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Meio Ambiente e Soberania

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Meio Ambiente e Soberania 
 
Paulo de Bessa Antunes | Professor Associado da Universidade Federal do Estado do 
Rio de Janeiro (UNIRIO). 
Nos últimos dias temos ouvido, com certa frequência, que a preocupação internacional 
com a proteção do meio ambiente e, em especial da Amazônia brasileira é uma cortina 
de fumaça para a alienação da soberania nacional sobre a região, rearticulando o antigo 
slogan “integrar para não entregar” muito presente na década de 70 do Século XX. Da 
mesma forma, têm sido rotineiras as afirmações que, por trás do discurso ambiental 
existe uma guerra comercial declarada à agricultura brasileira. O tema é relevante e 
merece ser tratado com serenidade. De fato, as barreiras não tarifárias são um entrave ao 
livre comércio internacional, sendo certo que a Organização Mundial de Comércio já 
fixou o entendimento que cláusulas de proteção sanitária e ambiental são legitimas 1. Da 
mesma forma não se desconhece a existência de movimento, ainda que embrionário, 
internacional em favor de um “direito de ingerência ecológica” 2 nos territórios dos 
países que se mostrem incapazes de proteger os bens ambientais de importância 
internacional.3 Parece claro que a matéria tem uma significação enorme para países que, 
como o Brasil, são dotados de grande território, grande população e grande quantidade 
de recursos naturais. Todavia, é necessário perceber que, no Século XXI, o conceito de 
soberania nacional não é mais o que foi no passado. 
Os diferentes governos brasileiros sempre agiram de forma criteriosa com vistas à 
preservação da soberania nacional, não se podendo acusá-los de terem alienado 
soberania em função de medidas de proteção ambiental e, muito menos, de terem 
abandonado a discussão sobre o desenvolvimento nacional. Muito pelo contrário, nos 
diferentes fora internacionais, o Brasil sempre se manifestou firmemente, em defesa de 
seus recursos naturais e de sua jurisdição sobre eles, cabendo-lhe o exclusivo direito de 
explorá-los conforme a sua legislação nacional. 
O atual governo, como nenhum outro antes dele, colocou as questões ambientais na 
ordem do dia. Meio ambiente é uma prioridade governamental. Todavia, é uma 
prioridade negativa. Tem-se a impressão que a agenda a ser implementada é aquela do 
século passado, no qual se entendia haver contradição entre desenvolvimento e proteção 
ambiental. É preciso observar que, na Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente 
Humano em Estocolmo, Suécia, apesar dos pesares, o Brasil desempenhou papel 
relevante, pois levou para o centro da discussão a questão do desenvolvimento 
econômico dos países do então “terceiro mundo”. Relembre-se que, então, o Brasil já 
apresentava graves problemas de poluição industrial, cujo símbolo maior era Cubatão, à 
época considerada a cidade mais poluída do mundo. Foi, também, nos anos 70 do 
Século XX que o governo brasileiro, por meio de massivos incentivos fiscais deu início 
aos projetos de ocupação da Amazônia, cujos resultados sociais e ambientais foram 
amplamente negativos, como hoje é consensual. A experiência passada deve servir para 
que, no futuro, as atividades a serem promovidas na Amazônia sejam capazes de 
agregar valor econômico, proteger o meio ambiente e melhorar a qualidade de vida dos 
habitantes da região. 
Atualmente, há grandes problemas urbanos na Amazônia que precisam ser considerados 
nas ações governamentais. Cidades como Belém e Barcarena, por exemplo, possuem 
baixíssimos índices de saneamento básico, de violência e tantos outros. É importante 
que a comunidade internacional, ao lançar os seus olhos sobre a região Amazônica, 
perceba que a região não é uma área desocupada, um vazio humano. O esforço 
internacional para a proteção da Amazônia deve considerar, igualmente, os 
ecossistemas naturais e as comunidades humanas que neles habitam. A proteção das 
florestas é uma consequência lógica da proteção dos seus habitantes. 
Desde Estocolmo, pressões internas e externas têm feito que o Brasil dedique maior 
atenção para a Amazônia e para as questões ambientais em geral. Fato é, contudo, que 
ainda estamos distantes do ideal. Há, entretanto, um esforço real dos diferentes 
governos brasileiros para solucionar os problemas ambientais nacionais que, no nosso 
contexto, possuem imensa carga social. Todavia, não seria lícito negar o fato de que a 
proteção ambiental, no Brasil, é matéria plena de ambiguidades. 
Com efeito, a partir de 1975, ano de criação da Secretaria Especial do Meio Ambiente 
até Agosto de 2019, o País teve 20 Ministros do Meio Ambiente 4. O Instituto Brasileiro 
do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, criado em 1989, 
trocou de presidente 25 vezes 5. Tais números demonstram a vulnerabilidade política da 
pasta e de seu órgão de execução. 
Em 1981 foi instituída a Política Nacional do Meio Ambiente que, infelizmente, ainda 
carece de implantação efetiva. A Constituição de 1988 deu um novo impulso à proteção 
do meio ambiente ao dispor de um capítulo próprio para o tema ambiental, bem como 
um capítulo para os indígenas 6. A elevação da proteção do meio ambiente ao nível 
constitucional possibilitou que inúmeras medidas legais e administrativas fossem 
adotadas, com resultados positivos para o ambiente. O Brasil possui cerca de 18% de 
seu território sob o regime de proteção ambiental, média superior à mundial que é de 
aproximadamente 17 %, excluída a Antártida. Contudo, não se desconhece que as 
Unidades de Conservação brasileiras são mais simbólicas do que reais, dadas as 
precárias condições financeiras e de gestão. 
Muito se tem discutido nos últimos tempos sobre uma suposta “perda de soberania” em 
função das questões ambientais. A discussão, como tantas outras que estamos que 
estamos vivendo nos dias atuais, não parte de nenhuma base factual, nem legal. Os 
principais acordos internacionais em matéria ambiental são muito claros em afirmar a 
soberania nacional sobre os recursos naturais. Todavia, o tema ambiental tem vocação 
universal e deve ser visto dentro desta perspectiva, sendo parte da agenda global. 
Relembre-se, entretanto, que a Assembleia Geral das Nações Unidas, por meio da 
Resolução 2749 (XXV) de 17 de Dezembro de 1970), declarou que os fundos marinhos 
e oceânicos, bem como os seus subsolos, ainda que além dos limites de jurisdição 
nacional, e os recursos neles existentes, como “Patrimônio Comum da Humanidade”, 
devendo a sua exploração e aproveitamento ser feitos em benefício da humanidade, 
independentemente da situação geográfica dos Estados. A proclamação foi incorporada 
à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, Artigo 137 2, da qual o Brasil é 
Parte. Por outro lado, a Antártida e o Espaço Cósmico não estão incluídos no conceito 
de patrimônio comum da humanidade. A Antártida é um bem de “interesse de toda a 
humanidade” que deverá “para sempre a ser utilizada exclusivamente para fins 
pacíficos”, não se convertendo “em cenário ou objeto de discórdias internacionais” 
(Tratado da Antártida, Preambulo). No que se refere ao espaço cósmico, o Tratado 
sobre Princípios Reguladores das Atividades dos Estados na exploração e Uso do 
Espaço Cósmico, inclusive a Lua e demais Corpos Celestes estabelece que “O espaço 
cósmico, inclusive a Lua e demais corpos celestes, não poderá ser objeto de apropriação 
nacional por proclamação de soberania, por uso ou ocupação, nem por qualquer outro 
meio.” (Artigo II). 
O multilateralismo que envolve as questões ambientais faz com que, frequentemente, 
correntes políticas em diversos Estados se queixem de perda de sua soberania em 
função de acordos ambientais, bem como se sintam prejudicados em razão da existência 
crescente de organismos internacionais dedicados ao tema. Este comportamento é 
bastante recorrente entre os países emergentes e os menos desenvolvidos que, 
seguidamente, mostram desconfiança em relação a um novo padrão de governança 
internacional. Parece evidente que a existência dos organismos internacionais é1 
decidida pelos próprios Estados e 2 é uma forma de implementar a cooperação 
internacional. Logicamente, que há que haver um controle sobre tais organismos que, 
não raras vezes, são autopoiéticos, ou seja, vivem para si mesmos. 
Todos os Estados nacionais são iguais na ordem jurídica internacional e dotados de 
soberania, exercendo jurisdição sobre os seus territórios e domínio permanente sobre os 
seus recursos naturais (Resolução 1803 (XVII) de 14 de Dezembro de 1962 da 
Assembleia Geral das Nações Unidas [AGNU]. “Soberania Permanente sobre os 
Recursos Naturais). A Resolução da AGNU foi tomada no auge do processo de 
descolonização quando especialmente as jovens nações africanas buscavam assegurar 
que os seus recursos naturais permanecessem sob suas jurisdições e, em tese, pudessem 
reverter em favor de suas populações, afirmando as suas independências em face das 
antigas potências coloniais. Tal concepção tem sido reafirmada no Direito Internacional, 
conforme demonstram o Princípio 21 da Declaração de Estocolmo, o Princípio 2 da 
Declaração do Rio e o Artigo 3 da Convenção sobre Diversidade Biológica, dentre 
outros documentos. Contudo, em matéria ambiental, o tradicional conceito de soberania 
tem sofrido mitigações que merecem menção. 
Os Estados, independentemente de suas dimensões territoriais, de suas capacidades 
econômicas e de sua população são juridicamente iguais perante a comunidade 
internacional, conforme disposto no artigo 2 1 da Carta das Nações Unidas. A 
peculiaridade do conceito de soberania no Direito Internacional do Meio Ambiente 
encontra suas origens no ano de 1935, quando uma fundição canadense situada próxima 
à fronteira dos Estados Unidos (Estado de Washington) emitia gases (dióxido de 
enxofre), causando danos a plantações e florestas além-fronteiras. Os Estados Unidos 
acionaram o Canadá perante a Corte Arbitral que julgou procedente a reclamação, 
condenando o Canadá ao pagamento de compensações e estabelecendo o princípio de 
que nenhum Estado tem o direito de usar ou permitir que se use o seu território de forma 
a causar danos a outros países ou a propriedades e/ou pessoas de terceiros estados. 
A imposição de responsabilidade aos Estados é tema árduo, haja vista a inexistência de 
um poder global capaz de executá-la, ao menos em relação às grandes potências. 
Acresce as evidentes diferenças econômicas, sociais e políticas existentes na 
comunidade internacional. Esta é uma das razões pelas quais há enorme pressão e 
mesmo desconfiança dos Estados em vias de desenvolvimento e dos Países Menos 
Desenvolvidos em relação às responsabilidades ambientais. A discussão sobre as 
mudanças climáticas globais é um excelente exemplo do que se fala, pois os países 
emergentes e recentemente industrializados afirmam que a maior parte dos Gases de 
Efeito Estufa (GEE) atualmente existentes na atmosfera tem sua origem nos países 
desenvolvidos, estes por sua vez sustentam que, nos dias atuais, os maiores emissores 
são os emergentes. A propósito, não se deve desconsiderar a terceirização das emissões, 
dada a massiva transferência das atividades emissoras dos países desenvolvidos para os 
emergentes. Esse contexto serve de base para o conceito de responsabilidades comuns, 
porém diferenciadas que está presente, e. g., no Princípio 7 da Declaração do Rio, 
dentre outros acordos internacionais, tais como o Acordo de Paris em seu Artigo 2º 2. 
Há um consenso na comunidade internacional no sentido de que todos os seus membros 
têm o dever de proteger o meio ambiente e de trabalhar para a sua melhoria. As 
diferenças de níveis de consumo, renda, utilização de recursos ambientais etc., impedem 
concretamente que todos os Estados sejam igualmente responsáveis pela recuperação 
dos danos ao meio ambiente, ou mesmo pela sua mitigação. É indisputável que os 
maiores consumidores de recursos ambientais são os países desenvolvidos, cabendo-lhe 
a maior responsabilidade com relação às medidas de recuperação e prevenção e/ou 
mitigação que se façam necessárias. 
As responsabilidades comuns, porém, diferenciadas buscam estabelecer um equilíbrio, 
atribuindo a responsabilidade aos Estados na medida de sua contribuição efetiva para os 
problemas globais. O princípio reconhece as diferentes capacidades técnicas, financeiras 
e humanas para o enfrentamento das questões globais, impondo aos Estados mais bem 
aquinhoados a obrigação jurídica e moral de cooperação, no que se refere à 
transferência de recursos para que se possa alcançar a almejada solução dos problemas 
ambientais globais. 
Assim, parece ser razoável que o Brasil não se afaste de sua tradição multilateralista 
que, até os presentes dias é a forma jurídica e política mais viável para que possamos 
defender nossa soberania, não nos isolando da comunidade interacional. O Brasil possui 
um grande ativo ambiental que deve ser usado em nosso favor.

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