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DIREITO INTERNACIONAL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Conceituar tratados, sua evolução no Direito Internacional, sua estrutura e seus requisitos. > Reconhecer os diferentes tipos de acordo de vontade e suas respectivas classificações. > Descrever a admissão de um tratado no ordenamento jurídico brasileiro. Introdução A relação entre as nações deve se pautar no respeito mútuo e na autonomia dos demais povos, o que exige o respeito à soberania dos demais Estados. Entretanto, a soberania encontra limites no direito natural, respeito ao direito interno de preservação do povo e à soberania das demais nações. Nesse sentido, os Estados pactuam entre si e por meio de organismos internacionais para que seus interesses sejam respeitados, em um ambiente de desenvolvimento e paz. Neste capítulo, vamos falar sobre os tratados internacionais, seus diferentes tipos e suas classificações, explicando a importância desses instrumentos no fomento da política externa brasileira. De forma complementar, vamos descrever como um tratado internacional se incorpora no ordenamento jurídico brasileiro, podendo ser invocado por qualquer cidadão nos tribunais do país. Direito dos tratados Eduardo Kucker Zaffari Tratado: definição e evolução no Direito Internacional Antes de definirmos o conceito de tratado e descrevermos sua evolução, sua estrutura e seus requisitos, precisamos falar sobre a mais importante característica do Estado: o exercício de sua soberania. Segundo Sahid Maluf, diversas são as teorias que tentam explicar o Estado como um “Estado-ideia” ou uma força a serviço do Direito. Porém, o próprio jurista apresenta um conceito simples, mas muito consistente, ao afirmar que “[...] o Estado é o órgão executor da soberania nacional” (MALUF, 2019, p. 36). Nesse sentido, o doutrinador coloca em relevo o papel da soberania como característica de definição do Estado. Ainda, chega a afirmar que: [...] a exata compreensão do conceito de soberania é pressuposto necessário para o entendimento do fenômeno estadual, visto que não há Estado perfeito sem soberania, [...] [destacando que] soberania é uma autoridade superior que não pode ser limitada por nenhum outro poder (MALUF, 2019, p. 43, acréscimo nosso). Isso torna claro que estados-membros de uma federação, os estados de certo país, não são soberanos, pois são membros de uma outra entidade (do país a qual fazem parte). Esse poder superior, não passível de ser limitado por nenhum outro poder, em verdade encontra limitações decorrentes de sua finalidade, que é servir ao próprio povo. O direito natural, o direito dos diferentes grupos particulares que compõem certa sociedade, e os impe- rativos de coexistência pacífica dos povos na órbita internacional acabam limitando esse poder soberano. Não faria sentido um Estado cuja soberania lhe permitisse desrespeitar os direitos naturais de seus membros ou até mesmo desconsiderar a soberania dos demais Estados soberanos. Os Estados exercem sua soberania no cenário internacional, limitando-se pela coexistência dos demais Estados e organismos internacionais, os quais servem de elo entre os países, conforme suas respectivas áreas de atuação e finalidade. Um exemplo é a Organização das Nações Unidas (ONU). A ONU foi criada em 1945, logo após o término da Segunda Guerra Mundial, por 51 países. Atualmente, tem 193 Estados soberanos em sua composição. A Organização foi criada visando à manutenção da paz e da segurança, ao fomento do relacionamento cordial entre as nações, à promoção do progresso social, a melhores condições de vida e ao respeito aos direitos individuais. Direito dos tratados2 Francisco Rezek (2018) afirma que a primeira notícia que se tem de um tratado celebrado entre duas nações data de, aproximadamente, 1280 e 1271 a.C., quando os reis Hatusil II e Ramsés II celebraram a paz e pactuaram a aliança contra inimigos comuns, bem como disposições comerciais, de mi- gração e extradição. O pacto então celebrado entre as nações egípcia e hitita foi respeitado durante todo o resto de existência daquelas dinastias, com incremento de suas culturas e de deu comércio. Rezek afirma que o antigo tratado serviu de inspiração para a sistemática posterior de celebração de tratados, ampliando-se apenas o acervo normativo e o conteúdo dos tratados celebrados nos três milênios posteriores (REZEK, 2018). Observou-se, ao longo do desenvolvimento histórico da celebração de tratados, que a concentração do poder decisório de celebração de tratados enfraqueceu perante a multiplicação dos regimes republicanos e o fortaleci- mento dos órgãos estatais de representação popular (parlamento, organiza- ções sociais, etc.), o que determinou a consideração dos anseios internos de cada nação para a celebração de tratados internacionais. Em outras palavras, o que antes era uma decisão arbitrária do monarca na celebração de tratados passou a ser uma decisão fundamentada na vontade do povo de cada Estado. Igualmente considerável na história dos tratados é o surgimento dos organismos internacionais, no século XX, em que as regras antes costumeiras passaram a ser codificadas a aceitas multilateralmente por diversos países. Em 1928, celebrou-se a Convenção sobre Tratados, em Havana, em que se buscou regrar a forma de celebração de tratados, mas a Convenção restou superada e apenas permanece vigente para oito países. Em 23 de maio de 1969, negociou-se a Convenção de Viena sobre tratados, envolvendo 110 países, mas apenas 32 firmaram a Convenção naquela ocasião. Passados 10 anos de sua celebração pelos primeiros 32 países, a Convenção chegou ao número aproximado de 50 signatários, estando hoje com 116 signatários. A Convenção de Viena se preocupou em definir o que significa um tratado internacional, prescrevendo, no art. 2º, § 1º, a, que “[...] tratado significa um acordo internacional concluído por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, quer conste em um instrumento único, quer de dois ou mais instrumentos conexos, qualquer que seja sua denominação específica” (REDE ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS DO RIO GRANDE DO NORTE, c2021, documento on-line). Valério de Oliveira Mazzuoli (2019, p. 228) afirma que: Essa definição de tratado na Convenção de 1969 está colocada, como não poderia deixar de ser, em termos eminentemente formais, sem levar em consideração o conteúdo ou a natureza das disposições convencionais. Assim, à luz do Direito Internacional Público o tratado nada mais é do que um instrumento de veiculação de regras jurídicas. Direito dos tratados 3 Francisco Rezek (2018, p. 17), por sua vez, prescreve que “[...] tratado é todo acordo formal concluído entre pessoas jurídicas de direito internacio- nal público, e destinado a produzir efeitos jurídicos”, indo ao encontro da definição proposta por Mazzuoli e permitindo constatar que se trata de um instrumento jurídico cujo conteúdo poderá versar sobre qualquer interesse das partes contratantes. A estrutura dos tratados internacionais, em termos usuais, apresenta: � um título, em que consta o assunto que será tratado no instrumento assinado pelas partes contratantes; � um preâmbulo, em que constam as partes signatárias (países e/ou organizações) do tratado; � os considerandos, em que constam as intenções, a necessidade, o objetivo e as razões de adoção do tratado; � as cláusulas, que consistem no corpo do tratado, com suas cláusulas ou seus artigos, constando nelas o tema regrado pelas partes no tratado; � um fecho, que é a parte final do tratado, com o local, a data e a língua escolhida pelos signatários no instrumento; � as assinaturas, em que os responsáveis pela celebração assinam, pactuando o tratado. Para que os tratados tenham validade, são necessários alguns requisitos que devem ser observados: o consentimento, a capacidade, a habilitação dos agentes signatários e que tenha objeto lícito e possível. O primeiro desses requisitos, o consentimento, consistena expressão de vontade dos aderentes com o conteúdo versado no tratado. Como o tratado representa o acordo de vontade daqueles que dele participam, é necessário que estejam concordes com o tema e o conteúdo. Para aderir ao tratado, é necessária a comprovação daquele que assinará pelo Estado que participa, comprovando ter plenos poderes para aderir ao tratado. Essa comprovação de plenos poderes, que se denomina habilitação, costuma ser dispensada se o signatário for o chefe de Estado, chefe de governo ou ministro das relações exteriores, pois se presume seus poderes para aderir ao tratado. Direito dos tratados4 A capacidade para assinar tratados, antigamente, era atribuída apenas a Estados soberanos. Entretanto, considera-se que mesmo organismos internacionais (ou seja, que não podem ser considerados soberanos em si) têm capacidade para assinar tratados internacionais. Embora o art. 6º da Convenção de Viena de 1969 refira que todos os Estados têm capacidade para concluir tratados, isso não exclui partes signatárias que não são Estados (BRASIL, 2009). Algumas entidades podem celebrar tratados, mesmo não sendo Estados, como organizações internacionais, a exemplo da ONU, da Organização Mun- dial do Comércio (OMC), da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), do Fundo Monetário Internacional (FMI), do Banco Mundial, etc. O conteúdo versado no tratado deverá ser lícito e possível, como normal- mente se espera em contratação entre particulares. Hildebrando Accioly, Silva e Casella (2019) prescrevem dois casos em que tratados versaram conteúdos que não preenchiam esses requisitos. O primeiro exemplo seria o tratado de Munique de 1938 (Alemanha, França, Itália e Reino Unido), em que se partilhou a então Tchecoslováquia sem que esta participasse ou consen- tisse essa divisão. Esse exemplo refletira a ilicitude do conteúdo do tratado. O segundo exemplo seria o Tratado da Lua e dos Corpos Celestes, em que os signatários declaram serem estes (lua e corpos celestes) bens comuns da humanidade. Embora compreensível o interesse de proteção destes, não se poderia declarar a propriedade comum de algo que sequer está sob a posse dos signatários (ACCIOLY; SILVA; CASELLA, 2019). Os diferentes tipos de acordo de vontade e sua classificação Os tratados não são de um único tipo, pois se trata de uma expressão-gênero que abarca uma série de diferentes tipos de instrumentos na ordem interna- cional. Mazzuoli (2019) recorda que há um sem-número de tipos, a depender da finalidade, do assunto, da qualidade das partes signatárias, do número de participantes, entre outras variantes possíveis. É a doutrina que vem conceituando os diferentes tipos de tratados, conforme as classificações e os tipos apresentados pelo autor. Direito dos tratados 5 O primeiro dos tipos de acordo de vontades denomina-se tratado e cons- titui uma espécie do gênero dos tratados. Usa-se essa tipologia para designar todo acordo internacional, bilateral ou multilateral, com especial relevo político, independentemente da nomenclatura adotada. Para demonstrar a importância deste, Mazzuoli (2019, p. 237) afirma que: O termo designa normalmente (mas não exclusivamente) os ajustes solenes con- cluídos entre Estados e/ou organizações internacionais, cujo objeto, finalidade, número e poderes das partes têm maior importância. São exemplos os tratados de paz, de amizade, de arbitragem, de cooperação, de navegação etc. A segunda reconhecida forma adotada pelo gênero dos tratados é a con- venção, que decorre de debates ocorridos em congressos e conferências internacionais e tem o condão de expressar uma vontade uniforme de seus participantes. Marcelo Dias Varella (2019) afirma que as convenções têm ca- ráter mais amplo, criando normas gerais, sendo normalmente regulados por tratados específicos. Mazzuoli (2019, p. 238) afirma que esse tipo de tratado se destina ao resultado de assuntos de interesse mais geral: [...] é mais apropriado reservar-se o termo convenção para os atos multilaterais oriundos de conferências internacionais, que versem sobre assuntos de interesse geral. Por esse motivo, a prática internacional manda evitar o uso da expressão em tela para designar atos bilaterais, qualquer que seja a sua importância, ainda mais se estes formalizam um acordo de vontades com fins diferentes. Um terceiro tipo de tratado são os pactos, que servem para restringir o objeto político de um tratado. Varella (2019, p. 52) afirma que: [...] pode ser tanto um tratado solene, que cria uma Organização Internacional e define seus atributos, composição, objetivos, como faz a Carta da Organização das Nações Unidas ou o Pacto das Nações, que criou a Liga das Nações, ou outros tratados importantes que estabelecem direitos e deveres para as partes, a exemplo da Carta Social Europeia. Porém, Mazzuoli (2019) alerta que os contratantes costumam trocar os nomes técnicos de tratado e pacto, ou convenção e pacto, a exemplo da Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (1969), em que a convenção é comumente apelidada de Pacto de San José da Costa Rica. Direito dos tratados6 A Convenção de Viena de 1969 não designou uma diferente nomen- clatura para os diferentes tipos de tratados internacionais. São os negociadores do tratado que escolhem a nomenclatura ideal para o acordo de vontades, conforme a prática e a doutrina vão estabelecendo nos usos e costumes. Os acordos são os tratados, com um menor número de participantes, que costumam versar sobre conteúdos de natureza econômica, financeira, comercial ou cultural, podendo dispor sobre questões específicas, como fronteiras ou questões de segurança entre os signatários. Embora, em sua origem (norte-americana), designasse uma pactuação efetuada pelo chefe de Estado sem a consulta ao parlamento, essa espécie de tratado versa igual- mente sobre assuntos de grande relevância, a exemplo do Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT, do inglês General Agreement on Tariffs and Trade). Já os acordos por trocas de notas são normalmente empregados para os tratados cujos assuntos têm natureza administrativa ou quando se destinam a alterar ou interpretar cláusulas de atos já concluídos. Trata-se de acordos firmados em momentos distintos e no nome de apenas uma das partes. Rezek (2018) afirma que os governos podem, por esse meio, denunciar, revogar ou prorrogar um tratado bilateral vigente, servindo para, igualmente, concluir a negociação havida em um compromisso internacional anteriormente ocor- rido. Em outras palavras, os Estados poderão confirmar sua adesão a um compromisso internacional por meio da troca de notas. Por sua vez, o gentlemen’s agreement (acordo de cavalheiros) é um acordo de cavalheiro celebrado entre chefes de Estado ou de governo em que este se compromete a observar normas de conteúdo moral, e o respeito de seu conteúdo se fundamenta na honra. Esses acordos não têm conteúdo jurídico e não passam pelos respectivos legislativos, e têm duração apenas enquanto seus celebrantes estiverem no poder. Ou seja, quando os “cavalheiros” dei- xam o poder, geralmente os chefes de Estado ou governo não se obrigam a observar o compromisso assumido pelo antecessor. Por esse motivo, e pela ausência de seu conteúdo jurídico, não é considerado um tratado e caiu em desuso, pois seus legisladores, representantes do povo, não apreciam esse acordo de vontade quando de sua celebração. Direito dos tratados 7 A carta é comumente usada como forma de estabelecer organismos inter- nacionais, podendo ser aplicada para tratados solenes, prescrevendo direitos e deveres para os Estados signatários. A Carta das Nações Unidas, de 1945, serve como exemplo da primeira modalidade, e a Carta Social Europeia é um exemplo da segunda modalidade. Já o protocolo é um acordo menos formal que os demais tipos de tratado e é usado como forma de complementar tratados anteriores, regulamentando-os. Embora seja menos formal e usualmente empregado de formasubsidiária, pode-se usá-lo como instrumento principal (o que é menos comum). Os estatutos são tratados que estabelecem normas para tribunais inter- nacionais, como o estatuto que estabeleceu o Tribunal Penal Internacional, de Roma. Sejam tribunais temporários ou permanentes, sua competência é estabelecida, e a forma de atuação vêm prescrita em seus respectivos estatutos. Para a resolução de conflitos entre Estados-membros, emprega-se o compromisso para o estabelecimento da opção de arbitragem internacional caso surjam conflitos. Para a assunção do compromisso, em que as partes recorrerão à arbitragem, é necessário que haja um acordo internacional anterior estabelecendo a forma de arbitragem. O regulamento é menos utilizado e costuma ser empregado para o esta- belecimento da forma de atuação de organismos internacionais ou, excep- cionalmente, tribunais internacionais. Volta-se para regras mais administra- tivas. Já as concordatas são os acordos bilaterais celebrados pelo Vaticano, na qualidade de Estado soberano, de caráter exclusivamente religioso, com países ou organismos católicos. Diferem de tratados usualmente assumidos pelos Estados porque seu conteúdo se relaciona à fé cristã. Porém, a Santa Sé poderá firmar outros tratados quando o conteúdo não for religioso. O modus vivendi são acordos temporários e provisórios em que os Es- tados-membros assumem compromissos econômicos ou para a resolução de pendências entre Estados. Utiliza-se essa forma quando os Estados têm pendências que deverão ser objeto de resolução em tratados, de modo que o modus vivendi é adotado para que se mantenha o estado atual das coisas até sua resolução. Costuma-se adotar o modus vivendi pela troca de notas entre os Estados. As declarações são usadas para estabelecer regras, princípios jurídicos ou normas de Direito Internacional, expressando uma posição política de interesse comum. Um exemplo bem reconhecido é a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, cuja força cogente se expressa pela adoção de seus princípios na maior parte dos Estados atualmente. Direito dos tratados8 A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surgiu após a Segunda Grande Guerra Mundial como reação às barbáries realizadas no conflito. A Declaração incorpora, aos ordenamentos jurídicos dos países, os direitos humanos básicos. Com relação à classificação, os tratados (aqui na qualidade de gênero) poderão ser bilaterais quando celebrados entre dois Estados ou entre um Estado e um organismo internacional. Serão considerados multilaterais quando adotados por mais de dois Estados ou entre mais de dois Estados e organismos internacionais. A nota característica dos tratados multilaterais é que costumam representar interesses mais gerais, de questões comuns da humanidade e que podem ser reunidas em tratados com diferentes envolvidos. Igualmente, os tratados poderão ser classificados como bifásicos, quando for necessária a assinatura e posterior ratificação para expressar o consenti- mento daquele Estado ou organismo, ou unifásicos, quando basta o consen- timento de vontade pelo representante do Estado para que haja sua adesão. Ainda, os tratados poderão ser classificados como abertos ou fechados, quando for permitida a adesão pelos demais Estados posteriormente, mesmo que não tenham participado de sua negociação ou de sua criação. Nos abertos, os Estados poderão aderir a qualquer tempo. Nos tratados fechados, não há a possibilidade de os demais Estados o aderirem, participando apenas as partes originárias. Os tratados poderão ser considerados, ainda, tratados-lei, quando fixa- rem normas de Direito Internacional Público a serem observadas por seus signatários, consistindo em fonte de direito para seus participantes. Essas normas representam o jus cogens em razão de sua força normativa. Já os tratados-contrato são aqueles em que os interesses divergentes fazem as partes contratantes assumirem obrigações recíprocas, assemelhando-se a contratos de direito privado, mas estabelecidos entre Estados ou entre estes e organismos internacionais. Os tratados também poderão ser transitórios, se sua execução se der em um único momento, como nos casos em que um Estado vende ou transfere certo território para outro Estado (embora a transferência possa se dar defini- tivamente, a execução do ato de transferência exaure a execução do tratado). Por outro lado, os tratados permanentes são aqueles em que a execução se prolonga ao longo do tempo, como aqueles que prescrevem vantagens Direito dos tratados 9 comerciais entre Estados. Sua execução se dará ao longo do tempo previsto no instrumento adotado pelas partes contratantes. Por derradeiro, os tratados poderão referir-se a todo o território de um Estado ou apenas a parte do território de certo Estado, como aquele que prescrevem condições para certas áreas ultramarinas de certos países. A admissão de um tratado no ordenamento jurídico brasileiro A par dos procedimentos de formalização dos tratados no plano internacional, há a necessidade de incorporação dos tratados no ordenamento nacional, restando, a cada Estado, regrar como vai admitir o tratado em seu ordena- mento jurídico. Os tratados adotados pelo Estado brasileiro, em nome da República Federativa do Brasil, se dão pela cooperação entre Executivo e Legislativo brasileiros. A Constituição Brasileira de 1988 prescreve, no art. 84, VIII, que compete privativamente ao Presidente da República celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional. Por sua vez, o art. 49, I, da Constituição, determina que é de competência exclusiva do Congresso Nacional “[...] resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” (BRASIL, 1988, documento on-line). Isso significa que a adesão do Brasil aos tratados internacionais depende da vontade do Poder Executivo externada pelo Presidente da República, cuja competência é exclusiva, aperfeiçoando-se pela anuência do Poder Legislativo por meio do Congresso Nacional. Há a necessidade de ambas as manifestações para que o tratado ingresse no ordenamento jurídico brasileiro. Ao distribuir as competências aos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, sempre que a Constituição Federal afirmar ser competência privativa, deve-se entender que essa competência é exclusiva. Direito dos tratados10 Há que se notar que a Constituição Federal prescreve a necessidade de referendo não apenas dos tratados, mas de qualquer ato internacional, o que acarreta a necessidade de aprovação pelo Congresso Nacional de qualquer compromisso que a República Federativa do Brasil assuma, mesmo se tratando de atos internacionais meramente administrativos. Nesse aspecto, Mazzuoli (2019) alerta que a praxe flexibilizou a prática. Embora o texto deixe claro a necessidade de referendo a todos os atos, assumiu-se a regra de se reconhecer atos adotados pelo Brasil sem que tenham recebido a aprovação pelo Poder Legislativo. Afirma o doutrinador (MAZZUOLI, 2019, p. 415): E, além disso, mesmo com a atual redação da Constituição de 1988, é de se re- conhecer que já existe uma prática diplomática formada, à margem da letra do texto constitucional, pela qual o Executivo conclui vários tipos de acordos, sem o assentimento do Poder Legislativo, com a consequente subtração do poder popular. O problema, como se percebe, é bastante dificultoso. Ao passo que existe norma constitucional fechada para tais tipos de acordos, existe também a preocupação em determinar qual a orientação que melhor atenderá aos interesses do Brasil no cenário internacional. A atenuação da regra constitucional decorre da necessidade de simplifica- ção para a adesão a certos compromissos internacionais que o país necessita e que não tragam encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio- nal. Entretanto, ao decidir a Ação Direta de Inconstitucionalidade1480 DF, o Ministro Celso de Mello reiterou a necessidade de conjugação de vontades entre Poder Executivo e Poder Legislativo (BRASIL, 2001). Marcelo Dias Varella (2019) recorda que os tribunais e a doutrina con- sideram que o país adotou um sistema dualista moderado, pois a ordem jurídica nacional e a ordem jurídica internacional são distintas e, para tanto, há a necessidade do engajamento nacional (pela admissão no ordenamento jurídico brasileiro), além do engajamento internacional (em que o chefe do Poder Executivo se compromete com os demais Estados-partes). Toma-se como moderado esse sistema porque apenas durante as fases de ratificação e promulgação considera-se dualista a adoção do tratado (VARELLA, 2019). Considera-se internalizado o tratado quando o Presidente da República o promulga por meio de um decreto executivo. Embora sem previsão legal da necessidade desse decreto, adotou-se a prática porque esse ato promulga o tratado, publicando oficialmente seu texto e tornado exequível suas normas para o direito positivo interno. O Supremo Tribunal Federal, inclusive, ao examinar a internalização da Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre a impossibilidade de dispensa arbitrária, considerou necessária a conjugação do decreto executivo (pelo Poder Executivo) e do Direito dos tratados 11 decreto legislativo (pelo Poder Legislativo) para sua inserção no direito pátrio (CONSULTÓRIO JURÍDICO, 2009). O Congresso Nacional autorizará a ratificação do tratado pelo Presidente da República por meio de um decreto legislativo, em que dá sua anuência à ratificação. Até o referendo pelo Congresso Nacional por meio do decreto legislativo, o Brasil está vinculado aos demais Estados-partes na esfera internacional pelo tratado, mas ainda não está no plano interno. Após o decreto de referendo pelo Congresso Nacional, o Brasil ratifica o tratado e se compromete nos planos internacional e nacional, razão pela qual, no período entre o comprometimento externo (com os demais Estados-partes) e o comprometimento interno (pelo Decreto Executivo), há um dualismo moderado. Varella (2019, p. 124) assim explica: Apenas após a publicação do decreto executivo, o tratado integrará também a ordem jurídica brasileira. Durante o período entre o depósito do instrumento de ratificação e a promulgação do decreto executivo, o país aceita duas ordens jurídicas, uma nas relações exteriores e outra nas relações domésticas. Por isso, o Brasil é considerado dualista. O adjetivo “moderado” vem do fato de que se trata de uma situação, em geral, passageira, de curto período porque, após a promulgação do tratado, este passa a incorporar o ordenamento jurídico nacional. É bom atentar que o Congresso Nacional poderá negar a ratificação do tratado, o que até hoje jamais ocorreu, hipótese em que o Presidente da República não poderá comprometer o país, não dando continuidade à ratifi- cação do tratado junto aos demais Estados-partes. A partir da incorporação do tratado na ordem jurídica nacional, seu conteúdo equivale ao direito positivo interno, podendo ser invocado por qualquer cidadão como regra jurídica com valor cogente. Referências ACCIOLY, H.; SILVA, G. E. N. e; CASELLA, P. B. Manual de Direito Internacional Público. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ constituicao.htm. Acesso em: 10 jun. 2021. BRASIL. Decreto nº 7.030, de 14 de dezembro de 2009. Promulga a Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, concluída em 23 de maio de 1969, com reserva aos Artigos 25 e 66. Diário Oficial da União, Brasília, 15 dez. 2009. Disponível em: http://www.pla- nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm. Acesso em: 10 jun. 2021. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade 1480 DF. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada com o objetivo de ques- tionar a validade jurídico-constitucional do decreto legislativo nº 68/92, que aprovou Direito dos tratados12 a Convenção nº 158 da Organização Internacional do Trabalho (O.I.T.), e do Decreto nº 1.855/96, que promulgou esse mesmo ato de direito internacional público. Relator: Celso de Mello. Diário de Justiça, Brasília, 8 ago. 2001. Disponível em: https://stf.jusbrasil. com.br/jurisprudencia/14819932/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-1480-df- -stf. Acesso em: 10 jun. 2021. CONSULTÓRIO JURÍDICO. Término da relação de trabalho por iniciativa do empregador. 2009. Disponível em: https://www.conjur.com.br/dl/convencao-oit-158.pdf. Acesso em: 10 jun. 2021. MALUF, S. Teoria geral do Estado. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. MAZZUOLI, V. de O. Curso de Direito Internacional Público. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. REDE ESTADUAL DE DIREITOS HUMANOS DO RIO GRANDE DO NORTE. Convenção de Viena sobre o direito dos tratados. c2021. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/ sip/textos/conv_viena.html. Acesso em: 11 jun. 2021. REZEK, J. F. Direito Internacional Público. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. VARELLA, M. D. Direito Internacional Público. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. Leituras recomendadas NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. c2021. Disponí- vel em: https://brasil.un.org/pt-br/91601-declaracao-universal-dos-direitos-humanos. Acesso em: 11 jun. 2021. TEIXEIRA, C. N. Manual de Direito Internacional Público e Privado. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2020. 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