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Autor: Prof. Cassio Marcos Vilicev Colaboradoras: Profa. Roberta Pasqualucci Ronca Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Neuroanatomia Professor conteudista: Cassio Marcos Vilicev Cassio Marcos Vilicev é graduado em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Fisioterapia pela Universidade Bandeirante de São Paulo. É doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo e mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo. Possui especialização em Educação a Distância pela UNIP e em Didática do Ensino Superior pela Universidade Sant’Anna (1999). Atualmente, cursa Formação Pedagógica em História pela UNIP (EaD). Foi professor de Educação Física em escolas e clubes desportivos de São Paulo e no curso de graduação em Educação Física e Enfermagem do Centro Universitário Santa Rita e das disciplinas Anatomia Humana, Cinesiologia e Semiologia na UNIP. Atualmente, é professor titular da UNIP nos cursos presenciais de Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição, Farmácia, Biomedicina e Educação Física na modalidade presencial, de Educação Física, Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição, Farmácia e Biomedicina na modalidade EaD e de pós-graduação. Foi consultor na elaboração de questões para o Serviço Nacional do Transporte (Sest) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), de Educação Física, junto à empresa EGaion. Tem publicado vários trabalhos em diversas áreas das ciências biomédicas, como Anatomia dos Sistemas: Educação Física; Anatomia dos Sistemas: Enfermagem; Anatomia dos Sistemas: Educação Física e Fisioterapia; Anatomia do Aparelho Locomotor: Fisioterapia; Anatomia Básica dos Sistemas: Estética e Cosmética; e Anatomia Humana: Farmácia e Biomedicina. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U504.18 – 20 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V586n Vilicev, Cassio Marcos. Neuroanatomia / Cassio Marcos Vilicev. – São Paulo: Editora Sol, 2020. 192 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Sistema nervoso. 2. Tecido nervoso. 3. Neuroanatomia. I. Título. CDU 611.8 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Prof. Dr. Yugo Okida Vice-Reitor de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Souza Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dra. Divane Alves da Silva (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Dra. Valéria de Carvalho (UNIP) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Betisa Malaman – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Ana Fazzio Juliana Muscovick Sumário Neuroanatomia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO ................................................................................................. 12 1.1 As origens da neuroanatomia ......................................................................................................... 13 2 INTRODUÇÃO À TERMINOLOGIA DA NEUROANATOMIA ................................................................. 78 3 DIVISÃO E PAPÉIS DO SN ............................................................................................................................. 80 3.1 Divisão do SN com base nos critérios anatômicos ................................................................. 81 3.2 Divisão do SN do ponto de vista funcional ............................................................................... 85 3.3 Divisão do SN com base na segmentação ou metameria ................................................... 86 3.4 Papéis do SN ........................................................................................................................................... 86 4 O TECIDO NERVOSO ....................................................................................................................................... 87 4.1 Visão geral dos neurônios ................................................................................................................. 88 4.2 Classificação dos neurônios ............................................................................................................. 90 4.3 Sinapses .................................................................................................................................................... 91 4.4 Arco reflexo ............................................................................................................................................. 91 4.5 Neurogênese no SNC .......................................................................................................................... 93 4.6 Lesão e reparo no SNP ....................................................................................................................... 93 4.7 Neuroglias ............................................................................................................................................... 94 4.8 Neuroglias no SNC ............................................................................................................................... 94 4.9 Neuroglias no SNP ............................................................................................................................... 96 Unidade II 5 MORFOGÊNESE DO SN ................................................................................................................................101 5.1 Da fertilização até a nidação .........................................................................................................104 5.2 Folhetos embrionários ......................................................................................................................106 5.3 Formação do SN ..................................................................................................................................107 6 ENCÉFALO E MEDULA ESPINAL ...............................................................................................................110 6.1 Anatomia da medula espinal .........................................................................................................110 6.2 Anatomia do bulbo ............................................................................................................................115 6.3 Anatomia da ponte ............................................................................................................................118 6.4 Anatomia do mesencéfalo ..............................................................................................................119 6.5 Anatomia do diencéfalo ..................................................................................................................122 6.5.1 O tálamo .................................................................................................................................................. 122 6.5.2 O hipotálamo .........................................................................................................................................125 6.5.3 O epitálamo .............................................................................................................................................131 6.5.4 O subtálamo ........................................................................................................................................... 132 6.6 Anatomia do telencéfalo .................................................................................................................133 6.6.1 Lobos do telencéfalo .......................................................................................................................... 134 6.6.2 Os núcleos da base .............................................................................................................................. 137 6.6.3 As áreas corticais ................................................................................................................................. 138 6.6.4 O mapa citoarquitetônico do córtex cerebral .......................................................................... 139 6.6.5 O homúnculo de Penfield ..................................................................................................................141 6.7 Anatomia do cerebelo ......................................................................................................................142 6.8 O sistema ventricular ........................................................................................................................144 6.9 Barreiras encefálicas .........................................................................................................................145 6.10 A nutrição sanguínea do encéfalo ............................................................................................145 7 SISTEMA NERVOSO AUTÔNOMO ............................................................................................................147 7.1 As diferenças anatômicas, fisiológicas e farmacológicas relevantes entre as partes simpática e parassimpática do SNA ...............................................................................147 7.1.1 Diferenças anatômicas ...................................................................................................................... 148 7.1.2 Diferenças fisiológicas ....................................................................................................................... 148 7.1.3 Diferenças farmacológicas ............................................................................................................... 150 7.2 Papéis do SNA ......................................................................................................................................151 7.3 Reações do SNA ..................................................................................................................................152 7.4 Sistema nervoso entérico ................................................................................................................154 8 SISTEMA NERVOSO PERIFÉRICO ..............................................................................................................155 8.1 Os nervos periféricos .........................................................................................................................156 8.2 Os gânglios ............................................................................................................................................156 8.3 As terminações nervosas .................................................................................................................157 7 APRESENTAÇÃO Caro aluno, Este livro-texto tem como objetivo servir de base e recurso aos alunos que buscam carreiras relacionadas à área da saúde, entre elas enfermagem, nutrição, fisioterapia e educação física. O foco da anatomia humana é favorecer os conhecimentos aplicados das estruturas anatômicas do organismo humano e as noções sobre as bases para aplicação de outras disciplinas básicas. Aqui são apresentados conhecimentos práticos que possibilitam aos alunos o uso de fatos concernentes às circunstâncias reais que eles poderão se deparar na profissão que escolherem. Estudaremos a anatomia humana, focando o sistema nervoso, momento em que serão vistos os órgãos que são compostos por tecido nervoso, como o encéfalo, a medula espinal e os nervos, destacando os neurônios, as células da glia e as vias aferentes e eferentes de condução do impulso nervoso e suas terminações nervosas. Além disso, aprenderemos as divisões anatômicas do sistema nervoso a divisão fisiológica. Do ponto de vista anatômico, veremos os sistema nervoso central e o sistema nervoso periférico, enfatizando as características morfofuncionais de cada estrutura. Do ponto de vista fisiológico, compreenderemos as divisões somática e visceral. A integração anatômica e fisiológica desse sistema é de suma importância para entendermos o funcionamento do sistema nervoso. A revisão terminológica, relevante em um livro-texto desta natureza, que abrange a versão dos epônimos mais utilizados na clínica médica, está resguardada tecnicamente pela terminologia anatômica. Há, ainda, notas explicativas com termos e expressões definidos, a fim de facilitar a compreensão do texto, direcionadas também aos leigos ainda não familiarizados com a terminologia da área. Quando um paciente é avaliado por um profissional da área de saúde, ele carece de conhecimento básico de anatomia humana para elucidar suas observações; é por meio dela que se descobre a linguagem científica básica que conduzirá o profissional ao longo de toda a sua carreira profissional e que possibilitará o diálogo com seus colegas de uma equipe multidisciplinar. INTRODUÇÃO Não são tão-só as estrelas no universo que fascinam o homem com o seu impressionante número. Em um outro universo, o nosso universo biológico interno, uma gigantesca “galáxia” com centenas de milhões de pequenas células nervosas que formam o cérebro e o sistema nervoso comunicam-se umas com as outras através de pulsos eletroquímicos para produzir atividades muito especiais: nossos pensamentos, sentimentos, dor, emoções, sonhos, movimentos, e muitas outras funções mentais e físicas, sem as quais não seria possível expressarmos toda a nossa riqueza interna e nem perceber 8 o nosso mundo externo, como o som, cheiro, sabor, e também luz e brilho, inclusive o das estrelas (RELVAS, 2008, p. 21). Durante milhares de anos de história os seres humanos sofreram grandes modificações em todo o corpo, como no crânio, já que o esqueleto do Australopithecus e do Homo sapiens diferem em relação ao tamanho do cérebro e à capacidade craniana. O cérebro é um elemento que diferencia a espécie humana das demais, responsável por regulagens relevantes no funcionamento do organismo, que com o passar dos milênios ficaram cada vez mais claras. Os egípcios já reconheciam os danos no sistema nervoso central e acreditavam que o cérebro era a sede da alma e da mente humana. Eles guardavam as vísceras e descartavam o cérebro dos mortos, pois acreditavam que ele não tinha utilidade; já os assírios consideravam o fígado como o centro do pensamento; Aristóteles percebia o cérebro como um resfriamento do corpo. Demócrito, Diógenes, Platão e Teófrastro acreditavam que o cérebro estava no comando das atividades corporais. Hipócrates acreditava no cérebro como sede da mente e iniciou os estudos para a divisão do cérebro em dois hemisférios, onde se encontravam os papéis biológicos e os da mente. Descartes relatou que a capacidade do ser humano estava fora do cérebro, na mente. Darwin trouxe a explicação sobre o comportamento racional do ser humano como resultado do funcionamento do cérebro e do sistema nervoso e não faz menção à mente. Com exceção da última década do século XIX, a ciência do cérebro neste período foi dominada por médicos como Broca, Wernicke, Fritsch e Brodmann. Eles e outros começaramo processo de localização funcional do cérebro. Pavlov uniu a psique ao comportamento e aprendeu com o desenvolvimento do conceito de condicionamento reflexo, vastamente utilizado na neurociência hoje. Sherrington postulou a comunicação dos neurônios por meio da sinapse em bases teóricas. Isso acabou por ser uma característica essencial do sistema nervoso que, no entanto, foi evidenciado incontestável apenas décadas depois com o auxílio do microscópio eletrônico. O século XX assistiu a um crescimento exponencial dos estudos sobre o sistema nervoso por meio de um esforço colaborativo. Por conseguinte, nomes individuais, não importa quão consideráveis, davam progressivamente menos justiça a todos aqueles que colaboravam para os progressos relevantes nos trabalhos científicos. Golgi compartilhou o Prêmio Nobel de 1906 com Ramón y Cajal, dois protagonistas do grande debate sobre organização celular versus organização reticular do cérebro. Em 1915, depois de estudos realizados em campos russos de prisioneiros de guerra, Bárány recebeu o Prêmio Nobel por seus estudos da fisiologia e patologia do sistema vestibular. Dale e Loewi compartilharam o prêmio em 1936 pelos estudos sobre os neurotransmissores. O Prêmio Nobel a Hubel, Wiesel e Sperry, em 1981, marcou a neurociência em direção a um nível de sistema de compreensão do cérebro, permanecendo na fronteira da neurociência atual. Hubel e Wiesel 9 sugeriram um modelo hierárquico para a identificação de temas visuais complexos. Sperry foi premiado por seu trabalho em especialização lateralizada do papel cerebral. Progressos na compreensão do sistema nervoso de mamíferos foram reconhecidos pelo Prêmio Nobel de 2014 a O’Keefe e os Mosers, sublinhando a crescente atenção da comunidade da neurociência nas abordagens em nível de sistema e de rede. Hoje, já se compreende a integração e dinamismo entre ser humano e cérebro, que constitui um sistema funcional de relação do ser na ação para aprender, interagir e relacionar-se com o meio e com o outro. 11 NEUROANATOMIA Unidade I Você̂ está dirigindo pela autoestrada e ouve um forte ruído à sua esquerda. Prontamente desvia para a direita. Matheus deixa uma anotação na mesa da cozinha: “Vejo você mais tarde. Fique com tudo pronto às 19 horas” – você sabe que “tudo pronto” é o jantar para os convidados. Você está dormitando, porém logo acorda e imediatamente o seu bebê começa a choramingar. O que tais fatos têm em comum? Eles são exemplos diários do funcionamento de seu sistema nervoso (SN), que traz quase que permanentemente suas células corporais em atividade. O SN é o sistema regente de controle e comunicação do organismo. Todo pensamento, ato e emoção refletem a sua atividade. Suas células se comunicam por sinais elétricos e químicos, os quais são velozes e específicos, geralmente promovendo respostas instantaneamente. Com somente 2 quilogramas de peso, cerca de 3% da massa corporal total, o SN é um dos menores, todavia mais complexos, dos 12 sistemas corporais. Essa rede de bilhões de neurônios e um número ainda maior de células da neuroglia está organizada em duas subdivisões principais: o sistema nervoso central (SNC) e o sistema nervoso periférico (SNP). Encéfalo Medula espinal Nervos espinais Figura 1 – SNC e SNP Observação Os neurônios são células especializadas para a condução e a transmissão de sinais elétricos no SN. Já as células da neuroglia ajudam os neurônios a realizarem seus papéis – os astrócitos e os oligodendrócitos, por exemplo – no SNC, bem como as células de Schwann e as células satélites no SNP. 12 Unidade I Lembrete O SNC corresponde ao encéfalo e à medula espinal dos vertebrados, e o SNP corresponde aos neurônios, às células da neuroglia, aos gânglios e aos nervos cranianos e espinais que se situam fora do SNC. Conquanto seja muitas vezes comparado a um computador, o SN é bem mais complexo e mutável do que qualquer dispositivo eletrônico. Ainda assim, como em um computador, o veloz fluxo de dados e a alta atividade de processamento dependem de atividade elétrica. Porém, diferentemente do computador, partes do cérebro apresentam a capacidade de reorganizar as conexões elétricas anteriormente estabelecidas conforme a chegada de novos dados, de tal modo que compõem parte do processo de aprendizagem. Em conjunto com os órgãos endócrinos, o SN controla e adequa as atividades de outros sistemas. Esses dois sistemas partilham relevantes características estruturais e funcionais. Ambos dependem de alguma maneira de comunicação química com tecidos e órgãos-alvo, e habitualmente agem de maneira complementar. Assim, o SN normalmente age provendo ligeiras e sucintas respostas a estímulos, alterando provisoriamente as atividades de outros sistemas orgânicos. A resposta pode ser praticamente imediata, ou seja, em poucos milissegundos, e os fins esvaecem logo após interromper a atividade nervosa. Em compensação, as respostas endócrinas caracteristicamente possuem desenvolvimento mais brando do que as do SN, porém comumente persistem mais tempo, ou seja, horas, dias ou anos. Os órgãos endócrinos modulam a atividade metabólica dos demais sistemas em resposta à disponibilidade de nutrientes e à demanda energética. Eles também coordenam processos ininterruptos por longos períodos, isto é, de meses a anos, como o crescimento e o desenvolvimento. Lembrete Os órgãos endócrinos são responsáveis pela produção de hormônios, lançados diretamente na corrente sanguínea, atingindo determinados tecidos-alvo. 1 ORGANIZAÇÃO DO SISTEMA NERVOSO A neuroanatomia denota o estudo do SN. Ela apresenta o nome de sistema porque é composta por um tecido fundamental que é o tecido nervoso, o qual, por sua vez, é composto de células nervosas designadas de neurônios. Os neurônios, portanto, são as unidades morfofuncionais desse sistema. 13 NEUROANATOMIA 1.1 As origens da neuroanatomia Conceberemos qual poderia ter sido um dos primeiros instrumentos dos homens das cavernas para observar o sistema neural central, a “inauguração da neuroanatomia” com outro nome. Os homens das cavernas, quiçá, montaram um “machado” com uma extremidade distal esférica e uma extremidade proximal cilíndrica para empunhá-lo e erguê-lo. Ao abaixá-lo com força sobre o cume da cabeça de algum desafeto, abria-lhe o crânio mais como arma do que como uma ferramenta cirúrgica. Prontamente, vieram muitos séculos antes dos instrumentos mais adequados, como o trépano, uma técnica cirúrgica na qual “buracos” foram efetuados no crânio do indivíduo para abrandar a pressão intracraniana determinada por traumatismo craniano, de tal modo que essa técnica tivesse sido realizada para abrir os crânios com finalidades mais nobres, ou seja, as terapêuticas, contribuindo assim para o alívio e a sobrevivência dos indivíduos, conforme ilustra a figura seguir. Figura 2 – Trepanação Os egípcios desenvolveram informações aprofundadas de anatomia e fisiologia. Entretanto, não consideravam o cérebro relevante. A primeira citação do cérebro designadamente como órgão ocorreu nos papiros do antigo Egito. Os papiros são documentos preciosos, pois relatam a literatura médica mais antiga do mundo. Eles demonstram uma medicina baseada em evidências e apresentam descrições das doenças cardíacas, digestivas, pulmonares e nervosas. Além dos papiros, as esculturas egípcias, de aproximadamente 1500 a.C., também deixaram seu legado relacionado aos aspectos de saúde, uma vez que mostram, por exemplo, degenerações tróficas em partes do organismo, que significam um comprometimento de estruturas neuroanatômicas secundárias a patologias nervosas, como acontece em membros inferiores com amiotrofia típica nos casos de poliomielite, conforme ilustra a figura seguinte. 14 Unidade I Figura 3 – Placa de calcário representando um indivíduo com deficiência física Observação A poliomielite é uma doença infecciosa aguda causada pelo poliovírus, que danifica o SNC e leva à destruiçãode neurônios motores, resultando em paralisia flácida. O surgimento dos filósofos na Grécia e as escolas de medicina, por volta do século 5 a.C., levaram ao o caminho necessário para a efetivação de investigações sobre a anatomia humana. Para Platão, o cérebro era “a nossa parte mais divina”. Assim, ele seguiu a teoria cefalocêntrica, segundo a qual o cérebro era o centro da alma. Platão adotou o termo enkephalon. Em seus estudos, ele descreveu os giros e os sulcos cerebrais, conforme ilustra a figura seguinte. Observação O termo giro não era conhecido pelos gregos ou romanos. Até o início do século XIX, essas estruturas anatômicas eram designadas de circunvoluções. 15 NEUROANATOMIA Sulco frontal superior Sulco frontal inferior Sulco pré-central Sulco pós-central Sulco intraparietal Giro pós-central Giro pré-central Giro frontal médio Giro frontal superior Sulco central Figura 4 – Vista superior dos giros e dos sulcos cerebrais Saiba mais Você gostaria de saber um pouco mais sobre o tema? Leia este artigo sobre o legado de Hipócrates e do Corpus hippocraticum no período abrangido entre os séculos V e IV a.C. até o período greco-romano, com Galeno, em II d.C. REBOLLO, R. A. O legado hipocrático e sua fortuna no período greco-romano: de Cós a Galeno. Scientiae Studia, São Paulo, v. 4, n. 1, p. 45- 82, 2006. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/ss/article/view/11067. Acesso em: 4 nov. 2019. Alcméon, da escola de medicina de Crotona, foi o primeiro a motivar a noção anatômica a partir de observações experimentais. Ele considerava que o cérebro era o centro de emoções, conhecimento, mente e alma, e integrou os papéis dos órgãos dos sentidos ao cérebro. Segundo Alcméon, todos os vasos sanguíneos originavam-se da cabeça e seu papel era distribuir o pneuma, ou seja, a origem da alma e da vida ao cérebro. Contudo, outros filósofos acreditavam que o pneuma fosse distribuído ao cérebro diretamente da respiração nasal. Alcméon cometeu alguns erros bizarros, por exemplo: achava que o espermatozoide fosse parte do cérebro do homem desde os 14 anos de idade. Em dissecções de animais, ele descobriu o nervo óptico e as tubas auditivas, afirmando erroneamente que as cabras respiravam pela orelha. 16 Unidade I Surge então a figura lendária de Hipócrates de Cós, considerado o “pai da medicina”. No campo da anatomia, nada efetuou de relevante. A base fundamentada de seu ensinamento é “teres aos deuses o direito de viver e confiá-los aos homens”. Atribui-se a Hipócrates uma ampla coleção de trabalhos médicos, enquanto outros são conferidos a discípulos seus e a outros autores. Figura 5 – Escultura de Hipócrates Os conhecimentos sobre o SN na medicina hipocrática são muito deficitários. As ideias de anatomia e fisiologia são inconsistentes; sabia-se que o cérebro era constituído de duas metades divididas por uma membrana e que fazia continuidade com a medula espinal. Conforme a teoria dos quatro humores, o cérebro seria a fonte da fleuma. As meninges eram bem conhecidas pela conjuntura que proporcionava o tratamento cirúrgico dos casos de traumatismo craniano. A trepanação era utilizada com assiduidade. Observação As meninges são revestimento do SNC originado do mesênquima e de células da crista neural. Há três meninges: dura-máter, aracnoide-máter e pia-máter, conforme ilustram as figuras a seguir. Figura 6 – Dura-máter 17 NEUROANATOMIA Figura 7 – Aracnoide-máter Figura 8 – Pia-máter O cérebro é reconhecido como o centro receptor das sensações. No livro Dos Lugares no Homem, de Hipócrates, depara-se com a seguinte observação a propósito dos sentidos da audição e do olfato: A meninge é perfurada no ponto através do qual nós escutamos. [...] Esta é a única perfuração da membrana que protege o cérebro. Na região das narinas não existe perfuração, porém uma espécie de porosidade, parecida a uma esponja; por este motivo um indivíduo escuta a uma distância maior do que aquela em que ele sente os cheiros (HIPÓCRATES, 1995, p. 23 apud REZENDE, 2009, p. 62). Nessa época, o termo neuron empregava-se especialmente aos tendões, que eram confundidos com os nervos. Reconheciam-se tão somente os nervos mais facilmente identificáveis, como o óptico, o acústico, o trigêmeo, o vago, o plexo braquial e os nervos ulnar e isquiático. 18 Unidade I Lembrete O V par de nervo craniano, ou nervo trigêmeo, apresenta componentes sensitivos para a sensibilidade geral da face e componentes motores para os músculos da mastigação. O X par de nervo craniano, ou nervo vago, possui componentes sensitivos para as vísceras torácicas e abdominais, e componentes motores para os músculos da faringe e da laringe. Saiba mais Você sabia que a lombalgia ocupacional gera influências negativas na performance das atividades laborais e de vida na equipe de Enfermagem e que a lombalgia está relacionada com o nervo isquiático? O profissional de Enfermagem que deseja assistir, tratar e cuidar do outro também precisa de cuidados, fazendo-se necessário que suas condições de saúde física, mental e espiritual estejam em equilíbrio. Portanto, recomendamos a leitura do artigo científico: BORGES, T. P.; et al. Aplicação da massagem para lombalgia ocupacional em funcionários de Enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, Ribeirão Preto, v. 20, n. 3, p. 511-9, maio/jun. 2012. Disponível em: http:// www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-11692012000300012&script=sci_ abstract&tlng=pt. Acesso em: 4 nov. 2019. Em outro livro, Da Natureza do Homem, Hipócrates propunha uma conexão entre o cérebro e a doença sagrada, a epilepsia. Para ele, essa patologia era uma modificação advinda do cérebro que tinha como causa fatores naturais – a suposição de uma origem divina era consequência da inexperiência humana. Cada uma das doenças possuía uma causa própria, decorrente de fatores externos. Seu texto renuncia às superstições e às bruxarias que rodeavam a doença, e Hipócrates não acreditava que o “homem pudesse ser vitimado por um deus, representado de derradeira perfeição”, expressando, assim, que a doença era hereditária e a sua origem estava situada no cérebro. Como tal, não precisava ser tratada com feitiçaria, mas com dieta e drogas. Outro anatomista importante no período grego foi o filósofo Aristóteles. Ele realizou centenas de dissecções em animais, porém aparentemente não teve a oportunidade de dissecar cadáveres humanos. Aristóteles dá excelentes descrições de alguns órgãos, sob o ponto de vista da anatomia comparada. Essas descrições foram, eventualmente, ilustradas com desenhos. Ele cometeu vários equívocos ao sustentar a teoria cardiocêntrica egípcia (quadro a seguir). Aristóteles dizia que o coração era o órgão 19 NEUROANATOMIA mais formidável do organismo, a sede da alma e também da inteligência. Ele falava que de todas as partes do organismo não havia nenhuma tão fria como o cérebro, além de a mais seca e que apresenta menos sangue, servindo o cérebro somente para o resfriamento do sangue. Quadro 1 – Estudiosos gregos influentes que apoiavam a doutrina cardiocêntrica Teoria Cardiocêntrica Aristóteles Praxágoras Diócles IV século a. C. III século a. C. II século a. C. I século a. C. Estoicos Ateneu Crisipo Zenão Adaptado de: Crivelatto e Domenico (2007). Quando Atenas perdeu sua soberania, o centro médico de maior notabilidade na história da humanidade foi, sem dúvida, Alexandria, no Egito. Fundada por Alexandre, o Grande, apresentou-se como uma cidadela onde os melhores intelectos da Antiguidade fundamentaram os alicerces para o estudo sistemático da matemática, da física, da astronomia, da literatura, da geografia, da biologia e da medicina. Sua grandiosa biblioteca foi utilizada para arquivar mais de 500 mil papiros. Lá se encontravam cópias de todos os textos escritos pelos filósofos e médicos gregos. Figura 9 – A grande biblioteca de Alexandria 20 Unidade I A escola de medicina de Alexandria floresceu devidoà decadência progressiva da escola de medicina de Cós. As necessidades dos conhecimentos médicos fizeram que se tornasse imprescindível a prática de dissecação humana, até então proibida pelos gregos. A autorização da dissecação em Alexandria aconteceu durante a primeira metade do século III a.C., onde, pela primeira vez, a anatomia efetivou-se como uma disciplina. Esse parêntese da história foi interrompido após a renovação religiosa adivinda com o catolicismo, que se opôs à manipulação de cadáveres humanos. Os dois primeiros e maiores professores de anatomia no período Alexandrino foram Herófilo da Macedônia e Erasístrato de Cós. Eles dissecaram cadáveres de condenados à morte e descreveram cuidadosamente suas estruturas anatômicas. Herófilo foi reputado por Galeno como referência em anatomia. Considerado como o “açougueiro de homens”, realizou aproximadamente 600 dissecações em cadáveres humanos, e os meios utilizados por ele afrontaram os seus contemporâneos. Murmúrios públicos denuncianaram Herófilo de praticar vivissecção com a autorização do faraó Ptolomeu. Entretanto, há possibilidades de a informação dessa prática realizada por ele não apresentar um fundo de verdade, pois a inveja de seus opositores poderia ter afetado negativamente o humor desses indivíduos. Figura 10 – Herófilo da Macedônia Figura 11– Erasístrato de Cós 21 NEUROANATOMIA Lembrete Vivissecção é a ação de dissecar um indivíduo vivo com a finalidade de efetuar estudos de natureza morfofuncional. Ao contrário de Aristóteles, Herófilo considerou o cérebro como a sede da inteligência, no lugar do coração. Ele, um especialista em SN, descreveu a anatomia do cérebro e do cerebelo, bem como dos ventrículos encefálicos, tendo valorizado a importância dessas cavidades do interior do cérebro e das meninges. Em suas descrições sobre as meninges, chamou-as de chorioid, pela semelhança com a membrana que envolve o feto. Herófilo refere-se ao IV ventrículo e ao sulco do soalho na parte inferior, como a confluência dos seios da dura-máter, designado posteriormente como “o torcular de Herófilo”, torcula (L.), cujo significado é o de uma cisterna ou poço para coletar o líquido da prensa de vinho. Ele foi também o primeiro a reconhecer que eram os nervos, e não as artérias, que geravam os movimentos voluntários, e distinguiu os nervos sensitivos dos nervos motores, embora ainda imperasse certa confusão entre nervos motores e tendões. Observação Os nervos sensitivos levam informações da periferia até o SNC, enquanto os nervos motores conduzem as respostas do SNC até um órgão efetuador. Os seios da dura-máter servem como canais de baixa pressão para o fluxo de sangue venoso em direção à circulação sistêmica. Figura 12 – O torcular de Herófilo 22 Unidade I Nessa mesma época, Erasístrato preocupou-se mais com as funções do organismo do que com a forma, por isso é considerado o “pai da Fisiologia”. Em relação ao SN, Erasístrato e Herófilo compararam o cérebro humano ao dos animais, observando que a superfície cerebral no homem possuía maior complexidade e maior número de circunvoluções, o que explicaria a superioridade da inteligência humana sobre a dos animais. Erasístrato também determinou o cérebro e o cerebelo como estruturas parenquimatosas. Com maior segurança do que Herófilo, separou os nervos motores dos nervos sensitivos e descreveu o trajeto dos nervos dos órgãos e dos sentidos. Ele reconheceu o córtex cerebral, e não a dura-máter, como a origem dos nervos cranianos. A última colaboração da Idade Antiga veio do anatomista Claudius Galeno. Suas descrições raramente se adequam aos órgãos humanos, pois foram focadas em macacos, bois, ursos e porcos. Quanto não teria realizado Galeno na anatomia, se lhe fosse consentida a dissecação de cadáveres humanos, uma vez que viveu numa época onde milhares de infelizes eram sacrificados pelo capricho brutal da população romana, em particular pelos seus imperadores, entretanto eles não autorizavam a anatomia a servir-se dos cadáveres. Figura 13 – Retrato de Galeno Durante a sua permanência em Roma, Galeno desenvolveu intensa atividade: realizava conferências e palestras para o público, escrevia sem parar e era médico das classes mais pobres. Sua personalidade era de um egocêntrico presunçoso e autoritário; queria estar sempre com a veracidade e buscava contradizer seus predecessores e contemporâneos, exceto Herófilo e Hipócrates, que ele reverenciava – em cuja obra e doutrina dos quatro humores Galeno se fundamentava para a explicação etiopatogênica das doenças e do seu tratamento. Com Galeno, os conhecimentos sobre o SN tiveram um enorme progresso. Foi um cefalocentrista, entre os cardiocentristas, que deixou cristalina sua visão sobre o controle do movimento dos músculos pelos nervos que provêm do cérebro. Ao contrário de Aristóteles, Galeno considerava o cérebro como o centro das sensações e do pensamento, a sede da alma, porque dizia que nele se gerava o raciocínio e se conservava a recordação das imagens sensoriais. 23 NEUROANATOMIA Saiba mais Você gostaria de aprender um pouco mais sobre o tema? O renomado historiógrafo da medicina Roy Porter escreve em texto fascinante para o público sobre a história da medicina a partir de diferentes pontos de vista, como da história das doenças, dos médicos, do corpo, do laboratório, das terapias, da cirurgia e do hospital. Leia: PORTER, R. Das tripas coração: uma breve história da medicina. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Record, 2004. Quadro 2 – Aspectos crolonológicos de relevantes filósofos e médicos gregos seguidores da doutrina cefalocêntrica Teoria Cefalocêntrica Anaxágoras Diógenes Filolau Alcméon Pitágoras Galeno Herófilo Erasístrato Hipócrates Platão VI e V séculos a.C. V século a.C. IV século a.C. III século a.C. II século d.C. Adaptado de: Crivelatto e Domenico (2007). As principais observações de Galeno estão no campo do SN. Ele estudou a anatomia do encéfalo em seus detalhes e considerou o cérebro como a sede de funcionamento de toda a alma. Para ele, os nervos originavam-se do cérebro e da medula espinal, e não do coração, como ensinava Aristóteles. Classificou os nervos cranianos em nove pares: nervo óptico; nervo oculomotor; nervo facial; nervo troclear; nervo trigêmeo; nervo palatino; nervo acústico; grupo vocal; nervo hipoglosso. Descreveu igualmente 30 pares de nervos espinais, o grande simpático toracoabdominal e a dupla inervação vagal e simpática dos órgãos abdominais. Lembrete O III par de nervo craniano, ou nervo oculomotor, é um nervo motor para alguns músculos extrínsecos do olho. O XII par de nervo craniano, ou nervo hipoglosso, é um nervo motor responsável pela inervação dos músculos extrínsecos e intrínsecos da língua. 24 Unidade I Conceitos gregos sobre o desenvolvimento do cérebro Sede da sensação e da compreensão (Alcméon, século V a.C.) O mensageiro do entendimento. A origem das atividades emocionais e morais (Hipócrates, 400 a.C.) Sede da alma racional (Platão, 427-347 a.C.) Sede de resfriamento do calor corporal (Aristóteles, 384-322 a.C.) Sede de funcionamento de toda a alma (Galeno, 129-216 d.C.) Centro de comando corporal (Herófilo, 335-280 a.C.) Figura 14 – Diagrama esquemático que representa os pensamentos sobre o cérebro, segundo filósofos e médicos gregos entre os séculos V a.C. e II d.C. Lembrete A terminologia anatômica atual determina o número de 12 pares de nervos cranianos. Saiba mais No site a seguir, você conhecerá 45 fatos curiosos sobre o cérebro humano. Boa leitura! 45 FATOS curiosos sobre o cérebro humano. Revista Galileu, 2 set. 2016. Disponível em: http://revistagalileu.globo.com/Caminhos-para-o-futuro/ Saude/noticia/2016/09/45-fatos-curiosos-sobre-o-cerebro-humano.html. Acesso em: 4 nov. 2019. 25 NEUROANATOMIA Galeno classificou os nervos em dois tipos: moles ou sensitivos (para os órgãos dos sentidos) e duros (paraos movimentos), atraindo a atenção para o fato de que existem órgãos com os dois tipos de nervos, como a língua e os olhos, favorecidos ao mesmo tempo com sensitividade e movimento. Ele explicou a duplicidade dos órgãos dos sentidos, dos ventrículos encefálicos e dos próprios hemisférios cerebrais para a casualidade de que “se um deles sofrer lesão, o outro suprirá a função do que for lesado” (GALENO, 1854, p. 557 apud REZENDE, 2009, p. 69). Ainda descreveu o corpo caloso, o fórnice e o infundíbulo da hipófise e admitiu que essa estrutura anatômica se comunicava com a cavidade nasal. Observação O corpo caloso consiste num conjunto de fibras transversais, que, ao cruzarem a linha média, abrem-se em leques, de forma a alcançar os diferentes pontos de toda a convexidade cerebral. Emergindo abaixo do corpo caloso, está o fórnice – feixe complexo de fibras nervosas. O infundíbulo da hipófise é uma formação nervosa em forma de funil. Ainda sobre Galeno, ele apresentou pela primeira vez que o organismo era controlado pelo cérebro. Localizou uma alma funcional no enkephalon – a parte com a qual ele acreditava que pensávamos –, onde se encontra o pneuma psíquico. De tal modo, impôs ao cérebro os papéis da percepção que Aristóteles havia atribuído ao coração. Galeno sustentava a teoria de que o pneuma psíquico, uma substância que ele acreditava se desenvolver nos ventrículos encefálicos, fluiria através dos nervos cominando a sensação e os movimentos voluntários. Em sua visão, os vasos sanguíneos transportavam a energia vital, queimada pelo coração, levada então até a base inferior do cérebro, onde ela se transformava em princípios espirituais (rete mirable). Senso Comum Cheiro Artéria carótida Consciência Pneuma vital – fonte primária de pneuma psíquico Pneuma psíquico conduzido pelos nervos espinais Fonte secundária de pneuma psíquico Pneuma psíquico alterado por estímulos sensoriais Ventrículo preenchido com pneuma psíquico Audição Visão Figura 15 – Representação da formação do pneuma psíquico 26 Unidade I Galeno cometeu muitos erros, como o concernente à sua teoria da circulação sanguínea; todavia, sem nenhum equívoco, ele foi o médico e anatomista com o prestígio mais duradouro sobre a medicina: 1.500 anos. O desenvolvimento da tradição ético-religiosa, que vai se desdobrar por toda a Idade Média, impediu os estudos de anatomia. Concomitantemente, as invasões dos bárbaros enfraqueceram o Império Romano e devastaram a Biblioteca de Alexandria, onde estavam guardados os estudos gregos sobre medicina. No obscurantismo provocado pelo cristianismo na Europa, coube aos árabes os cuidados do material recuperado da biblioteca. O conhecimento obtido da medicina grega, por meio de obras traduzidas, faria da Escola de Galeno a mais importante no mundo árabe islâmico. Hipócrates, Herófilo e Erasístrato, antecessores de Galeno, e os mais relevantes representantes da medicina clássica, seriam, ao mesmo tempo, venerados ao longo de todo o período de ouro dessa cultura. A medicina grega estaria sempre presente e guiaria os trabalhos e as pesquisas, devido aos obstáculos de desenvolverem tais atividades em anatomia e fisiologia, pela proibição da prática de vivissecção e dissecação. As noções do organismo humano emanavam dos gregos. Na Idade Média, o organismo passou por um processo de ressignificação. As atenções dos indivíduos eram voltadas para as ameaças divinas, em comparação às quais os perigos ao organismo passaram a ser desdenhadas. Essa seria uma das explicações aceitáveis para a redução do interesse dos indivíduos diante das questões de saúde, como a medicina e, consequentemente, a anatomia. Além disso, os roubos, as epidemias, a fome, as batalhas empreendidas pelas cruzadas religiosas, os pagamentos de impostos, enfim, tudo no feudalismo contribuiu para que as inquietações dos indivíduos se retrocedessem para a necessidade de segurança proporcionada pela terra e pela religião. Saiba mais Vamos nos posicionar na História? Neste artigo você irá entender por que a Idade Média tem sido frequentemente encarada como “A Idade das Trevas”, em razão da intransigência religiosa e do misticismo por excelência. Tal fato se deve, em grande parte, ao período seguinte – Renascimento – quando o termo foi cunhado, em oposição à Antiguidade “luminosa”, humanista e racional, e à redescoberta do humanismo nos séculos XV e XVI. Para saber mais acerca do assunto, acesse: ALMEIDA, C. C. Do mosteiro à universidade: considerações sobre uma história social da medicina na Idade Média. Aedos, v. 2, n. 2, p. 36-55, 2009. Disponível em: http://seer.ufrgs.br/aedos/article/view/9830/5643. Acesso em: 4 nov. 2019. 27 NEUROANATOMIA Por esses aspectos, no período medieval, a evolução da anatomia foi estorvada. Os poucos estudos das estruturas cerebrais foram imaginados por desenhos e pinturas sem o cuidado de ser realístico ou conceber a autêntica forma do cérebro. As figuras foram construídas usando-se de diagramas esquemáticos, bidimensionais, os quais retratavam papéis cerebrais diversos, deixando claro que o conceito anatômico era incompleto. Funções da visão, da audição, da gustação, da alma e mentais, por exemplo, eram projetadas para células, isto é, os ventrículos laterais, esboçados sem propósito de expressar a realidade da estrutura anatômica legítima, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 16 – Diagrama esquemático com ilustrações medievais da doutrina celular da função cerebral. Observa-se que não há preocupação em representar o cérebro de forma realista e com perspectiva De tal maneira, foram descobertos, em manuscritos medievais, esboços do cérebro, efetuados por autor desconhecido, que mostram um texto de origem em Salerno, os quais datam do ano de 1250 e expõem o cérebro com giros e sulcos, todavia de maneira simples, irrigado por uma rede de vasos sanguíneos oriundos do pescoço e da região cervical. Um pouco mais real do que os diagramas esquemáticos, mas não existe o cuidado de representar integramente a estrutura cerebral, porém se avizinha um pouco mais da anatomia realística do que os diagramas. Figura 17 – Desenho medieval esboçando o cérebro e os vasos sanguíneos 28 Unidade I No final da Idade Média e durante o Renascimento, a arte se preocupava mais com a representação da imagem humana. Nessa época, surgem magníficos professores e anatomistas, entre eles Jacopo Berengario. Conta a história ter ele dissecado mais de 100 cadáveres humanos. Professor em Bolonha durante 25 anos, Berengario realizou vivissecções, e em suas discussões expôs de maneira clara a presença de líquidos nos ventrículos encefálicos. Ele se opôs a alguns anatomistas que acreditavam na presença de “um vapor ou espírito”, encontrado em indivíduos vivos o qual era “condensado” em líquido após a morte. Era claro para ele, portanto, que esse líquido não era “vapor” em organismos vivos. Berengario também descreveu a medula espinal, terminando no adulto ao nível de L2. Nenhuma pesquisa sobre a história da anatomia no período medieval pode ser considerada completa sem citar o nome de Mondino de Luzzi. Ele foi contemplado como o primeiro “restaurador da anatomia”. Mondino efetuou dissecções em cadáveres humanos de criminosos e escreveu o manual de dissecação, a Anatomia Mondini. Figura 18 – Uma lição de anatomia. Mondino ilustra a dissecação de cadáver durante a cátedra. Um cirurgião efetua a dissecação e o professor Mondino aponta as estruturas anatômicas Mondino encarou uma área muito desafiadora, como a anatomia do cérebro, entretanto foi hábil em prover uma descrição brilhante e racional por meio de suas dissecações. Atribuiu muitos dos papéis cerebrais aos ventrículos, brevemente destacando Galeno, que enfatizou o parênquima cerebral. 29 NEUROANATOMIA Figura 19 – Ventrículo encefálico Segundo Mondino, uma vez que as membranas, a dura-máter e a pia-máter são levantadas, o cérebro vai aparecer. Ele observou que o encéfalohumano tem duas partes: a anterior, a qual chamou de prosencéfalo, e a posterior, que denominou de cerebelo. A parte anterior do encéfalo foi dividida em dois hemisférios cerebrais (direito e esquerdo), conforme ilustra a figura seguinte. Mondino dedicou grande atenção à descrição dos ventrículos encefálicos. “Os ventrículos encefálicos são em número de quatro. O ventrículo anterior é o ventriculus anterior magnus, sendo ele subdividido em: uma parte direita e uma esquerda” (CRIVELLATO; RIBATTI, 2006, p. 585, tradução nossa). Hemisfério direito Hemisfério esquerdo Figura 20 – Hemisférios cerebrais 30 Unidade I Lembrete Nessas duas partes dos hemisférios cerebrais (direita e esquerda), descritas por Mondino, encontram-se os ventrículos laterais da terminologia anatômica atual. Cerebelo (L.), do latim cerebellum: pequeno cérebro (figura a seguir). O cérebro posterior, que está localizado na fossa posterior do crânio. Hemisfério direito Hemisfério esquerdo Figura 21 – Vista superior do cerebelo Mondino complementou: Estes ventrículos são espaçosos e, especialmente, em sua parte anterior temos o local de origem das nossas fantasias, já na parte posterior se encontram as nossas imaginações, enquanto na parte do meio está o ponto de encontro do modo de pensar da maioria dos indivíduos e as noções comumente admitidas pelos seres humanos, ou seja, o nosso senso comum (CRIVELLATO; RIBATTI, 2006, p. 585, tradução nossa). Conforme Mondino, os papéis desses ventrículos laterais são, portanto, propor a fantasia, a imaginação e o senso comum. O terceiro ventrículo, chamado por ele de ‘’lacuna’’, ou ventrículo médio, está disposto no fundo da parte mediana do cérebro. Este ventrículo é uma cavidade arredondada semelhante a um lago, e o seu papel está relacionado com a sede da meditação e do raciocínio (CRIVELLATO; RIBATTI, 2006, p. 585, tradução nossa). O quarto ventrículo, denominado por Mondino de ventrículo posterior, está localizado na região posterior do encéfalo, ou seja, junto ao cerebelo. Mondino representou essa região como 31 NEUROANATOMIA o ponto de origem da medula espinal e vários nervos motores. Para ele, o ventrículo posterior tinha uma forma piramidal e foi interpretado como o lugar da memória. De tal modo, Mondino seguiu a doutrina da localização psicológica de Galeno relacionada às funções situadas dentro dos ventrículos encefálicos. Lembrete O encéfalo apresenta quatro ventrículos: dois laterais (I e II ventrículos), o III ventrículo e o IV ventrículo. Curiosamente, Mondino descreveu uma estrutura com coloração “vermelho-sangue”, que possui a forma de um “verme longo caminhando no solo”, encontrada no espaço entre os dois ventrículos laterais. Esta estrutura anatômica corresponde aos plexos corióideos dos ventrículos laterais. De acordo com Mondino, esse órgão vascular foi relacionado com a atividade do pensamento, porque sua contração gera a obstrução da passagem do espírito vital, seguida de bloqueio de qualquer faculdade do pensamento. Figura 22 – Plexos corióideos Observação Os plexos corióideos, estruturas que se projetam para dentro dos ventrículos encefálicos, são responsáveis pela produção de líquido cerebrospinal (LCS). 32 Unidade I Notavelmente, Mondino não se limitou à descrição do cérebro para o aparelho ventricular, mas também considerou o tecido cerebral, comparando-o a uma substância como a medula óssea. Ele mencionou estruturas distintas na base de cada um dos ventrículos laterais e chamou-as de anchae por apresentarem uma forma curva que lembrava as nádegas. Há uma divergência histórica sobre essas estruturas descritas por Mondino. Elas seriam, quiçá, os corpos quadrigêmeos ou, mais provavelmente, as estruturas descritas por ele, na realidade, são os núcleos caudados da anatomia moderna. Observação Os corpos quadrigêmeos são estruturas anatômicas localizadas na região posterior do mesencéfalo, formadas por dois colículos superiores e dois colículos inferiores. Colículo superior Tálamo III ventrículo Glândula pineal MesencéfaloColículo inferior Vérmis Hemisfério cerebelar esquerdo Hemisfério cerebelar direito Figura 23 – Vista superior/posterior do cerebelo Observação O núcleo caudado é cosiderado um dos núcleos da base. É assim denominado por ter uma longa extensão ou cauda. O discípulo de Mondino de Luzzi, Guido da Vigevano, realizou dissecações em cadáveres e, a partir de seu manuscrito Anathomies, foi o primeiro cientista que utilizou quadros para esquematizar suas descrições anatômicas, sendo ele o precursor no desenvolvimento da proximidade entre a neuroanatomia e o desenho artístico, como demostram as figuras a seguir. 33 NEUROANATOMIA Figura 24 – Tábuas de anatomia: Guido da Vigevano Guido fez esboços de trepanações cranianas por meio de um bisturi e um martelo, cujo intuito era mostrar o encéfalo e as duas meninges, até então conhecidas como a dura-máter e a pia-máter. Ele definiu as meninges como película. Figura 25 – Trepanações cranianas 34 Unidade I Outros achados relevantes de Guido da Vigevano estão relacionados com a medula espinal e a origem dos nervos espinais. Esses pares de nervos espinais atravessam os forames intervertebrais, formam os plexos nervosos e atingem todo o organismo. Ele demonstrou uma vaga padronização da estrutura cortical encontrada na superfície encefálica. Posto isto, os esboços de Guido foram uma contribuição valiosa para os avanços da história da neuroanatomia. Figura 26 – Medula espinal e nervos espinais Ainda durante a Idade Média, existiu John Arderne, um importante cirurgião em Nottinghamshire e Londres, que teve, ao longo de sua vida profissional, oportunidades de aprender e desenvolver suas habilidades como cirurgião militar, pois nesse ínterim histórico ocorreu a Guerra dos Cem Anos do século XIV. De tal modo, ele observou os ferimentos causados pelas primeiras batalhas que utilizaram a pólvora. Arderne descreveu seus estudos em latim e obviamente usou os ensinamentos de muitos dos autores escolásticos de enorme autoridade, como Galeno e Avicena. As figuras seguintes mostram, em cortes sagitais, a dissecação da cabeça ao períneo. Na figura a seguir, o cérebro é visto dividido em partes: frontal, média e terços posteriores, além dos giros e sulcos que são representados como linhas interrompidas. Na figura 28, ele manteve o mesmo padrão de secção do encéfalo. Nesta imagem, além da representação do cérebro, há uma tentativa de retratar de forma realística outras regiões e órgãos do corpo humano. 35 NEUROANATOMIA Figura 27 – Dissecção da cabeça ao períneo Figura 28 – Dissecção da cabeça ao períneo O Renascimento foi um período que suplicava por “titãs” e que os compôs por força do pensamento, paixão, caráter, versatilidade e sabedoria. A anatomia também teve tais “titãs”. Eles aniquilaram a anatomia escolástica de Galeno e cimentaram os fundamentos da anatomia cientifica. O precursor desse trabalho titânico foi Leonardo da Vinci, o verdadeiro criador foi Vesalius, e a findar esse trabalho esteve Harvey. As produções que proporcionavam a articulação entre a arte e a ciência demonstrada em alguns dos primeiros estudos conhecidos sobre o cérebro não somente influíam como também deram forma ao objeto-livro, surgindo como referências em algumas de suas páginas. O trabalho conjunto entre cientistas e artistas já acontecia, da mesma maneira, no comentário das observações e, também, na preparação 36 Unidade I dos esquemas de representação daquilo que muitas vezes só poderia ser idealizado e explicado. Neste contexto, o próprio pesquisador era ao mesmo tempo cientista e artista, como foi o caso de Da Vinci. O grande renascentista italiano Leonardo da Vinci se dedicou com ardor às pesquisas minudenciadas do organismo humano, esboçando inúmeros desenhos com estudos anatômicos que representavam as estruturas interiores e as proporções do corpo, objetivando um maior realismo em sua obra. Ele estudavao organismo instituindo comparações e buscando simetrias com o microcosmos. Figura 29 – Leonardo da Vinci, o gênio do Renascimento Da Vinci fez diversos desenhos representando o funcionamento dos órgãos corpóreos, como o cérebro, o esqueleto, o caminho de veias e as estruturas digestivas. Em algum momento da história, quiçá acirrado por um revigorado interesse na anatomia, ele tornou-se um “consumidor voraz “ de cadáveres. Por volta de 1508, Da Vinci fez moldes, em cera derretida, dos ventrículos encefálicos, para estudar a sua estrutura. Figura 30 – Fisiologia do cérebro, de Leonardo Da Vinci 37 NEUROANATOMIA Figura 31– Forma dos ventrículos, de Leonardo Da Vinci O médico alemão Johann Dryander é considerado o primeiro anatomista a publicar um livro com imagens de suas dissecações. Ele divulgou em sua obra Anatomia Capitis Humani imagens que retratavam o impacto da transição dos desenhos da doutrina medieval, isto é, a teoria das células cerebrais, com a total despreocupação voltada para a representação realística do cérebro. A visão moderna que Dryander exibia em suas imagens representava as estruturas intracranianas de maneira realística, uma novidade para o período, como era vista por ele na dissecação das meninges, do cérebro, dos ventrículos e do crânio, conforme ilustra a figura seguir. Figura 32 – Imagens da obra de Johann Dryander, Anatomia Capitis Humani 38 Unidade I Quando Michelangelo Buonarroti pintou A Criação de Adão, como parte da encomenda da pintura do teto da Capela Sistina, em Roma, feita em 1508 pelo Papa Júlio II, registrou em carta a melancolia de escultor forçado a desempenhar ocupação de pintor: “Isso não é da minha profissão. Perco o meu tempo sem resultado. Que Deus me ajude!” (NÉRET, 2000. p. 23). Michelangelo seguramente não era um católico impetuoso; sua religiosidade permanecia mais para o corpo criado do que para a mente do divino criador. Manifestava sua curiosidade de homem do Renascimento, que o levara à dissecção de organismos humanos para que melhor compreendesse as formas que compunham sua escultura e sua pintura. A partir de 1990, foram feitas descobertas acerca de alguns segredos contidos na pintura da Capela Sistina. Nesse ano, o médico americano Frank Meshberger descobriu que na cena A Criação de Adão o manto de Deus significava seguramente um corte de um crânio e do cérebro nele contido. Entre os anos de 1989 e 2003, o oncologista brasileiro Gilson Barreto pesquisou e descobriu a série completa do que ele denominou de O Código Michelangelo. A dissecção de praticamente todas as partes do organismo humano estava representada, e cada uma disfarçadamente apontada por rastros nas pinturas da Capela Sistina. A primeira descoberta de um desenho escondido nas imagens da Capela Sistina, a que mostrou um cérebro idêntico com a imagem divina, faz jus a um cuidado especial. Nessa imagem, o Deus criador, em meio a seu manto envolvente e a um grupo de anjos, corresponderia às partes mais centrais do cérebro humano, como o corpo caloso. Na realidade, a imagem de Deus possui leve defeito diagonal que, em geral, se observa em processos de dissecação, contudo todas as partes anatômicas estão corretamente representadas na pintura. Há somente um detalhe que evade à correção anatômica que nenhum pesquisador conseguiu esclarecer: o braço estendido de Deus ultrapassa os limites de uma possível representação de caixa craniana. Saiba mais A fim de aprofundar suas leituras sobre esses temas, leia: ASSIS JUNIOR., H. Leonardo e Vesalius no ensino de anatomia humana. Metrocamp Pesquisa, v. 1, n. 1, p. 118-30, 2007. KICKHÖFEL, E. H. P. A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a ciência moderna. Scientiae Studia, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 389-404, jul./set., 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid =S1678-31662003000300008. Acesso em: 4 nov. 2019. LIRA, W; ALVES, K. S. G. A anatomia do corpo humano através da arte. In: ENCONTRO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM CIÊNCIAS, 13., 2009, Castelo Branco. Actas... Castelo Branco (Portugal): Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Castelo Branco, 2009. Disponível em: http://files. didatica-das-ciencias9.webnode.com/200000026-339b934957/Artigo%20 A%20anatomia%20do%20corpo%20atrav%C3%A9s%20da%20arte%20 ATAS.pdf. Acesso em: 4 nov. 2019. 39 NEUROANATOMIA Figura 33 – A arte secreta de Michelangelo: uma lição de anatomia na Capela Sistina As bases da anatomia como ciência foram determinadas por Vesalius de Bruxelas, em 1543, quando ele publicou os desenhos e os textos que compõem a obra De Humani Corporis Fabrica, que corrigia e reformulava os conceitos e as ilustrações anatômicas do período, na busca de uma “exatidão real”. A obra de Vesalius, ao priorizar a observação e a pesquisa, é apresentada como o início da ciência moderna. Ele é considerado o pai da anatomia e um autêntico representante da Renascença, reunindo ciência e arte. Entretanto, é chamado pelos seus inimigos da fé católica de o Martinho Lutero da anatomia humana. Vesalius começa o seu livro e traz o tema a respeito do cérebro e do sistema nervoso: O encéfalo é a sede da alma dos indivíduos e das suas faculdades. Ele reside no crânio, sendo que magnificamente se ajusta ao seu formato na cavidade superior da cabeça, e assim, ocupa todo esse espaço (GOMES et al., 2015, p. 157, tradução nossa). Em alguns trechos de seu livro, Vesalius faz menções da abertura do crânio com analogias à de um cofre: Primeiro, o encéfalo está protegido por uma membrana, a dura-máter. Após a sua remoção, surgem as partes dos hemisférios cerebrais direito e esquerdo, que por sua vez é contínuo pela medula oblonga e medula espinal. [...] 40 Unidade I Após a remoção da dura-máter, percebam que ela envia uma dobra entre os dois hemisférios cerebrais (foice do cérebro), e entre o cérebro e o cerebelo (tentório do cerebelo). Assim, a exposição dos hemisférios cerebrais possibilita a visualização de duas grandes cavidades (ventrículos laterais), os giros cerebrais e a substância branca subcortical. Em um nível mais profundo, observam-se estruturas subcorticais, como o tálamo, o globo pálido, o putame, o núcleo caudado e as cápsulas internas e externas. A remoção da parte posterior do cérebro revela o cerebelo e o tronco encefálico. Após “virar” anteriormente o cerebelo e todo o tronco encefálico, enfim a medula espinal aparece. [...] Internamente, os ventrículos laterais estão conectados com o III ventrículo, e este por sua vez é contínuo por um canal (aqueduto do mesencéfalo) que termina no IV ventrículo. Nos ventrículos pode ser observado um plexo ou redes (plexo corióideo). Vejam o septo (septo pelúcido), o corpo caloso, a abóbada (fundo de saco) e o cerebelo, sua relação com esses ventrículos (GOMES et al., 2015, p. 157, tradução nossa). A figura a seguir (A, B, C, D) ilustra essa descrição: Figura 34 – Ilustração de Fabrica (1555), de Andreas Versalius Então, Vesalius segue com a sua descrição detalhada do crânio, da coluna vertebral e dos nervos periféricos: 41 NEUROANATOMIA Em uma visão da base do encéfalo, se revelam os sete pares de nervos cranianos, além do primeiro par de nervos que representam os nervos ópticos, sendo que estes acabam junto à túnica do olho. Entretanto, o órgão do olfato (trato olfatório) não deve ser classificado como um nervo, mas observem que se encontra na base do encéfalo (GOMES et al., 2015, p. 157). Figura 35 – Ilustração de Fabrica (1555) SNP Ele também dá considerações funcionais adequadas ao seu tempo, citando o “catarro do cérebro” e o seu fluxo através de um canal em forma de funil (infundíbulo) até as narinas, depois de ter sido “destilado” por uma glândula quadrada (hipófise): Com a reflexão de que o “espírito vital” é produzido nos plexos corióideos e, desde o ar aspirado para os ventrículos encefálicos por meio da respiração, a força inata das substâncias cerebrais cria o “espírito animal” que o encéfalo fazuso, em partes, para os comandos principais da mente (GOMES et al., 2015, p. 157). Observação Pequeno glossário das estruturas anatômicas mencionadas por Vesalius: • Bulbo ou medula oblonga é a parte inferior do tronco encefálico. • Foice do cérebro é um septo vertical mediano em forma de foice que ocupa a fissura longitudinal do cérebro separando os dois hemisférios cerebrais. 42 Unidade I • Tentório do cerebelo é uma dobra da dura-máter que separa o cerebelo do lobo occipital do cérebro. • Tálamo é parte do cérebro. • Globo pálido e putame são estruturas que formam os núcleos da base. • Cápsula interna consiste em um feixe de fibras localizadas no cérebro que apresenta partes do neurônio que se dirigem ao córtex cerebral ou partem dele com destino a regiões subcorticais. • Cápsula externa é uma lâmina branca encontrada entre alguns dos núcleos da base. • Aqueduto do mesencéfalo é uma passagem estreita no mesencéfalo que une o III ventrículo ao IV ventrículo. • Septo pelúcido é uma estrutura anatômica fina que separa os dois ventrículos laterais. Mesencéfalo Ponte Bulbo Medula espinal Cerebelo Tálamo IV ventrículo cerebral Figura 36 – Vista medial do tálamo, tronco encefálico e cerebelo no plano de secção sagital 43 NEUROANATOMIA Lembrete O tronco encefálico é dividido em mesencéfalo, ponte e bulbo. Foice do cérebro Figura 37 – Vista inferior da meninge dura-máter Corpo caloso Ventrículo lateral Septo pelúcido Núcleos da base (núcleo caudado) Figura 38 – Vista anterior do cérebro no plano de secção coronal Nomes relevantes seguiram Vesalius ou foram contemporâneos dele. Em Roma, Bartolomeu Eustachio foi professor de anatomia da Universidade della Sapienza; por sua vez, conseguiu autorização da Igreja para realizar dissecações. Ele fez muitas descobertas, e a sua fama – póstuma, aliás – adveio de seus maravilhosos desenhos anatômicos. Eustachio foi um dos primeiros anatomistas a reproduzi-los em cobre, em vez de madeira. 44 Unidade I Figura 39 – Ilustração de Eustachio mostrando o SNC e os nervos periféricos e cranianos Em 1663, o médico e anatomista Franciscus Sylvius descreveu uma marca profunda na superfície lateral do cérebro que começava próximo da órbita curvando-se posterior e superiormente, seguia tão distal quanto a origem do tronco encefálico, separando o cérebro em uma parte superior e uma inferior, que foi chamada de sulco lateral. Em seu tributo, é nomeada, também, de fissura de Sylvius. Ele ainda descreveu outras estruturas anatômicas, como a artéria média do cérebro, a cisterna da fossa lateral do cérebro, a veia média profunda do cérebro, as veias médias superficiais do cérebro e a cavidade do septo pelúcido. Sulco lateral Cerebelo Ponte Figura 40 – Sulco lateral Professor de anatomia em Bolonha, Costanzo Varolio é conhecido mundialmente no campo da neuroanatomia. Seu nome está associado com a formação de uma estrutura anatômica denominada de ponte ou ponte de Varolio. Ele comparou a base e os pedúnculos cerebelares médios a uma 45 NEUROANATOMIA ponte, sob a qual passavam as fibras longitudinais para a medula oblonga como se fosse a água sob uma ponte. Essa estrutura anatômica é hoje denominada de base da ponte, contendo as fibras corticospinais e pontocerebelares. Figura 41 – Costanzo Varolio Observação As fibras corticospinais são vias descendentes do córtex cerebral até a medula espinal. Partes dos neurônios dos núcleos pontinos constituem as fibras transversais da ponte ou fibras pontocerebelares. Antes de Costanzo Varolio, a ponte fora ilustrada por Bartolomeu Eustachio, em seu livro Tabulae Anatomicae de 1552, mas infelizmente esse trabalho permaneceu inédito por mais de 150 anos. Varolio também contribuiu em outras descrições neuroanatômicas no século XVI. Teve particular atenção às origens intracranianas dos nervos e desenvolveu um novo método de dissecar o cérebro no plano axial, a partir da base cerebral em direção à convexidade. Esse método permitiu uma melhor visualização da estrutura cerebral e dos nervos cranianos. Ele também é considerado o primeiro a ter descrito os lobos cerebrais, ao postular que cada hemisfério cerebral era composto de três prominências, as quais Varolio denominou de anterior, média e posterior, acreditando que corresponderia ao I, II e III ventrículos, respectivamente. 46 Unidade I Um dos maiores filósofos ocidentais de todos os tempos foi René Descartes. Ele era conhecedor da descrição completa do organismo humano oferecida por Vesalius, em 1543. Figura 42 – René Descartes No tocante à relação mente-cérebro, ou melhor, alma-corpo, Descartes menosprezou tanto a informação aristotélica de alma como forma do organismo quanto o conhecimento de alma como preceito de vida dos escolásticos. Ele definiu a alma como substância consciente ou pensamento, uma vez que a alma era diferente do organismo por apresentar uma natureza inseparável, enquanto o organismo era sempre divisível. Embora distintos, a alma interatuava com o organismo. Através da glândula pineal, Descartes cria um pequeno órgão vestigial no cérebro. Esse órgão foi sugerido por tratar-se de uma das poucas partes não duplicadas do cérebro. Descartes reconstituiu a doutrina do ser dualista, de que alma e organismo eram compostos por diferentes substâncias – uma teoria que se tornou crença habitualmente acolhida por pensadores europeus. Ele foi um exímio anatomista e fisiologista e estudou fenômenos simples, como o movimento involuntário que ocorre em um membro quando alguém queima a sua mão ou o seu pé em uma brasa; sugeriu essa ideia como arco reflexo. De forma brilhante, detalhou os componentes desse evento: primeiro a sensação de dor, em seguida a sua condução pelos nervos sensitivos que levam os estímulos até o SNC, posteriormente as respostas pelos nervos motores, que são excitados, e por fim os músculos responsáveis pelo ato. 47 NEUROANATOMIA Figura 43 – Ilustrações neuroanatômicas de René Descartes Lembrete O arco reflexo é a resposta involuntária rápida a certo estímulo periférico originado pela alça de conexão sináptica localizada na medula espinal. É designado de simples, ao compreender somente um neurônio sensitivo e um motor, ou composto, quando entre eles existe um interneurônio. Em razão da ausência de tecnologia apropriada para “desvendar” o cérebro, Vesalius e outros anatomistas do período restringiam-se a representações das características morfológicas do órgão. Isso também lhe permitia exceder discussões teológicas polêmicas, como a de que a prática da dissecção cerebral demandaria uma atitude de blasfêmia, pois denotaria a dissecção da alma. Os anatomistas levavam em consideração o dualismo articulado por René Descartes. Por mais que o cérebro pudesse ser dito a sede da alma, ele não era a alma, e essa noção de que o órgão não tinha outros significados além da sua materialidade teria tornado pouco atraente a sua representação pitoresca e reproduzida, em oposição ao que aconteceu com o coração, largamente usado nas pinturas com temas religiosos, como o Sagrado Coração de Jesus. 48 Unidade I Figura 44 – O Sagrado Coração de Jesus No Barroco, período profundamente religioso, o organismo passa a ser representado de forma contorcida e dramática, com a teatralização nas obras. De tal modo, a pintura busca a união entre o profano e o sagrado em um organismo comum. Rembrandt foi um grande conhecedor de anatomia, utilizando-se desse tema em seus quadros. Como na pintura A Lição de Anatomia do Dr. Deyman, ele apresentou a dissecação de um cérebro, baseado nas ilustrações de Veasalius. O homem morto na imagem é Joris Fonteijn, conhecido como “Janeiro Negro”, um ladrão que sofreu a pena de morte. Como era tradicional nesses dissecações, o estômago e os intestinos eram removidos antes do cérebro. Gysbrecht Calcoen, um indivíduo que visava proporcionar assistência e proteção aos seus membros, detém a calvária, enquanto Dr. Deyman removea foice do cérebro. Figura 45 – A Lição de Anatomia do Dr. Deyman 49 NEUROANATOMIA Em 1600, o médico, anatomista e fisiologista inglês Thomas Willis, autor do livro Patholigiae Cerebri, apresentou excelentes ilustrações que possibilitaram um conceito de localização de alguns papéis cerebrais, como o senso comum, a imaginação e a memória, situadas, respectivamente, no corpo estriado, no corpo caloso e no córtex cerebral. Figura 46 – Retrato de Thomas Willis da página de título de Pathologiae Cerebri (1667) Lembrete O corpo estriado é um dos núcleos da base. Para Willis, o centro do movimento e da memória se abrigam no cérebro; o do movimento involuntário, no cerebelo; da imaginação, no corpo caloso; e o da sensibilidade e do senso comum, no corpo estriado, deixando óbvio que foi precursor em um enfoque ordenado da função cerebral fora dos ventrículos. Suas ideias estavam próximas da realidade, entretanto os saberes ainda eram muito empíricos. Ele desponta como favorável à conhecida teoria dos espíritos animais, que se compõem no cérebro mediante destilação com base no sangue arterial e, a partir dos nervos, descem as regiões de atuação como os causadores da sensação e do movimento. Em sua obra De Cerebri Anatome, Willis introduziu um novo sistema de numeração dos nervos cranianos, agrupados conforme as suas funções, descreveu extensamente sobre os núcleos da base, o tronco encefálico e o cerebelo, além de realizar esquemas detalhados das inervações vagal e simpática. 50 Unidade I Figura 47 – Página de título De Cerebri Anatome (2. ed., 1664). Ilustração mostra Willis à direita do cadáver Figura 48 – Os nervos cranianos e o tronco encefálico Figura 49 – Inervação vagal 51 NEUROANATOMIA Thomas Willis descreveu a clássica anastomose da circulação arterial e a sua função – complexo vascular na base do encéfalo –, conhecida como “polígono de Willis”, rompendo para sempre com a ideia galênica da rete mirable, ou seja, dos princípios espirituais. Ele utilizou pela primeira vez a terminologia “ação reflexa”. Outra descrição relevante dele foi a de sugerir que o plexo corióideo fosse o responsável pela absorção do LCS. Figura 50 – Ilustração da base de um encéfalo humano revelando o “polígono de Willis” Na imagem anterior, observa-se que os giros cerebrais ainda não eram descritos com as mais elevadas precisões. Eles servem como um “pano de fundo” para as estruturas anatômicas da base do encéfalo que Thomas Willis ambicionou realçar, e algumas terminologias anatômicas ainda prevalecem até hoje, como o pedúnculo cerebral e as pirâmides. Nicolaus Steno criticou de maneira inconveniente o trabalho de Willis, ao afirmar que as melhores descrições sobre o encéfalo que temos até o presente momento são aquelas que nos são oferecidas por este senhor. Outra descrição relevante foi que Thomas Willis insinuou a ideia da barreira hematoencefálica, ao sugerir que somente as partículas menores, as quais seriam essenciais para o rápido desempenho dos papéis cerebrais, passsariam do sangue para o cérebro. 52 Unidade I Observação A barreira hematoencefálica é uma estrutura que evita ou dificulta a passagem de substâncias do sangue para o parênquima nervoso, cujo substrato anatômico são as junções oclusivas que unem as células endoteliais do revestimento capilar. Saiba mais Agora, você já é capaz de compreender os papéis da barreira hematoencefálica. Para isso, sugerimos a leitura do artigo científico: CABREIRA, L. M. B; CECCHINI, A. L. Imunopatologia da esclerose múltipla. Biosaúde, Londrina, v. 8, n. 2, p. 125-144, jul./dez. 2006. Disponível em: http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/biosaude/article/view/125-144/ 19402. Acesso em: 4 nov. 2019. Após Willis, a combinação de anatomia e ilustração do encéfalo ficou estancada até o final do século XVIII. O anatomista francês Félix Vicq d’Azyr, que incialmente se mostrou talentoso poeta, fora convencido por seu pai a prosseguir a tradição familiar de entrar para a medicina. Encantado com as ideias de Étienne Bonnot de Condillac e John Locke, Vicq d’Azyr foi convencido de que o estudo humano deve ser alumiado pelo estudo dos animais; para ele, o lugar do homem na natureza não é totalmente compreendido sem uma simbiose com as demais espécies. Figura 51 – Retrato de Félix Vicq d’Azyr. A assinatura de Vicq d’Azyr foi tomada de uma carta manuscrita encontrada na Biblioteca da Académie Nationale de Médecine e eletronicamente importada para o retrato 53 NEUROANATOMIA Vicq d’Azyr dissecou muitos animais pertencentes a espécies diferentes, incluindo raras amostras obtidas na África, e progressivamente desenvolveu um amplo conhecimento no campo da anatomia comparativa. Figura 52 – O mandril Os conhecimentos sobre a neuroanatomia não avançaram após as contribuições realizadas por Andreas Vesalius. Durante o século XVI, os tratados anatômicos de Jean Riolan e Raymond Vieussens e as descrições encefálicas estavam “enterradas” em capítulos dedicados à esplancnologia, sendo a dura-máter considerada como um “envelope” semelhante à pleura e ao peritônio que revestem as paredes torácica e abdominal, respectivamente. Em contrapartida, Vicq d’Azyr era fascinado pelo encéfalo, considerando esses órgãos como os responsáveis pelo pensamento. De tal modo, ele percebeu que o avanço da neuroanatomia se beneficiaria imensamente com os conhecimentos funcionais desses órgãos. Vicq d’Azyr dividiu a superfície convexa do cérebro em três grandes áreas: frontal, parietal e occipital, correspondendo às áreas anterior, média e posterior, como os lobos de outros anatomistas. Estudou o córtex cerebral, delimitando a fissura longitudinal do cérebro, o giro pré-central e o giro pós-central, entretanto não os nomeou. Foi também o primeiro anatomista a descrever o fascículo mamilotalâmico, a estria da camada granular interna do córtex cerebral e o forame cego, sendo este correspondente à terminação na fissura mediana anterior da medula espinal. 54 Unidade I Figura 53 – A) Desenho de um cérebro humano seccionado ao longo do plano sagital e que ilustra o corpo caloso, a estria da lâmina granular interna do córtex cerebral (faixa interna de Baillanger) e a glândula pineal. O bulbo olfatório, o pedúnculo e as estrias também são ilustrados em conjunto com a substância perfurada anterior. B) Desenhos de uma secção parassagital do cérebro humano que ilustra o fascículo mamilotalâmico Vicq d’Azyr também forneceu insuperáveis representações da formação do hipocampo. Ele identificou os sulcos occipitoparietal e calcarino; os giros do cíngulo – o pré-cúneo e o cúneo –, o unco; a substância perfurada anterior; a ínsula; o trato espinotalâmico; vários sulcos cerebelares; e a estrutura interna da medula espinal. Além disso, é de Vicq d’Azyr, e não de Samuel Thomas Sömmerring como comumente se acredita, a descoberta da substância nigra. Figura 54 –Reprodução de duas figuras em cores, de Vicq d’Azyr, as quais representam seções horizontais através do cérebro humano tomadas a dois níveis diferentes dorsoventrais 55 NEUROANATOMIA Vicq d’Azyr também complementou a descrição dos núcleos da base, fez uma clara distinção entre o núcleo caudado e o putame, observou a existência dos dois segmentos do globo pálido, que foram nomeados cinquenta anos mais tarde pelo alemão neuroanatomista Karl Friedrich Burdach e, por fim, demonstrou experimentalmente, bem como anatomicamente, a existência do forame interventricular entre os ventrículos laterais e o terceiro ventrículo. Em geral, porém, o seu trabalho sobre a fisiologia cerebral era muito menos preciso do que a sua contribuição para a organização estrutural do cérebro. Como ele defendia uma ideia medieval e arcaica, sustentada por Galeno em relação à decussação dos nervos ópticos, acreditava que as fibras ópticas não cruzassem a linha média, exceto em alguns peixes, ao imaginar que o cruzamento dessa estrutura anatômica estivesse completo. Lobo parietal Lobo
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