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Realismo Critico e Emancipacao Humana 2015

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Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Índices para catálogo sistemático:
 
 1. Análise de discurso crítica - 410
 2. Meios auxiliares de ensino - gêneros - letramento - 371.3
 3. Formação crítica de professores - 370.7
 Barros, Solange Maria de. 
 Realismo crítico e emancipação humana - contribuições 
ontológicas e epistemológicas para os estudos críticos do discurso /
Solange Maria de Barros 
 
 Coleção: Linguagem e Sociedade Vol. 11
 Campinas, SP : Pontes Editores, 2015. 
	 Bibliografia.
 ISBN 978-85-7113-629-8
1. Análise de discurso crítica 2. Meios auxiliares de ensino - gêneros - 
letramento 3. Formação crítica de professores 
I. Título II. Coleção
Todos os direitos desta edição reservados à Pontes Editores Ltda.
Proibida a reprodução total ou parcial em qualquer mídia 
sem a autorização escrita da Editora.
Os infratores estão sujeitos às penas da lei.
Copyright © 2015 - Solange Maria de Barros
Coordenação Editorial: Pontes Editores
Editoração e capa: Eckel Wayne
Revisão: Pontes Editores
Coleção: Linguagem e Sociedade - Vol. 11
Coordenação da Coleção: Kleber Aparecido da Silva
Conselho editorial:
Adair Vieira Gonçalves (UFGD)
Ana Maria Ferreira Barcelos (UFV)
Carla Reichmann (UFPB)
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Cláudia Hilsdorf Rocha (UNICAMP)
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www.ponteseditores.com.br
Impresso no Brasil - 2015
Em memória do meu querido pai, Benedito Leite de Barros, 
pelo exemplo de solidariedade.
Aos professores e alunos da Escola Estadual Meninos do 
Futuro, pela aprendizagem e experiências colaborativas. 
Duas coisas sempre me enchem a alma de crescente admi-
ração e respeito, quanto mais intensa e frequentemente o 
pensamento delas se ocupa: o céu estrelado acima de mim 
e a lei moral dentro de mim. 
(Immanuel Kant)
SUMáRIO
APRESENTAçãO ................................................................................ 11
PARTE I - REALISMO CRÍTICO 
ALGUMAS TRADIçõES NA FILOSOFIA DA CIêNCIA ................ 17
REALISMO CRíTICO .......................................................................... 22
PRIMEIRA ONDA - REALISMO TRANSCENDENTAL ................. 25
NATURALISMO CRíTICO ................................................................. 37
CRíTICA ExPLANATóRIA ................................................................ 42
SEGUNDA ONDA - REALISMO CRíTICO DIALéTICO ............... 47
TERCEIRA ONDA - REALISMO CRíTICO TRANSCENDENTAL.. 48
METARREALIDADE ........................................................................... 51
PARTE II - ANÁLISE CRÍTICA DO DISCURSO
ACD E A ONTOLOGIA SOCIAL REALISTA ................................... 60
REALISMO CRíTICO E A NEGLIGêNCIA PARA COM A 
SEMIOSE: ALGUMAS IMPLICAçõES PARA A ACD ..................... 62
ESTRUTURAS SOCIAIS, PRáTICAS SOCIAIS E EVENTOS ........ 65
ELEMENTOS DAS PRáTICAS SOCIAIS: GêNERO, 
DISCURSO E ESTILO.......................................................................... 68
LINGUíSTICA SISTêMICO-FUNCIONAL (LSF) E ACD ................ 70
SIGNIFICADO ACIONAL: GêNEROS .............................................. 72
SIGNIFICADO REPRESENTACIONAL: DISCURSO ....................... 74
SIGNIFICADO IDENTIFICACIONAL: ESTILO ............................... 80
DISCURSO E IDEOLOGIA ................................................................. 86
DISCURSO E HEGEMONIA ............................................................... 91
MODELO TRANSFORMACIONAL DA ATIVIDADE 
TExTUAL (MTAT) ............................................................................... 94
PARTE III - ABORDAGEM DE PESQUISA 
ABORDAGEM qUALITATIVA .......................................................... 101
OBSERVAçãO PARTICIPANTE ......................................................... 103
ENTREVISTAS ..................................................................................... 103
NARRATIVAS DE VIDA ..................................................................... 104
ACD E A ABORDAGEM CRíTICO-REALISTA ................................ 106
PARTE IV - EXPERIÊNCIAS NA ESCOLA MENINOS 
DO FUTURO (CENTRO SOCIOEDUCATIVO DO POMERI)
REFLExãO INTRODUTóRIA ............................................................ 115
TEORIA CRíTICA DA SOCIEDADE MODERNA ............................. 116
FORMAçãO CRíTICA DE EDUCADORES DE LíNGUAS ............ 119
A ESCOLA............................................................................................. 122
OS PROFESSORES E A FORMAçãO CONTINUADA ................... 123
SEMINáRIO DE LITERATURA ......................................................... 125
PROJETO SALA DO EDUCADOR ..................................................... 129
LETRAMENTO CRíTICO ................................................................... 134
OS ALUNOS ........................................................................................ 147
SóCRATES, PLATãO E ARISTóTELES............................................ 151
AINDA NãO é UM PONTO FINAL... ................................................ 167
CONSIDERAçõES FINAIS................................................................. 169
BIBLIOGRAFIA ................................................................................... 173
11
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
APRESENTAçãO
A ideia de escrever este livro emergiu com os estudos 
de pós-doutoramento realizados no Instituto de Educação da 
Universidade de Londres, sob a orientação de Roy Bhaskar 
(2012-2013).	Procurei	associar	a	filosofia	do	realismo	crítico	
(RC) e a abordagem teórico-metodológica da análise crítica 
do discurso (ACD), com o objetivo de apontar a relevância 
da ontologia e da epistemologia para os estudos críticos do 
discurso.	As	reflexões	aqui	desfiladas	servem	como	subsídio	
para pesquisadores interessados em realizar estudos com base 
no RC e ACD. 
A abordagem realista, no entendimento embasado por 
Collier (1994), postula uma forma de realismo moral. A satisfa-
ção, os desejos e as necessidades devem ser vistos como ques-
tões prioritárias, não podendo ser apresentados apenas como 
fatos. Para esse autor, construir um projeto de transformação 
social impõe considerar a forma mais alternativa e transparente 
da vida em sociedade, visando a um futuro melhor. 
A abordagem da ACD está em consonância com o RC 
por entender o mundo social como um sistema aberto, em 
constantes transformações. A ACD se assenta numa ontologia 
social realista, uma vez que considera os eventos e as estruturas 
sociais como parte da realidade. A ACD propõe questionar a 
vida social em termos políticos e morais, isto é, à luz da justiça 
e do poder, buscando contribuir para a superação das desigual-
dades e injustiças presentes na sociedade. O pesquisador, aqui, 
não é neutro; ao contrário, deve ser crítico e transformador. 
12
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
A primeira parte do livro é dedicada ao RC. Inicialmen-
te, teço breves considerações acerca das tradições existentes 
na	filosofia	da	ciência.	Em	seguida,	apresento	o	pensamento	
filosófico	do	RC	formulado	por	Roy	Bhaskar.	Engloba	três	
ondas. A mais densa está subdividida em 1) realismo trans-
cendental;2) naturalismo crítico; e 3) crítica explanatória. A 
segunda onda, denominada realismo crítico dialético, expõe 
uma	metacrítica	das	filosofias	anteriores,	seguindo	os	domínios	
do ontológico, do epistemológico e do ético. Finalmente, a 
terceira	marca	definitivamente	o	interesse	do	filósofo	para	as	
questões espirituais. 
A segunda parte destina-se à ACD. Primeiramente, em-
preendo sucinta explanação sobre esta abordagem. Exponho 
algumas observações sobre a aproximação entre a ACD e RC, 
não sem destacar a negligência dos realistas críticos para com os 
estudos da semiose. Entreabro uma discussão teórica proposta 
por Fairclough (2003a) entre a ACD e a Linguística Sistêmico-
Funcional (LSF). Esse autor propõe uma articulação entre as 
macrofunções de Halliday (1994) e os conceitos de gêneros, 
discursos e estilos, sugerindo, em substituição às macrofunções 
da	linguagem	de	Halliday,	os	três	tipos	de	significados:	acional, 
representacional e identificacional. Exponho ainda o modelo 
transformacional da atividade textual (MTAT). 
A terceira parte é dedicada à abordagem qualitativa 
de pesquisa. Descortino algumas considerações relativas à 
pesquisa em ACD. Argumento que esse tipo de abordagem 
arquiva três conjuntos de decisões, relacionados com a on-
tologia, a epistemologia e a metodologia. As pesquisas em 
ACD procuram desvelar problemas sociais materializados 
em textos orais ou escritos. O modelo de análise proposto 
por Chouliaraki e Fairclough (1999) e Fairclough (2010) é 
baseado na crítica explanatória de Bhaskar (1998), formulado 
em cinco estágios. Neste trabalho, apresento mais um estágio 
(Estagio 6). 
13
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
A	quarta	e	última	se	volta,	em	específico,	às	experiências	
realizadas, desde 2006, na escola Meninos do Futuro. Exponho 
algumas pesquisas efetuadas na escola. Elas me permitiram 
compreender o sentido primacial da formação continuada no 
próprio contexto da escola. 
PARTE I
REALISMO CRÍTICO 
17
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
ALGUMAS TRADIçõES NA 
FILOSOFIA DA CIêNCIA 
Desde	os	gregos,	duas	correntes	filosóficas	sempre	es-
tiveram no centro das discussões acerca do conhecimento: o 
racionalismo e o empirismo. O racionalismo dominou forte-
mente a França e Alemanha. Na Inglaterra, o empirismo se 
tornou hegemônico. 
Para os racionalistas, a razão era fonte principal do 
conhecimento. René Descartes ([1596–1650] 2002) foi o 
fundador do racionalismo. Sempre convicto de que, através 
da razão, se chegava ao conhecimento, muito semelhante à 
matemática. Muitos anos depois, já na época de Kant, a me-
cânica	newtoniana,	tida	por	grande	avanço	científico,	passou	
a desconsiderar o racionalismo cartesiano. 
Já os empiristas, como o próprio nome diz, consideravam 
a “experiência” como a fonte segura de todo o conhecimento. 
Locke (1632–1704, apud PéREZ, 1988, p. 170) assegurou 
que a mente humana era uma “tábua limpa na qual nada está 
escrito”. é a partir da experiência que o sujeito começa a for-
mar ideias mais simples e mais complexas. O método utilizado 
pelos empiristas era o indutivo, ou seja, as leis universais eram 
conseguidas com base em enunciados particulares – alguma 
observação/experimentação. 
O	filósofo	do	pensamento	empirista	moderno	foi,	sem	
sombra de dúvida, David Hume ([1721-1776]1985, p. 24). 
Para ele, o conhecimento deveria partir dos sentidos, opondo-
18
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
se ao racionalismo cartesiano, que acreditava que o conheci-
mento derivava da razão. Todo o conhecimento, portanto, se 
baseava na experiência. Tomemos um exemplo: um remédio 
x pode eliminar a dor de cabeça. Depois de ser experimentado 
por uma pessoa e obter resultado positivo, provavelmente a 
pessoa volta a sentir a mesma dor. 
Para os empiristas, o que mais rege o conhecimento é o 
costume ou hábito. O hábito, no pensamento de Hume, é o 
princípio em que uma simples constatação e sucessão entre 
dois fenômenos eram considerados “causa” e “efeito”. Ou seja, 
após a realização de determinada experiência, poderia retê-la 
na memória e, ao realizar ação semelhante, teria a capacidade 
de associá-la à primeira experiência. “Se pensarmos em uma 
ferida,	dificilmente	nos	abstemos	de	refletir	sobre	a	dor	que	
se lhe segue” (HUME, 1985, p. 30).
Para	este	filósofo,	os	objetos	do	conhecimento	são	even-
tos atômicos, ou seja, os fatos e suas constantes conjunções 
de eventos sucedem de maneira constante e fragmentaria-
mente. A ciência é apreendida como a sistematização rígida 
e	metódica	da	experiência,	uma	vez	que	organiza,	classifica,	
correlaciona os fatos, fornecendo ao pesquisador o “domí-
nio” sobre o mundo. é vista, portanto, como uma espécie de 
resposta automática para estímulos de determinados fatos e 
suas conjunções. Nesse caso, a ciência torna-se uma espécie 
de “epifenômeno da natureza” (BHASKAR, 1998, p. 19). 
Kant, seguidor de Hume, embora comungasse das ideias 
do empirismo, acabou trilhando caminhos diferentes. Em sua 
obra intitulada Crítica da razão pura ([1781]1987), centrou 
seu interesse no conhecimento. Em suas palavras:
que todo o nosso conhecimento começa com 
a experiência, não há dúvida alguma, pois, 
do contrário, por meio do que a faculdade de 
conhecimento deveria ser despertada para o 
19
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
exercício senão através de objetos que tocam 
nossos sentidos e em parte produzem por si 
próprios representações, em parte põem em 
movimento a atividade do nosso entendimento 
para compará-las, conectá-las ou separá-las 
e, desse modo, assimilar a matéria bruta das 
impressões sensíveis a um conhecimento dos 
objetos que se chama experiência? Segundo o 
tempo, portanto, nenhum conhecimento em nós 
precede a experiência, e todo ele começa com 
ela. Mas embora todo o nosso conhecimento 
comece com a experiência, nem por isso todo 
ele se origina justamente da experiência. Pois 
poderia bem acontecer que mesmo o nosso co-
nhecimento de experiência seja um composto 
daquilo que recebemos por impressões e daquilo 
que a nossa própria faculdade de conhecimento 
(apenas provocada por impressões sensíveis) 
fornece de si mesma, cujo aditamento não 
distinguimos daquela matéria-prima antes que 
um longo exercício nos tenha tornado atentos 
a ele e nos tenha tornado aptos à sua abstração. 
(KANT, [1781] 1987, p. 1. Grifo no original)
Mesmo se alinhando ao empiricismo de Hume e Locke, 
Kant assegurou que certas condições existem a priori para que 
as impressões sensíveis se convertam em conhecimento. Por 
conhecimentos a priori, Kant quer referir “não os que ocor-
rem de modo independente desta ou daquela experiência, mas 
absolutamente independente de toda experiência” (KANT, 
[1781] 1987, p. 3. Grifo no original). Para ele, existe uma 
realidade externa independente do sujeito, denominando-a 
de coisas em si ou númeno (noumena)1. Embora tivesse ade-
1 Conforme Kant (1987, KrV, B 347), númeno (noumena) se refere ao “[...] objeto(s) 
de um conceito para o qual não se pode obter absolutamente nenhuma intuição cor-
respondente é = nada, isto é, um conceito sem objeto, como os noumena, que não 
podem ser contados entre as possibilidades, embora nem por isso tenha que fazer-se 
passar por impossíveis (ens rationis) [...]”. São independentes da sua relação com a 
nossa sensibilidade. 
20
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
rido à metafísica, Kant negou a possibilidade de conhecer as 
coisas em si. 
Ele	chamou	isso	de	filosofia	transcendental. Conforme 
o autor:
[...]denomino transcendental todo o conhecimento 
que em geral se ocupa não tantocom os objetos, 
mas com nosso modo de conhecimento de objetos 
na medida em que este deve ser possível a priori. Um 
sistema de tais conceitos denominar-se-ia filosofia	
transcendental [...]. (KANT, [1781] 1987, p. 26. 
Grifo no original)
Para ele, as coisas em si permaneceriam em uma zona 
cognitiva e, mesmo assim, existiria conhecimento verdadeiro 
(intersubjetivamente) das coisas para nós. A Figura 1 abaixo, 
representa esquematicamente como a coisa em si se tornava 
em a coisa para nós, como o “númeno” incognoscível se 
transformava no fenômeno–o objeto do conhecimento. 
Fig.1- Do númeno incognoscível para o fenômeno
(baseado em Kant ([1781] 1987) 
21
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Na visão de Kant, o espaço e o tempo não representavam 
propriedades das coisas em si, não dependiam do mundo 
externo. Eram o único modo como podíamos representar 
os fenômenos, constituindo-se nas condições necessárias 
e universais de qualquer percepção possível. Estava assim 
justificada	a	emissão	de	juízos	sintéticos a priori sobre eles. 
“Logo, unicamente nossa explicação torna concebível a pos-
sibilidade da Geometria como um conhecimento sintético a 
priori” (KANT, 1987, p. 42).
Nesse sentido, a característica fundamental do pensa-
mento de Kant é a negação de que apenas o conhecimen-
to das conjunções de eventos possa esgotar tudo o que 
pertence ao mundo objetivo, na esteira do que defendia 
Hume. Na visão de Kant, os objetos de conhecimento são 
construtos	artificiais	da	mente	humana	que	se	desenvolvem	
na consciência dos indivíduos. A ciência se torna possível 
porque a consciência individual encerra a função sintetiza-
dora, portanto fornece as formas “a priori” da percepção 
sensível (espaço e tempo) e da compreensão (quantidade, 
qualidade, causalidade, etc.).
Essas	 duas	 tradições	 filosóficas,	 explicitadas	 acima,	
acabaram	sendo	relegadas	por	acreditarem	na	identificação	
da	realidade	por	meio	da	experiência	positiva	e	superficial.	
A ciência é, portanto, uma sistematização metódica da expe-
riência,	cuja	organização	e	classificação	dos	fatos	fornecem	
um total domínio sobre o cosmo. Carrega sempre a fórmula 
“se...então...”. 
A	corrente	mais	contemporânea	e	crítica	das	filosofias	
positivistas e pós-modernistas tem sido uma alternativa para 
as ciências naturais e sociais, privilegiando essencialmente a 
ontologia. 
22
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
O realismo transcendental2, liderado pelo britânico Roy 
Bhaskar, em seu primeiro trabalho intitulado A Realist Theory 
of Sciense3 ([1975]1978), foi a pedra fundamental para as dis-
cussões inerentes às ciências naturais e sociais, com destaque 
à	ontologia.	O	filósofo	rejeita	a	ciência	como	uma	sucessiva	
conjunção de eventos. Os objetos de conhecimento não são 
meros eventos (empirismo), nem fenômenos compreendidos 
por meio de construções mentais (idealismo). A rejeição pela 
conjunção sucessiva de eventos não é mais relevante para a 
formulação	de	leis	científicas	universais.	Ao	contrário,	elas	
passam a ser denominadas “tendências”, pois são elas que 
determinam como a realidade (fatos, acontecimentos) vai se 
comportar. 
A	seguir,	apresento	o	pensamento	filosófico	do	realismo	
crítico formulado por Roy Bhaskar. 
Realismo crítico
O	RC	tem	como	expoente	o	filósofo	inglês	Roy	Bhaskar.	
Considerado	movimento	internacional	na	filosofia	e	nas	ciên-
cias humanas, sendo uma alternativa para as ciências naturais 
e sociais, sobrelevada a ontologia –questão do ser –, em que 
o real é mais denso, ou seja, consiste em um mundo objetivo 
que distingue uma superfície de algo ainda mais profundo. O 
realismo crítico advoga uma ontologia não empiricista, em 
que o mundo não é feito somente de acontecimentos, ou fatos. 
Conforme o sociólogo Vandenberghe (2010), o RC abriga 
caráter	 interdisciplinar,	 por	 considerar	 as	 reflexões	 sólidas	
concernentes	à	ontologia,	tanto	no	domínio	da	filosofia	quanto	
no das ciências humanas. 
2 O termo transcendental alude a tudo que não pode ser compreendido. é parte do do-
mínio	dos	conceitos	considerados	infinitos,	ou	seja,	de	se	referir	ao	plano	metafísico.
3 Uma teoria realista da ciência. 
23
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Na condição de filosofia de cunho emancipatório 
(BHASKAR, 1998), o realismo crítico tem servido de base 
para	uma	reflexão	teórica	e	metodológica	de	muitos	cientis-
tas sociais, que buscam compreender as inter-relações entre 
indivíduos e sociedade. 
Bhaskar (1998) denomina de “falácia epistêmica” as pro-
posições sobre o “ser”. Para ele, há um equívoco metafísico 
em querer adotar questões ontológicas como epistemológicas. 
Esse pensamento errôneo conduziu à dissolução da ontologia. 
Na	visão	do	filósofo,	 os	 objetos	 de	 conhecimento	não	 são	
os fatos ou eventos atômicos (empirismo), nem fenômenos 
apreendidos por meio de construções mentais (idealismo), 
“mas estruturas4 reais que operam e agem no mundo indepen-
dentemente do nosso conhecimento, da nossa experiência” 
(BHASKAR, 1998, p. 19). 
Se o mundo é constituído de mecanismos, e não de 
eventos,	então	eles	geram	fluxos	de	eventos,	formando,	con-
sequentemente, os acontecimentos do mundo a nosso redor. 
Conforme o autor, os mecanismos agem independentemente 
dos seres humanos (agentes causais). é por essa razão que 
ele assegura não sermos totalmente livres. “Essa é a árdua 
tarefa da ciência: a produção do conhecimento sobre aqueles 
mecanismos da natureza, duradouros e continuamente ativos, 
que produzem os fenômenos do nosso mundo” (BHASKAR, 
[1975]1978, p. 47). 
Fenômenos	sociais	são	significativos	e,	portanto,	devem	ser	
compreendidos, e não medidos. Nesse sentido, é preciso entender 
que,	no	realismo	crítico,	qualquer	tipo	de	significado	vai	exigir	
uma	visão	interpretativa	da	parte	do	pesquisador.	Significa	tam-
4 Por estruturas se entende qualquer rede de relações, a depender da posição que cada 
um ocupa nessa rede. As estruturas são sempre organizadas de acordo com os elemen-
tos de cada sistema (sistema bancário, educacional, etc.). Elas têm potencialidades 
inerentes, as quais se manifestam por meio de mecanismos de causação, ou seja, 
poderes causais próprios. 
24
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
bém dizer que o realismo crítico é parcialmente naturalista, pois, 
embora recorra aos mesmos métodos da ciência natural para a 
explicação causal, diverge no que se refere à visão interpretativa 
(SAYER, 2000). Da mesma forma, entende ser compatível a ado-
ção	ampla	de	métodos	de	pesquisa,	como	a	etnografia,	a	análise	
de	discurso,	etc.,	pontuando	que	a	definição	por	determinado	
método vai depender da natureza do objeto de estudo. 
O RC busca compreender as conexões entre os fenôme-
nos, e não as regularidades entre eles. Reconhece a necessi-
dade	de	interpretar	significados,	ainda	que	não	seja	uma	saída	
única para as explicações causais, considerando que razões 
podem ser causas. é caracterizado também pela “emergência”, 
ou seja, quando duas ou mais características de determinado 
fenômeno dão origem a outros novos que emergem. Por 
exemplo, fenômenos sociais são emergentes de fenômenos 
biológicos que, de sua vez, são emergentes de estratos do 
físico e do químico (BHASKAR, 1998). 
Na visão de Outhwaite (1983, p. 322), o RC vê a ciência 
“como uma atividade humana que visa descobrir uma mistura 
de experimentação e razões teóricas, as entidades, estruturas 
e mecanismos (visíveis ou invisíveis) que existem e operam 
no mundo”. 
Nessa mesma esteira, Vanderberghe (2010) entende a ci-
ência como um trabalhador das minas que está sempre cavando 
mais profundamente, movendo-se de um estrato da realidade 
para outro (dimensão vertical), descobrindoa cada estrato 
uma multiplicidade de mecanismos gerativos que explicam a 
relação entre os eventos (dimensão horizontal). Conforme esse 
autor,	ao	final	de	todo	o	processo	de	escavação,	finalmente	a	
ciência consegue descobrir a base de todos os seres, revelando 
o mistério do próprio ser. 
O RC, conforme disse antes, se apresenta em três ondas. 
A primeira, correspondente à mais densa, está subdividida 
25
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
em 1) realismo transcendental; 2) naturalismo crítico; e 3) 
crítica explanatória. 
Primeira onda 
Realismo transcendental 
Para o realismo transcendental, qualquer teoria dizente 
do conhecimento pressupõe algo sobre o mundo e como este 
deve ser para que o conhecimento seja possível. Isso implica 
necessariamente alguma proposição sobre o ser, e não apenas 
o conhecimento sobre o ser, porquanto os objetos de inves-
tigação	 científica	 existirão	 independentemente	 de	qualquer	
atividade ou pensamento.
O realismo transcendental se caracteriza por alguns 
princípios fundamentais, tais como: (1) objetividade – quando 
algo é real, mesmo não sendo conhecido; (2) falibilidade – as 
proposições se referem não a dados aparentes, infalíveis ou 
incorrigíveis, mas a alguma coisa que vai além; (3) transfe-
nomenalidade – quando se ultrapassa as aparências, ou seja, 
o conhecimento pode não apresentar o que parece ser, pois as 
estruturas subjacentes perduram em relação às aparências; (4) 
contrafenomenalidade –quando o conhecimento da estrutura 
profunda pode também contradizer as aparências. 
Na compreensão de Bhaskar (1998), o realismo trans-
cendental considera os objetos do conhecimento como es-
trutura e mecanismos que geram fenômenos. Esses objetos 
não são fenômenos (empirismo), nem construções mentais 
impostas ao fenômeno (idealismo), mas estruturas reais que 
operam independente do nosso conhecimento. Segundo o 
filósofo,	contra	o	empirismo,	os	objetos	de	conhecimento	
são estruturas e não uma conjunção constante de eventos. 
Em suas palavras: 
26
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
A necessidade de distinções categóricas entre estru-
turas e eventos, e entre sistema aberto e fechado são 
índices	de	estratificação	e	diferenciação	do	mundo,	
ou	seja,	da	ontologia	filosófica	realista	transcenden-
tal. (BHASKAR, 1998, p. 22)
Bhaskar	sustenta	que	as	práticas	científicas	devem	ser	
estudadas transcendentalmente. Na linha do autor, toda e qual-
quer	prática	científica	pressupõe	uma	visão	de	mundo	antes	
mesmo da investigação. A esse entendimento, ele formula a 
seguinte pergunta: “Como deve ser o mundo para que a ciência 
seja possível?” (BHASKAR, [1975] 1978, p. 36). A resposta 
para	essa	questão	filosófica	ele	dá	o	nome	de	ontologia.	
Bhaskar desenvolve uma crítica às visões racionalistas 
e	empiristas	de	ciência.	O	filósofo	procura	demonstrar	que	a	
teoria humiana de leis causais levou a uma deterioração da pró-
pria teoria e, de consequência, da questão ontológica. Elabora 
uma nova alternativa de explicação da ciência, valorizando a 
“ontologia”, antes desprestigiada pelas correntes positivistas 
e empiristas. Seu pensamento no tocante ao realismo trans-
cendental encarta como objetivo atingir as ciências naturais. 
 A origem do termo realismo transcendental é explicado 
pelo autor.
Denominei minha filosofia geral de ciência de 
“realismo	transcendental”	e	minha	filosofia	especí-
fica	das	ciências	humanas	de	“naturalismo	crítico”.	
Gradualmente, as pessoas começaram a misturar os 
dois e referir-se ao híbrido como “realismo crítico”. 
Ocorreu-me que havia boas razões para não objetar 
ao hibridismo. [...] de início, Kant designou seu 
idealismo	 transcendental	 de	 “filosofia	 crítica”.	O	
realismo transcendental tinha o mesmo direito ao 
título de realismo crítico. Além disso, em minha 
definição	de	naturalismo	equivalia	ao	realismo,	de	
27
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
modo	que	qualificá-lo	compo	 realismo	crítico	 fez	
tanto	sentido	quanto	qualificá-lo	como	naturalismo	
crítico ( BHASKAR, 1998, p. 190). 
Ao defender a ontologia, Bhaskar argumenta que as 
práticas	científicas	devem	ser	estudadas	transcendentalmente.	
A	essa	luz,	toda	e	qualquer	prática	científica	pressupõe	uma	
visão de mundo antes mesmo da investigação. Com esse 
entendimento, ele formula a seguinte pergunta: “Como deve 
ser o mundo para que a ciência seja possível?” (BHASKAR, 
[1975]	1978,	p.	36).	A	resposta	para	essa	questão	filosófica,	
confere o nome de ontologia5. 
A ciência deve servir para revelar algo que sirva para 
transformar a realidade social. Porém, a realidade adota dimen-
sões profundas, as quais não são diretamente observáveis. é 
dizer sobre “algo que está abaixo da superfície”, ou seja, que 
existe alguma coisa mais profunda que não é possível desco-
brir. é isso que interessa aos pesquisadores que comungam 
o pensamento do realismo crítico. O conhecimento precisa 
fazer sentido para que a realidade possa ser transformada. é 
preciso penetrar nas raízes dos problemas sociais, com suas 
estruturas, mecanismos e poderes, visualizando, assim, uma 
crítica explanatória6 que possa gerar argumentos críticos a 
favor da transformação social. 
5	 É	um	campo	da	filosofia	que,	tradicionalmente,	trata	de	objetos	do	mundo	real	e	suas	
estruturas, propriedades, poderes causais (Dictionary of critical realism, editado por 
Merving Hartwig, 2007). A aparição do termo data do século xVII, e corresponde a 
divisão que Christian Wolff realizou quanto a metafísica, seccionando-a em metafísica 
geral (ontologia) e as especiais (Cosmologia Racional, Psicologia Racional e Teo-
logia	Racional).	Embora	haja	uma	especificação	quanto	ao	uso	do	termo,	a	filosofia	
contemporânea entende que Metafísica e Ontologia são, na maior parte das vezes, 
sinônimos, muito embora a metafísica seja o estudo do ser e dos seus princípios gerais 
e primeiros, sendo portanto, mais ampla que o escopo da ontologia (Wikipédia, 2014). 
qualquer prática humana pressupõe uma imagem de mundo. Negar a existência da 
ontologia é bloquear a possibilidade de conhecimento do mundo Real.
6 Conceito usado para enfatizar a estreita conexão lógica entre algumas formas de 
explicação do social e a adoção de um ponto de vista crítico em relação ao fenômeno 
explicado.
solangem
Realce
28
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Em suas palavras, 
a ciência é, de fato, um processo contínuo, 
mas é um processo com um propósito central: 
aprofundar o conhecimento dos mecanismos 
transfactualmente ativos sempre mais profun-
dos da natureza [e da sociedade]. (BHASKAR, 
1986, p. 50).
Bhaskar (1978) esclarece que o mundo é um sistema aber-
to, cujos inúmeros fatores operam ao mesmo tempo. Conforme 
o	filósofo,	todas	as	ciências	–	naturais	ou	sociais–	possuem	
uma dimensão intransitiva e uma transitiva. Os objetos de 
conhecimento – físicos ou sociais – formam a dimensão 
intransitiva da ciência. As teorias, discursos e recursos (mé-
todos) da ciência são parte da dimensão transitiva. O objeto 
da dimensão transitiva é a causa material7. 
Nessa perspectiva, a construção do conhecimento traduz 
uma atividade transitiva, ou seja, depende de conhecimentos 
anteriores e da atividade do ser humano. Porém, há objetos 
intransitivos que existem anteriormente à pesquisa, cuja rea-
lidade independe de nosso conhecimento. O quadro 1 ilustra 
as duas dimensões entreabertas por Bhaskar (1978).
DIMENSÃO 
TRANSITIVA 
DIMENSÃO 
INTRANSITIVA 
	Teorias	científicas,	discursos	e	
métodos	científicos.	
Objetos da ciência 
(físicos ou sociais)
(tudo que estudamos/pesquisa-
mos no mundo)
Quadro 1 – Dimensões transitiva e intransitiva da ciência
7 Conforme o autor, inclui “[...]fatos, teorias, paradigmas, modelos e métodos de 
investigação	previamente	estabelecidos,	disponíveis	para	uma	corrente	científica	ou	
cientista em particular” (BHASKAR, 1978, p. 21). 
29
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Bhaskar denomina a existência dessas duas dimensões 
como	“o	paradoxo	da	ciência”.	Para	ele,	a	filosofia	da	ciência	
precisa saber lidar com este paradoxo: de um lado, o conheci-
mento é produzido por seres humanos – sofás, livros, cadeiras, 
carros, computadores, etc. De outro, ele trata de coisas que 
independem da ação dos seres humanos, não são produzidos 
por eles. Ele assegura que, 
se os homens deixassem de existir, o som continuaria 
a se propagar e os corpos pesados continuariam a 
cair no chão exatamente da mesma maneira, embo-
ra, por hipótese, não haveria ninguém para sabê-lo 
(BHASKAR, 1978. p. 21)
Uma atividade de pesquisa experimental como a física, 
biologia, etc., pressupõe o caráter estruturado dos objetos in-
vestigados, sob condições experimentais. Nos sistemas fecha-
dos, as conjunções ou a sequência de eventos ocorrem e devem 
ser experimentalmente estabelecidas. Em suas palavras: 
a inteligibilidade de uma atividade experimental 
pressupõe independência categórica das leis causais, 
descobertas dos padrões de eventos produzidos. Ao 
repetir um experimento nós produzimos um padrão 
de	eventos	para	identificar	a	lei	causal,	mas	nós	não	
produzimos	a	lei	causal	identificada.	(BHASKAR,	
1978, p. 34)
O pesquisador é o agente causal de uma sequência de 
eventos, mas não da lei causal, em virtude de ter sido produ-
zido sob condições experimentais.
Conforme Sayer (2000, p. 15), no sistema aberto do 
mundo social, “o mesmo poder causal pode produzir diferen-
tes resultados”. Por exemplo, a competição econômica pode 
levar as empresas a se reestruturar e a inovar, ou a se fechar. 
30
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Às vezes, diferentes mecanismos causais podem produzir o 
mesmo resultado. Alguém pode perder o emprego por uma 
variedade de razões. Os eventos não são predeterminados antes 
de acontecer, mas dependem de condições contingenciais. No 
sistema aberto, a conjunção ou a sequência de eventos é pre-
visível. “Tem uma profundidade ontológica: eventos nascem 
de mecanismos os quais derivam de estruturas dos objetos, 
e eles ocorrem dentro de contextos geo-históricos” (SAYER, 
2000, p. 15). 
Danemark, Ekstron, Jakobsen e Karlsson (2002) revelam 
um experimento feito pelo Dr. Otto Loewi, no qual é possível 
entender de que maneira e por que existem, a um só tempo, 
diferenças distintas entre ciência natural e ciência social – 
sistemas abertos e fechados. 
Conforme os autores, antes de Loewi realizar seu expe-
rimento, o pesquisador acreditava que o centro nervoso das 
funções do organismo trabalhava diretamente na forma de 
impulsos elétricos. Porém, essa explanação era problemática, 
uma vez que os impulsos tinham efeitos em diferentes órgãos. 
Certas drogas eram conhecidas por possibilitar o mesmo 
efeito. Loewi imaginava que essas substâncias fossem talvez 
encontradas em nervos terminais. No caso do impulso elétrico, 
começaria uma reação química, afetando o músculo. 
Anos mais tarde, Loewi sonhou com seu experimento, 
resultando	em	uma	grande	descoberta	científica.	Foi	até	seu	
laboratório em plena noite, pegou dois corações de rãs, um 
deles perfeito, outro sem os nervos. Colocou o primeiro 
coração em uma solução com sal, a qual estimulou o nervo, 
obtendo uma diminuição no número de batidas do coração. Se 
sua hipótese estivesse correta, uma substância química teria 
sido liberada e estaria presente na solução, a qual seria capaz 
de afetar o outro coração, mesmo sem o nervo. 
31
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
é possível imaginar, conforme Danemark, Ekstron, 
Jakobsen e Karlsson (2002), a emoção que Loewi sentiu ao 
aplicar a solução de sal no segundo coração? As batidas do 
coração seriam reduzidas ou não? Foi fácil imaginar a alegria 
da descoberta que Loewi sentiu quando o ritmo foi reduzido, 
como se o nervo não tivesse sido estimulado. Ele concluiu 
que a substância química operava através do músculo. Em 
seguida, variou o experimento ao estimular, em uma nova 
solução com sal, o nervo que teve um efeito rápido. Ao co-
locar o coração sem os nervos na solução com sal, seu ritmo 
também aumentou. 
Loewi estava convicto de que o mecanismo ativo é a 
substância química iniciada pelo impulso nervoso, o qual 
atua no músculo. Os eventos do experimento de Loewi con-
duziram a uma discussão, segundo os autores, sobre o papel 
do inconsciente no processo criativo. O que Loewi realmente 
fez? E por que foi tão difícil descobrir como desenvolver o 
experimento? 
Conforme Danemark, Ekstron, Jakobsen e Karlsson 
(2002, p. 20), 
o experimento pode ser descrito como uma inter-
venção ativa na realidade. Ao realizar uma série de 
eventos, Loewi interferiu ele mesmo no curso da 
natureza. O propósito do experimento foi descobrir, 
detectar, revelar, procurar etc. alguma coisa sobre a 
realidade que ainda não era conhecida, algo que não 
poderia ser observado sem grande esforço.
Para esses autores, a manipulação de eventos precisa 
acontecer. E, conforme a manipulação sistemática, a realida-
de reage e fornece ao pesquisador algum resultado – no caso 
de Loewi –, levaram dezessete anos para descobrir como ele 
pôde realizar tal experimento. é a partir dos resultados que o 
32
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
pesquisador	consegue	construir	teorias	científicas,	sendo	essas	
incluídas em nossa concepção de realidade. 
Alicerçado	num	experimento	científico,	é	possível	con-
cluir, conforme esses pesquisadores que: (i) existe uma realida-
de independente de nosso conhecimento; (ii) a maneira como 
essa realidade se comporta não é facilmente observada. Se 
tudo fosse transparente, não haveria, portanto, a necessidade 
da ciência. A realidade (Real) não é cristalina, esconde poderes 
e mecanismos que não podemos enxergar. Contudo, podemos, 
indiretamente, experienciar pela habilidade de “causalidade”8, 
ou seja, podemos fazer com que as coisas aconteçam a nosso 
redor. O que realmente ocorre no mundo não é o mesmo que 
está sendo observado. 
é impossível, então, pensar em uma ciência sem objetos 
transitivos e intransitivos. O estudo dos objetos intransitivos 
da ciência recebe o nome de “ontologia”. Conforme Bhaskar 
(1978, p. 13), a dimensão intransitiva implica três níveis de 
realidade, quais sejam:
•	 o Real9 ou mecanismos causais, poderes, tendências, etc. 
é o que a ciência deve procurar descobrir; 
•	 o Realizado ou acontecimentos observáveis, sequência de 
eventos, pode ser produzido sob condições experimen-
tais ou ocorrer em conjunturas mais complexas, fora do 
laboratório;
•	 o Empírico (fatos ou eventos observados) deve ser somente 
um subconjunto de “b”. 
8 Está basicamente relacionada ao poder do indivíduo para realizar alguma mudança. 
9 No original: Real, Actual and Empirical. Opto pelos termos Real, Realizado e Empí-
rico. Reconheço que os estratos do Realizado e Empírico também são “reais” porque 
estão relacionados aos poderes dos objetos sociais, bem como ativados em eventos. 
 Potencialidades podem ou não ser exercitadas. 
solangem
Realce
33
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Enquanto o Realismo Empírico10 vê o mundo como 
objetos atomísticos, eventos e regularidades entre eles, como 
se não tivessem nenhuma estrutura e poderes, o Realismo 
Crítico, ao contrário, distingue não apenas o mundo e nossa 
experiência, mas também o Real, o Realizado e o Empírico 
(BHASKAR, 1978,p. 13). 
Na	esteira	desse	filósofo,	o	domínio	do	Real pode ser en-
tendido como tudo que existe na natureza, sejam eles objetos 
naturais – estruturas atômicas e estruturas químicas –, sejam 
sociais – ideias, relações sociais, modos de produção, etc. O 
Real é formado por estruturas, com poderes causais próprios. é 
apenas investigando determinado fenômeno que será possível 
distinguir estruturas (domínio do Real) de eventos (domínio 
do Realizado). Estruturas podem ser compreendidas como 
redes de relações, vinculadas a um conjunto de elementos, 
definidos	pelas	posições	que	ocupam	nessas	redes	de	relação.	
As estruturas têm potencialidades inerentes, que se manifestam 
através de mecanismos de causação. 
O domínio do Realizado consiste de eventos ou ativida-
des que são realizados e, portanto, geram efeitos de poder, 
podendo ser observáveis ou não. Esse domínio ocorre quando 
os poderes são ativados. Se tomarmos como exemplo um 
trabalhador, sua força ou capacidade física de desempenhar 
determinado tipo de trabalho se concentra no nível do Real, 
ao passo que o exercício desse poder e seus efeitos pertencem 
ao domínio do Realizado.
O domínio do Empírico–acontecimentos/fatos observá-
veis – é entendido como o domínio da experiência. 
Na visão de Brown (2009), ao referir-se às crenças dos 
alunos sobre a aprendizagem, poder-se-ia dizer que as crenças 
dos alunos sobre a aprendizagem se concentram no domínio 
10	 	Corrente	filosófica	defendida	por	Kant	que	trata	da	existência	de	uma	realidade	que,	
por ser exterior à consciência, seria impossível de conhecer. 
34
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
do Real. Ao serem exercitadas por meio dos eventos (median-
te comportamentos), elas passam a pertencer ao domínio do 
Realizado. A depender da habilidade do professor, os eventos 
podem ser notados ou experienciados por ele (domínio da 
experiência). Nesse contexto, é relevante que o professor 
esteja consciente acerca das crenças e das concepções que 
possam existir, uma vez que elas podem estar afetando a 
aprendizagem dos alunos. 
Ao considerar a estrutura da língua, poder-se-ia dizer 
também que, como geradora de uma gramática e de vocabu-
lário, ela se concentra no nível do Real. Já a fala está centrada 
no nível do Realizado (SAYER, 2000). 
Ao fazer a distinção desses três domínios da realidade, 
Bhaskar	 (1978)	 propõe	 uma	 “ontologia	 estratificada”	 em	
oposição a outras ontologias “achatadas”, que reduzem em 
Realizado	 e	Empírico,	ficando	de	 fora	 o	 domínio	 do	Real	
(poderes). 
O	filósofo	entende	que	cada	um	desses	domínios	é	“Real”.	
Para Benton e Craib (2001), há uma confusão terminológica 
com essa palavra, como se os outros níveis também não o 
fossem. A metáfora dos níveis implica que o realismo crítico 
é uma forma de “realismo profundo”. 
é importante destacar, à luz do entendimento de 
Flewtwood (2005), que muitas coisas no mundo são consi-
deradas Reais, porém, apresentadas de maneiras diferentes. 
O autor explica que existem pelo menos quatro formas que 
realidade: (1) material – que se refere a entidades pura-
mente materiais como a água, terra, fogo; (2) ideal – alude 
a entidades conceituais, como discurso, símbolos, os quais 
possuem poderes causais, podendo ser idealmente reais ou 
não; (3) artefactual – reporta-se a entidades físicas, tais 
como computadores, televisão, etc., as quais, no entanto, 
são entidades socialmente reais; (4) social – refere-se a 
35
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
práticas, estados de coisas, estruturas sociais que constituem 
as relações humanas. 
O quadro 2, abaixo, ilustra os três domínios da realidade.
 Real Realizado Empírico 
Mecanismos 
Eventos  
Experiências   
Quadro 2 – Três domínios da realidade
Bhaskar explica que as estruturas são reais e existem inde-
pendentemente	dos	padrões	de	eventos.	O	filósofo	assegura	o	
caráter intransitivo do Real e vê esse domínio como esfera com-
plexa formada por elementos diferenciados e estruturados. Nesse 
sentido, é fácil compreender que a ciência não é uma determinada 
constituição para o mundo, mas, em contrário, é o próprio mundo 
que fornece a matéria para que a ciência seja possível. 
Para estudar os objetos e suas estruturas, mecanismos e 
eventos, é preciso considerar a “causalidade”, entendida não 
como um relacionamento entre os eventos (causa e efeito), 
mas como “poderes causais”11, ou seja, “modos de agir” 
ou mecanismos. Na visão de Sayer (1984, p. 95), “pessoas 
têm poderes causais para serem capazes de trabalhar, falar, 
caminhar, reproduzir, etc.”. Conforme o autor, os “poderes 
causais” existem independentemente se são exercitados ou 
não. O relacionamento entre poderes causais ou mecanismos 
e	seus	efeitos	não	é	fixo,	mas	contingencial.	
quando explicamos determinados fenômenos no mundo, 
raramente os mecanismos que estão subjacentes são observa-
11 Potencialidades que podem ou não ser exercitadas. 
36
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
dos, uma vez que é preciso levar em conta os modos de opera-
ção não manifestados e não realizados. Poderes e mecanismos 
podem estar presentes, mas não percebidos imediatamente.
A Figura 2, abaixo, ilustra bem o que acabei de dizer. 
Figura 2 – Estruturas, mecanismos e eventos
(baseado em SAYER, 1984, p. 107)
Trata-se de conjunto de eventos, mecanismos e estrutu-
ras, e como eles ocorrem de maneira complexa. quando os 
mecanismos são ativados, produzem determinados efeitos, 
dependendo de outros mecanismos que podem existir. Um 
mecanismo particular pode produzir diferentes ações em pe-
ríodos de tempo diferentes. E, inversamente, o mesmo evento 
pode se revestir de diferentes causas. 
Ao conhecer determinados objetos sociais ou naturais, 
percebe-se que eles possuem poderes em virtude de suas es-
truturas. Os mecanismos se originam de estruturas e existem 
em função delas. Ao analisar determinado objeto concreto, 
por exemplo, é preciso compreender como esse objeto está 
se apresentando. A abstração é uma maneira de fazer isso. Ao 
37
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
fazer a abstração sobre determinado objeto, denotam-se suas 
estruturas, poderes e mecanismos. Porém, não basta organizar 
e explicar categorias apenas, é preciso procurar desvendar 
outros estratos da realidade. Os mecanismos pertencem a 
diferentes estratos da realidade – físico, químico, psicológi-
co, biológico. Ao mover de um estrato para outro, poderes e 
mecanismos são desvelados do estrato subjacente. Esse estrato 
e	seus	novos	objetos	surgem	com	estruturas	específicas,	po-
deres e mecanismos também. O início dessa nova ocorrência 
é denominado “emergência”. Nesse sentido, é possível dizer 
que determinado objeto tem “poderes emergentes”.
Nas palavras de Collier (1994, p. 43): “as coisas têm os 
poderes que têm por causa de suas estruturas [...] Estruturas 
causam poderes para serem exercitados, dado algum insumo, 
alguma	‘causa	eficiente’”.	
Nos objetos sociais, as estruturas não podem existir in-
dependentemente das “ações” das pessoas. Conforme Sayer 
(1984), a relação proprietário– inquilino, por exemplo, pode 
estar, contingencialmente, relacionada com outras, como a 
religião, a atividade de recreação, etc. A relação ente ambos 
pressupõe a existência de propriedade privada, aluguel e outras 
mais. Juntos, formam uma estrutura. Dentro de uma estrutura 
social existem posições particulares, que estão associadas a 
certos papéis. 
Naturalismo Crítico 
Em seu segundo livro intitulado The possibility of natu-
ralism12, Bhaskar ([1978] 1998) desenvolve um pensamento, 
explorando	o	naturalismo	crítico	como	uma	filosofia	antipositi-
vista, transpondo das ciências naturaispara as ciências sociais.
12 A possibilidade do naturalismo.
38
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Naturalismo	pode	ser	definido	como	a	tese	de	que	“existe	
(ou pode existir) uma unidade essencial de método entre as 
ciências naturais e sociais” (BHASKAR, 1998, p. 2). Trata-
se de abordagem das ciências naturais que pode ser aplicada 
às ciências sociais, desde que seja uma abordagem realista. 
Nesse	caso,	a	ontologia,	bem	como	a	estratificação	da	reali-
dade, devem ser mantidas. Da mesma forma, os domínios do 
real, com seus poderes, estruturas de forças, e o domínio do 
empírico onde os fenômenos são percebidos. No naturalismo, 
não se permite reduzir o domínio do empírico ao domínio do 
real, bem como o real ser revelado diretamente pelo empírico. 
Conforme	Bhaskar,	a	filosofia	das	ciências	sociais	encarta	
duas tradições distintas: a naturalista, que tem procurado rei-
vindicar	que	“as	ciências	são	(real	ou	idealmente)	unificadas	
em sua concordância com princípios positivistas, baseados 
nas concepções humianas de lei” (BHASKAR, 1998, p. 2). E 
a tradição antinaturalista, que tem demonstrado uma ruptura 
metodológica entre ciências naturais e sociais, com base nas 
diferenças de seus objetos de estudo. Nesta última, “o obje-
to das ciências sociais consiste essencialmente em objetos 
significativos,	 e	 seu	objetivo	é	a	elucidação	do	 significado	
destes objetos” (Ibidem). O naturalismo também deve ser 
distinguido a partir de duas espécies: reducionismo – porque 
existe uma identidade real do objeto – e cientificismo – porque 
nega a diferença existente entre os métodos apropriados para 
estudar	os	objetos	sociais	e	naturais.	Na	visão	do	filósofo,	“é	
a natureza do objeto que vai determinar a possível forma de 
se fazer ciência” (BHASKAR, 1998, p. 3).
A tradição positivista ressalta que existem leis causais, 
generalidades na vida social. A ciência, nesse caso, está 
deslocada da sociedade. A teoria de Hume sobre leis causais 
sustenta conjunções constantes de eventos ou estado de coisas. 
Essa concepção vê o homem como passivo, automatizado, 
com uma concepção de mundo constituída por dados e fatos 
39
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
atomísticos (BHASKAR, 1998, p. 136). O positivismo é in-
capaz	de	sustentar	as	noções	de	estratificação	e	diferenciação	
da realidade, bem como as distinções entre estruturas, eventos 
e sistemas abertos e fechados. O positivismo se vê obstinado 
por leis universais e generalizações, sendo incapaz de captar 
o que está “além” das aparências, permitindo que conheçamos 
os mecanismos gerativos dos fenômenos. 
Conforme Benton e Craib (2001), a posição advogada por 
Bhaskar sobre a abordagem “naturalista crítica” se assenta no 
modelo interpretativista, ou hermenêutica da versão positivista 
do “naturalismo”, que é de estudar objetos sociais seguindo o 
mesmo modelo da ciência natural. Embora existam diferenças 
entre os objetos naturais e sociais de conhecimento, ainda é 
possível, segundo esses autores, ter uma ciência da sociedade, 
seguindo o mesmo modelo que a ciência da natureza, mas 
não necessariamente da mesma maneira com o emprego dos 
mesmos métodos. 
Na tradição hermenêutica, a realidade é pré-interpetrada, 
trazida sob os conceitos dos atores para ser compreendida, ou 
seja,	a	sociedade	passa	a	ser	considerada	um	objeto	científico,	
com	conceitos	de	subjetividade,	carregado	de	significados.	
No entendimento de Bhaskar (1998), a possibilidade do 
naturalismo nas ciências sociais constitui o principal problema 
da	filosofia	das	ciências.	Ao	propor	um	naturalismo	antiposi-
tivista, baseado essencialmente na visão realista de ciência, o 
filósofo	reivindica	uma	investigação	ontológica	do	naturalis-
mo nas ciências sociais. Ele faz o seguinte questionamento: 
que propriedades têm as sociedades que podem torná-las 
possíveis objetos de conhecimento para nós? Dito de outra 
maneira: de onde originam as propriedades que as sociedades 
possuem? Trata-se, aqui, de questão ontológica. E, ao indagar 
sobre “como as propriedades tornam as sociedades possíveis 
objetos de conhecimento para nós”, ele introduz outra questão 
40
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
de	caráter	epistemológico.	Em	sua	visão,	a	reflexão	ontológica	
precede à epistemológica. 
Ao explicar sua concepção transformacional da socie-
dade, Bhaskar (1998, p. 32) contraria os modelos propostos 
por Weber, Durkheim e Berger. No modelo 1 de Weber (vo-
luntarismo), objetos sociais são resultado do comportamento 
intencional dos indivíduos. A sociedade é reduzida apenas às 
ações	dos	indivíduos.	No	modelo	2	de	Durkheim	–	reificação	
ou	coisificação	–,		objetos	sociais	são	externos	e	exercem	coer-
ção sobre os indivíduos. Ou seja,a sociedade tem total poder, 
mas acaba alienando os indivíduos, tornando-os passivos. No 
modelo 3 de Berger – dialético –, a sociedade e os indivíduos 
são momentos de um mesmo processo, ou seja, a sociedade 
cria os indivíduos, que, por sua vez, criam a sociedade. 
Ao propor seu modelo acerca da relação sociedade/pes-
soa, Bhaskar denomina-o de Modelo Transformacional da 
Atividade Social. Para ele, as pessoas não criam a sociedade, 
uma vez que a sociedade preexiste a elas. Em suas palavras: 
As pessoas não criam a sociedade. A sociedade sem-
pre preexiste às pessoas e é uma condição necessária 
para sua atividade. Ao contrário, a sociedade deve 
ser encarada como um conjunto de estruturas, práti-
cas e convenções que os indivíduos reproduzem ou 
transformam, mas que não existe independentemente 
da	atividade	humana	(erro	de	reificação).	Mas	não	é	
produto da atividade humana (erro de voluntarismo). 
[...] é importante salientar que a reprodução e/ou 
transformação da sociedade, embora na maioria dos 
casos seja inconscientemente alcançada, é, não obs-
tante, uma realização competente de sujeitos ativos, e 
não uma consequência mecânica de condições ante-
cedentes. (BHASKAR, 1998, p. 36). (Grifos meus). 
41
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
O modelo de conexão sociedade/pessoa pode ser repre-
sentado conforme a Figura 3, ilustrada a seguir. 
Figura 3 – Modelo Transformacional da Atividade Social (MTAS)
Nesse modelo, a “sociedade fornece as condições ne-
cessárias para a ação intencional, e a ação intencional é uma 
condição necessária para a sociedade” (BHASKAR, 1998, 
p. 36). Ou seja, os indivíduos devem não apenas produzir 
produtos sociais, mas realizar as condições de sua produção, 
reproduzindo ou transformando as estruturas que governam 
suas atividades de produção. Como as estruturas sociais são 
produtos sociais, elas são também possíveis objetos de trans-
formação, sendo, portanto, relativamente duradouras. 
A sociedade é, conforme o autor, um conjunto articulado 
de tendências e poderes que, diferentemente dos objetos na-
turais, existem somente na medida em que estão sendo exer-
cidos, conforme a atividade intencional dos seres humanos.
Nesse sentido, as estruturas sociais são ontologicamen-
te diferentes das estruturas naturais. Diferenças essas que 
Bhaskar (1998, p. 38) assim as descreve: 
42
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
•	 As estruturas sociais, diferentemente das estruturas natu-
rais, não existem independentemente nas atividades que 
governam.
•	 As estruturas sociais, diferentemente das estruturas natu-
rais, não existem independentemente das concepções dos 
agentes acerca do que estejam realizando em sua atividade. 
•	 As estruturas sociais, diferentemente das estruturas natu-
rais, podem ser apenas relativamente duradouras (de modo 
que as tendências sobre as quais se baseiam não podemser universais no sentido da invariância espaço-temporal. 
Vale ressaltar que, embora existam diferenças reais nos 
possíveis objetos de conhecimento das ciências sociais e 
naturais, em nenhum momento a sociedade é desconectada 
do	natural.	O	que	Bhaskar	quer	 salientar	 é	 a	 estratificação	
ontológica. As estruturas sociais estão continuamente sendo 
reproduzidas ou transformadas, e elas só existem em virtude 
do agir humano. 
Para o autor, a sociedade, em razão do seu caráter aberto 
(sistema aberto), não é um objeto que podemos, então, prever 
de	maneira	dedutivamente	justificada.	Normalmente	ocorrem	
desenvolvimentos	qualitativos	que	a	 teoria	científica	social	
não pode antecipar. é sempre um caráter provisório. 
Crítica explanatória 
A crítica explanatória que Bhaskar propõe nada mais é 
do que uma contestação transcendental do positivismo nas 
ciências naturais, visto que todas as ciências possuem uma 
dimensão intransitiva e uma transitiva. O positivismo de Hume 
defende uma ontologia empiricista, totalmente contrária ao 
43
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
posicionamento de Bhaskar. Como já mencionado, Hume 
entende que o conhecimento e suas conjunções de eventos 
ocorrem de maneira incessante e fragmentariamente. Ou seja, 
ele reduz as leis e sequência de eventos a experiências observá-
veis, fornecendo ao pesquisador o “domínio” sobre o mundo. 
Bhaskar (1978) propõe uma alternativa abrangente para o 
positivismo, que desde a época de Hume tem assegurado uma 
imagem positivista de ciência sobre leis causais. Conforme o 
filósofo,	uma	conjunção	constante	de	eventos	não	é	condição	
necessária	e	suficiente	para	garantir	uma	lei	científica.	Ao	con-
trário, isso só deve ser demonstrado através de um argumento 
transcendental da natureza da atividade experimental. Os 
acontecimentos ocorrem independentemente de experiências 
que,	muitas	vezes,	são	identificadas	de	maneira	equivocada.	
A crítica explanatória sustenta um conceito de que os 
objetos das ciências sociais, diferentemente das ciências na-
turais, devem abranger crenças, incluindo julgamento de valor 
e ação. O estudo de determinada sociedade, em determinado 
momento histórico, acrescerá informações sobre a estrutura da 
sociedade desse período. Muitas pessoas, por exemplo, acredi-
tam que a sociedade é uma sociedade sem classes, quando na 
verdade não é. As crenças podem ter efeitos sobre a estrutura, 
impedindo as pessoas de tentar alterá-las (BHASKAR, 1998). 
Isso abre a possibilidade de expandir o realismo crítico para 
o reino dos valores e da moralidade, encontrar uma dimensão 
intransitiva subjacente ao pensamento moral. 
Bhaskar assegura que as ciências sociais devem ser 
morais. O mundo é constituído não apenas de crenças, mas 
também de valores. Ao explicar uma crença como falsa, ou 
seja, como uma ideologia, é necessário fazer uma avaliação 
negativa do sistema que provocou essa falsa crença e, ao 
mesmo tempo, realizar uma avaliação positiva da ação trans-
formadora	visando	modificar	o	sistema.	
solangem
Realce
44
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Na	visão	do	filósofo,	as	ciências	sociais	não	são	neutras;	
em contrário, elas devem ser críticas, com possibilidades de 
intervenção prática na vida social. Para Bhaskar, os cientistas 
sociais precisam assumir uma posição sobre o que realmente 
nos interessa acerca do que fazer, dizer, sentir e pensar. Às 
vezes, implica juízos práticos de valor. A possibilidade da 
crítica	científica	desfila	para	as	ciências	humanas	importante	
impulso emancipatório. 
As ciências sociais podem gerar impacto mais direto 
na esfera de valores, pois certos juízos de valor – de grande 
importância para os movimentos emancipatórios – podem 
ser aceitos nas ciências sociais, dado que envolve “desejo, 
vontade, sentimento, capacidades, facilidades, oportunidades 
e crenças” (BHASKAR, 1998, p. 411). 
Bhaskar (1998, p. 410) assegura que, embora o conheci-
mento	seja	necessário,	é	insuficiente	para	a	liberdade.	Ser	livre	
acarreta: (i) conhecer os reais interesses; (ii) possuir habilida-
des, recursos e oportunidade para agir; (iii) estar disposto a 
agir. A política emancipatória deve estar, portanto, alicerçada 
em	uma	teoria	científica	e	revolucionária.	
Nas palavras do autor: 
[...] Eu quero focalizar na estrutura lógica da crítica 
explanatória. A possibilidade de tal crítica constitui 
o núcleo do potencial emancipatório das ciências 
humanas; a possibilidade da efetividade de tal crítica 
na história da humanidade é, talvez, a única chance 
da não barbárie, ou seja, a sobrevivência da espécie 
humana [...] (BHASKAR, 1998, p. 417). 
O potencial emancipatório nasce, consequentemente, 
da	capacidade	da	agência	intencional	e	da	prática	reflexiva.	
Os indivíduos possuem poderes causais para reproduzir ou 
transformar as estruturas sociais.
45
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
A socióloga e realista crítica Margaret Archer (2000), 
em seu livro intitulado Being Human13, tem discutido a re-
lação estrutura social e agência. Como conectá-las sem a 
necessidade de redução ou conflação? Em sua análise sobre 
a morfogênese da agência, a autora argumenta a necessidade 
de compreender as propriedades e os poderes dos seres hu-
manos e como eles emergem através de nossas relações com 
o mundo, não podendo ser construídos apenas como “socie-
dade”, “linguagem”, “discurso” e “diálogo”. Uma das mais 
importantes propriedades que nós temos é de nos conhecer, e 
isso depende da prática do diálogo na sociedade.
Antenada com os princípios filosóficos do realismo 
crítico, Archer (2000) advoga que os poderes causais estão 
intimamente relacionados à agência, e não à sociedade. Ela 
considera que os indivíduos “têm poderes de monitoramento 
contínuo, tanto do self (eu), quanto da sociedade” (ARCHER, 
2000, p. 74). Ou seja, os indivíduos possuem uma capacidade 
tanto para cuidar de suas próprias ações quanto das ações do 
meio em que vive. A autora assegura que o self emerge das 
práticas sociais, irredutíveis à sociedade. Cada indivíduo 
decide, através de “conversas internas”, como lidar com as 
implicações da realidade, seja na relação com ele mesmo, 
seja na relação com os outros. Tudo que assumimos como 
compromissos ou preocupações sempre estará sujeito a mo-
dificação	ou	renovação,	que	estão	embasadas	nesse	diálogo	
interior. As “conversas internas” são os poderes emergentes 
pessoais exercitados no mundo “natural, prático e social” 
(ARCHER, 2000, p. 317). 
Para Archer, cada um de nós precisa descobrir-se através 
de práticas do “diálogo interior”, distinguir o “eu” e a “diver-
sidade”, o “sujeito” e “objeto”, antes de chegar à distinção 
entre o “eu” e “outras pessoas”. O “diálogo interior” não seria 
13 Ser humano. 
46
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
apenas uma janela sobre o mundo, e, sim, o que determina 
nosso “ser no mundo” (ARCHER, 2000, p. 318). O mais im-
portante, na visão da autora, é conhecer-nos profundamente. 
Somos nós que determinamos nossas prioridades e de-
finimos	nossa	identidade.	Nada	no	mundo	pode	ditar	como	
devemos listar nossas prioridades, embora existam forças 
externas nos induzindo a seguir outro caminho, principal-
mente os poderes discursivos da ordem social. é através da 
informação externa e da deliberação interna que podemos 
alcançar a identidade pessoal, incluindo nossos valores. Archer 
assegura	que	o	ser	humano	é	altamente	reflexivo	e	avaliativo.	
Ao abrirmos para as “conversas internas”, “nós descobriremos 
não apenas um rico campo de pesquisa, mas o encantamento 
de todo ser humano” (ARCHER, 2000). 
Nesse sentido, são os agentes sociais que delineiam as 
deliberações	reflexivas,	atravésdas	“conversas	internas”.	O	
“eu”	reflexivo	constitui,	portanto,	um	mecanismo	capaz	de	
conectar os poderes causais à agência.
Nessa mesma esteira, Bhaskar (1998) consolida que todo 
o comportamento humano tem uma razão, e que, por isso, é 
intencional. O agente (e outros) pode ou não estar consciente 
das razões que causam seu comportamento intencional, por-
quanto as ações humanas podem ter mecanismos psicológicos, 
indisponíveis à consciência. A capacidade para o automonito-
ramento das intervenções causais no mundo, segundo o autor, 
está intimamente conectada com a linguagem, concebida como 
um sistema de signos aptos para a produção e a comunicação 
da informação. Nossa habilidade linguística de realizar algum 
comentário retrospectivo referente a nossas intervenções cau-
sais no mundo é expressa por meio de sons e gestos. 
A discussão acerca da agência é relevante aqui, consi-
derando nosso processo interno de construção de valores e 
identidade	–	social	e	pessoal	–.	Somos	agentes	reflexivos	e	
47
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
ocupamos determinada posição na sociedade. Pensamos e 
refletimos	o	nosso	cotidiano	e	sobre	o	mundo	ao	nosso	redor,	
com vista a transformá-lo. Só nos tornamos quem somos 
através	do	sentido	que	damos	às	reflexões	que	fazemos.
Segunda onda 
Realismo Crítico Dialético 
O realismo crítico dialético tem como marco a obra inti-
tulada Dialectic: The Pulse of Freedom14. O realismo crítico 
dialético	elabora	uma	metacrítica	das	filosofias	anteriores,	nos	
domínios do ontológico, epistemológico e ético da realidade. 
Trata-se de uma teoria que aborda a dialética, tematizando 
conceitos acerca da não identidade, negatividade, totalidade 
e agência transformativa. Ao criticar a redução do domínio 
do Real ao domínio do Realizado, o autor situa a ausência 
como ponto fulcral. 
A bipolaridade do negativo (ausência) e do positivo 
(emergência) implica colocar a ausência no coração da po-
sitividade. Central à dialética é o conceito de ausência, que 
deriva da crítica bhaskariana à monovalência, que engloba a 
redução do domínio do Real ao domínio do Realizado. Isto 
situa a ausência no cerne da positividade e, assim, o não-ser 
é a condição da possibilidade do ser, e a dialética é o processo 
de ausentar a ausência (BHASKAR, 1998). Em suas palavras: 
de maneira importante, se a ausência (negatividade) 
é um polo do positivo, então o positivo não pode ser 
positivizado de forma bem-sucedida [...] A dialética 
torna-se o “grande afrouxador” (“great loosener”), 
permitindo uma “textura aberta” do ponto de vista 
empírico,	[...]	a	fluidez	estrutural	e	a	interconectivi-
dade (BHASKAR, 1998, p. 564). 
14 Dialética: o pulsar da liberdade.
48
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Para o realismo crítico dialético, a emergência é uma ca-
tegoria que envolve alguma coisa nova que surge de repente, 
ou seja, uma substância, entidade ou sistema que é dependente 
de sua existência de alguma outra substância, entidade, pro-
priedade ou sistema. 
Bhaskar também postula a propósito do realismo crítico 
dialético em seu outro livro intitulado Plato, etc. Nesse tra-
balho,	o	filósofo	resume	sua	obra	em	sete	teses:
(1) A humanidade não é o centro do cosmo; (2) 
Existem realidades que não são atuais; (3) Não seres 
existem; (4) Entidades permeiam umas às outras; 
(5) A causalidade intencional existe; (6) Valores 
podem ser derivados de fatos; (7) A boa sociedade 
está implícita no desejo elementar (BHASKAR, 
1994, p. 161). 
Bhaskar desenvolve um pensamento dialético que serve 
de transição para a terceira onda do realismo crítico, denomi-
nado “realismo crítico transcendental”. 
Terceira onda 
Realismo crítico transcendental
Esta terceira onda é fortemente marcada através das obras 
From East to West: the Odyssey of soul (2000)15, From Science 
to Emancipation16(2002) e Reflections on Metareality17(2002a; 
2012). Nessa terceira fase de seu pensamento, Bhaskar se 
move	para	uma	filosofia	espiritual.	“O	realismo	ontológico	
acerca de Deus na dimensão intransitiva é consistente com o 
relativismo epistêmico ou experiencial na dimensão transitiva” 
15 Do Leste para o Oeste: a odisseia da alma.
16 Da ciência para a emancipação. 
17	 Reflexões	sobre	a	metarrealidade.	
49
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
(BHASKAR,	2002b,	p.	146).	O	filósofo	traz	um	fundamento	
acerca de Deus. Deus é o poder causal de todos os poderes 
causais. Bhaskar (2000, p. 238) questiona: “quem somos 
nós?”, “O que somos essencialmente? Ao apresentar essas 
indagações, ele quer mostrar o “ser o ser”, o tornar-se ser 
quando nos conectamos com uma realidade mais profunda 
até alcançarmos nosso verdadeiro Eu (self ). E esse self se 
encontra em seu “estado-base” (ground state) e, ao conectar 
com todos os seres, torna-se, então, conectado com tudo que 
existe no universo. 
No livro From east to west: the Odyssey of soul, o	fi-
lósofo desenvolve um pensamento acerca da reencarnação, 
apresentando uma narrativa sobre suas vidas passadas, ao 
incluir a autorrealização, denominada por ele de realismo 
crítico dialético transcendental. Trata-se de jornada acerca 
da transcendência da alma, numa sequência de experiências 
de várias reencarnações. Foi uma “virada espiritual” em que 
o	filósofo	passou	a	dar	mais	ênfase	aos	valores	da	alma.	Essa	
obra e outras surgidas causaram uma situação de ruptura com 
o movimento do realismo crítico. 
Ele argumenta que a “estrutura básica do homem e do 
mundo – do qual o homem faz parte – é Deus” (BHASKAR, 
2000, p. ix). Ou seja, Deus é o amor incondicional, uma paz 
infinita	e	plena	de	felicidade,	e	todos	os	seres	humanos	são	
essencialmente divinos. A postura mais correta e ética é a do 
amor pleno para todos os seres vivos. Nesse sentido, o livro 
constitui uma ampliação do realismo crítico dialético, atinente 
a um pensamento transcendental radical sobre transcendência 
e Deus, alicerçada em uma moralidade objetiva da natureza 
intrínseca do ´eu´. 
Em	2002,	o	filósofo	publica	o	livro	From Science to 
Emancipation, com interesse de expor suas conferências 
realizadas na Europa, ásia e América, de 1997 a 2002. 
50
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Nesse trabalho, Bhaskar dá mais visibilidade às questões 
espirituais e transcendentais. O capítulo 11, o mais rele-
vante diga-se de passagem, é dedicado aos educadores. 
Bhaskar (2002a, p. 299) faz o mesmo questionamento que 
Marx	fizera	em	sua	terceira	tese	sobre	Feuerbach:	quem vai 
educar os educadores? Quem vai empoderá-los? Quem vai 
transformá-los?
O	filósofo	busca	 responder	essas	questões,	 a	partir	da	
dialética da automudança, autotransformação. Em seu enten-
dimento, a mudança deve ocorrer de dentro para fora. Nesse 
sentido, ele entende que não há contradição entre espiritua-
lidade e mudança social, e que a educação tem, portanto, o 
compromisso com a transformação das estruturas sociais e a 
emancipação de todos. Em suas palavras: 
Emancipação não pode ser imposta de fora, a 
emancipação sempre vem de dentro [...] Como isso 
funciona exatamente? A partir de uma inspiração 
espiritual, você passa a ter uma experiência política, 
que o leve a um compromisso com a mudança social 
radical (BHASKAR, 2002a, p. 301-302). 
Nesse livro From Science to Emancipation, Bhaskar anun-
cia sua posição acerca de seu novo trabalho que é a Metarreali-
dade. Trata-se	de	uma	filosofia	que	surge	após	o	realismo	crítico.	
Publica nesse mesmo ano de 2002 Reflection on Meta-Reality 
(BHASKAR,	2002a,	2012).	Conforme	o	filósofo,	Realismo	
Crítico Transcendental ou Metarrealidade se refere a um nível 
mais etéreo que transcende a realidade. Em suas palavras: “o 
realismo que toca à transcendêncialeva à própria transcendência 
do realismo” (BHASKAR, 2012, p. 16). 
51
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
Metarrealidade
Essa	nova	posição	filosófica	vai	além	do	realismo	crítico,	
uma vez que enxerga a realidade em estados de não dualidade 
e fases do ser, revelando todas as formas humanas, incluindo 
a vida, fenômenos ligados à totalidade do cosmo. Para entrar 
o mundo da Metarrealidade, é preciso compreender as limi-
tações deste mundo de dualidade, ou seja, de infelicidade, 
opressão,	conflitos.	
Na visão de Bhaskar (2012, p. 8), “ é um mundo em que 
nós estamos alienados de nós mesmos, uns aos outros”. O que o 
ser humano está fazendo atualmente tende a empurrá-lo para a 
autodestruição.	A	filosofia	da	Metarrealidade busca exatamente 
o crescimento do ser humano, sustentado pela energia do amor, 
em atividades não duais de nosso ser. Ao tornar-se consciente 
disso, o ser humano passa, então, a buscar sua transformação, 
derrubando as estruturas da opressão, alienação, miséria, etc. 
Nesse sentido, é preciso expandir, conforme Bhaskar, a zona de 
não dualidade, tornando-se seres não duais em um mundo de 
dualidade. A não dualidade é de suma importância não apenas 
para a ação e consciência, mas para o próprio ser.
Bhaskar argumenta que a estrutura fundamental do 
homem e do mundo é Deus. Ou seja, Deus é o amor incon-
dicional,	uma	paz	infinita	e	plena	de	felicidade,	e	que	todos	
os seres humanos são essencialmente divinos. A postura mais 
correta e ética é do amor pleno para todos os seres vivos. Nesse 
sentido,	o	livro	“Reflexões	sobre	a	metarrealidade”	constitui	
uma ampliação do realismo crítico dialético, abarcando um 
pensamento transcendental radical sobre transcendência e 
Deus, alicerçada em uma moralidade objetiva da natureza 
intrínseca do “eu”. 
Para	o	filósofo,	todos	os	projetos	emancipatórios	envol-
vem pressupostos profundos acerca da natureza dos seres 
52
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
humanos, seja o mundo social, seja o mundo natural. é im-
portante para o realismo crítico pensar o ser processualmente, 
envolvendo “ausência” e “mudança”. Pensar o ser na qualida-
de	de	agência	transformadora	e	reflexividade.	A	reflexividade	
é importante porque contribui para monitorar as atitudes, bem 
como explicar cada situação vivida. 
Na visão de Bhaskar (2012), existem quatro dimensões 
para o ser pensante. A primeira dimensão, denominada por ele 
de “ontologia”, é o nível do ser como tal. A segunda se refere 
à negatividade ou ausência. A terceira é o ser como totalidade. 
A quarta envolve a intervenção humana transformadora como 
uma parte essencial do todo.
A	filosofia	da	Metarrealidade questiona uma ontologia 
que está além da ciência, enxergando o ser como reencantado. 
Nas palavras do autor: 
[...] Nesta concepção vastamente expandida do ser, e 
na própria ontologia expandida necessitada por esta 
concepção, vemos agora o ser como reencantado, isto 
é, valioso, sutil, misterioso e contendo qualidades e 
conexões invisíveis (mais frequentemente desco-
nhecidas e até não manifestas), sutis, misteriosas 
e até mágicas que nossas ciências contemporâneas 
desconhecem completamente[...] (BHASKAR, 
2012, p. 257).
	Bhaskar	expõe	uma	filosofia	inspiradora	para	a	autorre-
alização universal. Embora não tenha simpatia por nenhuma 
prática	religiosa,	o	filósofo	entende	ser	perfeitamente	possível	
alguém sentir a necessidade disso. Ele não acredita que a cren-
ça em Deus seja a condição necessária para que o ser humano 
seja bom. Há muitas pessoas más, por exemplo, que acreditam 
em Deus. Bhaskar acredita muito mais na essência divina, na 
espiritualidade da vida e na ação correta dos homens, do que 
na fé baseada em uma teologia. A essência de Deus está em 
53
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
todos os seres, conectados no universo, o qual ele denomina 
de envelope cósmico, ou seja, o nível último do universo. 
Conforme	o	filósofo,	o	envelope cósmico seria uma es-
pécie	de	“absoluto”,	embora	ele	não	afirme	que	este	envelope	
cósmico seja Deus. Na verdade, o que Bhaskar quer defender 
é uma espiritualidade que está em consonância com todas as 
religiões e não religiões. 
Em suas palavras: 
[..] Do mesmo modo que tudo no universo está impli-
citamente em mim, ou seja, todo objeto no universo 
está contido em minha consciência, copresente a 
mim [...] (BHASKAR, 2002a, p. 215) 
Ao tomar consciência de que todo o universo está conectado 
em cada um, em seu estado-base, de não dualidade, o ser humano 
passa, então, a sintonizar com o envelope cósmico, unindo toda a 
criação no universo em sua totalidade. Todos os seres humanos 
são	corporificados	porque	têm	uma	mente racional, emoções, 
sentimentos e um corpo físico. Como ele mesmo diz: 
[...]	De	fato,	é	a	natureza	física	da	nossa	corporifica-
ção	que	define	nossa	separação	e	permite	um	grau	de	
validade para o sentido do ego que todos nós temos, 
o qual é parte da lógica do capitalismo e da nossa 
sociedade (BHASKAR, 2000, p. 239). 
O “ego” é um “eu” separado que está em oposição a todos 
os outros “eus”.	O	ego	é	essencial	para	o	discurso	filosófico	
da modernidade, para o capitalismo e para muitas instituições 
sociais existentes. Muitas coisas em nossa sociedade, segundo 
o autor, pressupõem um sujeito isolado. 
Conforme o autor, as estruturas profundas de opressão e 
alienação, por exemplo, são estruturas de dualidade, fundadas 
54
Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
no princípio da não dualidade, as quais o realismo crítico tem 
teorizado. Essas estruturas dominam não apenas o mundo da 
dualidade, mas também a base não dual, que é o nosso estado-
base ou estado-fundamental de ser. 
Bhaskar entende que uma sociedade livre só é possível se 
o ser humano se libertar das estruturas da opressão, alienação 
e exploração. A raiz de toda a alienação, segundo ele, é a auto-
alienação, que é a alienação de nós mesmos. Como Kant, ele 
também assegura que, acima de nós, temos o céu estrelado, 
e dentro temos uma lei moral. Todo sofrimento tem como 
causa a alienação em nosso eu verdadeiro. A autorrealização 
individual é o único caminho para a autorrealização universal. 
Na	visão	do	filósofo	inglês,	todo	evento	social	envolve	
quatro dimensões no que ele chama de Quadri-Planar do Ser 
Social (BHASKAR, 2012, p. 150), a saber: 
1. nossa transação material com a natureza; 
2. nossa interação com os outros; 
3. estrutura social; e 
4. a	estratificação	de	nossas	personalidades	corporificadas.	
Tudo o que fazemos envolve a transação com a natureza, 
ou seja, há sempre troca de energia com o mundo material. 
Ocorre também interação com as pessoas. Estamos sempre 
nos interagindo em qualquer evento social. Todo evento social 
precisa, então, ser compreendido em termos do relacionamento 
com as estruturas sociais – formas políticas, economia, lingua-
gem, etc. A estrutura social está intimamente ligada à agência 
humana. Ela preexiste a agência, ou seja, nós não a criamos; 
porém, podemos reproduzir ou transformar. 
Há coisas que preexistem a nós, mas elas não existem 
independentemente da agência humana. Tudo que acontece 
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Realismo CRítiCo e emanCipação Humana 
ContRibuições ontológiCas e epistemológiCas paRa os estudos CRítiCos do disCuRso 
na sociedade, acontece em virtude da agência intencional. O 
que os agentes fazem é reproduzir ou transformar. Não conse-
guiremos ser livres se existirem estruturas sociais opressivas 
em nosso redor. 
A estratificação de nossa personalidade, conforme 
Bhaskar (2012, p. 150), envolve as “estruturas internas” que 
existem em cada um de nós, como a raiva, a agressividade, o 
ciúme, o ódio ou o amor. Para o autor, somos profundamente

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