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1 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P Doença Cardíaca Congênita • Refere-se anormalidades do coração ou dos grandes vasos que estão presentes no momento do nascimento. • Maioria tem origem na embriogênese defeituosa no período entre a 3ª e a 8ª semana de gestação – quando as principais estruturas cardiovasculares se formam e começam a funcionar. • As anomalias mais graves impedem a sobrevivência intrauterina, e malformações cardíacas significativas são comuns entre natimortos. • Defeitos circunscritos que afetam regiões específicas do coração ou câmaras individuais podem ser compatíveis com a vida. Nessa última categoria estão os seguintes: • Defeitos septais, ou “buracos no coração”, como defeitos do septo interatrial (DSAs) ou defeitos do septo interventricular (DSVs) • Lesões estenóticas, seja no nível das valvas, seja em toda a câmara cardíaca, como na síndrome do coração esquerdo hipoplásico • Anomalias do trato de saída, incluindo o direcionamento inadequado dos grandes vasos a partir dos ventrículos ou artérias coronárias anômalas. Essas formas “toleradas” de DCC costumam produzir manifestações clinicamente importantes apenas após o nascimento – descobertas pela transição da circulação fetal para perinatal; cerca de metade será diagnosticada no primeiro ano de vida, embora algumas formas mais leves talvez só sejam descobertas na idade adulta (p. ex., DSA). INCIDÊNCIA: Depende do que é considerado um defeito. Defeitos septais musculares (DSVs ou DSAs) são detectados em mais de 5% dos nascidos vivos – mas costumam se fechar de forma espontânea no primeiro ano de vida. Se a contabilização se restringir a defeitos mais graves, a incidência mundial de malformações cardiovasculares congênitas é ligeiramente inferior a 1% – ainda assim colocando as DCCs entre os defeitos congênitos mais prevalentes. Doze distúrbios são responsáveis por aproximadamente 85% dos casos. O número de indivíduos que sobrevivem até a idade adulta com DCC está aumentando. Muitos se beneficiaram dos avanços cirúrgicos que permitem cada vez mais o reparo pós-natal precoce de defeitos estruturais. Em alguns casos, entretanto, a intervenção cirúrgica não consegue restaurar a normalidade completa; os pacientes podem já ter sofrido alterações pulmonares ou miocárdicas que não são mais reversíveis ou, pelo contrário, podem sofrer arritmias devido à cicatriz cirúrgica. Outros fatores que impactam o desfecho a longo prazo incluem complicações associadas ao uso de materiais protéticos e dispositivos (p. ex., valvas substitutas ou patches miocárdicos) e os estressores cardiovasculares associados à gravidez que podem levar um coração reparado à insuficiência. ETIOLOGIA E PATOGÊNESE: • Exposições ambientais (infecção congênita por rubéola, teratógenos, DMG) e fatores genéticos. • Fatores nutricionais podem influenciar o risco. • Suplementação de folato durante o início da gravidez reduz a incidência de DCC. • Os fatores genéticos incluem loci específicos implicados em formas familiares de DCC e certas anormalidades cromossômicas. • A causa genética mais comum conhecida de DCC é a trissomia do 21 (síndrome de Down). • Um exemplo notável de uma pequena lesão cromossômica que causa DCC é a deleção do cromossomo 22q11.2, que ocorre em pacientes com síndrome de DiGeorge. Nela, o quarto arco branquial e os derivados da terceira e quarta bolsas faríngeas (que contribuem para a formação do timo, das glândulas paratireoides e do coração) se desenvolvem de forma anormal. • No caso de mutações monogênicas, os genes afetados codificam proteínas pertencentes a várias classes funcionais diferentes - muitos deles envolvem fatores de transcrição. 2 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P Mesmo decréscimos relativamente menos importantes na atividade de genes específicos podem resultar em defeitos significativos. Assim, estresses ambientais transitórios durante o primeiro trimestre da gravidez que alteram a síntese ou atividade desses mesmos genes podem levar a defeitos adquiridos que mimetizam aqueles produzidos por mutações hereditárias. Assim, GATA4, TBX5 e NKX2-5, três fatores de transcrição que estão mutados em alguns pacientes com defeitos do septo atrial e ventricular, se ligam uns aos outros e corregulam a expressão de genes-alvo necessários para o desenvolvimento cardíaco adequado. A maioria dos pacientes afetados não apresenta risco genético identificável e, mesmo naqueles que apresentam, a natureza e a gravidade do defeito são altamente variáveis. É provável que a maioria das formas de DCC surja por interações de fatores ambientais com múltiplos genes. CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS: A maioria das anomalias estruturais nas DCCs pode ser organizada em 3 categorias principais de acordo com as anormalidades funcionais mais relevantes que causam: • Shunt esquerda-direita • Shunte direita-esquerda • Obstrução Shunt: comunicação anormal entre câmaras ou vasos sanguíneos. • Canais anormais permitem que o fluxo sanguíneo verta por gradientes de pressão do lado esquerdo (sistêmico) para o lado direito (pulmonar) da circulação ou vice-versa. • Quando o sangue do lado direito da circulação flui diretamente para o lado esquerdo (shunt da direita para a esquerda), ocorrem hipoxemia e cianose porque a circulação pulmonar é desviada e o sangue venoso (pouco oxigenado) desvia diretamente (sem fazer hematose) para o suprimento arterial sistêmico. Além disso, os shunts da direita para a esquerda podem permitir que êmbolos das veias periféricas desviem dos pulmões e entrem diretamente na circulação sistêmica (embolia paradoxal). A hipoxia/cianose grave de longa duração também causa aumento do número de eritrócitos circulantes (policitemia), bem como um arredondamento e alargamento distais peculiares das pontas dos dedos das mãos e dos pés (“baqueteamento digital”), que podem incluir alterações ósseas (chamadas osteoartropatia hipertrófica). As causas mais importantes de shunts direita-esquerda são tetralogia de Fallot (TDF), transposição das grandes artérias (TGA), truncus arteriosus persistente, atresia tricúspide e conexão anômala total das veias pulmonares. • Os shunts da esquerda para a direita (p. ex., DSA, DSV e persistência do canal arterial [PCA]) aumentam o fluxo sanguíneo pulmonar, mas não estão inicialmente associados à cianose. Elevam, de forma crônica, tanto o volume quanto a pressão na circulação pulmonar, normalmente de baixa pressão e baixa resistência. Para manter as pressões venosa e capilar pulmonar distal normais, as artérias pulmonares musculares (< 1 mm de diâmetro) respondem inicialmente se submetendo a hipertrofia da camada média e vasoconstrição. No entanto, a vasoconstrição arterial pulmonar prolongada estimula o desenvolvimento de lesões intimais obstrutivas irreversíveis, análogas às alterações arteriolares vistas na hipertensão sistêmica; as artérias pulmonares podem até desenvolver lesões ateroscleróticas francas. O ventrículo direito também responde às alterações vasculares pulmonares passando por hipertrofia progressiva. Com o tempo, a resistência vascular pulmonar se aproxima dos níveis sistêmicos, e o shunt esquerda-direita original torna-se um shunt direita-esquerda que introduz sangue pouco oxigenado na circulação sistêmica (síndrome de Eisenmenger). Uma vez que a hipertensão pulmonar irreversível se desenvolva, os defeitos estruturais da DCC são considerados irreparáveis; a insuficiência cardíaca direita subsequente pode levar à morte do paciente, a menos que o transplante combinado de coração e pulmão possa ser realizado. Isso fornece a justificativa para a intervenção precoce para fechar shunts esquerda-direita significativos. A DCC obstrutiva ocorre quando há estreitamento anormal de câmaras, valvas ou vasos sanguíneos; estas incluem coarctação da aorta, estenose da valvaaórtica e estenose valvar pulmonar. Uma obstrução completa é chamada de atresia. Em alguns distúrbios (p. ex., TDF), pode haver a presença de uma obstrução (estenose pulmonar) e de um shunt (direita- esquerda através de um DSV). A hemodinâmica alterada na DCC geralmente causa dilatação e/ou hipertrofia cardíaca (ou ambas). No entanto, alguns defeitos induzem uma diminuição no volume e na massa muscular de uma câmara cardíaca; isso é chamado de hipoplasia caso ocorra antes do nascimento e atrofia caso ocorra após o nascimento. SHUNTS ESQUERDA-DIREITA: São as DCC mais comuns: • DAS – aumentam apenas os volumes de saída pulmonar e do ventrículo direito • DSV – causam aumento do fluxo sanguíneo pulmonar e da pressão • PCA – causam aumento do fluxo sanguíneo pulmonar e da pressão. 3 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P Dependendo de seu tamanho e localização, as manifestações desses shunts variam em gravidade, desde nenhum sintoma até insuficiência cardíaca fulminante. Figura 12.3 Shunts congênitos comuns da esquerda para a direita (as setas indicam a direção do fluxo sanguíneo). A. Defeito do septo atrial (DSA). B. Defeito do septo ventricular (DSV). Com o DSV, o shunt é da esquerda para a direita e as pressões são iguais em ambos os ventrículos. Hipertrofia por pressão do ventrículo direito e hipertrofia por volume do ventrículo esquerdo geralmente estão presentes. C. Persistência do canal arterial (PCA). AD, átrio direito; AE, átrio esquerdo; Ao, Aorta; TP, tronco pulmonar; VD, ventrículo direito; VE, ventrículo esquerdo. DEFEITO DO SEPTO ATRIAL: • Aberturas fixas anormais no septo atrial. • Causadas pela formação incompleta de tecido que permite a comunicação de sangue entre os átrios esquerdo e direito. • Assintomáticos até a vida adulta. • Não deve ser confundido com forame oval patente (FOP) – representa a falha pós-natal em fechar um forame (canal) que faz parte do desenvolvimento normal. Estágios de desenvolvimento do septo atrial: • O septum primum é um crescimento membranoso em forma de meia-lua que se localiza posteriormente entre os átrios direito e esquerdo e os separa parcialmente; a abertura anterior transitória restante, chamada de ostium primum, permite a movimentação do sangue do átrio direito para o esquerdo durante o desenvolvimento fetal inicial. • Antes que o septo primum em crescimento oblitere completamente o ostium primum, ele desenvolve uma segunda abertura posterior chamada de ostium secundum • O septum secundum é um crescimento membranoso subsequente localizado à direita e anterior ao septum primum • O septum secundum cresce e cobre o ostium secundum, deixando apenas um pequeno canal denominado forame oval, que é contínuo com o ostium secundum – o forame oval/ostium secundum permite o desvio contínuo da direita para a esquerda do sangue durante o desenvolvimento intrauterino. Esse retalho de tecido do septum secundum abre e fecha em resposta aos gradientes de pressão entre os átrios esquerdo e direito; a valva abre apenas quando a pressão é maior no átrio direito. Na vida fetal, os pulmões não funcionam e a pressão na circulação pulmonar é maior do que a sistêmica; assim, o átrio direito está sob pressões mais altas do que o átrio esquerdo, e a valva do forame oval normalmente está aberta. Ao nascimento, com a expansão do pulmão, as pressões vasculares pulmonares caem e as pressões do átrio direito ficam abaixo das do átrio esquerdo. Como resultado, a valva do forame oval se fecha – e, em geral, se sela permanentemente antes da idade adulta. Morfologia: • DSA são classificadas de acordo com sua localização. • O DSA do tipo secundum (90%) resultam de deficiência na formação do septum secundum, perto do centro do septo atrial. Geralmente não estão associados a outras anomalias, podem ser de qualquer tamanho e podem ser múltiplos ou fenestrados. • As anomalias do tipo primum (5% dos DSAs) ocorrem adjacentes às valvas AV e estão frequentemente associadas a anormalidades da valva AV e/ou VSD. • Os defeitos do tipo seio venoso (5%) localizam- se próximo à entrada da veia cava superior e podem estar associados a retorno venoso pulmonar anômalo ao átrio direito. Características clínicas: • Geralmente assintomáticas até a idade adulta. • A maioria fecha espontaneamente. • Os DSAs – que têm menos probabilidade de fecharem de forma espontânea – são os defeitos mais comuns a serem diagnosticados em adultos. • Os DSAs resultam em um shunt esquerda-direita, sobretudo porque a resistência vascular pulmonar é consideravelmente menor do que a resistência vascular sistêmica e porque a complacência (distensibilidade) do ventrículo direito é muito maior do que a do esquerdo. • Os volumes de fluxo pulmonar resultantes podem ser de duas a oito vezes o normal. 4 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P • Um sopro costuma estar presente como resultado do fluxo excessivo através da valva pulmonar e/ou através do DSA. • Apesar da sobrecarga de volume do lado direito, os DSAs costumam ser bem tolerados e, em geral, não se tornam sintomáticos antes dos 30 anos; é incomum que haja hipertensão pulmonar irreversível. • O fechamento cirúrgico ou intravascular do DSA é realizado para prevenir o desenvolvimento de insuficiência cardíaca, embolia paradoxal e doença vascular pulmonar irreversível. • A mortalidade é baixa e a sobrevida pós- operatória é comparável à de uma população não afetada. FORAME OVAL PATENTE: • Se fecha de modo permanente em cerca de 80% das pessoas por volta dos 2 anos. • No entanto, nos 20% restantes, o retalho não selado pode abrir se as pressões do lado direito aumentarem. • Assim, a hipertensão pulmonar contínua ou mesmo aumentos transitórios nas pressões do lado direito (p. ex., durante uma evacuação, tosse ou espirro) podem produzir breves períodos de shunt direita-esquerda, com a possibilidade de embolia paradoxal. DEFEITO DO SEPTO VENTRICULAR: • Fechamentos incompletos do septo ventricular, permitindo a livre comunicação de sangue entre os ventrículos esquerdo e direito. • São a forma mais comum de DCC Morfologia: • Os DSVs são classificados de acordo com sua localização e magnitude. • Cerca de 90% ocorrem na região membranosa do septo interventricular (DSV membranoso) e a maioria tem 2 a 3 cm de diâmetro. • Os 10% restantes ocorrem abaixo da valva pulmonar (DSV infundibular) ou dentro do septo muscular. • Embora a maioria dos DSVs sejam únicos, aqueles no septo muscular podem ser múltiplos. Características clínicas: • Se manifestam clinicamente na faixa etária pediátrica associadas a outras anomalias cardíacas congênitas, como TDF. • S e um DSV só é detectado pela primeira vez em um adulto, geralmente é um defeito isolado. • As consequências funcionais de um DSV dependem do tamanho do defeito e se há malformações associadas do lado direito. • Grandes DSVs causam dificuldades praticamente desde o nascimento; lesões menores costumam ser bem toleradas por anos e podem só ser reconhecidas bem mais tarde na vida. • 50% dos pequenos DSVs musculares fecham-se de forma espontânea. • Grandes defeitos costumam ser membranosos ou infundibulares e costumam causar significativo shunt esquerda-direita, levando à hipertrofia ventricular direita precoce e hipertensão pulmonar. • Com o tempo, grandes DSVs que não são fechados costumam levar à doença vascular pulmonar irreversível, resultando em reversão do shunt e cianose. • O fechamento do DSV assintomático com um procedimento cirúrgico ou por cateter geralmente é adiado para depois da fase de lactância, na esperança de fechamento espontâneo. • A correção precoce, entretanto, deve ser realizada nos grandes defeitos para prevenir o desenvolvimento de doença vascular pulmonar obstrutiva irreversível. PERSISTÊNCIA DO CANAL ARTERIAL:O canal arterial origina-se da artéria pulmonar e se une à aorta em posição imediatamente distal à origem da artéria subclávia esquerda. Durante a vida intrauterina, ele permite o fluxo sanguíneo da artéria pulmonar para a aorta, evitando, assim, os pulmões não oxigenados. Em lactentes saudáveis nascidos a termo, o ducto se comprime e se fecha funcionalmente dentro de 1 a 2 dias após o nascimento; isso ocorre em resposta ao aumento da oxigenação arterial, à diminuição da resistência vascular pulmonar e ao declínio dos níveis locais de prostaglandina E2. A obliteração estrutural completa ocorre nos primeiros meses de vida extrauterina, deixando para trás o ligamento arterial. O fechamento do ducto costuma ser atrasado (ou mesmo ausente) em lactentes com hipoxia (devido a desconforto respiratório ou doença cardíaca) ou quando outros defeitos congênitos estão presentes, sobretudo DSVs que aumentam as pressões vasculares pulmonares. As PCAs representam cerca de 7% dos casos de DCC. • Produz um sopro característico, contínuo e áspero, “semelhante a uma maquinaria”. 5 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P • O impacto clínico de uma PCA depende de seu diâmetro e do estado cardiovascular do indivíduo. • A PCA costuma ser assintomática no nascimento, e uma PCA estreita pode não ter efeito no crescimento e desenvolvimento da criança. • Como o shunt é inicialmente da esquerda para a direita, não há cianose. • No entanto, com grandes shunts, as sobrecargas adicionais de volume e pressão acabam por produzir alterações obstrutivas nas pequenas artérias pulmonares, levando à reversão do fluxo e suas consequências associadas. • Em geral, a PCA isolada deve ser fechada o mais cedo possível; a terapia inclui inibidores da síntese de prostaglandinas e, possivelmente, intervenções percutâneas ou cirúrgicas. • Por outro lado, a preservação da persistência do ducto (pela administração de prostaglandina E1) pode salvar a vida de lactentes com várias malformações congênitas que obstruem as vias de saída pulmonares ou sistêmicas. • Na DCC com atresia de valva aórtica ou da valva pulmonar, por exemplo, uma PCA pode fornecer todo o fluxo sanguíneo sistêmico ou fluxo sanguíneo pulmonar, respectivamente. SHUNTS DIREITA-ESQUERDA: Causam cianose no início da vida pós-natal (DCC cianótica). • TDF • TGA • Truncus arteriosus persistente • Atresia tricúspide • Conexão anômala total das veias pulmonares Figura 12.5 Shunts congênitos comuns da direita para a esquerda (cardiopatia congênita cianótica). A. Tetralogia de Fallot. A direção do shunt através do defeito do septo ventricular (DSV) depende do grau da estenose subpulmonar; quando grave, ocorre um shunt da direita para a esquerda (seta). B. Dextrotransposição das grandes artérias com e sem DSV. AD, átrio direito; AE, átrio esquerdo; Ao, Aorta; TP, tronco pulmonar; VD, ventrículo direito; VE, ventrículo esquerdo. TETRALOGIA DE FALLOT TDF: Características principais: • DSV • Obstrução do trato de saída do ventrículo direito (estenose subpulmonar) • Aorta que se sobrepõe ao DSV (dextroposição da aorta) • Hipertrofia ventricular direita. As três primeiras características resultam embriologicamente do deslocamento anterossuperior do septo infundibular, e a hipertrofia ventricular direita é uma consequência secundária da sobrecarga de pressão. Morfologia: • Coração dilatado em formato de bota devido à hipertrofia ventricular direita acentuada. • DSV é grande, com valva aórtica transposta na borda superior, sobrepondo o defeito e ambas as câmaras ventriculares. • A obstrução à saída do ventrículo direito se deve, com mais frequência, ao estreitamento do infundíbulo (estenose subpulmonar), mas pode ser acompanhada por estenose valvar pulmonar. • Às vezes, há atresia completa da valva pulmonar e de porções variáveis das artérias pulmonares, de modo que o fluxo sanguíneo por uma PCA, artérias brônquicas dilatadas ou ambas é necessário à sobrevivência. • A insuficiência da valva aórtica ou um DSA também podem estar presentes; um arco aórtico direito está presente em aproximadamente 25% dos casos. Características clínicas: • Dependendo da gravidade da estenose subpulmonar, a TDF não tratada pode ser tolerada até a idade adulta. • Se a estenose subpulmonar for leve, a anormalidade se assemelha a um DSV isolado e o shunt pode ser da esquerda para a direita, sem cianose (a chamada tetralogia rosa). • Com uma obstrução mais grave do fluxo do ventrículo direito, as pressões do lado direito se aproximam ou excedem as pressões do lado esquerdo, e o shunt da direita para a esquerda se desenvolve, produzindo cianose (TDF clássica). • A maioria dos lactentes com TDF estão cianóticos no nascimento ou logo depois. • Quanto mais grave a estenose subpulmonar, mais hipoplásicas são as artérias pulmonares (i. e., menores e com paredes mais finas) e maior é a aorta transposta. • À medida que a criança cresce e o coração aumenta de tamanho, o orifício pulmonar não se expande proporcionalmente, tornando a obstrução cada vez pior. 6 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P • A estenose subpulmonar, entretanto, protege a vasculatura pulmonar da sobrecarga de pressão, e a insuficiência ventricular direita é rara, pois o ventrículo direito é descomprimido pelo desvio de sangue para o ventrículo esquerdo e a aorta. • O reparo cirúrgico completo é possível, mas torna-se complicado para indivíduos com atresia pulmonar e artérias brônquicas dilatadas. TRANSPOSIÇÃO DAS GRANDES ARTÉRIAS: Produz discordância ventrículo-arterial (fluxo de saída do ventrículo indo para o vaso de saída errado). Na variante mais comum (dextro-TGA ou d-TGA), a aorta origina-se do ventrículo direito e a artéria pulmonar emana do ventrículo esquerdo (discordância ventrículo-arterial). Figura 12.6 Dextrotransposição das grandes artérias. As conexões átrio-ventrículo são normais (concordantes), com o átrio direito unindo-se ao ventrículo direito e o átrio esquerdo esvaziando-se para o ventrículo esquerdo. O defeito embriológico na TGA completa tem origem na formação anormal dos septos aortopulmonar e do canal, ambos em espiral. O resultado é a separação das circulações sistêmica e pulmonar, uma condição incompatível com a vida pós-natal, a menos que exista um shunt para a mistura adequada de sangue. • O prognóstico de lactentes com d-TGA depende do grau de “mistura” do sangue, da magnitude da hipoxia do tecido e da capacidade do ventrículo direito de manter a circulação sistêmica. • Pacientes com d-TGA e um DSV (aproximadamente 35%) costumam ter um shunt estável. • No entanto, a dependência de um forame oval patente ou canal arterial para a mistura de sangue (nos 65% restantes) é problemática. • Essas conexões sistêmico-pulmonares tendem a se fechar de maneira precoce e, portanto, requerem intervenção para criar um novo shunt nos primeiros dias de vida (p. ex., septostomia atrial com balão). • Com o tempo, a hipertrofia ventricular direita torna-se proeminente, pois essa câmara está funcionando como o ventrículo sistêmico. • Ao mesmo tempo, a parede do ventrículo esquerdo torna-se delgada (atrófica), uma vez que ele suporta a circulação pulmonar de baixa resistência. • Sem cirurgia, a maioria dos pacientes morre em poucos meses. • No entanto, com o aperfeiçoamento da intervenção cirúrgica precoce, normalmente com uma cirurgia de troca arterial, permite que muitos pacientes com d-TGA sobrevivam até a idade adulta. Na levo-TGA (l-TGA, também comumente chamada de TGA “congenitamente corrigida”), que é menos comum, o átrio direito se conecta a um ventrículo com a morfologia interna de um ventrículo esquerdo (discordância atrioventricular), que por sua vez deságua no artérias pulmonares (discordância ventrículo-arterial); ao mesmo tempo, o átrio esquerdose conecta a um ventrículo direito morfológico, que deságua na aorta. Figura 12.7 Esquema da levotransposição “congenitamente corrigida” das grandes artérias. O átrio direito (AD) flui para o ventrículo esquerdo (VE) morfológico, que se conecta às artérias pulmonares; o átrio esquerdo (AE) se conecta ao ventrículo direito (VD) morfológico, que deságua na aorta, que é anormalmente anterior e à esquerda. Essa malformação congênita pode ser bem tolerada, apresentando-se apenas relativamente mais tarde na idade adulta com descompensação morfológica do ventrículo direito. A l-TGA não leva à cianose e, de fato, pode ser totalmente assintomática, sendo diagnosticada na idade adulta apenas durante uma investigação de outros problemas cardíacos. No entanto, a l-TGA resultará em hipertrofia do ventrículo direito morfológico e, com o tempo, pode causar insuficiência cardíaca; também está frequentemente associada a outras DCCs, como DSV, DAS e forame oval patente. ATRESIA TRICÚSPIDE: A atresia tricúspide representa a oclusão completa do orifício da valva tricúspide. Resulta, embriologicamente, da divisão desigual do canal AV; assim, a valva mitral é maior que o normal 7 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P e há subdesenvolvimento do ventrículo direito (hipoplasia). A circulação pode ser mantida por shunt direita- esquerda por meio de comunicação interatrial (DSA ou forame oval patente), além de um DSV que conecta o ventrículo esquerdo à artéria pulmonar que se origina no ventrículo direito hipoplásico. A cianose está presente praticamente desde o nascimento e a mortalidade precoce é elevada. LESÕES OBSTRUTIVAS: A obstrução congênita ao fluxo sanguíneo pode ocorrer no nível das valvas cardíacas ou dentro de um grande vaso. Exemplos comuns incluem estenose ou atresia da valva aórtica ou pulmonar e coarctação da aorta. A obstrução também pode ocorrer dentro de uma câmara, como ocorre com a estenose subpulmonar na TDF. COARCTAÇÃO DA AORTA: • A coarctação (estreitamento, compressão) da aorta tem alta frequência entre as anomalias estruturais comuns. • É duas vezes mais comum em homens do que em mulheres; curiosamente, mulheres com síndrome de Turner também costumam ser afetadas. Existem duas formas clássicas: • uma forma “infantil” – muitas vezes sintomática na primeira infância – com hipoplasia tubular do arco aórtico proximal a uma PCA; e • uma forma “adulta” com uma discreta prega semelhante a uma crista da aorta em posição exatamente oposta ao canal arterial fechado (ligamento arterial), distal aos vasos do arco Figura 12.8 A. Esquema da coarctação da aorta com e sem persistência do canal arterial (PCA). B. Coarctação da aorta tipo pós-ductal. A coarctação é um estreitamento segmentar da aorta (seta). Essas lesões costumam se manifestar mais tarde na vida do que as coarctações pré-ductais. A aorta ascendente dilatada e os vasos principais estão à esquerda da coarctação. As extremidades inferiores são perfundidas predominantemente por meio de canais colaterais dilatados e tortuosos. AD, átrio direito; AE, átrio esquerdo; Ao, Aorta; PCA, persistência do canal arterial; TP, tronco pulmonar; VD, ventrículo direito; VE, ventrículo esquerdo. A invasão da luz aórtica é variável, algumas vezes deixando apenas um pequeno canal e outras vezes produzindo apenas um estreitamento mínimo. Embora a coarctação da aorta possa ocorrer como um defeito solitário, em 50% dos casos é acompanhada por uma valva aórtica bicúspide e também pode estar associada a estenose aórtica congênita, DSA, DSV, regurgitação mitral ou aneurismas saculares do polígono de Willis. Morfologia: • A coarctação pré-ductal caracteriza-se pelo estreitamento circunferencial do segmento aórtico entre a artéria subclávia esquerda e o canal arterial; o canal costuma estar patente e é a principal fonte de sangue (não oxigenado) fornecido para a aorta distal. • O tronco pulmonar encontra-se dilatado para comportar o aumento do fluxo sanguíneo; como o lado direito do coração agora perfunde o corpo distal ao segmento estreitado (“coarctado”), o ventrículo direito normalmente está hipertrofiado. • Na coarctação pós-ductal “adulta”, o tipo mais comum, a aorta encontra-se fortemente comprimida por uma crista de tecido adjacente ao ligamento arterial não patente. O segmento comprimido é composto de músculo liso e fibras elásticas derivadas da média da aorta. Em localização proximal à coarctação, o arco aórtico e seus vasos ramificados estão dilatados e o ventrículo esquerdo, hipertrofiado. Características clínicas: • Dependem da gravidade do estreitamento e da patência do canal arterial. 8 Laís Flauzino | ANATOMIA PATOLÓGICA | 7°P • A coarctação da aorta com PCA costuma se manifestar no início da vida; na verdade, pode causar sinais e sintomas imediatamente após o nascimento. • Nesses casos, o fornecimento de sangue não saturado por meio da PCA produz cianose localizada na metade inferior do corpo. • Muitos desses lactentes não sobrevivem ao período neonatal sem intervenção cirúrgica ou por cateter para ocluir a PCA. • A perspectiva é diferente com a coarctação da aorta sem PCA, a menos que a constrição aórtica seja grave. • A maioria das crianças é assintomática e a doença pode não ser reconhecida até a idade adulta. • Normalmente, há hipertensão nas extremidades superiores e pulsos fracos e hipotensão nas extremidades inferiores, associada a manifestações de insuficiência arterial (i. e., claudicação e frio). • O desenvolvimento de circulação colateral entre as artérias pré e pós-coarctação por meio das artérias intercostais e mamárias internas aumentadas é característico, muitas vezes produzindo marcas radiograficamente visíveis (“entalhes”) da superfície inferior das costelas. Com coarctações significativas, sopros estão presentes ao longo da sístole; às vezes, um “frêmito” vibratório também está presente. A sobrecarga de pressão cronicamente leva à hipertrofia concêntrica do ventrículo esquerdo. Com a coarctação da aorta não complicada, a ressecção cirúrgica e a anastomose término-terminal ou a substituição do segmento aórtico afetado por uma prótese apresentam excelentes resultados. ATRESIA E ESTENOSE PULMONAR: • Malformação relativamente frequente que leva à obstrução no nível da valva pulmonar. • Pode ser leve a grave; a lesão também pode ser isolada ou parte de uma anomalia mais complexa – TDF ou TGA. • Em geral, há o desenvolvimento de hipertrofia ventricular direita e, às vezes, há dilatação pós- estenótica da artéria pulmonar devido à lesão da parede por jatos de alta pressão através da valva estenótica. • Com a estenose subpulmonar coexistente (como na TDF), o tronco pulmonar não está dilatado e pode, de fato, ser hipoplásico. • Quando a valva está totalmente atrésica, não há comunicação entre o ventrículo direito e os pulmões. Nesses casos, a anomalia está associada a um ventrículo direito hipoplásico e um DSA; o sangue chega aos pulmões por meio de uma PCA. • A estenose leve pode ser assintomática e compatível com vida longa, enquanto os casos sintomáticos requerem correção cirúrgica. • Quando o VD está gravemente hipoplásico, o sangue pode ser direcionado por meio de cirurgia direto da veia cava para a artéria pulmonar, desviando do lado direito do coração. ATRESIA E ESTENOSE AÓRTICA: • O estreitamento e a obstrução congênitos da valva aórtica podem ocorrer em três locais: valvar, subvalvar e supravalvar. • A estenose congênita da valva aórtica é uma lesão isolada em 80% dos casos. • Com a estenose aórtica valvar, as cúspides podem ser hipoplásicas (pequenas), displásicas (espessadas, nodulares) ou anormais em número (geralmente com uma ou nenhuma comissura). • Na estenose ou atresia congênita aórtica grave, a obstrução da via de saída do ventrículo esquerdo levaà hipoplasia do ventrículo esquerdo e da aorta ascendente, algumas vezes acompanhada por fibroelastose endocárdica densa do ventrículo esquerdo, semelhante a porcelana; o canal arterial deve estar patente para permitir o fluxo sanguíneo para a aorta e artérias coronárias. • A constelação de achados é chamada de síndrome do coração esquerdo hipoplásico e, a menos que a patência da PCA seja preservada, o fechamento do canal na primeira semana de vida costuma ser letal. • Os pacientes afetados necessitam de cirurgias que permitam que o ventrículo direito se torne a bomba para a circulação sistêmica, com os pulmões sendo perfundidos a partir de um “conduíte” paralelo do ventrículo direito ou passivamente a partir das veias cavas. • A estenose subaórtica é causada por um anel ou colarinho espessado de tecido fibroso endocárdico denso abaixo do nível das cúspides. • A estenose aórtica supravalvar é uma displasia aórtica congênita com espessamento e constrição da parede da aorta ascendente. • As mutações no gene da elastina podem causar estenose supravalvar ao interromper as interações elastina-célula do músculo liso durante a morfogênese aórtica. • A estenose subaórtica costuma estar associada a um sopro sistólico proeminente e, às vezes, a um frêmito. • A hipertrofia por pressão do ventrículo esquerdo desenvolve-se como consequência da obstrução ao fluxo sanguíneo; a menos que seja muito grave, a estenose costuma ser bem tolerada, embora a hipertrofia ventricular esquerda ainda acarrete um risco de morte súbita cardíaca. Kumar, Vinay, et al. Robbins & Cotran Patologia: Bases Patológicas das Doenças. Disponível em: Minha Biblioteca, (10th edição). Grupo GEN, 2023.
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