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SOCIOLOGIA RICHARD T. SCHAEFER 6a EDIÇÃO 6a EDIÇÃO As aulas de Sociologia, consideradas pelo autor deste livro “o laboratório ideal onde pode- mos estudar nossa própria sociedade e as dos nossos vizinhos globais”, permitem ao aluno desenvolver o pensamento crítico, tornando-o capaz de aplicar as teorias e os conceitos sociológicos para avaliar as interações e as instituições humanas e, assim, encontrar expli- cações sociológicas para os diversos fenômenos que permeiam as relações sociais. O aluno inicia estudando o que é Sociologia e o seu objeto de pesquisa para depois entrar em contato com temas de interesse imediato e, em sua maior parte, com temas mais abrangentes, que lhe permitirão desenvolver o pensamento crítico e a imaginação sociológica. As seções “Use a Sua Imaginação Sociológica” e “Pense Nisto”, por exemplo, dão suporte à proposta do autor. Sociologia aborda temas que vão da educação bilíngüe à existência da escravidão em pleno século XXI, incluindo o estudo da imigração, da situação dos moradores de rua, da superpo- pulação, do processo do envelhecimento das pessoas nas diferentes culturas, até problemas mais recentes como os ataques de 11 de setembro de 2001 e suas conseqüências sociais – como as pessoas passaram a lidar com a situação depois desse acontecimento e, em espe- cial, como elas reagem diante das minorias. Aplicações Livro-texto para a disciplina Introdução à Sociologia dos cursos de graduação em Socio- logia, Filosofia, Psicologia, Pedagogia, Administração de Empresas, Economia, História, Engenharia, entre outros, bem como dos cursos de pós-graduação (MBA e lato sensu) destas mesmas áreas, especialmente de Administração de Empresas. R ich ard T. Sch aefer SO C IO LO G IA Sociologia www.grupoa.com.br Sociologia Schaefer.indd 1 24/10/13 09:53 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) S294s Schaefer, Richard T. Sociologia [recurso eletrônico] / Richard T. Schaefer ; tradução: Eliane Kanner, Maria Helena Ramos Bononi ; revisão técnica: Noêmia Lazzareschi, Sérgio José Schirato. – 6. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2014. Publicado também como livro impresso em 2006. ISBN 978-85-8055-316-1 1. Sociologia. I. Título. CDU 316 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 Índice para catálogo sistemático: 1. Sociologia 301 Iniciais_eletronica.indd 2 23/10/13 15:15 Entendendo Sociologia 3 o que é sociologia? “O que a sociologia tem a ver comigo ou com a minha vida?” Como estudante, você também poderia ter feito essa pergunta ao se matricular no curso de Introdução à Sociologia. Para obter a resposta, considere estes pon- tos: Você é influenciado pelo que vê na televisão? Você usa a Internet? Você votou nas últimas eleições? Você participa das bebedeiras no campus? Você usa medicina alternativa? Essas são apenas algumas das situações do dia-a-dia descritas neste livro, sobre as quais a sociologia traz alguma luz. Mas, como indica o texto de abertura, a sociologia também observa grandes problemas sociais. Usamos a sociologia para investigar por que milhares de empregos migraram dos Estados Unidos e foram para países em desenvolvimento, que forças sociais promo- vem o preconceito, o que leva alguém a se juntar a um movimento social e a trabalhar por mudanças sociais, como o acesso à tecnologia da computação pode reduzir a desigualdade, e por que as relações entre homens e mu- lheres em Seattle são diferentes daquelas em Cingapura, por exemplo. A sociologia é, de modo bem simples, o estudo sis- temático do comportamento social e dos grupos huma- nos. Ela focaliza as relações sociais, como essas relações influenciam o comportamento das pessoas, e como as sociedades, a soma de tais relações, se desenvolvem e mudam. A Imaginação Sociológica Na tentativa de entender o comportamento social, os sociólogos se baseiam em um tipo incomum de pensa- mento criativo. Um importante sociólogo, C. Wright Mills, descreve tal pensamento como a imaginação sociológica – uma consciência da relação entre o indiví- duo e a sociedade mais ampla. Essa consciência permite as suas tentativas de sobreviver disfar- çada em uma trabalhadora de baixa renda disfarçada em diferentes cidades dos Estados Unidos, a jornalista Barbara Ehrenreich desvendou padrões de inte- ração humana e usou métodos de estudo relacionados à investigação sociológica. Esse excerto do seu livro Nickel and Dimed: On (Not) Getting By in America [Miséria à americana] descreve como Ehren- reich deixou sua casa confortável e assumiu a identi- dade de uma dona-de-casa divorciada de meia-idade, sem diploma universitário, e com pouca experiência de trabalho. Ela foi em busca de um emprego que pagasse melhor e de uma forma de vida mais econômica para ver se conseguiria sobreviver. Meses depois, completa- mente exausta e desmoralizada pelas regras de trabalho, Ehrenreich pôde confirmar o que já suspeitava antes de começar: sobreviver naquele país como um trabalhador de baixa renda é uma aposta difícil de ganhar. O estudo de Ehrenreich revelou uma sociedade de- sigual, o que constitui um tópico central da sociologia. A desigualdade social tem uma influência determi- nante nas interações e instituições humanas. Certos grupos de pessoas controlam recursos escassos, usam o poder e recebem tratamento especial. A foto que abre este capítulo ilustra outro foco comum dos sociólogos, os elementos da cultura que definem uma sociedade. Na Índia, as histórias em quadrinhos são uma forma muito popular de mídia que reflete valores culturais centrais. Embora possa ser interessante saber como um indi- víduo faz para pagar suas contas, ou mesmo pode ser afetado pelos conteúdos de uma revista de aventura em quadrinhos, os sociólogos se preocupam em saber como grupos inteiros de pessoas são afetados por esses fatores, e como a própria sociedade pode ser alterada por eles. Assim, os sociólogos não estão preocupados com o que um indivíduo faz ou deixa de fazer, mas com o que as pessoas fazem como membros de um grupo, ou na interação com os outros, e o que isso significa para os indivíduos e para a sociedade como um todo. Como campo de estudo, a sociologia tem uma abrangência extremamente ampla. Você verá neste livro a gama de tópicos que os sociólogos investigam – do suicídio ao hábito de ver televisão, da sociedade Amish aos padrões econômicos globais, da pressão entre os pares às técnicas de bater carteira. A sociologia observa como os outros influenciam o nosso compor- tamento; como as grandes instituições sociais, como o governo, a religião e a economia, nos afetam; e como nós mesmos afetamos outros indivíduos, grupos ou até organizações. Como se desenvolveu a sociologia? De que forma ela é diferente das outras ciências sociais? Este capítulo vai explorar a natureza da sociologia como um campo de pesquisa e como um exercício de “imaginação so- cial”. Olharemos para a disciplina como uma ciência e considerar sua relação com as outras ciências so- ciais. Conheceremos três pensadores pioneiros – Émile Durkheim, Max Weber e Karl Marx – e examinaremos as perspectivas teóricas que se desenvolveram a partir do trabalho deles. Por fim, vamos considerar as formas como a sociologia nos ajuda a desenvolver uma imagi- nação sociológica. N Capitulo 01.indd 3 23/10/13 14:58 Você é o que Você tem? se sua imaginação sociológica para analisar o “mundo material” de três sociedades dife- rentes. as fotos são do livro Material World: A Global Family Portrait [Mundo material: um retrato da família global]. os fotógrafos selecionaram uma família “estatisticamente média” em cada país que visitaram e fotografaram essa famílias com todos os seus bens, na casa onde moram. são mostradas, aqui, famílias nos estados Unidos (texas), em Mali e na islândia. o que os bens materiais nos revelam sobre o tipo de transporte, os alimentos, o tipo de moradiae o estilo de vida de cada cultura? como o clima interfere nos bens que as pessoas possuem? Que influência teria o tamanho da família na posição econômica ocupada por essa família? que bens se destinam ao lazer, e quais à subsistência? como essas famílias empregam os recursos naturais? que meios de comunicação estão disponíveis para cada uma delas? Por que você acha que a família de Mali tem tantas panelas, cestos e utensílios para servir alimentos? o que os livros e a Bíblia da família norte-americana (texas) nos revelam sobre sua história e seus interesses? como você acha que cada família reagiria se passasse a viver com os pertences das outras duas famílias? essas fotos nos informam que, quando olhamos para os bens materiais das pessoas, aprendemos algo sobre os fatores sociais, econômicos e geográficos que influenciam seu modo de vida. As fotos também podem nos levar a pensar sociologicamente sobre os nossos próprios bens materiais, e o que eles revelam sobre nós e nossa sociedade (Menzel, 1994). U a família skeen em Pearland, texas, nos estados Unidos. 4 Capitulo 01.indd 4 23/10/13 14:58 a família natoma (incluindo o marido, duas esposas e os pertences das esposas) em Kouakourou, Mali. a família thoroddsen em Hafnarfjördur, islândia. 5 Capitulo 01.indd 5 23/10/13 14:58 6 Capítulo 1 que todos nós (não apenas os sociólogos) compreen- damos as ligações existentes entre o nosso ambiente social pessoal imediato e o mundo social impessoal que nos circunda e que colabora para nos moldar. Barbara Ehrenreich certamente usou a imaginação sociológica quando estudou os trabalhadores de baixa renda (Mills [1959], 2000a). Um elemento-chave da imaginação sociológica é a capacidade de uma pessoa poder ver a sua própria sociedade como uma pessoa de fora o faria, em vez de fazê-lo apenas da perspectiva das experiências pessoais e dos preconceitos culturais. Tomemos como exemplo algo bem simples, os esportes. No Brasil, centenas de milhares de pessoas de todos os níveis sociais vão semanalmente aos estádios torcer por seus times de futebol e gastam milhares de reais em apostas. Em Bali, Indonésia, dezenas de espectadores se juntam ao redor de um ringue para apostar em animais bem-treinados que participam das rinhas de galos. Em ambos os exemplos os espectadores exaltam os méritos dos seus favoritos e apostam nos me- lhores resultados das competições que são consideradas normais em uma parte do mundo, mas pouco comuns em outra. A imaginação sociológica nos permite ir além das experiências e observações pessoais para compreender temas públicos de maior amplitude. O divórcio, por exemplo, é um fato pessoal inquestionavelmente difícil para o marido e para a esposa que se separam. Entretanto, C. Wright Mills defende o uso da imaginação sociológica para ver o divórcio não apenas como um problema pes- soal de um indivíduo, mas sim como uma preocupação da sociedade. Usando essa perspectiva, podemos notar que um aumento na taxa de divórcio na verdade redefine uma instituição social fundamental – a família. Os lares hoje com freqüência incluem padrastos, madrastas e meio-irmãos cujos pais se divorciaram e casaram nova- mente. A imaginação sociológica é uma ferramenta que nos proporciona poder. Ela nos permite olhar para além de uma compreensão limitada do comportamento humano, ver o mundo e as pessoas de uma forma nova, através de uma lente mais potente do que o nosso olhar habitual. Pode ser algo tão simples como entender por que um colega de quarto prefere música sertaneja ao hip-hop, ou essa outra forma de olhar as coisas poderá revelar uma maneira totalmente diferente de compreender as outras populações do mundo. Por exemplo, depois dos ataques terroristas aos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, vários cidadãos passaram a querer entender como os muçulmanos em todo o mundo percebiam o país deles, e o porquê desses ataques. Este livro vai oferecer a você a oportunidade de exercitar a sua imaginação sociológica em diversas situações. Vamos começar com uma que talvez lhe seja mais familiar. Você está caminhando por uma rua da sua cidade. Ao olhar à sua volta, não pode deixar de notar que metade das pessoas, ou mais, está acima do peso. Como você explica sua observação? Se você fosse C. Wright Mills, como acha que explicaria isso? A Sociologia e as Ciências Sociais A sociologia é uma ciência? O termo Ciência se refere a um corpo de conhecimentos obtidos por métodos basea- dos na observação sistemática. Da mesma forma que ou- tras disciplinas científicas, a sociologia envolve o estudo sistemático e organizado dos fenômenos (nesse caso, o comportamento humano) para ampliar a compreensão. Todos os cientistas, estejam eles estudando cogumelos ou assassinos, tentam coletar informações precisas por meio de métodos de estudo que sejam os mais objetivos possível. Eles se baseiam no registro cuidadoso das obser- vações e na coleta de dados. Evidentemente, há uma grande diferença entre so- ciologia e física, entre ecologia e astronomia. Ciências naturais são o estudo das características físicas da natu- reza e das maneiras pelas quais elas interagem e mudam. A astronomia, a biologia, a química, a geologia e a física são todas ciências naturais. Ciências sociais são o estudo das características sociais dos seres humanos, e das ma- neiras pelas quais eles interagem e mudam. As ciências sociais incluem a sociologia, a antropologia, a economia, a história, a psicologia e as ciências políticas. Essas disciplinas das ciências sociais têm um foco comum no comportamento social das pessoas, mesmo que cada uma delas tenha uma orientação particular. Os antropólogos geralmente estudam culturas passadas e sociedades pré-industriais que existem até hoje, bem como as origens dos seres humanos. Os economistas exploram as maneiras pelas quais as pessoas produzem e trocam mercadorias e serviços, bem como o dinheiro e outros recursos. Os historiadores estão preocupados com as pessoas e os eventos do passado, e seu significado para nós hoje. Os cientistas políticos estudam as relações internacionais, os atos do governo e o exercício do poder e da autoridade. Os psicólogos investigam a personali- dade e o comportamento individual. Então, o que fazem os sociólogos? Eles estudam a influência que a sociedade tem nas atitudes e nos comportamentos das pessoas, bem como na maneira como as pessoas interagem e formam a sociedade. Como os seres humanos são animais sociais, os sociólogos examinam cientificamente as nossas rela- ções sociais com os outros. Vamos considerar como as diferentes ciências sociais podem abordar o tema polêmico da pena de morte. Os historiadores estariam interessados no desenvolvimento da pena capital do período colonial até o presente. Os eco- Use a Sua Imaginação Sociológica Capitulo 01.indd 6 23/10/13 14:58 Entendendo Sociologia 7 nomistas poderiam fazer uma pesquisa para comparar os custos das pessoas encarceradas durante toda a vida com as despesas das apelações que ocorrem nos casos de pena de morte. Os psicólogos observariam os casos individuais e avaliariam o impacto da pena de morte na família da vítima e na do preso executado. Os cientistas políticos estudariam as diferentes posições assumidas pelos po- líticos eleitos e as implicações dessas posições em suas campanhas para reeleição. E qual seria a abordagem dos sociólogos? Eles po- deriam verificar como a raça e a etnia afetam o resultado dos casos de pena de morte. De acordo com um estudo publicado em 2003, 80% dos casos de pena de morte nos Estados Unidos envolvem vítimas de cor branca, apesar de apenas 50% de todas as vítimas de assassinato serem brancas (ver Figura 1–1). Parece que a raça da vítima influencia a decisão sobre se o réu será condenado à pena capital (ou seja, assassinato punível com a morte) e se ele realmente será executado no final. Assim, o sistema de justiça criminal parece tender aimpor penas mais pesa- das quando as vítimas são brancas, do que quando elas pertencem a uma das minorias. Os sociólogos colocam sua imaginação sociológica para funcionar em diversas áreas – incluindo as áreas do envelhecimento, da família, da ecologia humana e da religião. Neste livro você vai ver como os sociólogos desenvolvem teorias e fazem pesquisas para estudar e entender melhor as sociedades. E você será encorajado a usar a sua imaginação sociológica para examinar os Esta- dos Unidos e o Brasil (além de outras sociedades) como uma pessoa de fora – de maneira respeitosa, mas sempre questionando. Sociologia e Senso Comum A sociologia focaliza o estudo do comportamento hu- mano. Entretanto, todos nós temos experiências com o comportamento humano, e pelo menos algum conheci- mento sobre ele. Todos nós também podemos ter teorias sobre por que uma pessoa vai viver na rua, por exemplo. As nossas teorias e opiniões geralmente se baseiam em nosso “senso comum” – ou seja, nas nossas experiências e conversas, naquilo que lemos, ou que vemos na televisão e assim por diante. Em nossa vida diária, confiamos no nosso senso co- mum para resolver situações não-familiares. Entretanto, esse conhecimento chamado senso comum, embora seja preciso algumas vezes, não é sempre confiável, porque ele se baseia em crenças comumente aceitas, e não na análise sistemática dos fatos. No passado constituía senso comum aceitar que a Terra era plana – uma visão questionada corretamente por Pitágoras e Aristóteles. Noções incorretas consideradas de senso comum não pertencem apenas a um passado distante, mas permanecem até hoje. Nos Estados Unidos, hoje o “senso comum” diz que as pessoas jovens vão ao cinema onde está sendo exibido A paixão de Cristo ou a concertos de rock cristão porque a religião está se tornando mais importante para elas. Con- tudo, essa noção particular de “senso comum” – como a noção de que a Terra era plana – não é verdadeira, e não se baseia na pesquisa sociológica. Em 2003, pesquisas anuais feitas com universitários do primeiro ano mostram um de- clínio na porcentagem de pessoas que freqüentam serviços religiosos, mesmo ocasionalmente. Um número crescente de universitários declara não ter preferência religiosa. A tendência inclui não apenas religiões organizadas, mas também outras formas de espiritualidade. Poucos estu- dantes rezam ou meditam mais hoje do que no passado, e poucos consideram seu nível de espiritualidade muito alto (Sax et al., 2003). O Brasil não é exceção. A evangelização de jovens foi o tema principal da 44a Assembléia Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No maior país católico do mundo, onde dos 34 milhões de jovens que se confessam, católicos menos de 10% freqüen- tam os serviços religiosos. Da mesma forma, os desastres em geral não pro- duzem pânico. Logo após uma catástrofe, como uma explosão, por exemplo, grandes organizações e estruturas sociais surgem para lidar com os problemas da comu- nidade. Nos Estados Unidos, por exemplo, um grupo de operações de emergência freqüentemente coordena serviços públicos e mesmo certos serviços em geral de- sempenhados pelo setor privado, como a distribuição de alimentos. O processo decisório torna-se mais centrali- zado nos momentos de crise. No Brasil, por exemplo, a FIgurA 1-1 Raças das Vítimas nos Casos de Pena de Morte Obs.: esses dados referem-se a todos os casos de pena de morte de 1976 a 30 de janeiro de 2004. Fonte: Death Penalty Information Center, 2004. A pena de morte tende a ser imposta quando a vítima é branca. Nos Estados Unidos, 50% de todas as vítimas de assassinatos são brancas, mas nos casos julgados com possibilidade de pena de morte, a porcentagem de vítimas brancas é de mais de 80%. Hispânicos 4% Outros 1% Brancos 81% Negros 14% Capitulo 01.indd 7 23/10/13 14:58 8 Capítulo 1 defesa civil assume a responsabilidade por este trabalho de atendimento às vítimas de catástrofes, como grandes incêndios e inundações, coordenando as ações de resgate e as operações de emergência em conjunto com o Corpo de Bombeiros e a Polícia. Como outros cientistas sociais, os sociólogos não aceitam algo como um fato porque “todo mundo sabe disso”. Ao contrário, cada informação precisa ser testada e registrada, e depois analisada em relação a outras infor- mações. Os sociólogos se baseiam nos estudos científicos para descrever e compreender o ambiente social. Às ve- zes, as descobertas dos sociólogos podem parecer simples senso comum, porque eles lidam com facetas familiares da vida diária. A diferença é que tais descobertas foram testadas pelos pesquisadores. O senso comum agora nos diz que a terra é redonda. Mas essa noção particular de senso comum baseia-se em séculos de trabalhos científi- cos que começaram com as descobertas feitas por Pitágo- ras e Aristóteles. o que é teoria sociológica? Por que as pessoas cometem suicídio? A resposta tradicio- nal de senso comum é que a pessoa herda o desejo de se matar. Um outro ponto de vista é que as manchas escuras do sol levam as pessoas a se matarem. Essas explicações podem não parecer particularmente convincentes para os pesquisadores contemporâneos, mas elas representam as crenças da maior parte das pessoas até 1900. Os sociólogos não estão par- ticularmente interessados na razão pela qual um indivíduo comete sui- cídio; eles estão mais preocupados com a identificação das forças so- ciais que sistematicamente levam algumas pessoas a se suicidarem. Para fazer essa pesquisa, os soció- logos desenvolvem uma teoria que oferece uma explicação geral sobre o comportamento suicida. Podemos pensar que as teorias são tentativas de explicar, de uma forma abrangente, eventos, forças materiais, idéias ou comportamentos. Em sociologia, uma teoria é um con- junto de afirmações que busca expli- car problemas, ações, ou comporta- mentos. Uma teoria efetiva pode ter um poder explicativo e de previsão. Ou seja, ela pode nos ajudar a ver a relação entre fenômenos aparente- mente isolados, bem como a enten- der como um tipo de mudança em um ambiente leva a outras mudanças. A World Health Organization [Organização Mundial da Saúde] (2002) calculou que 815 mil pessoas come- teram suicídio em 2000. Mais de cem anos antes, um sociólogo tentou olhar para o suicídio de forma científica. Émile Durkheim ([1897] 1951) desenvolveu uma teoria bastante original sobre a relação entre suicídio e fatores sociais. Ele estava basicamente preocupado não com as personalidade das vítimas do suicídio, mas sim com as taxas de suicídio e como elas variavam de um país para outro. Como resultado, quando observou o número de suicídios informados na França, Inglaterra e Dinamarca em 1869, comparou também a população total de cada país para determinar a sua taxa de suicídio. Ele descobriu que, enquanto na Inglaterra apenas 67 suicídios eram in- formados por milhão de habitantes, na França eles eram 135 a cada milhão de habitantes; e na Dinamarca, 277 a cada milhão de habitantes. A pergunta então passou a ser: “Por que a Dinamarca tem uma taxa comparativamente alta de suicídios informados?”. Durkheim foi ainda muito mais fundo em sua in- vestigação das taxas de suicídio, o que resultou no seu trabalho considerado um marco, O suicídio, publicado em 1897. Ele se recusou a aceitar explicações sobre o sui- cídio que não fossem comprovadas, incluindo as crenças de que forças cósmicas ou tendências hereditárias provo- cavam tais mortes. Ao contrário, Durkheim manteve seu foco nos fatores sociais, tais como na coesão dos grupos religiosos, sociais e de trabalho. A pesquisa de Durkheim sugeria que o suicídio, embora fosse um ato solitário, estava relacionado à vida Estudantes universitários freqüentam menos cerimônias religiosas hoje do que no passado, apesar da presença de ministros no campus, tal como este do centro de jesuítas na Fairfield University, em Connecticut. A pesquisa sociológicaconfirma uma tendência de queda na prática de uma religião. Capitulo 01.indd 8 23/10/13 14:58 Entendendo Sociologia 9 em grupo. Os protestantes tinham uma taxa de suicídio muito mais alta do que os católicos, as pessoas soltei- ras apresentavam uma taxa muito mais alta do que as casadas, e os soldados tendiam a se matar mais do que os civis. Além disso, parecia haver taxas mais altas de suicídio em períodos de paz do que em momentos de guerra ou revolução, e mais nos períodos de instabilidade econômica e recessão do que em tempos de prosperidade. Durkheim concluiu que as taxas de suicídio de uma so- ciedade refletem a medida em que as pessoas estão ou não integradas na vida de grupo da sociedade. Émile Durkheim, como muitos outros cientistas sociais, desenvolveu uma teoria para explicar como o comportamento individual pode ser compreendido em um contexto social. Ele apontou a influência dos grupos e das forças sociais sobre algo que sempre havia sido no- tado como um ato eminentemente pessoal. Com certeza, Durkheim ofereceu uma explicação mais científica para as causas do suicídio do que as manchas escuras do Sol ou as tendências hereditárias. Sua teoria trouxe um poder de previsão, uma vez que sugere que as taxas de suicídio aumentam ou diminuem em conjunto com certas mu- danças econômicas e sociais. Evidentemente, uma teoria – mesmo a melhor delas – não é uma afirmação final sobre o comportamento humano. A teoria do suicídio de Durkheim não é exce- ção. Os sociólogos continuam a examinar os fatores que contribuem para as diferenças nas taxas de suicídio em todo mundo e a taxa de suicídios de uma determinada sociedade. Por exemplo, embora a taxa de suicídio geral da Nova Zelândia seja apenas marginalmente mais alta do que a taxa dos Estados Unidos, a taxa de suicídio entre pessoas jovens é 41% mais alta na Nova Zelândia. Os sociólogos e os psiquiatras daquele país sugerem que a sua sociedade, composta de grupos esparsos em regiões remotas, mantém padrões exagerados de masculinidade que são particularmente difíceis para os jovens rapazes. Os adolescentes homossexuais que não conseguem se adaptar às preferências de seus pares nos esportes ficam particularmente vulneráveis ao suicídio (Shenon, 1995). No Brasil, a taxa de suicídio é relativamente baixa, man- tendo-se em torno de 0,056% de toda a população há muitas décadas. Por isso, o suicídio no País não é, na lin- guagem de Émile Durkheim, um fato social patológico, dada a baixa regularidade com que se apresenta. Se você fosse o sucessor de Durkheim na sua pesquisa sobre o suicídio, como investigaria os fatores que podem explicar o aumento das taxas de suicídio entre jovens nos Estados Unidos hoje? o desenvolvimento da sociologia As pessoas sempre mostram-se curiosas sobre temas sociológicos – como nos relacionamos com os outros, o que fazemos para viver, quem selecionamos para nossos líderes. Filósofos e autoridades religiosas das socieda- des antigas e medievais fizeram inúmeras observações sobre o comportamento humano. Eles não testavam ou verificavam cientificamente essas observações; e, mesmo assim, suas observações com freqüência se tornavam o fundamento dos códigos morais. Muitos filósofos antigos previram que o estudo sistemático do comportamento humano seria realidade no futuro. A partir do século XIX, os teóricos europeus deram contribuições pioneiras para o desenvolvimento de uma ciência do comporta- mento humano. Os desastres produzem pânico ou uma resposta estruturada e organizada? O senso comum poderia nos dizer que a resposta é pânico, mas, na realidade, os desastres requerem muita estrutura e organização para lidar com os seus resultados. Quando o ataque terrorista de 11 de setembro de 2001 destruiu o centro de comando de emergências da cidade de Nova York, os funcionários rapidamente restabeleceram esse centro para dirigir as buscas e os esforços para resgate das pessoas. Use a Sua Imaginação Sociológica Capitulo 01.indd 9 23/10/13 14:58 10 Capítulo 1 Os Primeiros Pensadores Augusto Comte O século XIX foi um período tumultuado na França. A monarquia francesa havia sido deposta na revolução de 1789, e Napoleão tinha sido derrotado na sua tentativa de conquistar a Europa. No meio daquele caos, os filósofos pensavam como a sociedade poderia ser melhorada. Au- gusto Comte (1798–1857), considerado o filósofo mais influente do início do século XIX, acreditava que uma ciência teórica da sociedade e uma investigação sistemá- tica do comportamento eram necessárias para melhorar a sociedade. Ele definiu o termo Sociologia aplicando-o à ciência do comportamento humano. De acordo com o que escreveu durante o século XIX, Durkheim temia que os excessos da Revolução Francesa tivessem prejudicado permanentemente a estabilidade da França. Mesmo assim, ele esperava que o estudo sistemá- tico do comportamento social finalmente levasse a intera- ções humanas mais racionais. Na hierarquia das ciências de Comte, a sociologia ficava no topo. Ele a chamava de “rainha”, e os seus praticantes, de “sacerdotes-cientistas”. Esse teórico francês não apenas batizou a sociologia como também apresentou um desafio muito ambicioso para a disciplina que nascia. Harriet Martineau Os estudiosos refletiram sobre os trabalhos de Comte principalmente por meio das traduções da socióloga inglesa Harriet Martineau (1802–1876). Martineau era também uma pioneira. Ela realizou observações perspi- cazes sobre os costumes e as práticas sociais tanto da sua terra natal, a Grã-Bretanha, quanto dos Estados Unidos. O livro de Martineau, Society in America A sociedade ([1837] 1962), abordou a religião, a política, a educação das crianças e a imigração naquela jovem nação. Ela dá atenção especial às distinções das classes sociais e a fato- res como gênero (sexo) e raça. Martineau ([1838] 1989) também escreveu o primeiro livro sobre os métodos sociológicos. Os escritos de Martineau enfatizaram o impacto que a economia, a lei, o comércio, a saúde e a popula- ção podiam ter sobre os problemas sociais. Ela pregou a favor dos direitos das mulheres, da emancipação dos escravos e da tolerância religiosa. Mais tarde, a surdez não a impediu de ser uma ativista. Na visão de Marti- neau (1877), os intelectuais e os estudiosos não deviam apenas oferecer observações sobre as condições sociais; eles deviam agir em relação às suas convicções de uma forma que beneficiasse a sociedade. É por isso que ela fez pesquisas acerca da natureza dos empregos femini- nos e apontou para a necessidade de investigações mais aprofundadas sobre o assunto (Deegan, 2003; Hill e Hoecker-Drysdale, 2001). Herbert Spencer Outra importante contribuição para a disciplina da so- ciologia foi dada por Herbert Spencer (1820–1903). Um inglês vitoriano relativamente próspero, Spencer (diferen- temente de Martineau) não se sentia compelido a corrigir ou a melhorar a sociedade; ao contrário, ele simplesmente esperava entendê-la melhor. Buscando bases no estudo de Charles Darwin – Sobre a origem das espécies –, Spencer aplicou o conceito de evolução das espécies nas socieda- des para explicar como elas mudam ou evoluem com o passar do tempo. Da mesma forma, ele adaptou a visão revolucionária de Darwin sobre a “sobrevivência do mais forte” argumentando que é “natural” que algumas pessoas sejam ricas e outras, pobres. A abordagem da mudança na sociedade feita por Spencer foi extremamente popular durante sua vida. Diferentemente de Comte, ele sugeria que, uma vez que as sociedades mudariam no final, ninguém precisava ser muito crítico sobre os arranjos sociais atuais, ou trabalhar ativamente por mudanças sociais. Esse ponto de vista agradou muitas pessoas influentes na Inglaterra e nos Estados Unidos, que tinham interesse na manutenção do status quo e não confiavam nos pensadores sociais que endossavam mudanças. Harriet Martineau, uma das pioneiras da sociologia, estudou o comportamentosocial tanto da sua terra natal, a Grã-Bretanha, quanto dos Estados Unidos. Capitulo 01.indd 10 23/10/13 14:58 FUNDAMENTOS DA SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA Sandro A. de Araujo Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Reconhecer Émile Durkheim como um dos fundadores da sociologia do Direito. Caracterizar o fato social a partir de Émile Durkheim. Apresentar os conceitos políticos, jurídicos e específicos de Durkheim. Introdução Neste capítulo, você vai ler sobre um dos maiores nomes da sociologia pura e do Direito: Émile Durkheim, um clássico que influencia autores até os dias de hoje. Ainda neste capítulo, você vai conhecer os conceitos fundamentais da sua obra, como de anomia, solidariedade e divisão do trabalho, conceitos interligados fundamentais para a compreensão da teoria de Émile Durkheim. Émile Durkheim e a sociologia do Direito Preliminares biobibliográficas Émile Durkheim (1858–1917), junto com Karl Marx e Max Weber, é consi- derado um dos pilares da disciplina que conhecemos hoje como sociologia. Nasceu em 15 de abril de 1858, em Épinal, França. Formou-se na École Normale Superieure (Paris), à época dirigida por Fustel de Coulanges, e, mais tarde, lecionou em Bourdoux, onde escreveu: A divisão do trabalho social, como tese de doutoramento (1893); Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 1 09/03/2018 12:06:07 As regras do método sociológico (1895); O suicídio (1897); Lições de sociologia; Física dos costumes e do Direito (cursos ministrados entre 1896–1900). Lecionou na Sorbonne em 1902, como professor auxiliar na cátedra de educação, disciplina da qual se tornou titular em 1906, mudando, em 1910, o nome da cátedra para sociologia. Assim, tornou-se o primeiro professor dessa disciplina. Os seus principais discípulos foram: o antropólogo Marcel Mauss, que era seu sobrinho; o historiador Gustav Glotz; o jurista Léon Duguit. A Figura 1 apresenta a biografia de Émile Durkheim. Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma2 Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 2 09/03/2018 12:06:09 Sociologia do Direito Para Durkheim, a sociologia do Direito tem a incumbência de dar conta de certas tarefas. Segundo ele, tendo em vista o papel que o Direito representa na manutenção da ordem, o sociólogo deve investigar: as causas históricas das regras jurídicas; as funções das regras jurídicas; o funcionamento (como são aplicadas) das regras jurídicas. Para ele, o Direito é coextensivo à vida social: “A sociedade tende inevi- tavelmente a se organizar, e o Direito é a esta organização naquilo que ela possui de mais estável e mais preciso” (DURKHEIM, 1995, p. 31-32). Figura 1. Biografia de Émile Durkheim. Fonte: Aron (1997, p. 369). 3Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 3 09/03/2018 12:06:09 Para Durkheim, a regra jurídica é definida como uma regra de conduta dotada de uma sanção (DURKHEIM, 1995). Essa ênfase dada à sanção é típica de um pensamento obcecado com a ordem. Ao analisar a sanção, ele a divide em duas: a repressiva e a restitutiva. A primeira consiste em impor um sofrimento ao indivíduo, privando-o de algum bem, como a vida, a liberdade, a honra, a fortuna, entre outros. A se- gunda consiste na recondução de uma relação perturbada à sua forma normal (DURKHEIM, 1995). Cada tipo de sanção corresponde a uma função e um fundamento (Quadro 1). Repressiva Restitutiva Fundamento da sanção Sentimento Utilidade Função da sanção Vingança Restauração Quadro 1. Tipos de sanção. Dessa forma, podemos também classificar o Direito em Direito repressivo, que é aquele que utiliza as sanções repressivas, e o Direito restitutivo ou cooperativo, que é aquele que utiliza as sanções restitutivas. Fato social e instituições Objeto Embora Durkheim tenha estabelecido como conceito central do seu pensa- mento o conceito de fato social, na segunda edição das Regras do método sociológico, ele começa a utilizar o termo instituição. Instituição e fato social são termos que preservam a objetividade do fenômeno social. Por ser mais corrente no âmbito do pensamento jurídico, parece mais adequado a uma sociologia do Direito. Assim, Durkheim define sociologia como “[...] a ciência das insti- tuições, de sua gênese e de seu funcionamento” (DURKHEIM, 1986. p. 31). Segundo ele, as instituições são as “[...] crenças e modos de conduta instituídos pela comunidade” (DURKHEIM, 1986. p. 31). Como exemplos Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma4 Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 4 09/03/2018 12:06:09 de instituições, ele traz o Estado, a família, o Direito de propriedade e o contrato (DURKHEIM, 1986). Os fatos sociais e as instituições trazem consigo duas características essen- ciais: a exterioridade e o caráter vinculativo ou coercitivo. O autor conceitua exterioridade da seguinte forma: Para que haja um fato social, é preciso que vários indivíduos combinem sua ação e que desta combinação resulte um produto novo. E como esta síntese tem lugar fora de nós (posto que nela entra uma pluralidade de consciências), tem necessariamente como efeito o de fixar, instituir fora de nós certas ma- neiras de agir e certos juízos que não dependem de cada vontade individual considerada à parte (DURKHEIM, 1986, p. 30-31). Como exemplo, podemos citar o sistema linguístico, a moral, a moda, a moeda, entre outros, que são típicos fenômenos exteriores às consciências individuais. Com relação à segunda característica, temos que tanto a instituição quanto o fato social se impõem ao indivíduo. Um exemplo disso é a paternidade, que é um fenômeno biológico, mas, enquanto instituição/fato social, cria uma série de deveres. É certo que: “[...] cada um de nós fabrica para si, sua moral, sua religião, sua técnica. Não há conformismo social que não comporte toda uma série de matizes individuais. Contudo, o campo de variações permitidas é limitado” (DURKHEIM, 1986, p. 31). Método Quanto ao método utilizado por Durkheim, temos três regras: Primeira regra — “Os fatos sociais devem ser concebidos como coisas” (DURKHEIM, 1986, p. 18). Decorrem dessa regra duas consequências: a coisa é exterior ao indivíduo, o que acarreta que essa coisa só pode ser conhecida pela experiência; o elemento psicológico não é relevante: na verdade, é im- possível determinar com exatidão os motivos subjetivos que deram origem a uma instituição. Segunda regra — deve haver uma prioridade do todo, da sociedade, com relação à parte, o indivíduo. Pois, segundo Durkheim, a vida de uma célula não se encontra nos átomos que a compõem, mas no modo como estão associados (DURKHEIM, 1986). Desse modo, o todo mostra-se irredutível às partes que o compõem, uma vez que possui propriedades que não estão presentes 5Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 5 09/03/2018 12:06:09 nas partes. A sociedade, pois, é irredutível à soma dos indivíduos. De fato, se partirmos dos indivíduos, nunca podemos compreender o que ocorre no grupo, uma vez que os membros do grupo agem de modo diferente do que fariam se estivessem isolados. Terceira regra — a ideia de que um fato social só pode ser explicado por um outro fato social. Principais conceitos Solidariedade Esse conceito fundamental na teoria de Durkheim pode ser descrito como o vínculo objetivo, relação pacífi ca, existente entre os indivíduos em determinada sociedade. A solidariedade, por sua vez, pode fundamentar-se na semelhança entre indivíduos — chamada, então, de solidariedade mecânica — ou na sua diferença — denominada, então, solidariedade orgânica. A solidariedade mecânica é típica de sociedades primitivas, nas quais não ocorreu uma especialização das funçõessociais. A consciência individual depende diretamente da consciência coletiva e segue todos os seus movi- mentos, “[...] como o objeto possuído segue aqueles que o seu proprietário lhe imprime” (DURKHEIM, 1995, p. 107). É essa analogia que justifica o termo mecânica. Mas como se dá a consciência coletiva na solidariedade mecânica? A consciência coletiva é o conjunto das crenças e sentimentos comuns à média dos membros de uma mesma sociedade. Como é forte, abrange todas as esferas da vida. A solidariedade orgânica, por sua vez, é a solidariedade fundada na dife- rença. É típica das sociedades modernas, em que a divisão do trabalho provoca a diferenciação entre as pessoas. O termo orgânica é utilizado em analogia com os órgãos de um ser vivo: estes são diferentes, e é a sua diferença que os torna indispensáveis uns aos outros. Cada membro da sociedade funciona como órgão de um organismo. Divisão do trabalho social A divisão social do trabalho consiste na especialização das funções em todos os âmbitos da vida social: econômico, político, religioso, militar, político, científi co, artístico, entre outros. Essa divisão não pode ser confun- Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma6 Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 6 09/03/2018 12:06:10 dida com a divisão técnica do trabalho, que consiste na decomposição do trabalho em várias fases, atribuindo a cada trabalhador a responsabilidade sobre uma fase. As causas da divisão do trabalho dizem respeito à passagem da solidariedade mecânica para a orgânica, em que pode haver: crescimento demográfico; crescimento da densidade demográfica (razão entre indivíduos e superfície); crescimento no número de trocas entre os indivíduos de uma sociedade (a chamada densidade moral). Quanto mais numerosos os indivíduos que procuram viver em conjunto, mais intensa é a luta pela vida. A diferenciação social (especialização) é a solução pacífica da luta pela vida. Com a diferenciação, deixa de ser necessário eliminar a maioria dos indivíduos, a partir do momento em que, diferenciando-os, cada um fornece uma contribuição que lhe é própria para a vida do grupo. ARON, R. As etapas do pensamento sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1997. DURKHEIM, É. Da divisão do trabalho social. São Paulo: Martins Fontes, 1995. DURKHEIM, É. Las reglas del método sociológico. México: Fondo de Cultura Económica, 1986. ÉMILE DURKHEIM. In: Academia Brasileira de Direito do Estado. 2015. Disponível em: <http://abdet.com.br/site/emile-durkheim/>. Acesso em: 01 fev. 2018. 7Émile Durkheim e a sociologia como ciência autônoma Cap_9_Fundamentos_da_Sociologia_e_da_Antropologia.indd 7 09/03/2018 12:06:10 ECONOMIA POLÍTICA Filipe Prado Macedo da Silva Karl Marx e a luta de classes Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar a influência de Karl Marx na sociologia. Relacionar as mudanças ocorridas, decorrentes da Revolução Industrial, com o surgimento do capitalismo, na visão de Marx. Analisar a teoria da luta de classes enquanto força motriz da história. Introdução Neste capítulo, você vai estudar as principais contribuições teóricas de Karl Marx, um importante intelectual social e econômico que analisou e criticou as transformações produzidas pelo domínio do sistema de produção capitalista. Karl Marx influenciou fortemente os arcabouços teóricos da sociologia e a forma de enxergar as lutas de classes. Para isso, construiu uma teoria da luta de classes e um conjunto de reflexões acerca das mudanças ocorridasem decorrência da Revolução Industrial e de como isso mudaria para sempre as relações sociais entre as classes dominantes (burgueses) e dominadas (trabalhadores). A influência de Karl Marx na sociologia Não há dúvidas de que Karl Marx foi um importante teórico para o campo da sociologia (NETTO, 2006). Isso porque, até hoje, as contribuições teóricas de Karl Marx ajudam a explicar a sociedade atual — pelo menos, nos últimos 150 anos. Foi nesse mesmo período — a partir da Revolução Industrial — que a sociedade capitalista se consolidou como forma de organização social e material. Em outras palavras, as obras literárias de Karl Marx, em especial o livro O Capital, em que ele analisou profundamente as raízes do capitalismo, trouxeram “novas formas de enxergar o mundo e a sociedade que nascia”, e que perdura até hoje — a sociedade capitalista. E o que está envolvido na análise de Karl Marx? Nesse sentido, a grande influência de Karl Marx está em seus profundos conhecimentos e/ou reflexões sobre o modo de produção capitalista (NETTO, 2006). É nesse momento histórico que as contribuições sociológicas de Karl Marx ganham o mundo cientifico e político, a partir de uma nova visão acerca do “novo mundo de prosperidade material e econômica”. Esse “novo mundo de prosperidade material e econômica” surgia ao mesmo tempo em conexão com uma “nova sociedade ou civilização”, com características predominantemente urbanas e industriais. Assim, a sociedade pós-Revolução Industrial baseava-se em uma “nova razão de vida individual e coletiva moderna”, e estruturava-se em “novas relações sociais”, com “novas classes sociais” (SILVA, 2010). Sendo assim, a análise sociológica de Karl Marx tinha como “núcleo duro” o capital e a sua reprodução social. Isso incluiu entender o seu entorno e o seu funcionamento, a fim de compreender como a sociedade tratava a mercadoria, as relações de trabalho, as relações entre nações, os meios de produção, a relação com a moeda, entre outros (MARX, 2008). Por exemplo, ao iniciar seus pressupostos sobre a produção de mercado- rias, Karl Marx buscou entender como as ferramentas e o trabalhador eram utilizados na produção e na reprodução de mercadorias, e como as relações sociais evoluem ou se transformam. Além disso, ele escreveu fortemente sobre o “mundo burguês” que nascia em torno ao capitalismo, adquirindo protagonismo social, político e econômico — ou seja, um sistema econômico de ordem burguesa (MANDEL, 1968; NETTO, 2006). Paralelamente ao “mundo burguês”, nascia ainda, com a urbanização e a industrialização em massa, um “mundo do proletariado”, com a massificação dos trabalhadores urbanos industriais. Já, no século XIX, eram visíveis as transformações da sociedade inglesa, que passava de um “plano rural rudi- mentar” para um “plano urbano mecanizado”, em que os padrões da sociedade tradicional (mais socializada e religiosa) davam lugar a novos padrões seculares e econômicos (mais racionais e pragmáticos) (SILVA, 2010). Em suma, Karl Marx destacou que a sociedade capitalista era formada por: burgueses e trabalhadores. Os burgueses estabeleciam-se em torno dos meios de produção — terra, matérias-primas, máquinas, etc. Já os trabalhadores, alienados dos meios de produção, estruturavam-se em torno da sua força de trabalho. Ambas são distintas, mas são necessárias uma para a existência da outra, de acordo com Karl Marx (MARX, 1983). Em outras palavras, “a sociedade burguesa não pode existir sem os traba- lhadores”, e o capitalismo não pode prosperar sem a evidente divisão social Karl Marx e a luta de classes2 entre essas duas classes sociais (MARX, 1983; NETTO, 2006). Além do mais, a lógica da sociedade capitalista não existe sem alguns dos mecanismos predominantes nas relações produtivas como, por exemplo, a alienação do trabalhador e o “fetichismo da mercadoria”. Em todas as suas obras, Karl Marx trabalhou bastante as distinções entre as classes sociais do capitalismo e suas novas relações — moldando novos paradigmas sociais. Por exemplo, na Antiguidade, a luta de classe acontecia pelo permanente confronto entre os senhores e os escravos — enquanto, na Idade Média, esse conflito evidenciava-se no esforço dos servos contra os senhores feudais. Ou seja, em qualquer momento da história, inclusive do capitalismo, existem relações sociais de opressão(MARX, 2008). Essas relações sociais de opressão — segundo Karl Marx — produzem con- flitos e geram a possibilidade de uma revolução social com a perspectiva de novas relações produtivas. Foi no Manifesto Comunista que Karl Marx escreveu que “os proletários nada têm a perder a não ser seus grilhões, tendo um mundo a ganhar [sob outras perspectivas]”. Essa foi a recomendação de Karl Marx em 1848. É claro que existem inúmeras interpretações sobre a obra de Karl Marx, e análises conflitantes entre os próprios marxistas sobre essas questões teóricas e metodológicas. Em geral, Karl Marx tinha até uma visão otimista com relação à luta de classes, acreditando que, no final desse processo histórico, os trabalhadores construiriam uma nova sociedade dos proletários. Nessa sociedade dos proletários, a grande maioria da sociedade definiria os objetivos dessa nova sociedade — comunista ou socialista; esse seria o curso natural da história. Como frisou Karl Marx, assim como aconteceu no escravismo e no feudalismo, o capitalismo chegaria ao fim com uma grande crise interna, que colapsaria a economia, as instituições e as relações sociais de produção. Dessa forma, as crises seriam cada vez mais constantes nas economias industrializadas, revelando as contradições internas em que o sistema econômico capitalista se estrutura, e logo, “se autodestrói estruturalmente” (NETTO, 2006). Do ponto de vista econômico e sociológico, as crises capitalistas poderiam, em geral, se resumir às crises de acumulação, ou crises da mais-valia (SILVA, 2010). Isso significa que — economicamente — quando os burgueses não conseguem mais aumentar a mais-valia, seja em termos absolutos ou em termos relativos, entram socialmente em crise, pressionando a outra classe social a aumentar a mais-valia. Isso quer dizer que, nas crises capitalistas, os burgueses são obri- gados a explorarem cada vez mais os trabalhadores — em busca de melhores resultados econômicos, ou seja, da produção de mais-valia absoluta e relativa. Consequentemente, as relações sociais de produção capitalista não ficam apenas restritas aos efeitos do campo econômico. Também produzem fortes 3Karl Marx e a luta de classes efeitos sobre o campo social e o campo político. Logo, Karl Marx percebeu e influenciou não somente as relações de produção, mas também as relações sociais (ou da sociedade) e as relações políticas — como fundamentais para a compreensão da dinâmica das lutas de classes (KISHTAINY et al., 2013; MARX, 1983; SILVA, 2010). O modo de produção é um conceito elaborado por Karl Marx (e utilizado pelos seus seguidores, os marxistas) para definir o conjunto das forças produtivas e das relações de produção em seu entorno. Às vezes, o modo de produção pode se confundir, de certa maneira, com a estrutura econômica de uma sociedade qualquer — incluindo assim a produção, a distribuição, a circulação e o consumo. Historicamente, distinguem-se vários modos de produção: o comunista primitivo, o escravista, o feudal, o capitalista e o socialista. De acordo com Karl Marx, pelo menos na visão teórica, numa formação social concreta, podem estar presentes diferentes modos de produção, tendo ao menos um como domi- nante (SANDRONI, 2005). Por exemplo, recentemente, o modo de produção que é mais dominante é o capitalista. Logo, cabe destacar que Karl Marx, em sua obra mais importante, O Capital, ocupa-se fundamentalmente em analisar e teorizar sobre o modo de produção capitalista. Em outras palavras, ele busca entender como ocorre a produção capitalista, a distribuição capitalista entre as classes sociais e a circulação capitalista nas sociedades, e como o consumo se organiza entre os agentes socioeconômicos e as instituições. As mudanças ocorridas em decorrência da Revolução Industrial Com a ascensão do mercado e dos processos industriais, o período feudal chegou categoricamente ao seu fi m, dando lugar ao sistema de produção capitalista (MARX, 1983). Assim, a visão de Karl Marx surgiu num período extremamente turbulento da história europeia (BELL, 1961). A Revolução Industrial já havia encontrado seu rumo na Europa, deixando em seu rastro grande riqueza material e muita pobreza social. Na prática, Karl Marx e seu companheiro intelectual Friedrich Engels tiveram a grande oportunidade de presenciar o novo conjunto de inovações técnicas que surgem com a Revolução Industrial. Essas novas técnicas pro- dutivas produziram diferentes custos sociais no desenvolvimento capitalista, surgindo em toda a sociedade fenômenos e problemas sociais em larga escala. Karl Marx e a luta de classes4 Tudo isso era fruto das mudanças geradas pela Revolução Industrial — que foi o principal fenômeno da história humana na consolidação do sistema capi- talista como regime produtivo. Por exemplo, na Inglaterra, registros revelam que a Revolução Industrial causou profundas transformações sociais — como exploração e alienação extrema do trabalhador, ampliação da pobreza, aumento do desemprego e, ainda, concentração do capital e da produção (SILVA, 2010). Na realidade, Karl Marx, em O Capital, detalha minuciosamente o funcio- namento do sistema capitalista de maneira magistral. É por isso que muitos acham a leitura de O Capital complexa e densa — e com níveis elevados de abstração (intelectual). Nessa sua obra seminal, Karl Marx analisou inicialmente o processo de produção do capital, ressaltando o quanto a sociedade industrial passou a va- lorizar a mercadoria e o dinheiro como importantes elementos do processo de troca social. Daí, a mudança percebida por Karl Marx: no sistema capitalista, a perspectiva era transformar dinheiro/capital em mercadoria e, depois, em mais dinheiro/capital (D — M — D’). Para isso, novas lógicas de trabalho e novos mecanismos de valorização do capital passaram a ser gerados no seio da sociedade capitalista. Aqui cabe destacar a diferença que Karl Marx apontou entre capital constante e capital variável — além de diferenciar a mais-valia absoluta da mais-valia relativa. Esses conceitos fundamentais da economia marxista revelaram uma profunda alteração na lógica produtiva da sociedade. No capitalismo, de acordo com Karl Marx (1983), a mais-valia consiste no valor do trabalho não pago ao trabalhador. Cabe pontuar que, na sociedade capitalista, diferentemente do escravismo ou feudalismo, o preço da força de trabalho é medido mediante o salário. O salário é a remuneração pela compra da força de trabalho por parte dos proprietários do meio de produção — criando um sistema social em que as relações, portanto, são mediadas pelo salário (monetá- rio). Karl Marx destacou que, ainda que o salário seja a nova forma das relações sócio-produtiva, existe cada vez mais aquela parte do esforço do trabalho de que o trabalhador não pode se apropriar, pois é a parte com a qual o proprietário do meio de produção executa a sua acumulação de capital (MARX, 1983, 2008). Além do mais, a partir da Revolução Industrial, a lei geral da acumulação capitalista passou “a reinar como a lógica dominante do sistema capitalista” (SILVA, 2010). Em poucas palavras, a produção passou a ser apenas uma etapa para a acumulação do capital — sendo que o capital passa a ser a riqueza mais desejada da economia. A acumulação em termos absolutos e relativos tornou-se a pedra de toque da sociedade. 5Karl Marx e a luta de classes Aquelas relações de troca simplistas (ou seja, o escambo) e relações de trabalho não assalariadas ficaram para trás nas estruturas sociais predomi- nantemente capitalistas (SILVA, 2010). Assim, no capitalismo, a monetização da economia passou a ser a palavra de ordem, em uma lógica econômica, social e política em que o poder passou a ser do capital (BELL, 1961). Do outro lado, o progresso capitalista fez surgir as primeiras manifestações dos trabalhadores contra a nova estrutura social e econômica da sociedade. Na segunda década do século XIX, começaram a surgir as primeiras ideias socialistas, sobretudona França e na Inglaterra, que tornavam claro que a classe operária teria que tomar consciência de sua exploração, das péssimas condições de trabalho, da falta de unidade [...] de classe, e da falta de uma doutrina alternativa que servisse de bandeira para a luta [...]” (SILVA, 2010). Portanto, a exploração dos trabalhadores, agora em massa, foi outro marco estrutural introduzido pela Revolução Industrial e ampliado pela consolidação do sistema capitalista de produção. Karl Marx revelou em suas análises que “o valor de uma mercadoria se baseava no trabalho necessário para produzi-lo, e que os capitalistas (ou proprietários dos meios de produção) organizavam os preços dos bens finais somando o preço do trabalho ao custo inicial do produto e depois adicionavam o lucro” (KISHTAINY et al., 2013). Logo, para elevar os lucros ou a mais-valia, os proprietários dos meios de produção mantêm os salários baixos, introduzem novas tecnologias para aumentar a eficiência produtiva e, portanto, condenam grandes contingentes de trabalhadores a condições degradantes de trabalho, monotonia e, por fim, desemprego. Ou seja, a Revolução Industrial trouxe “progresso econômico com deterioração social” (SILVA, 2010). Outra mudança importante observada por Karl Marx foi no campo da concorrência entre os capitalistas (SANDRONI, 2005). A tendência — se- gundo Karl Marx — é que cada vez menos produtores controlem os meios de produção, e uma burguesia cada mais restrita concentre cada vez mais riqueza. No longo prazo, isso criaria monopólios que poderiam explorar não somente os trabalhadores, mas também os consumidores (KISHTAINY et al., 2013). Assim sendo, as fileiras do exército industrial de reserva crescem/incham com os ex-burgueses excluídos e com os desempregados. Esse movimento levaria a uma maior complexidade da sociedade e dos mercados, revelando e ampliando cada vez mais as contradições internas do sistema capitalista de produção mercantil (SILVA, 2010). Em síntese, sob o capitalismo, Karl Marx notou que os meios de produção pertencem cada vez mais a uma minoria, que explora o trabalho da maioria e obtém lucro. Paralelamente, essa ganância pelo lucro leva a uma super- Karl Marx e a luta de classes6 produção dos bens procurados, causando uma crise produtiva na economia. Isso produz, de maneira cíclica e cada vez mais profunda, crises econômicas que geram instabilidade social e econômica, gerando agitação social. É essa “agitação social” que torna os trabalhadores cada vez mais conscientes de sua exploração e mais instruídos para derrubarem as classes dominantes que controlam a produção. É isso que leva a uma revolução segundo Karl Marx, alterando mais uma vez a lógica da sociedade. É importante destacar que Karl Marx é uma coisa, e o Marxismo é outra coisa. O que isso quer dizer? Enquanto o primeiro trata-se do autor e de suas obras, sobretudo, o Manifesto Comunista (de 1848), a Contribuição à Crítica da Economia Política (de 1858) e O Capital (de 1867, 1885 e 1894), o segundo — o Marxismo — é uma denominação consagrada para a obra teórica de Karl Marx e Friedrich Engels e de seus seguidores. Em poucas palavras, o Marxismo “constitui uma fundamentação ideológica do moderno comunismo” (SANDRONI, 2005). Essa também chamada Escola do Pensamento Marxista baseia-se, principalmente, na obra O Capital, defendendo uma teoria da mais-valia e o capitalismo como um sistema transitório, sujeito a crises cíclicas, e que por efeito do agravamento de suas contradições internas, cairá a partir da revolução. A teoria da luta de classes enquanto força motriz da história Karl Marx elaborou também uma teoria da luta de classes, buscando explicar melhor os confl itos existentes no sistema capitalista. Segundo ele, “as desi- gualdades sociais observadas no seu tempo eram provocadas, em sua análise, pelas relações de produção do capitalismo, que dividem toda a sociedade em proprietários (burgueses) e não proprietários (proletariado)” (SILVA, 2010). São essas desigualdades que constituem as bases das classes sociais (MARX, 1983). Logo, as relações entre a sociedade no capitalismo se caracterizam por relações antagônicas, de oposição, incompatibilidade, exploração e complemen- taridade entre as classes sociais (BELL, 1961; MARX, 1983). Daí a percepção de que o conceito de luta de classes é inseparável do conceito materialista da história (MARX, 2008). Porém, o que isso quer dizer? De acordo com Karl Marx, “a história não passa de um registro cruel dos esforços do homem para ganhar ascendência material”. Ele acreditava que todos os conflitos repousavam em questões econômicas, e tais lutas eram 7Karl Marx e a luta de classes entre os que tinham e os que não tinham (MARX, 1983). Essas lutas eram a força motriz das sociedades capitalistas, e a razão inevitável e absoluta dos conflitos internacionais (SILVA, 2010). Novamente cabe observar que, no sistema capitalista, Karl Marx identificou relações de exploração da classe dos proprietários (a burguesia) sobre os traba- lhadores (o proletariado). Isso porque a posse dos meios de produção, sob a forma legal de propriedade privada, faz com que os trabalhadores, a fim de assegurar a sobrevivência, tenham que vender sua força de trabalho ao capitalista, “[...] o qual se apropria do produto do trabalho de seus operários” (MARX, 1983). Em termos práticos, essas relações são de obstinação e antagonismo, na medida em que os interesses de cada classe são inconciliáveis e, muitas vezes, inegociáveis (SILVA, 2010). O burguês deseja preservar seu direito à propriedade dos meios de produção e das mercadorias, além da máxima exploração do trabalhador, seja reduzindo os salários, seja ampliando a jor- nada de trabalho. Por sua vez, o trabalhador procura diminuir a exploração ao batalhar por uma jornada de trabalho menor, além de melhores salários e participação nos lucros do empresário. Por outro lado, as relações entre as classes são complementares, pois uma só existe em relação à outra (MARX, 1983). Karl Marx observou que só existem proprietários porque há uma massa de despossuídos, cuja única propriedade é sua força de trabalho. Em suma, as classes sociais são, apesar “de sua oposição”, complementares e interdependentes Mesmo assim, para Karl Marx a luta de classes deve, necessariamente, acarretar a vitória do proletariado sobre a burguesia, e, uma vez conseguida esta vitória e desaparecido o antagonismo entre capital e trabalho, a luta de classes deixará de existir para sempre. Esse é o avanço histórico previsto por Karl Marx. Além do mais, Karl Marx ampliou, na teoria da luta de classes, o conceito de alienação do trabalhador, mostrando que a industrialização, a propriedade privada e o salário afastaram o trabalhador dos meios de produção — ferra- mentas, matérias-primas, terras e máquinas —, que estavam sob o controle dos capitalistas (MARX, 2008; SILVA, 2010). Karl Marx (1983) destaca que essa é a base da alienação econômica do homem sob o capital. Do ponto de vista político, o homem também ficou alienado, pois o liberalismo criou a lógica de um Estado como um órgão político imparcial, capaz de representar toda a sociedade — e todas as suas classes — e dirigi-la pelo poder delegado pelos indivíduos. No entanto, Karl Marx mostrou que, na sociedade de classes, esse Estado representava apenas as classes dominantes, e agia conforme seus interesses e objetivos. Em outras palavras, no capitalismo, o Estado é um Estado burguês, a Karl Marx e a luta de classes8 serviço dos interesses do capital. Dessa maneira, essa questão estatal maximiza a luta de classes como “motor de transformação da história humana” (SILVA, 2010). É comum associar sempre os escritos de Karl Marx aos movimentos dos trabalhadores e aos conflitos ou às negociações perpetradas pelos sindicatos. Isso porque é importante lembrar que os trabalhadores são, em qualquer país, a maioria da população. Foi, neste sentido, que Karl Marx destacoua importância da luta de classes: sempre os trabalhadores seriam maioria, e logo, precisavam de consciência para se organizarem e romperem os paradoxos da história. 1. Marx não tinha a mesma compreensão dos cientistas sociais sobre o papel da ciência. Se para Max Weber, por exemplo, a ciência social deveria se afastar da esfera moral e política, para Durkheim e Marx, pelo menos nesse ponto os dois concordavam, cabia a ela produzir um conhecimento capaz de conduzir os homens a uma vida melhor e a uma sociedade mais justa. Embora tenha escrito sobre várias fases da história, Marx concentrou-se principalmente: a) na Revolução Francesa. b) no positivismo de Augusto Comte. c) nas mudanças ocorridas devido ao desenvolvimento do capitalismo. d) nas ideias de Émile Durkheim e nos fatos sociais. e) nas grandes navegações. 2. É uma ideologia política e socioeconômica, sem divisão de grande escala entre ricos e pobres, ou seja, a ausência de uma pequena classe monopolizando as riquezas e a grande maioria das pessoas recebendo poucos benefícios que seu trabalho gera. Seria uma sociedade mais humana do que a que conhecemos. Assinale abaixo a alternativa que identifica essa nova ordem: a) Comunismo. b) Feudalismo. c) Escravismo. d) Primitivo. e) Indústria. 3. Sobre as mudanças sociais, Marx tinha um ponto de vista que chamou de concepção materialista da história. Assinale a alternativa que descreve essa visão: a) Não são os valores ou as ideias que os homens detêm que promovem as principais mudanças sociais, essas mudanças são induzidas por influências econômicas. b) O estudo dos fatos sociais é que levariam a uma maior compreensão da sociedade. c) Conforme essa visão, o capitalismo era muito parecido com os modos de produção que o antecederam. d) Conforme essa visão, o capitalismo era uma fase passageira e a sociedade logo voltaria ao modo de produção feudal. e) Conforme essa visão, o capitalismo era a última fase de evolução da sociedade. 9Karl Marx e a luta de classes 4. A teoria dos modos de produção sucessivos, que se iniciou pela análise estruturada das sociedades humanas, teve início com o que Marx chamou de "comunismo primitivo", a partir de estudos de pequenos grupos do passado remoto. Nesses grupos, tudo o que era adquirido era de propriedade comum, e não havia divisões de classe. Mas esses grupos evoluíram e a propriedade privada surgiu, inclusive a escravidão, como na Grécia e Roma antiga. A partir daí, as sociedades desenvolveram-se com base na agricultura e em relações de propriedade feudal, que era dividida entre proprietários de terra, camponeses e arrendatários, forçados a trabalhar para os proprietários para sobreviver. Esse modo de produção também chegou aos seus limites. A partir desses estudos, Marx concluiu que o capitalismo: a) nunca chegaria ao fim. Como era um sistema novo, totalmente diferente dos modos de produção que o antecederam, ele sempre encontraria formas de se renovar. b) também chegaria ao fim, abrindo espaço para outro modo de produção, gerado a partir de trabalhadores descontentes, que desenvolveriam uma consciência de classe, pondo fim à propriedade privada e estabelecendo as relações comunais. c) chegaria ao fim e, como era um sistema novo, sucumbiria, e a sociedade retornaria ao sistema feudal. d) também chegaria ao fim, abrindo espaço para outro modo de produção, fruto de decisões políticas, que quisessem o melhor para a sociedade. e) também chegaria ao fim, abrindo espaço para outro modo de produção, gerado a partir de decisões da classe burguesa. 5. Ao contrário do comunismo primitivo, Marx previa um comunismo moderno, que teria a sua disposição todos os benefícios do sistema capitalista altamente produtivo. Assinale a alternativa que melhor descreve essa forma de comunismo moderno. a) Seria uma forma avançada e sofisticada de comunismo, capaz de cumprir o princípio comunista que diz “de cada um conforme sua capacidade, a cada um, conforme sua necessidade”. b) Seria uma forma avançada e sofisticada de comunismo, capaz de cumprir o princípio comunista que diz que a propriedade privada é a base da sociedade. c) Seria uma forma primitiva de comunismo, conforme o modelo dos tempos remotos, estudados por marx. d) Seria uma forma avançada e sofisticada de comunismo, porém, serviria de retorno ao sistema feudal. e) Seria uma forma avançada e sofisticada de comunismo, mas que levaria a um novo modo de produção, o primitivo. Karl Marx e a luta de classes10 BELL, J. F. História do pensamento econômico. Rio de Janeiro: Zahar, 1961. KISHTAINY, N. et al. O livro da economia. São Paulo: Globo, 2013. MANDEL, E. A formação do pensamento econômico de Karl Marx: de 1843 até a redação de O Capital. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1968. MARX, K. Contribuição à crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2008. MARX, K. O capital: critica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1983. NETTO, J. P. O que é marxismo. São Paulo: Brasiliense, 2006. SANDRONI, P. Dicionário de economia do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2005. SILVA, F. P. M. O fator trabalho na teoria econômica. Lauro de Freitas, BA: Editorial FPMS, 2010. Leituras recomendadas CARCANHOLO, R. A. Marx, Ricardo e Smith: sobre a teoria do valor trabalho. Vitória: Edufes, 2012. RÍO, H. Marx para principiantes. Buenos Aires: Era Naciente, 2004. 11Karl Marx e a luta de classes Encerra aqui o trecho do livro disponibilizado para esta Unidade de Aprendizagem. Na Biblioteca Virtual da Instituição, você encontra a obra na íntegra. Conteúdo: Anthony Completamente revisada e atualizada, esta referência única oferece um panorama esclarecedor sobre os últimos acontecimentos globais e sobre as novas ideias no campo da sociologia. Os debates clássicos também são minuciosamente abordados, explicando até as ideias mais complexas de maneira clara e envolvente. Escrito de forma fluente e com um estilo atraente, esta obra consegue ser ao mesmo tempo intelectualmente rigorosa e perfeita- mente acessível a todos os públicos. Sociologia é um livro empolgante e envolvente, que busca ajudar os leitores a compreender o valor de pensar sociologicamente. Destaques da 6ª edição: • Novos conteúdos sobre educação, mídia, teoria social, desigualdades, política e governo; e um capítulo inteiramente novo sobre guerra e terrorismo. • Maior aprofundamento e atualização em todos os capítulos. • Foco especial dado à sociologia global e à imaginação sociológica. • Novas seções de “Estudos Clássicos” examinam em detalhes as pesquisas empíricas mais influentes. • Seções adicionais de “Reflexão Crítica” foram inseridas ao texto para estimular a compreensão e o entendimento dos leitores. • Imagens especialmente selecionadas procuram captar o drama cotidiano do mundo social. Livro-texto campeão de vendas por mais de 20 anos, a 6ª edição estabelece o padrão para o estudo introdutório da sociologia. Fonte ideal para estudantes de sociologia e certamente uma inspiração para a nova geração de sociólogos. ANTHONY GIDDENS é Ex-Diretor da London School of Economics. PROFESSORES VISITE A ÁREA DO PROFESSOR E FAÇA DOWNLOAD DE POWERPOINTS PRONTOS PARA SEREM UTILIZADOS EM SALA DE AULA. ALUNOS ENTRE NO SITE PARA TESTAR SEUS CONHECIMENTOS E TER ACESSO A MATERIAL COMPLEMENTAR. ÁREA DO PROFESSOR CONTEÚDO ONLINE Anthony Giddens Sociologia A n th ony G idd en s Sociolog ia 02516 _Giddens_Sociologia.indd 1 13/03/2017 15:10:32 G453s Giddens, Anthony. Sociologia / Anthony Giddens ; tradução: Ronaldo Cataldo Costa ; revisão técnica: Fernando Coutinho Cotanda. – 6. ed. – Porto Alegre : Penso, 2012. 847 p. : il. color. ; 28 cm. ISBN 978-85-63899-26-2 1. Sociologia. I. Título. CDU 316 Catalogação na publicação: Ana Paula M. Magnus – CRB 10/2052 Anthony Giddens é ex-diretor da London School of Economics. Philip W. Sutton é professor na Universityof Leeds e na Robert Gordon University. _Livro_Giddens.indb ii_Livro_Giddens.indb ii 03/04/17 10:1903/04/17 10:19 Anthony Giddens26 Karl Marx As ideias de Karl Mark (1818-1883) contrastam nitidamente com as de Comte e Durkheim, mas, como eles, Marx procu-rou explicar as mudanças que estavam ocorrendo na sociedade durante a época da Revolução Industrial. Quando jovem, as ati-vidades políticas de Marx o colocaram em conflito com as au-toridades alemãs; depois de uma breve estadia na França, ele se exilou permanentemente na Grã- Bretanha. Marx testemunhou o crescimento de fábricas e da produção industrial, bem como as desigualdades resultantes. Seu interesse no movimento ope-rário europeu e nas ideias socialistas refletia em seus escritos, que cobriam uma diversidade de temas. Grande parte do seu trabalho se concentrava em questões econômicas, mas, como sempre se preocupou em conectar os problemas econômicos com instituições sociais, sua obra era, e ainda é, rica em visões sociológicas. Mesmo seus críticos mais severos consideram seu trabalho importante para o desenvolvimento da sociologia. Capitalismo e luta de classe Embora tenha escrito sobre várias fases da história, Marx concentrou-se principalmente nas mudanças nos tempos modernos. Para ele, as mudanças mais importantes estavam ligadas ao desenvolvimento do capitalismo. O capitalismo é um sistema de produção que se diferencia radicalmente de todos os sistemas econômicos anteriores, envolvendo a pro- dução de bens e serviços vendidos a uma ampla variedade de consumidores. Marx identificou dois elementos básicos nas empresas capitalistas. O primeiro é o capital – qualquer re- curso, incluindo dinheiro, máquinas ou mesmo fábricas, que possa ser usado ou investido para criar recursos futuros. A acumulação do capital acompanha um segundo elemento, a mão de obra assalariada. A mão de obra assalariada refere- -se ao conjunto de trabalhadores que não possuem os meios para sua sobrevivência, mas que devem buscar emprego pro- porcionado pelos donos do capital. Marx argumentava que aqueles que possuem o capital – capitalistas – formam uma classe dominante, ao passo que a massa da população forma uma classe de trabalhadores assalariados – uma classe traba- lhadora. À medida que a industrialização avançava, grandes quantidades de camponeses que se sustentavam trabalhando na terra se mudaram para as cidades em processo de expan- são ajudaram a formar uma classe trabalhadora industrial ur- bana. Essa classe trabalhadora também costuma ser chamada de proletariado. Marx acreditava que o capitalismo era um sistema ineren- temente classista, no qual as relações de classe se caracterizam pelo conflito. Embora os donos do capital e trabalhadores de- pendam uns dos outros – os capitalistas precisam da mão de obra e os trabalhadores precisam do salário – a dependência é muito desequilibrada. A relação entre as classes é de explo- ração, pois os trabalhadores têm pouco ou nenhum controle sobre o seu trabalho, e os empregadores podem obter lucro apropriando-se do produto da mão de obra dos trabalhadores. Marx enxergou que o conflito de classe quanto aos recursos econômicos se tornaria mais agudo com o passar do tempo. Mudança social: a concepção materialista da história O ponto de vista de Marx baseia-se naquilo que chamou de concepção materialista da história. Segundo essa visão, não são as ideias ou os valores que os seres humanos detêm que são as principais fontes de mudanças sociais; ao invés disso, as mudanças sociais são primordialmente induzidas por in- fluências econômicas. Os conflitos entre as classes propor- cionam a motivação para o desenvolvimento histórico – eles são o “motor da história”. Conforme escreveu Marx no co- meço do Manifesto Comunista, “a história de todas a socieda- des que existiram até nossos dias tem sido a história da luta de classe” (Marx e Engels 2001 [1848]). Embora Marx tenha concentrado sua atenção mais no capitalismo e na sociedade moderna, ele também analisou como as sociedades se desen- volveram no decorrer da história. Segundo ele, os sistemas sociais fazem uma transição de um modo de produção para outro – às vezes gradualmente, às vezes por uma revolução – como resultado de contradições em suas economias. Ele pro- pôs uma progressão de estágios históricos que começa com as sociedades comunistas primitivas de caçadores e coletores e passa pelos antigos sistemas escravagistas e sistemas feudais baseados na divisão entre proprietários de terras e servos. O surgimento de mercadores e artesãos marcou o começo de uma classe comercial ou capitalista, que deslocou a nobreza proprietária de terra. De acordo com essa visão da história, Marx argumentava que, assim como haviam se unido para derrubar a ordem feudal, os capitalistas também seriam su- plantados por uma nova ordem instalada: o comunismo. Marx teorizou a inevitabilidade de uma revolução de tra- balhadores que derrubaria o sistema capitalista e anunciaria uma nova sociedade, na qual não haveria classes – nenhuma divisão de grande escala entre ricos e pobres. Ele não quis dizer que todas as desigualdades entre os indivíduos desapa- receriam, pelo contrário, a sociedade não seria mais dividida em uma pequena classe que monopoliza o poder econômico e político e a grande massa de pessoas que recebem poucos benefícios pela riqueza que seu trabalho gera. O sistema eco- nômico passaria a ser de propriedade comum, e se estabele- ceria uma sociedade mais humana do que a que conhecemos _Livro_Giddens.indb 26_Livro_Giddens.indb 26 03/04/17 10:1903/04/17 10:19 Anthony Giddens28 atualmente. Marx argumentava que, na sociedade do futuro, a produção seria mais avançada e eficiente do que a produção sob o capitalismo. O trabalho de Marx teve uma profunda influência no mundo do século XX. Até apenas uma geração atrás, mais de um terço da população da terra vivia em sociedades, como a União Soviética e os países do Leste Europeu, cujos governos afirmavam derivar sua inspiração das ideias de Marx. Max Weber Como Marx, Max Weber (1864-1920) não pode ser simples- mente rotulado como sociólogo; seus interesses e preocu- pações cobriam muitas áreas. Nascido na Alemanha, onde passou a maior parte da sua carreira acadêmica, Weber foi um indivíduo muito estudioso. Seus escritos cobriam os cam- pos da economia, do direito, da filosofia e da história com- parativa, além da sociologia. Grande parte do seu trabalho também estava relacionada com o desenvolvimento do capi- talismo moderno e as maneiras em que a sociedade moderna era diferente de formas anteriores de organização social. Por uma série de estudos empíricos, Weber propôs algumas das características básicas das sociedades industriais modernas e identificou debates sociológicos cruciais que permanecem centrais para os sociólogos atualmente. Em comum com outros pensadores da sua época, Weber buscou entender a natureza e as causas das mudanças sociais. Ele foi influenciado por Marx, mas também foi bastante crítico de algumas das principais visões de Marx. Ele rejeitava a con- cepção materialista da história e considerava os conflitos de classe menos significativos do que Marx. Segundo a visão de Weber, os fatores econômicos são importantes, mas as ideias e os valores também têm um grande impacto nas mudanças sociais. A elogiada e discutida obra de Weber, A ética protes- tante e o espírito do capitalismo (1992 [1904-195]), propõe que os valores religiosos – especialmente aqueles associados ao puritanismo – tinham importância fundamental para criar uma perspectiva capitalista. Ao contrário de outros pensado- res sociológicos, Weber argumentava que a sociologia devia se concentrar na ação social, e não em estruturas sociais. Ele argumentava que a motivação e as ideias humanas eram as for- ças por trás da mudança – ideias, valores e opiniões tinham o poder de causar transformações. Segundo Weber, os indiví- duos têm a capacidade de
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