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LEGISLAÇÃO COMERCIAL AULA 2 Profª Sonia de Oliveira 2 CONVERSA INICIAL No desenvolvimento da atividade comercial, seja como empregado ou empreendedor, o conhecimento da legislação trabalhista é necessário para a garantia de direitos sociais do trabalho e, especificamente no caso do empreendedor, para promover um planejamento estratégico de modo a evitar passivos trabalhistas que possam comprometer a saúde financeira do negócio. No intuito de colaborar com a melhor gestão interna do empreendimento, este encontro irá explorar os principais pontos da legislação trabalhista vigente no Brasil. Bons estudos! CONTEXTUALIZANDO A contratação de empregados gera direitos e obrigações para o contratante e para o contratado: o empregado deve se comprometer a prestar o trabalho com diligência e de acordo com as determinações do empregador, e a este cabe o pagamento de salários e demais encargos para a manutenção do empregado, inclusive os encargos fiscais e previdenciários impostos pelo Estado. A obediência às normas legais do trabalho é necessária para a manutenção da saúde financeira da empresa, bem como para o seu regular funcionamento, sob pena de passivos trabalhistas comprometerem o exercício da atividade comercial. Assista ao vídeo “SDI-2 mantém bloqueio de R$ 3 mi da LG para dívidas trabalhistas” (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=RlokriSPyJE>) para conhecer o caso de uma empresa que teve milhões de reais bloqueados, diretamente em sua conta, para pagamento de passivo trabalhista. Lembre-se de que essa é uma situação que pode acontecer com qualquer empreendimento, independentemente do seu porte econômico. TEMA 1 – EMPREGADO, EMPREGADOR E CONTRATO DE TRABALHO Para que o estudo de temas relacionados ao Direito do Trabalho seja proveitoso, é preciso inicialmente compreender a que se referem os três termos 3 que figurarão maciçamente na reflexão aqui proposta: empregado, empregador e contrato de trabalho. 1.1 Empregado A Constituição de 1988, no art. 7º e seguintes, prevê os direitos fundamentais dos trabalhadores, o que não impede que outras legislações infraconstitucionais também o faça, como no caso da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de demais legislações esparsas. O conceito de empregado pode parecer óbvio em um primeiro momento, mas um olhar mais atento ao tema pode fazer com que surjam dúvidas a respeito. O art. 3º da CLT define empregado como a “pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob dependência deste e mediante salário” (Brasil, 1943). A primeira observação que se faz é que o empregado não pode ser pessoa jurídica, mas tão somente pessoa física. Neste ponto você pode perguntar: “Mas e nos casos em que a empresa exige do empregado a abertura de pessoa jurídica para emissão de nota fiscal e recebimento de pagamento pelo trabalho desenvolvido?”. Isso se chama “pejotização” e trata-se de uma fraude ao contrato de trabalho, no intuito de reduzir os impostos pagos pela empresa que contrata o serviço. O empregado é muito prejudicado pela pejotização, pois ele pode ter menos descontos no pagamento (alíquota inferior de imposto de renda, por exemplo), mas não terá seu Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) recolhido, não terá estabilidade no caso de acidente do trabalho, não poderá receber benefício do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) no caso de acidente ou doença relacionada ao trabalho, não terá direito a licença- maternidade ou seguro-desemprego no caso de rompimento contratual, não receberá 13º salário etc. O empregado submetido ao regime de pejotização poderá pleitear a anotação de vínculo de emprego na Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS) e demais direitos trabalhistas junto à Justiça do Trabalho e, se for deferido, o custo da condenação certamente será alto para a empresa. Vejamos uma decisão nesse sentido proferida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná): 4 CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ENTRE PESSOAS JURÍDICAS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 3º DA CLT. FRAUDE CARACTERIZADA ("PEJOTIZAÇÃO"). VÍNCULO DE EMPREGO RECONHECIDO. O preenchimento dos requisitos da relação de emprego previstos no art. 3º da CLT, vale dizer, prestação de serviços com pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, resultam no reconhecimento de vínculo empregatício, ainda que a contratação tenha ocorrido por meio de contrato de prestação de serviços entre pessoas jurídicas. A denominada "pejotização" tem por fim fraudar direitos trabalhistas, o que deve ser combatido por esta Justiça Especializada, por força do art. 9º da CLT. (Brasil, 2015a) Saiba mais Assista ao vídeo “Reconhecimento de vínculo de emprego invalida contratação por pessoa jurídica”, que trata da decisão de um caso semelhante no Tribunal Superior do Trabalho acessando o link <https://www.youtube.com/watch?v=lqIKE6F_XF0>. Continuando a análise do conceito de empregado, observamos que o próximo requisito é que o trabalho não seja eventual, ou seja, que ele tenha uma regularidade quanto a sua frequência, não sendo necessariamente diário. Isso quer dizer que é preciso que haja a expectativa de que o empregado retornará em determinado dia e horário à empresa (Almeida, 2014, p. 43). Além disso, deve ser o próprio empregado quem deve retornar, não podendo ele enviar alguma outra pessoa em seu lugar — caso contrário, não haveria pessoalidade e, por consequência, isso descaracterizaria o contrato de trabalho. A próxima exigência é que o empregado exerça a atividade sob dependência do empregador, ou seja, o empregado deve estar subordinado às ordens do empregador, o qual, nessa perspectiva, é o detentor do poder de gestão da atividade econômica (Martins, 2016, p. 227). Por fim, a relação de emprego requer o pagamento de salário, que não precisa ser necessariamente mensal, podendo ser considerado por hora, tarefa, produção etc. como se verá mais adiante. Observe que deve haver uma contraprestação. A ausência de qualquer um desses elementos descaracteriza a relação de emprego, configurando uma relação de trabalho qualquer, diversa do vínculo empregatício. Tendo em vista a particularidade deste curso, consideramos importante tratar do caso específico do diretor da empresa/sociedade: trata-se de um 5 prestador de serviço, sem vínculo empregatício, ou de empregado nos termos do art. 3º da CLT? Duas teorias são conhecidas no Direito do Trabalho para tratar dessa situação: a primeira entende que o diretor é um mandatário da sociedade, ou seja, pratica atos para garantir o funcionamento regular da atividade como se dono fosse e, nesse caso, goza de vantagens estatutárias. A segunda teoria entende que o diretor é um empregado normal, subordinado aos dirigentes empresariais acima dele, como o Conselho de Administração nas sociedades que o possuem (Martins, 2016, p. 248). Analisando essa situação, o Tribunal Superior do Trabalho aprovou a Súmula nº 269/TST, cujo texto prevê que o empregado eleito para cargo de diretor terá o contrato de trabalho suspenso e que o período em que esse empregado ocupar a direção não será computado como tempo de serviço, salvo se a subordinação jurídica inerente à relação de emprego se mantiver. Desse modo, vemos que, a princípio, o diretor de sociedade não é considerado empregado. Portanto, a resposta da questão levantada pode variar de acordo com a realidade do trabalho prestado, bem como dos documentos legais constitutivos das empresas que versam sobre o tema. 1.2 Empregador O conceito de empregador está previsto no art. 2º da CLT como sendo a “empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço”(Brasil, 1943). Além das empresas, também pode ser empregador o profissional liberal (médico, advogado, dentista etc.), as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitam trabalhadores como empregados (Brasil, 1943). Ainda sobre o conceito de empregador, ensina Sérgio Pinto Martins (2016, p. 308): Numa concepção mais objetiva, empregador é o ente destituído de personalidade jurídica. Não é requisito para ser empregador ter personalidade jurídica. Tanto é empregador a sociedade de fato, a sociedade irregular que ainda não tem seus atos constitutivos registrados na repartição competente, como a sociedade regularmente inscrita na Junta Comercial ou no Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Será́, também, considerado como empregador o 6 condomínio de apartamentos, que não tem personalidade jurídica, mas emprega trabalhadores sob o regime da CLT (Lei n. 2.757/56). As entidades que não tem atividade econômica também assumem riscos, sendo consideradas empregadores. A CLT mostra que essas pessoas são consideradas empregadoras por equiparação, como as entidades de beneficência ou as associações. Portanto, o que se entende por empregador vai além da “empresa”, podendo ser a pessoa física ou jurídica que emprega para desenvolvimento de atividade econômica ou não, como no caso do empregador doméstico: “Na verdade, seria possível dizer que é empregador aquele que tem empregado” (Martins, 2016, p. 308). 1.3 Contrato de trabalho Iniciamos esta seção com um questionamento: contrato de trabalho pode ser entendido como sinônimo de contrato de emprego? A resposta é não. O contrato de trabalho é gênero, abrangendo qualquer forma de trabalho humano, entre os quais está o contrato de emprego, o qual prescinde das figuras de empregado e empregador, nos termos definidos pelos arts. 2º e 3º antes analisados. Portanto, o contrato de emprego é uma espécie de contrato de trabalho, para o qual são aplicadas as disposições da Consolidação das Leis do Trabalho, requerendo sempre as figuras de empregado e empregador, estudados anteriormente. São requisitos, portanto, para o contrato individual de trabalho: que o trabalho seja prestado por pessoa física, com pessoalidade, continuidade, subordinação e onerosidade (pagamento de salário). O art. 442 da CLT aduz que o contrato individual de trabalho pode ser acordado de forma tácita ou expressa, de forma escrita ou verbal, mas a sua anotação na CTPS é sempre obrigatória, pois é o que irá comprovar o tempo de serviço do trabalhador para todos os fins (aposentadoria, por exemplo). O contrato de trabalho, segundo o mesmo artigo da CLT mencionado, pode ser por prazo indeterminado ou determinado. O contrato de trabalho por prazo indeterminado é o mais comum, o qual não tem termo fixado para término (data ou condição), sendo que se uma das partes quiser rescindi-lo deverá dar o aviso prévio (mínimo de 30 dias) à outra. O contrato por prazo determinado está previsto no art. 445 da CLT, o qual aduz que esse tipo de contrato não poderá ser superior a dois anos (salvo 7 o contrato de experiência, conforme estudaremos adiante) e será admitido nas seguintes hipóteses: a. de serviço cuja natureza ou transitoriedade justifique a predeterminação do prazo; b. de atividades empresariais de caráter transitório; e c. de contrato de experiência. Se o contrato por tempo determinado for prorrogado por mais de uma vez, será considerado por prazo indeterminado. Para exemplificar, vejamos a ementa de julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região: A legislação trabalhista autoriza a contratação por prazo determinado, quando assim justificada em razão da transitoriedade da atividade, com espeque no art. 443 da CLT. Não havendo dúvida quanto à transitoriedade da atividade, relativa à execução de determinada obra, mostra-se possível a contratação a termo. A legislação não veda a utilização dessa forma de contratação por empresa construtora, em relação a obra determinada. O fato de constar no objeto social da empregadora a atividade de construção civil não retira o caráter transitório do serviço afeto a determinada obra contratada. Também a simples duração do contrato de trabalho por prazo determinado, desde que respeitado o limite máximo de dois anos fixado no art. 445 da CLT, não constitui causa de invalidação da pactuação a termo. (Brasil, 2007) O contrato de experiência, por sua vez, poderá ser de, no máximo, 90 dias, sendo permitida uma única prorrogação dentro desse período. Assim, por exemplo, se na contratação o empregador determina o período de experiência de 30 dias, o contrato poderá ser prorrogado somente por mais 30, ainda que a soma dos dois períodos seja menor que 90 dias. Findo o prazo do contrato de experiência, se o empregado ou o empregador não o rescindir, esse passa a ter prazo indeterminado. Caso contrário, rescinde-se o contrato e não é devido o pagamento de aviso prévio. Outra modalidade de contrato por prazo determinado é o de trabalho temporário, o qual é regido pela Lei nº 6.039/1974 e pode ter duração máxima de nove meses, conforme disposto no art. 2º, parágrafo único, da Portaria 789 de 2014 do Ministério do Trabalho e Emprego (ainda que a lei antes mencionada fale em três meses, apenas). Admite-se o contrato de trabalho temporário em duas hipóteses: a. necessidade transitória de substituição de pessoal regular e permanente; ou b. para atendimento de serviço extraordinário. 8 Nesse caso, a lei permite a criação de empresas específicas para fornecimento de mão de obra temporária. Então, a empresa que tem interesse em contratar empregados temporários deve firmar contrato com a empresa temporária, sendo obrigatório mencionar no contrato entre elas qual é a situação especial da empresa contratante que gerou a necessidade da mão de obra temporária. O vínculo de emprego, nesse caso, é entre o empregado e a empresa que fornece o serviço temporário; contudo, se não forem obedecidos os requisitos legais de tal contratação (ou seja, quando se verificar fraude ao contrato de trabalho temporário), o empregado poderá requer o vínculo direto com a empresa tomadora do serviço. O art. 428 da CLT faz previsão ao contrato de aprendizagem, referindo- se a ele como um contrato de trabalho especial, formal, que deve ser anotado em CTPS e aplica-se a jovens de 14 a 24 anos — desde que inscritos em programa de aprendizagem formação técnico-profissional —, devendo ser compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico. A idade máxima de 24 anos não se aplica aos jovens portadores de deficiência. Esse contrato especial de aprendizagem também tem um prazo máximo de vigência de dois anos, exceto quando o aprendiz for portador de deficiência, caso em que não haverá prazo máximo. O contrato de aprendizagem requer como pressuposto de validade a matrícula e frequência do aprendiz na escola, caso ainda não tenha terminado o Ensino Médio e, se findo, a inscrição em programa de aprendizagem orientada em entidade qualificada. Saiba mais Para saber mais sobre as normas que regem o contrato de aprendizagem, acesso o link <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004- 2006/2005/decreto/d5598.htm> e leia o Decreto nº 5.598/2005 que o regulamenta. TEMA 2 – SALÁRIO E REMUNERAÇÃO Vamos estudar agora a contraprestação paga ao empregado pelo empregador em razão do trabalho prestado, ou seja, as formas de remuneração dentro de um contrato de emprego. 9 De acordo com Martins (2016, p. 354), salário refere-se à “prestação fornecida diretamente ao trabalhador pelo empregador em decorrência do contrato de trabalho, seja em razão da contraprestação do trabalho, da disponibilidade do trabalhador, das interrupções contratuais ou demais hipóteses previstasem lei”. O salário pago ao empregado sempre tem as seguintes características, segundo Maurício Godinho Delgado (2012, p. 734-736): a. Caráter alimentar: trata-se de parcela básica que deve suprir as necessidades básicas do trabalhador e da sua família. Por esse motivo, inclusive, não pode ser penhorado para pagamento de dívidas (apenas retido para pagamento de pensão alimentícia). b. Caráter forfetário: é uma obrigação absoluta do empregador, independentemente da sorte do empreendimento, cujo risco não pode ser transferido ao trabalhador que vende a sua força de trabalho. c. Caráter de indisponibilidade: não pode ser renunciado pelo empregado ou ser submetido a transação lesiva em relação a quem o recebe. d. Caráter periódico: o contrato de trabalho é de trato sucessivo, ou seja, perpetua-se no tempo, de modo que o pagamento de salário deve ter uma periodicidade que não pode ser superior a um mês. e. Caráter de continuidade: é devido enquanto perdurar o contrato de trabalho, não podendo haver interrupção do seu pagamento. f. Natureza composta: várias parcelas integram o salário, como veremos adiante. Como exemplo citamos o adicional de insalubridade, que, se devido, integrará ao salário para todos os fins. O salário pode ser fixo, variável ou misto: fixo é a quantia certa e invariável, que pode ser calculada em hora, dia, mês etc. O salário variável, por sua vez, é estabelecido de acordo com a produção do empregado, podendo ser comissão ou calculado por peça, tarefa etc. Por fim, o salário misto é aquele composto por uma parcela fixa e outra variável, ou seja, a junção das outras duas formas de salário aqui descritas (Martins, 2016, p. 359). A remuneração é mais abrangente que o salário, sendo composta por este último e pelas gorjetas que o empregado venha a receber, conforme disposto no art. 457 da CLT. As gorjetas são aquelas espontaneamente ofertadas pelos 10 clientes, bem como as cobradas pela empresa do cliente e que se destinem à divisão entre os empregados. Conforme descreve Martins (2016, p. 352), [r]emuneração é o conjunto de prestações recebidas habitualmente pelo empregado pela prestação de serviços, seja em dinheiro ou em utilidades, provenientes do empregador ou de terceiros, mas decorrentes do contrato de trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades básicas e de sua família. O art. 458 da CLT aduz que pode haver pagamento de salário in natura, ou seja, além de pagamento em dinheiro, poderão ser considerados salário outras prestações fornecidas em espécie pelo empregador: alimentação (em valor correspondente a até 20% do salário contratual), vestuário, habitação (em valor correspondente a até 25% do salário contratual) e outras utilidades que a empresa, pelo contrato ou pelo costume, fornecer habitualmente ao empregado. Entretanto, não se pode considerar salário in natura os vestuários e equipamentos de proteção fornecidos para exercício do trabalho; a educação fornecida na empresa ou em terceiros, compreendendo matrícula, mensalidade, anuidade, material didático e livros; o transporte fornecido para ir e voltar do trabalho; a assistência médica, hospitalar e odontológica prestada por meio de seguro-saúde; seguro de vida; previdência privada; e o vale-cultura. Mesmo habitação e alimentação, se fornecidos para a prestação do trabalho e não pelo trabalho, não podem ser considerados salário in natura. Vejamos a ementa abaixo, de julgado proferido pelo TRT da 12ª Região e que versa sobre salário in natura: REFLEXOS DO SALÁRIO "IN NATURA". MORADIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. São requisitos para que uma utilidade se caracterize como salário "in natura": a) a habitualidade no fornecimento do bem, que deve se reiterar ao longo do contrato, adquirindo caráter de prestação habitual; b) o caráter contraprestativo do fornecimento, ou seja, que tenha intuito retributivo, que não vise viabilidade ou o aperfeiçoamento da prestação laboral. Estando presentes todos os requisitos, mister se faz a manutenção da sentença que reconheceu como salário "in natura" a moradia fornecida. (Brasil, 2015b, grifo nosso) Quanto ao pagamento de salário, nenhum empregado pode receber valor menor que o salário mínimo nacional, salvo se trabalhar em tempo parcial (25 horas semanais, por exemplo), situação em que poderá receber pagamento proporcional ao tempo de labor, considerando que o salário mínimo seria devido para 8 horas diárias ou 44 horas semanais. Além do salário mínimo nacional, temos no Brasil, atualmente, o salário mínimo regional e o salário normativo. 11 Ainda no tema da remuneração devida ao trabalhador, é preciso destacar que as comissões do trabalhador vendedor não podem ser canceladas ou estornadas pelo inadimplemento do comprado ou desfazimento do negócio. Sobre esse assunto, leia a decisão a seguir: ESTORNO DE COMISSÕES. INADIMPLEMENTO DE PARCELAS OU CANCELAMENTO DE VENDAS. Admitir-se a possiblidade de estorno das comissões devidas ao trabalhador quando inadimplidas as parcelas do contrato pelo comprador, implica transferência dos riscos do empreendimento ao empregado, o que o sistema legal do Direito do Trabalho não permite (Art. 2º. da CLT). O artigo 7º da lei 3.207/57 regula o assunto, e somente há previsão de estorno dos valores recebidos pelo empregado a título de comissões quando o comprador se torna insolvente, e não quando está inadimplente, ou quando ocorre distrato entre o cliente e a empresa. In verbis: (Art 7º. Verificada a insolvência do comprador, cabe ao empregador o direito de estornar a comissão que houver pago). Recurso ordinário do autor, ao qual se dá provimento no particular. (Brasil, 2016a) Esse exemplo demonstra que o Poder Judiciário também está engajado na proteção do salário do trabalhador, em atendimento aos ditames constitucionais sociais. TEMA 3 – ALTERAÇÃO, SUSPENSÃO E INTERRUPÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Seguindo adiante em nossos estudos sobre a legislação trabalhista, passamos agora à discussão de temas pertinentes ao contrato de trabalho. 3.1 Alteração do contrato de trabalho O contrato de trabalho do empregado, por ser um contrato de trato sucessivo — ou seja, que se perpetua no tempo —, pode sofrer algumas intervenções em sua vigência, como alterações, suspensões e interrupções. Cada uma dessas hipóteses gera efeitos diversos para os contratantes, conforme veremos nesta seção. Quando se celebra um contrato de trabalho, as partes pactuam diversas condições, por exemplo: o salário (se pago por hora ou mensal), a jornada de trabalho (dias trabalhados, horário de entrada, saída e de intervalo), o local de trabalho, a função assumida pelo empregado, a possibilidade de transferência para outra localidade, entre outras. Considerando que o empregador é detentor do poder diretivo na administração do empreendimento, será que ele pode alterar unilateralmente, ou seja, sem a anuência do empregado as cláusulas do contrato de trabalho? 12 Para responder a essa pergunta, vale considerar a decisão em um caso real, no qual o empregado foi até a Justiça do Trabalho para pleitear danos sofridos pela alteração unilateral realizada pelo empregador, que modificou a forma de pagamento da remuneração e gerou prejuízos ao empregado: ALTERAÇÃO CONTRATUAL LESIVA. A alteração no critério remuneratório, que passa de comissionamento sobre vendas para salário fixo, com a manutenção do empregado na função de vendedor, e sem que se mantenha a média contraprestativa anterior, configura induvidosa alteração unilateral lesiva, gerando, por força do art. 468 da CLT, o direito às diferenças salariais reivindicadas. (Brasil, 2016b) 3.2 Interrupção e suspensão do contrato de trabalho O princípio da continuidade da relação de emprego, vigente no Direito do Trabalho, demonstra que a regra é a do contrato de trabalho por tempo indeterminado,existindo diversas normas de proteção ao emprego. Entretanto, alguns acontecimentos podem interromper ou suspender o contrato de trabalho. A suspensão e a interrupção do contrato de trabalho têm efeitos e origens distintas, mas em ambos os casos há uma paralisação da prestação do serviço pelo empregado e não uma cessação do contrato. Quando o empregado retornar ao trabalho, depois de um período de suspensão ou de interrupção do contrato, a ele serão garantidas todos as vantagens que tenham sido atribuídas aos demais trabalhadores da empresa na sua ausência. A interrupção do contrato de trabalho é definida como sendo “a paralisação temporária do trabalho pelo empregado, em que a ausência do empregado não afeta o seu tempo de serviço na empresa, sendo computado o período de afastamento para todos os efeitos legais” (Barros, 2013, p. 686). Portanto, nesse caso o empregado estará afastado do trabalho, mas esse tempo fora das atividades laborais contará como tempo de serviço para todos os fins, e a remuneração deve ser paga pelo empregador, de modo que as obrigações do empregado é que não serão exigidas. São motivos de interrupção do contrato de trabalho: afastamento do empregado por doença ou acidente do trabalho até o 15º dia, inclusive; férias; repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos (descansos legais); licença remunerada; período em que não houver serviço na empresa por responsabilidade desta; afastamento do empregado estável para apuração de falta grave; suspensão disciplinar; afastamento do trabalho por até 90 dias por motivos de segurança nacional; e hipóteses do art. 473 da CLT, quais sejam: 13 I - até 2 (dois) dias consecutivos, em caso de falecimento do cônjuge, ascendente, descendente, irmão ou pessoa que, declarada em sua carteira de trabalho e previdência social, viva sob sua dependência econômica; II - até 3 (três) dias consecutivos, em virtude de casamento; III - por um dia, em caso de nascimento de filho no decorrer da primeira semana; IV - por um dia, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de doação voluntária de sangue devidamente comprovada; V - até 2 (dois) dias consecutivos ou não, para o fim de se alistar eleitor, nos termos da lei respectiva; VI - no período de tempo em que tiver de cumprir as exigências do Serviço Militar referidas na letra "c" do art. 65 da Lei nº 4.375, de 17 de agosto de 1964 (Lei do Serviço Militar); VII - nos dias em que estiver comprovadamente realizando provas de exame vestibular para ingresso em estabelecimento de ensino superior; VIII - pelo tempo que se fizer necessário, quando tiver que comparecer a juízo; IX - pelo tempo que se fizer necessário, quando, na qualidade de representante de entidade sindical, estiver participando de reunião oficial de organismo internacional do qual o Brasil seja membro. X - até 2 (dois) dias para acompanhar consultas médicas e exames complementares durante o período de gravidez de sua esposa ou companheira XI - por 1 (um) dia por ano para acompanhar filho de até 6 (seis) anos em consulta médica. (Brasil, 1943) A suspensão do contrato de trabalho, por sua vez, “é a sustação temporária dos principais efeitos do contrato de trabalho no tocante às partes, em virtude de fato juridicamente relevante, sem a ruptura, contudo, do vínculo contratual formado” (Delgado, 2014, p. 116). Nesse período de suspensão do contrato, o empregado não presta serviços, não há pagamento de salário pelo empregador, o tempo que perdurar a suspensão não conta para tempo de serviço e não há recolhimentos previdenciários, havendo, portanto, a inexigibilidade das obrigações contratuais de empregado e empregador. Há uma exceção: no caso de o empregado ficar afastado das atividades laborais por 16 dias ou mais, por motivo de acidente do trabalho ou doença equiparada, ainda subsistirá a obrigação do empregado no recolhimento do fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS). São as principais hipóteses de suspensão do contrato de trabalho: afastamento por doença ou acidente do trabalho a partir do 16º dia; afastamento previdenciário por motivo de doença não relacionada ao trabalho a partir do 16º dia; aposentadoria provisória por incapacidade ao trabalho (se revertida a incapacidade o empregado pode retornar ao emprego); pelo período de 2 a 5 meses para o empregado participar de curso de capacitação profissional ofertado pelo empregador (neste período recebe uma bola financiada pelo FAT 14 – Fundo de Amparo ao Trabalhador, que não tem natureza salarial, mas de assistência social), entre outras. Atenção: o período de recebimento de auxílio-doença, de aposentadoria por invalidez (a qual pode ser revertida) e auxílio-acidente, desde que superiores a 15 dias, bem como de salário-maternidade (que também vem sendo deferido ao empregado homem em situações específicas), apesar de configurar suspensão do contrato de trabalho, é contado como tempo de contribuição para fins de aposentadoria por tempo de serviço. TEMA 4 – RESCISÃO DO CONTRATO DE TRABALHO Quando tratamos da rescisão do contrato de trabalho estamos considerando uma relação empregatícia vigente por prazo indeterminado, já que os vínculos de emprego com tempo determinado ou condição resolutiva pré- fixada serão extintos quando da ocorrência do fato resolutivo. Nada impede, todavia, que esses contratos com prazo determinado sejam convertidos em contratos de prazo indeterminado se houver interesse das partes. 4.1 Aviso prévio O aviso prévio é a comunicação que o interessado faz à outra parte do contrato quando tem interesse em rescindir o contrato de trabalho sem justa causa. 4.2 Dispensa sem justa causa No exercício de seu poder diretivo o empregador pode decidir por rescindir o contrato de trabalho do empregado sem justa causa. O próprio nome deixa evidente que esta forma de dispensa permite ao empregador dar o aviso prévio ao empregado sem a ele dar nenhuma justificativa sobre o motivo da ruptura contratual. Entretanto, é vedada pela lei a dispensa discriminatória, seja por gravidez da empregada, por motivos de “sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros” (Brasil, 1995), nos termos da Lei nº 9.029/1995. Se constatada a natureza discriminatória da dispensa, o empregado poderá optar por: reintegração ao trabalho com o pagamento das remunerações 15 devidas no período de afastamento com juros e correção monetária, ou o recebimento em dobro das remunerações do período do afastamento, com juros e correção monetária. Observe que consideramos aqui que esse pagamento abrange a data da dispensa e a data da condenação judicial ao pagamento. Todavia, não havendo irregularidades na dispensa sem justa causa, serão devidas as seguintes verbas rescisórias: saldo de salário (incluindo comissões, horas extras, adicional noturno, de insalubridade/periculosidade, de transferência e demais parcelas salariais do período); aviso prévio proporcional ao tempo de serviço; 13º salário proporcional; férias vencidas e proporcionais com o terço constitucional; multa de 40% calculada sobre os depósitos de FGTS; a liberação do FGTS depositado em conta vinculada; guias para requerimento do seguro-desemprego, se o empregado tiver direito a tal. Quando o empregado for dispensado do cumprimento do aviso prévio, o pagamento das verbas rescisórias deverá ser feito até o décimo dia seguinte ao da comunicação da dispensa. Caso haja o cumprimento trabalhado do período, o aviso prévio deverá ser pago no dia seguinte ao término do contrato. Se não forem atendidos esses prazos, será devida uma multa no valor de um salário do empregado em seu benefício. A rescisão contratual do empregado com mais de um ano de trabalho na mesma empresa deverá ser homologada juntamenteao sindicato dos empregados. Na ausência deste, poderão homologar a rescisão do contrato de trabalho o delegado do Ministério do Trabalho e Emprego da região ou até mesmo o juiz de paz da localidade. 4.3 Dispensa por justa causa O empregado que cometer falta grave na vigência do contrato de trabalho poderá ser dispensado por justa causa, sendo que as hipóteses autorizadoras dessa modalidade estão previstas no art. 482 da CLT. São elas: 16 a) ato de improbidade; b) incontinência de conduta ou mau procedimento; c) negociação habitual por conta própria ou alheia sem permissão do empregador, e quando constituir ato de concorrência à empresa para a qual trabalha o empregado, ou for prejudicial ao serviço; d) condenação criminal do empregado, passada em julgado, caso não tenha havido suspensão da execução da pena; e) desídia no desempenho das respectivas funções; f) embriaguez habitual ou em serviço; g) violação de segredo da empresa; h) ato de indisciplina ou de insubordinação; i) abandono de emprego; j) ato lesivo da honra ou da boa fama praticado no serviço contra qualquer pessoa, ou ofensas físicas, nas mesmas condições, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; k) ato lesivo da honra ou da boa fama ou ofensas físicas praticadas contra o empregador e superiores hierárquicos, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; l) prática constante de jogos de azar. (Brasil, 1943) Saiba mais Para saber um pouco mais sobre essas hipóteses de dispensa por justa causa e seus fundamentos, assista ao Programa Jornada do Tribunal Superior do Trabalho especial acerca do tema acessando o link <https://www.youtube.com/watch?v=Hem9qMvahl8>. A dispensa por justa causa será válida quando for aplicada imediatamente após o fato que a ensejou ou quando finalizada investigação promovida pela empresa e que tenha constatado ato grave por parte do empregado. Na comunicação de dispensa deverá constar, obrigatoriamente, qual foi a alínea do art. 482 da CLT, previamente transcrito, infringida pelo empregado, sob pena de nulidade da dispensa. Algumas convenções coletivas de trabalho ainda colocam como requisito de validade da dispensa a narração do fato que a ensejou na comunicação de justa causa entregue ao empregado. O trabalhador poderá não concordar com o fato a ele imputado e a dispensa justificada, de tal modo que é lícito que se negue a assinar a comunicação de dispensa justificada. O trabalhador também poderá requerer, no momento da homologação (caso esta seja feita junto ao sindicato), que ressalve no termo de rescisão a sua discordância na aplicação da medida. Na dispensa por justa causa o empregado terá direito às seguintes verbas rescisórias: saldo de salário (incluindo as demais parcelas que compõem o salário devido); 17 férias vencidas com um terço constitucional. É evidente que o trabalhador poderá pleitear a reversão da dispensa por justa causa no Poder Judiciário, ocasião em que caberá à empresa o ônus de provar a licitude da medida extrema. Em caso negativo, ocorre a reversão da dispensa e a condenação ao pagamento das demais verbas rescisórias como se o empregado tivesse sido dispensado sem justificativa. Importante: não poderá ser feita qualquer anotação na CTPS do empregado que demonstre ter sido ele dispensado por justa causa, sob pena de condenação do empregado a indenização por danos morais caso seja demandado judicialmente por isso. 4.4 Pedido de demissão Trata-se da hipótese em que a ruptura do contrato de trabalho parte do empregado, sendo ele quem concede o aviso prévio para o empregador. Assim como na dispensa sem justa causa, no pedido de demissão o empregado não tem a obrigação de fundamentar o pedido, bastando informar que não tem mais interesse em dar continuidade ao contrato de trabalho. Como estudamos no item do aviso prévio, o tempo a ser cumprido a este título, pelo empregado, será de 30 dias, sem reduções ou prolongamentos. Se o empregado não cumprir esse período, o empregador poderá descontar o valor correspondente das verbas rescisórias, o que não ocorre se o próprio empregador receber o aviso e dispensar o empregado de seu cumprimento. As verbas rescisórias do empregado que pede demissão são compostas por: saldo de salário (e todas as parcelas que o compõem); aviso prévio (se cumprir); 13º salário proporcional; férias vencidas e proporcionais com o terço constitucional. Nesta modalidade de rescisão não será devida a multa de 40% do FGTS e nem serão fornecidas guias para saque do FGTS depositado em conta vinculada e para requerimento do seguro-desemprego. 18 4.5 Rescisão indireta do contrato de trabalho Na rescisão indireta do contrato de trabalho podemos dizer, a grosso modo, que é o empregado quem aplica a justa causa ao empregador. A CLT também prevê expressamente quais são as hipóteses em que se pode declarar a rescisão do contrato de trabalho por culpa da empresa, vejamos: Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando: a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato; b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo; c) correr perigo manifesto de mal considerável; d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato; e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama; f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem; g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários. (Brasil, 1943) Na prática, a rescisão indireta será declarada pelo Judiciário, cabendo ao empregado levar à Justiça do Trabalho seus fundamentos e suas provas requerendo a declaração da rescisão indireta. O empregado terá a opção de propor a ação trabalhista requerendo a rescisão indireta e continuar trabalhando enquanto aguarda a decisão judicial. Esse é um cenário que pode gerar situações constrangedoras entre empregado e empregador depois que este receber a citação da ação, mas não podem ser praticados atos discriminatórios em relação ao empregado. A segunda opção do trabalhador é enviar ao empregador uma notificação extrajudicial (por meio de uma carta com aviso de recebimento ou por intermédio de cartório de títulos e documentos) informando que não mais comparecerá ao trabalho e que irá propor demanda trabalhista requerendo a rescisão indireta do contrato laboral. A notificação, além de imprescindível para que não seja alegado abandono de trabalho, deverá especificar o ato ensejador da rescisão indireta à luz das hipóteses previstas pelo art. 483 da CLT. Na Justiça do Trabalho caberá ao empregado comprovar suas alegações, e se as provas forem satisfatórias, o juiz decretará a rescisão indireta do contrato de trabalho, condenando o empregador ao pagamento das verbas rescisórias como se tivesse dispensado sem justa causa o empregado. Caso o trabalhador não cumpra com o seu ônus de provar fatos constitutivos do seu direito, o juiz 19 entenderá que houve o pedido de demissão, sendo devidas as verbas rescisórias equivalentes. O art. 384 da CLT prevê a hipótese de culpa recíproca de empregado e empregador na rescisão do contrato de trabalho, ou seja, quando a culpa é recíproca pelo término do contrato de trabalho. Nesse caso, é devido pagamento de verbas rescisórias como se o empregado estivesse sendo dispensado sem justa causa, mas com a redução de 50% no valor de cada verba, inclusive multa de FGTS e do seguro-desemprego. TEMA 5 – VENDEDOR E REPRESENTANTE COMERCIAL Neste último ponto vamos estudar as figuras do vendedore do representante comercial, apontando as semelhanças e diferenças nas atividades desses trabalhadores. Quando estudamos os conceitos de empregado, empregador e o vínculo de emprego, vimos que para caracterização deste é indispensável que haja pessoalidade, subordinação, onerosidade e habitualidade na relação entre trabalhador e empregador. Portanto, em regra, o vendedor (interno ou externo) deve ter o vínculo de emprego anotado na CTPS; deve ser, obrigatoriamente, pessoa física, não podendo se fazer substituir; deve receber salário, que pode ser fixo, apenas comissão ou ambos; e deve exercer o seu ofício de acordo com as ordens do empregador, não podendo negociar por conta própria. Desse trabalhador não se exige nenhum tipo de registro em conselho de classe, bastando apenas a anotação da CTPS para configuração do vínculo empregatício. Quanto ao representante comercial, admite-se que ele seja pessoa física ou jurídica e em ambos os casos é obrigatório o registro no Conselho Regional de Representantes Comerciais (CORE) da região em que atua. Se for pessoa física, não terá vínculo empregatício com o representado, conforme conceito do art. 1º da Lei n. 4.886/1965: Art . 1º Exerce a representação comercial autônoma a pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de emprego, que desempenha, em caráter não eventual por conta de uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para, transmiti-los aos representados, praticando ou não atos relacionados com a execução dos negócios. Parágrafo único. Quando a representação comercial incluir poderes atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis, quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legislação comercial. (Brasil, 1965) 20 A breve leitura do artigo transcrito nos permite observar que a representação comercial também contém alguns requisitos semelhantes ao da relação de emprego. Entre eles, destacamos: Onerosidade: tanto o empregado comissionista (misto ou puro) quanto o representante comercial receberão pagamento de porcentagem pela intermediação do negócio. Pessoalidade: quando se trata de representante comercial pessoa física, poderá haver pessoalidade na representação, assim como no vínculo de emprego, mas nada impede o representante pessoa física de se fazer substituir, salvo previsão contratual expressa vedando tal situação. Já no caso de representação por pessoa jurídica este requisito pode não existir, pois poderá haver diversos representantes atuando em favor de um mesmo representado. Não eventualidade: tanto na representação quanto no vínculo de emprego as atividades são habituais, pois o contrato de representação tende a se perpetuar no tempo, de acordo com a vontade das partes, assim como o contrato de trabalho. A necessidade de registro do representante comercial em órgão de classe, como anteriormente mencionado, é um diferencial entre ele e o vendedor, já que deste nada se exige. Ainda além, divergem as categorias em relação ao risco do negócio, sendo que, no caso do vendedor empregado, quem arca com as despesas do negócio é o empregador, e na representação comercial é o próprio representante pessoa física ou jurídica. Em se tratando de vendedor externo, o empregador poderá fixar um roteiro predeterminado de visitas aos clientes, controlando a jornada de trabalho do empregado. Vale lembrar que os meios telemáticos de comunicação permitem saber a localização do trabalhador, e que deste pode ser exigido o comparecimento à sede da empresa no início e no fim da jornada. Essa é uma situação que não se verifica com o representante comercial, pois ele é livre para gerir o negócio, inclusive quanto aos dias e horários em que pretende exercer a atividade. Será que um representante comercial poderá requerer vínculo empregatício com o representado? Veja os vídeos da TV TST e saiba qual é o entendimento da Justiça do Trabalho sobre o tema: o primeiro vídeo está 21 disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=zN5zcTeE-Y0>, e o segundo pode ser visualizado em <https://www.youtube.com/watch?v=r0C6CATBQo0>. Como se pode verificar nos vídeos indicados anteriormente, a resposta para a pergunta formulada é positiva, ou seja, caso o contrato de representação comercial tenha sido firmado para mascarar verdadeira relação empregatícia, o represente comercial poderá pleitear a declaração de vínculo de emprego na Justiça do Trabalho, requerendo o pagamento das verbas salariais sonegadas no período da suposta representação. É vedado ao representado descontar ou não pagar comissões ao representante comercial pelo cancelamento do negócio pelo cliente ou pela inadimplência deste, já que o representado não pode transferir o risco do negócio ao representante, que exerce atividade meio. Vejamos a ementa da decisão abaixo, que trata desse assunto: CONTRATO DE REPRESENTAÇÃO COMERCIAL - CLÁUSULA "DEL CREDERE" - DESCONTOS REALIZADOS NAS COMISSÕES DO REPRESENTANTE - IMPOSSIBILIDADE. De acordo com o art. 43 da Lei nº 4.886/65, "é vedada no contrato de representação comercial a inclusão de cláusulas del credere". Ou seja: há vedação legal para que se transfira os riscos do empreendimento ao representante, o qual não responde por eventual inadimplemento do cliente. Incontroversa a existência de tais descontos, justamentente sob a justificativa inválida de que os clientes não honraram com o pagamento, devida a restituição. Assim, tendo as rés reconhecido, em defesa, que os descontos alegados na inicial realmente foram procedidos, não se mostra possível, neste momento processual, pretender mudar sua tese, alegando que a informação constante em defesa se deu por equívoco. Sentença mantida. (Brasil, 2012) Apesar de a competência para julgar causas envolvendo contrato de representação comercial ser da Justiça Comum, no caso em que se discute o vínculo de emprego a demanda poderá ser proposta perante a Justiça do Trabalho, a qual poderá analisar as demais particularidades do caso. Entretanto, há Tribunais do Trabalho que se entendem competentes para julgamento da matéria. TROCANDO IDEIAS Analisando os temas abordados na aula, você pensa que existe má-fé por parte do representante comercial que requer vínculo de emprego com o representado — já que concordou com as cláusulas do contrato —, ou ele apenas está exercendo a cobrança de um direito que lhe é garantido? Pense a respeito! 22 NA PRÁTICA Considere que você é um representante comercial, devidamente registrado, e tem um contrato de exclusividade para representação dos produtos de uma empresa de gêneros alimentícios. Essa empresa lhe passa diariamente a lista de clientes que você terá que visitar, exige que você vá até a sua sede no início e no fim do dia, e tem conhecimento imediato dos clientes que você está visitando por meio de um aplicativo instalado em tablet, por meio do qual você encaminha os pedidos realizados. O pagamento das comissões é feito mensalmente, e você deve fazer relatórios diários de visitas. Entretanto, você paga as despesas de deslocamento e alimentação que tem diariamente. Neste caso, seria possível requerer judicialmente a descaracterização do contrato de representação comercial e declarar o seu vínculo de emprego com o representado? Para a resolução desta questão, leia o material sobre vínculo de emprego e sobre vendedor e representante comercial. Após essa leitura, certamente você estará apto(a) a responder a tal questionamento. Sugestão de resposta: Sim, é possível requerer a declaração de vínculo de emprego com a empresa representada, pois ela está exercendo controle sobre as atividades do representante a partir do momento em que impõe o roteiro diário de visitas, determina que vá até a sede da empresa duas vezes por dia e acompanha as visitas por meio dos pedidosenviados pelo aplicativo no tablet. Apesar de o representante arcar com as despesas diárias, ele está exercendo a representação com subordinação como se fosse empregado. FINALIZANDO Com isso, terminamos mais um tema de direito aplicado. Dessa vez, estudamos elementos essenciais do Direito do Trabalho. Estudamos neste encontro: 1. conceitos de empregado e empregador; 2. salário e remuneração; 3. alteração, suspensão e interrupção do contrato de trabalho; 4. rescisão do contrato de trabalho; 5. características de vendedor e representante comercial. 23 Tais temas são básicos e o conhecimento deles implica melhor gestão do negócio, além de permitir que você defenda seus próprios direitos laborais na condição de empregado. 24 REFERÊNCIAS ALMEIDA, A. L. P. Direito do trabalho: material, processual e legislação especial. 15. ed. São Paulo: Riedel, 2014. BARROS, A. M. Curso de direito do trabalho. 9. ed. São Paulo: LTr, 2013. BRASIL. Constituição (1988). Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 2 jul. 2017. _____. Lei n. 9.029 de 13 de abril de 1995. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L9029.HTM>. Acesso em: 2 jul. 2017. _____. Lei n. 4.886, de 9 de dezembro de 1965. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l4886.htm. Acesso em: 2 jul. 2017. BRASIL. Decreto-lei n. 5.452, de 1º de maio de 1943. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 2 jul. 2017. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (9. Região). Decisão TRT-PR-00224- 2011-091-09-00-5-ACO-19463-2012. Relator: Sueli Gil El-Rafihi. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Curitiba-PR, 4 maio 2012. _____. Decisão TRT-PR-18573-2012-001-09-00-9-ACO-09458-2016. Relator: Archimedes Castro Campos Junior. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Curitiba, PR, 29 mar. 2016. _____. Decisão TRT-PR-27166-2013-088-09-00-6-ACO-05276-2015. Relator: Benedito Xavier da Silva. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Curitiba, PR, 3 mar. 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (12. Região). Recurso Ordinário 01384- 2014-040-12-00-5, 3. Turma. Relator: José Ernesto Manzi. Diário Eletrônico da Justiça do Trabalho, Florianópolis, SC, 25 jun. 2015. BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho (3ª Região). Decisão 0000099- 56.2015.5.03.0059. Relator: João Bosco de Barcelos Coura. Diário de Justiça de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, 2 maio 2016. BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho. Acórdão Recurso Ordinário do Reclamante a que se nega provimento. TRT-PR-51959-2006-663-09-00-0-ACO- 25 12206-2007 - 1A. TURMA. Relator: Ubirajara Carlos Mendes. Diário de Justiça do Paraná, Curitiba, PR, 18 maio 2017. DELGADO, M. G. Curso de direito do trabalho. 13. ed. São Paulo: LTr, 2014. MARTINS, S. P. Direito do trabalho. 32. ed. São Paulo: Saraiva, 2016.