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História do Pensamento Econômico Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith História do Pensamento Econômico Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith Escrito por Murray N. Rothbard Instituto Rothbard 1ª Edição iv História do Pensamento Econômico: Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith Murray N. Rothbard Editora Konkin, 1ª edição Coordenação Editorial Daniel Miorim de Morais Tradução Adriano Bernardes de Oliveira Jr., Alex Pereira de Souza, Carolina Lázaro, Caroline Andrade, Daniel Estevão, Daniel Miorim de Morais, Eric Matheus, Erick Kerbes, José Aldemar Santos Pereira Júnior, Júnior Percebon, Vitor Gomes Calado. Capa Raíssa Souza Abreu Diagramação Daniel Silva de Souza e Vitor Gomes Calado Licença Domínio Público. Este livro está livre de restrição de autor e de direi- tos conexões. v Sumário Introdução ............................................................................................ xi Agradecimentos ................................................................................. xxi Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos ............................... 23 1. A lei natural ................................................................................. 25 2. A política da polis ....................................................................... 29 3. O primeiro “economista”: Hesíodo e o problema da escassez ... 31 4. Os pré-socráticos ........................................................................ 33 5. A utopia coletivista direitista de Platão....................................... 35 6. Xenofonte sobre a administração doméstica .............................. 37 7. Aristóteles: a propriedade privada e o dinheiro .......................... 38 8. Aristóteles: troca e valor ............................................................. 41 9. O colapso depois de Aristóteles .................................................. 45 10. Taoísmo na China antiga .......................................................... 51 A Idade Média Cristã ........................................................................... 59 1. O direito romano: direitos de propriedade e laissez-faire .......... 61 2. Atitudes dos cristãos primitivos em relação aos comerciantes ... 62 3. Os carolíngios e o direito canônico ............................................ 67 4. Canonistas e romanistas da Universidade de Bolonha ............... 69 5. A proibição canonista da usura ................................................... 76 6. Teólogos na Universidade de Paris ............................................. 81 7. O filósofo teólogo: São Tomás de Aquino .................................. 87 8. Escolásticos do final do século XIII: Os franciscanos e a teoria da utilidade ..................................................................................... 97 Da Idade Média à Renascença .......................................................... 105 1. A grande depressão do século XIV ........................................... 107 2. Absolutismo e nominalismo: o rompimento do Tomismo. ....... 112 3. Utilidade e dinheiro: Buridan e Oresme ................................... 114 4. O homem que não se encaixa: Heinrich von Langenstein........ 120 5. A usura e o câmbio internacional no século XIV ..................... 123 6. O ascético mundano: São Bernadino de Siena ......................... 125 7. O discípulo: Santo Antonino de Florença ................................. 131 Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith vi 8. Os liberais suábios e o ataque à proibição da usura ................. 135 9. Nominalistas e direitos naturais ativos ..................................... 142 Os Escolásticos Tardios Espanhóis ................................................... 145 1. A expansão comercial do século XVI ...................................... 147 2. Cardeal Caetano: O Tomista Liberal ........................................ 148 3. A Escola de Salamanca: a primeira geração ............................. 150 4. A Escola de Salamanca: Azpilcueta e Medina ......................... 155 5. A Escola de Salamanca: os anos intermediários ...................... 160 6. Os Salmantinos tardios............................................................. 164 7. O extremista erudito: Juan de Mariana .................................... 170 8. Os últimos Salmantinos: Lessius e de Lugo ............................ 178 9. A queda do escolasticismo ....................................................... 185 10. Tiros de despedida: a tempestade sobre os jesuítas ................ 190 Protestantes e Católicos .................................................................... 193 1. Lutero, Calvino e absolutismo do estado ................................. 195 2. A economia de Lutero .............................................................. 198 3. A economia de Calvino e do calvinismo .................................. 200 4. Calvinistas sobre a usura .......................................................... 205 5. Zelotes comunistas: os anabatistas ........................................... 208 6. O comunismo totalitário em Münster ...................................... 214 7. As raízes do comunismo messiânico ........................................ 226 8. Católicos não-escolásticos ....................................................... 232 9. Huguenotes radicais ................................................................. 236 10. George Buchanan: calvinista radical ...................................... 240 11. Membros da liga e os politiques ............................................. 243 O Pensamento Absolutista na Itália e na França ............................... 247 1. O surgimento do pensamento absolutista na Itália ................... 249 2. Humanismo italiano: os republicanos ...................................... 251 3. Humanismo italiano: os monarquistas ..................................... 256 4. “Velho Nick”: Pregador do mal ou primeiro cientista político livre de valor?............................................................................... 261 5. A propagação do humanismo na Europa .................................. 269 6. Botero e a difusão do Maquiavelismo ...................................... 271 7. Humanismo e absolutismo na França ...................................... 276 8. O cético como absolutista: Michel de Montaigne .................... 278 Sumário vii 9. Jean Bodin: o ápice do pensamento absolutista na França ....... 282 10. Depois de Bodin ..................................................................... 286 Mercantilismo: Servindo ao estado Absoluto .................................... 291 1. Mercantilismo como o aspecto econômico do absolutismo ..... 293 2. Mercantilismo na Espanha........................................................ 295 3. Mercantilismo e Colbertismo na França ................................... 298 4. Mercantilismo na Inglaterra: têxteis e monopólios .................. 303 5. A redução à servidão na Europa Oriental ................................. 310 6. Mercantilismo e Inflação .......................................................... 311 O Pensamento Mercantilista Francês no Século XVII ...................... 317 1. Construindo a Elite Dominante ................................................ 319 2. O primeiro grande Mercantilista Francês: Barthelemy de Laffemas ....................................................................................... 321 3. O primeiro “Colbert”: o duque de Sully ................................... 324 4. O poeta excêntrico: Antoine de Montchrétien .......................... 325 5. O grandioso fracasso de François du Noyer ............................. 327 6. Sob o governo dos cardeais, 1624–61...................................... 330 7. Colbert e Luís XIV ................................................................... 333 8. Luís XIV: apogeu do absolutismo (1638-1714) ....................... 338 A Reação Liberal Contra o Mercantilismo na França do Século XVII ........................................................................................................... 341 1. A rebelião dos croquants .......................................................... 343 2. Claude Joly e a fronde .............................................................. 345 3. Um imposto único .................................................................... 346 4. Oposição crescente ao coletivismo por parte dos mercadores e dos nobres ..................................................................................... 348 5. Os mercadores e o conselho de comércio ................................. 352 6. Marshal Vauban: engenheiro real e defensor do imposto único ...................................................................................................... 353 7. Fleury, Fénélon e o círculo de Borgonha .................................. 355 8. O utilitarista de laissez-faire : o Seigneur de Balesbat ............. 360 9. Boisguilbert e laissez-faire ....................................................... 363 10. O manual otimista na virada do século ................................... 368 Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith viii Mercantilismo e Libertação na Inglaterra: dos Tudors à Guerra Civil .......................................................................................................... 371 1. O absolutismo dos Tudors e dos Stuart .................................... 373 2. Sir Thomas Smith: mercantilista defensor do dinheiro sonante ...................................................................................................... 377 3. O “liberalismo econômico” de Sir Edward Coke .................... 381 4. O ataque “bulionista” sobre o câmbio internacional, e às negociações nas Índias Orientais ................................................. 383 5. Os apologistas das Índias Orientais contra-atacam .................. 388 6. O profeta do “empirismo”: Sir Francis Bacon ......................... 393 7. Os Baconianos: Sir William Petty e a “política aritmética”..... 399 Mercantilismo e libertação na Inglaterra: da Guerra Civil até 1750. 413 1. Os Pettyistas: Davenant, King e “a lei da demanda” ............... 415 2. Liberdade e propriedade: Os Levellers e Locke ...................... 420 3. Child, Locke, a taxa de juros, e a cunhagem ............................ 428 4. Os irmãos North, deduções de axiomas, e o laissez-faire Tory 437 5. Os Inflacionistas ....................................................................... 443 6. A reação pelo dinheiro-sólido .................................................. 450 7. Laissez-faire no meio do século: Tucker e Townshend ............ 455 O Pai Fundador da Economia Moderna: Richard Cantillon ............. 463 1. Cantillon, o homem .................................................................. 465 2. Metodologia ............................................................................. 468 3. Valor e preço ............................................................................ 470 4. A incerteza e o empreendedor .................................................. 473 5. Teoria populacional .................................................................. 475 6. Economia espacial.................................................................... 477 7. Dinheiro e análise de processo ................................................. 478 8. Relações monetárias internacionais ......................................... 483 9. A autorregulação do mercado ................................................... 485 10. Influência ............................................................................... 487 A Fisiocracia na França de Meados de Século XVIII ....................... 489 1. A seita ....................................................................................... 491 2. Laissez-faire e livres negociações ............................................ 493 3. O precursor do laissez-faire: o Marquês d’Argenson .............. 495 4. Lei natural e direitos de propriedade ........................................ 496 Sumário ix 5. O imposto único sobre a terra ................................................... 499 6. Valor “objetivo” e custos de produção ..................................... 504 7. O tableau économique .............................................................. 505 8. Estratégia e influência .............................................................. 508 9. Daniel Bernoulli e a fundação da economia matemática ......... 510 O Brilhantismo de Turgot .................................................................. 515 1. O homem .................................................................................. 517 2. Laissez-faire e livres negociações ............................................ 518 3. Valor, troca e preço ................................................................... 524 4. A teoria da produção e distribuição .......................................... 528 5. A teoria do capital, empreendedorismo, poupança e juros ....... 531 6. A teoria monetária ..................................................................... 540 7. Influência .................................................................................. 541 8. Outros teóricos franceses e italianos da utilidade do século XVIII ...................................................................................................... 543 O Iluminismo Escocês ....................................................................... 557 1. O fundador: Gershom Carmichael ............................................ 559 2. Francis Hutcheson: professor de Adam Smith ......................... 563 3. O Iluminismo Escocês e o Presbiterianismo ............................ 567 4. David Hume e a teoria monetária ............................................. 570 O Celebrado Adam Smith ................................................................. 579 1. O mistério de Adam Smith ....................................................... 581 2. A vida de Smith ........................................................................ 586 3. A divisão do trabalho ................................................................ 590 4. Trabalho produtivo vs trabalho improdutivo ............................ 594 5. A teoria do valor ....................................................................... 600 6. A teoria da distribuição ............................................................. 614 7. A teoria monetária ..................................................................... 617 8. O mito do laissez-faire.............................................................. 623 9. Sobre a taxação ......................................................................... 631 A Propagação do Movimento Smithiano .......................................... 635 1. A Riqueza das Nações e Jeremy Bentham ................................ 637 2. A influência de Dugald Stewart ................................................ 638 3. Malthus e o ataque à população ................................................ 642 Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith x 4. Resistência e triunfo na Alemanha ........................................... 657 5. Smithianismo na Rússia ........................................................... 666 6. A conquista smithiana do pensamento econômico ................... 668 Ensaio Bibliográfico ......................................................................... 673 Bibliografias gerais ......................................................................675 Pensamento Antigo ...................................................................... 675 Pensamento Medieval .................................................................. 678 Os escolásticos tardios ................................................................. 680 Lutero e Calvino........................................................................... 682 Comunismo anabatista ................................................................. 684 Católicos não-escolásticos ........................................................... 684 Monarcômacos: Huguenotes e Católicos ..................................... 685 Absolutismo e humanismo italiano .............................................. 685 Absolutismo na França................................................................. 685 Mercantilismo .............................................................................. 686 Pensamento mercantilista francês do século XVII ...................... 689 Oposição liberal francesa contra o mercantilismo ....................... 689 Mercantilistas ingleses: século XVI e início do século XVII ...... 690 Locke e os Levellers .................................................................... 692 Mercantilistas ingleses: final do século XVII e século XVIII ..... 694 Economia moderna: Richard Cantillon: Pai Fundador ................ 695 Primeiros economistas matemáticos ............................................ 697 Os Fisiocratas e o laissez-faire ..................................................... 698 A.R.J. Turgot ................................................................................ 698 Ferdinando Galliani...................................................................... 699 O Iluminismo Escocês ................................................................. 700 O Celebrado Adam Smith ............................................................ 702 A propagação do movimento smithiano....................................... 707 Malthus e a População ................................................................. 708 Índice Remissivo .............................................................................. 709 xi Introdução Assim como o diz o subtítulo, esta obra é uma história geral do pensamento econômico de um ponto de vista honestamente “Austrí- aco”: isto é, do ponto de vista de um adepto da “Escola Austríaca” de economia. Esta é a única obra do tipo feita por um Austríaco moderno; de fato, apenas algumas monografias em áreas especializadas da histó- ria do pensamento foram publicadas por Austríacos nas últimas déca- das. 1 Não apenas isso: essa perspectiva é fundada na vertente de pen- samento menos famosa, no entanto não menos numerosa da Escola Austríaca: A “Misesiana” ou “Praxeológica”.2 Entretanto, a natureza Austríaca desta obra é dificilmente sua única singularidade. Quando o presente autor começou a estudar eco- nomia na década de 1940, havia um paradigma esmagadoramente do- minante na abordagem da história do pensamento econômico — um que ainda é presente, mas não tanto quanto já foi. Essencialmente, tal para- digma destaca alguns Grandes Homens como a essência do pensamento econômico, com Adam Smith como seu fundador quase super-humano. Mas, se Smith fosse de fato criador tanto da análise econômica quanto da análise do livre comércio e da tradição do livre mercado na economia política, seria muito mesquinho e insignificante questionar seriamente qualquer aspecto de suas supostas façanhas. Qualquer crítica afiada de Smith tanto como economista quanto como defensor do livre mercado pareceria somente anacronismo: desprezar o pioneiro fundador do ponto de vista superior do conhecimento de hoje, débeis descendentes injustamente atacando os gigantes em cujos ombros estamos. Se Adam Smith tivesse criado a economia, assim como Atena saiu completamente crescida e armada da testa de Zeus, então seus pre- decessores deveriam ser coadjuvantes, pequenos homens sem valor. E 1 O valioso e monumental History of Economic Analysis (Nova York: Oxford Uni- versity Press, 1954) de Joseph Schumpeter, tem sido, geralmente, referido como “Austríaco”. Mas ainda que Schumpeter tenha sido criado na Áustria e estudado sob o grande austríaco Böhm-Bawerk, ele próprio era um Walrasiano dedicado e seu History era, além disso, eclético e idiossincrático. 2 Para uma explicação dos três paradigmas austríacos de ponta no tempo presente, consulte Murray N. Rothbard, The Present State of Austrian Economics (Auburn, Ala.: Ludwig von Mises Institute, 1992). Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xii de fato tal pouca atenção foi dada, nessa representação clássica do pen- samento econômico, a qualquer um azarado o suficiente para anteceder Smith. Geralmente eles eram agrupados em duas categorias e rispida- mente dispensados. Precedendo imediatamente Smith, havia os mer- cantilistas, os quais ele fortemente criticou. Mercantilistas aparente- mente eram idiotas que encorajaram as pessoas a acumularem dinheiro, mas não a gastá-lo, ou insistiam que o equilíbrio comercial deveria se “balancear” com cada país. Escolásticos foram dispensados ainda mais rudemente, como ignorantes medievais e moralistas alarmando que o preço “justo” deveria cobrir o preço de produção de um mercador, com adição de um lucro razoável. As obras clássicas na história do pensamento das décadas de 1930 e 1940 então prosseguiram expondo e amplamente celebrando al- gumas poucas figuras elevadas após Smith. Ricardo sistematizou Smith, e dominou a economia até a década de 1870; então os “margi- nalistas”, Jevons, Menger e Walras, marginalmente corrigiram a “eco- nomia clássica” de Smith e Ricardo ao enfatizarem a importância da unidade marginal quando comparadas a todas as classes de bens. Então veio Alfred Marshall, que sabiamente integrou a teoria de custos Ricar- diana com a suposta ênfase unilateral Austro-Jevoniana na demanda e na utilidade, para criar a economia neoclássica moderna. Karl Marx di- ficilmente poderia ser ignorado, então foi tratado como um Ricardiano anômalo. Assim, o historiador pôde acabar com sua história lidando com quatro de cinco Grandes Figuras, cada qual, com a exceção de Marx, contribuíram com mais pilares para o progresso contínuo da ci- ência econômica, que é essencialmente uma jornada contínua de pro- gresso.3 Nos anos subsequentes à Segunda Guerra Mundial, Keynes ob- viamente foi adicionado ao Panteão, fornecendo um novo capítulo cul- minante no progresso e desenvolvimento da ciência. Keynes, amado es- tudante do grande Marshall, percebeu que o velho havia se esquecido daquilo que mais tarde foi chamado de “macroeconomia” em sua ênfase 3 Quando o presente autor estava se preparando para seus exames orais de douto- rado na Columbia University, ele teve o venerável John Maurice Clark como exa- minador da história do pensamento econômico. Quando perguntou a Clark se de- veria ler Jevons, Clark replicou um tanto surpreso: “Qual é o ponto? Tudo que há de bom em Jevons está em Marshall”. Introdução xiii exclusiva ao micro. E assim Keynes adicionou o macro, focando no es- tudo e explicação do desemprego, um fenômeno que foi inexplicavel- mente esquecido do quadro econômico por todos que precederam Key- nes, ou foi convenientemente passado para debaixo do tapete ao descui- dadamente “assumirem pleno emprego”. Desde então, o paradigma dominante vem sendo largamente sustentado, apesar dos assuntos terem se tornado certamente nebulosos. Para começo de conversa, esse tipo de história sempre ascendente de um Grande Homem requer ocasionais novos capítulos finais. A Teoria Geral, publicada em 1936, completa agora quase sessenta anos de idade; deve haver um Grande Homem para um capítulo final? Mas quem? Por um tempo, Schumpeter, com sua moderna e aparentemente realistaênfase em “inovação”, teve chances, mas surgiu um grande en- trave nessa tendência, talvez a realização de que o trabalho fundamental de Schumpeter (ou “visão”, como ele explicitamente dizia) foi escrita mais de duas décadas antes de A Teoria Geral. Os anos desde 1950 fo- ram obscuros; e é difícil forçar um retorno ao uma vez esquecido Walras no leito procustiano do progresso contínuo. Minha visão sobre a grave deficiência da ideia dos Grandes Ho- mens foi grandemente influenciada pelo trabalho de dois excelentes his- toriadores do pensamento. Um sendo o meu próprio mentor de disser- tação Joseph Dorfman, cujo trabalho ímpar de muitos volumes sobre a história do pensamento econômico americano demonstrou o quão im- portantes figuras alegadamente “menores” são para qualquer movi- mento de ideias. Em primeiro lugar, a completude da história é deixada de lado quando se omite essas figuras, e, portanto, a história é falsifi- cada por seleção e preocupação sobre alguns textos dispersos para cons- tituírem A História do Pensamento. Em segundo, um vasto número de supostas figuras secundárias contribuiu bastante para o desenvolvi- mento do pensamento, mais em algumas formas que os poucos pensa- dores de auge. Assim sendo, importantes características do pensamento econômico são omitidas, e o desenvolvimento teórico é feito de forma enfadonha e desprezível, assim como sem vida. Adiante, o desenrolar da própria história, o contexto das ideias e movimentos, como as pessoas se influenciam, e como reagiam para com uns aos outros, é necessariamente excluído da abordagem dos Grandes Homens. Tal aspecto do trabalho do historiador foi particular- mente trazido a mim pela notável obra de dois volumes de Quentin Skinner Foundations of Modern Political Thought, de tal importância Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xiv que poderia ser grandemente apreciado se não fosse a adoção da sua própria versão da metodologia behaviorista de Skinner.4 A abordagem do progresso contínuo, sempre para cima e para frente, foi destruída para mim, e deveria ter sido para todos, pela famosa Estrutura das Revoluções Científicas de Thomas Kuhn.5 Kuhn não de- dicou atenção à economia, mas, em vez disso, do mesmo modo como filósofos e historiadores da ciência, focou-se em ciências mais “rígidas” tais quais a física, a química e a astronomia. Trazendo a palavra “para- digma” ao discurso intelectual, Kuhn demoliu aquilo que eu gosto de chamar de “teoria Whig da história da ciência”. A teoria Whig, aceita por quase todos os historiadores da ciên- cia, incluindo a econômica, é a de que o pensamento científico progride pacientemente, se desenvolvendo um ano após outro, mudando, e tes- tando teorias, para que a ciência marche sempre ao progresso e a cada ano, década ou geração vá aprendendo mais e possuindo teorias cientí- ficas cada vez mais corretas. Em analogia com a teoria Whig da história, cunhada no meio do século XIX na Inglaterra, que defendia que as coi- sas estão sempre (e, portanto, devem ficar) cada vez melhores, o histo- riador Whig da ciência, aparentemente em solos mais firmes que o his- toriador Whig médio, implicitamente ou explicitamente afirma que “de- pois é sempre melhor” em qualquer disciplina científica particular. O historiador Whig (tanto da ciência quanto da própria história) realmente sustenta a ideia de que, para qualquer ponto do tempo histó- rico, “aquilo que era, estava certo”, ou ao menos melhor que “aquilo que veio antes”. O resultado inevitável é um complacente e irritante otimismo Panglossiano. Na historiografia do pensamento econômico, a consequência é a firme, senão implícita, posição de que todo econo- mista individual, ou pelo menos toda escola de economistas, contribuiu com seu importante fragmento à inevitável marcha do progresso. É pos- sível, então, que não haja nada como um erro sistêmico grosseiro que revele uma grande falha, ou invalide uma escola de pensamento inteira, muito menos que extravie a direção do mundo econômico permanente- mente. 4 Joseph Dorfman, The Economic Mind in American Civilization (5 vols. Nova York: Viking Press, 1946-59); Quentin Skinner, The Foundations of Modern Po- litical Thought (2 vols., Cambridge: Cambridge University Press, 1978). 5 Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions (1962, 2ª ed., Chicago: University of Chicago Press, 1970). Introdução xv Kuhn, entretanto, chocou o mundo filosófico ao demonstrar que essa simplesmente não é a forma como a ciência se desenvolveu. Uma vez que um paradigma central é selecionado, não há testagem ou filtra- gem, e testes de hipóteses básicas só são feitos após uma série de fra- cassos e anomalias no paradigma vigente que levaram a ciência a uma “situação de crise”. Não é necessária a adoção da percepção filosófica niilista de Kuhn, ou de sua implicação de que nenhum paradigma é ou pode ser melhor que qualquer outro, para perceber que sua visão menos romântica soa verdadeira tanto para história quanto para a sociologia. Mas se a visão romântica ou Panglossiana padrão não funciona nem mesmo para as ciências hard, a fortiori ela deve estar inteiramente errada em uma “ciência soft” tal qual a economia, em uma disciplina onde não se pode testar em laboratório, e onde disciplinas ainda mais softs como política, religião e ética necessariamente impactam a pers- pectiva econômica de alguém. Portanto, não pode haver qualquer tipo de presunção econômica de que o pensamento tardio é melhor que o anterior, ou que todos os economistas famosos contribuíram o seu bocado para o desenvolvi- mento da disciplina. Pois isso torna muito provável que, ao invés de todos contribuírem para um edifício sempre progressivo, a economia possa estar (e está) procedendo de forma contenciosa, até mesmo em um estilo zigue-zague, com falácias sistêmicas tardias algumas vezes desconsiderando paradigmas prévios, porém mais sensatos, assim mu- dando a direção do pensamento econômico para um caminho comple- tamente errôneo ou até mesmo trágico. O trajeto geral da economia pode ser para cima, ou pode ser para baixo, dado qualquer espaço de tempo. Nos anos recentes, a economia, adentrou dentro da influência dominante do formalismo, do positivismo e da econometria, e enfei- tando-se como uma ciência hard, demonstrou pouco interesse em seu próprio passado. Essa foi sua intenção, assim como qualquer ciência “real”, estar no livro didático mais recente ou artigo de jornal do que explorando sua própria história. Afinal de contas, os físicos contempo- râneos ficam muito tempo lendo atentamente textos sobre óptica do sé- culo XVIII? Na última ou duas últimas décadas, entretanto, o reinado do pa- radigma Walrasiano-Keynesiano neoclássico formalista vem sendo cada vez mais questionado, e a voraz “situação de crise” Kuhniana se desenvolveu em várias áreas da economia, preocupando-se com sua Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xvi própria metodologia. No meio dessa situação, o estudo da história do pensamento regressou significantemente, estudo esse que desejamos e esperamos que se expanda nos anos seguintes.6 Pois se conhecimento enterrado e perdido em paradigmas pode ser esquecido com o passar do tempo, então estudar economistas velhos e escolas de pensamento não precisa ser apenas por propósitos antiquados ou para examinar como a vida intelectual procedeu no passado. Economistas prévios podem ser estudados por sua contribuição ao esquecido, e, portanto, novo, conhe- cimento de hoje. Verdades valiosas podem ser aprendidas a respeito do conteúdo econômico, não apenas nos jornais mais novos, mas dos tex- tos de pensadores há muito tempo mortos. Mas estas são apenas generalizações metodológicas. A realiza- ção concreta de que conhecimento econômico importante foi perdido com o tempo veio até mim pelo revisionismo dos escolásticosque se desenvolveu nas décadas de 1950 e 1960. A revisão pioneira veio de forma drástica na História da Análise Econômica de Schumpeter, e foi desenvolvida pelos trabalhos de Raymond de Roover, Marjorie Grice- Hutchinson e John T. Noonan. Acontece que escolásticos não eram sim- plesmente “medievais”, mas começaram no século XIII e expandiram e floresceram durante o século XVI até o século XVII. Longe de serem moralistas do custo de produção, os escolásticos acreditavam que o preço justo era qualquer preço estabelecido na “estimativa comum” do livre mercado. Não apenas isso: longe de serem teóricos ingênuos do trabalho ou do valor de custo de produção, os escolásticos podem ser considerados “Proto-austríacos”, com uma sofisticada teoria subjetiva da utilidade do valor e preço. Até mais, pois alguns dos escolásticos eram muito superiores aos atuais microeconomistas formalistas no que tange ao desenvolvimento de uma teoria dinâmica do empreendedo- rismo. Além disso, no “macro”, os escolásticos, começando por Buri- dan e culminando nos escolásticos espanhóis do século XVI, trabalha- ram em uma teoria monetária e de preços muito mais austríaca do que a teoria monetarista de oferta e demanda, incluindo fluxo de dinheiro 6 A atenção devotada nos anos recentes à brilhante crítica do formalismo neoclás- sico como totalmente dependente da mecânica obsoleta de meados do século XIX é um sinal de boas-vindas dessa recente mudança de atitude. Consulte Philip Mirowski, More Heat than Light (Cambridge: Cambridge University Press, 1989). Introdução xvii inter-regional, e até mesmo com uma teoria de paridade de poder de compra das taxas de câmbio. Parece não ser por acaso que essa revisão dramática de nosso conhecimento dos escolásticos foi trazida aos economistas americanos, geralmente não estimados por sua profundidade de conhecimento do latim, por economistas treinados na Europa mergulhados no latim, a língua em que os escolásticos escreviam. Este ponto simples enfatiza outra razão para a perda de conhecimento no mundo moderno: a insu- laridade na própria língua (particularmente severa nos países de língua inglesa) que, desde a Reforma, rompeu a outrora ampla comunidade de estudiosos da Europa. Uma razão pela qual o pensamento econômico continental frequentemente exerceu influência mínima, ou pelo menos tardia, na Inglaterra e nos estados Unidos é simplesmente porque essas obras não foram traduzidas para o inglês.7 Para mim, o impacto do revisionismo escolástico foi comple- mentado e fortalecido pelo trabalho, de algumas décadas, do nascido alemão, historiador “austríaco”, Emil Kauder. Kauder revelou que o pensamento econômico dominante na França e na Itália durante o dé- cimo sétimo e especialmente décimo oitavo século também era “Proto- austríaco”, enfatizando a utilidade marginal e escassez relativa como determinantes do valor. A partir dessa base, Kauder procedeu com uma surpreendente compreensão do papel de Adam Smith que, de qualquer forma, segue diretamente de seu próprio trabalho e daqueles dos revisi- onistas escolásticos: que Smith, longe de ser o fundador da economia, era praticamente o oposto. Pelo contrário, Smith realmente levou a sé- rio, e quase completamente desenvolveu uma tradição Proto-austríaca de valor subjetivo, mas tragicamente desviou a economia para um ca- minho falso, uma rua sem saída da qual os austríacos tiveram que res- gatar a economia um século depois. Ao invés de valor subjetivo, em- preendedorismo e ênfase nos preços reais do mercado e atividade de mercado, Smith largou isso tudo e trocou por uma teoria do valor-tra- balho e um foco dominante no equilíbrio do imutável “preço natural” de longo prazo, um mundo onde empreendedorismo foi suposto como fora de existência. Sob Ricardo, essa troca infortuna no foco foi inten- sificada e sistematizada. 7 No tempo presente, quando o inglês se tornou a língua franca europeia e a maioria dos periódicos europeus publica artigos em inglês, essa barreira tem sido minimi- zada. Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xviii Smith não foi o criador da teoria econômica, nem o fundador do laissez-faire na economia política. Não somente eram os escolásticos analistas do, e confiantes no livre mercado e nas críticas a intervenção estatal; mas os economistas franceses e italianos do século dezoito eram muito mais orientados ao laissez-faire do que Smith, que introduziu inú- meras tagarelices e poréns naquilo que foi, nas mãos de Turgot e outros, uma quase pura defesa do laissez-faire. Acontece que, ao invés de ser venerado como criador da economia moderna ou do laissez-faire, Smith estava mais próximo da figura retratada por Paul Douglas na comemo- ração da riqueza das nações em Chicago de 1926: um precursor neces- sário para Karl Marx. A contribuição de Emil Kauder não foi limitada a sua represen- tação de Adam Smith como o destruidor de uma tradição sólida de teo- ria econômica, como o fundador de um enorme “zague” na imagem Kuhniana de uma história zigue-zague do pensamento econômico. Também fascinante, senão mais especulativa era a estimativa de Kauder sobre a causa essencial de uma assimetria curiosa no curso do pensa- mento econômico em diferentes países. Por que é, por exemplo, que a tradição da utilidade marginal floresceu no continente, especialmente na França e na Itália, e então foi revivida particularmente na Áustria, ao passo que as teorias do valor-trabalho foram desenvolvidas especial- mente na Grã-Bretanha? Kauder atribuiu a diferença a uma profunda diferença de religiões: os escolásticos, até então França, Itália e Áustria eram países católicos, e o Catolicismo enfatizou o consumo como o ob- jetivo da produção e da utilidade ao consumidor e o de lhe conferir sa- tisfação, ao menos em moderação, como valiosas atividades e objetivos. A tradição Britânica, ao contrário, começando com o próprio Smith, que era calvinista, e refletia a ênfase calvinista no trabalho duro não so- mente como boa, mas como um grande bem em si mesma, ao passo que o aproveitamento do consumidor é no máximo um mal necessário, um mero requisito para continuar o trabalho e a produção. Enquanto lia Kauder, considerei essa visão como um esclareci- mento desafiador, mas essencialmente como uma especulação não com- provada. Entretanto, enquanto continuava estudando o pensamento eco- nômico e embarquei na escrita desses volumes, concluí que Kauder es- tava sendo confirmado várias vezes. Apesar de Smith ser um calvinista “moderado”, ele era ao menos firme, e eu cheguei à conclusão de que a ênfase calvinista poderia ser levada em conta, por exemplo, para a, de outra maneira confusa, defesa de Smith às leis de usura, assim como Introdução xix sua troca de ênfase do consumidor caprichoso e amante do luxo como o determinante do valor, ao virtuoso trabalhador empenhando suas ho- ras de labor no valor do produto material. Mas se o calvinismo de Smith poderia ser levado em conta, e quanto ao espanhol-português judeu que virou Quaker, David Ricardo, que certamente não era calvinista? Aqui me parece que pesquisas re- centes no papel dominante de James Mill como mentor de Ricardo e importante fundador do “sistema Ricardiano” entraram fortemente em jogo. Pois Mill era um escocês ordenado como ministro presbítero e imerso em calvinismo: o fato que, tarde em sua vida, Mill se moveu para Londres e se tornou agnóstico não tem efeito na natureza calvinista nas atitudes básicas de Mill para com a vida e o mundo. A grande ener- gia evangélica de Mill, sua cruzada por melhoria social, e sua devoção ao trabalho duro (assim como a virtude calvinista cognata da poupança) refletiram em sua perspectiva de mundo calvinista por toda a vida. A ressurreição do Ricardianismo por John Stuart Mill pode ser interpre- tada como sua devoção filopietista a memóriade seu pai dominador, e a trivialização de Alfred Marshall aos esclarecimentos austríacos ao seu esquema neo-ricardiano também vieram de um altamente moralista e evangélico neo-calvinista. Em contrapartida, não é acidente que a Escola Austríaca, o maior desafio à visão de Smith-Ricardo, não somente surgiu em um país solidamente católico, mas cujos valores e atitudes ainda estavam forte- mente influenciados pelo Aristotelismo e pensamento Tomista. Os pre- cursores germânicos da Escola Austríaca floresceram, não na protes- tante e anticatólica Prússia, mas nos estados germânicos que eram ou católicos ou politicamente alinhados mais com a Áustria do que com a Prússia. O resultado dessas pesquisas foi a minha convicção crescente de que excluir a perspectiva religiosa, assim como a filosofia social e po- lítica, iria distorcer desastrosamente qualquer retrato da história do pen- samento econômico. Isso é certamente óbvio para os séculos antes do décimo nono, mas é verdade para aquele século também, ainda mais pelo aparato técnico empregar mais de uma vida do que a sua própria. Em consequência dessas revelações, esses volumes são muito diferentes da norma, não só em apresentar uma perspectiva muito mais austríaca em contraste a uma visão neoclássica ou a uma instituciona- lista. O trabalho inteiro é muito mais longo que a maioria, uma vez que insiste em trazer todas as figuras “menores” e suas interações, assim Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xx como enfatizar a importância de suas filosofias sociais e religiosas as- sim como suas visões “econômicas” estritas. Mas eu espero que a ex- tensão e inclusão de outros elementos não faça esse trabalho menos le- gível. Pelo contrário, a história necessariamente significa narrativa, dis- cussão de pessoas reais assim como suas teorias abstratas, e inclui triun- fos, tragédias e conflitos, conflitos os quais eram recorrentemente mo- rais, assim como puramente teoréticos. Por isso, eu espero que, para o leitor, o tamanho incomum seja compensado pela inclusão de muito mais drama humano do que geralmente é nos oferecido em outras his- tórias do pensamento econômico. Murray N. Rothbard Las Vegas, Nevada xxi Agradecimentos Estes volumes foram inspirados por Mark Skousen, do Colégio Rollings, Flórida, que me encorajou a escrever uma história do pensa- mento econômico de uma perspectiva austríaca. Em adição a fornecer a faísca, Skousen convenceu o Instituto de Economia Política a apoiar minha pesquisa durante seu primeiro ano acadêmico. Mark primeira- mente viu o trabalho com um tamanho padrão de Smith-aos-dias-pre- sentes, um tipo de contra-heilbroner. Depois de ponderar o problema, entretanto, eu o disse que deveria começar por Aristóteles, uma vez que Smith era um declive íngreme de seus predecessores. Nenhum de nós percebia então o escopo ou largura da pesquisa que se seguiria. É impossível listar todas as pessoas das quais eu aprendi em toda uma vida de instrução e discussão na história econômica e todas as suas disciplinas cognatas. Aqui eu terei que menosprezar vários deles e es- colher alguns poucos. A dedicação reconhece minha imensa dívida a Ludwig Von Mises por providenciar um imponente edifício de teoria econômica, assim como por seus ensinamentos, sua amizade e seu ins- pirador exemplo de sua vida. E para Joseph Dorfman por seu revoluci- onário trabalho na história do pensamento econômico, sua ênfase na importância da completude da história assim como das próprias teorias, e sua minuciosa introdução ao método histórico. Eu tenho uma grande dívida com Llewellyn H. Rockwell Jr por criar e organizar o Instituto Ludwig Von Mises, estabelecendo-o na Uni- versidade de Auburn, e construindo-o, em quase uma década, em um próspero e produtivo centro para a propagação e instrução de pessoas na Economia Austríaca. Nem de longe o menor serviço do Instituto Mi- ses para mim, foi anexar uma rede de estudiosos dos quais eu pudesse aprender. Novamente eu devo distinguir Joseph T. Salerno, da Univer- sidade Pace, que fez um trabalho notavelmente criativo na história do pensamento econômico; e aquele grande polímata e estudioso dos estu- diosos, David Gordon do Instituto Mises, cuja produção substancial em filosofia, economia e história intelectual integra apenas uma fração de sua erudição nesses e em vários outros campos. Também agradeço a Gary North, diretor do Instituto de Economia Cristã em Tyler, Texas, por conduzir uma extensa biografia de Marx e do socialismo no geral, e por me introduzir nos mistérios das variedades do milenarismo, a-, Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith xxii pré- e pós. Nenhuma dessas pessoas, certamente, deve ser culpada por qualquer erro aqui contido. A maior parte da minha pesquisa foi conduzida com o auxílio dos ótimos recursos das livrarias das Universidades de Columbia e Stanford, assim como a livraria na Universidade de Nevada, Las Vegas, suplementadas pela minha própria coleção de livros acumulada com os anos. Uma vez que eu sou um dos poucos estudiosos que inflexivel- mente permanece apegado aos escritos em papel de pouca tecnologia ao invés de adotar processadores de texto/computadores, eu estive de- pendente dos serviços de alguns datilógrafos/processadores de texto, dos quais eu particularmente mencionaria Janet Banker e Donna Evans da Universidade de Nevada, Las Vegas. Em adição o autor e os publicadores desejam agradecer às se- guintes pessoas que gentilmente deram permissão para o uso do mate- rial de direitos autorais. Groenewegen, P.D. (ed.), The Economics of A.R.J. Turgot. Cop- yright 1977, Por Martinus Nijhoff, The Hague. Reimpresso com per- missão da Kluwer Academic Publishers. Rothkrug, Lionel, Opposition to Louis XIV. Copyright 1965, re- newed 1993, pela Princeton University Press. Reimpresso com permis- são da Princeton University Press. O autor gostaria particularmente de expressar sua apreciação pela eficiência e graciosidade da Sra. Berendina van Straalen, do Rights and Permission Debt, Kluwer Academic Publishers, Dordrecht, Países Baixos. 23 capítulo Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 1 1. A lei natural......................................................................................25 2. A política da polis.............................................................................29 3. O primeiro “economista”: Hesíodo e o problema da escassez..........31 4. Os pré-socráticos..............................................................................33 5. A utopia coletivista direitista de Platão.............................................35 6. Xenofonte sobre a administração doméstica....................................37 7. Aristóteles: a propriedade privada e o dinheiro................................38 8. Aristóteles: troca e valor...................................................................41 9. O colapso depois de Aristóteles........................................................45 10. Taoísmo na China antiga................................................................51 25 Tudo começou, como sempre, com os gregos. Os gregos antigos foram as primeiras pessoas civilizadas a usarem sua razão para pensar sistematicamente acerca do mundo que os circundava. Os gregos foram os primeiros filósofos (philo sophia — amantes da sabedoria), as pri- meiras pessoas a pensarem profundamente e a descobrirem como apre- ender e uma vez aprendido a verificarem o conhecimento acerca do mundo. Outras tribos e pessoas tendiam a atribuir eventos naturais aos caprichos arbitrários dos deuses. Uma tempestade violenta, por exem- plo, poderia ser atribuída a algo que irritou o deus do trovão. O jeito de se trazer a chuva ou de refrear tempestades violentas seria, então, des- cobrir quais atos humanos satisfaziam o deus dachuva ou apaziguavam o deus do trovão. Tais pessoas teriam considerado tolice a tentativa de achar as causas naturais da chuva ou dos trovões. Em vez disso, a coisa certa a se fazer seria descobrir o que os deuses mais relevantes queriam e então tentar satisfazer suas necessidades. Os gregos, em contraste, ansiavam pelo uso da razão — suas observações sensíveis e conhecimento lógico — para investigar e aprender sobre o mundo. Ao fazê-lo, eles pararam gradualmente de se preocupar com os caprichos dos deuses, e passaram a investigar os entes actuais que os cercavam. Liderados em particular pelo grande filósofo ateniense Aristóteles (384 - 322 a.C.), um magnificente e criativo siste- matizador conhecido pelas gerações posteriores como O Filósofo, os gregos desenvolveram uma teoria e um método de raciocínio e de ciên- cia que posteriormente passou a ser chamado de lei natural. 1. A lei natural A lei natural reside no insight crucial de que ser significa neces- sariamente ser alguma coisa, isto é, alguma coisa ou ente particular. Não há um Ser em abstrato. Tudo o que é, é alguma coisa particular, seja essa coisa uma pedra, um gato, ou uma árvore. É constatado empi- ricamente que há mais de um tipo de coisa no universo; na verdade existem milhares, senão milhões de tipos de coisas. Cada coisa tem seu próprio conjunto particular de propriedades ou atributos, sua própria natureza, que a distingue de outros tipos de coisas. Uma pedra, um gato, um carvalho, cada uma dessas coisas tem sua própria natureza particu- lar, que o homem pode descobrir, estudar e identificar. O homem estuda o mundo e então, ao examinar os entes, iden- tifica tipos similares de coisas e as classifica em categorias cada qual Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 26 com suas próprias propriedades e naturezas. Se vemos um gato andando pela rua, podemos imediatamente incluir isso dentro de um conjunto de coisas, ou animais, chamados “gatos”, cuja natureza já descobrimos e analisamos. Se podemos descobrir e aprender sobre as naturezas dos entes X e Y, então nós podemos descobrir o que acontece quando dois entes in- teragem. Suponha, por exemplo, que quando um determinado número de X interage com um dado número de Y, alcançamos uma determinada quantidade de outra coisa, Z. Podemos, assim, dizer que o efeito Z foi causado pela interação de X e de Y. Assim, os químicos podem desco- brir que quando duas moléculas de hidrogênio interagem com uma mo- lécula de oxigênio, o resultado é uma molécula de um novo ente, água. Todos esses entes — hidrogênio, oxigênio e água — têm propriedades ou naturezas específicas descobríveis, que podem ser identificadas. Vemos, então, que os conceitos de causa e de efeito são parte da análise da lei natural. Eventos no mundo podem ser traçados de volta às interações de entes específicos. Visto que as naturezas são dadas e identificáveis, as interações dos vários entes serão replicáveis sob as mesmas condições. As mesmas causas sempre produzirão os mesmos efeitos. Para os filósofos aristotélicos, a lógica não é uma disciplina se- parada e isolada, mas uma parte integral da lei natural. Assim, o pro- cesso básico de identificar determinados entes leva, na lógica “clássica” ou aristotélica, à Lei de Identidade: uma coisa é, e não pode ser outra coisa além do que é: a é a. Segue-se, portanto, que um ente não pode ser a negação de si. Ou, se colocado de outra maneira, temos a Lei da Não-Contradição: uma coisa não pode ser ambos a e não-a; a não é, e não pode ser, não- a. Finalmente, em nosso mundo de numerosos tipos de entes, qual- quer coisa precisa ser ou a ou não será; em resumo, será ou a ou não-a. Nada pode ser ambos. Isso nos dá uma segunda famosa lei da lógica clássica: a Lei do Terceiro Excluído: toda coisa no universo é ou a ou não-a. Mas se todo ente no universo — se hidrogênio, oxigênio, pedra, ou gato — pode ser identificado, classificado, e ter sua natureza exami- nada, então o mesmo se aplica ao homem. Os seres humanos precisam também ter uma natureza específica com propriedades específicas que Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 27 podem ser estudadas, e das quais podemos obter conhecimento. Os se- res humanos são únicos no universo porque eles podem e estudam a si mesmos, bem como o mundo que os cerca, e tentam descobrir quais objetivos devem ser alcançados e quais meios eles devem empregar para alcançá-los. O conceito de “bem” (e, portanto, de “mal”) é relevante apenas para entes viventes. Visto que pedras ou moléculas não possuem fins nem propósitos, qualquer ideia do que pode ser um “bem” para uma molécula ou para uma pedra seria algo propriamente bizarro. Mas o que pode ser um “bem” para um carvalho ou para um cachorro faz muito sentido: especificamente, o “bem” é tudo o que conduz para vida e o florescer do ente vivente. O “mal” é tudo o que prejudica a vida ou prosperidade de tais entes. Assim, é possível desenvolver uma “ética dos carvalhos” ao se descobrir as melhores condições: solo, luz solar, clima, etc., para o crescimento e sustento dos carvalhos; e ao tentar evi- tar certas condições tidas como “mal” para os carvalhos: pragas, en- chentes, etc. Um conjunto similar de propriedades éticas pode ser de- senvolvido para vários tipos de animais. Assim, a lei natural vê a ética como sendo relativa aos entes vi- vos (ou espécies). O que é um bem para repolhos é diferente do que é um bem para coelhos, que, por sua vez, será diferente do que é um bem ou um mal para o homem. A ética para cada espécie diferirá de acordo com suas naturezas respectivas. O homem é a única espécie que pode — e certamente precisa — esculpir uma ética para si mesmo. As plantas não possuem consciência, e, portanto, não podem escolher ou agir. A consciência dos animais é, estritamente, perceptual e carece de elementos conceituais: a habilidade de enquadrar conceitos e agir sobre eles. O homem, na famosa frase aristotélica, é singularmente o animal racional — a espécie que usa a razão para adotar valores e princípios éticos, e que age para alcançar esses fins. O homem age, isto é, ele adota valores e propósitos, e escolhe os caminhos para atingi-los. O homem, portanto, ao buscar objetivos e caminhos para obtê- los, precisa descobrir e trabalhar dentro da estrutura da lei natural: as propriedades de si mesmo e dos outros entes e os caminhos pelos quais eles podem interagir. A civilização ocidental é, de várias maneiras, grega; e as duas grandes tradições filosóficas da Grécia Antiga que têm moldado a mente dos ocidentais desde então foram as de Aristóteles e a de seu Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 28 grande professor e antagonista Platão (428-357 a.C.). Já foi muito dito que todo homem, no fundo, é ou um platonista ou um aristotélico, e as divisões ocorrem ao longo dos pensamentos. Platão foi pioneiro na abordagem da lei natural, que Aristóteles desenvolveu e sistematizou; mas o impulso básico foi bem diferente. Para Aristóteles e seus segui- dores, a existência do homem, tal como a de todas as outras criaturas, é “contingente”, i.e., não é necessária nem eterna. Apenas a existência de Deus é necessária e transcende o tempo. A contingência da existência do homem é simplesmente uma parte inalterável da lei natural, e precisa ser aceita como tal. Para os platonistas, entretanto, especialmente como foi elabo- rado pelo seguidor de Platão, o egípcio Plotino (204-270 d.C.), essas inevitáveis limitações do estado natural do homem eram intoleráveis e deveriam ser transcendidas. Para os platonistas, a existência actual, con- creta, temporal e factual do homem era muito limitada. Em vez disso, essa existência (que é tudo o que qualquer um de nós já temos visto) é uma queda da graça, uma queda do não-existente, ideal, perfeito, eterno e originalser do homem, um ser perfeito e divino e, portanto, sem limi- tes. Numa inversão bizarra da linguagem, este ser perfeito e nunca-exis- tente foi tido pelos platonistas como o verdadeiramente existente, a ver- dadeira essência do homem, da qual todos nós fomos alienados e priva- dos. A natureza do homem (e de todos os outros entes) no mundo é ser alguma coisa e existir no tempo; mas na inversão semântica dos plato- nistas, o homem verdadeiramente existente é para ser eterno, viver fora do tempo e não ter limites. A condição do homem na terra é, portanto, assumida como um estado de degradação e alienação, e se assume que seu propósito é percorrer o caminho de volta para seu auto-alegado “verdadeiro” estado original, ilimitado e perfeito. Alegado, é claro, com base em nenhuma evidência — obviamente, a própria evidência identi- fica, limita e, portanto, para a mente platônica, corrompe. As visões de Platão e de Plotino acerca do alegado estado de alienação humana foram altamente influentes, como veremos, nos es- critos de Karl Marx e de seus seguidores. Outro filósofo grego, enfati- camente diferente da tradição aristotélica, foi o antigo filósofo pré-so- crático Heráclito de Éfeso (c. 535-475 a.C.), que prefigurou Hegel e Marx. Ele era pré-socrático no sentido de preceder o grande professor de Platão, Sócrates (470-399 a.C.), que nada escreveu, mas chegou a nós interpretado por Platão e por vários outros seguidores. Heráclito, ao Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 29 qual foi de forma apta dado o título de “O Obscuro” pelos gregos, pen- sou que às vezes coisas que são opostas, a e não-a, podem ser idênticas, ou, em outras palavras, que a pode ser não-a. Esse desafio a lógica ele- mentar pode talvez ser perdoada no caso de alguém como Heráclito, que escreveu antes de Aristóteles desenvolver a lógica clássica, mas é difícil tolerar isso no que diz respeito a seus posteriores seguidores. 2. A política da polis Quando o homem passa do uso de sua razão do mundo inani- mado para usar a razão para o próprio homem e para a organização so- cial, torna-se difícil, por pura razão, evitar abrir mão às opiniões ten- denciosas e aos preconceitos da estrutura política da época. Isso tudo era muito verdadeiro para os gregos, incluindo os socráticos, Platão e Aristóteles. A vida dos gregos era organizada em pequenas cidades-es- tados (as polis) algumas das quais puderam formar impérios ultramares. A maior cidade-estado, Atenas, cobria uma área de cerca de mil milhas quadradas, ou metade do tamanho do moderno Delaware. A faceta chave da vida política era que a cidade-estado era gerida por uma firme oligarquia de cidadãos privilegiados, muitos dos quais eram grandes donos de terra. A maioria da população da cidade-estado era de escravos ou de residentes estrangeiros, que geralmente exerciam, respectiva- mente, o trabalho manual e os empreendimentos comerciais. O privilé- gio da cidadania era reservado aos descendentes dos cidadãos. En- quanto as cidades-estados gregas flutuavam entre tiranias absolutas e democracias, em sua fase mais “democrática”, Atenas, por exemplo, re- servou os privilégios da regra democrática para 7 por cento da popula- ção, o resto dos quais eram ou escravos ou estrangeiros residentes (na Atenas do século quinto a.C. havia aproximadamente 30 mil cidadãos de uma população total de 400 mil). Como donos de terra privilegiados vivendo de impostos e pro- dutos de escravos, os cidadãos atenienses tinham o tempo livre para votações, discussões, as artes e — no caso dos particularmente inteli- gentes — filosofar. Embora o filósofo Sócrates fosse ele mesmo filho de um pedreiro, suas visões políticas eram ultraelitistas. No ano 404 a.C., o estado despótico de Esparta conquistou Atenas e estabeleceu um reino de terror conhecido como Tirania dos Trinta. Quando os atenien- ses derrubaram esse curto governo um ano depois, a democracia restau- Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 30 rada executou o velho Sócrates, em grande parte por suspeita de simpa- tia com a causa dos espartanos. Essa experiência confirmou o brilhante jovem discípulo de Sócrates, Platão, o herdeiro de uma família nobre de Atenas, o que seria agora chamado de uma devoção “de extrema di- reita” ao governo dos déspotas e dos aristocratas. Uma década depois, Platão estabeleceu sua academia aos arre- dores de Atenas como um think-tank não apenas da pesquisa e do ensino filosófico abstrato, mas também como uma fonte de programas políti- cos para o despotismo social. Ele mesmo tentou três vezes sem sucesso estabelecer regimes despóticos na cidade-estado de Siracusa, enquanto não menos de nove dos alunos de Platão tiveram sucesso em se estabe- lecerem como tiranos sobre determinadas cidades-estados gregas. Enquanto Aristóteles era politicamente mais moderado que Pla- tão, sua devoção aristocrática à polis era totalmente evidente. Aristóte- les nasceu de uma família aristocrática na cidade costeira macedônica de Estagira, e entrou na Academia de Platão como estudante com 17 anos, em 367 a.C. Lá ele permaneceu até a morte de Platão, 20 anos mais tarde, depois de ele ter deixado Atenas e eventualmente voltado à Macedônia, onde entrou para a corte do Rei Felipe e foi tutor do jovem futuro conquistador do mundo, Alexandre o Grande. Depois de Alexan- dre ter ascendido ao trono, Aristóteles retornou para Atenas em 335 a.C. e estabeleceu sua própria escola de filosofia no Liceu, do qual suas grandes obras chegaram a nós como notas de aulas escritas por ele mesmo ou transcritas por seus estudantes. Quando Alexandre morreu em 323 a.C., os atenienses se sentiram livres para descontar sua raiva nos macedônios e em seus simpatizantes, e Aristóteles foi expulso da cidade, morrendo pouco depois disso. Suas tendências aristocratas e suas vidas dentro da matriz de uma polis oligárquica tiveram um maior impacto no pensamento dos socráticos do que as várias excursões de Platão em teorias de utopias direitistas coletivistas ou na tentativa prática de seus estudantes de es- tabelecerem tiranias. Pois o status social e tendências políticas dos so- cráticos coloriram suas filosofias morais e políticas, bem como suas vi- sões econômicas. Assim, tanto para Platão quanto para Aristóteles, o “bem” para o homem não era algo a ser buscado pelo indivíduo, e nem era o indivíduo uma pessoa com direitos que não poderia ser reduzida ou violada por seus semelhantes. Para Platão e Aristóteles, o “bem” na- turalmente não era buscado pelo indivíduo, mas pela polis. A virtude e a boa vida eram da polis em vez de serem orientadas ao indivíduo. Tudo Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 31 isso significa que o pensamento de Platão e de Aristóteles era estatista e elitista em sua raiz, um estatismo que infelizmente permeou a filosofia “clássica” (grega e romana) bem como influenciou fortemente o pensa- mento cristão e medieval. A filosofia clássica da “lei natural”, portanto, nunca chegou em suas elaborações posteriores, primeiro na Idade Mé- dia e então nos séculos XVII e XVIII, dos “direitos naturais” do indiví- duo, direitos esses que não poderiam ser invadidos nem pelo homem nem pelo governo. No campo mais estritamente econômico, o estatismo dos gregos significou a recorrente exaltação aristocrática das alegadas virtudes das artes militares e da agricultura, bem como um desprezo sutil pelo traba- lho e pelo comércio, e consequentemente do acúmulo de dinheiro e da busca pelo lucro. Assim, Sócrates, abertamente desprezando o trabalho como sendo pouco saudável e vulgar, cita o rei da Pérsia dizendo que, de longe, as artes mais nobres são a agricultura e a guerra. E Aristóteles escreveu que a nenhum bom cidadão “deveria ser permitido exercer qualquer baixo emprego ou tráfego mecânico, pois isso é ignóbil e des- trói a virtude”. Ademais, a elevaçãogrega da polis sobre o indivíduo os levou a tomar uma visão obscura da inovação econômica e do empreendedo- rismo: o empreendedor, o inovador dinâmico é, antes de tudo, o locus do ego e da criatividade individual, e é, portanto, o precursor das fre- quentes mudanças sociais perturbadoras, bem como do crescimento econômico. Mas o ideal ético grego e socrático para o indivíduo não era o desdobramento e florescimento de possibilidades interiores, mas, em vez disso, uma criatura política/pública moldada para se conformar às demandas da polis. Esse tipo de ideal social foi feito para promover uma sociedade congelada, com status políticos determinados, e certamente não uma sociedade criativa de indivíduos dinâmicos e inovadores. 3. O primeiro “economista”: Hesíodo e o problema da escassez Ninguém deve ser induzido a pensar que os antigos gregos fo- ram “economistas” no sentido moderno. No percurso de pioneiros na filosofia, o filosofar dos gregos acerca do homem e de seu mundo ren- deram fragmentos de pensamentos e insights político-econômicos ou até mesmo estritamente econômicos. Mas não haviam tratados de eco- nomia tal como se faz hoje per se. É verdade que o termo “economia” é grego, derivado do grego oikonomia, mas oikonomia não significa Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 32 “economia” no nosso sentido, mas, na verdade, significa “administra- ção doméstica”, e tratados sobre “economia” discutiriam o que poderia ser chamado de tecnologia de administração doméstica — útil talvez, mas certamente não é o que tomamos hoje em dia como sendo a econo- mia. Existe, portanto, um perigo, infelizmente não evitado por muitos proeminentes historiadores do pensamento econômico, de ansiosa- mente tentar abstrair em antigos fragmentos dos antigos sábios o conhe- cimento obtido pela economia moderna. Enquanto nós certamente não devemos negligenciar quaisquer gigantes do passado, devemos também evitar qualquer apreensão “presentista” de algumas sentenças obscuras para saudar alegados, mas inexistentes, precursores de sofisticados con- ceitos modernos. A honra de ter sido o primeiro pensador econômico grego vai para o poeta Hesíodo, um beócio que viveu numa Grécia nos primórdios de sua antiguidade, no meio do século VIII a.C. Hesíodo viveu na pe- quena e autossuficiente comunidade agrícola de Ascra, para a qual ele mesmo se refere como “lugar triste […] ruim no inverno, difícil no ve- rão, nunca bom”. Ele era, portanto, naturalmente afinado com o pro- blema eterno da escassez, do esgotamento dos recursos em contraste com a rapidez das metas e desejos humanos. O grande poema de Hesí- odo, Os Trabalhos e os Dias, consistiu em centenas de versos designa- dos para recitação solo com acompanhamento musical. Mas Hesíodo era um poeta didático em vez de apenas um produtor de entretenimento, e ele frequentemente rompeu com sua história para educar seu público com a sabedoria tradicional ou em regras explícitas para a conduta hu- mana. Dos 828 versos no poema, os primeiros 383 se centraram no pro- blema fundamental da economia: os recursos escassos para a busca de numerosos e abundantes fins e desejos humanos. Hesíodo adota o mito religioso ou tribal comum da “Era de Ouro”, do alegado estado inicial da Terra como se fosse um Éden, um Paraíso com abundância ilimitada. Nesse Éden original, é claro, não ha- via problema econômico, nenhum problema de escassez, pois todos os quereres humanos eram instantaneamente satisfeitos. Mas agora, tudo é diferente, e os homens nunca descansam do trabalho e de seus fardos. A razão da existência deste estágio decadente é uma escassez que abrange tudo, o resultado da ejeção do homem do Paraíso. Por causa da escassez, nota Hesíodo, o trabalho, materiais e o tempo precisam ser alocados de forma eficiente. A escassez, além disso, pode apenas ser parcialmente superada através de uma aplicação enérgica do trabalho e Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 33 do capital. Em particular, o labor — trabalho — é crucial, e Hesíodo analisa os fatores vitais que podem induzir o homem a abandonar o es- tado divino de lazer. A primeira dessas forças é, claramente, a necessi- dade material básica. Mas felizmente, essa necessidade é reforçada por uma reprovação social da preguiça, e pelo desejo de emular os padrões de consumo dos semelhantes de alguém. Para Hesíodo, a emulação leva ao desenvolvimento saudável de um espírito de competição, que ele chama de “bom conflito”, uma força vital no alívio do problema básico da escassez. Para continuar com a competição justa e harmoniosa, Hesíodo vigorosamente exclui tais métodos injustos de se adquirir a riqueza, como o roubo, e advoga um império da lei e um respeito pela justiça para estabelecer ordem e harmonia dentro da sociedade, e permitir o desenvolvimento da competição dentro de uma matriz de harmonia e justiça. Deve já ser claro que Hesíodo tem uma visão muito mais oti- mista do crescimento econômico, do trabalho e da competição vigorosa do que a visão dos muito mais filosoficamente sofisticados Platão e Aristóteles três séculos e meios mais tarde. 4. Os pré-socráticos O homem é propenso ao erro e até mesmo a tolice, e, portanto, uma história do pensamento econômico não pode confinar a si mesma ao crescimento e desenvolvimento das verdades econômicas. Também deve tratar erros influentes, isto é, erros que infelizmente influenciaram desenvolvimentos posteriores na disciplina. Um tal pensador é o filó- sofo grego Pitágoras de Samos (c. 582-c.507 a.C.) que, dois séculos depois de Hesíodo, desenvolveu uma escola de pensamento que susten- tou que a única realidade significante é o número. O mundo não apenas é número, mas até mesmo os números incorporam qualidades morais e outras abstrações. Assim, a justiça, para Pitágoras e seus seguidores, é o número quatro, e outros números consistiam em várias qualidades morais. Mesmo tendo Pitágoras indubitavelmente contribuído para o desenvolvimento da matemática grega, seu misticismo numérico pode- ria ser muito bem caracterizado pelo sociólogo de Harvard do século XX Pitirim A. Sorokin como um exemplo seminal de “quantofrenia” e “metromania”. É dificilmente um exagero ver em Pitágoras o embrião da florescente e presunçosamente arrogante economia matemática e econometria dos dias atuais. Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 34 Pitágoras contribuiu com esterilidade para o fio único da filoso- fia e do pensamento econômico, esterilidade essa que influenciou as astutas e falaciosas tentativas de desenvolver uma matemática da justiça e das trocas na economia. O próximo desenvolvimento positivo foi uma contribuição do pré-socrático (na verdade contemporâneo a Sócrates) Demócrito (c.460-c.370 a.C.). Esse influente intelectual de Abdera foi o fundador do “ato- mismo” na cosmologia, isto é, a visão de que a estrutura básica da rea- lidade consiste em átomos que interagem entre si. Demócrito contribuiu para o desenvolvimento da economia com duas importantes vertentes teóricas. A primeira: ele foi o fundador da teoria do valor subjetivo. Va- lores morais, éticos, eram absolutos, pensou Demócrito, mas os valores econômicos eram necessariamente subjetivos. “A mesma coisa”, es- creve Demócrito, pode ser “boa e verdadeira para todos os homens, mas o prazeroso difere de um para o outro”. Não apenas a valoração era subjetiva, mas Demócrito também viu que a utilidade de um bem pas- saria a ser zero e até mesmo se tornaria negativa se sua oferta passar a ser superabundante. Demócrito também apontou que se as pessoas restringissem suas demandas e contivessem seus desejos, o que eles agora possuem os faria aparentar relativamente mais ricos do que pobres. Aqui, nova- mente, a natureza relativa da utilidade subjetiva da riqueza é reconhe- cida. Em adição, Demócrito foi o primeiroa chegar a uma noção rudi- mentar de preferência temporal: o insight austríaco de que as pessoas preferem um bem no presente a uma perspectiva de um bem adquirido no futuro. Como explicou Demócrito: “não há certeza se os jovens al- cançarão a velhice, portanto, o bem que está em mãos é superior ao bem que ainda virá”. Em adição à prefiguração da teoria do valor subjetivo, outra maior contribuição de Demócrito para a economia foi sua defesa pio- neira de um sistema de propriedade privada. Em contraste ao despo- tismo oriental, no qual a propriedade era donificada ou controlada pelo imperador e sua burocracia subalterna, a Grécia se apoiava numa soci- edade e numa economia de propriedade privada. Demócrito, tendo visto o contraste entre a economia de propriedade privada de Atenas e o co- letivismo oligárquico de Esparta, concluiu que a propriedade privada é uma forma superior de organização econômica. Em contraste com a propriedade comum, a propriedade privada fornece um incentivo para a labuta e a diligência, visto que “a renda da propriedade comum dá Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 35 menos prazer, e o gasto menos dor”, a “labuta”, concluiu o filósofo, “é mais doce que a ociosidade quando os homens ganham aquilo pelo qual se trabalhou duro ou que sabem que irão usar.” 5. A utopia coletivista direitista de Platão A busca de Platão por uma utopia coletivista hierárquica achou sua expressão clássica em sua obra mais famosa e influente, A Repú- blica. Lá, e depois em As Leis, Platão desenvolveu a doutrina de sua cidade-estado ideal: uma na qual a reta governança dos oligarcas é man- tida por reis-filósofos e por seus colegiados filosóficos, assim, suposta- mente tendo a ordem assegurada pelos melhores e mais sábios na co- munidade. Sob os filósofos na hierarquia coercitiva estavam os “guar- diões” — os soldados, cuja função era agredir outras cidades e terras e defender sua polis da agressão externa. Sob esses está o corpo popular, dos produtores desprezados: trabalhadores, camponeses e mercadores que produzem bens materiais dos quais os nobres filósofos e guardiões viverão. Estas três amplas classes são supostas a refletir um trêmulo e pernicioso salto se ao menos houver algum — o regramento próprio sobre a alma em cada ser humano. Para Platão, cada ser humano é divi- dido em três partes: “uma que deseja, uma que luta e outra que pensa”, e a hierarquia adequada dita do domínio dentro de cada alma é supos- tamente a razão em primeiro lugar, a luta em segundo e, finalmente, e no menor patamar, os precários desejos. As duas classes governantes — os pensadores e guardiões — que realmente contam, no estado de Platão, devem ser forçadas a viver sobre o puro comunismo. Não deve haver nenhum tipo de propriedade privada entre a elite; todas as coisas devem ser donificadas comumente, incluindo mulheres e crianças. A elite deve ser forçada a viver junto e a compartilhar refeições comuns. Visto que o dinheiro e as posses priva- das, de acordo com o aristocrata Platão, apenas corrompem a virtude, elas devem ser negadas para as classes mais altas. Parceiros de casa- mento entre a elite devem ser selecionados estritamente pelo estado, que deve proceder de acordo com as doutrinas científicas já conhecidas dentro do ramo da criação de animais. Se algum dos filósofos ou guar- diões ficarem infelizes com esse arranjo, eles terão de aprender que sua felicidade pessoal não significa nada em comparação com a felicidade da polis como um todo — um conceito bem obscuro na melhor das hi- Uma Perspectiva Austríaca — Antes de Adam Smith 36 póteses. Na verdade, aqueles que não são seduzidos pela teoria platô- nica da realidade essencial das ideias não acreditarão que exista uma entidade real tal como uma polis. Em vez disso, a cidade-estado ou co- munidade consiste apenas de indivíduos viventes e livres. Para conservar as elites e as massas subalternas disciplinadas, Platão instrui os filósofos a espalhar a “nobre” mentira de que eles mes- mos são descendentes dos deuses enquanto as outras classes são inferi- ores em sua descendência. A liberdade de expressão ou de investigação era, como já se poderia esperar, um anátema* para Platão. As artes são desaprovadas, e a vida dos cidadãos é para ser policiada para que se suprima qualquer pensamento ou ideia perigosa que possam vir à tona. Notavelmente, no próprio percurso de pôr adiante sua clássica apologia ao totalitarismo, Platão contribuiu para a ciência econômica ao ser o primeiro a expor e analisar a importância da divisão do trabalho na sociedade. Visto que sua filosofia social foi fundada numa separação necessária entre classes, Platão foi adiante para demonstrar que tal es- pecialização é fundada na natureza humana mais básica, em particular, sua diversidade e desigualdade. Platão faz Sócrates dizer em A Repú- blica que a especialização surge porque “nós não somos todos iguais; há muitas diversidades de naturezas entre nós que somos adaptados para diferentes profissões”. Visto que o homem produz diferentes coisas, os bens são natu- ralmente trocados entre cada um, de modo que a especialização neces- sariamente dá luz às trocas. Platão também aponta que essa divisão do trabalho aumenta a produção de todos os bens. Platão não viu problema, entretanto, em classificar moralmente as várias ocupações, com a filo- sofia, é claro, tendo o primeiro lugar e o trabalho ou comércio sendo sórdido e ignóbil. O uso do ouro e da prata como dinheiro acelerou bastante com a cunhagem em Lydia no início do século sétimo a.C., e o dinheiro cu- nhado se espalhou rapidamente para a Grécia. Mantendo desgosto pela produção de dinheiro, pelo comércio e pela propriedade privada, Platão foi talvez o primeiro teórico a criticar o uso do ouro e da prata enquanto dinheiro. Ele também odiava o ouro e a prata precisamente porque eles * Nota do Tradutor: Anátema está sendo empregado no sentido de uma maldição ou excomunhão, não no sentido grego habitual (oferenda posta no templo de uma deidade para agradecer por uma vitória ou outro evento favorável). Os Primeiros Filósofos-Economistas: Os Gregos 37 serviam como moedas correntes internacionais, aceitas por todas as pes- soas. Visto que esses metais preciosos são universalmente aceitos e existem à parte do imprimatur do governo, o ouro e a prata constituem uma potencial ameaça às regulações moral e econômica da polis pelos governantes. Platão defendia uma moeda fiduciária do governo, multas pesadas na importação do ouro por fora da cidade-estado, e a exclusão da cidadania de todos os comerciantes e trabalhadores que mexem com dinheiro. Uma das marcas registradas de uma utopia ordenada vista por Platão é que, para permanecer ordenada e controlada, ela deve ser man- tida relativamente estática. E que significa pouca ou nenhuma mudança, inovação ou crescimento econômico. Platão antecipou alguns intelectu- ais atuais em seu rancor pelo crescimento econômico, e por razões si- milares: notavelmente, o medo do colapso da dominação do estado pe- las elites regentes. Particularmente difícil na tentativa de congelar uma sociedade em uma forma estática é o problema do crescimento popula- cional. Bem consistentemente, portanto, Platão defendeu o congela- mento do tamanho da população da cidade-estado, mantendo o número de seus cidadãos limitados a 5 mil famílias agricultoras de donos de terra. 6. Xenofonte sobre a administração doméstica Um discípulo e contemporâneo a Platão foi o aristocrata latifun- diário ateniense e general do exército Xenofonte (430-354 a.C.). Os es- critos econômicos de Xenofonte eram espalhados em obras tais como um atestado de educação de um príncipe persa, um tratado sobre como aumentar a receita do governo, e um livro sobre “economia” no sentido de pensamentos sobre a tecnologia doméstica e administração
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