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LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 1 NÍVEIS DE LINGUAGEM Observe atentamente os seguintes matizes: Qualquer pessoa que olhar uma dessas gradações isoladamente irá dar-lhe o nome de verde. Uma comparação com outros tons, entretanto, deixa perceptível que existem outras nuances de verde. Metaforicamente, ocorre o mesmo processo de comparação com o uso da língua. O idioma português, por exemplo, apresenta diversos matizes, que são consequentes das mais variadas situações em que o processo de comunicação é realizado. A língua usada por um médico não é a mesma usada por seu cliente. Um professor não se expressa em sala de aula da mesma forma com que se expressa em casa, com seus familiares. Um semianalfabeto não tem o mesmo repertório linguístico de uma pessoa com boa escolaridade. O uso das formas linguísticas pode ainda ser comparado ao uso de roupas. Assim como não é adequado ir à praia de terno e gravata, nem a uma festa social trajando bermuda e camiseta, não se deve empregar um nível de linguagem exageradamente formal em situações comunicativas descontraídas nem um nível de linguagem vulgar em situações solenes. Pode-se, então, afirmar que a língua possui diversos níveis, que constituem a chamada norma linguística. LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 2 Segundo o linguista Eugenio Coseriu, a norma é um conjunto de realizações linguísticas constantes e repetidas, de caráter sociocultural. É, em outras palavras, tudo o que espontânea e prontamente se diz numa comunidade linguística. Assim, pertencem à norma da língua portuguesa os seguintes níveis de linguagem: 1. LÍNGUA CULTA OU LÍNGUA PADRÃO É aquela que obedece às regras ditadas pela gramática normativa; é empregada em situações formais pelas elites da sociedade, que têm acesso a uma boa escolarização. Ex.: As diferenças entre o homem e o animal não são apenas de grau, pois, enquanto o animal permanece mergulhado na natureza, o homem é capaz de transformá-la, tornando possível a cultura. O mundo resultante da ação humana é um mundo que não se pode chamar de natural, pois se encontra transformado pelo homem. A palavra cultura também tem vários significados, tais como o de cultura da terra ou cultura de um homem letrado. Em antropologia, cultura significa tudo que o homem produz ao construir sua existência: as práticas, as teorias, as instituições, os valores materiais e espirituais. (ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2.ed. São Paulo: Moderna, 1991.) 2. LÍNGUA POPULAR OU LÍNGUA COLOQUIAL É a usada no cotidiano, não obedecendo ao padrão culto da linguagem. É utilizada pela maioria das pessoas no dia a dia, principalmente nas situações informais. Na troca de mensagens por WhatsApp, é comum o emprego desse nível de linguagem. Ex.: LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 3 Em alguns textos, emprega-se propositadamente o nível coloquial a fim de torná-los atrativos a determinado grupo. O texto abaixo — direcionado ao público infantil — é bom exemplo disso. A linguagem do pisca-pisca Você já reparou naquele bichinho que vive piscando à noite? Você sabe por que os vaga-lumes piscam? A vaga-lume fêmea pisca para avisar ao macho que ele pode se aproximar dela para o acasalamento. O pisca-pisca também serve para espantar os inimigos, pois, toda vez que a luz pisca, é produzida uma substância tóxica no corpo do vaga-lume. Você está vendo como os animais podem se comunicar pela linguagem do pisca-pisca? Um vaga-lume macho sobrevoa a vegetação espessa à procura da fêmea para o acasalamento. Enquanto voa, vai piscando num ritmo próprio de sua espécie. Lá embaixo, a fêmea da mesma espécie vagalumeia no mesmo ritmo, como que para avisar que o macho pode se aproximar. Um louva-a-deus vai chegando perto do vaga-lume “apagado”. Vê o inseto e prepara o bote, certo de que ali está uma boa refeição. De repente, o pirilampo pisca e o louva-a-deus desanima. Como muitos vaga-lumes têm toxina em seu corpo, eles são presas pouco saborosas. O sinal luminoso serve para avisar ao predador que aquela comida não é das melhores. HILGERT, José Gaston. A oralidade em textos de divulgação científica para crianças. São Paulo: Humanitas, 2009. O autor — empregando certos recursos linguísticos — transforma o discurso científico em discurso pedagógico. O emprego repetitivo do pronome você, por exemplo, gera efeito de sentido de interação com o destinatário, ou seja, estabelece-se uma comunicação com um interlocutor particular, criando a impressão não só de proximidade, mas também de privacidade. O diminutivo “bichinho”, a expressão “linguagem do pisca-pisca” e a forma feminina “a vaga-lume fêmea” são perfeitamente adequados em um texto que visa a interagir com crianças. 3. LÍNGUA VULGAR É aquela diametralmente oposta à língua culta. É usada por pessoas de nenhuma ou de pouca escolaridade. Ex.: LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 4 4. JARGÃO É um termo próprio de uma determinada profissão. Um médico, ao conversar com um colega, usa palavras próprias da profissão, habituais ao outro, mas ininteligíveis para os leigos. Dessa forma, pode-se perceber uma linguagem típica dos médicos, dos engenheiros, dos jornalistas, dos psicólogos etc. Observe-se o seguinte exemplo: Os jargões apenas são estilisticamente adequados em textos técnicos, destinados a determinados grupos profissionais. Se um médico, ao dar o diagnóstico ao paciente, empregar jargões, atingirá um nível de comunicação próximo ao grau zero. Observe-se agora o seguinte texto: A luz do vaga-lume O vaga-lume é um inseto coleóptero que possui emissões luminosas devido aos órgãos fosforescentes localizados na parte inferior do abdômen. Essas emissões luminosas são chamadas de bioluminescência e acontecem em razão das reações químicas onde a luciferina é oxidada pelo oxigênio nuclear produzindo oxiluciferina que perde energia fazendo com que o inseto emita luz. Outro fator que impulsiona emissões luminosas é o de chamar atenção de seu parceiro ou parceira. O macho emite sua luz avisando que está se aproximando enquanto a fêmea, pousada em determinado local, emite sua luz para avisar onde está. Disponível em: < https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/a-luz-vagalume.htm>. Diferentemente do que se leu em A linguagem do pisca-pisca, esse texto apresenta jargões científicos, como coleóptero, bioluminescência, luciferina, oxiluciferina, o que torna sua decodificação mais complexa. https://brasilescola.uol.com.br/curiosidades/a-luz-vagalume.htm LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 5 5. GÍRIA As gírias agrupam-se em dois grandes grupos: de sentido lato e de sentido estrito. 5.1. SENTIDO LATO No sentido lato, a gíria é uma linguagem informal com vocabulário rico em expressões jocosas (que provocam riso), com intenção de chiste (graça, brincadeira, gozação). Ex.: zoar, tudo em riba, maneiro, trolar, vaza daqui, tchutchuca etc. Embora essa maneira de falar seja recriminada pelos gramáticos, é perfeitamente adequado o uso da linguagem giriática em textos direcionados ao público mais jovem, principalmente quando se pretende persuadi-lo. Observe-se o seguinte exemplo: VIAGEM DE FORMATURA À DISNEY Venha curtir com sua galera momentos inesquecíveis na terra do Mickey. Passagem aérea + 6 noites de hotel + 6 diárias de carro com seguro e motorista adicional. Embarque até dezembro por apenas R$ 1.969,00 a vista. Não perca a oportunidade de marcar de forma diferente o encerramentodessa importante etapa de sua vida. Vai ser um barato! Oferta firmeza como essa só na Teen Tours. O redator, visando a atingir o público que está concluindo o Ensino Médio, emprega uma linguagem típica dessa faixa etária. A comunicação, sem dúvida alguma, torna-se mais eficiente, pois os termos curtir, galera, barato e firmeza falam à alma do adolescente, tornando o texto dinâmico e cheio de vivacidade, bem próximo da linguagem falada. LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 6 5.2. SENTIDO ESTRITO No sentido estrito, gíria é um signo de grupo, a princípio secreto. É a linguagem típica de um determinado grupo para enviar mensagens decodificáveis apenas pelo próprio grupo. Observe-se o texto seguinte. Trata-se de uma fala de um presidiário. A linguagem por ele usada só pode ser decifrada por quem pertence ao submundo do crime. Pois eu, meu chaporeba, sou da marijuana. Faturo horrores ali no lixão. Numa só pavuna, eu marreto vários pacaus, e cada fininho vale dez paus. Os tiras estão sempre de holofotes, mas o vivaldino aqui tem vagólio na campana. Até hoje, só puxei uma, na casa do cão. Foi quando a Excelência me tacou três anos de galera e dois de medida. Mas agora estou na libertina e o negócio é levantar uma nota traficando a xibaba e, se os cherloques meterem uma escama em cima, tá na cara: um vai amanhecer com a boca cheia de formiga. Morou? Ziriguidim pra você. Em linguagem corrente, foi dito o seguinte: Pois eu, meu amigo, sou da maconha. Faturo muito ali no lixão. Numa só noite, vendo vários maços de maconha, e cada cigarro vale dez reais. Os policiais estão sempre de olhos abertos, mas o malandro aqui tem (olheiro) vagabundo vigiando as imediações. Até hoje, só fiquei preso uma vez, na penitenciária. Foi quando o juiz me sentenciou a três anos de cadeia e dois de medida de segurança. Mas agora estou em liberdade e o meu “trabalho” é conseguir muito dinheiro traficando maconha, e, se os detetives dificultarem, é óbvio: um deles vai amanhecer morto. Entendeu? Adeus a você. Assim, ao contrário da gíria no sentido lato, que não passa de uma forma exagerada de linguagem familiar, a gíria no sentido estrito tem caráter mais reservado, sendo empregada por grupos sociais específicos, como o dos presidiários, o dos skatistas, o dos surfistas, o dos funkeiros, o dos marinheiros etc. Observem-se, a título de curiosidade, algumas gírias em sentido estrito: LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 7 5.2.1 dos skatistas baba-egg: pessoa muito bajuladora, puxa-saco. chupar uma manguita: dar-se mal, cair. é novas: todo mundo já sabe. gralha: skatista ruim. madonna: manobra radical. morcegar: andar de skate à noite. pleiba: rico que anda de skate. tá na hands: está tudo certo. 5.2.2 dos surfistas bacalhau ou fubanga: mulher feia. clean: mar agitado, sem vento. crowd: lugar muito cheio. merreca: onda pequena. morra: onda grande. morte horrível: cair da prancha e ser embrulhado pela onda. paneleiro: surfista ruim. storm: mar mexido, com vento. (DUARTE, Marcelo. O guia dos curiosos. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. p.448) 5.2.3 dos presidiários arreglo: ajuste entre malandros e policiais mediante dinheiro. arribite: bala. bagana: cigarro de maconha. berro: revólver. boca de siri: sigilo absoluto. cachanga: mulher. cachorrinho: indivíduo que auxilia os policiais, delatando os comparsas. cavalo cego: automóvel. dança de rato: conflito. dar a pindorama: fugir. estar limpo: não estar com liberdade vigiada; não estar respondendo a inquérito. fechar o tempo: acontecer um conflito. fumeta: maconheiro homem: agente de polícia. mancoso: sem palavra. migué: bobo, otário. moleza: serviço fácil e rendoso. morar na minha: prestar atenção. papa de bom: comida de rico. papo firme: boa conversa. papo furado: conversa fiada. pipoca: soco. LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 8 presunto: defunto. puxar o carro: fugir. puxar um mofo: ficar preso durante muitos anos. se mancar: entender que está incurso em algum erro. telha: cabeça. tira: investigador de polícia. tomar na marra: roubar, assaltar. vagomestre: vadio. vestir o camisolão: morrer. xepa: comida (SILVA, Felisberto da. Dicionário de gíria. São Paulo: Prelúdio, s/d) 5.2.4 dos funkeiros alemão: pessoa de caráter duvidoso, inimigo, rival. bonde: grupo de funkeiros caô: mentira, calote MC: mestre-de-cerimônias dos bailes funk pisante: tênis 5.2.5 dos marinheiros bizu: conselho, dica. boca preta: aquele que questiona a ordem do superior. cochado: protegido, favorecido. dona Maria: esposa de militar. estar de pau: estar de serviço. estar na onça: estar desesperado, estar afobado. fazer guerra: debochar de alguém. jacuba: refresco. safo: ok, tudo certo. 6. REGIONALISMO Dentro das fronteiras de um país, notadamente os de grande extensão territorial, como o Brasil, percebe-se o uso regional da língua no emprego de certas palavras ou expressões, ou mesmo de certas construções gramaticais, que são típicas de uma determinada região. O mapa linguístico abaixo destaca algumas expressões regionais. LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 9 Disponível em: https://jorgeandradepachecojunior.medium.com/o-portugu%C3%AAs-bem-dizido- 467c3b0f19aa. Os quadrinhos a seguir ilustram como um mesmo alimento pode ser designado por palavras distintas em regiões diferentes. Disponível em: <https://tirasarmandinho.tumblr.com/>. Acesso em 24.10.2022. https://jorgeandradepachecojunior.medium.com/o-portugu%C3%AAs-bem-dizido-467c3b0f19aa https://jorgeandradepachecojunior.medium.com/o-portugu%C3%AAs-bem-dizido-467c3b0f19aa https://tirasarmandinho.tumblr.com/ LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 10 Os termos regionais dão colorido especial à fala do homem de determinada região. Quem escreve é levado a pôr na boca das personagens a linguagem que lhes é própria. Essa escolha, entretanto, deverá ser feita sempre com bom senso a fim de que os regionalismos não dificultem gravemente a compreensão do texto. Observem-se dois enunciados extraídos da literatura regionalista brasileira: Pues, diz que o divã no consultório do analista de Bagé é forrado com um pelego. Ele recebe os pacientes de bombacha e pé no chão. (VERÍSSIMO, Luís Fernando. O analista de Bagé. Porto Alegre: L&PM, 1982.) Fabiano levava um frasco de creolina no aió. (RAMOS, Graciliano. Vidas secas. 56.ed. São Paulo: Record, 1986.) Na primeira construção, retrata-se um homem do Sul; na segunda, um homem do Nordeste. A diferença cultural existente entre essas duas regiões do Brasil vai, sem dúvida alguma, refletir no uso da língua. O vocábulo pelego é empregado para nomear o tapete feito com pele de carneiro; vem daí a hiperbólica expressão gaúcha frio de arrepiar o pelego. O termo bombacha refere-se a uma peça de roupa: são calças típicas, abotoadas no tornozelo, usadas pelos gaúchos. O nome foi adotado do termo espanhol bombacho, que significa calças largas. A palavra aió, por sua vez, vai designar uma bolsa de caça feita de fibras de uma planta chamada caroá, nativa do Nordeste. Mais alguns regionalismos brasileiros: aipim, macaxeira (Nordeste): mandioca. avexado (Nordeste): apressado. bergamota (Sul): tangerina. birita (Rio de Janeiro e São Paulo): cachaça. bombeiro (Rio de Janeiro): encanador. borboleta (Goiás e Bahia): catraca. cacetinho (Sul e Bahia): pãozinho. cacunda (interior de São Paulo e de Minas Gerais): costas. cafundó (Bahia): lugar afastado, de difícil acesso. enrolar o poncho (Rio Grande do Sul): preparar-se para viajar. fifó (Bahia e Minas Gerais): pequeno lampião. jerimum (Nordeste):abóbora. oigalê (Sul): interjeição de espanto, de admiração ou de alegria. pousada (Nordeste): motel. ri-ri (Maranhão): zíper. trem (Minas Gerais, Goiás e Tocantins): coisa. xexo (Alagoas e Rio Grande do Norte): calote. zuruó (Alagoas): amalucado, adoidado. http://pt.wikipedia.org/wiki/Roupa http://pt.wikipedia.org/wiki/Ga%C3%BAcho http://pt.wikipedia.org/wiki/Espanha LINGUAGEM E INTERAÇÃO SOCIAL — PROF. DR. JAIRO POSTAL 11 Os regionalismos podem gerar ruído no processo de comunicação. A tirinha abaixo satiriza o emprego de uma palavra que é desconhecida em uma região.
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