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Livro-Texto Unidade I

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Prévia do material em texto

Autor: Prof. Renato Bulcão
Colaboradoras: Profa. Amarilis Tudela Nanias
 Profa. Sonia de Deus Rodrigues Bercito
Formação 
Sócio-histórica do Brasil
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Professor conteudista: Renato Bulcão
Renato Bulcão é graduado em Filosofia e mestre em Comunicação pela Universidade de São Paulo – USP. É doutor 
em Educação e História da Cultura pela Universidade Mackenzie. Coordena o curso de Licenciatura em Filosofia da 
Universidade Paulista – UNIP e tem vários artigos publicados, além do livro Visão de Psicanálise. 
© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou 
quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem 
permissão escrita da Universidade Paulista.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
B933f Bulcão, Renato.
Formação Sócio-histórica do Brasil. / Renato Bulcão. – São 
Paulo: Editora Sol, 2017.
152 p., il.
Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e 
Pesquisas da UNIP, Série Didática, ano XXIII, n. 2-085/17, ISSN 1517-9230.
1. Formação sócio-histórica. 2. Ideologia do estamento. 3. Questão 
social. I. Título.
CDU 301
U502.12 – 19
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Prof. Dr. João Carlos Di Genio
Reitor
Prof. Fábio Romeu de Carvalho
Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças
Profa. Melânia Dalla Torre
Vice-Reitora de Unidades Universitárias
Prof. Dr. Yugo Okida
Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa
Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez
Vice-Reitora de Graduação
Unip Interativa – EaD
Profa. Elisabete Brihy 
Prof. Marcelo Souza
Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar
Prof. Ivan Daliberto Frugoli
 Material Didático – EaD
 Comissão editorial: 
 Dra. Angélica L. Carlini (UNIP)
 Dra. Divane Alves da Silva (UNIP)
 Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR)
 Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT)
 Dra. Valéria de Carvalho (UNIP)
 Apoio:
 Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD
 Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos
 Projeto gráfico:
 Prof. Alexandre Ponzetto
 Revisão:
 Carla Moro
 Marcilia Brito
 Lucas Ricardi
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Sumário
Formação Sócio-histórica do Brasil
APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7
INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7
Unidade I
1 CASA-GRANDE & SENZALA, DE GILBERTO FREYRE .......................................................................... 11
2 O POVO BRASILEIRO SEGUNDO DARCY RIBEIRO ............................................................................... 21
2.1 As matrizes .............................................................................................................................................. 22
2.2 A miscigenação ..................................................................................................................................... 24
3 A EMPRESA BRASIL ........................................................................................................................................ 26
4 OS BRASIS NA HISTÓRIA .............................................................................................................................. 30
4.1 O Brasil crioulo ...................................................................................................................................... 30
4.2 O Brasil caboclo ..................................................................................................................................... 33
4.3 O Brasil sertanejo ................................................................................................................................. 38
4.4 O Brasil caipira ....................................................................................................................................... 39
4.5 O Brasil gaúcho ..................................................................................................................................... 41
Unidade II
5 RAYMUNDO FAORO E A IDEOLOGIA DO ESTAMENTO ...................................................................... 48
5.1 A Formação Histórica e Social de Portugal ................................................................................ 48
5.2 Como aconteceram as navegações ............................................................................................... 62
5.3 Questões do direito.............................................................................................................................. 66
5.4 As regras do comércio e da vida do reino .................................................................................. 67
5.5 Como a Revolução Industrial foi combatida em Portugal e como surgiu 
o estamento de funcionários do Estado ............................................................................................ 70
5.6 Como Portugal dominou o Brasil .................................................................................................. 72
5.7 A política de sustentação do poder de Portugal ..................................................................... 80
5.8 A burocracia, os militares e os padres moldaram o Brasil ................................................... 83
5.9 A descrição da Independência do Brasil ..................................................................................... 90
5.10 As conclusões de Faoro sobre a formação do Brasil independente .............................. 96
5.11 Como Faoro entendeu o Brasil...................................................................................................... 96
6 ENTENDENDO O PENSAMENTO DE CELSO FURTADO .....................................................................106
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Unidade III
7 A QUESTÃO SOCIAL EM OCTAVIO IANNI ..............................................................................................122
7.1 As desigualdades sociais ..................................................................................................................123
7.2 A criminalização da questão social .............................................................................................124
7.3 A pedagogia do trabalho .................................................................................................................125
7.4 Tendências do pensamento brasileiro ........................................................................................125
7.5 Novos paradigmas para as Ciências Sociais ............................................................................128
8 BRASIL: MITO FUNDADOR E SOCIEDADE AUTORITÁRIA ................................................................129
8.1 A nação como semióforo ................................................................................................................131
8.2 Verde-amarelismo ..............................................................................................................................136
8.3 Do IV ao V Centenário ......................................................................................................................139
8.4 O mito fundador .................................................................................................................................139
8.5 Comemorar? .........................................................................................................................................1427
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APRESENTAÇÃO
Este livro-texto apresenta um percurso sócio-histórico da formação do Brasil, privilegiando a 
perspectiva histórico-crítica, desde Portugal até a constituição do Estado nacional. Propomos um 
mapeamento das forças sociopolíticas que influenciaram a formação do Brasil. Assim, você, leitor, 
poderá aprender a identificar as origens das desigualdades econômicas, sociais e étnicas no contexto 
sócio-histórico de nosso País.
Estudaremos a formação social, política e econômica do Brasil sob uma perspectiva histórica, com 
destaque para a construção da cultura e identidade nacional. Nosso objetivo é analisar o processo 
histórico de formação do Estado e da sociedade brasileira com elementos que nos permitam uma 
reflexão crítica sobre a cultura e identidade nacional.
Para isso, vamos percorrer obras importantes de autores consagrados em busca da compreensão do 
significado e das determinações históricas no processo de formação socioeconômica e política brasileira 
como expressão das contradições sociais e do descompasso cultural de suas populações.
INTRODUÇÃO
Os textos que você vai ler são certamente muito importantes para a compreensão da formação 
histórica e social do Brasil. Com exceção do livro de Gilberto Freyre, Casa-grande & Senzala, todas as 
outras escolhas podem ter tido um caráter extremamente pessoal. Geralmente, acadêmicos dentro da 
universidade não exercem nenhuma atividade política. Mas, uma vez fora dela, a maioria dos pensadores 
de Sociologia e História acaba se engajando em maior ou menor grau na política de suas cidades e, 
eventualmente, na política brasileira.
Neste livro-texto, trabalharemos com as ideias de Darcy Ribeiro, Raymundo Faoro, Celso Furtado e 
Marilena Chaui, que aceitaram cargos públicos de importância nacional.
Felizmente, a formação sócio-histórica brasileira tem Gilberto Freyre como seu primeiro grande 
autor. Isso porque a visão antropológica que o levou a estudar, através de documentos históricos e 
viagens, aquilo que de fato aconteceu nos engenhos de cana-de-açúcar permitiu que toda a discussão 
sobre a nossa formação social pudesse incluir a herança portuguesa, a herança indígena e a herança 
africana. Todos os demais autores se referem direta ou indiretamente à sua obra.
Em seguida, escolhemos Darcy Ribeiro, que desenvolveu grande parte de seu trabalho de pesquisa 
junto aos índios. Darcy também foi político atuante e propôs várias iniciativas sociais em suas passagens 
pelos diferentes governos dos quais participou. Sua visão da formação social do Brasil corrigiu em 
vários pontos aquilo que Gilberto Freyre tinha apenas vislumbrado. Até porque Darcy Ribeiro pensa o 
povo brasileiro e não exclusivamente uma realidade localizada na região Nordeste do Brasil. Há quem 
pense que sua visão é excessivamente romântica. Outros imaginam que ela é pautada pela corrente de 
pensamento que se costumou chamar de “socialismo moreno”.
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O certo é que muitas ideias de Darcy Ribeiro a respeito do povo brasileiro acabaram se tornando 
dominantes na percepção do senso comum. Muitas das análises e mesmo as notícias que lemos nos 
jornais e assistimos na televisão a respeito da realidade brasileira seguem a forma de Darcy Ribeiro 
ver o Brasil.
Para criar um contraponto ao pensamento de Darcy Ribeiro, mas também ao pensamento de Octavio 
Ianni e Marilena Chaui, apresentamos um resumo do famoso livro Os Donos do Poder, de Raymundo 
Faoro. Faoro foi um procurador e se tornou um acadêmico que adotou a escrita na tradição jurídica 
brasileira. Às vezes, pode ser uma leitura um pouco mais difícil. Esse livro conta toda a história da 
formação do Brasil.
Começando pela formação da própria nação portuguesa, Faoro examinou a história a partir de 
documentos jurídicos e de arquivos de tabelionatos e cartórios. Isso faz de sua obra uma fonte de 
informação séria e consistente, que afastou definitivamente algumas invencionices que os historiadores 
brasileiros, principalmente do início da República, insistiram em contar a respeito da história do Brasil.
Sabemos que, até hoje, tanto no Ensino Fundamental quanto no Ensino Médio, há muito mais 
mitologia sendo ensinada a respeito da história do Brasil do que fatos verdadeiros. Faoro passou a limpo 
os mais minuciosos detalhes da nossa história. Não foi possível no resumo ser tão detalhista quanto ele 
foi no livro original, mas buscamos preservar o espírito geral da obra.
O resumo apresentado se encerra no momento da Independência do Brasil. Mesmo que o livro conte 
nossa história até o período do Estado Novo, fizemos isso porque, ao descrever a independência brasileira, 
Faoro já tinha reunido todos os elementos teóricos necessários, inspirados em Max Weber, para criar 
suas categorias de análise. Ele mesmo deixa claro que seriam essas categorias as mais adequadas para 
se pensar a formação sócio-histórica brasileira do que a tradicional metodologia marxista. A grande 
vantagem de ler Faoro é que ele não pretende de imediato convencer ninguém do seu ponto de vista. 
Assim, o autor não insiste em nenhuma das visões tradicionais que muitas vezes fundamentam sua 
escolha narrativa. É uma visão de direita, que na vida política seria chamada de centro-direita.
Em seguida, trazemos o resumo do pensamento sobre a formação econômica do Brasil desenvolvido 
por Celso Furtado. Percebemos que o pensamento acadêmico democrático, quando exercitado de forma 
impecável, é, de acordo com as conveniências do momento, chamado de pensamento de esquerda ou 
de pensamento de direita. Tecnicamente falando, o pensamento de Celso Furtado é de direita, mas ele 
teve de fugir do Brasil durante a Ditadura Militar, porque os militares tinham certeza absoluta de que 
Celso Furtado era um homem da esquerda.
Sem querer entrar nesse tipo de discussão, é preciso apenas deixar claro que quem pensou a história 
econômica do Brasil a partir de um ponto de vista claramente de esquerda foi Caio Prado Júnior. Caio 
Prado Júnior escreveu antes de Celso Furtado e foi uma das referências para Furtado discutir seu ponto 
de vista a respeito das bases econômicas que permitiram organizar a formação social brasileira. Na 
qualidade de ministro do Planejamento do governo de João Goulart, Furtado tentou pôr em prática 
mecanismos que ele pensava que poderiam resolver problemas sociais brasileiros na prática.
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Octávio Ianni foi declaradamente um pensador de esquerda. Trouxemos aqui pequenos resumos, 
não de um livro principal, mas de alguns livros que se tornaram importantes no estudo da sociologia 
brasileira. É importante resgatar o pensamento de Ianni, porque de alguma forma ele abre caminho para 
o pensamento de Marilena Chaui.
A percepção do mundo de Ianni é completamente marxista, e ele não esconde isso. É interessante 
também o diálogo de sua obra tanto com a de Faoro, quanto com a de Celso Furtado. Ianni não tinha 
dúvida de que existe um capitalismo internacional, representado no País por capitalistas locais. Segundo 
ele, há uma grande interação entre esses dois grupos.
Principalmente depois da Segunda Guerra Mundial, de acordo com o pensamento de Ianni, esses 
grupos ditaram a organização econômica brasileira. Temos certa resistência em concordar com esse 
pensamento, pois ele abre espaço para não responsabilizar exclusivamente os brasileiros pela qualidade 
de vida do País que é construído diariamente.
Claro que o capital e a ganância do capitalista têm muita força sobre a sociedade. Contudo, dentro 
de sociedades democráticas, sempre existe a vontade do povo. Quando instruída e bem articulada, 
essa vontade leva, muitas vezes, ao repúdio das investidas da ganância e da usura. Além disso, muitas 
dificuldades que temos com a formaçãode um mercado interno e com as liberdades democráticas no 
País não podem ser culpa de outro, mas apenas de nós mesmos.
Por fim, apresentamos o pensamento de Marilena Chaui. Sua capacidade de análise e observação 
não pode ser desprezada. Ela participou do governo Lula da Silva e, mais recentemente, defendeu o 
governo Dilma Rousseff. A autora apresenta grande rigor acadêmico para a análise dos fatos, com 
conclusões racionais. Como acadêmica, Marilena Chaui não deixa de ser filósofa e trabalhar a partir de 
categorias do pensamento filosófico para tentar entender a realidade ao seu redor.
Esperamos que você identifique em todos esses pensadores ideias que de alguma maneira venham 
ajudá-lo a decifrar a realidade brasileira encontrada após o término do curso.
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FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL
Unidade I
1 CASA-GRANDE & SENZALA, DE GILBERTO FREYRE
Gilberto Freyre estudou nos Estados Unidos, de onde voltou com o título de mestre. O Brasil tinha 
vivido uma descentralização do poder durante a República Velha; com a Revolução de 1930, Getúlio 
Vargas forçou uma centralização administrativa que diminuiu a importância dos poderosos regionais. 
Freyre demonstrou desprezo por essa situação. Assim, sua carreira política foi precocemente impedida, 
já que o escritor tinha sido assistente do último governador de Pernambuco durante a República Velha.
Na Universidade de Columbia, frequentou as aulas de Antropologia com o renomado antropólogo 
Franz Boas, de origem alemã. Asism, conseguiu preparar sua pesquisa de uma forma inédita no Brasil 
dos anos 1930. Abordando elementos como raça e cultura de forma separada, adotou como conceito 
antropológico de cultura e herança cultural o conjunto dos costumes, hábitos e crenças do povo brasileiro.
Seguindo a tradição mantida até hoje de falarmos sobre o Brasil desde o primeiro momento de sua 
colonização, Freyre fez questão de deixar claro que o atual povo português é também fruto de mestiçagem.
Por sua posição geográfica, os portos de Portugal sempre foram rota de comércio e de migrações. Os 
portugueses tiveram contato com muitos povos estrangeiros, que tornaram o comércio, juntamente com a 
pesca, atividades mais importantes do que a agricultura. A agricultura foi a atividade que os demais países 
europeus continentais utilizaram para criar sua riqueza, bem como suas formas de organização social.
O povo português era bem pouco “branco” para os padrões europeus e miscigenado graças às 
relações com árabes e judeus ao longo de séculos; então, não trouxe para o Brasil maiores preconceitos. 
Não foi a miscigenação brasileira que nos deixou de legado muito de nossos problemas atuais, e sim a 
escravidão e sua mentalidade.
Com o domínio árabe por quase oitocentos anos da Península Ibérica, as culturas espanhola e 
portuguesa foram o resultado da mistura entre a cultura árabe e a cultura romana. Também havia 
grande quantidade de judeus, que eram tolerados e protegidos tanto pelos árabes, quanto pelos ibéricos. 
Assim, logo a burguesia comercial adquiriu mais poder que a aristocracia territorial portuguesa, e foram 
suas conexões com os italianos que facilitaram a busca dos portugueses pelas riquezas do Oriente e, 
posteriormente, do Novo Mundo.
Como expõe Freyre:
Quando, em 1532, se organizou econômica e civilmente a sociedade 
brasileira, já foi depois de um século inteiro de contato dos portugueses com 
os trópicos; de demonstrada na Índia e na África sua aptidão para a vida 
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Unidade I
tropical. Formou-se na América tropical uma sociedade agrária na estrutura, 
escravocrata na técnica de exploração econômica, híbrida de índio, e mais 
tarde de negro, na composição (FREYRE, 2003, p. 65).
Devido à pequena população de Portugal, não havia o intuito de emigração nas navegações. Assim, 
desde as navegações para o Oriente – lembrando que os portugueses foram os primeiros europeus que 
chegaram ao Japão pelo mar –, os homens tendiam a formar famílias com mulheres de outras etnias 
nos entrepostos que montavam para facilitar o comércio. No Brasil, os homens vinham sozinhos e logo 
começaram a se reproduzir, primeiro com as índias, e depois com as negras escravas.
Havia necessidade em povoar o território conquistado. Assim, como Portugal tinha apenas 
três milhões de habitantes, era necessário criar a população a partir das condições locais, como 
descreve Freyre:
Durante quase todo o século XVI, a colônia esteve escancarada a 
estrangeiros, só importando às autoridades que fossem de fé católica [...] 
Temia-se no adventício acatólico o inimigo político capaz de quebrar aquela 
solidariedade que em Portugal se desenvolvera junto com a religião católica. 
Essa solidariedade manteve-se entre nós esplendidamente através de toda a 
nossa formação colonial (FREYRE, 2003, p. 91).
Quando Freyre publicou, em 1933, o livro Casa-grande & Senzala, revolucionou o entendimento 
do Brasil. O livro obedeceu às regras da Antropologia e todas as suas fontes tinham sido pesquisadas, 
tornando-se o primeiro livro sobre o Brasil no qual os fatos tinham origem comprovada. Sua pesquisa 
sobre a vida dos senhores de engenho nas plantações de cana em Pernambuco deixou evidente que 
havia relações sexuais, o que indicava o cruzamento das três raças que formaram o Brasil: os índios, os 
africanos e os portugueses.
Casa-grande & Senzala está dividido em cinco capítulos que descrevem a colonização portuguesa 
no Brasil, com a construção de uma sociedade agrária e escravocrata, e as formas de interação entre 
o índio, o negro e o português. A teoria de Freyre apresenta algumas falhas na explicação que propõe, 
mas seu trabalho de pesquisa é tão rico, que é impossível não nos voltarmos sempre a essa obra quando 
pretendemos entender a formação social do Brasil.
 Saiba mais
Sugerimos a leitura da obra de Freyre, muito relevante para os seus 
estudos:
FREYRE, G. Casa-grande & senzala. 48. ed. Recife: Global, 2003.
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FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL
A motivação original de Freyre teria sido a de descobrir suas próprias origens:
Casa-grande & Senzala foi a resposta à seguinte indagação que eu fazia a 
mim próprio: o que é ser brasileiro? E a minha principal fonte de informação 
fui eu próprio, o que eu era como brasileiro, como eu respondia a certos 
estímulos (FREYRE,1983).
Freyre visitou primeiro a Bahia, onde pesquisou as coleções do Museu Afro-Brasileiro Nina 
Rodrigues. Percebeu que a culinária baiana derivava da cozinha das casas-grandes durante os séculos 
de monocultura da cana-de-açúcar.
Depois da Bahia, viajou para a África e, em seguida, para Portugal. Em Lisboa, examinou os documentos 
que serviram de base para Casa-grande & Senzala. De Portugal partiu para os Estados Unidos como 
professor visitante da Universidade de Stanford. Viajou pelo sul daquele país para comparar o que tinha 
sido a experiência escravocrata americana com a brasileira. Percebeu que havia semelhanças:
Eu venho procurando redescobrir o Brasil. Eu sou rival de Pedro Álvares 
Cabral. Pedro Álvares Cabral, a caminho das Índias, desviou-se dessa rota, 
parece já baseado em estudos portugueses, e identificou uma terra que 
ficou sendo conhecida como Brasil. Mas essa terra não foi imediatamente 
auto-conhecida. Vinham sendo acumulados estudos sobre ela... mas faltava 
um estudo convergente, que além de ser histórico, geográfico, geológico, 
fosse... um estudo social, psicológico, uma interpretação. Creio que a 
primeira grande tentativa nesse sentido representou um serviço de minha 
parte ao Brasil (FREYRE, 2003).
É necessário deixar claro que Gilberto Freyre escreveu Casa-grande & Senzala a partir de sua 
perspectiva de homem branco e senhor. Mesmo tendo enaltecido a presença donegro, sua nostalgia 
pela cultura patriarcal faz transparecer sua posição social.
Sua tese propõe que a casa-grande foi o centro de coesão da sociedade: completada pela senzala, ela 
representava o centro do sistema econômico, social, político, religioso e sexual do País. A miscigenação 
que ocorria diminuiu a distância social entre negros e brancos no Brasil. Segundo Freyre (2003), o regime 
de trabalho imposto após a abolição seria mais cruel com os proletários do que o regime escravocrata 
para com os escravos. Hoje sabemos que isso não é verdade: os escravos, bons ou maus, eram chicoteados 
regularmente apenas para não esquecerem que eram escravos.
Freyre constrói um argumento que utiliza a ideia econômica como base da estrutura social. Sua 
tese sugere que a estrutura social que se concretizou foi decorrência do sistema de produção da época. 
A monocultura da cana agregava o senhor a seus escravos, garantia a moradia e a alimentação de 
brancos e negros e impunha a ordem hierárquica. Propõe Freyre que essa estrutura garantiu a unidade 
da sociedade brasileira de forma natural. Caso Freyre tenha razão, não houve nada de natural nessa 
estrutura, pois a unidade realmente teria sido alcançada através da violência e da força.
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A tese central de Gilberto Freyre pode ser compreendida pelo que ele mesmo chamou de “equilíbrio 
dos antagonismos”. A casa-grande seria o símbolo da inexistência do conflito entre senhor e escravo. 
Além de dividirem o mesmo espaço entre a casa-grande e a senzala, senhor e seus escravos tinham suas 
distâncias sociais reduzidas com as constantes relações sexuais que mantinham. A dinâmica das relações 
da casa-grande e da senzala servia para equilibrar os antagonismos da sociedade, e esse equilíbrio 
mantinha a coesão da sociedade.
Para Freyre (2003, p. 178), “o que houve no Brasil foi a degradação das raças atrasadas pelo domínio 
da adiantada”. Os índios tinham sido submetidos ao cativeiro e à prostituição. As mulheres negras 
eram repetidamente violadas na sua condição de escravas. A formação coesa da sociedade se deu 
fundamentalmente pela manutenção do patriarcado, que teria proporcionado uma interpenetração 
das culturas. Seu livro parece às vezes tentar retornar às tradições como forma de reabilitar valores 
perdidos no tempo.
Entretanto, suas descrições são precisas para que possamos entender o que foram os períodos 
de colonização:
A casa-grande do engenho que o colonizador começou, ainda no século XVI, 
a levantar no Brasil – grossas paredes de taipa ou de pedra e cal, telhados 
caídos num máximo de proteção contra o sol forte e as chuvas tropicais – 
não foi nenhuma reprodução das casas portuguesas, mas expressão nova 
do imperialismo português. A casa-grande é brasileirinha da silva (FREYRE, 
2003, p. 35).
Para o autor, o processo de equilíbrio de antagonismos misturava o branco e o negro no interior da 
casa-grande e alterava as relações sociais e culturais, o que acabou criando um novo modo de vida no 
século XVI. As relações de poder, a vida doméstica e sexual, os negócios e a religiosidade desenvolveram 
a base da sociedade brasileira.
A casa-grande se organizava a partir da rotina produtiva comandada pelo senhor de engenho. Essa 
força patriarcal estava fundada na riqueza trazida pelo açúcar e no trabalho escravo. A casa-grande 
parecia uma fortaleza, pois servia tanto de cofre como de cemitério. Lá viviam os filhos do senhor 
de engenho, o padre e as mulheres brancas, que representavam a colonização portuguesa no Brasil 
(FREYRE, 2003).
Esse sistema desenvolvido no nordeste do Brasil não era exclusivo dos engenhos de cana, e 
casas-grandes podiam ser encontradas no sul do País nas plantações de café, como uma característica 
da cultura escravocrata e latifundiária brasileira.
A Igreja tinha planos de cristianização dos povos da América dominada por países de tradição católica. 
Os jesuítas desempenhavam um papel importante na tentativa de formar uma sociedade estruturada na 
fé católica. Para conseguir catequizar os índios, os jesuítas decidiram impor o uso das roupas e levá-los 
para longe de suas tribos. Enquanto isso, o senhor de engenho tentava escravizá-los. Nos dois casos, o 
resultado foi o extermínio e a fuga dos índios para o interior.
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Segundo Freyre (2003), a Igreja incentivava o casamento dos portugueses brancos com as mulheres 
indígenas, mas não com as negras.
O ambiente em que começou a vida brasileira foi de grande intoxicação 
sexual. O europeu saltava em terra escorregando em índia nua. Os próprios 
padres da Companhia precisavam descer com cuidado, se não atolavam o pé 
em carne (FREYRE, 2003, p.161).
Os negros e mestiços não podiam estudar ou se tornarem padres. A tentativa dos jesuídas de 
educarem os índios foi um fracasso. Segundo Freyre (2003), o erro foi não conceder autonomia aos 
índios, ensinando a eles trabalhos manuais com que pudessem contribuir para a sociedade, por exemplo. 
Se os missionários não fossem jesuítas, mas franciscanos, talvez isso tivesse acontecido. A única coisa 
que os jesuítas faziam era tentar ensinar a ler, a escrever e a respeitar a monogamia.
A sociedade brasileira estava se formando com maior troca de valores culturais. Havia um 
aproveitamento dos produtos e dos hábitos indígenas pelos portugueses. A reação dos índios ao domínio 
português era quase contemplativa. Segundo Freyre (2003, p. 157):
Os portugueses, além de menos ardentes na ortodoxia que os espanhóis e 
menos estritos que os ingleses nos preconceitos de cor e de moral cristã, 
vieram defrontar-se na América com uma das populações mais rasteiras 
do continente [...] Uma cultura verde e incipiente, sem o desenvolvimento 
nem a resistência das grandes semi-civilizações americanas, como os 
Incas e os Astecas.
Os portugueses não vinham para o Brasil por causa de divergências políticas nem religiosas. Também 
não se preocupavam com a pureza da raça. O País se formava mantendo certa unidade nessa grande 
extensão territorial com profundas diferenças regionais, o que acontecia devido à adoção da mesma 
língua e religião e, muitas vezes, garantido pelo uso da força.
O português usava o homem indígena para o trabalho e a guerra, principalmente na conquista de 
novos territórios. Já a mulher servia para a formação da família. Esse contato acabava por destruir a 
cultura indígena, transformando-a em outra cultura.
A grande presença índia no Brasil não foi a do macho, foi a da fêmea. 
Esta foi uma presença decisiva, a mulher índia tomou-se de amores pelo 
português, talvez até por motivos fisiológicos, porque, segundo pude apurar 
quando escrevi Casa Grande e Senzala, as sociedades ameríndias ou índias, 
inclusive a brasileira, eram sociedades que precisavam de festivais como que 
orgiásticos para provocar nos homens, nos machos, desejos sexuais. O que 
há de acentuar é o grande papel da índia fêmea na formação brasileira, 
essa índia fêmea não só através do relacionamento mencionado sexual, mas 
através do papel social que ela começou a desempenhar magnificamente, 
tornou-se uma figura capital na formação brasileira (FREYRE, 1983).
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Também escreveu Freyre que:
Da cunhã é que nos veio o melhor da cultura indígena. O asseio pessoal. A 
higiene do corpo. O milho. O caju. O mingau. O brasileiro de hoje, amante do 
banho e sempre de pente no bolso, o cabelo brilhante de loção ou de óleo de 
coco, reflete a influência de tão remotas avós. Ela nos deu, ainda, a rede em 
que se embalaria o sono ou a volúpia do brasileiro (FREYRE, 2003, p. 163).
A união do português com a índia havia gerado os mamelucos, que atuavam como bandeirantes e, 
junto com os índios, formavama população que empurrava para o interior a fronteira colonial. O mameluco 
e o índio defendiam o patrimônio do senhor de engenho contra o ataque de piratas estrangeiros e nunca 
se tornaram agricultores. A terra era usada para o cultivo da cana em detrimento da pecuária e da cultura 
de alimentos. Isso criava uma situação de fome iminente e a incapacidade para o trabalho.
 Observação
A sociedade brasileira, até meados do século XX, fazia distinção entre 
mamelucos, cafuzos e mulatos. Os mamelucos eram os filhos de pais da etnia 
branca e indígena; a palavra tem origem árabe. Os cafuzos, filhos de pais 
de etnia negra e indígena; a palavra tem origem africana. Os mulatos são 
descendentes da etnia negra e branca; essa palavra tem origem disputada 
e optou-se por sua substituição nos documentos oficiais brasileiros pela 
denominação “pardos”.
A vida dos portugueses ia adquirindo novos costumes familiares, que incluíam a magia e a mítica. A 
poligamia e a sexualidade indígenas aculturavam o português. Os viajantes que aqui estiveram relatavam 
que a vida sexual dos indígenas era de uma liberdade desconhecida na Europa. As tribos mais primitivas 
determinavam a época da união do macho com a fêmea. Outras tribos tinham o costume de oferecer 
mulheres aos hóspedes como ritual de hospitalidade.
Os portugueses trouxeram ao novo mundo a produção de açúcar. Implantaram um sistema 
econômico que aprenderam com os mouros durante a ocupação da Península Ibérica. Os mouros, que 
tinham grande tradição agrícola, introduziram a laranjeira, o limoeiro e a tangerina e implantaram a 
tecnologia de fabricação do açúcar em Portugal. O engenho mouro é avô do engenho pernambucano. 
Nas palavras de Freyre, o português daquela época era uma:
Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que a individualize entre os 
imperialistas modernos. Assemelha-se uns à do inglês; noutros, à do 
espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do 
conquistador do México e do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. 
O tipo do contemporizador. Nem idéias absolutas, nem preconceitos 
inflexíveis. [...] Um rio que vai correndo muito calmo e de repente se precipita 
em quedas de água [...] (FREYRE, 2003, p. 265).
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Este seria um dos motivos pelo qual nem holandeses, nem franceses, conseguiram se manter 
colonizando o País. Ao invés de um forte choque cultural, teria sido operado um movimento de mistura 
cultural que acabou prevalecendo.
Na percepção da Companhia de Jesus, os índios aprendiam e desaprendiam seus ensinamentos 
religiosos rapidamente. Como havia grande quantidade de aldeias espalhadas pela floresta que falavam 
diferentes línguas, os padres jesuítas desenvolveram uma gramática para unificar as línguas indígenas e 
inventaram a língua-geral, o tupi-guarani. Dessa forma, criaram uma língua que serviu para a catequese 
do catolicismo entre os índios.
Contudo, nem a Igreja, nem o senhor de engenho, conseguiram enquadrar o índio no sistema de 
colonização que estava criando as bases econômicas do Brasil. O índio não chegava a ser escravo, 
morria antes de infecções, de fome e de tristeza. Finalmente, para suprir a deficiência da mão-de-obra 
escrava, os senhores de engenho de Pernambuco e do Recôncavo baiano passaram a importar negros 
escravizados da África (FREYRE, 2003).
Com isso, as escravas negras passaram a substituir as cunhãs índias tanto na cozinha, como na cama 
do senhor. O trabalho escravo elevou a produção de açúcar. Duzentos anos depois de seu descobrimento, 
o Brasil passou a ser importante para a economia de Portugal.
A compra de escravos misturava as tribos africanas. Entre os escravos, havia também negros 
muçulmanos. Em 1835, aconteceu o movimento malê na Bahia. Os revoltosos sabiam ler e escrever em 
árabe, o que facilitou a articulação dessa revolta. Para Freyre (2003, p. 370):
Pode-se juntar à superioridade técnica e de cultura dos negros sua 
predisposição como que biológica e psíquica para a vida nos trópicos. Sua 
maior fertilidade nas regiões quentes. Seu gosto pelo sol. Sua energia sempre 
fresca e nova quando em contato com a floresta tropical.
Assim, o Brasil acabou trazendo não apenas escravos para o trabalho árduo, mas também técnicos 
para as minas, donas de casa para os colonos, criadores de gado e comerciantes de panos e sabão. Os 
negros muçulmanos foram um ganho para a colonização do Brasil, apesar de serem mantidos em sua 
condição de escravos. A escravidão permitiu não apenas o ciclo da cana-de-açúcar, mas a colonização 
aristocrática e a estrutura básica do mundo dos coronéis, que se repetiu nos ciclos do ouro e do café, em 
Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo.
Nessa sociedade escravocrata e latifundiária, os valores culturais e sociais se misturavam à revelia 
de brancos e negros. A convivência cotidiana favorecia o intercâmbio de culturas, mas ao mesmo 
tempo gerava situações e hábitos que influenciaram a formação do caráter do brasileiro. Para Freyre, a 
escravidão degradava senhores e escravos:
E, na verdade, senhores, se a moralidade e a justiça de qualquer povo se 
fundam, parte nas suas instituições religiosas e políticas, e parte na filosofia, 
por assim dizer doméstica de cada família, que quadro pode apresentar o 
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Brasil quando o consideramos debaixo desses dois pontos de vista? (FREYRE, 
2003, p. 434).
O senhor de engenho passava aparentemente a maior parte do tempo deitado na rede, cochilando ou 
copulando. O sinhô não precisava se levantar da rede para dar ordens aos negros, bastava gritar. Os escravos 
veteranos, os ladinos, ensinavam para os recém-chegados a moral e os costumes dos brancos. Também 
ensinavam a língua e introduziam a forma de disfarçar seus cultos através do sincretismo. Os escravos ladinos 
também serviam para ensinar a técnica e a rotina na plantação da cana e na fabricação do açúcar.
A escravidão tirou o negro de seu meio social, desfazendo seus laços familiares. Além dos trabalhos 
forçados, ele também era usado como reprodutor. Seus filhos aumentavam o rebanho humano do 
senhor de engenho. Mesmo a Igreja concordava com o tratamento dado ao negro. A mulher escrava 
transitava entre a senzala e o interior da casa-grande, sempre na sua condição de reprodutora. As mais 
bonitas eram escolhidas para serem concubinas e domésticas.
Por ser objeto de desejo dos homens brancos, a mulher negra sofria castigos por parte da mulher 
branca. Se a beleza dos seus dentes incomodava a desdentada sinhá, esta mandava arrancá-los. A escrava 
adoçava a boca do senhor e recebia chicotadas à mando da senhora. Como as damas da sociedade se 
casavam entre os doze e os quinze anos, geralmente com homens muito mais velhos, eram as mulheres 
negras que cumpriam as tarefas que normalmente estariam destinadas à mãe de família (FREYRE, 2003).
 Lembrete
A visão de Gilberto Freyre é eminentemente machista. Mesmo 
que sua pesquisa histórica identifique corretamente determinados 
comportamentos, uma obra original de 1933 revela a ideologia 
predominante de quando foi escrito.
As esposas brancas aprendiam a vida de casada com suas escravas, e tudo que sabiam do mundo fora 
do engenho elas ouviam pelas mucamas. As mulheres brancas se casavam e morriam cedo por causa 
dos sucessivos partos, e aquelas que sobreviviam se tornavam matronas aos dezoito anos. Além disso, 
mal sabiam ler e escrever. Assim, a presença da mulher negra na vida do menino vinha desde o berço, 
quando ela o amamentava e o ninava. Ela também ensinava as primeiras palavras, o primeiro “pai nosso” 
e o primeiro “oxente” (FREYRE, 2003).
Os meninos descontavam no moleque, o pequeno escravo, seu companheiro de brincadeiras 
e aventuras, que servia também de saco de pancadas. Freyre (2003) sugere que as raízes da nossasociedade violenta vinham desse aprendizado cruel: quando o menino branco da casa-grande aprendia 
a maltratar os animais e os seres “inferiores”, os mulatos e os negros. Esse “moleque” negro ou mulato, 
que acompanhava o menino branco em sua infância, servia para desenvolver a violência patriarcal que 
seria exercida contra outras pessoas na vida adulta. Tornava-se uma criança mimada e educada para ser 
o herdeiro do senhor de engenho e, desde o início da adolescência, era entregue aos cuidados eróticos 
da fulô. Como narra Freyre (2003, p. 110):
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Costuma dizer-se que a civilização e a sifilização andam juntas. O 
Brasil, entretanto, parece ter-se sifilizado antes de se haver civilizado. A 
contaminação da sífilis em massa ocorreria nas senzalas, mas não que o 
negro já viesse contaminado. Foram os senhores das casas-grandes que 
contaminaram as negras das senzalas. Por muito tempo dominou no 
Brasil a crença de que para um sifilítico não há melhor depurativo que 
uma negrinha virgem.
Como as mulheres brancas morriam muito cedo, os senhores de engenho casavam-se muitas vezes. 
Geralmente, preferiam suas jovens sobrinhas. Suas heranças eram disputadas por filhos legítimos e 
parentes próximos. Os filhos bastardos, tanto os gerados na casa-grande, quanto os paridos na senzala, 
contavam com a tolerância do senhor, que ao morrer os libertava.
Assim, os filhos bastardos e os escravos mais próximos ao senhor conseguiam adotar o sobrenome 
dos brancos. O mais interessante é que muitos nomes ilustres de senhores brancos vinham dos apelidos 
indígenas e africanos das propriedades rurais. Portanto, a terra ajudou a abrasileirar os nomes dos 
proprietários portugueses.
A língua portuguesa também sofria modificações. O novo português nascia como uma mistura 
das falas da casa-grande, que era habitada pelas mulheres negras em suas funções de mães negras e 
mucamas, e foi adotado pelos filhos e pelas mulheres brancas do senhor de engenho. O modo nordestino 
de dizer “me diga” ou “me espere”, por exemplo, vem das línguas africanas. Também as formas diminutivas 
“benzinho”, “nézinho” ou “inhozinho” têm essa origem (FREYRE, 2003).
O clima tropical e as formas agressivas de vida vegetal e animal impossibilitavam a implantação de 
uma cultura agrícola nos moldes do costume europeu. O português precisou, então, mudar seus hábitos 
alimentares. A mandioca substituía o trigo; no lugar das verduras, o milho; e as frutas davam um colorido 
novo à mesa do colonizador. Entretanto, sua dieta ficava empobrecida devido à ausência de leite, ovos 
e carne, que só apareciam em datas especiais, festas e comemorações. Era um novo jeito de falar, um 
novo jeito de andar, um novo jeito de comer. A culinária da senzala aproveitava as sobras de carnes da 
casa-grande, usava o aipim indígena e as verduras, misturava os temperos africanos, principalmente o 
dendê e a pimenta-malagueta. Surgiam a feijoada, a farofa, o quibebe, o vatapá.
Outro resquício importante da cultura negra na vida doméstica brasileira foi a culinária. Várias 
comidas portuguesas e indígenas foram modificadas pelas técnicas culinárias africanas. A adoção do 
azeite-de-dendê e da pimenta-malagueta, tão comuns na cozinha baiana, e até mesmo o consumo do 
quiabo, tem origem africana. A farinha indígena virou farofa, e o mingau de mandioca virou vatapá.
Nas ruas de Salvador – a mais afro-brasileira das cidades – vendia-se caruru, mocotó, vatapá, 
pamonha, canjica, acaçá, abará, arroz-de-coco, angu e pão-de-ló de arroz e de milho. Os tabuleiros 
forrados com toalhas brancas ficavam montados em armações de pau, no pátio de uma igreja ou 
ao lado de um grande sobrado. Muitas receitas africanas foram descritas por Gilberto Freyre, pois 
ele as percebia como documentos históricos. Os alimentos tinham de combinar com a dureza do 
trabalho escravo.
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As religiões do senhor e do escravo conviviam. Os padres sabiam que estavam concedendo aos 
negros o direito de manter suas tradições nas festas do terreiro. O catolicismo praticado era uma religião 
doméstica, de promessa aos santos, geralmente nas capelas dos engenhos. Dessa proximidade religiosa 
nasceram as religiões afro-brasileiras, quando São Jorge virou Ogum, e Nossa Senhora, a representação 
de Iemanjá.
As crendices e magias dos portugueses foram transformadas em feitiçaria pelos africanos. Aos negros 
feiticeiros recorriam os senhores brancos idosos quando procuravam afrodisíacos. As jovens sinhás que 
não conseguiam engravidar também apelavam para as mães negras.
Contudo, a vida continuava dura para quem era escravo, como relata Freyre:
Não foi só de alegria a vida dos negros escravos dos ioiôs e das iaiás brancas. 
Houve os que se suicidaram comendo terra, enforcando-se, envenenando-se 
com ervas e potagens dos mandingueiros. O banzo deu cabo de muitos. O 
banzo – a saudade da África. Houve os que de tão banzeiros ficaram lesos, 
idiotas. Não morreram, mas ficaram penando (FREYRE, 2003, p. 551).
Por fim, criou-se uma nova hierarquia entre os negros. Aqueles que trabalhavam nas casas-grandes 
e nas cidades nos serviços domésticos passaram a ter bom tratamento. Com o tempo, alguns engenhos 
adotaram nomes de origem africana como Zumbi, Cafundó, Cabida ou Fubá (FREYRE, 2003).
Finalmente, os negros libertos pela alforria, pela revolta ou pelas fugas lutavam unidos nos quilombos 
pelo fim da escravidão. Encontraram apoio nos ideais libertários dos filhos dos senhores de engenho, que 
tinham se tornado abolicionistas por motivos econômicos ou humanitários. Assim, a música, o canto e 
a dança dos escravos tornavam a casa-grande alegre, e a risada do negro, que quebrava a melancolia e 
o silêncio infinito do senhor de engenho, podia ser ouvida por toda parte.
 Saiba mais
Assista a trechos da entrevista de Gilberto Freyre em:
FREYRE, G. Gilberto Freyre: entrevista [1983]. São Paulo: TV Cultura, 1983. 
Entrevista concedida ao programa Entrelinhas da TV Cultura. Disponível em: 
<http://tvcultura.com.br/videos/27681_entrelinhas-gilberto-freyre.html>. 
Acesso em: 2 maio 2017.
Segundo Freyre:
Aos colonos, por exemplo, pouco incomodava a nudez dos escravos ou 
“administrados” nas plantações. Nudez que até lhes convinha sob o ponto 
de vista do interesse econômico. De um colono rico dos primeiros tempos 
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sabe-se que ia ao extremo de fazer-se servir à mesa por índias nuas; e não 
parece que fosse caso isolado o seu. Enquanto os padres desde o princípio 
insistiram cristã e pudicamente em vestir os índios, apenas tolerando a 
nudez dos meninos; ou em meninos e gente grande quando absoluta a 
falta de pano para roupa. Da imposição de vestuário europeu a populações 
habituadas à pura nudez ou a cobrirem-se apenas do bastante para lhes 
decorar o corpo ou protegê-lo do sol, do frio ou dos insetos conhecem-se 
hoje os imediatos e profundos efeitos disgênicos. Atribui-se ao seu uso 
forçado influência não pequena no desenvolvimento das doenças da pele e 
dos pulmões que tanto concorrem para dizimar populações selvagens logo 
depois de submetidas ao domínio dos civilizados; doenças que no Brasil dos 
séculos XVI e XVII foram terríveis.
O vestuário imposto aos indígenas pelos missionários europeus vem afetar 
neles noções tradicionais de moral e de higiene, difíceis de se substituírem 
por novas. É assim que se observa a tendência, em muitos dos indivíduos 
de tribos acostumadas à nudez, para só se desfazerem da roupa europeia 
quando esta só falta largar de podre ou de suja. Entretanto são povos de um 
asseio corporal e até de uma moral sexual às vezes superior à daqueles que 
o pudor cristão faz cobrirem-se de pesadasvestes.
Quanto ao asseio do corpo, os indígenas do Brasil eram decerto superiores 
aos cristãos europeus aqui chegados em 1500. Não nos esqueçamos de 
que entre estes exaltavam-se por essa época santos como Santo Antão, o 
fundador no monaquismo, por nem os pés dar-se à vaidade de lavar; ou 
como São Simeão, o Estilita, de quem de longe se sentia a inhaca do sujo. 
E não seriam os portugueses os menos limpos entre os europeus do século 
XVI, como a malícia antilusitana talvez esteja a imaginar; mas, ao contrário, 
dos mais asseados, devido à influência dos mouros. Dos primeiros cronistas 
são os franceses os que mais se espantam da frequência do banho entre os 
caboclos: Ives d’Evreux e Jean de Léry (FREYRE, 2003, p. 180).
2 O POVO BRASILEIRO SEGUNDO DARCY RIBEIRO
Darcy Ribeiro escreveu O Povo Brasileiro apresentando para a intelectualidade os resultados de 
sua investigação a partir da pergunta: “Por que o Brasil não deu certo?”. Para tal, o autor começou 
desconstruindo mitos sobre a identidade brasileira e sobre a construção da História do Brasil, em especial, 
sobre a miscigenação.
Darcy expõs no prefácio da obra a dificuldade de formular uma teoria sobre o Brasil, pois isso requeria 
uma nova abordagem além do entendimento de um processo histórico ou um braço da história ocidental 
europeia. Portanto, Ribeiro procurou se desvencilhar dos clássicos e da simples aplicação das matrizes 
de pensamento europeu para entender a formação do povo brasileiro enquanto algo novo e singular.
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O povo brasileiro passou a ser entendido como uma confluência da matriz portuguesa com a herança 
miscigenada dos índios e negros, em que cada qual trouxe suas peculiaridades para contribuir com a 
formação do brasileiro. A diferenciação do brasileiro para o português, ou dos povos das outras colônias, 
é um resultado heterogêneo de três fatores: a ecologia, constituída por paisagens que condicionaram 
o povo a adaptações específicas para habitar a geografia local; a economia, pois o Brasil se formou 
enquanto uma colônia e, portanto, não havia lógica produtiva que visasse à construção do próprio país, 
mas, sim, à alimentação de um mercado mundial; e a imigração, que trouxe principalmente europeus, 
árabes e japoneses para essa estrutura que já era capaz de “abrasileirá-los” (RIBEIRO, 1995).
Os modos de ser brasileiro foram identificados pelo autor em cinco tipos: o brasil crioulo, brasil 
sertanejo, brasil caipira, brasil sulino e brasil caboclo. Contudo, a urbanização, a industrialização e os 
meio de comunicação de massa contribuíram para a uniformização dos brasileiros que, diferentemente 
de países como a Espanha, veem-se como povo unificado e regido pelo mesmo Estado-nação.
Ribeiro, entretanto, não deixou de apontar que por trás dessa unificação étnica, existiam 
antagonismos, contradições e disparidades que ocorriam, e ocorrem, devido a esses mesmos processos 
de formação. Mostrou que a colonização foi um processo violento de unificação política que suprimiu 
toda tentativa de rompimento ou subversão da ordem vigente e que, independentemente dos valores 
pregados pelos movimentos separatistas, movimentos republicanos ou antioligárquicos também foram 
reprimidos da mesma maneira.
Dentro dessa sociedade brasileira, as barreiras sociais eram, de acordo com Ribeiro (1995), mais 
intransponíveis que as raciais, criando uma sociedade marcada por um classismo que não funciona 
como nas sociedades europeias, com o simples enfrentamento e conquista do trabalhador pela parcela 
do que produz, mas, sim, com o constante genocídio que tem início com a escravidão. A mão de obra 
escrava era violentamente recrutada para trabalhar em uma produção que era alheia a si e ao próprio 
interesse nacional, dado seu papel na economia mundial.
As lutas antiescravagistas e o medo de que o povo se rebelasse continuou como fator presente no 
cotidiano da sociedade, pois esta se desenvolveu de forma a sustentar a desigualdade e o classismo, 
criando uma minoria apática e perversa com privilégios de todos os tipos, incluindo o de explorar 
indefinidamente o povo. O medo de uma rebelião das classes mais baixas era constante, o que resultou 
em um autoritarismo recorrente por parte da ordem vigente em garantir a sua manutenção, suprimindo 
até mesmo os menores desvios com a violência (RIBEIRO, 1995).
2.1 As matrizes
O povo brasileiro nasce de um conjunto de matrizes que se encontram e, 
da mesma maneira, se desfazem para originar um povo novo, brasileiro, 
que também é velho. A matriz indígena, tupi, presente de forma plural, 
mas antagônica de forma unitária ao europeu, sofreu o primeiro ataque 
pelo contato biológico, o que resultou em um genocídio indireto – pragas e 
doenças assolaram os povos indígenas.
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O europeu impôs uma política extremamente agressiva e, desde o começo, deu continuidade aos 
conflitos intraeuropeicos no cenário intraindígena, desarmando a possibilidade de uma resistência 
unitária, cultural e bélica. Sem a organização de Estados e uma diplomacia formal, as estruturas tribais 
dificultaram a dominação europeia, que buscou escravizar, dizimar ou, quando incapazes de realizar as 
duas opções, forçar a fuga para territórios mais distantes e inacessíveis.
Os próprios conflitos indígenas e as estruturas de produção entre as tribos, que os portugueses e 
espanhóis buscaram entender para dominá-las, revela a ignorância que o índio tinha da humanidade 
do europeu e vice-versa. Dessa maneira, práticas como a submissão de certas tribos às outras, mais 
belicosas e fortes, que sempre foi algo presente na política do continente europeu desde os primórdios 
da Antiguidade, não aproximaram os europeus dos índios, pois a diferença cultural e produtiva era tal 
que seus interesses e ações eram irreconciliáveis e uma convivência harmoniosa não foi construída.
O bloco lusitano, que compõe a segunda matriz, além de católico e parte do “velho mundo”, era 
um jovem povo unificado por um processo de revolução mercantil sob a batuta de um Estado-nação 
monárquico. Seus impulsos, para além da expansão da economia mercantil, balizada na supremacia 
náutica, visava expandir o projeto cultural católico de cristianização dos povos pelo homem branco.
O encontro do índio com a produção portuguesa, estranha e inútil, mas incorporada pelo imaginário 
do índio, acabou por integrá-lo ao funcionamento mercadológico europeu. Os portugueses subordinaram 
os índios com a troca de produtos naturais e riquezas que eles forneciam, mas que eram medidas por 
sentidos diferentes, com significados culturais diferentes. Aos poucos, o índio descobriu o que era o 
lucro, a riqueza, o acúmulo e a idéia europeia de valor, ou seja, a motivação por trás desse invasor tão 
agressivo e obcecado por materiais específicos.
Com a construção dos portos e a produção do açúcar, subsequentes à chacina primeira que 
ocorreu com os índios da costa brasileira, a paisagem transformou-se em colônia, deixando para 
trás aquela imagem de paraíso perdido. A guerra contra os índios, que simultaneamente ocorria 
com o processo de povoação europeia da terra, trouxe os negros africanos para servirem como 
escravos da produção açucareira.
As aspirações espirituais jesuíticas, que buscavam, num segundo momento, trabalhar contra 
as empreitadas mercadológicas dos Estados-nação Portugal e Espanha, acabaram por permitir 
a colonização em todas as dimensões, pois serviram, à contragosto, ao propósito do etnocídio 
indígena. Os jesuítas e franciscanos perderam a disputa ideológica para os colonos, que trabalhavam 
no sentido contrário, promovendo a escravidão e o genocídio, além das suas utopias em relação à 
construção de um novo mundo.
Legitimados pelos servos de Cristo, os colonos e a Coroa colocaram em prática acolonização sem 
precisar de motivos adicionais ou pretextos. Portugal estava livre para consolidar seu domínio sobre 
todas as dimensões dos habitantes de sua colônia, fossem eles colonos, índios ou negros africanos 
(RIBEIRO, 1995).
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2.2 A miscigenação
Os brasilíndios foram chamados de mamelucos pelos jesuítas espanhóis 
horrorizados com a bruteza e desumanidade dessa gente castigadora de seu 
gentio materno. Nenhuma designação podia ser mais apropriada. O termo 
originalmente se referia a uma casta de escravos que os árabes tomavam de 
seus pais, para criar e adestrar em suas casas-criatórios, onde desenvolviam 
o talento que acaso tivessem (RIBEIRO, 1995, p. 107).
A miscigenação é o processo constante de unificação do país, pois dela advém uma unidade nacional 
biológica por não ser considerada um pecado, como ocorreu em outros países, resultando em uma 
pluralidade de relações que configurou os diferentes Brasis.
Um processo determinante na constituição da miscigenação entre índios e portugueses ocorreu 
logo na chegada destes últimos, pois, recebidos por índios, receberam mulheres índias como forma de 
estabelecer relação entre os europeus recém-chegados e todos os índios. Essa tradição diplomática tem 
o nome de cunhadismo e foi responsável pelos mestiços que ocuparam inúmeras regiões do País, em 
especial São Paulo.
A lógica que reinava na estratificada e miserável sociedade colonial levou aqueles filhos de 
portugueses com índias, os brasilíndios dos planaltos paulistas, a se aventurarem terra adentro em 
busca de uma prosperidade nessa sociedade escravocrata. Caçavam escravos em regiões cada vez mais 
distantes, à semelhança da corrida do ouro, para ascender socialmente na pobre economia paulista 
(RIBEIRO, 1995).
A miscigenação é a característica mais marcante de nossa colonização, pois ela transcende a mistura 
de indivíduos; é a confusão de referências culturais que se encontram no mesmo território, sob a mesma 
nação, no processo subliminar de formar um povo. Ribeiro retrata a dificuldade da construção identitária 
das etnias brasileiras pela hierarquia social, que enquadrava desejos de ascensão e pertencimento como 
figuras distantes do solo brasileiro.
Temos aqui duas instâncias. A do ser formado dentro de uma etnia, sempre 
irredutível por sua própria natureza, que amarga o destino do exilado, 
do desterrado, forçado a sobreviver no que sabia ser uma comunidade 
de estranhos, estrangeiro ele a ela, sozinho ele mesmo. A outra, do ser 
igualmente desgarrado, como cria da terra, que não cabia, porém, nas 
entidades étnicas aqui constituídas, repelido por elas como um estranho, 
vivendo à procura de sua identidade. O que se abre para ele é o espaço 
da ambiguidade. Sabendo-se outro, tem dentro de sua consciência de se 
fazer de novo, acercando-se dos seus similares outros, compor com eles 
um nós coletivo viável. Muito esforço custaria definir essa entidade nova 
como humana, se possível melhor que todas as outras. Só por esse tortuoso 
caminho deixariam de ser pessoas isoladas como ninguéns aos olhos de 
todos (RIBEIRO, 1995, p. 132).
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Nesse sentido, Ribeiro (1995) indica que a construção do brasileiro vem de um espaço ambíguo, uma 
não identidade, deixada em aberto pela incapacidade das etnias irredutíveis em se misturar, justamente 
pelos papeis sociais a serem desempenhados por cada uma. Contudo, os filhos dessa mistura não 
tinham um papel para que pudessem ser naturalmente integrados nessas etnias e, de alguma forma, 
marginalizados pelas etnias, formaram uma nova por exclusão.
O abandono dos brasilíndios, ou mamelucos, que rejeitavam a origem indígena ou negra e eram 
rejeitados pelos pais europeus, restou um não ser, que constituía a “ninguendade” desse povo em formação. 
O brasileiro começa a perceber a origem de uma identidade própria, não pelo autorreconhecimento, mas 
pelo estranhamento do português, que o via como algo diverso. A identidade do povo brasileiro, enquanto 
algo original e inexistente até então, é construída pela não identificação, uma união pela rejeição.
Para Darcy Ribeiro (1995), o processo de construção dos novos povos da América Latina é um 
processo de desconstrução dos velhos; o índio se desindianiza, o negro se desafricaniza e o europeu 
se deseuropeiza. Disso nascem os povos que habitam a América Latina, em especial o Brasil, o que 
Ribeiro nomeia de Povos Novos. Os chilenos, peruanos, brasileiros e outros povos latino-americanos 
seriam justamente novos, pois tornariam-se irredutíveis sob a égide de seus Estados étnicos, com certas 
peculiaridades observadas nos distintos processos de colonização.
Os processos separatistas que tiveram lugar no Brasil, principalmente os do Brasil Colônia, buscavam 
novas ordenações econômicas e uma fuga da tirania central e monopolizante que era o Estado brasileiro. 
As revoltas da Inconfidência foram organizadas pelo inconformismo de uma elite local com os valores 
empreendidos pela ordem econômica. Já a Conjuração Baiana foi uma revolta de escravos e miseráveis 
que buscavam a independência, pois viam nessa imagem a possibilidade de liberdade da escravidão 
e da completa miséria opressora que as elites locais sustentavam. Todas as revoltas separatistas 
foram reprimidas militarmente, e a estabilidade política ao longo da história mitigou os movimentos 
separatistas; mas o ponto que atravessa todos eles é a falta de um discurso identitário, pois não há o 
entendimento de que um povo diferente vive dentro do território brasileiro (RIBEIRO, 1995).
Evidentemente que isso ocorreu porque escravos, portugueses e índios viveram aqui por séculos. 
Contudo, o processo de união nacional, de unificação política em torno do Estado-nação, garantiu 
a unidade do País, salvo no caso do Uruguai, que ilustra justamente a distância cultural necessária 
para que um movimento separatista tenha sucesso. O brasileiro, na sua ninguendade, na sua falta de 
identidade própria, vê-se coeso e uniforme; na sua pluralidade de Brasis, há um povo unido, que após 
seus séculos coloniais, não vê sentido de deixar de sê-lo, nem se enxerga como diferente o bastante para 
se tratar de outro povo.
 Observação
Dessa sugestão de Darcy Ribeiro, surge a ideia de que o Brasil seria 
uma nova Roma. Isso porque, ao longo de sua história, escravos e povos 
dominados pelos romanos incorporaram a língua e costumes romanos e, 
finalmente, alcançaram o poder dentro do próprio Império.
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Com a quebra da irredutibilidade de seus ancestrais, a convivência entre os miscigenados logo 
resultou em um sentimento de coletividade, marcado primordialmente pela convivência de pessoas 
variadas, filhas de misturas e que já não carregavam identidades homogêneas. O senso de coletividade 
começa a se estruturar e a inicial falta de identificação dá lugar ao povo brasileiro, que surge antes de 
sua independência, mas após o Estado que regia suas vidas cotidianas.
O abismo de classes é aspecto manifesto da miscigenação, tornando-a um violento processo de 
conquista de terras e poder por parte de uma elite que ainda se vê cercada de invasores, independentemente 
dos que antes se intitulavam donos ou usufruíam da terra. Os conflitos tornam-se verdadeiras guerras 
étnicas, pois, diferentemente das disputas indígenas, que se balanceavam pelo equilíbrio populacional 
e poder bélico, o europeu lançou um projeto macro-étnico de dominação que não pode ser freado 
pelos índios, causando um desequilíbrio que forçou integrá-los ou exterminá-los, contra sua vontade 
ou capacidade de resistência. Não havia espaço para índio no projeto europeu, principalmente após 
o fracasso de escravizá-los; eles nemmesmo eram vistos como adversários, mas apenas “invasores”, 
incômodos no processo de ocupação da terra (RIBEIRO, 1995).
O processo de formação do povo brasileiro, que se fez pelo entrechoque de 
seus contingentes índios, negros e brancos, foi, por conseguinte, altamente 
conflitivo. Pode-se afirmar, mesmo, que vivemos praticamente em estado de 
guerra latente, que, por vezes, e com frequência, se torna cruento, sangrento 
(RIBEIRO, 1995, p. 168).
O choque de culturas não foi apaziguado com a formação do Estado brasileiro. Esse Estado foi 
consolidado pela cultura europeia branca, que buscava utilizá-lo como centro de opressão e manutenção 
de poder, legitimando o projeto, assim como garantindo seu avanço por meio de todas as ferramentas 
que a política permitia.
Com o viés classista não foi apenas o Estado que funcionou em favor das elites locais; o próprio 
projeto de país como um mecanismo de manutenção das distâncias sociais impactou o funcionamento 
da economia interna, moldando o que o autor chama de “Empresa Brasil” (RIBEIRO, 1995).
3 A EMPRESA BRASIL
Para Darcy Ribeiro (1995), o Brasil constituiu-se, no âmbito produtivo, em quatro ordens diferentes. 
A primeira foi o Brasil escravista, com mão de obra africana, suprindo a monocultura latifundiária do 
açúcar, depois o ouro e o café. A segunda foi a jesuíta, com os índios. A terceira, que teve longo alcance 
social, ainda que não representasse uma força econômica nacional, eram as atividades de subsistência, 
como a criação de gado. A quarta predominava sobre todas: era a esfera dos banqueiros portuários, que 
dominavam o tráfico negreiro e garantiam a exportação de ouro e açúcar e a importação de escravos.
A diretriz econômica do Brasil é urbana. Isso significa dizer que, desde o começo do Brasil, a elite 
concentrou-se nas cidades e delas desenhou seu enriquecimento, ainda que ligado ao campo. O Brasil, 
portanto, nasceu como um país predominantemente urbano, mesmo que sua riqueza viesse inicialmente 
das minas e da terra.
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Os centros urbanos cresceram e os campos foram explorados e esvaziados durante todos os séculos. 
A falta de oportunidade e de abastecimento e a expansão tecnológica levaram camponeses a fugirem 
do campo buscando melhores condições de vida em cidades, que não comportaram essa numerosa 
chegada. Isso levou milhões de pessoas a viverem em uma situação periférica, marginal, criando uma 
desigualdade impactante no horizonte urbano.
O País, no sentido populacional, tornou-se urbano somente em 1960, pois não apenas as elites 
comandavam tudo das capitais, mas o povo finalmente tornou-se maioria nas cidades. Ribeiro (1995) 
aponta que esse processo foi complementado pela industrialização, que teve início nas zonas urbanas e 
foi ampliado por Getúlio Vargas, que o consolidou com seu projeto de estatais.
As empresas criadas deram início ao capitalismo de Estado promovido por todos os governos desde 
então; alguns marcados pelo viés nacional-desenvolvimentista, outros privatistas, mas seguindo a lógica 
do uso da máquina pública para sustentar o acúmulo de riqueza privada. A criação de empregos urbanos, 
exército de reservas e exploração dos próprios recursos permitiu um primeiro avanço, mascarando a 
aceleração da dinâmica do capital brasileiro, assim como a manutenção de sua posição na economia 
global: um exportador de commodities.
Após Getúlio Vargas, medidas privatistas foram tomadas por Juscelino Kubitschek. O presidente trouxe 
indústrias e concedeu subsídios às multinacionais, primordialmente norte-americanas. Os mercados 
internos foram dominados e estratificados por grandes empresas com seu lobby, que não permitia 
nenhum desenvolvimento privado interno e boicotava qualquer avanço econômico que buscasse uma 
autonomia nacional. A modernização de Juscelino veio, mas trouxe um preço que a sociedade não 
tinha estrutura para pagar; isso acabou por absorver as mazelas do passado sob nova faceta, mais 
eficiente. O Brasil continuou a trabalhar alienado de sua produção, mas agora numa paisagem urbana, 
com uma crise de desemprego e violência. A crise teve contornos geográficos drásticos, já que acirrou 
a desigualdade do Sudeste, mas não somente, pois elevou as cidades capitais, como São Paulo, a um 
status nunca antes experimentado no País.
A megalópole começava a ganhar forma, enquanto o resto do país ficava pobre, abandonado e sem 
capacidade de fazer frente às demandas políticas dos estados do Sudeste. A desigualdade dos estados, 
que já existia desde o ciclo do café, e a realocação dos negros, já livres, misturados com a força de 
trabalho dos imigrantes, inflou o Sudeste e arruinou economicamente o Nordeste.
Ribeiro (1995) elaborou dois conceitos perversos que travestiram esse processo de industrialização, 
uma vez que desenvolveram o País para outros do chamado Primeiro Mundo. A modernização reflexa e a 
atualização histórica opuseram-se à aceleração evolutiva, impedindo a real industrialização e garantindo 
nossa condição subalterna na economia mundial.
Os escravos deram lugar aos homens livres, marginalizados, negros e presos à suas carências. O 
colonialismo deu lugar ao imperialismo, e fomos elevados de colônia ao status de Terceiro Mundo, como 
um país em desenvolvimento. Os rótulos mudam e, ainda que setores do país melhorem, as melhoras 
são paradoxais por continuarem aprofundando as contradições classistas e a miséria da grande massa. 
O manejo da economia é limitado, já que as elites a utilizam para a manutenção do acúmulo. O resto do 
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mundo discursa como se o Brasil fosse de fato um país independente, quando, na verdade, continuamos 
sendo peça fundamental para o desenvolvimento de outros povos, mas não do nosso próprio.
Darcy Ribeiro não deixou de descrever o tipo de violência que essa empresa empreendeu, seja 
fisicamente, com os escravos e a população pobre, seja politicamente, sabotando o desenvolvimento 
social do País. A respeito dos escravos, uma passagem é bem significativa para entender o manejo da 
mão de obra de então:
Sem amor de ninguém, sem família, sem sexo que não fosse a masturbação, 
sem nenhuma identificação possível com ninguém seu capataz podia ser um 
negro, seus companheiros de infortúnio, inimigos, maltrapilho e sujo, feio e 
fedido, perebento e enfermo, sem qualquer gozo ou orgulho do corpo, vivia 
a sua rotina. Esta era sofrer todo o dia o castigo diário das chicotadas soltas, 
para trabalhar atento e tenso. Semanalmente vinha um castigo preventivo, 
pedagógico, para não pensar em fuga, e, quando chamava atenção, recaía 
sobre ele um castigo exemplar, na forma de mutilações de dedos, do furo 
de seios, de queimaduras com tição, de ter todos os dentes quebrados 
criteriosamente, ou dos açoites no pelourinho, sob trezentas chicotadas de 
uma vez, para matar, ou cinquenta chicotadas diárias, para sobreviver. Se 
fugia e era apanhado, podia ser marcado com ferro em brasa, tendo um 
tendão cortado, viver peado com uma bola de ferro, ser queimado vivo, em 
dias de agonia, na boca da fornalha ou, de uma vez só, jogado nela para 
arder como um graveto oleoso (RIBEIRO, 1995, p. 119).
Essa pesquisa antropológica dos hábitos e das técnicas desenvolvidos pelos senhores de terra para 
manter os escravos sob controle e produtivos revela a violência que sustentava a relação econômica 
mais importante do País até então. Dessas práticas, fundamentais para a escravidão, surge a discrepância 
do povo sensível, sofrido, que também é cruel, permeado pela brutalidade cínica, pois é incapaz de 
reconhecer sua própria violência.
As figuras mais tradicionais da escravidão, como o chicote e o pelourinho, não comportam outras 
imagens mais chocantes, como a de negros queimados vivos ou mutilados. O racismo, lembrado pela 
figurado branco torturador e do negro africano, preso e obediente, marcou de forma irreparável a 
sociedade brasileira, e continua a ser revivido em figuras e momentos de extrema violência social.
O Brasil carrega na raiz de sua identidade uma dimensão violenta, indissociável da figura da 
autoridade. Por tal motivo, o País construiu ao longo dos anos figuras autoritárias predispostas a torturar 
e oprimir os pobres e políticas públicas que demonstram o poder daqueles que ocupam essas posições 
de autoridade, o que acirrou o racismo e o classismo que marcam a sociedade brasileira.
A elite brasileira ocupava, no período colonial, tarefas distantes das produtivas, dividindo-se em três 
dimensões letradas: aqueles que ocupavam a burocracia e o Estado, nos moldes portugueses, outros 
que ocupavam cargos religiosos, com a função de catequizar e expandir a ordem religiosa, e, por último, 
os que lucravam com a exportação. A interação entre as três camadas sociais exerceu uma dominação 
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completa do homem branco sobre o negro, mas de modo algum existiu uma sincronia ou coordenação 
(RIBEIRO, 1995).
Na prática, o sistema autoritário e opressivo da população beneficiava toda a camada alta da 
sociedade, independentemente de sua função. Contudo, seus interesses, aspirações e ideologias variavam, 
assim como suas atuações políticas. Portanto, eram comuns disputas políticas ou intercruzamentos de 
ações dentro do mesmo espaço demográfico e geográfico. O sistema se articulava como um todo para 
gerar uma unidade e um controle classista, levando em conta os movimentos políticos contrários que 
habitavam dentro dele. A sociedade foi, portanto, o resultado da força, e não de uma grande articulação 
das elites.
 Lembrete
As classes dominantes do País não eram constituídas por um único 
grupo, mas por muitos grupos que aspiravam ao poder sempre autoritário.
A dificuldade da implantação de um projeto único e oficial para o País está na raiz das funções de 
cada elite, pois logo de cara a catequização avançou dialeticamente com a miscigenação proibida. Da 
mesma forma, ocorreu um embate entre o racionalismo burocrático lusitano e o espontaneísmo com as 
atividades desenvolvidas aqui, colocando o Estado sempre atrás da exploração econômica. Esse é o caso 
que ficou evidente com a descoberta do ouro pelos bandeirantes; o Estado monopolizou a riqueza na 
tentativa de controlar e oficializar a exploração, condenando de antemão todo o garimpo já existente.
Os movimentos que contrastam com o progresso representado pelo projeto oficial, que Darcy Ribeiro 
(1995) chama de anarquia, resultam em ilhas arcaicas e regiões modernizadas. As primeiras se formam 
pelo isolamento e pelas condições sociais, diferentemente da aparência conservadora que exprimem, e 
isso pode ser evidenciado quando o isolamento é rompido e o arcaico encontra o moderno – que somente 
é moderno porque sempre há quem defenda o atraso. A modernização é também aparente porque está 
ligada exclusivamente à economia, não afetando os valores sociais do tradicionalismo (RIBEIRO, 1995).
Esse progresso que rompe as ilhas arcaicas está relacionado com a fácil aceitação que a população 
empobrecida tem de novos modos de vida, uma vez que ela acredita que os sinais de mudança são 
opções de libertação social. A consequência direta desse desapego do ancestral configura um novo 
matiz cultural, que não presta contas com suas origens europeias, africanas ou indígenas.
O resultado pós-colonial direto é a nacionalização da classe dominante, que se transforma sem 
resistência, instaurando a mesma lógica colonizadora que continuaria a garantir o lucro. A independência 
é concedida pela Inglaterra e imposta pelo monarca. Na prática, o sistema permaneceu o mesmo, pois 
o povo ainda não trabalhava para si. O Estado brasileiro, portanto, apresentou uma continuidade, e não 
uma ruptura, incumbido-se da missão de sustentar seu aparelho repressivo para manter o regime antigo 
sob as formas do novo.
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Unidade I
4 OS BRASIS NA HISTÓRIA
Para Ribeiro (1995), os Brasis são quadros regionais que buscam decompor os distintos e apressados 
processos de formação étnica que povoaram as diferentes regiões, de diferentes maneiras. A preferência 
do autor é compor cenários brasileiros, ao invés da tradicional historiografia una do País.
Após a chegada dos portugueses, a documentação demonstra que neobrasileiros passam a existir, 
tanto do lado europeu, quanto do indígena, pois já não se comportam como descendentes diretos, 
herdeiros, de uma ou outra cultura, mas de uma nova, em processo de gestação.
Na costa nordestina, no século XVI, os índios desgarrados compunham comunidades com 
portugueses e mestiços, criando as primeiras comunidades-feitorias, que viriam a servir de suporte 
aos navios portugueses, assim como manter as relações de escambo com as tribos indígenas. Ainda 
que embebidos na cultura predominantemente indígena, sem falar o português, a estrutura dessas 
feitorias era europeia.
Foi com esse modelo de feitoria que a colonização avançou, estabelecendo as diversas atividades 
econômicas, como a pastoril e a mineração. Com ritmos diferentes e influenciando a indianidade 
circundante, esse modelo espalhou-se pelo território, como ilhas civilizatórias, para então estabelecer 
uma comunicação entre si. Três dimensões permeavam similarmente essas comunidades: a identidade 
protobrasileira, a estrutura socioeconômica colonial e sua economia mercantil (RIBEIRO, 1995).
Essa identidade, construída também sobre a cultura indígena, é que permitirá a adaptação do 
brasileiro a qualquer lugar do território nacional. O processo misto de adaptação e diferenciação 
resultaria em cinco grandes blocos culturais: caboclo, crioulo, sertanejo, caipira e gaúcho.
Esses núcleos distintos tinham sua relação direta com a metrópole e, diferentemente da América 
hispânica, não se tornaram independentes. Pelo contrário, constituiram-se como um povo-nação, regido 
por uma entidade cívica única.
4.1 O Brasil crioulo
O engenho foi a primeira agroindústria portuguesa e viabilizou toda a ocupação e colonização inicial, 
pois não havia minérios a serem explorados e os índios não consistiam em mão de obra disciplinada. 
A questão da mão de obra foi o grande impedimento de uma expansão mais acelerada dos engenhos. 
Entretanto, os portugueses expandiram em poucas décadas os engenhos pela colônia, e a produção 
aumentou de tal forma que o preço despencou.
O consumidor europeu, inicialmente da elite, capaz de consumir especiarias, tornou-se um consumidor 
diário de açúcar, expandindo o mercado e fornecendo lucros suficientes para sustentar a exploração no 
Brasil. O lucro aumentou de tal maneira que, nos séculos seguintes, o açúcar era o principal produto 
da economia mundial, aumentando a safra brasileira a valores que superavam qualquer exportação 
europeia. Ribeiro coloca que:
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FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA DO BRASIL
Isso foi o que sucedeu, o açúcar deixou de ser uma especiaria para 
converter-se num produto comercial comum. Mesmo assim, seus preços de 
custo e de venda eram suficientemente atrativos para permitir o custeio da 
produção e o transporte transatlântico do próprio açúcar, e o do transporte 
ultramarino, em sentido inverso, da escravaria africana que o produziria 
(RIBEIRO, 1995, p. 273).
Somente no ciclo do ouro que o açúcar perde importância no Brasil. Dessa estrutura econômica 
nasce o crioulo ou, ainda, a configuração sócio-cultural crioula. Como o açúcar era o motor social 
dos locais em que os engenhos estavam estabelecidos, o modo de ser crioulo existia para tornar essa 
produção mais dinâmica e eficiente.
A estrutura familiar e

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