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Uma introdução à relatividade restrita centrada na interpretação geométrica de Minkowski para o plano hiperbólico Telmo Ricardo Costa Luís Dissertação para obtenção do grau de Mestre em Engenharia Electrotécnica e de Computadores Orientadores: Professor Doutor Carlos Manuel dos Reis Paiva Professora Doutora Filipa Isabel Rodrigues Prudêncio Júri Presidente: Professor Doutor José Eduardo Charters Ribeiro da Cunha Sanguino Orientador: Professor Doutor Carlos Manuel dos Reis Paiva Vogal: Professor Doutor Paulo Sérgio de Brito André Novembro 2016 “Daqui em diante os conceitos de espaço e de tempo, considerados como autónomos, vão desvanecer-se como sombras e somente se reconhecerá existência independente a uma espécie de união entre os dois.” – Hermann Minkowski i ii AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, ao ilustre Professor Doutor Carlos Paiva por me ter proporcionado a honra de poder realizar esta dissertação. Um eterno obrigado por todo o apoio incansável e disponibilidade prestada. Em segundo lugar, à Professora Doutora Filipa Prudêncio pela ajuda dispensada e pela sua imensa receptividade em colaborar nesta dissertação. Aos meus pais e à minha irmã, pelo apoio incondicional ao longo de toda a minha vida académica e em todos os maus e bons momentos da vida. À minha namorada Bruna, por tudo o que fez e tem feito por mim. Foi um grande apoio ao longo de todo o meu percurso universitário, por isso, estou-lhe eternamente agradecido. Às minhas primas, Cátia Neves e Andreia Neves, pelo apoio e carinho que me têm prestado. Aos meus grandes amigos e colegas da faculdade João Maurício e Francisco Pires que conheci numa fase decisiva do curso à qual me ajudaram a ultrapassar e a partir da qual foi estabelecida uma verdadeira amizade. Aos meus grandes amigos Ricardo Marçal, Ivan Sang, João Luís, Sabino Santana, Mário Araújo, Gonçalo Freitas, por tudo o que já fizeram por mim ao longo da vida. São sem dúvida os melhores. Aos meus ilustres colegas Diogo Fernandes, Ricardo Caetano, Filipe Futuro, Fábio Silva, João Lima, André Martins, Marco Neves. Por fim, a todos aqueles que se cruzaram ao longo da minha vida e contribuíram positivamente para o meu crescimento enquanto estudante e pessoa. iii iv ABSTRACT Einstein’s special relativity has introduced a radical transformation in our interpretation of space and time. In contemporaneous physics, namely in quantum field theory, special relativity is a fundamental tool. Both classical and quantum electrodynamics strongly depend on this new vision. The main goal of this dissertation is to develop a new vector approach, based on a direct geometric construction, of the hyperbolic plane as a bi-dimensional simplification of the whole four-dimensional Minkowskian spacetime. It is intended to create a visual and intuitive interpretation of the relativity of simultaneity, thereby allowing to directly read off both length contraction and time dilation. This geometric algebra, therefore, makes almost irrelevant the usual emphasis on passive coordinate transformations. Obviously, then, those effects that strictly depend on the whole four-dimensional construction – such as Thomas rotation – are beyond the present approach. Several typical examples of classical paradoxes are considered: the pole-in-barn paradox; the twin (or clock) paradox. The previously developed method is used, thereby clearly showing its soundness and applicability. Also, this alternative approach has another usefulness: more than exploring what is relative (like space and time, when considered separately), it stresses what is absolute and invariant – like the spacetime interval invariance underneath the new metric which prohibits a Euclidean interpretation of spacetime plots. Finally, the twin paradox is herein addressed with parabolic and hyperbolic paths, to stress that acceleration can (and should) be included in special relativity. Key words: Minkowskian spacetime, Hyperbolic plane, Boost / Active Lorentz transformation, Doppler effect, Hyperbolic motion, Twin paradox, Geometric algebra of the hyperbolic plane. v vi RESUMO A teoria da relatividade restrita de Einstein provocou uma transformação radical da nossa interpretação do espaço e do tempo. Na física contemporânea, nomeadamente nas teorias quânticas de campo, esta teoria constitui uma ferramenta fundamental. Tanto a electrodinâmica clássica como a electrodinâmica quântica dependem fortemente desta nova visão da física. O principal objectivo desta dissertação é o de desenvolver uma formulação vectorial, com uma interpretação geométrica directa, do plano hiperbólico como a simplificação bidimensional do espaço- tempo quadridimensional de Minkowski. Pretende-se criar uma visualização gráfica intuitiva da relatividade do conceito de simultaneidade, que implica não só a dilatação do tempo mas também a contracção do espaço. Esta álgebra geométrica vem tornar (quase) irrelevante o papel tradicional desempenhado pela transformação passiva de coordenadas. Naturalmente que os efeitos que dependem da construção quadridimensional, como a rotação de Thomas, escapam a esta construção estritamente bidimensional. São abordados vários exemplos típicos de paradoxos clássicos: a vara e o celeiro; o paradoxo dos gémeos. A visualização gráfica, previamente desenvolvida, desempenha aqui um papel determinante. Esta visão alternativa tem, também, um outro aspecto positivo: mais do que explorar o que é relativo (como o espaço e o tempo), acentua o que (agora) é absoluto – como a invariância do intervalo inscrita na nova métrica e que proíbe uma leitura euclidiana das figuras. O paradoxo dos gémeos é aqui especialmente investigado quer com um troço parabólico quer através de três troços hiperbólicos, de forma a ilustrar como a aceleração pode (e deve) ser incluída num estudo (apenas) dedicado à relatividade restrita. Palavras-chave: Espaço-tempo de Minkowski, Plano hiperbólico, Boost / Transformação de Lorentz activa, Efeito Doppler, Movimento hiperbólico, Paradoxo dos gémeos, Álgebra geométrica do plano hiperbólico. vii viii LISTA DE FIGURAS Figura 2.1 - Referenciais de inércia S e S . ....................................................................................... 15 Figura 2.2 - Diagrama espaço-tempo. ................................................................................................... 16 Figura 2.3 - Transformação de Galileu num diagrama espaço-tempo. ................................................ 17 Figura 2.4 - Representação de dois sinais electromagnéticos. ............................................................ 18 Figura 2.5 - Observador dentro de um vagão. ...................................................................................... 19 Figura 2.6 - Observador na estação. ..................................................................................................... 20 Figura 2.7 - Construção da equitemp x . ............................................................................................. 21 Figura 2.8 - Equilocs e equitemps de S . ............................................................................................ 23 Figura 2.9 - Sequência temporal de acontecimentos. ........................................................................... 23 Figura 2.10 - Parâmetro em função de . ........................................................................................ 25 Figura 2.11 - Representação geométrica das hipérboles e assimptotas. ............................................. 28 Figura 2.12 - Geometria euclidiana vs geometria hiperbólica. ..............................................................29 Figura 2.13 - Diagrama de Minkowski. .................................................................................................. 33 Figura 2.14 – Duas naves espaciais A e B . .................................................................................. 34 Figura 3.1 - Dilatação do tempo. ........................................................................................................... 38 Figura 3.2 - Contracção do espaço. ...................................................................................................... 40 Figura 3.3 - Reciprocidade da dilatação do tempo. .............................................................................. 41 Figura 3.4 - Reciprocidade da contracção do espaço. .......................................................................... 42 Figura 3.5 - “Paradoxo” da vara e do celeiro......................................................................................... 45 Figura 3.6 - Sinais supra-luminosos. ..................................................................................................... 46 Figura 3.7 - Velocidades supra-luminosas. ........................................................................................... 47 Figura 3.8 - Variação de maxu c no intervalo 0 1 . ........................................................................ 49 Figura 3.9 - Variação de u c para 4 5 e 0 90 . ..................................................................... 50 Figura 4.1 - Método do radar de Bondi. ................................................................................................ 52 Figura 4.2 - Método do radar de Bondi(2). ............................................................................................ 53 Figura 4.3 - Intervalo espaço-tempo. .................................................................................................... 55 file:///C:/Users/Telmo/Dropbox/dissertação3/for%20introduction/Dissertação%208.docx%23_Toc464244104 file:///C:/Users/Telmo/Dropbox/dissertação3/for%20introduction/Dissertação%208.docx%23_Toc464244105 file:///C:/Users/Telmo/Dropbox/dissertação3/for%20introduction/Dissertação%208.docx%23_Toc464244113 file:///C:/Users/Telmo/Dropbox/dissertação3/for%20introduction/Dissertação%208.docx%23_Toc464244124 ix Figura 4.4 - Sinal electromagnético comum a três observadores. ........................................................ 57 Figura 4.5 - Velocidade relativa entre os referenciais. .......................................................................... 58 Figura 4.6 - Efeito de Doppler. .............................................................................................................. 59 Figura 4.7 - Linhas de universo de Alice e Bob. ................................................................................... 61 Figura 4.8 - Vectores unitários de Alice e Bob. ..................................................................................... 62 Figura 4.9 - Emissão de um sinal electromagnético em A. ................................................................... 63 Figura 4.10 - Sinais electromagnéticos emitidos e recebidos por cada um dos gémeos. .................... 64 Figura 4.11 - Linha de universo de Alice com troço parabólico. ........................................................... 65 Figura 5.1 - Movimento hiperbólico. ...................................................................................................... 73 Figura 5.2 - Linha de universo de Alice constituída por troços hiperbólicos. ........................................ 74 Figura 5.3 - Variação de t . ............................................................................................................. 78 Figura 5.4 - Variação de T T com . .................................................................................................. 78 LISTA DE TABELAS Tabela B.1 – Tabuada 1,1C ................................................................................................................. 90 file:///C:/Users/Telmo/Dropbox/dissertação3/for%20introduction/Dissertação%208.docx%23_Toc464244131 x SÍMBOLOS c Velocidade da luz n Índice de refracção E Vector campo eléctrico B Vector campo magnético F Força de Lorentz q Carga eléctrica v Velocidade instantânea xE Componente do campo eléctrico segundo o eixo x yE Componente do campo eléctrico segundo o eixo y zE Componente do campo eléctrico segundo o eixo z xB Componente do campo magnético segundo o eixo x yB Componente do campo magnético segundo o eixo y zB Componente do campo magnético segundo o eixo z yE Componente do campo eléctrico segundo o eixo y zE Componente do campo eléctrico segundo o eixo z S Referencial próprio S Referencial relativo Ângulo (euclidiano) entre referenciais Velocidade relativa normalizada 0L Comprimento próprio L Comprimento relativo 0T Tempo próprio T Tempo relativo Factor de transformação de Lorentz xi Rapidez do boost de Lorentz 0e Vector unitário do tipo tempo do espaço-tempo de Minkowski 1e Vector unitário do tipo espaço do espaço-tempo de Minkowski r Vector acontecimento do espaço-tempo de Minkowski k Factor de Bondi I Intervalo espaço-tempo Medida do intervalo espaço-tempo D Distância euclidiana Tempo próprio f Frequência f Frequência relativa u Velocidade própria de uma particula a Aceleração relativa Valor da aceleração própria xii ÍNDICE Agradecimentos .................................................................................................................................... ii Abstract ................................................................................................................................................. iv Resumo.................................................................................................................................................. vi Lista de figuras ................................................................................................................................... viii Lista de tabelas ..................................................................................................................................... ix Símbolos................................................................................................................................................. x Capítulo 1 Introdução ...................................................................................................................... 1 1.1 Enquadramento ....................................................................................................................... 2 1.2 Motivações e objectivos ........................................................................................................ 10 1.3 Estrutura da dissertação ........................................................................................................ 11 1.4 Contribuições originais .......................................................................................................... 12 Capítulo 2 Simultaneidade, diagramas de Minkowski e invariância do intervalo ................... 13 2.1 Os postulados de Einstein ..................................................................................................... 14 2.2 Transformação de Galileu ..................................................................................................... 14 2.3 Relatividade da simultaneidade............................................................................................. 19 2.4 Construção geométrica dos referenciais ............................................................................... 20 2.5 Transformação de Lorentz ....................................................................................................24 2.6 Invariância do intervalo espaço-tempo .................................................................................. 26 2.7 O espaço quadrático de Minkowski ....................................................................................... 30 2.7.1 Aplicação ....................................................................................................................... 33 Capítulo 3 Dilatação do tempo, contracção do espaço e causalidade .................................... 37 3.1 Dilatação do tempo ................................................................................................................ 37 3.2 Contracção do espaço ........................................................................................................... 39 3.3 Reciprocidade da dilatação do tempo ................................................................................... 41 3.4 Reciprocidade da contracção do espaço .............................................................................. 42 3.5 O “paradoxo” da vara e do celeiro ......................................................................................... 43 3.6 Causalidade ........................................................................................................................... 46 3.7 Velocidades supra-luminosas aparentes .............................................................................. 47 xiii Capítulo 4 Cálculo de Bondi ......................................................................................................... 51 4.1 Cálculo do factor k de Bondi .............................................................................................. 52 4.2 A “distância” na relatividade restrita ...................................................................................... 55 4.3 Composição de velocidades.................................................................................................. 57 4.4 Efeito de Doppler ................................................................................................................... 59 4.5 O “Paradoxo” dos gémeos .................................................................................................... 60 4.5.1 O “paradoxo” dos gémeos com um troço parabólico .................................................... 65 Capítulo 5 Movimento hiperbólico e aplicações ......................................................................... 69 5.1 Movimento hiperbólico ........................................................................................................... 70 5.2 O “paradoxo” dos gémeos com movimento hiperbólico ........................................................ 74 Capítulo 6 Conclusões e perspectivas de trabalho futuro ........................................................ 79 6.1 Conclusões ............................................................................................................................ 80 6.2 Perspectivas de trabalho futuro ............................................................................................. 81 Referências .......................................................................................................................................... 83 Anexo A Tempo próprio................................................................................................................... 87 Anexo B Álgebra (geométrica) de clifford 1 1, C ........................................................................ 89 xiv xv 1 Capítulo 1 INTRODUÇÃO Este capítulo contém uma breve introdução e um enquadramento histórico sobre a teoria da relatividade restrita. Posteriormente são apresentados os motivos que levaram à realização desta dissertação, bem como os seus objectivos. É, também, apresentada a estrutura e forma como a dissertação se encontra organizada. Por fim, são relatados os principais contributos originais deste trabalho. 2 1.1 Enquadramento Até a época de Galileu (1564-1642) haviam grandes dúvidas a respeito da luz. Galileu tentou medir a velocidade da luz, mas sem sucesso, concluindo apenas que era excessivamente grande. Descartes (1596-1650) ao estudar os eclipses da lua, concluiu que a velocidade da luz era infinita [1]. Excluindo assim a hipótese da luz ser constituída por partículas, pois nenhuma partícula poderia ter velocidade infinita, isso significaria que o tempo que levaria a propagar-se era nulo, i.e., a partícula estaria em todos os lugares ao mesmo tempo. Influenciado pelo trabalho desenvolvido pelos gregos, o físico inglês Isaac Newton (1642-1727) formulou um modelo para explicar a natureza da luz, conhecido hoje como a teoria da natureza corpuscular da luz. Este modelo consiste num fluxo de partículas microscópicas que são emitidas por fontes luminosas a grande velocidade. Com isto pôde criar um modelo mecânico, determinista, de corpos materiais em movimento, onde seria possível determinar várias grandezas ao mesmo tempo. Portanto, de acordo com Newton, o princípio da relatividade também se deveria de aplicar à luz. No entanto havia autores que discordavam. Em 1675, Olaus Römer (1644-1710), concluiu que a luz levaria um certo tempo a propagar-se. Ele estudou os eclipses dos satélites de Júpiter e percebeu que esses eclipses aconteciam antes do previsto quando a Terra se estava a aproximar de Júpiter e depois do previsto quando se estava a afastar. Deste estudo ele concluiu que a luz demorava aproximadamente 22 minutos para percorrer uma distância igual ao diâmetro da orbita terrestre [2]. Uma vez que a propagação da luz não era instantânea, então poderia a luz ser constituída por partículas como Newton veio a confirmar. No entanto Christiaan Huygens (1629-1695) sugeriu que a luz também poderia ser constituída por ondas que se propagavam num meio transparente que preenche o espaço - o éter [3]. As preocupações com o princípio da relatividade acentuaram-se no século XIX devido a experiências que tentaram medir a velocidade da Terra em relação ao éter que não conseguiram. No início do século XIX houve uma mudança nas teorias sobre a natureza da luz. Até aqui quase todos os físicos aceitavam a teoria corpuscular e a partir do seculo XIX começaram a por como hipótese a teoria ondulatória. Thomas Young (1773-1829) e Augustin Jean Fresnel (1788-1827) foram os principais responsáveis por essa mudança. Fresnel admitia um éter em repouso, portanto, o éter não seria afectado pelo movimento da terra e seria capaz de atravessar todos os objectos, por mais densos que fossem [4]. Em 1845, George Gabriel Stokes (1819-1903) propôs uma nova teoria do éter. A teoria de Stokes sugeria que o éter comportava-se como um líquido viscoso, que aderia à superfície dos corpos, sendo quase totalmente arrastado pela Terra, ficando em repouso em relação a ela na região próxima ao solo. Uma vez que o éter estaria em repouso junto ao solo, resultaria que qualquer experiência óptica puramente terrestre era independente do movimento da Terra [4]. 3 No final do século XIX, a maioria dos físicos acreditavam que o éter era uma identidade física que preenchia todo o espaço e que transmitia a luz. No entanto, a própria teoria do éter previa algumas dificuldades em medir a velocidade da Terra em relação ao éter. Em particular, em experiências que usassem apenas fenómenos luminosos com propagação rectilínea, reflecção e refracção, deviam de surgir diversos efeitos que se cancelariam, impedindo a detecção do movimento da Terra em relação ao éter. Mas isso não queria dizer que se deveria de descartar a hipótese da existência de éter. Pois proporcionava uma explicação qualitativa para as forças electromagnéticas e para a propagação da luz no vácuo. Assim como uma teoria quantitativa do éter, desenvolvidapor Fresnel, propunha que um corpo material transparente (como vidro ou água) em movimento pudesse arrastar parte do éter consigo. A proporção de éter arrastado dependia do índice de refracção n do material, sendo dada por 21 1 n [5]. Em 1851, Armand-Hippolyte-Louis Fizeau (1819-1896), pôs em prática a previsão teórica de Fresnel. A experiência consistiu na medição (indirectamente) da velocidade da luz dentro de um tubo onde havia água em movimento com uma velocidade v . De acordo com um resultado obtido por uma experiência anterior realizada pelo próprio Fizeau e Jean-Bernard-Leon Foucault (1819-1869), a velocidade da luz com a água em repouso era c n [6]. Portanto a nova experiência pretendia determinar a velocidade da luz com a água em movimento. Havia três possibilidades: 1. Se a água não arrastasse o éter, então a velocidade da luz era independente da velocidade da água e deveria de ser c n . 2. Se a água arrastasse o éter na sua totalidade, então a velocidade da luz deveria ser a soma da velocidade da água v com a velocidade da luz em relação à água c n . 3. Se a água arrastasse parcialmente o éter (como previsto por Fresnel), então a velocidade da luz deveria de ser a soma da velocidade da luz em relação à água c n com uma parte da velocidade da água, portanto seria v c n . O resultado obtido por Fizeau foi o da terceira hipótese, confirmando a teoria do éter de Fresnel [6]. Portanto, para alguns fenómenos (como para a refracção) a teoria resultava. Mas para outros tipos de fenómenos a teoria era inconclusiva. Houveram experiências durante o século XIX, através de fenómenos de polarização e de difracção, que pareciam ter detectado deslocamento de éter causado pelo movimento da Terra. Posteriormente, foram repetidas as mesmas experiências e obtiveram resultados diferentes dos anteriores. James Clerk Maxwell (1831-1879) acreditava na existência de éter, onde efectuou diversas experiências para medir a velocidade da Terra em relação ao éter. Os testes mais famosos foram realizados por Albert Abraham Michelson (1852-1931) em 1881 (e, depois, novamente por Michelson em conjunto com Edward Williams Morley (1838-1923) em 1887 [7]), utilizando um interferómetro óptico, não 4 conseguiram observar os efeitos previstos pela teoria do éter de Fresnel. Até à data haviam dois excelentes resultados, o de Fizeau e o de Michelson e Morley. Um confirmava a teoria de Fresnel para o arrastamento do éter por corpos transparentes, o outro contrariava a teoria de Fresnel para o éter em repouso. Aparentemente não era possível explicar com apenas uma única teoria dois resultados que eram contraditórios entre si. Parecia necessário elaborar uma nova teoria do éter. Poucos anos depois da experiência de Michelson e Morley, George Francis FitzGerald (1851-1901) e Hendrik Antoon Lorentz (1853-1928) propuseram, independentemente, uma solução para a teoria do éter de Fresnel. Eles concluíram que o interferómetro em movimento através do éter produziria uma contração do seu comprimento. Na época não havia nenhum motivo físico para imaginar que o movimento dos corpos através do éter devesse mudar as suas dimensões. Tanto Fitzgeral como Lorentz, do resultado da experiência de Michelson e Morley, deduziram que alguma coisa poderia estar a cancelar o efeito do vento de éter, atribuindo a essa coisa o efeito de contracção [9]. Nesta altura, meados de 1900, a explicação da existência do éter era bastante confusa. As duas mais importantes teorias do éter – a de Fresnel e a de Stokes – apenas permitiam explicar uma parte dos resultados experimentais. A teoria de Fresnel não era coerente com a experiência de Michelson e Morley de 1887, no entanto, se admitíssemos a contracção dos objectos já havia uma compatibilidade entre eles. Foi nesta direcção que alguns importantes investigadores, como Lorentz e Poincaré, desenvolveram os seus trabalhos. Maxwell desenvolveu todas as equações da sua teoria electromagnética supondo que os fenómenos eram analisados do ponto de vista de um referencial parado em relação ao éter. Em princípio, quando se procedesse ao estudo de fenómenos electromagnéticos num sistema em movimento em relação ao éter, poderiam surgir novos efeitos. Pondo-se a hipótese de poder medir a velocidade de um corpo em relação ao éter através de uma experiência electromagnética. No entanto Maxwell percebeu que, pelo menos no caso de alguns fenómenos electromagnéticos, apenas os movimentos relativos dos corpos produzem efeitos. Ele mostrou isso com a experiência de Faraday (indução electromagnética): quando um íman é aproximado ou afastado de um enrolamento, surge uma corrente eléctrica no condutor; se o íman ficar parado e o enrolamento é que possuir movimento, aparece exactamente o mesmo efeito. Concluindo assim que o aparecimento da corrente apenas depende do movimento relativo entre o íman e o condutor. Um físico alemão, August Föppl (1854-1924), comentou que o efeito da indução electromagnética só depende do movimento relativo do íman e do condutor, i.e., se eles se moverem em conjunto não ocorrerá nenhum efeito. Föppl, baseando-se no estudo de Maxwell, diz que para todos os fenómenos electromagnéticos apenas poderiam ser importantes os movimentos relativos. De acordo com o historiador Gerald Holton, Einstein estudou o livro de Föppl (“Introdução à teoria da electricidade de Maxwell”) e foi inspirado nele que escreveu o inicio do seu artigo de 1905 [10]. Em 1887, Waldemar Voigt (1850-1919) publicou um trabalho sobre o efeito de Doppler para a luz, i.e., a variação da frequência e do comprimento de onda da radiação, quando ela (fonte) ou o observador 5 se movem em relação ao éter. Ele começou por estudar as propriedades das ondas luminosas em diferentes sistemas de referência. A equação de propagação da onda, em relação ao éter, era: 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 0 U U U U x y z c t (1.1) Voigt impôs que essa equação deveria de ser covariante, i.e., ter a mesma forma em todos os referenciais. No entanto, isso exigia a utilização de um tipo especial de transformação de coordenadas. Considerando dois referenciais ( , )S x t e ( , )S x t que se movem um em relação ao outro, com uma velocidade v , na direcção x . A posição de um objecto, na direcção x , relaciona-se da seguinte forma: x x vt (1.2) onde x é a posição do objecto em relação a S , x é a posição do objecto em relação a S , e t é o tempo decorrido a partir do instante em que as origens de S e S se cruzam. Esta é uma relação já bem conhecida da mecânica clássica. Utilizando a equação anterior supondo que y y , z z e t t , a equação de onda não mantém a mesma forma quando se muda de referencial. De forma a que a equação de onda fosse covariante, Voigt determinou as seguintes transformações de coordenadas [11]: 2 2 2 2 2 1 1 x x vt v y y c v z z c x t t v c (1.3) Apenas a relação entre as coordenadas x tinham um significado físico. As restantes transformadas eram apenas manipulações matemáticas com o intuito de com a mudança de referencial a equação de onda manter a mesma forma. Note-se que Voigt deduziu as suas transformações segundo duas condições. A primeira foi que a equação de onda fosse covariante, e a segunda que a transformação da coordenada x fosse como já conhecida da mecânica clássica. Sem a segunda condição haveria muitos outros conjuntos de equações que obedeciam à primeira condição. Em 1893, Joseph Larmor (1857-1942) publicou um trabalho a respeito da teoria do éter. Ele tentou justificar, partindo das equações de Maxwell, os resultados obtidos nas experiências ópticas. Considerando que a luz era um fenómeno electromagnético, a impossibilidade de medir a velocidade da Terra em relação ao éter podia significar que todos osfenómenos electromagnéticos ocorriam exactamente da mesma forma. Seja num referencial parado em relação ao éter ou num referencial em movimento. Larmor tentou desenvolver as transformações de coordenadas semelhantes às que posteriormente Lorentz desenvolveu, mas estas eram incorrectas. 6 Em 1895, partindo das equações de Maxwell, Lorentz propõe a teoria do electromagnetismo para sistemas em movimento. As equações de Maxwell que são escritas na actualidade na verdade foram escritas pela primeira vez por Oliver Heaviside (1850-1925). Mas ambos assumiram que essas equações eram válidas para fenómenos ocorridos num referencial em repouso em relação ao éter. Lorentz assumiu que essas equações deveriam de ser válidas em relação a outros referenciais, caso não fossem, deveriam ocorrer fenómenos diferentes num referencial parado e num referencial em movimento em relação ao éter, que permitiam detectar o movimento da Terra em relação ao éter. Lorentz provou que as equações de Maxwell eram válidas em qualquer referencial desde que fossem usadas as seguintes transformações de coordenadas: 2 2 x x vt y y z z x t t v c c E E v B E B B v (1.4) À semelhança de Voigt, Lorentz utilizou inicialmente a transformação clássica da coordenada x e supôs que as restantes coordenadas espaciais não sofriam nenhuma alteração. Em relação à transformação no tempo ele intitulou-a de tempo local, apesar de não ver um significado físico [12]. Em relação às transformações dos campos eléctricos e magnéticos, a primeira foi obtida através da força de Lorentz, q F E v B , a segunda é uma consequência da primeira. Em 1895, Henri Poincaré (1854-1912) publicou um artigo no qual discutia a ideia de Larmor. Nesse artigo ele afirma que é impossível medir o movimento absoluto da matéria, i.e, o movimento relativo da matéria em relação ao éter. Apenas se podia medir movimento da matéria em relação à matéria. Em 1899 Poincaré voltou ao assunto publicando um artigo intitulado de lei da relatividade onde refere que apenas os movimentos entre os corpos materiais podem produzir efeitos. Comentou que todos os efeitos que pudessem depender do movimento de um sistema em relação ao éter dever-se-iam cancelar de tal forma que seria impossível detectar o movimento do sistema em relação ao éter. Poincaré comentou que a contracção dos corpos materiais, formulada por Lorentz e Fitzgerald, era uma explicação ad hoc, inventada apenas para justificar o resultado da experiência de Michelson e Morley. Era então necessário desenvolver uma teoria universal, aplicável a todos os fenómenos, compatível com a lei da relatividade. Em 1900, Poincaré publicou um novo artigo, intitulado de princípio do movimento relativo. Nesse artigo ele dá uma interpretação física para o tempo local de Lorentz, mostrando que essa transformação no tempo representava o tempo medido quando os relógios eram sincronizados com recurso a sinais luminosos. 7 Finalmente dois anos mais tarde Poincaré publica, no seu livro Ciência e hipótese, o princípio de relatividade. Para ele a justificação da existência desse princípio era apenas devido aos resultados obtidos nas experiências efectuadas durante o seculo XIX. Nenhuma conseguiu revelar a velocidade da Terra em relação ao éter. Apenas movimentos relativos entre corpos materiais podem ser medidos. De acordo com dois amigos de Einstein, Maurice Solovine e Carl Seelig, Einstein leu o livro de Poincaré entre os anos 1902 e 1903. Portanto, Einstein conhecia o princípio da relatividade de Poincaré e outras ideias desse autor, quando escreveu o seu artigo em 1905. Em 1900 Larmor publica um livro intitulado Éter e matéria no qual, ao contrário do artigo que publicou em 1893, formula correctamente as transformações de espaço e tempo que mantêm as equações de Maxwell invariantes. Os resultados que ele chegou foram a primeira versão correcta das transformações de Lorentz. As transformações obtidas por Larmor foram [13]: 2 2 2 2 2 1 1 x vt x v c y y z z t t v c x v c (1.5) Substituindo x em t obtém-se a transformação de Lorentz para o tempo. Mas, actualmente, tais transformações são denominadas por transformações de Lorentz. À partida parece estranho uma vez que Larmor descobriu-as primeiro que Lorentz. No entanto essas equações só se tornam uteis, no electromagnetismo, quando são acompanhadas pelas transformações correctas das grandezas electromagnéticas. Larmor não conseguiu chegar a esse conjunto de equações. Quatro anos depois, em 1904, Lorentz publicou um artigo onde propõe uma teoria exacta do electromagnetismo dos corpos em movimento. Nesse artigo Lorentz apresenta a sua transformação de espaço e tempo em duas etapas. Na primeira etapa ele passa de um sistema S parado em relação ao éter para um sistema S em movimento, utilizando as transformações da física clássica, i.e.: x x vt y y z z t t (1.6) Seguidamente, na segunda etapa, ele transforma o espaço e tempo do sistema de referência em movimento, utilizando as seguintes relações: 8 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 x x v c y y z z x v c t t v c v c (1.7) Combinando os dois conjuntos de equações obtém-se a forma usual das transformações de Lorentz: 2 2 2 2 2 1 1 x vt x v c y y z z t vx c t v c (1.8) No entanto, é importante referir o motivo pelo qual Lorentz faz essas transformações em duas etapas. Para ele, a verdadeira transformação de coordenadas é as que constam na primeira etapa (que é usualmente designado de transformações de Galileu). As transformações formuladas na segunda etapa eram apenas um conjunto de transformações artificiais puramente matemáticas, sem qualquer significado físico, que permitiam tonar as leis de Maxwell covariantes. Lorentz também obteve as transformações dos campos electromagnéticos, que podem ser escritas da seguinte forma: 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 1 1 1 1 x x y z y z y z x x y z y z y z v v c v v c v c v c v c v c E E E B E E B E B B B E B B E B (1.9) Com esse conjunto de equações Lorentz mostrou que é impossível medir o movimento da Terra em relação ao éter por fenómenos electromagnéticos (e ópticos). Analisando a alteração das forças electromagnéticas quando os corpos se movem através do éter e supondo que as forças que mantêm a forma dos objectos sólidos se transformam do mesmo modo, Lorentz provou que os objectos sofrem uma contracção dos seus comprimentos quando estes se movem através do éter. Portanto, a contracção de Lorentz deixou de ser uma explicação inventada sob a justificação dos resultados 9 obtidos na experiencia de Michelson e Morley, tornando-se uma consequência das mudanças das forças entre as partículas que compõem cada corpo. Em 1905, Einstein publicou dois artigos que tiveram um grande impacto na teoria da relatividade [14]. Um deles foi intitulado Sobre a electrodinâmica dos corpos em movimento e contém essencialmente o que é conhecido agora por Teoria da Relatividade Restrita. Nesse artigo Einstein obtém essencialmente os mesmos resultados que já haviam sido obtidos por outros autores, porém de uma forma muito mais simples e clara. No outro artigo, como suplemento do anterior, ele deduz em menos de três páginas a provavelmente formula mais famosa da física: 2E mc . Sob o ponto de vista de novos resultados científicos, o trabalho de Einstein de 1905 não trouxe muitas contribuições. Pode-se dizer que quase todas as equações obtidas por Einstein já haviam sido obtidas antes. No entanto, os trabalhos que foram desenvolvidosaté aqui tinham como base a existência de éter. O éter era considerado um conceito útil, capaz de proporcionar uma compreensão dos fenómenos, embora nunca conseguiram provar a sua existência. Para Einstein, o éter era um conceito inútil, uma vez que não era possível ser detectado. No artigo publicado em 1905, ele adoptou o conceito de que o que não fosse detectável deveria de ser excluído da física. A teoria da relatividade de Einstein é geralmente famosa por ser extremamente complexa e difícil de compreender. Mas, na verdade, a sua exposição por parte de Einstein foi bastante clara e sucinta. O mesmo já não acontece nos trabalhos realizados por Lorentz e Poincaré. Estes autores não apresentavam uma versão final e didáctica das suas ideias. Mostravam uma construção gradual, através de várias tentativas, de uma teoria que sofria constantemente diversas alterações. Eles não tinham com clareza sobre o que deveria de ser tomado como ponto de partida. Não tinham um conjunto de postulados e um método de dedução dos resultados. Cada caso particular era estudado por um novo método. Em contraste, Einstein apresenta os seus pressupostos com muito mais clareza. Parte de dois postulados tornando as deduções mais simples e claras, tanto sob o ponto de vista conceptual como matemático. Há um método geral que é transversal a todos os casos. Esse foi um aspecto em que Einstein impressionou e foi apreciado por toda a comunidade científica. Mesmo para aqueles que não concordaram com os aspectos conceituais e epistemológicos da teoria de Einstein perceberam que a sua metodologia era bastante aliciante. Em 1908, Hermann Minkowski (1864-1909) proferiu a sua famosa palestra Espaço e Tempo numa conferência de cientistas alemães de diversas áreas. Ele viu-se perante o seguinte problema: como explicar aos presentes, muitos dos quais não eram físicos nem matemáticos, a teoria da relatividade restrita introduzida por Einstein em 1905 cujo tratamento matemático envolvia conceitos matemáticos (tensores, geometria não-euclidiana). Minkowski fê-lo falando somente da alteração que a teoria da relatividade restrita introduzia nos conceitos de espaço e de tempo, mas sem recorrer a Matemática sofisticada. 10 A fim de explicar o significado da Relatividade e do espaço-tempo, Minkoski teve a ideia de representar o movimento de objectos ao longo deste ultimo através daquilo que agora se designa por diagramas de Minkowski. Minkowski também aproveitou os seus diagramas para representar, para cada observador, dois cones: o cone dos acontecimentos futuros relativos a esse observador e o cone dos acontecimentos passados. Também introduziu a distinção, agora clássica, entre vectores 4r do tipo tempo e vectores do tipo espaço. Sobre o tema, a teoria da relatividade restrita, existe uma vasta bibliografia que pode ser consultada. Desde bibliografia de nível introdutório [16-24], assim como bibliografia de nível médio [25-32], até a bibliografia de nível avançado [33-37]. 1.2 Motivações e objectivos O ponto de partida para o desenvolvimento desta dissertação de Mestrado foi dado na disciplina de Fotónica presente no plano curricular do Mestrado Integrado em Engenharia Electrotécnica e de Computadores (MEEC), na qual me despertou curiosidade e interesse em aprofundar os conceitos resultantes da Teoria da Relatividade Restrita de Einstein. À partida pode parecer estranho a apresentação deste tema para uma dissertação final do curso MEEC. Contudo existe uma relação íntima entre a teoria da relatividade restrita e o Electromagnetismo. Na teoria da relatividade restrita, Einstein formulou dois postulados em que o segundo traduz que a velocidade da luz, 1299 792 458c m s , representa o limite máximo para a velocidade cósmica. Uma consequência desta realidade é a do campo electrostático radial, que varia com o inverso do quadrado da distância, dar origem (na zona distante de uma carga eléctrica acelerada) a um campo de radiação, que ao contrário do campo electrostático, é transversal e varia inversamente com a distância [15]. Outra consequência é a experiencia de um enrolamento (aberto) de um fio condutor a deslocar-se sobre um campo magnético estático. Do ponto de vista do campo magnético, que vê o fio em movimento, vê cargas em movimento sobre o campo magnético que segundo a força de lorentz, q F v B , existe uma força magnética provocando uma corrente e portanto existirá uma tensão no fio. Agora, do ponto de vista do fio condutor, este vê o campo magnético em movimento, i.e., vê um campo magnético a variar no tempo e portanto de acordo com a lei geral da indução, ,t E B existe electromagnetismo. 11 1.3 Estrutura da dissertação Esta dissertação é composta por seis capítulos, cada um subdividido em várias secções. O primeiro capítulo inicia-se com uma secção de enquadramento onde é realizado um resumo histórico sobre a Teoria da relatividade restrita. Desde o que era considerado, pela comunidade científica, antes desta teoria até ao seu aparecimento. Relata os cientistas envolvidos e as suas contribuições. Na secção seguinte, são apresentados os motivos e objectivos que levaram à realização desta dissertação. Posteriormente é apresentada de forma sumária a estrutura e organização da dissertação, bem como as principais contribuições originais associadas a esta. No segundo capítulo, começa-se por enunciar os postulados que Einstein usou como partida no seu artigo sobre a Teoria da relatividade restrita. Seguidamente é deduzida a transformada de Galileu. Tendo em conta que a transformada de Galileu afirma que o tempo é absoluto e a relatividade vai contra tal afirmação, sucedesse a revisão do conceito de simultaneidade. Como consequência são determinadas as equilocs e equitemps de dois referenciais que possuem uma velocidade relativa entre eles. É também deduzida a transformação de Lorentz, quer a forma passiva quer a activa. Por fim, mostra-se a existência de um absoluto na relatividade restrita, que é a invariância do intervalo. No terceiro capítulo começa-se por abordar, formalmente, duas das consequências mais conhecidas da teoria da relatividade restrita – a dilatação do tempo e a contracção do espaço. Em seguida, mostra-se que a dilatação do tempo como, também, a contracção do espaço são um efeito real e reciproco. É apresentado o “paradoxo” da vara e do celeiro. Por fim, estuda-se a causalidade e a possibilidade de existirem velocidades supra-luminosos, que, no entanto, não passam de uma aparência. O capítulo 4 inicia com a determinação do factor k de Bondi a partir do método do radar de Bondi. Com o valor de k determinado é definida a nova lei de composição de velocidades assim como o efeito de Doppler. Por fim, é apresentado o “paradoxo” dos gémeos de duas formas. A primeira é o caso em que a linha de universo do gémeo viajante é constituída por dois troços rectilíneos. A segunda é para o caso em que à linha de universo do viajante é adicionado um troço caracterizado por um arco de parábola. No capítulo 5 é estudado o movimento hiperbólico. Por fim, é realizado (novamente) o estudo do “paradoxo” dos gémeos em que a linha de universo do viajante é agora constituída por troços de hipérboles. Por fim, no capítulo 6 são resumidas as conclusões obtidas ao longo deste trabalho e são sugeridos alguns temas e assuntos a serem explorados no futuro, permitindo, eventualmente, dar seguimento a este trabalho. 12 1.4 Contribuições originais O tema desta dissertação tem uma ampla e vasta abordagem pela comunidade científica, sendo facilmente encontrado em diversos artigos e livros da especialidade. No entanto, a esmagadora maioria desses trabalhos centra-se na transformação passiva de Lorentz, i.e., em determinar de que forma as coordenadas de um acontecimento se transformam entre diferentes referenciaisde inércia. Resultando num estudo da teoria da relatividade restrita mais analítico. A principal contribuição desta dissertação assenta numa interpretação geométrica, gráfica e intuitiva de todos os efeitos da relatividade restrita sem recorrer às coordenadas, baseando-se essencialmente numa análise vectorial. A abordagem desenvolvida é essencialmente uma álgebra geométrica do plano hiperbólico. Assim, parte da transformação activa de Lorentz que transforma os vectores que caracterizam um dado referencial noutros vectores que caracterizam um outro referencial. Salienta-se ainda a análise do paradoxo dos gémeos segundo a perspectiva clássica de referenciais com movimento relativo uniforme mas também considerando referenciais uniformemente acelerados. No entanto, esta ultima análise, raramente é considerada, mesmo na literatura clássica. 13 Capítulo 2 SIMULTANEIDADE, DIAGRAMAS DE MINKOWSKI E INVARIÂNCIA DO INTERVALO Neste capítulo começa-se por formular os postulados que Einstein usou como partida no seu artigo sobre a teoria da relatividade restrita. Seguidamente começa-se por estudar a transformação de Galileu evidenciando no que dela está errado motivando para uma formulação de uma nova teoria – a teoria da relatividade restrita. É revisto o conceito de simultaneidade e por consequência uma construção rigorosa do diagrama espaço-tempo (diagrama de Minkowski). Deduz-se a transformação de Lorentz, tanto na forma passiva como na forma activa. Por fim, chega-se a um resultado de elevada importância que é a invariância do intervalo espaço-tempo. 14 2.1 Os postulados de Einstein A essência da teoria da relatividade restrita, formulada por Albert Eintein em 1905, radica na revisão do conceito de simultaneidade. De acordo com a transformação de Galileu, o tempo é universal e absoluto, i.e., não depende do referencial de inercia em que é medido. A teoria da relatividade restrita de Einstein parte de dois postulados que de acordo com a mecânica newtoniana são puramente contraditórios entre si. Primeiro postulado (principio da relatividade): as leis da física são as mesmas em todos os referenciais de inércia. Segundo postulado (invariância de c): a velocidade da luz no vácuo não depende da velocidade da sua fonte. Um referencial de inércia é um referencial (um sistema de referência matematicamente equivalente a um sistema de coordenadas) em que a estrutura não só do espaço, mas também do tempo, é homogénea e isotrópica. Existe, então, a classe de equivalência dos referenciais de inércia. Aqui, a relação de equivalência é o movimento relativo entre referenciais (fixado, pelo menos, um referencial de inércia): entre dois referenciais de inércia distintos existe sempre um movimento relativo uniforme e rectilíneo. 2.2 Transformação de Galileu De acordo com a física pré-relativista, existe uma incompatibilidade entre os dois postulados enunciados anteriormente. Na mecânica newtoniana não existe um limite superior para a velocidade de uma partícula, como será possível verificar no seguinte caso. Considerando dois referenciais de inércia , ,S x y z e , ,S x y z . Em que S se afasta em relação a S com velocidade v . Admite-se que o movimento relativo apenas se efectua ao longo do eixo x - tal como descrito na Figura 2.1. 15 De acordo com a transformação de Galileu tem-se: x x vt x x vt y y y y z z z z t t t t (2.1) A ultima equação do sistema de equações (2.1), t t , mostra precisamente o preconceito newtoniano de que o tempo é universal e absoluto, independentemente do referencial inercial em que é medido. Assim sendo, propõe-se o caso de um fotão com velocidade c em relação a S , tal que x ct . De acordo com a lei da adição de velocidades, contemplada pela transformação de Galileu, a velocidade w do fotão em relação a S é: x wt x vt ct vt c v t c v t w c v (2.2) Verifica-se então que a velocidade do fotão é superior à velocidade da luz ( 1299792458c m s ). Mas este resultado está em total contradição com o segundo postulado, segundo o qual w c , i.e., a adição de velocidades não se aplica. Do ponto de vista relativista o resultado de (2.2) está errado pois a transformação de Galileu parte de um pressuposto falso: o de que t t , i.e., o tempo é absoluto, também, quer dizer que, a simultaneidade tem um significado universal – independente do referencial medido. Em relatividade é habitual usar diagramas de espaço-tempo em que o eixo horizontal representa o eixo do espaço e o eixo vertical o do tempo. Nestas condições está-se a reduzir o espácio-temporal contínuo quadridimensional a um espácio-temporal contínuo bidimensional, onde existe uma única direcção espacial. A este sistema espaço-tempo bidimensional será designado por ,S x t tal como se pode ver na Figura 2.2. Figura 2.1 - Referenciais de inércia S e S . 16 x Num diagrama espaço-tempo, como se pode observar da figura anterior, um dado ponto C deste plano é designado por acontecimento a que corresponde o par ordenado ,x tC C . Uma trajectória (linha) deste plano é designada por linha de universo. Portanto, na Figura 2.2, é possível encontrar os acontecimentos A , B e C ; e as linhas de universo 0u , 1u e 2u . Uma linha de universo é uma sequência contínua de acontecimentos. A linha de universo 0u corresponde à equação 0x x para todos os instantes, i.e., refere-se a uma partícula que se encontra estacionada na posição 0x . Já a linha de universo 1u representa uma partícula animada de movimento uniforme, i.e., a partícula viaja com uma velocidade constante. Por fim, a linha de universo 2u representa uma partícula animada de movimento acelerado, uma vez que está sujeita a uma força variável no tempo. Ainda referente à figura convém definir o seguinte: o eixo temporal t corresponde à equação 0x , i.e., todos os acontecimentos ao longo deste eixo ocorrem na mesma posição 0x . Por essa razão um eixo temporal designa-se por equiloc. Já o eixo espacial x corresponde à equação 0t , i.e., todos os acontecimentos ao longo deste eixo ocorrem no mesmo instante 0t . Por essa razão um eixo espacial designa-se por equitemp. Todas as equilocs são paralelas entre si, o mesmo acontece para as equitemps. As equilocs são, por definição, ortogonais às equitemps. A intersecção de uma equiloc com uma equitemp resulta num acontecimento, p.e., o acontecimento B resulta da intersecção da equiloc 0x x com a equitemp t t C . Os acontecimentos B e C são simultâneos. Os acontecimentos A e B ocorrem na mesma posição. Uma forma de tratar a transformação de Galileu é a de a representar num diagrama espaço-tempo, como é possível ver na Figura 2.3. Figura 2.2 - Diagrama espaço-tempo. 17 Figura 2.3 - Transformação de Galileu num diagrama espaço-tempo. Na Figura 2.3 estão representados os referenciais ,S x t e ,S x t . No referencial S o acontecimento A tem coordenadas ,x tA A e, no referencial S , coordenadas ,x t A A . Note-se que as equitemps dos dois referenciais coincidem, pois como a transformação de Galileu nos diz, em (2.1) , t t e portanto A At t . O mesmo não acontece para as equilocs, sendo x x vt A A A . O eixo t corresponde à equiloc 0x (em S ) dada pela equação x vt (em S ) e que intersecta a equiloc 0x (o eixo t ) na origem dos dois sistemas de coordenadas. Como não existe um limite para a velocidade relativa entre os referenciais, o ângulo da figura pode tomar valores de 2 2 . Caso em que avelocidade entre eles seja nula ( 0v ) tem-se 0 . Note-se que, até agora, na apresentação de um diagrama espaço-tempo persiste um problema de unidades: o eixo temporal e o eixo espacial não têm as mesmas unidades SI. No entanto é possível ultrapassar esse problema introduzindo unidades geométricas atribuindo (por definição) 1c . Assim, por exemplo, o tempo é medido em segundos e o espaço em segundos-luz. Nestas condições, 4 quando 1v c . E, tan (2.3) em que representa a velocidade (normalizada) relativa entre dois referenciais e é dado por: v c (2.4) Como 1c , então v . Na transformação de Galileu tem-se . 18 De acordo com as unidades geométricas definida anteriormente, um sinal luminoso (ou, mais geral, um sinal electromagnético) descrito num diagrama espaço-tempo é representado por uma recta com uma inclinação de 45 , como se indica na Figura 2.4. Figura 2.4 - Representação de dois sinais electromagnéticos. O sinal electromagnético 1 é caracterizado pela equação t x a e o sinal electromagnético 2 é caracterizado pela equação t x b . Todos os sinais electromagnéticos são, em qualquer referencial de inércia, paralelos a um dos sinais apresentados na Figura 2.4. Isto é uma imposição do segundo postulado. Uma das consequências imediatas do segundo postulado é corrupção da universalidade do conceito de simultaneidade. Como se verá adiante, as equitemps de um referencial de inércia não podem ser paralelas às equitemps doutro referencial de inércia (distinto do anterior). É aqui que a relatividade restrita diverge profundamente da transformação de Galileu, apresentada na Figura 2.3. Uma vez que a transformação de Galileu está errada é necessário deduzir uma nova transformação de coordenadas. Essa nova transformação é designada por transformação de Lorentz. O correspondente diagrama de espaço-tempo designa-se por diagrama de Minkowski. 19 2.3 Relatividade da simultaneidade O conceito de simultaneidade absoluta é incompatível com o segundo postulado de Einstein. Em seguida vai-se proceder à revisão do conceito de simultaneidade, com recurso a diversos problemas geométricos. Consideremos um observador O que viaja num comboio em movimento, com velocidade , descrito pelo sistema de coordenadas S , como se pode ver na Figura 2.5. Figura 2.5 - Observador dentro de um vagão. A experiência efectuada, e que a Figura 2.5 descreve, é a seguinte: o viajante (observador O ), que está dentro e exactamente a meio do vagão ( m ) de comprimento 0L . No instante de tempo 0t (acontecimento M) emite simultaneamente (do seu ponto de vista) dois sinais electromagnéticos em sentidos diametralmente opostos. Um dos sinais alcança o extremo esquerdo do vagão ( 1e ) no acontecimento A e o outro sinal alcança o extremo direito do vagão ( 2e ) no acontecimento B . Como os sinais percorrem a mesma distância ( 0 2L ) com a mesma velocidade ( c ), o viajante vê os dois sinais a chegarem às extremidades do vagão em simultâneo, t t A B . No decorrer da experiência descrita na Figura 2.5, encontra-se um observador O que se encontra na estação de comboios, descrito pelo sistema de coordenadas S , que vê o comboio em andamento da esquerda para a direita. A Figura 2.6 mostra a perspectiva do observador O em relação à experiência efectuada pelo viajante. 20 Figura 2.6 - Observador na estação. Do ponto de vista do observador O , que vê o comboio a andar a partir da estação de comboios, os acontecimentos A e B não são simultâneos. A Figura 2.6 mostra, com efeito, que A é anterior a B, pois t tA B . Em conclusão desta experiência, do ponto de vista do observador O os acontecimentos A e B são simultâneos, mas do ponto de vista do observador O não são. Conclui-se então que a simultaneidade de acontecimentos é um conceito relativo, i.e., depende do referencial de inércia medido. Isto implica então que o tempo não é absoluto, i.e., o tempo não flui de igual forma para referenciais distintos. Uma consequência disto é que as equitemps de referenciais distintos, num diagrama espaço-tempo, já não coincidem, como se pode ver na secção seguinte. 2.4 Construção geométrica dos referenciais Resta agora determinar a equação, do ponto de vista de S , que descreve a equitemp de um referencial S em que este possui uma velocidade relativa em relação a um referencial S . Expõe- se, então, a seguinte experiência: num vagão de um comboio (referencial S ), de comprimento 0L ( L para S ), em movimento (com velocidade ) encontram-se dois indivíduos: a Alice e o Bob. A Alice encontra-se na extremidade esquerda do vagão ( 1e ) e o Bob na extremidade direita do vagão ( 2e ). Em simultâneo, no instante 0t , enviam um sinal electromagnético um para o outro. Uma vez que enviam os sinais ao mesmo tempo então irão ver os seus sinais a cruzarem-se um com o outro precisamente a meio do vagão (acontecimento M), tal como mostra a Figura 2.7. 21 Figura 2.7 - Construção da equitemp x . Pela geometria da Figura 2.7 é fácil descobrir que os acontecimentos A e B representam o momento em que são emitidos os sinais electromagnéticos pela Alice e pelo Bob, respectivamente. Uma vez que emitiram os sinais em simultâneo, então, do ponto de vista da Alice e Bob (de S ), os acontecimentos A e B são simultâneos. Portanto, a linha que trespassa estes dois acontecimentos é, por definição, uma equitemp de S . A esta equitemp corresponde o eixo x uma vez que contém a origem do referencial. Já com o eixo x determinado graficamente, vai-se em seguida determinar a equação que o descreve (do ponto de vista de S ). Comecemos por determinar as coordenadas do acontecimento M. Analisando a Figura 2.7, o acontecimento M ocorre na intersecção de 2 t x , 1 t x b e 2m x t L . Então, 2 1 2 2 1 L xt x L Lx t t M M M (2.5) Conhecendo as coordenadas de M é, agora, possível determinar o valor de b em 1 , ficando 1 1t x L . Agora é necessário calcular as coordenadas do acontecimento B. Este é intersectado por 1 1t x L , 2e x t L e x t t m x x A A (é o que se quer descobrir). Então, 22 1 1 1 1 1 L xL t x L tx t L B B B (2.6) Finalmente, com as coordenadas dos acontecimentos 0,0A e x ,tB BB conhecidas é agora possível determinar a equação que descreve o eixo x (do ponto de vista de S ). O declive m de x é dado por: B A B A tan t t m x x (2.7) Assim o eixo x é descrito, do ponto de vista de S , pela seguinte equação: t x (2.8) Posto isto, fica assim demonstrada a equação dos eixos x , t do diagrama de Minkowski. Como os declives dos eixos x e t são recíprocos um do outro, o ângulo entre os eixos t e t (ver Figura 2.3) é o mesmo que o ângulo entre os eixos x e x . Esse ângulo é designado por . Uma vez que S vê S a afastar-se com velocidade , então S vê S a afastar-se com velocidade . Em resumo, mostra-se as seguintes equivalências: 0 0 0 0 x S t t x t S x x t x S t t x t S x x t eixo ( de ) eixo ( de ) eixo ( de ) eixo ( de ) equitemp equiloc equitemp equiloc (2.9) Assim, fica demonstrado que as equitemps de S não são paralelas às equitemps de S . Confirmando que na relatividade restrita a simultaneidade é um conceito relativo, i.e., o tempo é relativo. O ângulo entre uma equitemp de S e uma equitemp de S é e depende da velocidade relativa . Agora com os eixos x e t bem conhecidos é fácil determinar qualquer outra equiloc ou equitemp de S . Bastando apenas, no diagrama de Minkowski, traçar sucessivas rectas paralelas aos seus eixos de ,S x t , tal como se apresenta na Figura 2.8. 23 Figura 2.8 - Equilocs e equitemps de S . A seguinte situação, ilustrada na Figura 2.9, pretende mostrar como uma dada sequência temporal de acontecimentos depende do observador (ou sistema de coordenadas) considerado. Assim, para este caso, existem dois observadores: um primeiro observador, denominado O , com equiloc também assim designada e equitemp O ; um segundo observador, denominado P , com equiloc também assim designada e equitemp P . Figura 2.9 - Sequência temporal de acontecimentos. 24 Na Figura 2.9, que representa o espaço-tempo de Minkowski, existem cinco acontecimentos: A,B,C,D,E . A sequência temporal destes acontecimentos depende do observador: é determinada pela forma como as linhas equitemp desse observador intersectam esses acontecimentos. Assim, de acordo com o observador O , a sequência temporal é a seguinte: A B C E D . Mas, por outro lado, de acordo com o observador P , a sequência temporal é a seguinte: B A C D E . Portanto os observadores O e P não vêem os acontecimentos a sucederem-se pela mesma ordem. Isto é uma consequência directa do conceito de simultaneidade ser relativo. 2.5 Transformação de Lorentz A transformação (passiva) de Lorentz tem como objectivo deduzir uma relação de transformação entre um sistema de coordenadas x , t e um sistema de coordenadas x , t . Quer isto dizer que, conhecendo as coordenadas de um dado acontecimento num certo referencial, com a transformação de Lorentz é possível obter as coordenadas desse mesmo acontecimento noutro referencial. A questão que se põe é: qual será a relação de transformação entre os referenciais S e S . A transformação (ou, com mais rigor, o boost) de Lorentz deverá ter, assim, a seguinte forma: 1 2 t t x x x t (2.10) Resta, apenas, determinar 1 e 2 . Com efeito, a transformação é linear (transforma linhas de universo rectilíneas em linhas de universo, também, rectilíneas) e tem que ser tal que satisfaça as equações de (2.9). Se um laser emitir um feixe luminoso descrito, em relação a S , pela equação x t , o mesmo feixe luminoso terá de ser descrito, em relação a S , pela equação x t . Logo, após substituir estas duas últimas equações de propagação nas equações de transformação (2.10), obtém-se 1 1 2 2 1 1 1 1 t t t t t t (2.11) pelo que deve ser, necessariamente, 1 2 1 t t (2.12) em que é o factor de transformação de Lorentz. Assim, vem 1 1 t t x x (2.13) 25 A inversa desta transformação dá (invertendo a matriz anterior): 2 11 11 t t x x (2.14) Mas, de acordo com o principio da relatividade (primeiro postulado), a transformação em (2.14) deve ser idêntica à de (2.13) (à parte de trocar de sinal), ficando 1 1 t t x x (2.15) Isto implica que deverá ter-se 2 2 1 1 1 1 (2.16) Observando a expressão de em (2.16) terá que se excluir a solução negativa, pois para 0 terá de se ter 1, i.e., quando S e S estão em repouso, um em relação ao outro, os seus eixos coincidem. Assim, tem-se 2 1 1 (2.17) Quando se tem 1 1 (imposição do segundo postulado, note-se que se está sempre a considerar unidades geométricas, 1c ), vem 1 . A Figura 2.10 representa a função . Figura 2.10 - Parâmetro em função de . 26 Portanto, em síntese, um boost de Lorentz – que corresponde a transformar os eixos x e t em novos eixos x e t , tal como indicado (geometricamente) na Figura 2.8 – escreve-se analiticamente da seguinte forma: 2 1 1 t t x t t x x x t x x t (2.18) E na forma matricial, tem-se: 1 1 1 1 t t t t x x x x (2.19) 2.6 Invariância do intervalo espaço-tempo Facilmente se prova que a teoria da relatividade desmonta o seguinte mito popular: na teoria da relatividade tudo é relativo. Com efeito, encontra-se aqui um invariante. Qual? É o que se vai descobrir em seguida. Da trigonometria hiperbólica, sabe-se que, 2 2cosh sinh 1 . Agrupando esta equação com (2.16) tem-se: 2 2 2 2 2 2 2 2 cosh sinh 1 cosh sinh 1 1 1 1 (2.20) Assim deduz-se, que cosh 2 = tanh sinh 2 e e e e e ee e (2.21) O parâmetro designa-se por rapidez do boost de Lorentz. Assim, o boost de Lorentz também se pode apresentar da seguinte forma: cosh sinh sinh cosh cosh sinh sinh cosh t t x t t x x x t x t x t t x x (2.22) 27 Pelo que 2 2 2 2 cosh sinh cosh sinh t x t x t x e t x t x e t xt x t x t x t x t x t x t x t x (2.23) Acaba-se, em (2.23), de obter um resultado de especial relevância na relatividade que é a invariância do intervalo de espaço-tempo. Com base neste resultado pode-se afirmar que a geometria do espaço-tempo de Minkowski não é euclidiana: o plano ,x t tem uma geometria hiperbólica. O conceito de “distância” é, desta forma, revisto, na teoria da relatividade restrita. Enquanto que no plano euclidiano o lugar geométrico dos pontos que se encontram a uma distância fixa de um dado ponto (centro) é uma circunferência. No plano hiperbólico, o lugar geométrico dos acontecimentos que se encontram a uma “distância” (intervalo de espaço-tempo) fixa de um dado acontecimento é uma hipérbole. Recorde-se que, do ponto de vista de geometria euclidiana, existe um ângulo formado entre os eixos t e t que é igual ao ângulo formado entre os eixos x e x . Esse ângulo foi designado por , sendo (como se viu) tan . Este ângulo é, portanto, unicamente determinado pela velocidade relativa entre dois referenciais de inércia ( S e S ). Uma vez que este ângulo é euclidiano, então é “impróprio” para (verdadeiramente) representar um ângulo no plano de Minskowski. O ângulo é então substituído por um ângulo (hiperbólico) designado por (rapidez do boost de Lorentz). Num sistema de coordenadas S todas as equilocs são paralelas entre si. O mesmo acontece em relação às respectivas equitemps. As equilocs são, por definição, ortogonais às equitemps. Porém, ortogonalidade não significa, na relatividade restrita, o mesmo que perpendicularidade (no seu usual sentido euclidiano). Como consequência do intervalo de espaço-tempo ser invariante, mostra-se na próxima secção, que a física relativista implica uma geometria que não é euclidiana. O plano 2,x y euclidiano, com 2 2 2 0x y r (em que 0r quando 0x y ), tem de ser substituído pelo plano 2,x t hiperbólico, com 2 2t x . Onde, de (2.23), resultam as seguintes possibilidades: 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 2 0 t x t x s t x x t (2.24) Resultam, portanto, duas hipérboles e duas rectas (assimptotas). As hipérboles do tipo tempo e do tipo espaço são descritas por 2 2 2t x e 2 2 2x t , respectivamente.E as rectas (assimptotas) do tipo luz são descritas por t x . Seguem as suas representações geométricas na Figura 2.11. 28 Figura 2.11 - Representação geométrica das hipérboles e assimptotas. De maneira a esclarecer a diferença entre a geometria euclidiana e a geometria hiperbólica expõe-se o caso da Figura 2.12. Nesta figura estão presentes dois observadores: o observador ,x tO em que se designa o eixo t por O e o eixo x por O e o observador ,x t P em que se designa o eixo t por P e o eixo x por P . A hipérbole H de equação 2 2 2t x corresponde ao lugar geométrico dos acontecimentos ,x tA em que o intervalo entre os acontecimentos A e 0, 0O é 2I . A hipérbole H de equação 2 2 2x t corresponde ao lugar geométrico dos acontecimentos ,x tB em que o intervalo entre os acontecimentos B e 0, 0O é 2 I . A hipérbole degenerada de equação 2 2 0t x corresponde ao lugar geométrico dos acontecimentos ,x tC em que o intervalo entre os acontecimentos C e 0, 0O é 0I . As hipérboles identificadas representam a geometria hiperbólica que é onde assenta a relatividade restrita. Para comparação, o equivalente na geometria euclidiana, tem-se uma circunferência (a tracejado) que é o lugar geométrico dos pontos ,x tP cuja distância (euclidiana) entre os pontos P e 0, 0O é rD . 29 Figura 2.12 - Geometria euclidiana vs geometria hiperbólica. Considerando dois acontecimentos 1 1 1,x tE e 2 2 2,x tE . O intervalo entre eles é definido por 2 2 1 2 2 1 2 1, t t x x E EI (2.25) E a medida deste intervalo, por definição, é 2 2 1 2 2 1 2 1, t t x x E E (2.26) Assim, na Figura 2.12, a medida correspondente à hipérbole H é e a medida correspondente à hipérbole H é . O conceito de medida é, portanto, um conceito do plano hiperbólico que corresponde ao conceito de distância do plano euclidiano. A distância euclidiana entre 0, 0O e ,x tA é dada por 2 2t x r A AD (2.27) Do ponto de vista de O , tem-se: , ,x t t t A A A AA O (2.28) Infere-se que 2 2 2 A 1t x t r A AD (2.29) Note-se que o acontecimento A pertence à equiloc P , à circunferência (a tracejado) e à hipérbole H . E, do ponto de vista de O , a equiloc P é descrita pela equação x t . Mas, 30 2 2 2 2 2 1 1 1 t t x t r A A A A (2.30) Assim, tem-se 2 2 1 1r (2.31) em que é a medida do intervalo ( métrica lorentziana) e r a distância (métrica euclidiana). Note-se que, só quando se tem 0 é que a distância euclidiana coincide com a medida do intervalo, i.e., r . Para 1 , obtém-se 0 – é o caso da hipérbole degenerada. 2.7 O espaço quadrático de Minkowski Um espaço quadrático de Minkowski é um espaço vectorial (ou linear) ao qual é adicionado uma métrica, designada de métrica lorentziana. Convém aqui salientar o seguinte: está-se a considerar uma simplificação do espaço-tempo, reduzindo-o a um espaço quadrático bi-dimensional. Nesta simplificação apenas se considera uma única dimensão espacial, identificando este modelo de espaço-tempo com o plano hiperbólico 1,1 . Porém, quando se estuda todo o espaço-tempo (i.e., sem esta simplificação) começa-se (necessariamente) por considerar um espaço vectorial 4 e, de seguida, munir este espaço com uma forma quadrática (tornando-o, eventualmente, no espaço quadrático 1,3 ). No entanto, muitos aspectos relevantes do espaço quadrático de Minkowski são tratáveis no âmbito do espaço quadrático bi-dimensional (plano hiperbólico). Por isso, sempre que não haja a necessidade de recorrer ao espaço de Minkowski completo (i.e., 1,3 ), a análise decorre no plano hiperbólico. Do ponto de vista do espaço vectorial (ou linear) 2 um acontecimento do plano hiperbólico ou um ponto do plano euclidiano são, um vector 0 1t x r e e (2.32) Este vector é, apenas, uma forma de especificar o par ordenado 2,t x . Mas, aqui, o intuito é definir uma base 0 1, e eB (2.33) linearmente independente e completa. Por exemplo, a base canónica ( 0 1, 0t x e , 1 0, 1t x e ). Até aqui, não há o conhecimento sobre a eventual ortogonalidade dos dois vectores desta base (muito menos sobre o “comprimento” de cada um destes vectores). Só quando se estabelece uma métrica é que entra a noção de espaço quadrático. Uma métrica é a matriz 31 0 0 0 1 1 0 1 1 e e e e e e e e G (2.34) É, então, é necessário determinar o produto interno entre os vectores. Só aqui é que entra a noção de ortogonalidade (assim como a noção de “comprimento”). Na métrica euclidiana tem-se: 0 0 0 1 1 0 1 1 1 0 0 1 e e e e e e e e G (2.35) Contudo, esta métrica euclidiana é fisicamente incompatível com a teoria da relatividade, porque a sua adopção implicaria que a invariância teria que ser 2 2 2 2 20 1 0 1 0 0 1 12t x t x t t x x r r r e e e e e e e e (2.36) Na métrica euclidiana, tem-se 2 0 0 0 2 1 1 1 0 1 1 0 1 1 0 e e e e e e e e e e (2.37) o que implica a invariância da forma quadrática 2 22 2 2t x t x r (2.38) A métrica lorentziana diverge da métrica euclidiana. Na métrica lorentziana, tem-se 0 0 0 1 1 0 1 1 1 0 0 1 e e e e e e e e G (2.39) Pelo que 2 0 0 0 2 1 1 1 0 1 1 0 1 1 0 e e e e e e e e e e (2.40) o que implica a invariância de 2 22 2 2t x t x r relatividade plano métrica restrita hiperbólico lorentziana (2.41) Assim, a invariância do intervalo está correcta, como se pode verificar em (2.23). A métrica euclidiana não tem existência física no contexto do espaço-tempo. É o plano hiperbólico que corresponde à física relativista, tendo-se: 0 0 0 1 1 0 1 1 1 0 0 1 e e e e e e e e G (2.42) 32 Neste capítulo já foi deduzida a transformação (passiva) de Lorentz. Vai-se agora deduzir a transformação (activa) de Lorentz, que resulta em deduzir de que forma se transforma a base 0 1 0 1, ,S S e e f fB B (2.43) num boost de Lorentz. Tendo em conta a seguinte analogia 0 1 0 1 , , , , t x t x e e f f (2.44) então 0 1 0 1t x t x r e e f f (2.45) Portanto, o mesmo vector r é visto no sistema de coordenadas S como 0 1t x r e e e, no sistema de coordenadas S , como 0 1t x r f f . Mas como se viu em (2.19): t t x e x x t . Assim, infere-se que 0 1 0 1 0 1 1 0 0 1 t x t x x t t x t x r f f f f f f f f e e (2.46) Pelo que se obtém 0 0 1 0 0 1 1 0 1 1 1 1 e f f e f e f f e f (2.47) Note-se, porém, que 1 2 1 1 11 1 1 11 (2.48) Portanto, a transformação (activa) de Lorentz tem a seguinte forma: 0 0 1 0 0 1 1 1 0 1 1 0 f e e e f f f e e e f f (2.49) E na forma matricial, tem-se: 0 0 0 0 1 1 1 1 1 1 1 1 f e e f f e e f (2.50) Repare-se que, deste modo, vem 33 0 0 0 1 0 0 0 1 1 0 1 1 1 0 1 1 1 0 0 1 f f f f e e e e f f f f e e e e G (2.51) Com o produto interno dos vectores cruzados obtém-se: 0 0 0 1 1 0 1 1
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