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CLIMATÉRIO: CONCEITO, EPIDEMIOLOGIA, PATOGENIA E CONSEQUÊNCIAS DO HIPOESTROGENISMO Maria Celeste Osório Wender Mona Lúcia Dall’Agno CONCEITO O climatério é a fase de transição entre o período reprodutivo e o não reprodutivo da mulher, caracterizado por uma gama de modificações endócrinas, biológicas e clínicas, compreendendo parte da menacme até a menopausa. Essa, por sua vez, é definida como o último período menstrual, identificado retrospectivamente após 12 meses de amenorreia. O intervalo, do início dos sintomas de irregularidade menstrual até o final do primeiro ano após a menopausa, é chamado de perimenopausa. A menopausa é um evento fisiológico e inevitável que ocorre devido ao envelhecimento ovariano e sua consequente perda progressiva de função. Usualmente, ocorre de forma natural no final da quarta e início da quinta década de vida (Armeni et al., 2016), com variações devidas a diferenças étnicas, regionais, ambientais e comportamentais, como o tabagismo. Conforme dados de uma metanálise (Schoenaker et al., 2014) envolvendo os seis continentes mundiais, a idade média geral da menopausa no mundo foi descrita como 48,78 anos, variando entre 46 e 52 anos. A idade da menopausa foi reportada abaixo dessa média nos países da América Latina, assim como na África, Ásia e Oriente Médio (Schoenaker et al., 2014). A menopausa que ocorre antes dos 40 anos de maneira espontânea ou artificial é chamada menopausa precoce. A importância dessa diferenciação se dá devido às implicações clínicas próprias do quadro e indicação específica de tratamento (Armeni et al., 2016). Essas e outras etapas da vida reprodutiva feminina são regidas pela função ovariana e sua respectiva produção hormonal. Sua classificação é fundamental do ponto de vista clínico e científico, utilizando-se para o estadiamento aquele proposto em 2001 (Soules et al., 2001) e revisado em 2011 (Harlow et al., 2012) pelo Stages of Reproductive Aging Workshop: STRAW + 10. A classificação compreende a vida reprodutiva feminina desde a menarca e é dividida em três principais categorias (reprodutiva, transição menopausal e pós-menopausa) e suas subdivisões, totalizando 10 categorias descritas por uma terminologia-padrão. A base para diagnóstico e classificação nos estágios reprodutivos são as mudanças observadas no ciclo menstrual. Os sintomas apresentados e critérios de apoio descritos (contagem de folículos antrais, dosagem de hormônio antimülleriano (AMH), inibina B e hormônio folículo-estimulante – FSH) não são utilizados como critérios diagnósticos para mulheres saudáveis. Já para aquelas portadoras de síndrome de ovários policísticos e insuficiência ovariana primária ou para aquelas submetidas a procedimentos cirúrgicos capazes de alterar o ciclo menstrual sem determinar o esgotamento total dos hormônios ovarianos (ablação endometrial, ooforectomia unilateral ou histerectomia), o diagnóstico e a classificação devem ser realizados baseando-se nos critérios de suporte e sintomatologia, já que mudanças no ciclo menstrual podem ser explicadas pela patologia de base (Harlow et al., 2012) – Figura 53.1. Menarca Última menstruação (0) Estágios -5 -4 -3b -3a -2 -1 +1a +1b +1c 2 Terminologia Reprodutivo Transição menopausal Pós-menopausa Inicial Pico Final Inicial Final Inicial Final Perimenopausa Duração Variável Variável 1-3 anos 2 anos (1+1) 3-6 anos Até o fimda vida Critérios principais Ciclo menstrual Variável a regular Regular Regular Variações sutis no fluxo e duração Duração variável Amenorreia > 60 dias Critérios de apoio Endócrinos FSH AMH Inibina B Baixo Baixo Variável Baixo Baixo Levemente elevado Baixo Baixo > 25 UI/L Baixo Baixo Elevado Baixo Baixo Estabilizado Muito baixo Muito baixo CFA* Baixa Baixa Baixa Baixa Muito baixa Muito baixa Características descritivas Sintomas Sintomas vasomotores prováveis Sintomas vasomotores muito prováveis Sintomas urogenitais Figura 53.1. Sistema de estagiamento do Stages of Reproductive Aging Workshop + 10 (STRAW +10) para mulheres. * CFA: contagem de folículos antrais. Adaptada de: Harlow et al., 2012. EPIDEMIOLOGIA A população mundial tem sofrido o impacto de um processo de envelhecimento acelerado nos últimos anos, resultando no aumento da longevidade. No Brasil, segundo os últimos dados publicados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2015, a expectativa de vida ao nascer para as mulheres é de 79,1 anos, determinando aproximadamente metade da vida no período peri e pós-menopáusico, além do aumento exponencial do número absoluto de mulheres nessa fase (IBGE, 2015). Conforme o Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), em 1990, aproximadamente 4,7 milhões de mulheres no Brasil estavam na faixa etária entre 50 e 59 anos; já em 2012, esse dado aumentou para 9,8 milhões. Em um estudo de base populacional realizado no sudeste do Brasil com mulheres entre 45 e 60 anos, 32% encontravam-se na pré ou perimenopausa e 68% estavam na pós-menopausa. A média de idade de ocorrência da menopausa foi de 46,5 ± 5,8 anos (Lui Filho et al., 2015). Mais de 80% das mulheres pós-menopáusicas reportam ao menos um sintoma relacionado a esse período, sendo os vasomotores os mais comuns (Avis et al., 2015). PATOGENIA A menopausa, apesar de poder ser influenciada pelo eixo hipotálamo hipofisário, é um evento ovariano secundário à atresia fisiológica dos folículos primordiais; sua ocorrência pode ser natural ou artificial, após procedimentos clínicos ou cirúrgicos que levem à parada da produção hormonal ovariana (Speroff, 2002). A produção de folículos ovarianos pelas mulheres se inicia a partir da oitava semana de vida intrauterina por meio da rápida multiplicação mitótica das células germinativas. Já o envelhecimento do sistema reprodutivo inicia-se pouco tempo depois, ativando o processo de apoptose celular após atingir o número máximo de folículos primordiais – cerca de 7 milhões –, por volta da vigésima semana de gestação. Até o nascimento, cerca de 70% do pool folicular será perdido por meio desse processo, e ao chegar à puberdade, fase em que os ovários se tornarão funcionalmente ativos, restarão em média 300 a 500 mil folículos (American College of Obstetricians and Gynecologists Committee on Gynecologic Practice, 2014; Practice Committee of American Society for Reproductive Medicine, 2008). Até que seu número se esgote na pós-menopausa, os folículos crescem e sofrem atresia de forma contínua. Esse processo é irrecuperável e ininterrupto, independentemente de situações como gravidez ou de períodos de anovulação. Dos milhões de folículos formados na vida intraútero, apenas 400 terão seu crescimento resultando em ovulação durante o menacme; o restante é perdido pelo processo de atresia. O declínio paralelo da quantidade e qualidade dos folículos contribui para a diminuição da fertilidade. Além disso, o consumo do pool folicular com o passar dos anos determina alterações hormonais importantes, responsáveis pelas alterações fisiológicas características do período peri e pós-menopáusico (Speroff, 2002; American College of Obstetricians and Gynecologists Committee on Gynecologic Practice, 2014). A transição menopausal é caracterizada pela irregularidade do ciclo menstrual devido à variabilidade hormonal e ovulação inconstante. A diminuição maciça do número de folículos ovarianos resulta na queda gradual da inibina B, que, por sua vez, desativa o feedback negativo sobre a hipófise, liberando a secreção de FSH na tentativa de aumentar o recrutamento folicular. O resultado dos níveis elevados de FSH é a aceleração da depleção folicular até o seu esgotamento (Burger et al., 2008; Hale et al., 2014). Enquanto houver folículos suficientes, a ovulação ainda é mantida e os níveis de estradiol permanecerão dentro da normalidade. A contínua perda da reserva folicular diminui os níveis de estradiol que não são mais suficientes para estimular o pico de hormônio luteinizante (LH), encerrando, assim, os ciclos ovulatórios. Sem a ovulação propriamentedita, não há produção de corpo lúteo e consequentemente de progesterona, além de os níveis de estradiol não serem suficientes para estimular o endométrio, levando à amenorreia (Burger et al., 2008; Hale et al., 2014). Na pós-menopausa, na tentativa de estimular uma adequada produção de estradiol pelos ovários, a hipófise é ativada por picos de hormônio liberador de gonadotrofinas (GnRH) e secreta grandes quantidades de gonadotrofinas, levando as mulheres a um estado de hipogonadismo hipergonadotrófico. Devido à redução da resposta ovariana às gonadotrofinas, os níveis de FSH e LH são marcadamente elevados nos primeiros anos após a menopausa, decrescendo com o envelhecimento (Practice Committee of American Society for Reproductive Medicine, 2008; Burger et al., 2008) O AMH, marcador do número de folículos ovarianos em crescimento, diminui para níveis indetectáveis na pós-menopausa (Broer et al., 2014). Em estudos recentes, o AMH tem-se mostrado um ótimo preditor do envelhecimento ovariano (Broer et al., 2014; Moreau et al., 2018; Kim et al., 2017). Com a diminuição da massa folicular, ocorre relativo aumento no estroma ovariano, porção responsável pela produção de testosterona e androstenediona. De maneira geral, a síntese dos esteroides androgênicos está diminuída, porém a produção remanescente é suficiente para manter os ovários ativos. Esses androgênios, principalmente a androstenediona, servem como substrato para a aromatização periférica (Burger et al., 2008; Hale et al., 2014). A mulher pós-menopáusica não é totalmente desprovida de estrogênio, que segue sendo sintetizado em níveis muito menores. No ovário, a produção de estradiol é quase nula. Já, por meio da aromatização periférica da androstenediona no tecido adiposo, a produção da estrona é mantida e, mesmo em pequenas concentrações circulantes, passa a ser o principal estrogênio na pós-menopausa. Quanto à progesterona, não há mais produção (Practice Committee of American Society for Reproductive Medicine, 2008; Burger et al., 2008; Hale et al., 2014). O diagnóstico do climatério é clínico, não havendo necessidade de dosagens hormonais para confirmá-lo quando há irregularidade menstrual ou amenorreia e quadro clínico compatível. Porém, níveis de FSH acima de 40 mUI/mL e estradiol (E2) menores do que 20 pg/mL são característicos do período pós-menopáusico (Practice Committee of American Society for Reproductive Medicine, 2008; Sobrac/NAMS, 2015). CONSEQUÊNCIAS DO HIPOESTROGENISMO Receptores estrogênicos existem em diferentes concentrações em vários locais do organismo – como pele, ossos, vasos, coração, diversas regiões do cérebro, mama, útero, vagina, uretra e bexiga – e a redução nos níveis de estrogênio circulante gera efeitos diferentes para cada mulher. As características individuais determinam perfis diferentes de biodisponibilidade de estrogênios com repercussões próprias no metabolismo e quadro clínico-laboratorial de cada paciente, podendo resultar no comprometimento da qualidade de vida. Apenas em torno de 15% das mulheres não apresentarão sintomas no período do climatério (Thurston e Joffe, 2011) – Figura 53.2. Figura 53.2. Visão geral dos sistemas afetados pelo hipoestrogenismo e seus sintomas. Alterações no ciclo menstrual A queixa mais frequente na transição menopausal é a irregularidade menstrual, com alteração na intensidade do fluxo, na duração ou frequência da menstruação. Essa irregularidade reflete os ciclos anovulatórios cada vez mais comuns e, por consequência, as alterações no padrão de secreção tanto do estrogênio quanto da progesterona tendem a se iniciar com encurtamento dos ciclos e progredir para períodos de amenorreia cada vez mais longos até a parada total. A amenorreia prolongada é característica da deficiência de estrogênio. O padrão de fluxo menstrual também pode variar, sendo comum ocorrer sangramento aumentado (Burger et al., 2008). Nessa fase, o desenvolvimento de patologias orgânicas como miomas e pólipos é favorecido e, nos casos de sangramento uterino intenso, é mandatória a investigação e exclusão de patologias endometriais, com atenção às hiperplasias endometriais e ao carcinoma de endométrio (Burger et al., 2008; Sobrac/NAMS, 2015; Green e Santoro, 2009). Sintomas vasomotores Compreende os episódios de fogachos e suores noturnos, resultando no sintoma mais comum da transição menopausal e pós-menopausa inicial, sendo referido por mais de 80% dessas mulheres (Blümel et al., 2011). O fogacho se manifesta como uma súbita sensação de calor intenso que se inicia na face, pescoço, parte superior dos troncos e braços, e se generaliza; além disso, é seguida por enrubecimento da pele e subsequente sudorese profusa. Observa-se aumento do fluxo sanguíneo cutâneo, taquicardia, aumento da temperatura da pele devido à vasodilatação e, eventualmente, palpitações (Freedman, 2014). Além do impacto negativo na qualidade de vida, os sintomas vasomotores parecem estar associados ao aumento de risco cardiovascular, ósseo e cognitivo (Panel TNHTPSA, 2017). A fisiopatologia exata do fogacho não é conhecida. Entretanto, sabe-se que a redução dos níveis séricos estrogênicos provoca alterações em neurotransmissores cerebrais causando instabilidade no centro termorregulador hipotalâmico, tornando-o mais sensível a pequenos aumentos da temperatura corporal relacionados a alterações intrínsecas e ambientais. Outros fatores parecem estar relacionados, entre eles as alterações nas concentrações hormonais e nos sistemas serotoninérgico, noradrenérgico, opioide, adrenal e autonômico (Thurston e Joffe, 2017). Cada episódio dura aproximadamente de 2 a 4 minutos e ocorre diversas vezes no decorrer do dia. É particularmente comum à noite, prejudicando a qualidade do sono e contribuindo para irritabilidade, cansaço durante o dia e diminuição na capacidade de concentração. Sabe-se que 87% das mulheres sintomáticas têm episódios diários de fogachos, e 33% delas apresentam mais de 10 episódios por dia (Freedman, 2014). A duração média dos sintomas vasomotores a partir da transição menopausal é de 7,4 anos, e 4,5 anos desse total são vivenciados no período pós-menopáusico. O tempo varia conforme a etnia, e o melhor preditor independente para a duração dos sintomas vasomotores e tempo de sintomas pós-menopausa é o início dos fogachos em estágios precoces da transição menopausal (Avis et al., 2015). Também está relacionado à maior duração dos sintomas: índice de massa corporal (IMC) elevado, tabagismo, grau de sensibilidade aos sintomas, ansiedade, percepção de estresse e sintomas depressivos (Avis et al., 2015; Freedman, 2014). Alterações no sono Distúrbios do sono, incluindo menor duração, aumento nos episódios de despertar noturno e menor eficácia do sono, estão presentes em até metade das mulheres na pós-menopausa, com ênfase ao período perimenopáusico, devido às flutuações hormonais (Kravitz et al., 2011). Sabe-se que os fogachos têm papel definido no quadro clínico, pois os episódios noturnos aumentam o número de despertares noturnos, contribuindo para um sono de menor qualidade. Porém, além da percepção das alterações no sono, há evidências objetivas por meio da polissonografia comprovando alterações no padrão sonográfico dessas mulheres (Kravitz et al., 2011). A menor duração do sono é responsável por sequelas orgânicas como aumento da prevalência de hipertensão e diabetes mellitus. Além disso, consequências psicológicas são evidentes, acarretando cansaço e prejudicando as atividades diárias. Depressão e ansiedade também estão correlacionadas (Sobrac/NAMS, 2015). Alterações do humor Os sintomas depressivos são relatados por 65% a 89% das mulheres que buscam atendimento no período do climatério. O mecanismo responsável pelo aumento do risco ainda é desconhecido, porém a variação dos níveis séricos de estrogênio parece estar mais associada com efeitos depressivos do que com a própria concentração hormonal absoluta (Sobrac/NAMS, 2015; Bromberger et al., 2010). As mudanças evidentes desse período, a perdada capacidade reprodutiva e o próprio envelhecimento propiciam distúrbios psicológicos associados, que também podem contribuir para o quadro depressivo ou ansiolítico (Sobrac/NAMS, 2015; Jaeger et al., 2018). Alterações cognitivas Durante a transição menopausal, há marcado aumento nas queixas referentes ao declínio das funções cognitivas, com ênfase nas queixas de diminuição da atenção e alterações da memória (Wender et al., 2014). Na perimenopausa, 44% das mulheres reportam esquecimento; curiosamente, na perimenopausa tardia e na fase pós-menopausal esse percentual cai para 41%. No menacme, 31% das mulheres apresentam essa queixa. Também há queixas de piora na perda de memória verbal, processamento rápido das informações e demência (Maki e Henderson, 2016). Modificações no âmbito cognitivo são mais prevalentes com o passar dos anos. Contudo, o envelhecimento de forma isolada não explica as alterações percebidas no período peri e pós-menopáusico de forma completa. Sabe-se que o estrogênio tem papel modulatório nos sistemas neurotransmissores, influenciando o desempenho nas tarefas de aprendizagem e memória. Sua ação no hipocampo e lobo temporal também já é conhecida (Maki e Henderson, 2016). Apesar de o hipoestrogenismo estar intimamente relacionado a essas alterações, a fase de transição – caracterizada por oscilações nos níveis hormonais – parece ser a mais sintomática, já que, após o período de piora da performance cognitiva na perimenopausa, se observa o retorno da capacidade usual no período pós- menopausa (Maki e Henderson, 2016). Parece que o efeito da deficiência estrogênica na memória e outras funções cognitivas não são permanentes nas mulheres após menopausa natural. Para aquelas que sofreram menopausa artificial, devido à queda abrupta níveis séricos dos hormônios ovarianos (incluindo androgênios), os efeitos na cognição são mais importantes e parecem responder à TH quando iniciada no momento da ooforectomia (Baber et al., 2016). Os dados sobre uso de TH com o objetivo de melhorar a função cognitiva ou prevenir sua piora são oriundos de diversos estudos observacionais e deixam questionamentos. Há controvérsias quanto aos benefícios da TH na cognição em mulheres na pós-menopausa recente; a TH iniciada próxima à transição menopausal parece reduzir o risco de doença de Alzheimer em mulheres saudáveis. Contudo, o uso de TH apenas com intuito de melhorar a função cognitiva não está indicado. Além disso, iniciar a TH em mulheres com idade superior aos 65 anos parece aumentar o risco de demência, não melhora o desempenho cognitivo e não previne a doença de Alzheimer. Não há dados conclusivos comparando os tipos de TH e seus efeitos no sistema nervoso central (Panel TNHTPSA, 2017; Wender et al., 2014; Baber et al., 2016). Alterações em pele e fâneros O ganho de peso costuma ser erroneamente associado à menopausa, enquanto as mudanças hormonais estão, na verdade, relacionadas ao aumento da circunferência e da gordura abdominal e total, mesmo em mulheres magras (Baber et al., 2016; Janssen et al., 2008). O padrão de distribuição da gordura passa de ginecoide para androide, propiciando o acúmulo na região abdominal. A quantidade de gordura visceral também aumenta. A circunferência abdominal retrata a quantidade de gordura visceral e subcutânea e se correlaciona com o risco de doença cardiovascular e dislipidemia (Baber et al., 2016). A pele também sofre alterações devidas à deficiência estrogênica. Os anos de menopausa se correlacionam de forma altamente significativa com o declínio do colágeno e espessura da pele, com ênfase para os primeiros cinco anos após a menopausa, resultando no aumento da flacidez e das rugas e diminuição da elasticidade da pele. Os anos de menopausa foram mais importantes do que a idade cronológica no que se refere à influência nos parâmetros da pele. A pele seca é condicionada ao envelhecimento (Sobrac/NAMS, 2015). O cabelo passa a ser mais fino e pode aumentar o padrão de queda relacionada à transição menopausal e o status pós-menopáusico (Sobrac/NAMS, 2015). Em relação a alterações oculares, uma das queixas mais comuns associada à menopausa é a síndrome do olho seco, caracterizada por irritação ocular, secura, pressão, sensação de corpo estranho, aspereza e queimação, assim como fotofobia; esses sintomas parecem estar relacionados tanto à redução dos níveis de estrogênio, quanto à de androgênios (Sobrac/NAMS, 2015). A transição menopausal também parece atuar de forma importante no desencadeamento do declínio auditivo relacionado à idade em mulheres saudáveis (Sobrac/NAMS, 2015). Alterações atróficas A síndrome geniturinária da menopausa (SGM), também conhecida por atrofia vulvovaginal (AVV), compreende alterações histológicas e físicas da vulva, vagina e trato urinário baixo devidas à deficiência estrogênica. É uma condição comum que acomete quase metade das mulheres na menopausa (Nappi e Palacios, 2014) e tem caráter progressivo se o tratamento adequado não for imposto, afetando a saúde, a sexualidade e a qualidade de vida das mulheres acometidas (Kaunitz e Manson, 2015; Nappi e Kokot-Kierepa, 2012). O quadro atrófico decorre dos baixos níveis sistêmicos do estrogênio. O envelhecimento também parece contribuir para o quadro, porém seu papel ainda não está bem claro (Sobrac/NAMS, 2015; Palacios, 2009). A vulva perde tecido adiposo dos grandes lábios e a pele está mais fina e plana, com rarefação dos pelos. Os pequenos lábios perdem tecido e pigmentação; quando intensa, a atrofia pode resultar em coalescência labial. A vagina passa a ser mais curta e estreita, diminuindo suas rugosidades, principalmente na ausência de atividade sexual. O epitélio vaginal torna-se fino, e a lubrificação resultante de estímulo sexual está prejudicada em decorrência da diminuição da secreção glandular. Também se apresenta bastante friável, com sangramento ao toque e vulnerável a traumas. O pH vaginal está alcalino, reduzindo o número de lactobacilos na flora, propiciando infecções e vaginite atrófica. A uretra é hiperemiada e proeminente (Sobrac/NAMS, 2015). Essas alterações anatômicas resultam em sintomas genitais (ressecamento, ardência e irritação), sintomas sexuais (ausência de lubrificação, desconforto ou dor – dispareunia, piora da função sexual) e sintomas urinários (urgência miccional, disúria, infecções recorrentes do trato urinário, piora da incontinência urinária preexistente) (Portman et al., 2014). Devido à deficiência estrogênica, o agravamento das distopias genitais é facilitado (Palacios, 2009). Outra consequência importante é a disfunção sexual, reflexo dos quadros de dispareunia e ressecamento vaginal. A vascularização vaginal é reduzida e a lubrificação não é efetiva (Chedraui et al., 2011). Apesar do papel fundamental na fisiopatologia, o hipoestrogenismo não é fator isolado na causa das disfunções sexuais da mulher climatérica (Chedraui et al., 2011). Efeitos psicológicos também são comuns. A maioria das pacientes com sintomas da SGM apresenta dificuldades ao reportar o tema. Ainda, grande parte das mulheres acometidas têm baixo entendimento dessa afecção e suas consequências (Nappi e Kokot-Kierepa, 2012). São importantes o questionamento e o esclarecimento por parte do médico ou profissional da saúde quanto a essas alterações para início do tratamento adequado. com vista a melhorar a qualidade de vida e impedir a progressão do quadro (Palacios, 2009). ALTERAÇÕES ÓSSEAS E ARTICULARES A osteoporose é uma doença sistêmica caracterizada pela diminuição da densidade óssea e alterações em sua microarquitetura, levando à fragilidade e predispondo a fraturas por baixo impacto (Radominski et al., 2017; NIH, 2001). O equilíbrio entre formação e reabsorção óssea está afetado, resultando em perda de massa óssea de forma acelerada. O hipoestrogenismo tem papel importante nesse mecanismo (NIH, 2001). Sua importância está na altíssima frequência em que ocorre e nas graves consequências relacionadas às fraturas osteoporóticas – altos custos, dor crônica, deformidades,limitações na mobilidade, consequências psicológicas e morte (Radominski et al., 2017). Aos 50 anos, 1/3 das mulheres terão uma fratura. Sua prevalência e incidência aumentam de forma exponencial com a idade (Cosman et al., 2014). Existem outros fatores de risco envolvidos além do status menopausal: sexo feminino, idade avançada, etnia branca ou oriental, baixo IMC, história pessoal ou familiar de fratura, baixa densidade mineral óssea (DMO), uso de glicocorticoide oral, tabagismo, abuso de bebidas alcoólicas, sedentarismo e baixa ingestão de cálcio (Radominski et al., 2017). As fraturas mais comuns nas mulheres pós-menopáusicas são do rádio distal (fratura de Colles), coluna vertebral e do fêmur proximal (Radominski et al., 2017). Além das alterações ósseas, as alterações articulares fazem parte das queixas comuns das mulheres de meia-idade. Cerca de 50% a 60% das mulheres nesse período referem dor ou rigidez articular, porém parece que os sintomas são relacionados ao status menopausal (Panel TNHTPSA, 2017). Receptores de estrogênio foram isolados nas articulações e sabe-se que sua ação nesses tecidos protege a estrutura biomecânica, porém ainda é controversa a associação da insuficiência estrogênica com a evolução das doenças que envolvem as cartilagens e as articulações (Wender et al., 2014). Evidências sugerem que o estrogênio exerce efeitos positivos sobre o metabolismo dos ossos, dos músculos e da sinóvia, que, em conjunto, melhoram a saúde das articulações (Wender et al., 2014). Estudos, incluindo o Women’s Health Initiative (WHI), demonstraram que mulheres em uso de TH queixaram-se menos de artralgia quando comparadas àquelas em uso de placebo, porém o exato efeito do estrogênio nas alterações articulares ainda é controverso (Panel TNHTPSA, 2017). Alterações cardiovasculares e metabólicas Doenças cardiovasculares (DCV), especialmente o infarto do miocárdio (IM), são as principais causas de morte em mulheres com mais de 50 anos no Brasil e no mundo (Wender et al., 2014). Os principais fatores de risco para DCV incluem a presença de aterosclerose de grandes vasos, história familiar de DCV, hipertensão arterial (HAS), tabagismo, diabetes e a chamada síndrome metabólica (SM) – obesidade central, resistência à insulina, hipertrigliceridemia e dislipidemia (Lobo, 2008). No período pós-menopáusico, devido ao hipoestrogenismo, o perfil hormonal das mulheres passa a ser androgênico e a prevalência da SM aumenta, o que pode explicar de forma parcial o aumento da incidência de DCV após a menopausa. Devido ao novo perfil hormonal, perde-se a atividade protetora do estrogênio para eventos endoteliais e há o desenvolvimento de componentes da SM. Observa-se aumento da adiposidade central (intra-abdominal), mudança para um perfil lipídico e lipoproteico mais aterogênico, com o aumento da concentração de colesterol total à custa da lipoproteína de baixa densidade (LDL), dos triglicerídeos (TG) e da redução de lipoproteína de alta densidade (HDL), o principal preditor para eventos isquêmicos cardíacos. Também se observa aumento da glicemia e dos níveis de insulina. A transição menopáusica por si só é fator de risco para a síndrome, independentemente de idade, hábitos de vida e composição corporal (Panel TNHTPSA, 2017; Wender et al., 2014; Baber et al., 2016). 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São Paulo: Leitura Médica;2014. 54 CLIMATÉRIO TERAPÊUTICA HORMONAL: BENEFÍCIOS, RISCOS E REGIMES TERAPÊUTICOS Eliana Aguiar Petri Nahas Jorge Nahas Neto INTRODUÇÃO A terapêutica hormonal (TH) da menopausa envolve uma gama de hormônios, diferentes vias de administração e doses e esquemas diversos (Baber et al., 2016). Na última década, apesar das inúmeras controvérsias, a TH é considerada o tratamento mais eficaz para os sintomas vasomotores decorrentes da falência ovariana, e os benefícios superam os riscos para a maioria das mulheres sintomáticas com menos de 60 anos de idade ou dentro do período de 10 anos da pós-menopausa (de Villiers et al., 2016). Os riscos e benefícios da TH diferem entre as mulheres durante a transição da menopausa em comparação com aquelas mais velhas (Baber et al., 2016). O início da TH em mulheres com mais de 10 anos de pós-menopausa pode associar-se ao aumento no risco de doença cardiovascular (DCV). Entretanto, se iniciada na peri e pós- menopausa inicial, a TH pode diminuir o risco cardiovascular, conceito conhecido como “janela de oportunidade” (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016; North American Menopause Society, 2017). A prescrição da TH exige a existência da clara indicação e a ausência de contraindicações (Baber et al., 2016). BENEFÍCIOS DA TERAPÊUTICA HORMONAL Dentre os principais benefícios para o uso da TH, podemos destacar o tratamento dos sintomas vasomotores e da atrofia vulvovaginal e a prevenção da osteoporose e fraturas osteoporóticas, que são indicações consagradas (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016; North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). Evidências atuais sugerem outros benefícios da TH sobre os sintomas geniturinários, distúrbios da função sexual e na redução da DCV e diabetes, além de melhora da qualidade de vida em mulheres na pós-menopausa. Esses benefícios, embora reconhecidos, não são considerados suficientes para indicar o uso da TH na ausência das indicações consagradas (Wender et al., 2014). Sintomas vasomotores Os sintomas vasomotores (ondas de calor e sudorese noturna), frequentes na peri e pós-menopausa, acometem até 80% das mulheres. A TH é considerada o tratamento mais efetivo para essas mulheres no alívio desses sintomas (Wender et al., 2014). Um estudo de revisão da Cochrane Library, com o objetivo de avaliar a eficácia da TH no tratamento dos sintomas vasomotores, incluiu 24 ensaios clínicos e demonstrou, com estrogenioterapia, redução de 75% na ocorrência e de 87% na intensidade dos sintomas em relação ao placebo, independentemente da associação ao progestagênio. A redução dos sintomas com uso do placebo foi de 30% em média (Maclennan et al., 2004). Uma metanálise que incluiu 12 ensaios clínicos, estudando o efeito da terapia estrogênica comparada ao placebo sobre as ondas de calor, demonstrou redução no número de ondas de calor com o uso de estradiol (E2) transdérmico (-22,4 fogachos por semana), de estrogênios conjugados – ECs (-19,1 fogachos por semana) e de 17-β-estradiol oral (-16,8 fogachos por semana) (Nelson, 2004). Em geral, os efeitos da TH sobre os sintomas vasomotores são com doses convencionais de estrogênios, entretanto terapias com baixas doses de ECs 0,3 mg, 17-β-estradiol 1 mg e 17-β-estradiol transdérmico 0,025 mg também são efetivas nos sintomas vasomotores. Entretanto, o tempo para o alívio adequado dos sintomas é maior, podendo demorar de seis a oito semanas. Por outro lado, estão associadas a menor ocorrência de sangramento vaginal e mastalgia (North American Menopause Society, 2017). Atualmente, recomenda-se a menor dose efetiva e pelo menor período de tempo necessário. O tratamento dos sintomas vasomotores é considerado indicação primária para TH, especialmente para mulheres sintomáticas abaixo dos 60 anos e com menos de 10 anos de menopausa, sendo unânime em todos os recentes consensos sobre TH da menopausa (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016; North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). Atrofia vulvovaginal Os sintomas associados à atrofia vulvovaginal como falta de lubrificação e dispareunia acometem cerca de 50% das mulheres na pós-menopausa (Wender et al., 2014). É uma condição decorrente da redução dos estrogênios nos tecidos da vulva e da vagina, sendo o diagnóstico baseado nos sintomas referidos pela paciente e detectados no exame ginecológico. Contudo, é possível que essa incidência seja sub-reportada e subestimada (Palacios et al., 2015). O estudo multicêntrico e internacional VIVA (Vaginal Health: Insights, Views and Attitudes) (Nappi e Kokot-Kierepa, 2012). avaliou, por meio de um questionário eletrônico, a saúde vaginal de 3.250 mulheres (europeias, norte-americanas e canadenses) com idade entre 55 e 65 anos. Baseado nas respostas do questionário, foi constatado que 80% das mulheres relataram sintomas de ressecamento vaginal e 50%, dispareunia. As mulheres referiram que a atrofia vulvovaginal trouxe consequências negativas para a vida sexual em 80%, e 68% das mulheres sentem-se menos sensuais, com interferência no relacionamento em 40% e piora da qualidade de vida em 25% (Nappi e Kokot-Kierepa, 2012). No estudo REVIVE (Real Women’s VIews of Treatment Options for Menopausal Vaginal ChangEs) (Nappi et al., 2016), com a participação de 3.768 mulheres europeias com idade entre 45 e 75 anos, o sintoma mais comum da atrofia vulvovaginal foi o ressecamento vaginal em 70% dos casos, com impacto negativo na satisfação sexual em 72%, na espontaneidade para o sexo em 66%, na intimidade em 62% e no relacionamento com o parceiro em 60%, também com importante impacto negativo na qualidade de vida da mulher na pós-menopausa (Nappi et al., 2016). O principal objetivo do tratamento na atrofia vulvovaginal é o alívio dos sintomas, principalmente o ressecamento vaginal. As terapias de primeira linha para sintomas leves incluem hidratantes vaginais e lubrificantes. Para as mulheres com sintomas moderados a severos, as preparações de baixa dose de estrogênio vaginal são eficazes e geralmente seguras (North American Menopause Society, 2017). Uma revisão da Cochrane Library que incluiu dados de 30 estudos clínicos randomizados com a participação de 6.235 mulheres avaliadas demonstrou que os estrogênios tópicos vaginais são mais eficazes no alívio das manifestações atróficas vaginais em comparação ao placebo ou géis não hormonais (Lethaby et al., 2016). A terapêutica estrogênica promove o crescimento celular vaginal, a maturação celular e a recolonização com lactobacilos, aumenta o fluxo sanguíneo vaginal, diminui o pH vaginal para os valores da menacme, melhora a espessura e a elasticidade vaginal e a resposta sexual, com repercussões positivas para a saúde vaginal e sexual (North American Menopause Society, 2017). Perda de massa óssea Reconhecidamente, a TH é eficaz na prevenção da perda óssea associada à menopausa e na redução da incidência de todas as fraturas relacionadas à osteoporose, incluindo fraturas vertebrais e de quadril (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016; North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). Avaliando o efeito da TH na prevenção e tratamento da osteoporose, uma metanálise incluiu 57 ensaios clínicos randomizados e controlados com placebo e demonstrou que a TH foi eficaz em manter ou melhorar a densidade mineral óssea (DMO), com acréscimo médio de 6,8% na DMO da coluna lombar e de 4,1% no colo de fêmur em dois anos (Wells et al., 2002). Evidências indicam que a prevenção da perda de DMO existe tanto para TH em doses convencionais quanto para baixas doses, por via oral (ECs e 17-β-estradiol) e transdérmica (17- β-estradiol) (Baber et al., 2016). Dados do estudo Women’s Health Initiative (WHI) demonstraram que o uso de TH combinada (ECs 0,625 mg associados ao acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg) comparada ao placebo reduziu o risco de fraturas de quadril, coluna e punho (Cauley et al., 2003). Esse risco também reduziu quando se utilizou estrogenioterapia isolada para fraturas de quadril e de coluna. Como uso de TH combinada ou estrogênios isolados, estima-se redução de 4,9 e 5,9 fraturas/1.000 mulheres em cinco anos, respectivamente (Cauley et al., 2003). Contudo, esse efeito protetor da TH sobre a DMO reduz rapidamente com a descontinuação do tratamento, embora possa permanecer algum grau de proteção contra fraturas (North American Menopause Society, 2017). Consensos internacionais consideram que a TH pode ser indicada para prevenir e tratar a osteoporose em mulheres de elevado risco antes dos 60 anos de idade ou dentro dos primeiros anos de pós-menopausa (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016; North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). Entretanto, iniciar a TH com o único propósito de prevenir fraturas em mulheres após os 60 anos de idade não é recomendado. Na manutenção da TH em mulheres após os 60 anos de idade para prevenção ou tratamento da osteoporose, devem-se considerar os riscos em longo prazo quando comparada a outros tratamentos não hormonais de comprovada eficácia. Com base nas evidências sobre eficácia, custo e segurança, a TH pode ser considerada tratamento de primeira linha para prevenir osteoporose em mulheres na pós-menopausa, com idade inferior a 60 anos, especialmente naquelas com sintomas climatéricos (Wender et al., 2014). Sintomas geniturinários A TH pode ter efeito benéfico sobre os sintomas de urgência urinária, bexiga hiperativa e risco de infecção urinária recorrente em mulheres com atrofia urogenital, pois apresenta efeito proliferativo no epitélio uretral e da bexiga (North American Menopause Society, 2017). Quando se avaliam os efeitos da TH em relação aos sintomas urinários, os estrogênios parecem ser mais efetivos que o placebo na diminuição da frequência miccional, na urgência miccional e no aumento da capacidade vesical, assim como o estrogênio tópico apresenta melhor benefício que o estrogênio sistêmico (North American Menopause Society, 2017). Estudo de revisão da Cochrane Library, avaliando 34 ensaios clínicos com a participação de 19.676 mulheres com incontinência urinária de esforço, concluiu que a estrogenioterapia local pode melhorar os sintomas, mas que a TH combinada sistêmica com estrogênio e progestagênio tem menor probabilidade de melhora (Cody et al., 2012). Entre as mulheres tratadas com estrogênio comparado ao placebo, relacionado à normalização da flora e redução da colonização por E. coli, observa-se redução do risco de recorrência de episódios de infecções urinárias por paciente ao ano. Esse benefício parece se associar apenas ao uso de estrogênio tópico, e não sistêmico. Assim, mulheres na pós-menopausa que apresentam infecção urinária de repetição poderiam se beneficiar do uso da TH local com estrogênios vaginais (Wender et al., 2014). Função sexual A TH sistêmica ou estrogenioterapia local pode melhorar a satisfação sexual por aumentar a lubrificação vaginal, o fluxo sanguíneo e a sensibilidade da mucosa vaginal e melhorar a dispareunia (North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). A TH pode apresentar benefícios sobre a função sexual. Contudo, são poucas as evidências que demonstram efeito significativo da TH sobre interesse sexual, excitação, orgasmo ou desejo sexual hipoativo independentemente do seu efeito no tratamento de outros sintomas da menopausa. A TH não se correlacionou com aumento da atividade sexual em análise secundária do estudo WHI sobre a atividade sexual (Gass et al., 2011). Se a TH sistêmica está indicada para alívio do sintomas vasomotores e a paciente relata diminuição da libido, as formulações transdérmicas são preferidas à via oral, pois esta aumenta a globulina carreadora dos hormônios sexuais (SHBG) e reduz a biodisponibilidade da testosterona endógena (North American Menopause Society, 2017). A TH com tibolona (Nijland et al., 2008) tem demonstrado melhora na função sexual, incluindo desejo e orgasmo. A TH não é recomendada como tratamento isolado da disfunção sexual (North American Menopause Society, 2017). Sistema cardiovascular Em mulheres na pós-menopausa, a DCV, incluindo o infarto agudo do miocárdio e o acidente vascular cerebral (AVC), é a principal causa de mortalidade. Entre as principais medidas de prevenção, estão a perda de peso, a redução da pressão arterial, o exercício físico regular, a cessação do tabagismo e o controle do diabetes e do perfil lipídico. O TH tem potencial para melhorar o risco cardiovascular por meio dos seus efeitos benéficos sobre a função vascular, os níveis lipídicos e o metabolismo da glicose (Baber et al., 2016). Dados atuais sugerem que os benefícios da estrogenioterapia isolada ou associada ao progestagênio superam os seus riscos, com menos eventos da DCV em mulheres saudáveis na peri e pós-menopausa inicial (North American Menopause Society, 2017). O estudo WHI com o uso de TH combinada (EC 0,625 mg por dia associado a acetato de medroxiprogesterona 2,5 mg por dia) foi interrompido após 5,2 anos de seguimento por aumento no risco de doença cardíaca coronariana (DCC), AVC e tromboembolismo venoso (TEV), apesar de ter demonstrado redução no risco de fraturas osteoporóticas e câncer de cólon (Rossouw et al., 2002). A taxa total de DCC foi de 39 casos versus 33 por 10 mil pessoas ao ano, quando comparada TH combinada ao placebo, mas apresentou efeito protetor se utilizada por mulheres mais jovens, entre 50 a 59 anos, e com menos de 10 anos de menopausa (Rossouw et al., 2002). Um estudo de revisão da Cochrane Library demonstrou que a TH empregada em mulheres com menos de 10 anos após o início da menopausa diminuiu a DCC e reduziu a mortalidade geral por todas as causas, mas aumentou o risco de TEV (Boardman et al., 2015). Para as mulheres sintomáticas saudáveis com idade inferior a 60 anos ou que estão dentro de 10 anos da pós-menopausa, os efeitos favoráveis da TH na DCV e na mortalidade geral devem ser considerados contra pequeno aumento no risco para TEV (North American Menopause Society, 2017). Diabetes O risco de diabetes tipo 2 parece diminuir com uso da TH, pela redução da resistência à insulina não relacionada ao índice de massa corpórea (IMC) (Wender et al., 2014). No estudo WHI, foi observada redução significativa na incidência do diabetes de 19% entre as usuárias de TH combinada e de 14% com o uso de estrogênio isolado (Rossouw et al., 2002). Para mulheres entre 50 e 59 anos, estima-se redução de 11 casos/1.000 por cinco anos de uso (Wender et al., 2014). Metanálises de estudos publicados indicaram que, com o uso da TH, a incidência de diabetes diminuiu cerca de 40%, com níveis mais baixos de glicose de jejum e hemoglobina glicada (North American Menopause Society, 2017). Porém, tais resultados não são suficientes para indicar TH para prevenção primária de diabetes (Wender et al., 2014). Qualidade de vida Em mulheres na pós-menopausa, a presença de sintomas climatéricos está fortemente associada à diminuição da qualidade de vida quando se utilizam instrumentos específicos de avaliação (Baber et al., 2016). As mulheres que são sintomáticas no momento inicial dos ensaios clínicos mostram melhora significativa com uso da TH na qualidade de vida, enquanto nenhuma melhora significativa é observada em mulheres pouco assintomáticas (North American Menopause Society, 2017). A TH pode melhorar a qualidade de vida em mulheres na peri e pós-menopausa sintomáticas em resposta à melhora obtida com tratamento sobre os sintomas vasomotores e as desordens da função sexual, do sono e do humor (Hays et al., 2003). Entretanto, não existem evidências de que a TH melhore a qualidade de vida em mulheres assintomáticas. Deve ser dada especial atenção às mulheres com menopausa natural ou iatrogênica em idade mais jovem, porque o ônus da menopausa prematura engloba vários aspectos biopsicossociais que influenciam a qualidade de vida e o bem-estar sexual (Baber et al., 2016). Assim, a qualidade de vida, a função sexual e outras queixas relacionadas à menopausa e que podem interferir na qualidade de vida, como dores articulares e musculares,mudanças de humor e distúrbios do sono, podem melhorar com o uso da TH (de Villiers et al., 2016). RISCOS DA TERAPÊUTICA HORMONAL O uso da TH estroprogestativa é limitado pelo aumento do risco de câncer de mama em três a cinco anos, enquanto a terapia estrogênica isolada teria maior período de uso com segurança, de acordo com a North American Menopause Society (NAMS – 2017). Por outro lado, a International Menopause Society (IMS) não vê motivos para impor limites em relação à duração da TH, referindo que estudos indicam o uso por pelo menos cinco anos em mulheres saudáveis que iniciaram a TH na “janela de oportunidade” e que a continuidade além desse período pode ser realizada baseada no perfil de risco individual de cada mulher (Baber et al., 2016). Em consenso, a Sobrac (Associação Brasileira de Climatério) considera que não há duração máxima obrigatória para o uso da TH e que ela deve ser suspensa quando os benefícios não forem mais necessários ou quando a relação risco-benefício for desfavorável (Wender et al., 2014). Câncer de mama O risco potencial de câncer de mama deve ser incluído nas discussões sobre benefícios e riscos de TH. O efeito da TH sobre o risco de câncer de mama pode depender do tipo de TH, da dose, duração do uso, regime, via de administração, exposição prévia e características individuais (North American Menopause Society, 2017; Wender et al., 2014). Além disso, podem existir diferenças potenciais no risco de câncer de mama com estrogenioterapia isolada ou associada à progestagênios. Diferentes regimes de TH podem estar associados ao aumento da densidade mamária, o que pode obscurecer a interpretação mamográfica, levando a mais mamografias ou mais biópsias de mama (North American Menopause Society, 2017). O aumento do risco de câncer de mama associado ao TH é pequeno e estimado em menos de 0,1% ao ano, ou seja, uma incidência absoluta de menos de um caso por 1.000 mulheres por ano de uso (Baber et al., 2016; de Villiers et al., 2016). Esse risco é semelhante ou menor do que o aumento do risco associado a fatores como inatividade física, obesidade e consumo de álcool (Baber et al., 2016). No estudo WHI, as mulheres que receberam EC 0,625 mg isoladamente mostraram redução não significativa no risco de câncer de mama após 7,2 anos de uso em média, com sete casos a menos de câncer de mama invasivo a cada 10 mil pessoas ao ano, em comparação com as mulheres que receberam placebo. Esse padrão de redução no câncer de mama permaneceu evidente até um acompanhamento cumulativo médio de 13 anos. O resultado desse estudo indicou risco reduzido, porém não significativo, de câncer de mama com o uso de EC isolado em mulheres histerectomizadas (Manson et al., 2013). Por outro lado, um risco absoluto de câncer de mama, considerado baixo (menor que 1 caso adicional em 1.000 pessoas-ano de uso), foi observado com EC associado a acetato de medroxiprogesterona em uso contínuo, no estudo WHI (Manson et al., 2013). Porém, em reanálise desses dados, esse risco não foi observado em mulheres sem exposição prévia à TH, consistente com resultados de estudos observacionais (North American Menopause Society, 2017). O estudo observacional europeu E3N cohort sugeriu que a progesterona micronizada ou a didrogesterona utilizada em associação ao E2 oral ou percutâneo pode associar-se o melhor perfil de risco para o câncer de mama que outros progestagênios (Fournier et al., 2008). No entanto, não há dados suficientes de pesquisas clínicas para avaliar completamente possíveis diferenças na incidência de câncer de mama empregando diferentes tipos, doses e rotas de estrogênio, e tipos de progestogênios (Baber et al., 2016). Tromboembolismo venoso Embora raro em mulheres até 60 anos de idade, o risco relacionado à TH para eventos tromboembólicos venosos graves aumenta com a idade e está associado positivamente com obesidade e trombofilias (Baber et al., 2016). A incidência estimada de TEV (trombose venosa profunda e embolia pulmonar) é de um a dois casos por 1.000 mulheres ao ano (Wender et al., 2014). Os dados do estudo WHI mostraram risco aumentado de TEV com uso da TH oral com EC isolado de sete casos adicionais por 10 mil mulheres por ano e de 18 casos adicionais por 10 mil mulheres por ano de EC associado a acetato de medroxiprogesterona, com maior risco nos primeiros dois anos de tratamento (Rossouw et al., 2002). Para as mulheres que iniciaram TH com idade inferior a 60 anos, o risco absoluto de TEV foi raro, mas aumentava significativamente com a idade. Recente metanálise de ensaios clínicos com mulheres que iniciaram a TH com menos de 10 anos após o início da menopausa ou com idade inferior a 60 anos, evidenciou aumento do risco de TEV no grupo com TH em comparação com o uso do placebo (Boardman et al., 2015). Doses mais baixas de TH oral poderiam conferir menor risco de TEV do que as doses mais elevadas, mas existem poucos estudos clínicos para comparação (North American Menopause Society, 2017). Há evidência de que a via de administração da TH e o tipo de progestagênio associado ao estrogênio sejam importantes no risco de TEV (Baber et al., 2016). A progesterona micronizada pode ser menos trombogênica do que outros progestagênios empregados na TH (Canonico et al., 2007). O uso de estrogênio transdérmico associado à progesterona natural parece ser mais seguro em relação à TEV, especialmente em mulheres de alto risco para TEV (Baber et al., 2016; Canonico et al., 2007). No entanto, ensaios clínicos randomizados que tenham comparado a via oral com a transdérmica são ainda escassos e de curta duração (Wender et al., 2014). A terapia estrogênica transdérmica deve ser a primeira escolha em mulheres obesas com sintomas climatéricos (Baber et al., 2016). Não há evidência de risco aumentado de TEV com uso de baixa dose de estrogênio via vaginal empregado no tratamento da atrofia vulvovaginal. O risco familiar de DCV, de AVC e de TEV deve ser considerado ao se iniciar a TH (North American Menopause Society, 2017). Doenças da vesícula biliar O uso da TH por via oral aumenta o risco de doenças da vesícula biliar (North American Menopause Society, 2017). A colelitíase, a colecistite e a colecistectomia ocorrem mais frequentemente em mulheres que usam estrogenioterapia por via oral, presumivelmente pelo efeito hepático da primeira passagem após a ingestão oral. Os estrogênios aumentam a secreção e a saturação do colesterol biliar, promovem a precipitação do colesterol na bile e reduzem a motilidade da vesícula biliar, com aumento da cristalização biliar (Cirillo et al., 2005). A via de administração transdérmica parece apresentar menor risco de doença da vesícula biliar (North American Menopause Society, 2017). No estudo WHI, o risco de doença da vesícula biliar atribuível à TH foi de 47 casos adicionais por 10 mil mulheres por ano para TH combinada e de 58 casos por 10 mil mulheres por ano para estrogênio isolado (Manson et al., 2013). Benefícios x riscos na manutenção da terapêutica hormonal Na avaliação dos benefícios e riscos da TH, o tempo de manutenção do tratamento deve ser considerado de acordo com os objetivos da prescrição e com os critérios de segurança na utilização (Baber et al., 2016). O uso de TH é uma decisão individualizada em que a qualidade de vida e os fatores de risco, como idade, tempo de pós-menopausa, e risco individual de tromboembolismo, de DCV e de câncer de mama, devem ser avaliados (Wender et al., 2014). O momento do início da TH, a dose e a via de administração têm importante papel na tomada de decisão. Em uma reanálise do estudo WHI, as mulheres que apresentaram maiores benefícios com o uso de TH foram aquelas com idade entre 50 e 59 anos ou com menos de 10 anos de pós-menopausa. Esses benefícios incluíram a redução da incidência de DCV e da mortalidade geral (Rossouw et al., 2007). REGIMES TERAPÊUTICOS A TH pode ser dividida em duas categorias, a terapêutica estrogênica isolada e a terapêutica estroprogestacional, conhecida como terapêutica combinada. A terapia estrogênicaisolada é empregada em mulheres histerectomizadas. A adição do progestagênio para pacientes com útero é necessária para proteção endometrial, contrabalançando os efeitos proliferativos do estrogênio e diminuindo, dessa forma, os riscos de hiperplasia e câncer endometrial (Furness et al., 2012). Na TH sistêmica, os estrogênios frequentemente empregados na TH são os ECs e o E2, na forma de 17-β-estradiol micronizado ou o valerato de estradiol. O E2 pode ser empregado por via oral, transdérmica (adesivo) ou percutânea (gel), enquanto o EC apenas na via oral. As formulações de estrogênios disponíveis para TH no Brasil estão apresentadas na Tabela 54.1. Tabela 54.1. Via de administração e dose dos estrogênios empregados na terapêutica hormonal Tipos Doses Via de administração 17-β-estradiol micronizado 1 e 2 mg/dia Oral Estradiol 25, 50 e 100 µ/dia Transdérmica (adesivo) 0,5, 1,0, 1,5 e 3 mg/dia Percutânea (gel) Valerato de estradiol 1 e 2 mg/dia Oral Estrogênios conjugados 0,3, 0,45, 0,625, 1,25 mg/dia Oral 0,625 µ/dia Vaginal Estriol 2 a 6 mg/dia Oral 0,5 mg/dia Vaginal Promestrieno 10 mg/dia Vaginal Os estrogênios podem ser administrados por via oral e não oral (via transdérmica, percutânea e vaginal). Na via oral, o estrogênio é absorvido pelo trato digestório, atingindo o fígado pelo sistema porta para, após, atingir os órgãos-alvo pela circulação sistêmica. Esse caminho é denominado de primeira passagem hepática. O fígado metaboliza o estrogênio absorvido, transformando-o em estrogênios menos potentes ou inativos. Como consequência, há menor biodisponibilidade, necessitando-se de doses maiores pela via oral que pela via transdérmica ou percutânea (Goodman, 2012; Sood et al., 2014). Na via oral, os níveis hepáticos elevados de estrogênios ativam algumas vias metabólicas, resultando no aumento da globulina carreadora dos hormônios sexuais (SHBG), o que pode reduzir níveis séricos das frações livres do androgênio (Goodman, 2012; Sood et al., 2014), assim como há aumento nos valores séricos de triglicerídeos e da lipoproteína de alta densidade (HDL) e redução da lipoproteína de baixa densidade (LDL) (Sood et al., 2014; Godsland, 2001). Pode ocorrer também estimulação do sistema renina-angiotensina e de fatores de coagulação (Mueck e Seeger, 2004; Canonico et al., 2008). Na via oral, o efeito do metabolismo de primeira passagem hepática do estrogênio pode, potencialmente, resultar em alterações hemostáticas pró-trombóticas, o mesmo não sendo observado em usuárias de estrogênio por via não oral (Goodman, 2012; Lowe et al., 2001). Essa é a explicação para o aumento do risco de trombose venosa profunda (TVP) nas usuárias de estrogênios por via oral e o menor risco em mulheres com estrogênio não oral (Canonico et al., 2008). Resultados do estudo WHI mostraram 18 casos de TVP adicionais por 10 mil mulheres ao ano no grupo de usuárias de estrogênio e progestagênio (Curb et al., 2006) e sete casos adicionais por 10 mil mulheres por ano no grupo de usuárias de estrogênio isolado (Cushman et al., 2004). A TH por via oral pode elevar o risco de eventos tromboembólicos venosos, embora esse risco seja raro (1/1.000) em mulheres entre 50 e 59 anos de idade (Wender et al., 2014). Por outro lado, os estrogênios administrados por via não oral atingem diretamente a circulação sanguínea, com nível hepático inferior ao da via oral, não ocorrendo na primeira passagem hepática e suas consequências metabólicas (Goodman, 2012). Dados sugerem menor risco de TVP com a via transdérmica do que com a via oral do estrogênio. O estudo multicêntrico caso- controle ESTHER encontrou risco relativo (RR) de TVP de 4,2 apenas para a via oral, mas não para a transdérmica (RR = 0,9) (Canonico et al., 2007). No estudo de base populacional francês prospectivo French E3N Study, os autores verificaram uma associação de TVP com TH oral, mas não com TH transdérmica (Canonico et al., 2010). A via vaginal é a primeira opção de tratamento na atrofia vulvovaginal para efeitos locais dos estrogênios. Embora o efeito seja predominantemente local, os ECs e o estriol podem apresentar absorção a depender da dose e do tempo de uso (Santen, 2015). A absorção do promestrieno não é considerada significante clinicamente (Del Pup et al., 2013). A terapia estrogênica vaginal consiste em uma dose diária de ataque, seguida por redução de duas a três vezes por semana até alcançar a mínima dose que mantenha a integridade vaginal. Pode ser usada durante um a três meses para alívio dos sintomas, embora eles possam reaparecer após a cessação do tratamento (Suckling et al., 2006). Como os dados de segurança endometrial de longo prazo não são disponíveis, o uso de curta duração de estrogênio vaginal deve ser empregado conforme a necessidade da paciente. Além disso, não existem dados suficientes para confirmar a segurança do uso vaginal de estrogênio em mulheres com câncer de mama (North American Menopause Society, 2013). Com a terapia estrogênica tópica, não é preciso associar progestagênios para proteger o endométrio e nem recomendar monitoração endometrial, pois as baixas doses das preparações vaginais não apresentam absorção sistêmica significativa (Suckling et al., 2006). Entretanto, existem poucas evidências sobre a segurança endometrial das preparações vaginais em longo prazo (mais de um ano) (North American Menopause Society, 2013). Os médicos devem recomendar o tratamento pelo menor tempo e menor dose para controlar os sintomas, reavaliando-o conforme for necessário (Suckling et al., 2006). Os progestagênios empregados na TH são agentes que induzem a modificações secretoras no endométrio previamente estimulado pelo estrogênio. São compostos sintéticos com atividade progestagênica obtidos a partir de modificações na molécula da própria progesterona, da testosterona ou da espirolactona (Sitruk- Ware, 2004). As características desejáveis na escolha do progestagênio são: adequada potência progestacional, segurança endometrial e que possa preservar os benefícios estrogênicos com mínimos efeitos colaterais (Schindler, 2014). Há grande variedade de progestagênios que podem ser empregados na TH. Todos têm um efeito em comum, o efeito secretor no endométrio, selecionados por apresentarem adequada atividade após administração e biodisponibilidade. Entretanto, diferenciam-se entre si quanto a outros efeitos que possam desempenhar (Schindler et al., 2008). Não existem diretrizes claras para a escolha do progestagênio. A tendência atual é preferir os progestagênios mais seletivos aos receptores de progesterona (North American Menopause Society, 2017). Na ausência de estudos destinados a comparar os resultados clínicos dos diferentes progestogênios, podem-se generalizar os resultados dos ensaios clínicos, atenuados por resultados de estudos observacionais para um determinado produto. Contudo, existem provavelmente diferenças entre os progestagênios, com base na potência relativa do composto, nas diferenças de ligação aos receptores de progesterona, de androgênio e de glicocorticoide e a via de administração (Sitruk-Ware, 2008). Por via oral, há diversos progestagênios, sendo a forma mais empregada na TH. Os progestagênios frequentemente utilizados em associação aos estrogênios na TH e as doses mínimas necessárias diárias para a efetiva proteção endometrial estão apresentados na Tabela 54.2. Tabela 54.2. Via de administração e dose dos progestagênios empregados na terapia hormonal da menopausa Tipos Dose Via de administração Acetato de ciproterona 1,0 mg/dia Oral Acetato de medroxiprogesterona (AMP) 1,5, 2,5, 5,0 e 10 mg/dia Oral Acetato de nomegestrol (NOMAC) 2,5 e 5,0 mg/dia Oral Acetato de noretisterona (NETA) 0,35, 0,5 e Oral 1,0 mg/dia 125, 140 e 250 µg/dia Transdérmica (adesivo) Didrogesterona 5 e 10 mg/dia Oral Drospirenona 2,0 mg/dia Oral Gestodeno 0,025 mg/dia Oral Levonorgestrel 0,25 mg/dia Oral Libera 20 µg/dia Sistema intrauterino Progesterona micronizada 100, 200 e 300 mg/dia Oral ou vaginal Trimegestona 0,125 e 0,250 mg/diaOral Os progestagênios mediam seus efeitos intracelulares modulando a transcrição de genes-alvo em células específicas por meio da ligação não apenas ao receptor da progesterona, mas também pela afinidade variada a outros receptores esteroides, tais como os glicocorticoides, mineralocorticoides e androgênicos (Hapgood et al., 2014). Assim, os progestagênios podem apresentar efeito androgênico parcial (levonorgestrel, acetato de noretisterona) ou antiandrogênico parcial (ciproterona, drospirenona), com ação glicocorticoide parcial (acetato de medroxiprogesterona) ou antimineralocorticoide parcial (drospirenona), ou serem agonistas puros do receptor para progesterona (didrogesterona, trimegestona) (Sitruk-Ware, 2008). Os progestagênios mais seletivos, como a progesterona natural ou a didrogesterona, são menos antagônicos ao efeito de melhora do perfil lipídico observado com os estrogênios. Por outro lado, os progestagênios estruturalmente relacionados à testosterona, como a noretisterona, diminuem os benefícios sobre o perfil lipídico (Sood et al., 2014; Godsland, 2001). Outros progestagênios considerados seletivos para o receptor de progesterona são o acetato de nomegestrol e a trimegestona (Sitruk-Ware, 2008). Outra diferença entre os diversos progestagênios pode ser observada com a drospirenona, pelo seu forte efeito antimineralocorticoide, pela ação antagonista ao receptor de aldosterona e que pode resultar em diminuição da pressão arterial em mulheres hipertensas (Schindler, 2014; Preston et al., 2005). O sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG) tem sido empregado como forma alternativa de proteção endometrial em regime de estrogenioterapia (Jaakkola et al., 2011; Somboonporn et al., 2011; Wildemeersch, 2016). A segurança da administração local da progesterona no endométrio está bem documentada ao longo de muitos anos de seguimento na contracepção, e os benefícios do SIU-LNG na TH justificam sua utilização em mulheres na pós- menopausa (Sitruk-Ware, 2007). Esse dispositivo libera 20 ug ao dia de levonorgestrel e tem se mostrado uma opção interessante, sendo licenciado na Europa para proteção endometrial durante a terapia estrogênica (Panay e Fenton, 2011) e essa indicação encontra-se na bula do produto. Entre os regimes da TH, estes podem ser estrogênico isolado, indicado para mulheres histerectomizadas, ou combinado, para mulheres com útero, uma associação de estrogênio e progestagênio. A forma combinada de TH pode ser do tipo sequencial, em que o estrogênio é administrado continuamente e o progestagênio durante 12 a 14 dias consecutivos ao mês; ou na forma combinada contínua, em que o estrogênio e o progestagênio são administrados diariamente (North American Menopause Society, 2017). No esquema combinado sequencial, a taxa de sangramento é maior, aproximadamente 70% nas doses convencionais (2 mg de E2 ou 0,625 mg de EC), mas ele é previsível ao final do ciclo progestacional. Uma variante do regime sequencial é a administração intermitente do progestagênio cíclico por 12 a 14 dias a cada três a seis meses. Entretanto, a chance de desenvolver hiperplasia endometrial ou câncer de endométrio nesse esquema é maior que nos esquemas cíclico mensal ou combinado contínuo (Jaakkola et al., 2011). No esquema combinado contínuo, as chances de sangramento são menores, porém a imprevisibilidade caracteriza sua eventual ocorrência. Os regimes combinados sequenciais são indicados na transição menopausal até os primeiros anos de pós-menopausa e os combinados contínuos, na pós- menopausa (North American Menopause Society, 2017).