inar com a imagem clássica dede “discípulo” não parece contudo combinar com a imagemc o artre é iscÍ 's tradic ionaisSartre. E, de fato, ele tampoucoé um discípulo nos moldestr a i '+35 € . = 4 , “ «É e da a " ar 4 o Os. rol Dointerior mesmodapsicologia procurará reordenar cont y ro ganizá-los, conforme seu objetivo; mas reivindicará a influénci: : O LUIZ DAMON SANTOS MOL FTINHO alemães, enquanto desenvolve aquela psicologia. Haverá contudo ummomento — aí terá fim a figura do discípulo — em que nosso autor faráà passagemdo planodapsicologia ao da “ciência fundante”, o terrenoda fenomenologia pura em que se colocam Husserl e Heidegger. Essapassagem se consumará quando o pensamento de Husserl pender para o “idealismo”. Procuramos acompanharnosso autor até o momento em que essapassagem se consuma. A explicação integral para ela — é o que nosparece = está no conceitode contingência. Quando Husserl adota a teseidealista da “constituição de ser”, rompendo com a possibilidade deseafirmar a dupla contingência (da consciência e do ser do mundo), im-poe-se a Sartre a necessidade de reescrever à fenomenologia pura. Daípor que este texto se encerra com a análise da Introdução de O sere onada: é nela que Sartre esclarece o equívoco idealista de Husserl, mos-trando a impossibilidade da constituição de ser. Deixamos, portanto,vosso autor no momento em que ele mostra a necessidade de seredimensionar o plano da fenomenologia pura, no momento em queessa fenomenologia começa a ser reescrita, na sua porta de entrada,quando tivermos mostrado o restabelecimento do verdadeiro ser daconsciência e do verdadeiro ser do mundo. E quando, paralelamente, omtsenal teórico de Sartre estiver inteiramente pronto, já que o filósofotora vencido as dificuldades mais sérias para desenvolver uma verda-deira “ontologia fenomenológica”. Para dar conta doestabelecimento desse arsenal teórico, mostrando,desde o início, a constituição progressiva da obra sartriana, começamospela análise do primeirotextofilosófico de Sartre, o curto Ensaio sobre4 transcendência do ego. Depois, recorremos a um texto literário, Anemsoa, que Sartre, um pouco analogamente a Platão, supunhaser umbom veículo para “verdades e sentimentos metafísicos”. A náusea apa-rove como uma espécie de “duplo” do Ensaio sobre a transcendênciado ego, duplo literário que dá prosseguimento e avança alguns temasabordados no ensaio, Depois, passamos aÀ imaginação e O imaginário,textos concebidos como duas partes de um mesmo livro: a primeira,“crítica”, em que são passadas em revista algumas teorias da imaginação,e a segunda, “científica”, em que Sartre desenvolve uma psicologia tonomenológica da imaginação. São dois momentos importantes da obrasutrana, que, junto como Esboço de umateoria das emoções, revelamHo som Bartro psicólogo, mas as dificuldades que desse plano elelocaliza na tonomenologia de Husserl e Heidegger, Daí sua importância INTRODUÇÃO para nós. Depois disso, sempre em função derevelar, através o tur sartriana da fenomenologia, a constituição de uma obra, aborc ame | , diários de guerra, primeiro esboço do que virá a sei O ser o nada Nos diários, é possível verificar, numato de voyeurismo, à apar im e dos conceitos, suas primeiras roupagens, suas dificulda: é b, eus obstáculos, as soluções encontradas, Certamente, não6 uma pi qu A vantagem ter diante dos olhos a revelação explícita cos ondaMae à encontrados pelofilósofoe as reflexões, não para ( ortá Os : o! Eno bárbaro alemão, mas para desatá-los. Por fim, analisamos é x E ' , nada. E detemo-nosna Introdução, certamente, onde o autor mou superado as dificuldades que por uma década molIvai amTN e onde portanto se abrem as portas para umareconst Ituiç no , ou fenomenológica”. Mas não só na Introdução; afora a guns Po o esparsos, dedicamo-nos ao capítulo sobre o corpo, analisar õ . " com A náusea, pois no corpo se condensa o segredo das singulares experiências de Antoine Roquentin, I CONSCIÊNCIA E EGO |- REVISÃO DA PSICOLOGIA: A PERSPECTIVA CRÍTICA E À FENOMENOLOGIA EM outubro de 1933 (Contat e Rybalka 5, p. 25), Sartre pa rte pata Berlim com um objetivo: estudar o pensamento de Husserl. Lá de veria permanecer nove meses, como bolsista do Instituto Francês, substitia indo Raymond Aron. Conhece-se o famoso episódio, descrito po t mone de Beauvoir, no qual Aron, num café em Paris , fala a Sartre de fenomenologia: “Estás vendo, meu camaradinha,se tu és fenomenolo gista, podes falar desse coquetel, e é filosofia” (Beauvoir 1, p. 138) Esse encontro foi a circunstância que levou Sartre a Berlim. Ar on 6 teria convencido “de que a fenomenologia atendia exatamente às SU AS preocupações: ultrapassar a oposição do idealismoe do realismo, a lii mar a um tempo a soberania da consciência e a presença do mu ndo, tal como se dá a nós” (id., ibid.; grifos nossos). À parte o anedótico da lembrança de Beauvoir, é preciso notar que, se “Sartre empalideceu de emoção, ou quase”, às palavras de Aron foi porque este lhe apresentou umafilosofia já constituída que vinha ao encontro de suas preoc upa ções e que lhe permitiria “superar as contradições que O dividiam en tão”(id., ibid., p. 188). Era ao conceito de intencionalidade que aludia Aron,efoi nele que Sartre enxergou novas possibilidades. Segundo as memórias de Beauvoir, na Páscoa de 34, ainda bolsista do Instituto Francês, O jovem 4 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO Dono! a pussa as férias emParis e fala-lhe exatamente desse conceito. | a e art vislumbra nele, lembra Beauvoir, é a liberação total da oa esmeEpulsÃo daqueles “conteúdos de consciência”quea fi- Adgiiade Nica francesa preconizava e, por consegiiência, o fim de Ida interior”, da qual “sempre tivera horror”: “Tudose situava tora, as coisas, as verd; | As Coisas, as verdades, os sentimentos, as significações e o pró- MIO CU; = 4 "Ss ieti ; prio eu; nenhum fator subjetivo alterava, portanto, a verdade do mundo.2tal qual se dava a nós” (Beauvoir1, p. 188) n A jmtencionalidade deverá representar o fim da “filosofia alimenroda o foodigestivar “Todos lemos Léon Brunschvicg, André ande cam CAPeron todos acreditamos que o Espírito-Aranha Ce as dosto para sua cia, as cobriade uma baba branca e lentamen- eglutia, re Zta-as à sua própria substância. Que é uma mes: um ros hedo, umacasa? Um certo conjunto de “conteúdos d jen eia, uma ordem desses conteúdos” (Sartre 40 p. 29) Já nãodeverá haver mais representação como imagem ou signo da coisa es a tem. por, À representação, tal como o Eu, implica a “vida inte jar”dequefala Bi unschvicg, e que Sartre sempre desejou expurgar do c: do da imanencia, Liberada assim a consciência, via intencionalid: de,Sai ose impos de imediato, ainda segundo Beauvoir uma árd a tá efaacovisão de toda a psicologia. Não é outra coisa o que eleprocuraráan m pnprimeiro texto filosófico publicado, escrito ainda em 9 Ensaio. obre a transcendência do ego. “Revisar toda a psi-oblogia”: na verdade, esse curto ensaio não tem todo esse fôlego: l Éantes o começo dessa tarefa. Sartre procurará nesse texto a en “o .ar uma teoria do objeto psíquico” (id., ibid. p.317) isto É fi lda montar o psíquico, objeto da psicologia!. e ND 6 findaem oralerumentaçãoéfeita a partir do conceito deconsciência in-foton! se-à que para Sartre a expulsão dos “conteúdos de cons-cirhoia, à recusa de umEuhabitante da consciência, de toda f ida inter lor ”, são decorrências necessárias impostas pelo conceito de enc f £ a (GA paEsse trabalho de limpeza precederá aquele de àydo. ie Constitui propriamente a parte negativa da obra, to O o E 1 HE à * Do “NC à MJLICO ki val dept O nómo | l EÊ Je c b eto CS 4 i Jele pi isamente Í ( que, sea consciência C un vazio lo é t ) É I ) one cia, mas d Cl cremo ( , im sor do Hiun lo É Í la remos 1 ) Nu da « , ;é , 5 para YV S ss CONSCIENCIA E EGO onde, fazendovigir a idéia de consciência intencional, Sartré recusar a presença de qualquer conteúdo no interior dessa consciênc ia guir, estabelecido o vazio do campoda imanência, buscará e ntão fun damentar o Ego transcendente e, comele, todo o campo do ps íquico: O Ensaio sobre a transcendência do ego nãoé portanto umte xtóde pal cologia, na medida em que não se visa nele ao sentid o do psíquico, trata-se antes de fixar o seu ser, ou, se se quiser, a maneira pela qual'o psíquico é constituído. o Porquevisa a essa constituição, Sartre procura tornar clavóp d e tm cio, a perspectiva em que ela pode ser pensada. Daí por que , atites de Husserl entrar em cena, nosso filósofo ajusta as contas com O ne okan tismo francês, que, numa perspectiva crítica, procura igualment e pela maneira segundo a qual o transcendental constitui o empíri co, À pers pectiva crítica não é boa, dirá ele, pois o transcendental kantianó ido e um transcendental constituinte. Visá-lo nessa perspectivaé sul venter a questão crítica,já que o problema de Kanté apenas o de “detertnima r is condições de possibilidade da experiência” (Sartre 36, p. 14). O trans cendental é aqui um conjunto de condições lógicas, não uma co nscren cia real: “A consciência transcendental é somente para ele [Kant] o conjunto das condições necessárias para a existência de uma co nseien cia empírica” (id., ibid., p. 15). Os neokantianos realizam e ssas condi ções, tomám o transcendental comofáto absoluto, quando procuram ui pela constituição do Eu. Exatamente por isso; colocam-se “em um pon to de vista radicalmente diferente do de Kant” (id., ibid.)?. Mas se os neokantianos subvertem a perspectivacrítica é precis a mente porque a constituição do empírico (ou do psíquico, na termito logia sartriana) sópodeserpensada a partir de uma consciência réu, fatoabsoluto; otranscendentalpensadono plano puramente formal ni si podeconstituir, como é o caso do transcendental kantian o. O erró do neocriticismo é procurar no kantismo o queele não pode of erecer, isto é, a resposta ao problema da constituição do Ego. Isso levará 65 neokantianos ao equívoco de conceber aquele transcendental “como um inconsciente” (id., ibid., p. 14), dé vez que, entendido como cons ciência real, está para além da consciência empírica. É comose a afit mação de que a consciênciatranscendental tem apenas uma pre-ex t 0 so 2. Sartre apóia sua leitura de Kant em Emile Boutroux (A filo sofia de Kant) ty pLUIZDAMON SANTOS MOL JTINHO tência lógica não bastasse; conforme observa P. Lachiêze-Rev. “ isamenteporque é consciência, ela não poderia comportar sóessapré.FopresentaaPreexistência lógica não podeser aqui senão um mododepres ação para umareflexão que procede por umaanálise raci ;mas, ao termo do processo, a idéia de uma consciência supostadeveDD oituída por uma consciência efetiva; como teria ditona den CAIcOizer a prova “(Lachitze-Rey 19, p. 449). Entre-empire sei ncia tornadaefetiva nãoseria tal comoa consciêncianpír à, consciente de si: seria real, porém inconsciente... S ivio cora reencontrada progressivamente pelo eu empírico: esseteriaaPap: de Fiontrar conscientemente O que a consciência transcen-Cida id AD) tormente ou faria eternamente no inconsciente” Ó po * parti ã á pol rcadds ontode Partida não será pois o sujeito kantiano, já que este éRPASLInA - pa tir ele, não é possível resolver o problema quenp end ca nesse pequeno texto: a constituição do Ego..Ele não éTN la de sl à si não é o verdadeiro absoluto; ele é antes ond, e puma consirução, o que significa que ele tem o seu ser medi-Rap 9 can cimento;é O significado mais profundo do idealismo:nantes a pedido pelo conhecimento”, “há apenas ser conhecido”(ue boPorque a subjetividade é recuperada e construídaonntltuida o oPr 5,Isto é, buscar-se-á “interrogar as ciênciasDORTipar anda» a título de condição de possibilidademotos (iddo TooSse caso, o pensamento (ou a subjetividade) sedonoMravés d seu: próprios produtos, isto é, nós apenas o apreen- 10 à significação de pensamentos feitos” (id., ibid.). Há ium primado do conhecimento que éaregraea medid nãbuscaasubjetividade! Precisaria, diz Sartre, fundar o pró rio erdoSo( mento, que aqui aparece como um dado (id., ibid, p 17) soorienta4 Wirapassar o terreno da epistemologia único di; : ironia,conhecido da filosofia francesa” (idem 40 p 29) NoutraspalavrasPp. . avras, deve ae abandoi ar "im: i lar O pi imado do conhecimento e atingir o ser, absoluto 4» |que deve cundê lo; essa é a questão que se impõe ao idealismo, noercosantianos. Se a subjetividade é mero construto lógicoo 00 junto de condições de possibilidade da experiência nãopRoopepela constituição real de um Eu empírico.o tiruto Táia se Uscar uma subjetividade concreta, não um 160, Acessível a cada umde nós, É então que Husserl apa: CONSCIÊNCIA E EOO rece: “Se abandonamostodasas interpretações mais ou menos for ças que os pós-kantianos deram ao “Bu penso” e entretanto queremos tosol ver o problemadaexistência defato do Euna consciência, encontramos no nosso caminho a fenomenologia de Husserl” (Sartre 36, p. 16). H — OBJEÇÕESAO EU FORMAL HUSSERLIANO A A primeira parte do Ensaio sobre a transcendência do ego, com o dissemos, é negativa. O problema da constituição do Ego só será enfrentado quando se tiverem recusado as teorias que afirmaiuma presença do Eu, formal ou material, na consciência. A intencionalidade será aqui a chave que liberará o campo da consciência, para então se reconstituir o psíquico. E Husserl, que parecia ser o patrono dessa empreitada, é paradoxalmente o primeiro a ser alvo de objeção: é que, em Idéias, Husserl ressuscita o Eu transcendental ausente das Investigações (id., ibid., p. 20). Isto soará para Sartre como uma infi delidade ao conceito de consciência intencional. Assim, as objeções a Husserl se valem de noções que Sartre inlei preta como sendo de Husserl mesmo; tratar-se-á apenas de repor 0 ver dadeiro conceito de consciência adulterado com o ressurgimento do Ju transcendental. E, para isso,ele procurará mostrar, de início, a inutil dade desse Eu ressuscitado, na medida em que os conceitos centrais da fenomenologia dele prescindem; depois, procurará mostrar que, nndis que inútil, o Eu de Idéias é nocivo e “ameaça pôra perder” (...) “todo s os resultados da fenomenologia”(id., ibid., p. 26). Por que um Eu transcendental é inútil? Porque o papel “ordinário conferido a ele é realizado, na fenomenologia, pela própria conseién cia. Esse papel — a realização da “unidade e individualidade da conscién cia” (id., ibid., p. 20) — pode ser explicado a partir dos conceitos de consciência intencional e consciência em fluxo, semque seprecise recor rer à hipótese inútil de um Eu. A consciência se define pela intencionalidade,diz Sartre(id., ibid, p.21); ela é “o princípio essencial da fenomenologia”, o quelhe permi te, já no Ensaio sobrea transcendência do ego, anunciar o seu re frão preferido: “Toda consciênciaé consciência de algumacoisa”(id. Ibid,, p. 33). O objeto implicadopela consciência intencional, e que aparecia o! :LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO SOMo unas “das c CIânoi K : de, tida por S: ee ir é “cessidade de um Eu que forje essa unida- pentação Cimaécomo real”, Se, aocontrário, reafirmamos a repre transcendental enduan ou S1gNO da coisa espaço-temporal, talvez o Eu necessário; nesse caso,05 conteide subjetivo de unificação, torne-se ua nodade real”: a “unidade”seria aquiredutível àconscienai atória, de ve; » ce tro ne um princi o aa due se trata de representação, por ondese exigiriaafirma: PA DAe unificação.É o que Sartre parece dizer quando s0mo é somarei dois dei consciências ativas pelas quais eu somei, “dois e dois fazem uat x para fazer quatro é o objeto transcendente áéria impossível conseumacoapormanência dessa verdade eterna o edutiveis quantas consciências operatório”(SertãoSÉidos um, O obje , , » P. - AAS- ão Eu unificanteMamedidoanet, torna desnecessário o recurso elo já é aquela dad i pe que é verdadeiramente transcendente, das consciências: “O obie & Por isso mesmo, a unidade não forjada apreendem eé nele | Jeto é transcendente às consciências que o Esta solução é que y encontra sua unidade” (id., ibid., p. 22). tendente real, não de um oparcial; ela fala apenas da unidade trans- dh em queétranscende PUNCPio imanente. A unidade real, na medi- do er nidade unificado “e não representação, exclui a possibilidade av consciências. Impõe-se DoisIDRa ded ca própria nã unificadlbábias e da sidade de umasíntese da - clas ora susceleldoo resma de que “o fluxo contínuodas consciên- bol DP, Um princí io | por o objetos transcendentes fora dele” (id. Ialis andlogo : Pio imanente não significará entretanto um pólo-su- det dus) no Pólo-objeto? Nãosignificará um idêntico, um perma- nufvito, a o samente seria o Eu transcendental? Se não é um pólo- letraas Fio o poe operar a síntese das consciências? Aqui, Sartre qoes de Husserl para afirmar que é a própria consciência +. O mov imonto aqui é análoantogo ao que deverá nrrar nada: também erá ocorrer na Introduçã! all. sob à ávide a , ução de O s vas objoçhea contra H | égide do princípio de intencionalidade, Sartre erguerá 1. ais à Husse SA VEZ C ro dd à No- reafirmadia iúito a verd a! (dessa vez contra o nóemairreal), € tambémali or SÊ i úviri O dadeira transcendência do objeto (do ser) qu: ; ão dum ansfenomenais”, CL cap, 4, Vile VII É Iuantoa da cons-é + e CONSCIENCIA E tuts ty mesma e concretamente por um jogo de intencionalidades “transversais”, que são as retenções concretas € neais das consciências passadas” (Sartre 36,p. 2 2), modopelo qual a consciém cia se constitui como fluxo unitário. Ali, Husserl teria ensinado, que; embora possa parecer chocante, é o fluxo daconsciência que constitua sua própria unidade (Husserl 13, pp. 105 -106). É da maneira mesma pela qual os vividos se reúnem, fun dem-se em unidades mais vastas, SC unificam, que a “unidade da consciência s e encontrajá constituída sem que seja necessário, por acréscimo, um pri ncípio egológico (Ichpriniip) próprio suportando todos os conteúdo s e unificando-os uma sepunda vez. Aqui como alhuresa função de um tal princípio seria incomprecn sível” (idem 15, p. 153). Assim, nem do lado do transcend ente, que é unidade real, não te presentação, nem do lado do imanente, que é fluxo auto-unificátito, não fluxo unificado, o Eu transcendental p arece necessário. São OS pro prics conceitos da fenomenologia que o tornam inútil, desde, é ela: que se aceite ter o Eu aquele papel assina lado, afirmação quediga so de passagem, Sartre não credita a Husserl. Na verdade, nenhum pap el é assi ralado diretamente ao Eu de Idéias. S artre apenas aponta, náieto mada desse Eu, “preocupações metafísic as ou críticas que nada tom que ver com à fenomenologia” (Sartre 3 6,p. 34). Talvez por conta des sas “preocupações críticas” de Husserl , nosso autor trate logo de des mantelar o papel do Eu tal como ele é entendido “ordinariamente” (ld, ibid., p. 20), leia-se, pelos neokantian os. “que se unifica a si B Entretanto, não basta mostrar o Eu como hipótese inútil, realizando ue a própria consciência desempenh a. Mais que isso, um trabalho q fenomenologia; noutias preciso mostrar que o Eu é nocivo e ameaç a a palavras, buscar-se-á agora fixar os danos c ausados pelo Eutranscen dental, e isso se fará apontando a deturpaçã o que ele causa no campo da consciência. Segundo Sartre, “após ter considerado o Eu com ca e transcendente da consciência (nas Invest igações nas Idéias, à tese clássica de um Eu transcend ental”(id., nas Investigações Husserl recusa O eu puro, entendido como aciona, de maneira completamente qfipi (Husserl 15, p. 159). Num o produção sintéti ), Husserl voltou, ibid.). De tato, “ponto, de referência unitário aoqual serel nal, todo conteúdo de consciência como tal” sa 50 ;LUIZ DAMON SANTOSMOUTINHO texto em que cita Paul Natorp, objetando-lhe, isso fica ainda mais cla-ro. O Euaparece para Natorp como “centro subjetivo de referência”sem poder tornar-se conteúdo, “rebelde a toda descrição”: “Tod presentação que poderíamosnos fazerdo eu faria dele um objeto Manós Jácessamos de pensá-lo como um eu quando o pensamos comoobjeto” (Husserl 15, p. 160). Ora, “por impressionantes que sejam e - ses desenvolvimentos”, diz Husserl, “não posso, após madu fe.xão, dar-lhes meu assentimento”(id., ibid.). A objeção ue se gue éde nat ureza muito diversa da que fará Sartre no Ensaio sobre atran -cendência do ego ao próprio Eu husserliano ressuscitado E Segundo Husserl, não há sentido em se falar de um “fato fund mental da psicologia”, se não podemos pensá-lo, e para pensá-loé --cessário fazer dele um “objeto”. Nãose trata de um conceito estreit de objeto, sem dúvida, mas ainda assim se trata de objeto: “Do mesmo modo que a orientação da atenção sobre um pensamento, umasensa ão [...] faz desses vividos objetos de percepçãointerna sem por isso fazer deles objetos no sentido de coisas, igualmente o centro de referência que é o eu e toda relação determinada do eu a um conteúdo seri também, enquanto observados, dados objetivamente”fid., ibid. 161). Não há aqui Eu rebelde à descrição: ele, como tudo o mais | od dado objetivamente”; não é, pois, “centro de referência” PoEe de Entretanto, já em Idéias, Husserl muda sua posição; afirma ali t tomado nas Investigações uma posição “cética”: “Nas Investi a ses lógicas adotei na questão do eu puro uma posição cética que não mude manter com o progresso de meus estudos” (idem 11 p. 190) Igual. mente na segunda edição das Investigações, em nota acrescentada à primeira edição, volta a afirmar que aprendeua encontrar o eu primiti- vo, enquanto centro de referência necessário, “ou antes aprendi que a pente não precisa se deixar reter, na apreensão pura dodado elo t mordecair no excesso da metafísica do Eu” (idem 15, p 161) 'g ndo Husserl, na evidência mesma do cogito o Eu é apreendido: ieessa evidência [eu sou”] existe verdadeiramente como adequada - e ncia desejaria negá-lo? —, como podemos nos dispensar de admitir um Eupuro? Este é precisamente apreendido na realização da evidência c - to, essa realização pura o apreende eo ipso de uma maneira fenomenologicamentepura e necessariamente como sujeito de ' vido “puro do tipo “cogito”” (id., ibid,, p. 157). o e | Seguramente a esse Eu não cabe o papel de unificar as consciên- cias. Uma vez executada à redução, contudo, ele aparece; não como CORSCIPNCIA PEGO um vividoentre outros, nem como um fragmentodevivido; entret anto, “ele parece estar aí constantemente, mesmo necessariamente”; e le pertence a todo vivido; enquanto esses passam, ele permanece idênti co, e essa identidade “que ele conservaatravés de todas as mudanças reais e possíveis dos vividos não permite considerá-lo em nenhum, séi tido como uma parte ou um momento real (reelles) dos próprios: vivi dos” (Husserl 11, p.189). Noutras palavras, nenhuma reduçãop ode su primir o “puro” sujeito do ato: “O fato “de estar dirigido para”, de estar ocupado com”, “de tomar posição com relação a” [...) env olve necessariamente em sua essência de ser precisamente um raio que “eita na do eu””(id., ibid., p. 270). Enquanto não é momento real do próprio vivido, forçoso é conclui que o Eu transcendental (“transcendência no seio da imanência”) (id. ibid., p. 190) não podeser considerado como “para si”. Quantoà desen ção desse Eu, na medida em que ela incide sobre um “raio”, incide não sobre um algo, mas sobre uma maneira: “Se se faz abstraç ão de sua “maneira de se relacionar” ou “de se comportar”, ele é abso lutamente desprovido de componentes eidéticos e não tem mesmo nenhum conte do que se possa explicitar” (id., ibid., p. 270). O raio do “olhar” varia portanto, enquanto o Eu permanece idêntico, no sentido de que ele pet tence a todo vivido, que vem e passa. As descrições a que se presta O Eutratam pois, precisamente, das “maneiras particulares pelas quaisele é emcada espécie ou modo do vivido o Eu que os vive” (id., ibid., p. 271): C Ora, que problemas Sartre vê nessa concepção do Eu? Que danos podeele causar à consciência? Segundo nosso filósofo, o Euseria pata | Husserl estrutura formal da consciência (Sartre 36, p. 37), não como | para Kant, evidentemente, mas ainda assim estrutura formal. Entretat / to, se a fenomenologia é científica e não crítica,isto é, se a consciência ” aparece aí como fato, não como um conjunto de condições lógic as, torna-se para Sartre um equívoco falar no Eu comoestrutura formal: “O Eu, com sua personalidade, é tão formal, tão abstrato quanto se supõe, como um centro de opacidade. Ele é para o Euconereto € psicofísico o que o ponto é para as três dimensões: é um Eu infinita mente contraído” (id., ibid., p. 25). Entendamos: o Eu formal, “trans cendental”, nada mais é que uma “contraçãoinfinita do Eu material” (id., ibid., p. 37). Simplesmente porqueseo transcendental é fato, não 14 éLUIZDAMON SANTOS 'MOUTINHO princípio lógico, o Eu é da mesma ordem,isto é, material e não formalDaí por que o Eutranscendental implica opacidade: é que se trata d um Eu material contraído. Isso explica por que a sua presença na consciência implica dano: aopacidade do Eu rompe com o princípio da translucidez da consciên- cia. À consciência, diz Sartre, é translúcida, isto é, não há nela germe de opacidade: “Tudo é claro e lúcido na consciência: o objeto está e face dela com sua opacidade característica, mas ela, ela é pura e si qplesmente consciência de ser consciência desse objeto é à lei de suaexistência” (Sartre 36, p. 24). Já o Eu, por seu lado “não é claroe translúcido para si mesmo,ele se apresenta como realidade cujo “c -teúdo” (psíquico, pois que se trata de um Eu material) exige desenvol.vimento. Essa opacidade, se afirmada como presente na consciência,destrói o princípio segundo o qual a consciência é fenômeno, isto é, nela “ser” e “aparecer” são um e o mesmo. É por isso que se o E : tornadoestrutura da consciência, ele a transforma em “mônada” o .na-a “obscura”, substancializa-a. E poraí rompe o que para Sartreseconstitui como o ponto básico da fenomenologia. o D Dizer que o Eu formal é na verdade material equivale a dizer que ele é não transcendental, mas psíquico. Ou, por outra, equivale a dizer que, de mera forma, ele torna-se um Eu cujo único sentido são seu conteúdos psíquicos. Mas de onde vem que à perspectiva científica umEu transcendental é impossível? De onde vem que ele se reduz a ser mera contração de um Eu material e psíquico? Sartre deverá mostrá-lopela descrição da consciência, na qual o campo transcendental deverá aparecer puro, e o Eu como sendo de outra ordem precisamente a or-dem dopsíquico. Mas há de início uma dificuldade para operar essa descrição:ela só pá de se dar reflexivamente. Por conta disso, impõe-se uma descontian a:Nãoseria precisamente o ato reflexivo que faria nascer o Eu na cons.ciênciarefletida?”(id., ibid., p. 29). A modificação que sofre o vividoao tornar se refletido, não seria essencialmente a aparição do Eu, ist 6,9 vivido comovivido de umEu? Essa desconfiança se impõe uandopercebemos, na reflexão, que aquilo que é afirmado diz respeito à cons- clência refletida, não à consciência reflexionante. Dá-se o mesmo no Eu penso”, isto é, o pensamento aí afirmado é0 da consciência refle- COPSCUNCIA DOOU tida. Ora, se é assim, estamos no direito de perguntar se ocorre o mes mo com o Eu, ou, noutras palavras, “se o Eu que pensa é comum às duas consciências superpostas ou se não é antes o da consciência reflé tida” (Sartre 36, pp. 28-29). Sartre se recusa aqui à “evidência” “eu sou”, mas não apenas porqueela poderia implicar umasubstancialização da consciência, mas antes e principalmente porque o termo“eu” parece encontrar conteúdos assimiláveis nos limites da consciência refletida, o quesignificariadizer que ele é uma criaçãodareflexão. A mera possibilidade disso impede-nosde recorrerà reflexão .Más haveria outra maneira de visarmos à consciênciairrefletida que não reflexivamente? A questão aqui se resume aisso: há a possibilidadede que o Eu apareça apenasà reflexão, pertencendo assim à consciência refletida; se visarmos à consciência reflexionante, ela por sua vez tor nar-se-á refletida, e o nosso problema permanece. Assim, como atingi a consciência irrefletida enquanto irrefletida? Evidentemente, visar, à consciência presente é refletir, o que nos força a apelarpara as consciên cias passadas. Mas visar às consciências passadas sem pô-las teticamente! Sartre chama a isso “lembrança não-reflexiva”!, O quea torna possível é o fato de que toda consciência, “sendo consciência não-tética de si mesma, deixa uma lembrança não-tética que se pode consultar” (id., ibid., p. 30). Trata-se da lembrança de uma consciên cia, sem que essa lembrança ponhaessa consciênciateticamente, Pos so apelar para ela na medida em que dirijo minhaatençãopara os “ob jetos ressuscitados”, sem contudo “perder de vista” a consciência em questão, “guardando com ela um tipo de cumplicidade e inventariando seu conteúdo de maneira não-posicional” (id., ibid.). Se o faço, diz Sartre, o resultado não é duvidoso”: “Enquantoeulia, havia consciên cia do livro, dos heróis do romance, mas o Eu não habitava essa cons ciência, ela era somente consciência do objeto e consciência não posicional de si mesma”(id., ibid.). Evidentemente, essa operação sugere de imediato que há aqui uma oposição indevida e uma má escolha: estou opondoa reflexão, que ga 4. Há um erroda edição (ou talvez dopróprio Sartre). Num momento, aparece o termo “souvenir non-réfléchi” (Sartre 36, p. 32) e, noutro momento, o termo “souvenirs non réflexifs” (id., ibid.) quando designam na verdade uma mesma operação, O erro está na grafia daquele primeiro termo, que deveria ser “souvenir non-réflexif” 5. Na verdade, é duvidoso sim, comoo próprio autor admitirá mais à frente Ha LUIZDAMON SANT Ja MOUTINHO rante a “certeza absoluta”, e na qual aparece o Eu, a uma apreensãonão-reflexiva e oblíqua de uma consciência por outra, na qualo Eu não brança não-reflexiva: é que, desde que procuro restituir consciênciasescoadas, já estou no terreno da lembrança, e, reflexiva ou não, ela ésempre duvidosa. Não há aqui oposição entre o certo e o duvidoso. E E Essa operação, contudo, não pode nos garantir que a ausência doEu na consciência é uma evidência apodítica e adequada. Mas elatrazuma consegiiência fundamental: a de preparar o terreno para a práticade um tipo de reflexão, chamada Pura, que será a responsável pelaliberação definitiva do campo da imanência.A reflexão, diz Sartre, nãoé um poder misterioso e infalível, ela tem “limites de direito e de fato”(Sartre 36, p. 45). Na medida em que ela põe uma consciência e selimita a essa consciência, “tudo o que ela afirma é certo e adequado”.Assim, não erro quando, sentindo repulsão e cólera à vista de Pedrodeclaro: “Experimento nesse momento uma violenta repulsão porPedro”. Dizendo isso, não ultrapasso os dados de minha consciênciarefletida, isto é, não ultrapasso o meu vividos.Entretanto, um sentido transcendente aparece como unidade dasconsciências coléricas, como unidade transcendente: o ódio. Nessemomento, se me volto para o ódio, muda a hatureza da reflexão (parareflexão “impura” ou “constituinte”), e muda porque me dirijo agorapara o sentido transcendente constituído através do Erlebnis, e não paraO Erlebnis imanente. Nessa mudançaestá implicada uma “passagem aoinfinito”, já que o ódio aparece como não se limitando à consciência mma 6. No Ensaio sobre a transcendência do 80, não aparece o termo “vivido” (vécu), mas o original alemão (Erlebnis), não traduzido. Sartre só o traduzirá em A imaginação. CCI DICIA LEGO instantânea derepulsão, mas como unidadede uma infinidade dedons ciências coléricas, presente e passadas. O ódio apareceatra o o periência de repulsão, ele se dá “em e por cada movimentodeé Ro to, de repulsãoe de cólera, mas ao mesmo mponãoéneo Ros escapa a cada um afirmandosua permanência (Sartre ? E n r do sa medida, o ser do ódio não coincide com º seu parece 4 io bastante para afirmar que ele não é da consciência.Ta comooa se revela através de perfis, igualmente o ódio, (ambémunid e ni cendente, se revela através de aparições: as repulsas,có eraseba com uma diferença básica: o ódio só aparece à consciênciae já que ele é unidade sintética transcendente deOoai VA Ora, na liberação da consciência outra coisa não. arí qu Nos praticar a reflexão pura, devendo portanto ater-se emao | , na dados da imanência. É por onde nos asseguramos das evi cnciased ca e adequada. A diferença assinalada entre a imanência eos no transcendente (vivido de repulsão e ódio) deve repetir-se agoraq . consciência e Eu. É essa reflexão que está implicadana 0] era a verdadeiro cogito. A descrição do cogito, diz varre, most quam apreensão de uma consciência por outra se dá sem porO “ Já o objeto espaço-temporal se dá através de uma inaAR pectos. De outro lado, as verdades eternas afirmam suart o dono! na medida mesma em que se dão como ,independentes ó o ipa a quanto a consciência é rigorosamente individualizada na ó ur ção E questão que se põe é: operada a reflexão pura, hálugar para entre os dados da imanência? Não, “o Eu nãose dá como um nom concreto, uma estrutura perecível de minha consciência atuail: n pp. 33-34). Ele se dá como permanente, comotr inscençel vaia conclui que ele não é da consciência. O Eu, tal como0 ód 1ox está a além da imanência; ele aparece, mas aparece como u anscer ente na exata medida em que aparece como tal queele é nãotu insoer na , mas psíquico. Ou seja, se tomadaa consciência na perapeciva cent fica”, isto é, comofato absoluto, o Bu transcendenta se reo Decor sariamente em Eu material, e pela simples razão de que,al ad apareça à reflexão, ele aparece para além da consciência. tá LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO HW- OBJEÇÕESAO EU MATERIAL Tendo mostradoque o Eu nãoé “habitante” da consciência, mas, ao contrário, transcendência, impõe-se mostrar a constituição dessa trans- cendência e, concomitantemente, o sentido do transcendental constitu- inte. Antes, porém, é preciso completar o trabalho negativo de libera- ção da consciência, considerando agora as teorias que afirmam uma presença material do Eu na consciência, que serão aqui as teorias dos “moralistas do “amor-próprio””, na medida em que afirmam emtodos Os atos uma“relação ao Eu” (Sartre 36, p. 38)”. Se socorro Pedro, esse ato esconde um estado que permanece na penumbra: é um estado desa- gradável em que me encontro à vista dos sofrimentos de Pedro, causa | do meu socorro (id., ibid, p. 40). O Eu é aqui o pólo de atração de nossos desejos, ainda que seja inconsciente. O equívoco dessa tese é a confusão inicial que ela estabelece entre atos reflexivos e atos irrefletidos, “erro frequente dos psicólogos”(id., ibid., p. 39). Essa confusão se manifesta no fato de que só se pode tentar suprimir o estado desagradável referido se ele for conhecido, e isso só pode ocorrer por um ato dereflexão: Superpõe-se aqui portanto uma estrutura reflexiva a uma consciência irrefletida, a do ato piedoso. Esse, contudo, não é o único erro; além da superposição, o refletido aparece aqui como primeiro, como original, o que constitui uma “absurdidade”(id., ibid., p. 41). Pode-se argumentar que a objeção apresentada toma o elemento superposto como consciente, tal como o ato piedoso, vindo daí que se fale em “superposição”. Mas ele pode estar “escondido” por trás da consciência, pode estar na “penumbra”; numa palavra, pode ser “in- 7. Por que os “moralistas”? Nosdiários de guerra, Sartre confessará que o papel as- sumido pelo Egono Ensaio sobre a transcendência do ego é indicativo de suaatitude:“de olhar de cimapara baixo”, de se “refugiar no alto da torre” (Sartre 39, pp. 392- 193). O Eu posto fora, “como um visitante indiscreto”, salvaguardaa “consciência-relúgio”, quepara Sartre, em 1940, já se assemelha a umaliberdade aérea, não enraizada(tl, tbid., p. 356). Falandodesi, diz ele: “Por muito tempo acreditei que não se podiaconciliar a existência de um caráter com à liberdade da consciência; pensei que ocaráter nada mais era que o bouquet de máximas mais morais que psicológicas” (id., tbied,, p. 393), O caráter assim confundido com as máximas dos moralistas, e tidocomo ameaça à liberdade, não explica bastante por que se recusará no Ensaio sobre a transcendência do ego as teorias dos moralistas do amor próprio? COPBSCIENCIA ELOS vi consciente”, Aqui aparece pela primeira vez a crítica sartriana à noção de inconsciente, Ligado de início à psicologia clássica (La Roche foucauld teria sido “um dos primeiros a fazer uso, sem noméá-lo, do inconsciente”; Sartre 36, p. 38), Sartre nãoo distinguirá porémdo im consciente freudiano: a mesmacrítica vale para ambos, O inconsciente será tomado apenas, em qualquer caso, como uma variação daquela mesma superposição, O que se busca aqui é assegurar à autonoua ta consciência irrefletida, sua “prioridade ontológica”: ela é primeira mos mo quando aparece a consciência refletida, Não há portanto estrutura auperposta, não há Eu implicado nas consciências, ainda que seja to mado como“inconsciente”. [| Ássim, não é um estadosubjetivo o que move meu desejó, mo objeto desejável; vê-se aqui o uso quefaz Sartre do conceito de inten cionalidade: a consciênciase transcende em direção ao objeto, isto vc. 0 meu desejo é “centrífugo”,lé Pedro mesmo quem me aparecé Conto “devendo-ser-socorrido”. Mais ainda, se não há Eu no plano irrellet do, se é o desejável que move o desejante, se essa estrutura se bástu, então a dor de Pedro me aparece comoa cor desse tinteiro: “Tudo Le passa como se vivêssemos em um mundo onde os objetos, além dis qualidades de calor, odor, formaetc., tivessem as de repugnante, atraét te, charmosas, úteis etc., e comose essas qualidades fossem forças que exercessem sobre nós certas ações” (id., ibid., pp. 41-42). O atraente, à umável, o terrível são propriedades da coisa mesma, não a soma de reações subjetivas: “Eis que essas famosas reações subjetivas , Ódio, amor, temor, simpatia, queflutuam na salmoura malcheirosa do Espíri to, daí se arrancam; elas nãosãosenão maneiras de descobrir o mundo São as coisas que se desvelam frequentemente a nós como odiáveis, simpáticas, horríveis, amáveis” (idem 40, p. 31), Evidentemente, essa descrição do plano irrefletido não invalida os casos em que aafetividade é posta para si mesma; se digo “tenho pena de Pedro”, essa reflexão qualifica minha ação, olho-mea agir “no sen tido em que se diz de alguém queele se escuta falando”, Nesse caso, “não é mais Pedro que meatrai, é minha consciência socorredora que me aparece comodevendoser perpetuada” (idem 36, p. 42). Isso con tudo não significa superposição de estrutura, já que se assenta apenas na reflexividade da consciência; significa somente que os sentimentos podemaparecer de início como meus sentimentos, 1h jLUIZ DAMON SANTi 15 MOUTINHO IV - A CONSTITUIÇÃO DO EGO A “ A x . . essa descrição é váli Í Todoção é válida no planoirrefletido. Na passagem para o planoda TE EsaeTA unidade transcendente das consciências refles. » ha atitude reflexiva. é aná j ida é análogo ao ob i i Medidas , g objeto na atitude irre-: Os aparecem como pól jos-objetos, com Í intéti rn , o unidadessintéticasDaor com a diferença de que o Ego, ao contrário daquele, éconseiaTa dlEntretanto, o Ego será apenasa unidade indireta dasqse e MU A unidade direta será representada pelo queS: e estados”, “ações” e “ i ? i (e36 den e 2 ç e qualidades”, que, evidentemen-parecer na atitude reflexiva. Já desc i itui é revemos acima a constituição de um estado, o ódio Ele se : e | ) O L li 4 . . 24 q $ : fi : l f 8. Sartre reserva otermo jPassiva) (Sartre 36, p. 19)56 distim ão(6 no Sa mo CieOaCe realidade”. dio SP aos Tt nção €..) entre esses dois aspectos de uma mesmagramatical(4 Sei , 1 parece ser simplesmente funcional, para não dizerMa cri psicologiapora o termo que aparecia na crítica a Husserl: MoiEgo” emLD Ea qo sis ni monesduca paí por que agora utilizaremos; antes ora à tradução para Je, ora para Moi, PAIS ICIA LIGO ” dente na atitude reflexiva, é em uma atitude muito precisa: aquela da reflexão impura ou constituinte, que busca precisamente uma unidade transcendente para os vividos, Não há vivido de ódio, há um sentido transcendente para os vividos de repulsão, sentido'esse posto, como unificador daqueles vividos pela reflexão impura[E nesse reino de sem tido unificador, transcendente, que morará o psíquicoJDessa maneira, ele está fora; como objeto, o psíquico implica dubitabilidade: Ecento que Pedro me repugna, mas é e permanecerá sempre duvidosoqueseu à odeie” (Sartre 36, p. 47). Alémdos estados, Sartre descreverá o que chamade “ações"teu lidades”. As ações são também transcendências. Mas, diferentemente do estado, “a ação não é somente a unidade noemática de uma contente de consciência: é também umarealização concreta” (id, ibidasps 5) O que a torna transcendência é o fato de ser unidade das consetene as ativas; por exemplo, “tocar piano”, “raciocinar”, “fazer umahipótese” etc. Quantoà qualidade, ela não unifica espontancidades, come o está do, ou consciências ativas”, como a ação, mas passividades, ou Sei, estados: “Quando experimentamos muitas vezes ódios em face de dito rentes pessoas ou rancores tenazes ou longas cóleras, unificamos essas diversas manifestações intencionando uma disposição psíquica para produzi-las” (id., ibid., p. 53). A qualidade é, pois, uma virtualidades uma potencialidade. B Ora, que será o Egosenãoa unidade dos estados, das ações e, faculta tivamente, das qualidades!”, numapalavra, do psíquico? “O psíquica.o. o objetotranscendente da conseiência-reflexiva”, e o Ego aparece como realizando a “síntese permanente do psíquico” (id,, ibid., p. 54), sinte se indissolúvel, “real e concretamente inanalisável” (id,, ibid, p. 56) Se é o Ego quem aparece comounificador, deve-se perguntar: de que maneira o Ego operaasíntese? Comopodefazê-lo, se ele é trans cendente? Novamente se põe aqui o problema da síntese, Dessa vez 9, Segundo Sartre, a diferença, que ele não estabelece, entre consciência ativa é aim plesmente espontânea é das “mais difíceis da fenomenologia” (Sartre 36, p. 51) 10, “Facultativamente”, porque a qualidade é uma unificação, digamos, de “segun do grau”, não unificação direta e aU LUIZ DAMONSANTOS MOUTINHO contudo, a questão parece mais complicada: antes, tratava-se apenas de mostrar que o Eutranscendental não realiza síntese, não unifica cons- - ciências, que, aocontrário, é a própria consciência que se auto-unifica. Afastado o Eu do campo da imanência, tornado transcendente,ele pa- rece agora ganhar um papel que lhe foi recusado quando este parecia possível, Defato, é incompreensível que se fale em um Ego transcen- dente comorealizador de síntese. A solução desse problemaliga-se à última das nossas questões indicadas acima, a da constituição do Ego. Essa constituição,realizada pela reflexão impura,é feita “emsenti- do inversodoque segue a produçãoreal”, o quesignifica que “as cons- ciências são dadas como emanando dos estados, e os estados como produzidos pelo Ego” (Sartre 36, p. 63). O Ego aparece como produ- zindo seus estados, ações e qualidades, tipo de produção que Sartre denomina “poética” (id., ibid. p. 60). Não é o estado que se reúne à totalidade Ego, mas, por meio da reflexão constituinte (impura), é in- tencionada “umarelação que atravessa o tempo ao inverso”, de modo que o Egoaparece como a fonte do estado (id., ibid.). O Ego, objeto e portanto passivo, aparece paradoxalmente como produtor, como espontâneo, no momento mesmo de sua constituição. Mas trata-se aqui de uma “pseudo-espontaneidade”. Pois “a verdadeira espontaneidade deve ser perfeitamente clara: é o que produz e nada mais” (id., ibid.,p. 62). A noção justa de espontaneidade afasta a pos- sibilidade de ligação “sintética” entre ela e outra coisa!!, tal como há entre o Ego e oestado. Isso implicaria “umacerta passividade na trans- formação” (id., ibid.). Em O ser e o nada, essa idéia é retomada: “É precisamente porque ela [a consciência] é espontaneidade pura, porque nada podeagir sobre ela, que a consciência não pode agir sobre nada” (idem 37, p. 26). Sartre cita a título de exemplo o princípio de ação e reação: a passividade do paciente reclama passividade igualno agente. Dessa maneira, estamos diante de dois conceitos de espontaneidade, ou melhor, diante de uma verdadeira e de uma falsa espontaneidade. Essa última, segundo Sartre, é “ininteligível” (idem 36,p. 63), deriva- da apenas da inversão implicada na constituição mesma do Ego. 11, Será na forma de“ligação sintética” a relação entre consciência e mundo tal como aparecerá em Diário de umaguerra estranha e O ser e o nada. Mas já não se tratará da mesmaligação, até porque ela implicará uma negação permanente da consciência em relação ao mundo, Cor E ba PN Do tato t A que se deve essa inversão? Ainda: como compatibilizar a afirma gho de que a consciência espontânea nada produz a não ser ela mesma e a idéia de que o Ego é constituído afinal pela própria consetenem? Deve-se lembrar que a consciência liberada tornou-se um nada: Do dos os objetos físicos, psicofísicos e psíquicos, todas as verdades do dos os valores estão fora dela, pois meu próprio Eu deixou do'fazer parte dela”, Entretanto, pode-se dizer que esse nada é tudo, ma medida em que “é consciência de todos esses objetos” (Sartre 36, p. /4ju Nao senão porque é “nada”, porque é absolutamente translúcida avspánes ma, que a consciência é espontaneidade. Defato, ligada sintetieaminto a algo, pelo princípio de ação e reação, ela envolveria alguma passiva dade; nãoseria assim espontânea. A consciência nãose liga poisisenao a si mesma, na realização da síntese das consciências escoadas ela nada “produz” que não ela mesma. Diante disso, como afimarque ai consciência “constitui” o Ego? Sabemos que, malgrado a inversão, “o que é primeiro realmento são as consciências, através das quais se constituem os estados depois através destes, o Ego” (id., ibid., p. 63). A consciênciarellexivadinvo nto a produção real, numa espécie de projeçãode sua própria espontamor dade no objeto Ego, para fugir de si mesma, À “função” do Ego sema assim antes “prática” que “teórica”: “Talvez seu papel essencial-seja mascarar à consciência sua própria espontaneidade” (id., ibid., pb), tal como uma“falsa representação” da consciência, Eque só aí, graças ao Ego, “umadistinção poderá se efetuarentre o possível e o real, entre a aparência e oser, entre o querido e o sofrido” (id. ibid., p. 82), Isso não explica contudo como a consciência constitui o Ego; SegundoSartre, a produçãojá invertida é espontânea: “Nós constituímos espontaneamente nossos estados e ações como produções do Ego” (id, ibid., p. 77). O Egojá nasce como falsa espontaneidade, falsa répre sentação. Ora, isso parece ainda não resolver o problema da constituição; não resolve contudose entendermos essa questão comoa quetrata do surgimentodaidentidade noemáticaa partir da multiplicidade das cons ciências. Mas nãoé assim que Sartre a pensa, ao menos no que toca di constituição do Ego.[“Constituir” tem aqui simplesmente o sentido de “projetar”, e o que é projetado é já a consciência enquanto unidade sintética, que toma a forma de unidade noemática| E o que permite resolver os problemas quese podem colocaracerca dasíntese do Ego | Porque o Egoé consciência projetada, a sua constituição não im plicará ligação sintética entre constituinte e constituído | Igualmente pos há LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO isso se produz a inversão: porque, enquanto consciência projetada, hipostasiada, o Ego deve aparecer como primeiro, como espontâneo: “A consciência projeta suaprópria espontaneidade no objeto Ego para lhe conferir o podercriadorque lhe é absolutamente necessário” (Sartre '6, p. 63). Mesmoaindissolubilidade da síntese do Ego é garantida pelo fato de que essa síntese não é senão a da própria consciência. sendo objeto, o Ego não opera síntese, mas tampouco esta é feita de tora, como se houvesse aí um X suporte. Na medida em que o Ego é projeção da consciência, sua síntese é tal como a desta: indissolúvel e passiva jNo fundo, trata-se apenas de uma só e mesmasíntese, realiza- da no nível ainda da consciência: é a consciência já unificada que é projetada como Ego,/ sendoassim, não há problema em se compreender que o Ego apa- reça comounificador, comorealizando a síntese permanente do psíqui- co, Defato, ele assim aparece, mas apenas à reflexão impura, àquela retlexão que não apenas ultrapassa os dados da imanência, mas que toma ainda o Ego pela consciência, confundindo-o com esta. Por isso ele aparece comounificador.[A reflexão impura constitui o Ego, confe- rindo-lheos caracteres-que são antes da consciência espontânea) Entre- tanto, “essa espontaneidade, representada e hipostasiada em um obje- to, torna-se uma espontaneidade bastarda e degradada, que conserva magicamente sua potência criadora tornando-se passiva. De ondea ir- racionalidade profunda da noção de Ego” (id., ibid, pp. 63-64). Irra- cionalidade que ressalta na medida em que o Ego aparece comosíntese de atividade e passividade, de interioridade e transcendência,de cons- ciência e objeto. V - OTRANSCENDENTAL E O PSÍQUICO A liberação da consciência torna os campos transcendental e psí- quico nitidamente separados,correspondendo a cada um uma discipli- na particular, com seus métodos próprios. De um lado, “uma esfera transcendental pura acessível apenas à fenomenologia” (id., ibid, p. 1), através da “redução fenomenológica”. É uma esfera de existência absoluta,isto é, “de espontaneidadespuras que não são jamais objetos e que se determinamasi mesmasa existir”(id., ibid.). De outro lado, o psíquico enquanto objeto transcendente da consciência reflexiva (id., tbid., p. 54), esfera acessível à psicologia. Enquanto “objeto”, valem DIM NCIA E LOU aqui os métodos de observação externa e de introspecção (Sartre 36, p 1. Neste caso, “posso colecionar os fatos que me concernem é tentar interpretá Jos tão objetivamente quanto se setratasse de umoutro” (id, ibid., p. 68). | Dois campos, duas ciências; [consciência e Ego nãose confundem, comonão se confundem consciência e objeto./O transcendental assim liberado, aparece comovazio, comonada”, espontaneidade que é criação ex nihilo, e o Ego, por seu lado, aparece com o papel essencial do, talvez, “mascarar à consciência a sua própria espontaneidade” (id., ibid, p. 81). “Espontaneidade monstruosa” que conceberá contudo um meto de “escapar-se a si mesma”, quando se projeta no Eu e aí se abso! Vo (id., ibid., p. 83). Não é de outro modo que Sartre define o sentido da célebre “atitude natural” (id., ibid.). Só nessaatitude fazem sentido às noções de ação e paixão: a atividade “se dá como emanando de uma passividade (...) num plano em que o homemse considera ao mesmo tempo sujeito e objeto” (id., ibid., p. 82): já aí é necessária a constituição do Ego, ou antes,já estamosno planodo Ego. Mas deve se ainda acres centar que o Ego pertence ao planoreflexivo. Não foi o próprio Sai tre quem afirmou que no nível da consciênciairrefletida não há Ego! Isso nos leva à conclusão de que a atitude natural, aquela em queexiste o Ego, é para Sartre não a condutairrefletida, mas a conduta reflexiva... ifi ne x Ta . ará a k pos12, Mas não como nadificação, não como negação, o que só deverá ocorrer depoi da leitura de Heidegger, Cl. cap, 4, Ve VI Pod : : peth un o copa A É o Edi A CONTINGÊNCIA iu eba Visa ERA : cad ; 1a “ed RSA mes trt + vendi . E, | - O TEMA DA CONTINGÊNCIA Co Nr . “gt DISSEMOSnocapítulo anterior que o encontro com Aron foi aci cunstância que levou Sartre a Berlim, onde deveria permanecer nove meses estudando o pensamentode Husserl, comobolsista do Instituto Francês. Aron teria conseguido convencê-lo de que a fenomenologia vinha ao encontro das suas preocupações, permitindo-lhe superaras contradições que o dividiam então (entre realismo e idealismo) pela afirmação da soberania da consciência e da presença do mundo, tal qual se dá a nós. Contudo, não foi comAron que Sartre teve o primeiro contato com a fenomenologia. Antes desse episódio, em 1927, particiy para, com Paul Nizan, da tradução da Psicopatologia geral, de K Jaspers; os dois normalistas fizeram a correção das provas do texto francês. Sartre teria conhecido com Jaspers o conceito de “compreen- são”, que, segundo Beauvoir, ele procurara reter e aplicar, “Jaspers”, diz ela, “opunha à explicação causal, utilizada nas ciências, outro tipo de pensamento quenão se assenta em nenhum princípio universal, mas que apreende relações singulares, mediante intuições (...), ele a definia e a justificava a partir da fenomenologia. Sartre ignorava tudo dessa filosofia, mas nem por isso deixara de reter a idéia de compreensão é tentava aplicá-la” (Beauvoir |, p, 46). Foi a possibilidade de uma nova psicologia que Sartre enxergou no conceito de compreensão: por opos sição “à psicologia analítica e empoeirada que ensinavam na Sorbonne”, tá LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO Jaspers fornecia uminstrumento que respeitava o indivíduo enquanto “totalidadesintética e indivisível”, instrumento que vinha a calhar ao jovem estudante, que já “desprezava a análise que só disseca cadáve- res" (Beauvoir1, pp. 35 e 46). De novo aqui aparece a fenomenologia, embora comopanode fundo, e novamente como “atendendo a preocu- pações” que eramentãodo jovem Sartre. Nãose temnotícia de que entre esse primeiro contato indireto, em 1927, e o encontro com Aron, em 1932, Sartre tivesse procurado se aproximar da fenomenologia. Pelas lembranças de Beauvoir, tudo se passa comose o contato entre as culturas francesa e alemã fosse então bastante reduzido. Nesse ínterim, escreve poemas, um volume de en- satos chamadoA lenda da verdade, uma peça, de um ato, inspirada em Pirandelloe dá início aA náusea (Contat e Rybalka 5, pp. 24-25). Mesmo a tradução de um fragmento de Que é metafísica?, de Heidegger, aparecida em junho de 1931 no mesmo número da revista (Bifur) que publicou umtrecho de A lenda da verdade, não atraiu Sartre: “Não lhe percebemos o interesse”, diz Beauvoir, “porque não compreendemos nada”. Segue ainda com o seuinteresse por psicologia; é nesse perío- do que forja a noção de “má-fé”, passível de explicar “todos os fenô- menos que outros atribuem ao inconsciente” (Beauvoir 1, p. 131); pro- cura aplicar o conceito de “compreensão”, tirado de Jaspers, mas en- contra aí apenas “uma diretriz bastante vaga”: faltavam-lhe “esque- mas”; “nosso esforço durante esses anos tendeu para induzi-los e inventá-los” (id., ibid., p. 130). : Alémdointeresse porpsicologia, da tentativa de superar os impasses entre realismo e idealismo, outro problema preocupava Sartre nesse período. Na verdade, é um problema que vem desde pelomenos 1925: trata-se do conceito de contingência. Há notícias desse te já em sua correspondência de 1925 (Contat e Rybalka5,p. 23) e 1926 (has Lettres au Castor, de Sartre), e ainda várias referências de Beauvoir. Era sobre a contingência o poema que escreveu em 1929, A árvore: “Como mais tarde, em À náusea, a árvore com sua vã proliferação indicava a contin- gência” (Beauvoir 1, p. 48). Do mesmo modo, o “factum” que come- 13, O próprio Sartre, em Diário de uma guerra estranha, embora confundindo as datas, diz: “Li sem compreender, em 1930, Que É Metafísica? na revista Bifur” (Sartre 39, p. 225, n.1; Beauvoir |, p. 82). A CENTTINGINCIA a çou a escrever no final de 1931; Sartre o chamava “o factum sobre contingência”, é essa obra, que, após modificações, tornar-se-á A mit sea. Segundo Beauvoir, “em sua primeira versão o novo factum asse melhava-se ainda a 4 lendada verdade: era uma longae abstrata medi taçãosobre a contingência”. Teria sidoela queminsistiu “para que Sartre desse à descoberta de Roquentin [o herói do romance] uma dimensão romanesca, para que introduzisse em sua narrativa um pouco do suspense que nos agradava nos romances policiais” (Beauvoir |, p 109). Não que a formaliterária tivesse sido sugerida por Beauvoir, essa forma já havia sido tentada pelo próprio Sartre em A lena iu verdade e parecia fazer parte de um programa. De novo Beauvoir “Re cusando qualquer crédito às afirmações universais, ele tirava de si o direito de enunciar a própria recusa .no tom do universal; em vez de dizer, cabia-lhe mostrar. Ele admirava os mitos a que, por razões análo gas, Platão recorrera, e não se incomodava com imitá-lo", Andiscu nascepoisinseridanessaperspectiva:“Exprimirmunaforma-literim verdades.esentimentosmetafísicos” (id. ibid., p. 284). Mas a ambição de Sartre nãose restringia à produção literária. Pot conta dos estudos defilosofia e psicologia acabará sendo levadoa esere ver também ensaios. Numaentrevista de 1938, depois da publicação de A náusea, declarou: “Desejaria exprimir minhas idéias apenas de uma forma bela — querodizer, na obra de arte, romance ou novela, Mas fé apercebi de que era impossível. Há coisas muito técnicas, que exigem um vocabulário puramentefilosófico. Assim, me vi obrigadoa duplicar, por assim dizer, cada romance de umensaio, Dessa forma, ao mesmo tempo que À náusea, escrevi À psique, obra que logoaparecerá e que trata da psicologia do ponto de vista fenomenológico” (Contate Rybalka 5, p. 65). Sabe-se que de À psiquesó foi publicado um trecho, o Eshoço de uma teoria das emoções (Beauvoir1, p. 317). Essa obra, e mesmo, pelo que se temnotícia, Apsique, não parece contudo o “duplo” de À náusea: os temas são, aparentemente, muito diferentes. Entretanto, há talvez um meio declarear a relação, mas paraisso valeria mais aproximar A náusea não do Esboçode umateoria das emoções, pequenofragmen 14, Ver ainda a apresentação de Contat e Rybalka de A lenda da verdade: “O interesse principal desse texto (,..) é nos indicar a maneira pela qual Sartre concebe de início seu projeto de unir filosofia e literatura” (Contat e Rybalka 5, p. 53; Beauvoir 1, p, 48) ps 48 LUIZ DAMON SANTOS MOUTINHO to, mas do Ensaio sobre a transcendência do ego: é que nessa obra, como vimos, Sartre “esboçaa teoria do objeto psíquico”, de que o Esbo- ço de umateoria das emoções, na verdade, procurará ser um “desenvol- vimento”!*. Essateoria, por seu lado, tem como contrapartida o conceito de consciência, entendida como vazio puro, “nada”; ora, é precisamente através desse conceito de consciência, tal como aparece no Ensaio sobre a transcendência do ego, e do conceito de contingência, tal como descrito em A náusea, que procuraremos uma aproximação entre as duas obras. Tentaremos mostrar comoesses dois conceitos são o anverso 6 o reverso de uma mesma moeda. A nosso ver, (aafirmaçãode.que.a consciência é “nada”sósetornainteiramenteinteligívelàluzdo.conceito de contingência [E é a partir daí que algo como uma“teoria do psíquico” se imporá como umanecessidade. HI = A EXPERIÊNCIA DE ROQUENTIN A . O suspense que Sartre deveria introduzir no seu “factum” refere- se à descoberta, feita pelo herói, da contingência. Todo o romance é um percurso que tem seu ponto alto quando o herói Antoine Roquentin enuncia: “A contingência não é uma ilusão, (...) é o absoluto, (...) a gratuidade perfeita” (Sartre 34, p. 194). Até que o enuncie, contudo, deverá passar por umasérie de experiências, narradas por ele em forma de diário, De início, Roquentin percebe uma mudança na sua maneira de ver as coisas, algo novo, que bem pode ser afinal uma mudanca no modo como os objetos se dão. A primeira experiência narrada ocorreu quan- do se preparava para lançar uma pedra no mar; algo o fez deter-se: “Nesse momento, detive-me, deixei cair a pedra e fui embora” (id., tbid., p. 14). Era um “enjõo adocicado”, desagradável, que passava da pedra para as mãos (id., ibid., p. 27). Noutro momento,
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