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Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 273 Comunicação Oral Eixo Temático - Estado e Política Social O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL COM AS POLÍTICAS DE CRIANÇA E ADOLESCENTES: DESAFIOS E POTENCIALIDADES THE WORK OF SOCIAL ASSISTANTS WITH CHILD AND ADOLESCENT POLICIES: CHALLENGES AND POTENTIAL Gabriela Alves Gomes1 Camila Botelho Gusmão2 Laíza Baptista de Carvalho3 RESUMO: O presente artigo é de natureza qualitativa, baseando-se em pressupostos metodológicos de pesquisa bibliográfica em referência ao tema. Nesse sentido, objetivou-se elaborar um panorama acerca dos principais desafios e potencialidades enfrentados na contemporaneidade brasileira pelo profissional de Serviço Social no âmbito das políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. Para tanto, realizou-se uma análise das principais dificuldades observadas no decorrer da história até os dias atuais no que se refere à elaboração, efetivação e eficácia de políticas públicas destinadas às crianças e adolescentes no Brasil. PALAVRAS CHAVE: Direitos sociais. Políticas públicas. Crianças. Adolescentes. Desafios. Potencialidades. Serviço Social. Brasil. ABSTRACT: This article is qualitative in nature, based on methodological assumptions of bibliographic research in reference to the topic. In this sense, the objective was to elaborate an overview of the main challenges and potentialities faced in contemporary Brazil by the Social Work professional within the scope of public policies aimed at children and adolescents. To this end, an analysis was carried out of the main difficulties observed in the course of history to the present day with regard to the elaboration, implementation and effectiveness of public policies aimed at children and adolescents in Brazil. 1 Graduanda do Curso de Serviço Social pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Departamento de Economia Doméstica (DED). E-mail: gabriela.a.gomes@ufv.br 2 Graduanda do Curso de Serviço Social pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Departamento de Economia Doméstica (DED). E-mail: camila.gusmao@ufv.br 3 Graduanda do Curso de Serviço Social pela Universidade Federal de Viçosa (UFV), Departamento de Economia Doméstica (DED). E-mail: laiza.carvalho@ufv.br mailto:gabriela.a.gomes@ufv.br mailto:camila.gusmao@ufv.br mailto:laiza.carvalho@ufv.br Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 274 KEYWORDS: Social rights. Public policy. Kids. Teens. Challenges. Potential. Social service. Brazil. INTRODUÇÃO Nosso país é herdeiro de um complexo processo sócio-histórico, amplamente pautado na produção, reprodução e naturalização de diversas desigualdades sociais que juntas compõem a chamada questão social4, engendradas e aprofundadas pelo sistema aderido por nós: o Capitalismo. Na atualidade, tais ações respingam tanto nas concepções que criamos acerca da infância e da adolescência, quanto no trabalho executado pelos assistentes sociais no que se refere à elaboração, garantia e efetivação de políticas públicas de qualidade que possam suprir as demandas provenientes dessa parcela populacional, reforçando a ideia proposta por Júnior (1992) de que o Brasil é “um país que não soube construir uma história ética pautada no respeito humano” (1992, p. 14). Dessa forma, como reforçado por Custódio (2015), podemos entender que as forças existentes no poder político brasileiro “não representam a estrutura social, em termo de construção histórico-econômico-social de nosso país” (CUSTÓDIO, 2015), marginalizando, criminalizando e mascarando inúmeros indivíduos que já vinham sendo oprimidos desde a gênese da política brasileira. Hoje, essa problemática acaba dificultando o avanço da luta pelo reconhecimento, garantia, efetivação e eficácia de políticas públicas que possam sanar as demandas provenientes desse coletivo5 prejudicado e invisibilizado no decorrer da história pelo próprio Estado. Por consequência, observa-se um impasse no trabalho executado pelos profissionais de Serviço Social no que tange à garantia desses direitos em estado de retrocesso, como é o caso, por exemplo, da redução da maioridade penal. 4 Principal objeto de estudo e intervenção do Serviço Social. 5 Aqui, referimo-nos, primordialmente, ao público alvo deste ensaio: crianças, adolescentes e jovens. Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 275 Outra medida conservadora que vai de encontro (...) pelo direito da criança e do adolescente, é a votação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 171/1993, que altera a redação do artigo 228 da Constituição Federal, para reduzir de 18 para 16 anos a maioridade penal. O projeto, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) nesta terça, 30 de março, é um grande retrocesso nas políticas para a nossa juventude. (CUSTÓDIO, 2015, p. ?6). É inaceitável observar setores em favor da redução da maioridade penal, ignorando a juventude — em especial a juventude negra que segue sendo uma das principais vítimas de violência no Brasil (CUSTÓDIO, 2015) —, sendo relevante realçar que há: Uma grande preocupação dos movimentos sociais hoje é justamente os altos níveis de homicídios que atingem jovens de 15 a 29 anos no Brasil, especialmente jovens negros do sexo masculino moradores das comunidades periféricas das áreas metropolitanas dos centros urbanos. Dados do SIM/Datasus, do Ministério da Saúde, mostram que mais da metade dos mortos por homicídios, em 2012, no Brasil, eram jovens (53,37%), dos quais 77,0% negros e 93,30% do sexo masculino. Por essa razão, os homicídios de jovens representam uma questão nacional. (CUSTÓDIO, 2015, p. ?). Para darmos início a este estudo, cabe exaltar os principais marcos históricos brasileiros tanto no campo das políticas e direitos sociais, como na própria relação das mesmas com o público juvenil. Espera-se compreender melhor o papel da família, bem como o trabalho desenvolvido pelos assistentes sociais no âmbito das políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes no Brasil contemporâneo. Para que haja um entendimento pleno sobre esse assunto, devemos, como apontado por Júnior (1992, p. 13) “levar em conta os estereótipos, inversões de sentido e banalizações construídos ao longo dos séculos”. Visando contribuir para o conhecimento acerca do trabalho do Serviço Social, este trabalho propõe realizar uma análise sobre os principais desafios e potencialidades enfrentados por esses profissionais no âmbito das políticas sociais. DESENVOLVIMENTO 6 CUSTÓDIO, Mônica. Não à Redução da Maioridade Penal: Mais Educação, Menos Presídios!. 2015. Disponível em: http://metalurgicosrj.org.br/nao-a-reducao-da-maioridade-penal-mais-educacao-menos- presidios/. Acesso em: 18/10/2021. Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 276 Direito Social e Política Social no Brasil: uma breve análise histórica Em consonância com os estudos de Simões (2009), podemos verificar que, durante os períodos colonial e imperial vividos na aurora da formação do nosso país, uma grande parcela da população infanto-juvenil (em especial àqueles indivíduos em situação de abandono, cuja responsabilidade era atribuída, primordialmente, à Igreja e suas derivadas entidades) era ativamente integrada às atividades de caráter econômico e trabalhista da sociedade, não havendo medidas protetivas por parte do Estado que pudessem contemplá-los. De fato, cabe ressaltar aqui que, naquele período, as ações protetivas existentes paraas crianças e adolescentes giravam fundamentalmente em torno do assistencialismo precário e da caridade prestadas pela elite (SIMÕES, 2009), não podendo, portanto, serem entendidas enquanto direito social ou, até mesmo, como benefícios de uma política social. Podemos dizer que em decorrência dessa situação atípica, a visão deturpada da infância e adolescência enquanto um período apto ao trabalho desapropriava os jovens de seus devidos atributos e características infantis, afastando-os do que conhecemos hoje como uma infância digna, plena e de qualidade. Infelizmente, tal visão acabou se intensificando ainda mais com a expansão e a popularização da escravidão no Brasil durante o século XVI até meados do século XIX. Em 1830, ainda no período imperial, há a criação do Código Criminal e, em 1890, a criação do primeiro Código Penal que, como um de seus deveres centrais, propunha regulamentar os procedimentos a serem utilizados para com indivíduos de até 17 anos de idade em caso de ação criminosa (JÚNIOR, 1992). Vale frisar neste ponto que, em ambos os Códigos de Menores, as crianças e adolescentes não eram considerados como sujeitos de direito, mas sim como meros objetos de processos e extensões de seus patriarcas (JÚNIOR, 1992). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 277 Avançando um pouco mais na história, temos, em 1888, a abolição da escravatura e a passagem do Brasil colônia para um Brasil de capitalismo industrial, periférico e dependente. Devido à má organização e a falta de responsabilização por parte do Estado, compreende-se que as consequências da escravidão, da rápida urbanização e industrialização e do intenso processo de imigração no país não tiveram um devido reparo, resultando assim tanto na permanência, quanto no aumento camuflado da mão de obra infantil. Por essa razão, a pauta direcionada a tratar especificamente a questão da infância e adolescência passa a ganhar maior evidência no Brasil. Aqui, urge mencionar algumas medidas de “amparo” voltadas às crianças e adolescentes naquele período, ilustradas por Simões (2009). Assim, temos: a) a Casa dos Expostos; b) a Irmandade da Santa Casa de Misericórdia; e c) Santa Casa Campineira; todas, sem exceção, possuindo um viés filantrópico que se adequava perfeitamente ao contexto de transformações política, econômica e industrial vividas no país. Na cidade de São Paulo foi criada a Casa dos Expostos em 1895, no Pacaembu, por ato consignado nas atas da mesa administrativa da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia, devido ao aumento de crianças abandonadas, atendidas pela roda e para suprir proteção dada pelas ambas. (SIMÕES, 2009, p. 214). Observe-se que tais medidas de proteção se enquadram no requisito de cuidados, e não de garantia de direitos desses indivíduos marginalizados pelo próprio Estado. Em 12 de outubro de 1927, graças ao decreto lei 17.943-A, nasce o primeiro Código de Menores e, em 1940, há a criação do novo Código Penal que, para além de ampliar o limite de irresponsabilidade penal para 18 anos, influencia também nas modificações provindas da revisão do Código de Menores pelo decreto lei nº 6.026 (Lei de Emergência). Além disso, criou-se no Ministério da Educação e Saúde o Departamento Nacional da Criança (DNC). Alguns anos mais tarde, em 10 de outubro de 1979, surge o segundo Código de Menores que, nas palavras de Júnior (1992, p. 21), “delimita sua ação na assistência, proteção e vigilância a ‘menores’ até 18 anos em situação irregular”. Contudo, cabe salientar que nessa época, apesar dos pequenos avanços oriundos da revisão e modificação do Código de Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 278 Menores, as leis dirigidas à população infanto-juvenil apresentavam um caráter (re)educacional repressivo e coercitivo para os considerados “infratores”7, não buscando contrapor ou até mesmo atualizar de fato o conteúdo presente nos Códigos de Menores de 1830 e 1890. Logo, é notório que durante o Estado Novo a política de atendimento à infância e adolescência apenas se adequou às necessidades econômicas vividas no período, mantendo as características autoritárias, assistencialistas e conservadoras da ordem vigente. Não obstante, criou-se uma concepção estereotipada e popular — muito distinta da realidade presenciada — para representar o ideal de infância e de adolescência do país: sujeitos brancos, possuidores de uma base familiar estruturada e de boa condição financeira (JÚNIOR, 1992). Infelizmente, este estereótipo serviu para reforçar não só uma extensa criminalização de jovens não inseridos e/ou assistidos por uma família nuclear bem estruturada, como também realizar uma caracterização socioeconômica e étnica dos considerados “fora do ideário padronizado”. Caracterização essa que persevera no ideário Estatal e societário até os dias atuais. A esse novo personagem tão atípico e incômodo para a nação, inferiu-se o termo “menor”8 (JÚNIOR, 1992). Com frequência, inclusive entre intelectuais “de esquerda”, o chamado “menor” é apresentado como “excluído” ou como “marginal”. A princípio estes conceitos explicariam a desigualdade existente na estrutura social. A teoria da “situação irregular” e as iniciativas de reintegração do “menor” também partem do princípio da existência da desigualdade. (JÚNIOR, 1992, p. 23-24) Essa distinção social e econômica entre as crianças e adolescentes de diferentes situações de vida e origem, se mostrou ainda mais nítida no decorrer da criação da legislação brasileira, onde pode-se inferir desde o princípio que “somente determinada parcela dessa população figura como objeto a ser disciplinado, assistido e controlado” (JÚNIOR, 1992, p. 15). 7 No início do século XX, não havia diferenciação entre crianças, adolescentes e adultos quanto a aplicação desse termo. 8 “Igualmente inserido na mesma faixa etária que a CRIANÇA, o “menor” seria uma triste exceção, pois estaria em situação irregular decorrente de sua origem em famílias “desestruturadas”, de baixa renda” (JÚNIOR, 1992, p. 13). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 279 Dessa maneira, ao invés de buscar solucionar as causas reais de desigualdade que geram as problemáticas atuais vividas por esses jovens, o Estado e a sociedade acabam reproduzindo e naturalizando ações e diálogos que, para além de culpabilizar as crianças e os adolescentes em situação de risco e carência, buscam conter, regrar e mascarar a infância pobre. Tal fato se confirma diariamente nos noticiários nacionais, os quais carregam manchetes ilustrando os mais diversos tipos de violação de direitos deste público9. Durante os anos de 1940 a 1960, o Brasil sofre importantes transformações políticas, recebendo —no que se refere aos direitos voltados às crianças e adolescentes — grande influência da ONU (Organização das Nações Unidas) e da promulgação da Declaração Universal dos Direitos da Criança. Aqui, como principal diferencial político e de direito social, temos tanto a transformação do “menor” (enquanto ameaça social) para criança carente, abandonada e sujeita de direitos; quanto a valorização das práticas assistencialistas no lugar das punitivas pelo novo Código de Menores de 1979 (JÚNIOR, 1992). Ainda no século XX, verifica-se, em meados de 1987 e 1989, a instituição da Política do Bem-Estar do Menor voltada àqueles jovens marginalizados e em situação de risco social e pessoal. Finalmente, após a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a regulamentação dos seus artigos 227 e 228, temos, em 1990, a aprovação do Estatutoda Criança e do Adolescente – ECA10 (BRASIL, 1990). O ECA não foi uma dádiva do Estado, mas uma vitória da sociedade civil, das lutas sociais e reflete ganhos fundamentais que os movimentos sociais têm sabido construir. Ocorre que foi uma conquista obtida tardiamente e nos marcos do neoliberalismo, nos quais os direitos estão ameaçados, precarizados e reduzidos, criando um impasse na “cidadania de crianças”, no sentido de tê-la conquistado formalmente, sem, no entanto, existir condições reais de ser efetivada e usufruída (SILVA, 2005, p. 36). 9 Para mais informações, conferir reportagens: “Em 5 anos, 103 crianças foram baleadas e 30 morreram vítimas da violência no Rio” (SOARES, 2021) da CNN Brasil; e “Violações de direitos de crianças e adolescentes se intensificam durante a pandemia” (VASCONCELOS; BEZERRA, 2021) do Brasil de Fato. 10 Vale salientar aqui a importância da participação e pressão popular e dos Movimentos Sociais na luta pela elaboração e regulamentação do ECA (SILVA, 2005). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 280 Assim, o ECA se apresenta enquanto um marco essencial na história das políticas brasileiras voltadas às crianças e adolescentes por promover a proteção integral dos mesmos e de seus direitos de forma universal, sem distinção de qualquer classe social (SIMÕES, 2009). Entretanto, por ter sido concebido no auge da inserção e expansão do ideário neoliberal no Brasil, o Estatuto acabou sendo construído mediante tal influência, se mostrando contraditório e ambíguo. Em verdade, pode-se afirmar ainda que não houve uma ruptura total do ECA com as propostas do Código de Menores e nem com os Códigos Criminais de 1830 e 1890. Existem várias “descontinuidades” e “continuidades” na relação ECA e Código de Menores. Alguns estudiosos já demonstraram os processos de “descontinuidades”, isto é, as diferenças. Ocorre que nos dias de hoje há uma carência de pesquisas que identifiquem os pontos de “continuidade”, isto é, as semelhanças entre essas legislações. (SILVA, 2005, p. 42). Como objeto de interesse do presente artigo, cabe salientar que após a criação do ECA, é possível identificar uma dada autonomia por parte do Ministério Público11 sobre sua função de fiscalizar a aplicação das leis democráticas, garantindo a promoção e proteção dos direitos infantojuvenis previstos tanto na Constituição de 1988, quanto na Convenção Internacional dos Direitos da Criança. Vale relembrar que em decorrência das propostas neoliberais, é transferido às organizações não-governamentais o papel de executar políticas públicas (como as postuladas pelo ECA) que deveriam ser de responsabilidade do Estado12, desresponsabilizando o mesmo de seus deveres fundamentais. RESULTADOS E DISCUSSÃO FAMÍLIA 11 Em especial a Promotoria da Infância e da Juventude 12 Este ponto em questão ficará mais evidente no tópico referente à Família, discutido a seguir. Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 281 Em seu conceito mais puro, a família pode ser resumida em “uma associação de pessoas que escolhe conviver por razões afetivas e assume um compromisso de cuidado mútuo'' (CARNUT; FAQUIM, 2014, p. 63). Assim, entende-se que um grupo familiar pode possuir tanto vínculo sanguíneo, quanto vínculo jurídico (MELO, 2014) Na antiguidade, o entendimento social e até mesmo religioso de família se pautava no formato da família tradicional13. Contudo, as transformações culturais e sociais vividas na humanidade ao longo da história corroboraram para que houvesse um maior entendimento acerca da diversidade existente entre os tipos de família14. O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, com alterações estabelecidas pela lei nº 12.010, define três tipos de família, a saber: a) Família natural: entendida como “comunidade formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes” (BRASIL, 1990, art. 25); b) Família extensa/ampliada: vai além “da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade” (BRASIL, 2009, art. 25); c) Família substituta: faz “mediante guarda, tutela ou adoção” (BRASIL, 1990, art. 28), ou seja, uma família temporária. Nessa linha de raciocínio e, segundo o ECA, aos pais cumprem o dever de guarda e sustento dos filhos (BRASIL, 1990). Por mais ampla e diversificada que seja, entendemos que a família — independente do formato, tipo ou vínculo existente (sendo este sanguíneo ou não) — se resume a um grupo de pessoas que vivem juntas e possuem laços afetivos. Não é à toa que seus direitos se relacionam, em sua grande maioria, ao conceito de afeto e à construção de laços. Mediante a Constituição de 1988, tem-se a família como base da sociedade e a principal responsável por assegurar os direitos da criança, adolescente e do jovem. A família é 13 Composta por um homem, uma mulher e seus respectivos descendentes. 14 Destacam-se: as famílias tradicionais ou nucleares; monoparentais; informais; matrimonial; anaparental; reconstituídas; unipessoal e, por fim, as eudemonistas (MENEZES, 2019). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 282 o principal agente de socialização do indivíduo, pois é ela que irá oferecer o primeiro contato que temos com a vida em sociedade, referenciar nossa proteção, impor as normas de convívio, acompanhar nosso desenvolvimento e moldar nossa moral (CARNUT; FAQUIM 2014). Tamanha responsabilidade e dever influenciam ainda mais o papel e a importância da família para com as crianças e adolescentes. Assim, como a família possui maior bagagem de responsabilidade, recebe atenção especial do Estado, sendo reforçada pela Declaração Universal dos Direitos Humanos que estabelece a família como núcleo fundamental da sociedade, com direito à proteção do Estado (DIAS, 2015). Contudo, mesmo com esse estabelecimento, observa-se que, na prática, a realidade é diferente. Apesar dos direitos e deveres da família para com a criança/adolescente serem previamente estabelecidos e delimitados tanto na Constituição Federal de 1888, quanto no ECA, observa-se a isenção da responsabilidade Estatal graças ao ideário neoliberal, promovendo a “responsabilização e a culpabilização das famílias pelas mazelas ocasionadas pelo capitalismo” (HORTS, 2020, p. 411). A título de exemplo, temos que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988, art. 227). A responsabilidade de garantir e assegurar os direitos relacionados à vida e todos os seus devidos âmbitos recai em primeira instância à família, posteriormente à sociedade e, por fim, ao Estado. Esse constante repassa dos deveres e responsabilidades do Estado no que tange às políticas sociais voltadas ao público infantojuvenil para a família, acaba tendo seus reflexos no serviço proposto pelos Assistentes Sociais durante sua intervenção profissional15. Reforçamos que, embora essas famílias tenham uma função essencial como a primeira 15 Referimo-nos às ações voltadas ao público infantojuvenil e suas respectivas famílias. Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anaisdo III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 283 instituição social16 à qual o público infanto/juvenil terá acesso, ela não pode — e nem deve— ser responsabilizada pela violação de seus direitos. Como apontado por Horts (2020): Negar e/ou afirmar que a tradição marxista não dá conta da explicação sobre a instituição família sempre contribuiu –ainda mais na atual conjuntura –para levar água ao moinho do conservadorismo e da pós-modernidade (HORTS, 2020, p. 412). Destacamos, portanto, a importância desta discussão no debate acerca das potencialidades e desafios no trabalho do Assistente Social ao promover, elaborar e efetivar (junto às famílias e, principalmente, do Estado) ações, programas e políticas públicas que possam oferecer proteção, amparo e respeito às crianças e adolescentes no Brasil. SERVIÇO SOCIAL O profissional de Serviço Social tem, mediante as propostas do Código de Ética do Assistente Social, um papel fundamental no enfrentamento das mais variadas expressões da chamada “questão social”. Nesse sentido, visando defender e promover os princípios e direitos postulados pela Constituição Federal de 1988 e, também, pelo ECA de 1990, esse profissional acaba atuando diretamente nas políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes. [...] direta ou indiretamente, os/as profissionais de Serviço Social atuam com crianças e adolescentes na maioria dos espaços sócio- ocupacionais, quando crianças e adolescentes estão presentes no contexto familiar em que as pessoas atendidas estão inseridas. Destacamos alguns espaços, como os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) e Centros de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (Scfv), os Centros de Juventude, os Centros de Referência de Direitos Humanos, as Varas da Infância e Juventude, as unidades de acolhimento institucional, o sistema socioeducativo, os serviços de saúde, na assessoria de conselhos tutelares e outros espaços em que o atendimento a crianças, 16 Conforme o conteúdo referente às obras de Émile Durkheim, apresentadas em sala de aula pelo Prof. Luciano Rodrigues Costa, disciplina ERU 315 – Sociologia do Trabalho, Período Especial Remoto 3 (PER3), no ano de 2021, pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 284 adolescentes e jovens e suas famílias é mais recorrente (CFESS, 2020). Contudo, como construído ao longo do presente texto, entende-se que promover a garantia da efetivação e do cumprimento dessas políticas não é tão simples assim. Como demonstrado nos tópicos anteriores, as políticas e direitos sociais voltados ao público infantojuvenil enfrentaram inúmeros empecilhos por parte do Estado ao longo da construção da história brasileira. Desde os primeiros Códigos de Menores (1927 e 1979) até a promulgação do ECA (1990), verifica-se uma certa dificuldade por parte da União em reconhecer e até mesmo aplicar tais legislações de maneira efetiva. Essa situação atípica se agrava ainda mais a partir da inserção do ideário neoliberal no nosso país, promovendo um nítido retrocesso na garantia de direitos e por consequência implicando no agir profissional dos assistentes sociais. Sendo assim, cabe destacar e discorrer, neste tópico, a respeito dos principais desafios e potencialidades presentes na atualidade no que se refere ao exercício profissional dos mesmos. Entre as dificuldades vivenciadas diariamente, observa-se: a) A limitação de recursos adequados para um agir profissional de qualidade: em decorrência do orçamento limitado, certas instituições não conseguem arcar com os custos necessários para uma atividade laborativa adequada. Dessa forma, muitos Assistentes Sociais atuam em locais precários e sem ter acesso pleno aos instrumentos de trabalho (como, por exemplo, atendimento em grupo, relatórios, perícias, entrevistas, visita domiciliar, entre outras abordagens utilizados em sua intervenção); b) O próprio retrocesso na garantia e efetivação das leis em decorrência do Estado Neoliberal; c) O não entendimento, por parte tanto de profissionais de outras áreas, como também do próprio Assistente Social (em muitos casos), do trabalho que o mesmo executa (com isso, ressalta-se a importância do Projeto Ético Político do/a Assistente Social, bem como da relação existente entre os princípios teórico-metodológico, ético-político e técnico-operativo defendidos na graduação em Serviço Social); Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 285 d) Estereótipos mantidos pela nação: reforçada, primordialmente, pela mídia e por discursos conservadores da própria população, percebe-se, na sociedade, uma ideia distorcida em relação às políticas públicas voltadas às crianças e adolescentes, enquanto políticas que visam “defender bandidos e vagabundos”; e) A culpabilização e responsabilização da família, por parte do Estado, no que tange aos direitos e políticas sociais voltadas ao público infantojuvenil; f) As próprias expressões da Questão Social (como a miséria, fome, pobreza, marginalização e etc), frutos das contradições entre Capital x Trabalho. Os desafios apresentados anteriormente cooperam na dificuldade de um agir profissional pleno e de qualidade, o que acaba por afetar os serviços prestados à esses sujeitos ocasionando a precariedade do trabalho do Assistente Social e a frustração em não conseguir (em muitos casos) ter autonomia plena, intervir na realidade e elaborar políticas públicas efetivas. Somando-se a isso, o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) apresenta mais um elemento que elucida o risco iminente do desmonte das políticas sociais de criança e adolescente: a Emenda Constitucional nº 9517, promovendo um corte significativo em todas as esferas das políticas públicas. A Emenda Constitucional 95, promulgada em dezembro de 2016, incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro o Novo Regime Fiscal. Com ele, as despesas primárias da União passam a ter um teto que deverá ser observado ao longo dos próximos vinte anos, cujo parâmetro são os gastos do exercício de 2016, reajustados ano a ano pela inflação. O ajuste fiscal tem por escopo garantir sustentabilidade à dívida pública federal, o que é notável, porém ao mesmo tempo arriscado, pois pode impossibilitar a União de, durante o período de sua vigência, cumprir adequadamente as prestações de sua competência e que são indispensáveis à sociedade (CASSI E GONÇALVES. 2020, p. 35). Logo, entende-se que em alguns casos o mau exercício intervencional não decorre apenas da falta de preparo do(a) assistente social (enquanto um eterno estudioso e defensor 17O caso da Emenda Constitucional nº 95, e promove, assim, um verdadeiro desmonte do sistema de proteção social. Também acompanhamos, num período recente, diversas legislações que provocaram alterações no ECA e diferentes iniciativas que nem sempre resultam em avanços, mas que também ameaçam imensos retrocessos. Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 286 dos direitos e políticas sociais), mas sim de uma série de fatores externos à ele(a). Não obstante, cabe salientar que o trabalho desenvolvido pelos profissionais de Serviço Social é amparado pelo Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) que assume: [...] a atribuição de orientar, disciplinar, normatizar, fiscalizar e defender o exercício profissional do/a assistente social no Brasil, em conjunto com os Conselhos Regionais de Serviço Social (CRESS). Para além de suas atribuições, contidasna Lei 8.662/1993, a entidade vem promovendo, nos últimos 30 anos, ações políticas para a construção de um projeto de sociedade radicalmente democrático, anticapitalista e em defesa dos interesses da classe trabalhadora (CFESS, s/d). Em uma sociedade de classes, todo projeto e, portanto, toda prática profissional será regida, necessariamente, por uma dimensão política. Logo, temos a construção de um Projeto Ético-Político que, por sua vez, encontra-se diretamente relacionado a um projeto societário. Assim, no que se relaciona à prática profissional do Assistente Social, infere-se que a mesma: [...] não se constitua como práxis produtiva, efetivando‐se no conjunto das relações sociais, nela se imprime uma determinada direção social por meio das diversas ações profissionais (...), balizadas pelo projeto profissional que a norteia (TEIXEIRA; BRAZ, s/d, p. 5). Nesse sentido, os autores reforçam que é indubitável que o “projeto ético‐político do Serviço Social brasileiro está vinculado a um projeto de transformação da sociedade” (TEIXEIRA; BRAZ, s/d, p. 5), sendo essa verdade amparada no próprio agir profissional. Destarte, Netto (1999) agrega que o Projeto Ético-Político do Serviço Social: Os projetos profissionais [inclusive o projeto ético-político do Serviço Social] apresentam a auto-imagem de uma profissão, elegem os valores que a legitimam socialmente, delimitam e priorizam os seus objetivos e funções, formulam os requisitos (teóricos, institucionais e práticos) para o seu exercício, prescrevem normas para o comportamento dos profissionais e estabelecem as balizas da sua relação com os usuários de seus serviços, com as outras profissões e com as organizações e instituições sociais, privadas e públicas (NETTO, 1999, p. 95). Concomitantemente, aponta-se elementos essenciais na construção do Projeto Ético- Político, sendo eles as dimensões: a) Ético-Político; b) Teórico-Metodológico; e c) Técnico- Operativo. A articulação desses três princípios na esfera do cotidiano, condensa um processo Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 287 gradual de amadurecimento intelectual e político ocorrido no âmbito do Serviço Social, com reflexos naquilo que tem-se denominado como um novo perfil profissional: um indivíduo capaz de responder, com eficácia e competência teórica/ ética/política e técnico-operativa, às demandas da sociedade. A partir disso, entende-se o quanto o projeto se faz ainda mais necessário e urgente na defesa e garantia dos direitos das crianças/adolescentes no cenário atual, pois: Debater a prática dos assistentes sociais no campo da política social não se confunde com o debate da prática profissional travado no campo de conhecimento do Serviço Social. Embora a intervenção do assistente social no campo da política social seja determinada pelo ethos profissional, ela se recobre de características que vão exigir não somente um alinhamento a determinado projeto profissional. Traz, também, a exigência de como colocar este projeto em movimento, num espaço onde não se tem a direção do processo e onde a autonomia é relativa. O trabalho no campo da política social, sob a os auspícios do projeto crítico estratégico [...] requer a explicitação das mediações necessárias para que o profissional possa decidir sobre a sua prática (MIOTO; NOGUEIRA, 2013, p. 68). Logo, no debate que se relaciona às potencialidades profissionais destacam-se que apesar dos inúmeros limites apresentados até então, o corpo profissional de Serviço Social vem se mostrando cada vez mais integrado e fortalecido na defesa dos direitos e políticas sociais, buscando o desmonte das expressões da Questão Social, fomentando os debates e estudos acadêmicos acerca da promoção da proteção à criança, ao adolescente e ao jovem, bem como promovendo estratégias e técnicas para construir respostas às demandas identificadas por esses sujeitos e suas famílias. Essa construção é essencial para um exercício profissional digno e de qualidade, uma vez que: A relação dessa atuação com o ECA reside no fato de que grande parte da nossa categoria atua na execução das políticas públicas e sociais. É por meio da efetivação destas políticas e da integração do Sistema de Garantia dos Direitos que o ECA ganha materialidade, constituindo assim uma ‘rede de proteção’. Além disso, os princípios ético-políticos do Serviço Social, que precisam estar presentes na atuação profissional, a exemplo do reconhecimento da liberdade como valor ético central e defesa intransigente dos direitos humanos, confluem para a defesa do ECA e da garantia de direitos fundamentais de crianças e adolescentes (CFESS, 2020). Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 288 Nessa lógica, destaca-se também o posicionamento em favor da justiça social e da equidade (como consta no próprio Código de Ética profissional) enquanto princípios basilares do exercício profissional que possibilitem a universalidade de acesso aos bens e serviços relativos aos programas e políticas sociais como, neste caso, à criança e adolescentes; além de estarem preparados para as diversas demandas que possam surgir através de seus instrumentos de intervenção. CONSIDERAÇÕES FINAIS Percebeu-se durante a pesquisa que desde a gênese das políticas e direitos sociais brasileiro voltados ao público infanto-juvenil, houveram (graças ao cenário político, social e econômico do país) inúmeros empecilhos legislativos e sociais referentes a promoção da proteção integral desses indivíduos, o que, na atualidade, corrobora nos desafios enfrentados pelos profissionais de Serviço Social em sua intervenção profissional. De fato, a proteção integral das crianças, adolescentes e jovens só passou a existir a partir da criação do ECA, em 1990. Verificamos que devido aos ideários neoliberais impostos, houve um intenso desmonte e retrocesso na garantia de novos direitos e na permanência de antigos, outrora conquistados pela população. A constante desresponsabilização do Estado referente ao cumprimento de diversos direitos sociais de crianças, adolescentes e jovens e o familismo são traços da realidade sobre a proteção de crianças e adolescentes. Para tanto, destaca-se a essencialidade da ampliação e efetivação de política de proteção aos direitos à criança e ao adolescente no Brasil. Em relação a desresponsabilização da União, nota-se que o ideário neoliberal estende suas garras referente ao trabalho exercido pelos próprios Assistentes Sociais, promovendo dificuldades tanto na elaboração e efetivação de políticas públicas infanto-juvenis, quanto na autonomia dos mesmos em seu exercício profissional. Assim, conclui-se a importância profissional do Assistente Social a realização de um rico resgate do seu próprio Projeto Ético- Revista Serviço Social em Perspectiva Volume. 6, Edição Especial, maio de 2022 Anais do III Encontro Norte Mineiro De Serviço Social 289 Político, no sentido de fomentar, fortalecer e ampliar os direitos e políticas sociais voltados às crianças, adolescentes e jovens de maneira a não responsabilizá-los ou culpabilizá-los - nem suas famílias - de qualquer dever que pertença ao Estado. 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