Prévia do material em texto
W BA 08 58 _V 1. 1 ERGONOMIA 2 Renan Primo São Paulo Platos Soluções Educacionais S.A 2021 ERGONOMIA 1ª edição 3 2021 Platos Soluções Educacionais S.A Alameda Santos, n° 960 – Cerqueira César CEP: 01418-002— São Paulo — SP Homepage: https://www.platosedu.com.br/ Diretor Presidente Platos Soluções Educacionais S.A Paulo de Tarso Pires de Moraes Conselho Acadêmico Carlos Roberto Pagani Junior Camila Braga de Oliveira Higa Camila Turchetti Bacan Gabiatti Giani Vendramel de Oliveira Gislaine Denisale Ferreira Henrique Salustiano Silva Mariana Gerardi Mello Nirse Ruscheinsky Breternitz Priscila Pereira Silva Tayra Carolina Nascimento Aleixo Coordenador Nirse Ruscheinsky Breternitz Revisor Joubert Rodrigues dos Santos Júnior Editorial Alessandra Cristina Fahl Beatriz Meloni Montefusco Carolina Yaly Mariana de Campos Barroso Paola Andressa Machado Leal Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)______________________________________________________________________________________ Primo, Renan P953e Ergonomia / Renan Primo, – São Paulo: Platos Soluções Educacionais S.A., 2021. 44 p. ISBN 978-65-89881-60-5 1. Saúde e segurança no trabalho. 2. Projeto ergonômico. 3. Prevenção. I. Título. CDD 658.38 ____________________________________________________________________________________________ Evelyn Moraes – CRB 010289/O © 2021 por Platos Soluções Educacionais S.A. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Platos Soluções Educacionais S.A. 4 SUMÁRIO Ergonomia: conceitos e aplicações ___________________________ 05 Doenças Ocupacionais e Postos de Trabalho Ergonômicos __ 21 Impactos do ambiente laboral ergonomicamente inadequado _______________________________________________________________ 37 ERGONOMIA 5 Ergonomia: conceitos e aplicações. Autoria: Renan Primo Leitura crítica: Joubert Rodrigues dos Santos Junior Objetivos • Compreender os fundamentos da ergonomia e suas origens. • Discorrer sobre a importância, as aplicações e as regulamentações da ergonomia. • Dialogar sobre as dimensões do estudo ergonômico: Ergonomia Física, Cognitiva e Organizacional. 6 1. Ergonomia: uma ciência interdisciplinar, multidimensional e essencial Imagine o seguinte cenário: uma enfermeira (que chamaremos de Maria) se desloca para o hospital, seu local de trabalho, onde fará um plantão noturno, das 19h às 7h da manhã. Chegando lá, encontra sua colega Joana, que demonstra bastante cansaço; ouve atentamente as orientações sobre as ocorrências do expediente passado e anota as informações. No entanto, Joana está atrasada para pegar o ônibus e precisa correr. Maria tem em suas mãos, além das demandas direcionadas por Joana, suas rotinas diárias e seus pacientes prioritários. Então, decide começar por suas rotinas, sendo a primeira acompanhar uma paciente que saiu de uma cirurgia naquela noite, cujo leito fica ao final do corredor. Ao se deslocar para lá, uma técnica de enfermagem a chama na primeira sala do corredor para avaliar uma situação, e Maria prontamente atende. Ao voltar ao corredor, ela se depara com problemas em mais quatro leitos, anteriores ao leito que ela deveria avaliar. Todos eles eram importantes e demandaram uma atenção especial. Dessa forma, apenas consegue chegar ao leito do paciente de sua rotina depois de 1h30min do início de seu turno. O acompanhante do paciente em questão, irritado com a demora, diz que Joana, sua colega do plantão anterior, havia dito que passaria no leito antes dela para avaliar a situação, porém não foi. Assim, contabilizando essa espera mais o tempo de turno de Maria, já se somavam 3h de aguardo. Joana infelizmente não havia passado tal informação para Maria; pelo menos, não estava em suas anotações. Então, o acompanhante, descontente com o atendimento, abre uma denúncia na ouvidoria do hospital, indicando a ocorrência de negligência, visto que a paciente 7 recém-operada havia passado mal nesse período de espera. Diante dessa situação, a direção do hospital aplica uma advertência a Maria. Nesse contexto hipotético, quem seria o responsável por todo esse desconforto: Joana, a enfermeira do turno anterior; o horário do ônibus que causou a necessidade de Joana passar as informações de forma apressada; ou Maria, que não se atentou para a situação da paciente do final do corredor e não a priorizou? De toda forma, se ela houvesse priorizado, será que os demais pacientes dos leitos problemáticos anteriores não abririam uma denúncia também? Ou será que o responsável por esses desconfortos não seria o acompanhante, que estava alterado pela situação do seu ente querido que estava internado? Ou ainda a direção do hospital por não avaliar o contexto da situação ao decidir pela necessidade de advertência? São muitas perguntas, muitos questionamentos, porém o ponto de destaque para essa situação é: onde a Ergonomia entra nesse caso? De forma simplista, a ergonomia busca entender como o ser humano interage com os sistemas e elementos do trabalho, a fim de modificá-los para o aumento do conforto, da saúde, da segurança e do desempenho do trabalhador e, consequentemente, da organização/empregador. Isso quer dizer que a ergonomia procura compreender, de forma profunda, o universo do trabalho, envolvendo todo o ambiente de forma integrada para assim poder transformá-lo genuinamente (GUÉRIN et al., 2001, p.1). Para esse caso de Maria, existem problemas organizacionais, sociais, físicos e cognitivos que precisam ser considerados de forma integrada para a compreensão do trabalho. Não existem culpados, mas um ambiente complexo com diversas variáveis. Essa é a verdadeira face de um trabalho real, seja ele de alta complexidade ou não. A história da ergonomia se relaciona com muitos movimentos científicos, econômicos e sociais, destacando-se, sobretudo, na relação com 8 a história do trabalho humano, das organizações do trabalho, das tecnologias, dos artefatos e dos sistemas. A ergonomia ainda é uma disciplina jovem, e suas raízes se encontram em disciplinas mais antigas, como a biologia humana, a medicina do trabalho, as ciências cognitivas, a psicologia do trabalho, a sociologia do trabalho, a organização do trabalho e as ciências da gestão (LEPLAT; MONTMOLLIN, 2007, p. 33). De acordo com Iida (2018, p. 7), a ergonomia possui uma data “oficial” de nascimento: 12 de julho de 1949. Nesse dia, reuniram-se na Inglaterra pela primeira vez um grupo de cientistas e pesquisadores interessados em estudar, discutir, incrementar e formalizar a existência desse novo ramo de aplicação interdisciplinar da ciência. Muitos desses pesquisadores já se conheciam devido às pesquisas de cunho militar, realizadas durante a Segunda Guerra Mundial, o que facilitou e contribuiu para um bom progresso das conversas. Após essa primeira integração, o mesmo grupo se reuniu em 16 de fevereiro de 1950 e propôs a utilização do neologismo ergonomics (ergonomia em tradução livre), formado pelos termos gregos ergon (trabalho) e nomos (regras, leis naturais). Tal termo foi adotado na fundação da Ergonomics Research Society (ERS) (Sociedade de Pesquisa em Ergonomia, em tradução livre) no mesmo ano, mudando seu nome em meados de 2009 para Institute of Ergonomics & Human Factors (IEHF) (Instituto de Ergonomia e Fatores Humanos, em tradução livre). No entanto, se pensarmos nos fundamentos da ergonomia, essa ciência já estava presente muito antes desse período. Podemos citar, por exemplo, as contribuições de Leonardo da Vinci no século XV, quem, segundo De Lima et al. (2010, p.13), é considerado como o precursor daErgonomia. Ele, como bem sabemos, era um visionário, extremamente curioso e ávido por novos saberes, integrando diversos conhecimentos em suas obras, como arquitetura, engenharia, anatomia, pintura, escultura, fisionomia etc., com um dos objetivos de incorporar ao máximo o “homem universal”, como centro do universo, tão difundido em sua época. Assim, ao longo das suas mais de 600 obras relacionadas 9 à anatomia, passou a analisar criteriosamente a influência de elementos como movimentos, luz e sombras sobre as atividades humanas, o que impactou de forma concreta o desenvolvimento de outros estudos que contribuíssem com o que hoje chamamos de ergonomia (EUGÊNIO, 2014, p. 4). Silva e Paschoarelli (2010, p. 18) também abordam de forma minuciosa a evolução histórica da ergonomia, destacando alguns de seus precursores. Em meados do século XVII, por exemplo, destaca-se o médico italiano Bernardino Romazzini, que discorreu sobre doenças e lesões relacionadas ao trabalho. Nessa mesma época, Bernard Forest de Bélidor também se destaca principalmente ao analisar a capacidade de trabalho físico de operários utilizados para a construção de muralhas e pontes, no que diz respeito ao transporte de cargas por período prolongado. Ele identificou algumas relações entre esforço físico, postura e produtividade para aqueles operários, propondo intervenções. Ainda de acordo com Silva e Paschoarelli (2010, p. 29), outro precursor digno de destaque é Philibert Patissier, médico estudioso que realizou as primeiras estatísticas sobre mortalidade e morbidade da população operária. Ele já insistia na proteção individual, preconizando o uso de bexigas animais para proteção respiratória e de óculos para proteção contra corpos estranhos, além de recomendar aos ourives levantarem a cabeça algumas vezes por dia para olhar o horizonte de modo a minimizar a fadiga visual. Assim como Romazzini, ele contribuiu para o surgimento de um movimento a favor da segurança do trabalhador na França, que posteriormente se estenderia para o restante do mundo. Nesse período entre o século XVII até meados de 1950, houve diversas contribuições para a ergonomia, influenciadas pela revolução industrial, pelo taylorismo, pela globalização e pelo desenvolvimento tecnológico. Considerando esse marco inicial de 1950, podemos destacar que após a Segunda Guerra Mundial originou-se o que atualmente se denomina como “as duas abordagens da ergonomia”: a anglo-saxônica, também 10 chamada de Human Factors ou fatores humanos; e a franco-fônica, ou franco-belga, que nasceu com o nome de análise da atividade em situação real e que posteriormente foi chamada de análise do trabalho (GEMMA, 2008, p. 58). Ainda de acordo com Gemma (2008, p. 59), a diferença básica entre ambas as abordagens é que o objetivo da ergonomia da Grã-Bretanha era adaptar a máquina ao homem, e da França era adaptar o trabalho ao homem. Porém, mesmo com objetivos ligeiramente distintos, ambas nutriam uma intenção inicial comum: inverter a lógica da adaptação do trabalhador à máquina ou às condições estabelecidas pelo trabalho, exigidas principalmente pelo mecanismo taylorista-fordista que ainda hoje são presentes, principalmente nos setores industriais. De forma complementar, a International Ergonomics Association (IEA) adotou em 2000 uma definição da ergonomia considerada atualmente uma referência internacional, como destacado por Falzon (2007): A Ergonomia (ou Human Factors) é a disciplina científica que visa a compreensão fundamental das interações entre os seres humanos e os outros componentes de um sistema, e a profissão que aplica princípios teóricos, dados e métodos com o objetivo de otimizar o bem-estar das pessoas e o desempenho global dos sistemas. Os profissionais que praticam a ergonomia, os ergonomistas, contribuem para a planificação, concepção e avaliação das tarefas, empregos, produtos, organizações, meios ambientes e sistemas, tendo em vista torná-los compatíveis com as necessidades, capacidades e limites das pessoas. (FALZON, 2007, p. 5) Essa visão da IEA consegue integrar e dialogar com as duas abordagens ergonômicas já citadas (anglo-saxônica e franco-belga), traduzindo assim, de forma precisa, os fundamentos essenciais da ergonomia. Vale ressaltar que, segundo Moraes e Mont’álvão (2003, p.7), a atenção com os fatores humanos não acompanhou o desenvolvimento tecnológico em que vivemos. Antigamente (séculos passados), os 11 ambientes de trabalho eram visivelmente insalubres, degradantes, e por isso os estudos estavam mais direcionados à mortalidade e às morbidades. Na Figura 1, por exemplo, podemos verificar a foto de uma fábrica de bicicletas na Inglaterra. Pode-se perceber que o trabalho era visivelmente segmentando entre homens e mulheres, sendo as mulheres operárias e os homens os supervisores. Além disso, observa- se que não há assentos para descanso, proteção para as máquinas ou Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para as operadoras, como protetor auricular, máscaras etc. Figura 1 – Foto de uma antiga fábrica de bicicletas na Inglaterra Fonte: ilbusca/iStock.com. A partir da 3ª Revolução Industrial, do advento da Indústria 4.0, do bombardeio tecnológico, das ações normativas de proteção 12 ao trabalhador e de uma visão mais próxima da prevenção pelas organizações, os riscos ergonômicos se reduziram, porém não se extinguiram. Na verdade, eles se tornaram invisíveis, imperceptíveis. Por isso promover ações e normativas para questões ergonômicas se faz necessário para o momento em que vivemos. Segundo Mendonça (2004), alguns exemplos nacionais de que a área de ergonomia está se desenvolvendo e se fortalecendo se destacam, como: • O estabelecimento da Norma Regulamentadora n. 17 (NR-17) pela Portaria n. 3.751, de 23 de novembro de 1990 (BRASIL, 1990), que estabelece os princípios de ergonomia direcionados às organizações. • A publicação do Manual de Aplicação da NR-17 em 2002 (BRASIL, 2002) pelo então Ministério do Trabalho e Emprego. • O avanço e o fortalecimento de órgãos fiscalizadores e de associações compostas por profissionais de saúde e segurança ocupacional. • O crescente interesse em busca de capacitação na área de ergonomia por meio de especializações, capacitações e certificações, como a proporcionada pela Associação Brasileira de Ergonomia (ABERGO). Porém, mesmo com todo o progresso da ergonomia no Brasil e no mundo, atualmente a sobrecarga causada pela intensificação do ritmo de trabalho e a subcarga causada pela monotonia em ambientes mais administrativos ainda contribuem e incrementam as possibilidades de erro e de problemas físicos, cognitivos e psíquicos para trabalhadores. Voltemos ao exemplo da enfermeira Maria. Toda a pressão sentida por ela pela própria natureza do seu trabalho provavelmente refletirá em 13 sua saúde física e cognitiva, além de impactar a própria organização do trabalho, que nesse caso se caracteriza como a direção do hospital. Por isso, a ergonomia pode ser caracterizada em três grandes frentes, que se distinguem, porém não se separam: a ergonomia física, cognitiva e organizacional. Segundo Eugênio (2014, p.14), a ergonomia física se encarrega de compreender as características da anatomia humana, da antropometria, da fisiologia e da biomecânica relacionadas com a atividade física em ambientes de trabalho. Alguns exemplos relacionados a esse segmento são: a postura conforme a atividade; o manuseio correto de materiais e equipamentos; os movimentos repetitivos que podem causar distúrbios musculoesqueléticos; e a própria projeção dos postos de trabalho. Na Figura 2, é possível identificar a maneira correta de carregar um peso, que no caso deve ser feito com a coluna na posição vertical, utilizando-se a musculatura da perna. Figura 2 – Levantamento correto de carga Fonte: ilbusca/iStock.com. 14 A própria NR-17 (BRASIL, 2002) possui diretrizes gerais com relação ao processo de carregamentode cargas, porém sem definição de cargas máximas. Portanto, é pertinente que se utilizem metodologias de cálculo, como a produzida pelo NIOSH (National Institute for Occupational Safety and Health, ou Instituto Nacional de Saúde e segurança Ocupacional em tradução livre). Já a ergonomia cognitiva aborda os processos mentais, como percepção, memória, raciocínio e resposta motora, relacionados com as interações entre as pessoas e outros elementos de um sistema. Vale ressaltar que essa visão cognitiva ganhou grande relevância a partir da década de 1980, com a difusão da informática, dos trabalhos informatizados e das máquinas programáveis em praticamente todos os setores de atividade humana (IIDA, 2018, p. 12). Por fim, temos a ergonomia organizacional, que trata da utilização dos sistemas sociotécnicos, abrangendo as estruturas organizacionais e políticas e os processos e sistemas de trabalho. Cabe salientar que o campo de ação da ergonomia pode ser bastante diverso e, em algum sentido, até mesmo paradoxal. Para uns, ele é estritamente limitado a uma adaptação física dos objetos cotidianos, como uma mobília, limitando-se ao mundo físico do posto de trabalho. Já para outros, é utilizado apenas para reduzir o índice de acidentes ou aumentar a produtividade no trabalho. No entanto, Falzon (2007, p. 8) destaca que a especificidade da ergonomia reside na tensão entre dois objetivos. O primeiro é centrado na organização, que pode ser apreendido sobre diferentes aspectos, como: produtividade, confiabilidade, eficiência, qualidade, durabilidade, controle etc. Já o segundo é centrado nas pessoas, implicando em diferentes dimensões, como: saúde, conforto, segurança, usabilidade, acessibilidade, satisfação, prazer etc. Nenhuma outra ciência declara de forma tão específica esse duplo objetivo. O ergonomista ou o 15 profissional que atua em ergonomia, por sua vez, pode até preferir um ou outro desses objetivos, porém ninguém pode pretender ser ergonomista ignorando um ou outro. Percebe-se aqui uma característica interessante. Por um lado, existe a organização, pautada por um sistema que visa prioritariamente ao desempenho por meio de dimensões incorporadas pela própria natureza do trabalho ao trabalhador, como o controle de produtividade, eficiência etc. Por outro lado, existe o trabalhador, o humano e suas necessidades físicas, cognitivas, psicossociais, coletivas, com o aspecto do prazer e do sofrimento, o trabalho real. Como o ergonomista lida com esses desafios? O método da Análise Ergonômica do Trabalho (AET) dá pistas de como lidar com essa questão, por meio de um olhar mais integrador: Os conhecimentos produzidos pela ergonomia dizem respeito ao ser humano e sua ação. Não se trata apenas de estudar o sujeito em atividade, mas de gerar conhecimentos úteis a ação, quer se trate da transformação ou da concepção de situações de trabalho ou objetos técnicos, ou ainda, de produzir conhecimentos sobre a própria ação ergonômica, ou seja, criar metodologias de análise e intervenção nas situações de trabalho, metodologias de participação na concepção e avaliação dos dispositivos técnicos e organizacionais. (GEMMA, 2008, p. 63) Segundo Abrahão et al. (2009, p.180), diferentemente dos métodos científicos tradicionais, em que as hipóteses são previamente elaboradas e apontadas, na AET elas são construídas, validadas e/ou refutadas ao longo do processo. A abordagem metodológica em ergonomia possui dois atributos essenciais: sentido ascendente de investigação e flexibilidade de delineamento. Tais características permitem investigar o trabalho real do sujeito, respeitando sua variabilidade, assim como a situação de trabalho e os instrumentos. Além disso, essa abordagem permite revelar 16 a complexidade do trabalhar, levando em consideração os fatores humanos e organizacionais da atividade. A AET pressupõe a utilização de distintas técnicas, cuja importância para a análise depende da problemática e da configuração da demanda (PRIMO, 2020, p. 50). Uma ação ergonômica aplicada pela AET de forma canônica é composta de algumas fases específicas, cujos princípios teóricos e metodológicos foram apresentados por Guérin et al. (2001, p.81) e reproduzidos por Abrahão et al. (2009, p.181). Essas fases são: • Análise da demanda. • Coleta de informações sobre a empresa. • Levantamento das características da população. • Escolha das situações de análise. • Análise do processo técnico e da tarefa. • Observações globais e abertas da atividade. • Elaboração de um pré-diagnóstico – hipóteses explicativas de nível 2. • Observações sistemáticas – análise de dados. • Validação. • Diagnóstico. • Recomendações e transformação. Cada uma dessas fases visa integrar as bases da abordagem ergonômica, que pressupõe um estudo centrado na atividade real de trabalho, na globalidade da situação de trabalho e na consideração 17 da variabilidade da produção, da tecnologia e dos operadores. No entanto, essas fases não acompanham a linearidade apresentada, sendo utilizadas apenas como forma pedagógica e não implicando necessariamente que sejam seguidas uma após a outra. Muitas vezes, o profissional de ergonomia, ao se confrontar com a realidade do trabalho e compreender dia após dia as características e peculiaridades dos postos de trabalho, poderá se ver obrigado a retornar a algumas fases anteriores para a coleta de mais informações. Portanto este é um método interativo, podendo ser mais bem visualizado na Figura 3. Figura 3 – Fluxo interativo da AET Fonte: Abrahão et al. (2009, p. 183). Além disso, ressalta-se a importância de se iniciar uma primeira transformação no próprio ergonomista (ou profissional que fará a análise), principalmente no que diz respeito ao seu olhar sobre os atores, as tecnologias e os processos a serem observados, deixando de lado qualquer pressuposição, preconceito ou pressentimento isolado. O método da AET permite a ele esse olhar, de forma a distinguir, porém 18 não separar. Por exemplo: nas funções de um gestor e de um operário, a AET pressupõe a necessidade de um olhar para aquele contexto como um contexto híbrido, em que todos deverão ser ouvidos com atenção e confiança. Para tanto, compreender os conceitos de Tarefa e Atividade se torna indispensável para uma ação ergonômica de transformação. Segundo Guérin et al. (2001, p. 11), existe um distanciamento entre a organização prescrita (estabelecimento de regras, normas, procedimentos técnicos) e o que é chamando de trabalho real (aquilo que realmente é realizado, incluindo as etapas que não estão inseridas normativamente, como os imprevistos e as variabilidades das tarefas). Isso quer dizer que o que está prescrito não é suficientemente satisfatório para dar conta do trabalho real, implicando ao operador a utilização de sua inteligência e experiência para superar as dificuldades que poderão surgir cotidianamente no universo do trabalho. Uma das evidências de que as ordens ou os procedimentos contidos nos manuais da organização do trabalho não funcionam da forma esperada é a famosa operação padrão, também conhecida como “greve branca”: quando os operadores resolvem cumprir todas as determinações, porém sem nenhuma flexibilidade ou ação de contorno a imprevistos, tornando assim o trabalho moroso e paradoxalmente ineficiente (GEMMA, 2008, p. 84). [...] nenhuma sociedade pode viver apenas de autoridade, regulamentos, normas, imposições [...] a sociedade vive porque existe na base uma espécie de anarquia de fato, em que as pessoas se desvencilham e trapaceiam, e a ordem superior só vive pela desordem inferior, o que apesar de grande paradoxo, é encontrado em todos os campos, porque na fábrica da Renault, os estudos de Monthé mostraram que, se tomassem ao pé da letra as instruções da direção e dos engenheiros, tudo pararia. (MORIN, 2003, p. 113) 19 Nesse sentido, a ergonomia busca suprir essa lacuna entre o que é prescrito e o que éreal, utilizando-se de todas as ferramentas disponíveis e pertinentes para que a análise possua robustez de compreensão para uma genuína transformação. Dessa forma, a ergonomia se caracteriza, de fato, como uma ciência interdisciplinar, multidimensional e principalmente essencial para uma transformação benéfica ao trabalhador e à organização. Referências ABRAHÃO, J. et al. Introdução à Ergonomia: da teoria à prática. São Paulo: Blucher, 2009. BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Manual de Aplicação da Norma Regulamentadora n. 17. 2002. Disponível em: http://www.ergonomia.ufpr.br/ MANUAL_NR_17.pdf. Acesso em: 15 mar. 2021. BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Portaria MTE/MPS n. 3.751, de 23 de nov. de 1990. Altera a Norma Regulamentadora nº 17–Ergonomia. 1990. Disponível em: https://enit.trabalho.gov.br/portal/images/Arquivos_SST/SST_Legislacao/SST_ Legislacao_Portarias_1990/Portaria-n.-3.751-Altera-a-NR-17-e-NR-15.pdf. Acesso em: 15 mar. 2021. DE LIMA, M. J. A. et al. Os estudos de Leonardo da Vinci e sua ação precursora na ergonomia. In: SILVA, J. C. P.; PASCHOARELLI, L. C. (org.), A Evolução Histórica da Ergonomia no Mundo e seus Pioneiros. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. p.11- 16 EUGÊNIO, S. A. M. Ergonomia industrial. Londrina: UNOPAR, 2014. FALZON, P. Natureza, objetivos e conhecimentos da Ergonomia. Elementos de uma análise cognitiva da prática. In: FALZON, P. (ed.) Ergonomia. São Paulo: Blucher, 2007. p. 3-20 GEMMA, S. F. B. Complexidade e agricultura: organização e análise ergonômica do trabalho na agricultura orgânica. 2008. Tese (Doutorado em ergonomia) – Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008. GUÉRIN, F. et al. Compreender o trabalho para transformá-lo: a prática da ergonomia. São Paulo: Edgard Blucher, 2001. IIDA, Itiro. Ergonomia: Projeto e Produção. 3. ed. rev. São Paulo: Edgar Blucher, 2018. p.630 20 LEPLAT, J.; MONTMOLLIN, M. As relações de vizinhança da ergonomia com outras disciplinas. In: FALZON, P. (ed.). Ergonomia. São Paulo: Edgar Blucher, 2007. p. 33- 44 MENDONÇA, S. de S. Análise Ergonômica do Trabalho de Manutenção de Linhas de Transmissão. 2004. 244 f. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2004. MORAES, A. M. de; MONT’ALVÃO, C. Ergonomia: conceitos e aplicações. 3 ed. Rio de Janeiro: 2AB, 2003. MORIN, E. Ciência com consciência. 7. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003. PRIMO, R. Heróis invisíveis, os Eletricistas de Linha Viva e seus artefatos: contribuições da ergonomia e da psicodinâmica do trabalho. 2020. 118 p. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) – Faculdade de Ciências Aplicadas, Universidade Estadual de Campinas, Limeira, 2020. SILVA, J. C. P. da; PASCHOARELLI, L. C. A evolução histórica da ergonomia no mundo e seus pioneiros. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2010. 21 Doenças Ocupacionais e Postos de Trabalho Ergonômicos. Autoria: Renan Primo Leitura crítica: Joubert Rodrigues dos Santos Júnior Objetivos • Compreender os agentes causadores de doenças ocupacionais. • Discorrer sobre aspectos antropométricos e sua importância. • Analisar postos de trabalho pelo viés ergonômico, quanto a suas características e não conformidades. 22 1. Ergonomia e sua relação com as doenças ocupacionais A segurança no trabalho é um tema de extrema importância, porque impacta não apenas os trabalhadores, mas também as organizações, a sociedade, a economia, o meio ambiente, entre outras esferas. Por exemplo, se um trabalhador sofre um acidente de trabalho e precisa ser afastado, provoca despesas ao sistema de saúde; ao Estado, que precisará pagar seus direitos previdenciários; à organização, que perderá sua força de trabalho de forma temporária ou permanente; à família, que sofrerá os impactos dessa ocorrência em suas rotinas; entre outros problemas. Por isso, a segurança do trabalhador está ganhando cada dia mais relevância. Segundo Daniellou, Simard e Boissières (2010), existe nos acidentes de trabalho uma grande notoriedade que independe do setor em que está inserido, visto que tais eventos são reflexos instantâneos de que algo não está certo ali. Ressalta-se também que os acidentes geralmente são atribuídos a “erros humanos”, porém colocá-los como causa das ocorrências consiste em uma simplificação que não favorece a prevenção, visto que tais “erros” podem ser consequências de características da própria situação de trabalho, na qual não foi permitida ao trabalhador e a seus pares uma mobilização de suas competências de maneira a se evitar o incidente. Segundo o Anuário Estatístico de Acidentes de Trabalho (BRASIL, 2017), foram registrados 549.405 acidentes (não liquidados) de trabalho em todo o Brasil em 2017, o que representa uma queda de 6,19% em relação a 2016, seguindo a tendência de diminuição dos últimos dez anos. No período de 2008 a 2017, a taxa de incidência de acidentes de trabalho no país caiu de 22,98 para 13,74 acidentes a cada mil vínculos empregatícios. 23 Tais informações demonstram que a cultura de segurança caminha para uma melhora gradual. No entanto, o número de acidentes ainda é exorbitante e traz custos altíssimos para o Estado e a sociedade. De acordo com o Observatório Digital de Saúde e Segurança do Trabalho (OIT, [s.d.]), no período de 2018, a Previdência Social gastou aproximadamente 4,9 bilhões de reais com aposentadorias por invalidez por acidente de trabalho. Já o acumulado de 2014 a 2018 foi de 16,4 bilhões de reais, e apenas para uma modalidade. Há ainda despesas previdenciárias de auxílio-doença para acidentes de trabalho, pensão por morte acidentária e auxílio-acidente, que somados chegaram a 13,2 bilhões de reais em 2017. No entanto, os problemas de segurança não são advindos apenas de acidentes de trabalho. De acordo com Eugênio (2014, p. 57), a segurança no trabalho pode ser entendida como um conjunto de medidas que visam reduzir os acidentes de trabalho e as doenças ocupacionais, sendo essa segunda modalidade de problemas também de extrema importância. Segundo Moraes (2014): As doenças ocupacionais são adquiridas através da exposição dos trabalhadores aos agentes ambientais físicos, químicos e biológicos, em situações acima do limite de tolerância. Normalmente ocorrem após vários anos de exposição, e algumas doenças ocupacionais podem surgir mesmo depois que o trabalhador se afasta do agente causador. Alguns fatores influenciam no desenvolvimento da doença ocupacional, como o tempo de exposição ao agente, a concentração dos agentes no ambiente laboral e as características especificas de cada agente ambiental, os quais contribuem para potencializar a agressividade do agente ao trabalhador, porém a suscetibilidade individual determina o aparecimento ou agravamento das doenças ocupacionais. (MORAES, 2014, p. 17) Nesse sentido, é importante salientar que as doenças ocupacionais não se destacam predominantemente pela sua gravidade, mas sim pela 24 sua frequência, prevalência e sutileza (muitas são doenças silenciosas). Por exemplo, de acordo com Moraes (2014), o agente ergonômico (denominado pela autora também como um agente ambiental) é responsável pela prevalência de lesões ou distúrbios como LER (Lesões por Esforços Repetitivos)/DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho), representando cerca 80% dos afastamentos dos trabalhadores. De forma complementar, segundo Shiguemoto (2019, p. 78), os distúrbios LER/DORT englobam aproximadamente 30 doenças, indicando a grande variabilidade e o espectro de influência desse agente. Ressalta-se também que os agentes ergonômicos são um dos causadores de doenças ocupacionais. Porém, a ergonomia busca atuar em todos os agentes existentes, e não apenas nos ergonômicos. Por isso, cabe-nos ainda entender os tipos de doenças ocupacionais a partir da exposição a cada agente, para que a ação ergonômica englobe o trabalho comoum todo e de forma integrada para grande parte dos setores e ambientes. Sendo assim, a seguir discorreremos brevemente sobre as doenças ocupacionais derivadas da exposição a agentes físicos, químicos, biológicos e ergonômicos por meio das contribuições de Moraes (2014). Agentes Físicos Segundo a NR-9 (BRASIL, 2020), riscos físicos podem ser definidos como as diversas formas de energia a que os trabalhadores possam estar expostos. Eles são gerados por agentes capazes de modificar as propriedades físicas do meio ambiente. Os agentes físicos são: temperatura extrema (calor ou frio), radiação ionizante e não ionizante, umidade, pressões anormais, ruído e vibração. 25 Algumas doenças ocupacionais relacionadas a esses agentes: para o calor, por exemplo, rendimento físico e mental diminuído, lesões oculares, cãibras, síncope, exaustão, desidratação, choque térmico etc.; para o frio, hipotermia, hipóxia, doenças de vias respiratórias, doenças circulatórias e reumáticas, doenças dermatológicas. Agentes químicos Segundo a NR-9 (BRASIL, 2020), considera-se risco químico substâncias compostas ou produtos que possam penetrar no organismo pela via respiratória, ou que, pela natureza da atividade de exposição, possam ter contato com a pele ou ser absorvidos pelo organismo por ingestão. Os agentes podem ser poeiras, fumos, névoas, neblinas, agrotóxicos etc., podendo causar diversas doenças pulmonares, como pneumoconioses. Também são caracterizados como agentes químicos os metais pesados, que podem causar o saturnismo, derivado da exposição ao chumbo. Agentes biológicos Agentes biológicos são microrganismos, incluindo os geneticamente modificados, as culturas de células, os parasitas, as toxinas e os príons, os quais são capazes de provocar infecções, alergias ou toxidade em humanos. Além destes, são considerados ainda as bactérias, os vírus e os fungos. Incluem-se também mordidas por animais peçonhentos e mordida e ataque de animais domésticos (como cães) ou selvagens. Agentes ergonômicos Os agentes ergonômicos são caracterizados pela ausência de adaptação das condições de trabalho às características do trabalhador, ou seja, a adaptação do trabalho ao homem. Os riscos ergonômicos são caracterizados por fatores externos, da organização e do ambiente de trabalho, e internos, de cunho emocional. Entre os mais comuns estão: trabalho físico com carregamento de cargas; posturas incorretas; 26 posições incômodas, que incluem torções, repetitividade, monotonia e ritmo excessivo; e trabalho em turnos noturnos. Entre as doenças ocupacionais mais comuns, destacam-se as LER/DORT, que possuem maior prevalência em trabalhadores que permanecem por um longo período em determinada posição ou realizando os mesmos movimentos de forma repetida, sendo muito comuns em bancários, analistas, digitadores, linha de montagem, telemarketing etc. Segundo Shiguemoto (2019), existem algumas doenças ocupacionais agravadas pelo posicionamento do trabalhador em seu posto de trabalho: • Em pé: envolve o trabalho das pernas e dos pés, podendo levar a problemas circulatórios. • Sentado (sem encosto): sobrecarga dos músculos das costas. • Assento muito alto: afeta pernas, joelhos e pés. • Assento muito baixo: afeta pescoço e ombros. • Braços esticados: afeta ombros e braços. • Pegas inadequadas: perigo de lesão do antebraço. • Punho em posição não neutra: lesão nos punhos. • Rotações no corpo: danos na coluna. Ao identificarmos a quantidade de agentes que podem ocasionar uma doença ocupacional, é de suma importância que o ambiente de trabalho seja monitorado e ajustado para que o trabalhador se exponha o mínimo possível a riscos. Nesse sentido, a ergonomia apresenta-se como a única ciência que congrega uma série de saberes imprescindíveis para projetar e implementar soluções para sistemas, processos, máquinas 27 e produtos, sendo um fator-chave para uma organização saudável e próspera no ambiente socioeconômico de hoje (BRILINGER et al., 2017). Para tanto, a ergonomia necessita possuir uma abordagem prospectiva. A ergonomia prospectiva se caracteriza pela capacidade de identificar necessidades atuais e projeções futuras, de modo a construir uma visão integrada que contribua para uma transformação eficaz do ambiente de trabalho. Isso implica identificar, para além dos agentes causadores de doenças ocupacionais, as próprias características antropométricas do ser humano. Segundo IIda e Guimarães (2018), a antropometria trata de medidas físicas do corpo humano e de suas características. Em um primeiro momento, medir pessoas parece uma tarefa fácil, bastando uma régua ou trena e estará feito. No entanto, quando pensamos em medidas que representem uma população para determinada intervenção, inovação ou transformação, é necessário que se estabeleçam premissas, a fim de abranger a maior população possível. Para tanto, é preciso atentar-se a algumas variabilidades dimensionais humanas. Por exemplo, ao longo do tempo, observa-se um aumento significativo na média de altura das populações, havendo também diferenças entre etnias em termos de dimensão corporal. Além disso, existem diferenças claras entre sexos, como o homem apresenta de forma geral ombros e tórax mais largos. Outro ponto é que as medidas antropométricas se dividem em estruturais ou estáticas, obtidas com o corpo do indivíduo em posições padrão e utilizadas em projetos de equipamentos que demandem pouca movimentação corporal para sua operação; e em medidas funcionais ou dinâmicas, obtidas com o corpo do indivíduo em diversas posturas de trabalho (SHIGUEMOTO, 2019, p. 32). Por fim, postos de trabalhos devem ser projetados com base em percentis de medidas corporais, que equivalem ao máximo ou mínimo 28 possível, isto é, 95º percentil ou 5º percentil, geralmente adotados para dimensionamento ergonômico de postos de trabalho ou novas tecnologias. Por exemplo, ao dimensionar um vão de porta, deve-se escolher o 95º percentil de altura, visto que, se esse vão contemplar o 95º mais alto, contemplará o menor dos indivíduos. Agora para dimensões que envolvam a dimensão de alcance, deve-se utilizar o 5º percentil, visto que, ao atender o sujeito que possui um alcance reduzido (menor), ele consequentemente já abrangerá o indivíduo de alcance superior. 2. Dimensionamento de postos de trabalho O dimensionamento dos postos de trabalho é uma ação de fundamental importância para a empresa e, principalmente, para o trabalhador que executará a atividade. Comumente uma pessoa passa, em média, um terço de sua vida trabalhando, executando as mais variadas tarefas, articulando e se movimentando, durante vários anos, no ambiente laborativo. Por essa razão, o posto de trabalho deve garantir o maior conforto, comodidade e segurança ao operador. Um bom posto de trabalho permite que o operador realize movimentos de forma harmoniosa, com uma postura adequada. Qualquer erro nesse dimensionamento pode gerar sofrimento e angústia, pois pode ser a causa de posições irregulares e inadequadas. Tais posições, por sua vez, podem gerar lesões e incômodos no trabalhador. De acordo com Ilda (2018, p. 309), os principais erros no dimensionamento correspondem a: • Alturas (mesas, cadeiras) e alcances (controles) incompatíveis com as medidas antropométricas. 29 • Espaços insuficientes para movimentos corporais (pernas, pés) e dos equipamentos (partes móveis). • Posicionamentos e arranjos inconvenientes dos mostradores (displays) e controles (botões). • Posicionamentos e arranjos inconvenientes dos materiais (matérias-primas, peças) e das ferramentas (chaves de fenda, soldadores). Em uma pesquisa realizada por Gonçalves (2020) com eletricistas de linha viva do interior do estado de São Paulo, identificou-se que o executor da tarefa ao realizar a atividade de poda de vegetação de dentro do cesto aéreo jogava o corpo contra a serra hidráulica (equipamento de poda), de forma a se inclinar quaseque para fora do cesto, postura que ocasionava desconforto lombar, de pescoço, de braços e de antebraços. A pesquisa identificou que esse movimento foi adotado pelo eletricista, pois a serra hidráulica não detinha a potência necessária para o corte e o cesto aéreo não chegava a lugares específicos para a visualização do podador. Assim, o trabalhador complementava a falta dos equipamentos se submetendo a um desgaste de postura para o cumprimento da tarefa. No caso apresentado, a solução demanda uma ação ergonômica complexa, mas, em outros casos, as soluções podem ser mais simples e econômicas. Ilda (2018), por exemplo, aponta uma intervenção simples sobre arranjos que envolvem mesas e bancadas: cortar os pés da mesa ou da cadeira para diminuir a altura, caso não esteja adequada ao trabalhador, ou providenciar calços para aumentar essa altura, nos casos em que as mobílias são muito baixas. Para um bom dimensionamento do posto de trabalho, o ergonomista deve observar alguns critérios que promovem a adaptação do trabalho ao trabalhador, são eles (IIDA; GUIMARÃES, 2018): 30 • Altura da superfície de trabalho: a altura deverá levar em consideração o tipo de trabalho a ser realizado, ou seja, se leve, pesado, em pé ou sentado, entre outros. • Alcances normais e máximos das mãos: as tarefas repetitivas que demandam maior atenção visual devem ser colocadas na frente do trabalhador, dentro da área normal de trabalho; já os objetos utilizados de forma esporádica devem ser colocados fora da área normal, mas dentro do alcance máximo do trabalhador. • Espaços para acomodar as pernas e realizar movimentos naturais do corpo: um espaço reduzido e restrito pode causar estresse e irritação e movimentação curta, podendo aumentar erros; por outro lado, espaços amplos permitem maiores movimentações corporais. • Altura para a visão e ângulo visual: o objeto deve estar situado de tal modo a não causar desconforto para os trabalhadores. Em pé, essa altura corresponde, para homens, a 160 cm e, para mulheres, 150 cm. Sentado, a altura dos olhos deve estar a 73 cm para a média das mulheres e a 79 cm para a média dos homens. De forma ilustrativa, a Figura 1 demonstra um posto de trabalho dimensionado para as especificidades do trabalhador, permitindo a realização da tarefa em pé ou sentado. 31 Figura 1 – Soluções adotadas no desenho de um turno para possibilitar a sua operação com uso de uma postura menos fatigante, possibilitando trabalhar em pé ou sentado Fonte: Harlen e Derks (1975 apud IIDA; GUIMARÃES, 2018, p. 313). Outros aspectos que influenciam nos postos são: iluminação, acústica, ofuscamento, cores, temperatura do ambiente, entre outros. Em relação à iluminação, segundo Pereira (1993), as condições estão relacionadas a requisitos classificados como: boa distribuição das iluminâncias; ausência de ofuscamento; contrastes adequados (proporção de luminância e cores); e distribuição e padrões das sombras. Quanto à acústica dos ambientes de trabalho, devem ser observados os seguintes aspectos: estudo da forma – estudo das dimensões do local, a fim de evitar reflexos; isolamento acústico – o ruído aéreo (transmitido pelo ar) pode ser isolado pela espessura e pelo peso da parede, 32 enquanto o ruído de impacto (transmitido por elementos sólidos) pode ser isolado por meio de materiais resilientes (ROSA, 1992). O ofuscamento pode se manifestar de duas formas: ofuscamento desabilitador, afetando a capacidade de ver claramente; ou ofuscamento desconfortador, geralmente experimentado como um sentimento de desconforto após ter permanecido em uma área de ofuscamento moderado durante certo tempo (PEREIRA, 1993). Conforme dispõe Pereira (1993), a cor tem influência sobre a saúde, no bom humor e no rendimento das tarefas, possibilitando a obtenção de: reações psicológicas positivas; interesse visual; aumento de produtividade; melhoria no padrão de qualidade; menor fadiga visual; e redução do índice de acidentes. Já o conforto térmico depende da atividade física, do tipo de vestimenta e das características do ambiente. Para tanto, os projetos dos postos de trabalho, por meio do dimensionamento, devem procurar atender às necessidades e às variabilidades do trabalho e do trabalhador. Assim, deve corresponder às necessidades considerando a variação luminosa, térmica, ambiental, acústica e outros, de maneira a integrar a escolha de cores, texturas, tamanhos e dimensões, uma vez que todas essas condições podem influenciar na qualidade do trabalho. Por outro lado, um mal dimensionamento pode produzir desconforto, aborrecimento, estresse e irritação, afetando o desempenho no trabalho. Para realizar um dimensionamento adequado, é necessário, sobretudo, ter realizado anteriormente uma boa análise e avaliação do posto de trabalho. A análise ergonômica do trabalho (AET) é um método utilizado pela ergonomia para identificar problemas no ambiente e propor soluções. Ela demanda a realização de algumas fases não 33 necessariamente lineares, pois evolui de acordo com os desafios apresentados no contexto estudado. Segundo Abrahão et al. (2009, p. 180), diferentemente dos métodos científicos tradicionais, em que as hipóteses são previamente elaboradas e explicitadas, na AET elas são construídas, validadas e/ou refutadas ao longo do processo. A abordagem metodológica em ergonomia possui duas características principais: sentido de investigação ascendente e flexibilidade de delineamento, as quais permitem investigar o trabalho real do indivíduo ou de um coletivo, respeitando suas variabilidades, assim como as situações de trabalho e os instrumentos. Ademais, tal abordagem permite revelar a complexidade do trabalho e do trabalhar, levando-se em consideração os fatores humanos e organizacionais da atividade. De forma geral, podemos dividir a análise em três grandes etapas: a avaliação, o diagnóstico e a implantação, conforme ilustrado na Figura 2. Figura 2 – Três grandes etapas da AET Fonte: adaptada de Abrahão et al. (2009, p. 181). Na avaliação, serão consideradas as demandas trazidas pela organização ou pelos trabalhadores por meio da observação do contexto do trabalho, do levantamento da característica da população e da análise do processo técnico e da tarefa. Após esse primeiro momento, será 34 escolhida uma situação de análise em que os ergonomistas proporão um pré-diagnóstico, uma hipótese sobre a possível situação de análise. Após a caracterização da hipótese, serão realizadas observações a fim de confirmar ou não a hipótese definida. É por essa razão que os processos são dinâmicos. Assim, caso a hipótese não se confirme, o ergonomista poderá retornar às outras etapas e definir uma nova situação de análise. Se validada a hipótese, a próxima etapa são o diagnóstico e a formação de recomendações e transformações dos contextos de trabalho. O processo de transformação introduz modificações nas situações de trabalho, também denominado “projeto”. A dimensão de um projeto pode englobar desde a compra de um equipamento até a concepção de uma fábrica completa. A Figura 3 ilustra as fases da AET, porém de forma mais dialógica. Figura 3 – Fluxo interativo da AET Fonte: adaptada de Abrahão et al. (2009, p. 183). 35 Cada uma dessas fases deve integrar as bases da abordagem ergonômica, que pressupõe: estudo centrado na atividade real de trabalho, globalidade da situação de trabalho e consideração da variabilidade, tanto a decorrente da tecnologia e da produção quanto a dos trabalhadores. Dessa forma, a presença do ergonomista durante a realização da atividade é um diferencial dessa análise, pois o olhar atento do profissional pode identificar situações que nem mesmo os operadores, apesar de sentirem, poderiam expor. Por fim, cabe destacar que, para explicar alguns fenômenos observados, é necessário dialogar com os trabalhadores, ganhar a confiança deles. Portanto, nenhuma análise é feita apenas de observações, pormais que estas constituam sua base. Ao mesmo tempo, nenhum instrumento de observação pode substituir o conhecimento dos trabalhadores sobre suas tarefas e sobre suas competências e experiências. Referências ABRAHÃO, J. et al. Introdução à Ergonomia: da teoria à prática. São Paulo: Blucher, 2009. BRASIL. Ministério da Fazenda. Anuário Estatístico de Acidentes do Trabalho. Brasília: MF, 2017. Disponível em http://sa.previdencia.gov.br/site/2018/09/AEAT- 2017.pdf. Acesso em: 20 mar. 2021. BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Norma Regulamentadora n. 9 (NR-9). 2020. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e-saude- no-trabalho/ctpp-nrs/norma-regulamentadora-no-9-nr-9. Acesso em: 16 jun. 2021. BRILINGER, C. O. et al. Contribuições da Ergonomia para a Sociedade do Conhecimento. Revista Espacios, [s.l.], v. 38, n. 11, 2017. DANIELLOU, F.; SIMARD, M.; BOISSIÈRES, I. Fatores humanos e organizacionais da segurança industrial: um estado da arte. Toulouse: ICSI, 2010. EUGÊNIO, S. A. M. Ergonomia industrial. Londrina: UNOPAR, 2014. GONÇALVES, M. S. R. Poda de vegetação em linha viva: complexidade e risco na atividade dos eletricistas. Dissertação (Mestrado em Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) – Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Ciências Aplicadas, Limeira, 2020. 36 IIDA, Itiro; GUIMARÃES, L. B. M. Ergonomia: Projeto e Produção. 3. ed. rev. São Paulo: Blucher, 2018. p. 630. MORAES, M. V. G. Doenças Ocupacionais – Agentes: Físico, Químico, Biológico, Ergonômico. São Paulo: Saraiva, 2014. [Minha Biblioteca]. OIT. Observatório Digital de Saúde e Segurança no Trabalho. [s.d.]. Disponível em: http://observatoriosst.mpt.mp.br. Acesso em: 20 mar. 2021. PEREIRA, F. O. R. O ambiente luminoso e o ser humano. Santa Catarina: UFSC, 1993. ROSA, L. Z. Absorção Acústica na qualidade do Ambiente Construído. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1992. SHIGUEMOTO, A. C. G. Ergonomia. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2019. 37 Impactos do ambiente laboral ergonomicamente inadequado. Autoria: Renan Primo Leitura crítica: Joubert Rodrigues dos Santos Júnior Objetivos • Identificar as lesões mais comuns no ambiente de trabalho. • Caracterizar os prejuízos pessoais e materiais advindos das doenças ocupacionais. • Estabelecer relação entre dispositivo de controle e limitações sensoriais. 38 1. Lesões e prejuízos causados por doenças ocupacionais, derivadas de esforço e repetição O ambiente de trabalho reserva uma fonte inesgotável de sentimentos, sensações e interferências físicas e cognitivas ao trabalhador, que transitam entre o prazer, a satisfação, o reconhecimento e o amadurecimento, até angústias, decepções e lesões. Esses reflexos dependem em grande parte de alguns fatores, como disposição dos materiais de trabalho, relação com os pares, relação com a organização e com os gestores, relação com o público e os clientes, demandas e fluxos de trabalho, cumprimento de metas e prazos, espaço fisco, esforço físico, esforço cognitivo, entre muitos outros (ABRAHÃO et al., 2009, p. 44-48). Diante de tantas variáveis, é possível mapear as consequências de postos de trabalho mal projetados, como lesões e prejuízos causados por doenças ocupacionais, derivadas principalmente por esforços e atividades repetitivas. Na incessante busca por adequar o trabalho ao homem, a ergonomia procura reduzir esses riscos e, por conseguinte, reduzir a fadiga, o estresse e acidentes, proporcionando maior segurança, satisfação e saúde aos trabalhadores (IIDA; GUIMARÃES, 2018). Infelizmente, tais riscos são comuns em ambientes laborais, e muitos deles passam despercebidos, até mesmo pelo trabalhador. Por essa razão, é imprescindível identificá-los e repará-los, a fim de reduzir o absenteísmo, as lesões e os prejuízos para o trabalhador e a empresa. Segundo Pequini (2000), as lesões no trabalho decorrem, geralmente, de posturas inadequadas, movimentos repetitivos e levantamento de cargas, ocasionando sérios prejuízos para a saúde do trabalhador e provocando patologias irreversíveis, que irão influenciar por toda a vida, impedindo-o até de executar suas atividades cotidianas. As lesões 39 ocasionadas no trabalho geram um custo incalculável para a vida do trabalhador e de seus dependentes, além de prejuízos para a empresa e o sistema de seguridade social. 1.1 Postura inadequada Segundo Moraes (2014b, p. 46), a postura é caracterizada pela organização dos diferentes segmentos corporais no espaço e determinada principalmente pelas características e exigências da tarefa; pelas condicionantes internas, como formas fisiológicas e biomecânicas de manutenção do equilíbrio; e pelas características do posto de trabalho. As posturas mais comuns em ambientes de trabalho são em pé e sentada, ambas com vantagens e desvantagens. A postura sentada, de forma geral, proporciona uma maior eficiência e redução do trabalho estático (um dos responsáveis pela fadiga muscular), pois reduz o esforço das pernas, diminui o consumo energético, desacelera o sistema circulatório e proporciona maior estabilidade da parte superior do corpo. Porém favorece o aparecimento de flacidez dos músculos abdominais, gera curvatura da coluna vertebral, sobrecarrega os músculos das costas e pode provocar fadiga muscular, se mantida por tempo prolongado (MORAES, 2014b, p. 49). Nesses ambientes, é fundamental que a cadeira dê total sustentação à coluna, além de garantir que as pernas fiquem em um ângulo de 90°. Além disso, os cotovelos também devem ficar apoiados corretamente, conforme ilustrado pela Figura 1. 40 Figura 1 – Exemplo de apoio para aliviar estresse nos braços Fonte: OIT (2001 apud ILDA; GUIMARÃES, 2018, p. 318). Já a postura em pé se divide em dinâmica e estática. A postura dinâmica se caracteriza por favorecer a mobilidade corporal dos braços e das pernas, o que pode ser considerado uma vantagem. Já a postura estática é altamente fatigante, por exigir um trabalho excessivo das musculaturas envolvidas para manter essa posição (MORAES, 2014b, p. 47). Ainda segundo Moraes (2014b, p. 47), a postura em pé possui muitas desvantagens, tais como uma tendência ao acúmulo de sangue nas pernas, resultando em varizes; sensação de peso nas pernas; sensações dolorosas nas articulações dos pés, joelhos e quadris; dificuldade de realização de tarefas que exigem precisão pela necessidade de uma tensão muscular para manutenção; e permanência do equilíbrio. De acordo com Brasil (2001, p. 3), a escolha da postura em pé só está justificada nas seguintes condições: [...] Tarefa exige deslocamentos contínuos; Tarefa exige manipulação de cargas maior ou igual a 4,5 Kg; Tarefa exige alcances amplos frequentes; Tarefa exige frequentes operações em diversos locais separados 41 fisicamente; Tarefa exige aplicação de forças para baixo. (BRASIL, 2001, p. 3) Segundo a NR-17 (BRASIL, 1978), um dos requisitos para um ambiente físico saudável é que a altura e as características da superfície de trabalho sejam compatíveis com o tipo de atividade, com a distância requerida dos olhos ao campo de trabalho e com a altura do assento. Além disso, para o trabalho em pé, devem ser colocados assentos para descanso em locais de fácil acesso e que possam ser utilizados por todos os trabalhadores nos momentos de pausa. Infelizmente, é muito comum encontrar trabalhadores que não se preocupam efetiva e proativamente com as suas posturas no decorrer de suas atividades laborais, o que pode ser reflexo de uma organização do trabalho que não incorporou esses aspectos dentro da cultura organizacional da empresa. Uma postura incorreta, no entanto, pode transformar-se em lesões e dores em diversos locais, como abdômen, lombar, coluna e ombros, favorecendo a ocorrência de uma fadiga muscular. Segundo Iida e Guimarães (2018, p. 355), a fadiga é o efeito de um trabalho continuadoque provoca uma redução reversível da capacidade do organismo e uma degradação qualitativa desse trabalho. Nesse sentido, Moraes (2014b) complementa ressaltando que fadiga muscular é um acontecimento agudo e doloroso, que pode ser localizado ou generalizado, caracterizando-se pela ocorrência de dor intensa, sensação de cansaço e peso e formigamento nos membros inferiores e superiores, mas que apresenta fácil reprocesso, caso seja tratada antes da instalação do processo inflamatório. Além disso, a fadiga manifesta- se por meio de dores, tremores, limitações dos movimentos e sintomas de sobrecarga do sistema cardiorrespiratório (LAVILLE, 1977). Por fim, os principais prejuízos, para além da fadiga muscular, são as deformidades e as lesões, tais como cifose, escoliose, lordose, lombalgia, cervicalgia e hérnia de disco intervertebral (MORAES, 2014b, p. 36-39). 42 1.2 Repetitividade Executar uma atividade de forma repetitiva é extenuante e desgastante. A repetitividade dos movimentos pode provocar uma série de desgastes no trabalhador, colocando uma sobrecarga inadequada sobre a coluna vertebral, por exemplo, podendo resultar em dores no pescoço, nas costas, nos ombros e em outras partes do sistema musculoesquelético (GREVE; AMATUZZI, 2003) Com relação às posturas, Vieira e Kumar (2004 apud RUMAQUELLA, 2009, p. 41) relatam que: [...] as posturas de trabalho repetidas e/ou prolongadas, bem como os movimentos extremos e/ou repetitivos e o emprego de força excessiva podem causar sobrecarga nos tecidos e exceder seus limites de estresse, causando lesões teciduais em virtude de esforços inadequados e sobrecarga nas estruturas musculoesqueléticas do corpo, principalmente da coluna vertebral. (VIEIRA; KUMAR, 2004 apud RUMAQUELLA, 2009, p. 41) Muitas são as lesões que podem ser causadas por esforço repetitivo, estando elas dentro do espectro das lesões denominadas LER (Lesões por Esforço Repetitivo) ou DORT (Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho). As LER se referem a um conjunto de doenças que atingem principalmente os membros superiores, englobando músculos, nervos, tendões, bursas e ligamentos, e provocam irritações e inflamações. Já as DORT referem-se a doenças causadas pelo trabalho de forma geral, englobando dores crônicas, parestesias, fadigas, tendinites, tenossinovites, compressões nervosas, distúrbios lombares etc., e podem afetar tanto membros inferiores como superiores. Essas são as causas mais frequentes de afastamentos temporários ou permanentes, podendo afetar com índices de dores diversos, conforme ilustrado pela Figura 2 (MORAES, 2014b, p. 63; IIDA, 2005, p. 164). 43 Figura 2 – Partes do corpo com maior prevalência de dor por LER e DORT Fonte: Moraes (2014b, p. 64). Segundo Moraes (2014a, p. 209-210), as principais doenças relacionadas a LER e DORT, excluindo-se os distúrbios derivados do carregamento de cargas, são: • Bursite do cotovelo (olecraniana) • Causas: compressão do cotovelo contra superfícies duras. • Exemplos: apoiar o cotovelo em mesas. • Contratura de fáscia palmar • Causas: compressão palmar associada à vibração. • Exemplos: operar compressores pneumáticos. 44 • Dedo em gatilho • Causas: compressão palmar associada à realização de força. • Exemplos: apertar alicates e tesouras. • Epicondilites do cotovelo (inflamação e dor na faixa lateral e/ou medial do cotovelo) • Causas: movimentos com esforços estáticos e preensão prolongada de objetos, principalmente com o punho estabilizado em flexão dorsal e nas pronossupinações com utilização de força. • Exemplos: apertar parafusos, desencapar fios, tricotar, operar motosserra. • Síndrome do canal cubita • Causas: flexão extrema do cotovelo com ombro abduzido, vibrações. • Exemplos: apoiar cotovelo ou antebraço em mesa. • Síndrome do canal de Guyon • Causas: compressão da borda ulnar do punho. • Exemplos: carimbar. • Síndrome do desfiladeiro torácico (parestesias em membro superior) • Causas: compressão sobre o ombro, flexão lateral do pescoço, elevação do braço. 45 • Exemplos: fazer trabalho manual sobre veículos, trocar lâmpadas, pintar paredes, lavar vidraças, apoiar telefones entre o ombro e a cabeça. • Síndrome do túnel do carpo (parestesia nas mãos, déficit na realização de pinça e apreensão) • Causas: movimentos repetitivos de flexão, mas também extensão com o punho, principalmente se acompanhados por realização de força. • Exemplos: digitar, fazer montagens industriais, empacotar. • Tenossinovite de De Quervain (inflamação e dor entre o punho e o polegar) • Causas: estabilização do polegar em pinça seguida de rotação ou desvio ulnar do carpo, principalmente se acompanhado de força. • Exemplos: apertar botão com o polegar. • Tenossinovite dos extensores dos dedos (inflamação, dor e déficit na manutenção do punho em posição neutra na pinça e preensão da mão) • Causas: fixação antigravitacional do punho e movimentos repetitivos de flexão e extensão dos dedos. • Exemplos: digitar, operar mouses. Os estágios de evolução de LER e DORT transitam entre um desconforto até uma dor às vezes insuportável, trazendo impactos como perda de força e dos controles musculares, invalidez para qualquer tarefa produtiva, depressão, angústia, redução de produtividade e frustrações e medos com relação à recuperação (MORAES, 2014b, p. 67), o que 46 evidencia os impactos e prejuízos imensuráveis para o trabalhador, a organização e a sociedade. 1.3 Levantamento e manuseio de cargas Realizar o levantamento ou a movimentação manual de cargas é uma atividade que exige esforço do trabalhador, e, caso seja realizada de forma inadequada, também poderá gerar lesões. Segundo Abrahão et al. (2009, p. 99): [...] O transporte e levantamento de cargas são sempre problemáticos e vários aspectos devem ser considerados. Em primeiro lugar, devemos evitar ao máximo que essas atividades sejam desenvolvidas sem auxílio mecânico. A legislação brasileira possui normas para transporte e manuseio de cargas. Em tais normas recomenda-se como limite máximo de 60 kg e o levantamento individual é fixado em 40 kg. (ABRAHÃO et al., 2009, p. 99) Para Ilda e Guimarães (2018), o ideal é que o levantamento de cargas seja realizado sempre com a coluna na posição vertical, pois assim se usa a musculatura das pernas, que é mais resistente. Caso contrário, podem surgir dores intensas na coluna, na região lombar, nos ombros, nos braços e nos pulsos. A Figura 3 ilustra a forma correta de se carregar uma carga sem pega. 47 Figura 3 – Correto levantamento manual de cargas Fonte: Moraes (2014b, p. 58). É importante ressaltar que, segundo Abrahão et al. (2009, p. 100), para o levantamento e transporte de cargas, devem ser considerados os seguintes critérios: • A distância horizontal em relação ao corpo. • A frequência do levantamento. • O trajeto a ser percorrido. • A altura da carga a ser levantada. • O levantamento assimétrico. • O tipo de pega do objeto. Caso a atividade de levantamento de cargas seja exercida de maneira inadequada e recorrente, o trabalhador poderá comprometer seriamente sua saúde, levando-o ao afastamento do trabalho em razão das lesões decorrentes da atividade laboral. De acordo com Cailliet 48 (1988), as principais lesões referentes a esse tipo de atividade têm como causa a contração muscular sobrepujada ou exaurida, em que o impacto do esforço cai sobre os ligamentos, e, uma vez que os ligamentos cedem, a tensão recai sobre as articulações, causando uma carga excessiva sobre os discos intervertebrais. De forma complementar, Moraes (2014a, p. 209) destaca as principais doenças relacionadas ao carregamento de pesos, englobadas nas DORT: • Síndrome do interósseo anterior • Causas: compressão da metade distal do antebraço. • Exemplos: carregar objetos pesados apoiados nos antebraços. • Síndrome do pronador redondo • Causas: esforço manual do antebraço em pronação. • Exemplos: carregar pesos, praticarmusculação, apertar parafusos. • Tendinite da porção longa do bíceps • Causas: manutenção do antebraço supinado e fletido sobre o braço ou do membro superior em abdução. • Exemplos: carregar pesos. • Tendinite do supraespinhoso (inflamação e dor na região posterior e lateral do ombro) • Causas: elevação com abdução dos ombros associada à elevação de força. • Exemplos: carregar pesos sobre o ombro. 49 Além dos prejuízos pessoais com o corpo e a mente dos trabalhadores, existem ainda os prejuízos materiais, que podem ser mensurados em valores financeiros. A empresa ainda poderá ser acionada juridicamente, gerando um passivo trabalhista, e, consequentemente, sofrer um desgaste em sua imagem, além de prejuízo financeiro. Os impactos chegam inclusive para a sociedade por meio das despesas previdenciárias. 2. Sistema homem-máquina, dispositivos de controle e limitações sensoriais De acordo com Corrêa e Boletti (2015, p. 30), o nosso sistema nervoso é composto por uma função sensitiva, integradora e motora. A função sensitiva é caracterizada por receptores que detectam estímulos internos, como um aumento de leucócitos, ou estímulos externos, como um pingo de chuva batendo em seu rosto (são representados pela visão, audição, tato e senso cinestésico – movimento das articulações do corpo). Tal informação sensitiva é levada para o encéfalo (sistema nervoso central) por meio de nervos espinais e cranianos, sendo, então, processada, analisada e armazenada (no seu todo ou em partes). Esse processamento é representado pela função integradora. Uma vez que a informação é integrada, o sistema nervoso pode provocar uma resposta motora, ativando os músculos e as glândulas por meio, novamente, dos nervos cranianos e espinais. Essas interações estão intimamente relacionadas ao que chamamos de sistema homem-máquina-ambiente. Esses subsistemas interagem continuamente entre si, com a troca de informações e energias, visto que os estímulos sensitivos podem ser derivados de uma máquina integrada a uma situação de trabalho, ao ambiente do trabalho e às próprias instruções de trabalho (IIDA, 2005, p. 28). 50 A partir das interações sensitivas, integradoras e de respostas motoras, as ações decorrentes dessas interações geralmente são direcionadas aos chamados dispositivos de controle, os quais têm como objetivo melhorar o desempenho do homem e, consequentemente, da máquina utilizando as próprias partes do corpo (como pés e mãos) para controlar a máquina e suas funções. Isso quer dizer que os dispositivos de controle possibilitam o acesso e o manuseio adequado das máquinas, com a finalidade de minimizar erros humanos, acidentes e incidentes, fadiga e estresse, otimizando assim o posto de trabalho. De acordo com Iida e Guimarães (2018, p. 333): [...] as máquinas são consideradas como “prolongamentos” do homem. Uma boa adaptação humano-máquina contribui para reduzir a fadiga, os erros e os acidentes. Em consequência, melhora o desempenho do sistema. (IIDA; GUIMARÃES, 2018, p. 333) Ainda conforme Iida (2005), na ergonomia a palavra controle possui dois significados: exercer uma atividade com a finalidade de direcionamento para o alcance de determinado objetivo; e o outro diz respeito aos objetos de controle, como volantes, manivelas e botões, servindo para que o humano possa transmitir à máquina uma forma de energia, a fim de manipulá-la. A Figura 4 ilustra com precisão o sistema homem- máquina-ambiente. 51 Figura 4 – Interação entre os elementos de um sistema homem- máquina-ambiente Fonte: Iida (2005, p. 28). Percebe-se por meio da figura anterior que as informações e as ações ocorrem de forma cíclica entre o homem e a máquina dentro de um ambiente interno que está sob um limite do sistema (fronteira). Esse ambiente interno, por sua vez, interage com o ambiente externo, com o trabalho prescrito (instruções) e com o próprio campo de trabalho. De forma complementar, Iida e Guimarães (2018, p. 341) ressaltam a existência de três tipos de dispositivos de controle, ilustrados no Quadro 1. • Controle discreto Admite apenas algumas posições bem definidas. Podem ser de ativação (ex.: sim/não ou liga/desliga), de posicionamento (ex.: botão rotativo para selecionar o modo operativo de uma máquina) e de entrada de dados (ex.: teclados de computadores). • Controle contínuo 52 Permite realizar uma infinidade de ajustes diferentes. Divide-se em posicionamento quantitativo (ex.: quando deseja-se fixar um determinado valor dentro de um conjunto contínuo) e movimento contínuo (ex.: para alterar continuamente o estado da máquina, como em um volante de automóvel). • Controle digital Pode ser discreto ou contínuo, tendo a grande vantagem de apresentar muitas opções em menus de telas. Quadro 1 – Principais características e funções de dispositivos de controle Tipos de Controle Discreta Função Características Contínua Velocidade Precisão Força Botão Liga- Desliga Ótimo para ativação; 2 posições Não Boa Baixa Pequena: 0,1 a 0,2 kg Interrup- tor Ótimo para ativação; 2 ou 3 posições Não Boa Regular Pequena: até 1 kg para dedos e 5 kg para mãos Teclado Para entrada de dados Não Boa Regular Pequena: 0,1 a 2 kg Botão rotativo Não Boa Baixa Regular Até 2,5 kg/cm, com diâmetro de 75 mm 53 Botão discreto Regular, para 3 a 20 posições Não Boa Boa depen- dendo do desenho Até 1,5 kg/cm, com diâmetro máx. de 100 mm Alavanca Boa, para 2 a 10 posições Boa Boa Boa Até 13 kg Manivela Recomendada só para grandes forças Boa Lenta Baixa Até 3,5 kg, com braço de 150 a 220 mm Volante Não Excelente Regular Boa Até 25 kg, com diâmetro de 180 a 500 mm Pedal liga- desliga Boa para ativação; 2 posições Não Boa Regular Até 10 kg Pedal simples Regular Boa Boa Baixa Até 90 kg Fonte: adaptado de Grandjean (1983 apud IIDA; GUIMARÃES, 2018, p. 342). Como vimos neste Tema, o sistema homem-máquina-ambiente depende diretamente da função sensitiva, ou seja, esta é a porta de entrada para que a ação possa ser realizada. Para tanto, é imprescindível entender as suas limitações. Segundo Iida (2005, p. 258), para haver sensação, é preciso que a energia do ambiente esteja dentro de um limite chamado de limiar. Quanto mais intenso for o estímulo dentro desses limites, mais facilmente ele será detectado. Se o estímulo for abaixo do limiar, ele dificilmente será sentido. No entanto, se ele for superior, poderá causar desconfortos. Por 54 exemplo, o limiar de captação de sons para seres humanos está entre 20 Hz e 20 mil Hz; assim, abaixo de 20, o som é imperceptível e, acima de 20 mil, torna-se doloroso. Além disso, vale ressaltar que cada tipo de impulso captado é percebido e traduzido por uma parte específica do sistema nervoso, ou seja, a parte do cérebro que processa o som não processa os impulsos visuais. Por isso, é muito importante entender que, além da complexidade do trabalho e do trabalhar, é indispensável que se conheça a complexidade dos sentidos e das ações, de forma a minimizar os possíveis riscos e danos à saúde e à segurança dos trabalhadores. Referências ABRAHÃO, J. et al. Introdução à Ergonomia: da teoria à prática. São Paulo: Blucher, 2009. BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. Nota Técnica 060 – Ergonomia: indicação de postura a ser adotada na concepção de postos de trabalho. Brasília: MTE, 2001. BRASIL. Ministério do Trabalho e Previdência. NR 17 - Ergonomia. Brasília: MTE, 1978. Disponível em: https://www.gov.br/trabalho/pt-br/inspecao/seguranca-e- saude-no-trabalho/normas-regulamentadoras/nr-17.pdf/. Acesso em: 7 abr. 2021. CAILLIET, R. Lombalgia: síndromes dolorosas. São Paulo: Manole, 1988. CORRÊA, V. M; BOLETTI, R. R. Ergonomia: Fundamentos e Aplicações. Porto Alegre: Bookman, 2015. [Minha Biblioteca]. GREVE, J. M. D’A.; AMATUZZI, M. M. Medicina de Reabilitação nas Lombalgias Crônicas. São Paulo: Roca, 2003. IIDA, I. Ergonomia– Projeto e Produção. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Blucher, 2005. IIDA, I.; GUIMARÃES, L. B. M. Ergonomia: Projeto e Produção. 3. ed. rev. São Paulo: Blucher, 2018. p.630. LAVILLE, A. Ergonomia. São Paulo: EPU, 1977. MORAES, M. V. G. Doenças Ocupacionais – Agentes: Físico, Químico, Biológico, Ergonômico. São Paulo: Saraiva, 2014a. MORAES, M. V. G. Princípios Ergonômicos. São Paulo: Saraiva, 2014b. 55 PEQUINI, S. M. C. M. A evolução tecnológica da bicicleta e suas Implicações Ergonômicas para a máquina humana: problemas na Coluna Vertebral x Bicicletas dos Tipos “Speed” e Mountain Bike”. Dissertação (Mestrado em Arquitetura) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000. RUMAQUELLA, M. R. Posturas de trabalho relacionadas com as dores na coluna vertebral em trabalhadores de uma indústria de alimentos: estudo de caso. Dissertação (Mestrado em Design) – Universidade Estadual Paulista, Bauru, 2009. 56 BONS ESTUDOS! Sumário Ergonomia: conceitos e aplicações. Objetivos 1. Ergonomia: uma ciência interdisciplinar, multidimensional e essencial Referências Doenças Ocupacionais e Postos de Trabalho Ergonômicos. Objetivos 1. Ergonomia e sua relação com as doenças ocupacionais 2. Dimensionamento de postos de trabalho Referências Impactos do ambiente laboral ergonomicamente inadequado. Objetivos 1. Lesões e prejuízos causados por doenças ocupacionais, derivadas de esforço e repetição 2. Sistema homem-máquina, dispositivos de controle e limitações sensoriais Referências