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Resumo 1.0 - Fundamentos Históricos e Filosóficos

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1
TÓPICO 1 -
O DIREITO DOS POVOS DO ANTIGO
ORIENTE PRÓXIMO (MESOPOTÂMIA,
HEBREUS E EGITO)
1 INTRODUÇÃO
Ao longo da história, nas distintas etapas e diversas sociedades encontramos
formas de controle e proteção de valores que possibilitam a vida comum. Esses valores,
ou bens jurídicos, são amparados e garantidos por um conjunto de normas jurídicas
definidas conforme a ordem social, política e/ou econômica que se encontra em
contínua mudança, e por esta razão as normas jurídicas vão reconhecendo as
alterações de acordo com a época e as relações definidas no substrato social.
NOTA
A vida social é regida por diversas normas, preceitos, que definem condutas
(morais, religiosas, culturais etc.), dentre as quais as normas jurídicas.
Normas jurídicas são distintas das demais por dois fatores principais:
emanam de uma autoridade política competente e possuem poder
coercitivo. Em outras palavras, em primeiro lugar, as normas jurídicas
são estabelecidas por órgãos ou instituições legítimas politicamente,
portanto, distintas de normas morais. Como segundo fator, as normas
jurídicas são impostas, com uso da força se necessário for, de forma a
persuadir as pessoas a agirem de modo a atender às finalidades ou
objetivos estabelecidos pelos órgãos políticos definidos. Assim, as normas
jurídicas devem ser acatadas e colocadas à disposição dos indivíduos e
da coletividade para fazer valer interesses e necessidades, bem como
proteger seus bens de distintas naturezas e características.
Desde tal perspectiva, surgem algumas perguntas que devemos responder
inicialmente: é possível estudar esse conjunto de normas que vão definindo o direito?
Como estudar esse fenômeno social que chamamos de direito? Para que estudar
direito? As distintas respostas que podem ser dadas recaem em alguns pontos comuns:
a necessidade de conhecer o direito, de determiná-lo, estabelecer a relação com as
ideias e/ou valores e/ou interesses do grupo social em que se insere. Exatamente essa
é a função dos pesquisadores do direito, e desde as investigações vão sendo
redefinidos conceitos operacionais que são utilizados para definir e fundamentar a
norma jurídica adequada do caso concreto.
3
Dessa maneira, vai sendo definida a cultura jurídica de um determinado grupo
em um determinado tempo. Segundo Wolkmer (2007, p. 5), cultura jurídica pode ser
definida como “representações padronizadas da (i)legalidade na produção das ideias,
no comportamento prático e nas instituições de decisão judicial, transmitidas e
internalizadas no âmbito de determinada formação social”. Portanto, o conjunto de
normas e procedimentos, considerados justificáveis e apoiados ou não pela força
instituída, vão padronizando condutas e construindo a concepção de direito. Pode-se
compreender direito como fenômeno sociocultural produzido e reproduzido desde um
contexto histórico.
Pode-se conceituar a História do Direito como parte da História geral
que examina o Direito como fenômeno sociocultural, inserido num
contexto fático, produzido dialeticamente pela interação humana
através dos tempos, e materializado evolutivamente por fontes
históricas, documentos jurídicos, agentes operantes e instituições
legais reguladoras (WOLKMER, 2007, p. 5).
Vamos, então, percebendo que o campo do estudo da história do direito não
é o da dogmática jurídica, que delimita conceitos desde concepções indiscutíveis
e estáveis, mas um campo partilhado por outras disciplinas (teoria do direito, sociologia
jurídica, antropologia jurídica, ciência política etc.) que permite compreender o contexto
e as forças históricas, sociais, políticas, intelectuais, culturais etc., que definem as
normas jurídicas vigentes.
NOTA
Há autores que diferenciam dogmática de zetética jurídica. Dogmática
jurí-dica pode ser definida como campo de estudo acerca dos conceitos
ope-racionais do direito (“verdades” preestabelecidas) usados para solucionar
na prática controvérsias jurídicas, portanto, é um estudo limitado, a grosso
modo, à norma positivada. A zetética jurídica problematiza os dogmas e
verdades jurídicas, questionando as premissas que definem a dogmática.
Nessa perspectiva, a história do direito estaria no campo da zetética, uma vez
que não apenas problematiza a dogmática jurídica contemporânea, como
busca reconstruir as ideias e práticas jurídicas em determinado con-texto
histórico.
Em síntese, o objetivo da história do direito é compreender a construção do
direito atual, desde a articulação de fatores ao longo do tempo, reexaminando suas
fontes de produção, as concepções, técnicas e instituições que o foram elaborando e
legitimando. Assim, trata-se de um estudo essencialmente crítico que possibilita
interpretar o direito desde a identificação dos valores consolidados e reproduzidos
historicamente.
4
Considerando História não como narrativa de acontecimentos, mas expressão
de experiências humanas que definem mudanças estruturais coletivas que não tratam
simplesmente de investigação sobre personagens individuais, como os “heróis” ou
“personagens”, mas de como a trama da vida move os indivíduos comuns desde
desejos, necessidades, valores e interesses a criarem aspirações coletivas e romperem
com estruturas e modelos dominantes. Trata-se, assim, de romper com o conceito de
que História é uma mera narrativa de atos individuais, mas estudar História desde a
possibilidade de mudanças do presente. É um ato de recusa de verdades absolutas e
destinos imutáveis preestabelecidos, uma forma de adquirirmos a consciência das
forças que nos levam coletivamente a agir desde as experiências vivenciadas.
Mas por que e para quê filosofar sobre o direito e sua história?
Você deve estar se perguntando por que e para que estudar Filosofia, se seu
interesse é Direito? Filosofia não é perda de tempo ou coisa de gente que “viaja” e vive
nas nuvens?
É natural que você pense assim, aliás, muitos perguntam para que serve a
Filosofia. Estamos habituados a nos preocuparmos com o que nos traga recompensas
materiais ou financeiras, afinal, temos apelos todos os dias pela mídia, por exemplo, a
sermos utilitaristas e colocarmos nossa felicidade, bem como o sentido de nossa existência,
na quantidade de coisas e bens que podemos comprar e acumular. Através da Filosofia
aprendemos a conquistar uma felicidade muito particular: descobrir o sentido das coisas e
de nossa própria existência para sermos donos de nosso próprio destino.
A Filosofia está presente em nosso cotidiano mais do que pensamos e tem
influenciado ideias, discursos, ações políticas, conceitos de justiça, por exemplo, sem
percebermos que é a Filosofia que nos permite ter a capacidade de escolhermos e
valorarmos nosso agir, não apenas individualmente, mas com os demais com quem
convivemos. E é isso, afinal, que nos torna civilizados.
Iniciamos um estudo particular que nos vai ajudar a compreender que não
existe nada “natural” no mundo jurídico. Vamos aprender que, embora sendo difícil,
devemos conhecer a origem e a finalidade dos valores que regem o mundo do Direito
desde sua historicidade, para nos tornar menos ingênuos e com mais certezas.
2 OBJETIVOS DO ESTUDO DA HISTÓRIA E DA
FILOSOFIA DO DIREITO
O estudo da história do direito é a possibilidade de descobrir um fascinante
universo, descobrir caminhos que foram percorridos por distintas civilizações ao longo
do tempo e foram encontrando no direito o instrumento necessário para continuarem a
vida em comum. Sem dúvida, nossa formação acadêmica exige compreender o
5
presente desvelando os valores e as práticas jurídicas consolidadas ao longo do tempo,
ampliando, assim, nossa cultura jurídica, sendo o estudo histórico do direito um
importante elemento para o saber formativo e distinto do conjunto de disciplinas
dogmáticas que constituem o ensino jurídico.
O importante historiador do Direito, António Manuel Hespanha, destaca que
enquanto as disciplinas dogmáticas visam “criar as certezas acerca do direito vigente, a
missão da história do direito é problematizar o pressuposto implícito e acrítico das
disciplinasdogmáticas, ou seja, o de que o direito dos nossos dias é o racional, o
necessário, o definitivo” (HESPANHA, 2005, p. 21). A história do direito realiza sua função
ao contribuir para a elaboração de uma perspectiva que compreenda o fenômeno do direito
enquanto produto das relações e contextos sociais – econômicos, políticos etc. – localizados
temporalmente, e assim é assegurada a formação crítica dos juristas.
Em que pese a disciplina de História do Direito estar presente nos cursos de
Direito brasileiros em geral, talvez seja necessário ampliar sua função, sobretudo
quando se tem em conta a necessidade de servir de instrumento de revisão das fontes
legislativas e práticas das instituições jurídicas com vistas a alinhar o direito com as
necessidades e condições sociais.
Em suma, a finalidade essencial da História do Direito é a
interpretação crítico-dialética da formação e da evolução das fontes,
ideias norteadoras, formas técnicas e instituições jurídicas, primando
pela transformação presente do conteúdo legal instituído e buscando
nova compreensão historicista do Direito num sentido social e
humanizador (WOLKMER, 2007, p. 6).
Estudar História do Direito desde uma perspectiva não linear – a que não
concebe a história como acumulação progressiva de saber, mas como rupturas,
avanços e retrocessos –, além da importância para a formação acadêmica, permite
identificar forças e valores que vão conferindo legitimidade ao direito, e para tal tarefa é
necessário estabelecer estratégias e caminhos metodológicos adequados.
NOTA
A concepção linear da história do direito compreende o presente como
uma espécie de “celebração” do passado. O presente como única
possibilidade inevitável do passado, de uma espécie de “padrão”
universal de evolução. A “naturalização” e “sacralização” do presente é
uma deformação histórica, pois o presente não é uma imposição do
passado, mas o resultado de dinâmicas escolhas humanas.
A “neutralização” da história constrói para os juristas uma lógica de direito
abstrata e erudita sem preocupação com a finalidade maior do direito: a
concretização de necessidades e proteção de bens humanos concretos.
6
Em que pese a longa tradição da historiografia formalista nas faculdades de
Direito em fins da década de 60 e ao longo dos anos 70, foi sendo definido um novo
marco metodológico desde a criticidade e revisão dos modelos teóricos consolidados.
Trata-se da emergência de uma corrente mais questionadora dos historiadores,
problematizando a ingenuidade intelectual e a forma através da qual compreendem a
realidade desde modelos deformados meramente teóricos.
Este movimento, denominado Nova história, teve como “força” propulsora alguns
eventos, tais como a renovação do pensamento crítico – “nova teoria crítica” da Escola de
Frankfurt –, que problematizou a neutralidade ideológica, demonstrando que toda atividade
humana é sempre política; a metodologia inovadora da Escola Francesa dos “Annales” –
que contribuiu no campo do estudo do direito para uma visão interdisciplinar e relacional da
história, concebendo a história do direito como parte da história social. A emergência do
pensamento crítico latino-americano com pensadores como Paulo Freire, Franz
Hinkelammert, Enrique Dussel, Antonio Carlos Wolkmer, entre outros, que são considerados
matrizes de internalização da criticidade na cultura jurídica, representando uma espécie de
“via alternativa” mais próxima de nossa realidade. Muitos outros se somam para uma
mutação radical da historiografia em geral e jurídica, em particular, definindo, assim, uma
opção metodológica desmistificadora que inclui a complexidade e diversidade da vida social
no processo de edificação histórica do direito.
DICAS
“Escola de Frankfurt” é uma corrente de pensamento que emerge no contexto político e
histórico muito problemático. Em meio à ascensão do nazismo na Alemanha e ao
stalinismo na Rússia, um grupo de intelectuais vinculados ao Instituto de Pesquisa
Social da Universidade de Frankfurt, alinhados ao que foi se denominando Teoria
Crítica, passa a produzir obras, pesquisas e análises sociais entre os anos 1920 a 1970
desde um marxismo heterodoxo. Para conhecer melhor sobre a Escola de Frankfurt e A
Teoria Crítica, você pode consultar http://brasilescola.uol.com.br/
filosofia/a-escola-frankfurt-introducao-historica.htm.
7
NOTA
O nome Escola dos Annales se refere a um grupo de historiadores
liderados por Lucien Febvre e Marc Bloch, que se organizaram em
torno do periódico francês Annales d'histoire économique et sociale
(Anais de história econômica e social), no qual eram publicados
seus principais trabalhos. O principal objetivo desses historiadores
era a problematização do positivismo histórico dominante e o
desenvolvimento de um tipo de História que levasse em
consideração novas fontes para a pesquisa histórica, como a
sociologia, a economia, a semiologia etc., considerando a história
como a ciência do presente e não do passado, investigando as
transformações e rupturas sociais ao longo do tempo.
A nova concepção das fontes, funções e concepções de Direito conduz à
revisão crítica da análise e estudo do passado das instituições jurídicas e
das práticas de controle, problematizando o modelo contemporâneo.
Desde aí, o Direito Moderno é compreendido desde uma nova
perspectiva que permite identificar os fatores e elementos políticos,
sociais, econômicos e culturais subjacentes ao processo histórico
desenvolvido entre os séculos XVI a XIX na Europa que acabou por
definir a cultura jurídica dominante nos dias de hoje. Em síntese, o que
atualmente se compreende por Direito é resultado do contexto histórico
europeu moderno organizado desde a consolidação do capitalismo
liberal que foi definindo uma estrutura política e jurídica estatal
centralizada, modelo este que, por conta da expansão colonizadora, foi
colocado em marcha a partir do século XIV.
O fundamento nuclear do Direito Moderno é o individualismo liberal,
expressão maior do valor moral da sociedade burguesa emergente, que
coloca o homem como ser individual autônomo e formalmente livre.
Nessa dinâmica histórica, a ordem jurídica é instrumentalizada como
estatuto de uma sociedade que proclama a vontade individual,
priorizando formalmente a liberdade e a igualdade de seus atores
sociais (WOLKMER, 2007, p. 30).
ESTUDOS FUTUROS
Como adiante será melhor estudado, “Modernidade” é definida como
um modelo civilizatório construído desde a Europa entre os séculos XIV
a XIX, que veio a substituir o modo de vida medieval. Tem, como
características, o predomínio de concepções políticas e jurídicas
liberais individualistas.
8
Considerando a história do direito como campo de estudo que tem como objetivo a
compreensão do presente a partir da revisão crítica do passado, evidencia-se a finalidade
maior de nossos estudos: rever historicamente as experiências do direito com vistas a
adquirir uma consciência do Direito Moderno mais humanizadora e libertária.
Mas e a filosofia? Quais as suas importâncias no estudo do direito?
Vivemos um cotidiano marcado por discursos e práticas que costumamos
rotular de “justas/injustas” ou “certas/erradas”; e não raras vezes nos vemos exigindo “o
que nos é de Direito”. O que exatamente estamos colocando em questão? O que é o
justo e injusto em um mundo marcado por tão profundas contradições e aparente
desesperança?
Os últimos anos do século XX testemunharam grandes mudanças
em toda a face da Terra. O mundo torna-se unificado – em virtude
das novas condições técnicas, bases sólidas para uma ação humana
mundializada. Esta, entretanto, impõe-se à maior parte da
humanidade como uma globalização perversa.
Consideramos, em primeiro lugar, a emergência de uma dupla tirania, a
do dinheiro e a da informação, intimamente relacionadas. Ambas, juntas,
fornecem as bases do sistema ideológico que legitima as ações mais
características da época e, ao mesmo tempo, buscam conformar
segundo um novo ethos as relações sociais e interpessoais,
influenciando o caráter das pessoas. A competitividade,sugerida pela
produção e pelo consumo, é a fonte de novos totalitarismos, mais
facilmente aceitos graças à confusão dos espíritos que se instalam. Tem
as mesmas origens a produção, na base mesma da vida social, de uma
violência estrutural, facilmente visível nas formas de agir dos Estados,
das empresas e dos indivíduos. A perversidade sistêmica é um dos seus
corolários (SANTOS, 2011, p. 18).
Frases como “isso é uma verdade” já não são ditas com tanta facilidade. As
verdades parecem provisórias. É um tempo em que tudo parece se transformar com
rapidez alucinante. Mal temos tempo de compreender conceitos, valores, ideias ou
comportamentos que repentinamente já são ultrapassados. Como nós, que pensamos
o Direito, podemos lidar com esse aparente “pós tudo” sem cairmos na cilada do senso
comum, dos dogmas ou das verdades midiáticas criadas todos os dias?
NOTA
Dogma é uma “verdade a priori” aceita sem questionamentos. O
dogmatismo ao longo da história resultou em intolerância e opressão.
Em sentido contrário, o pensar crítico é uma postura que visa rever os
dogmas e os contextos teóricos, fáticos, ideológicos e culturais que os
sustentam e os legitimam.
9
Há uma realidade na qual estamos inseridos que exige uma explicação!
Diariamente fazemos escolhas e julgamentos de valores, pois somos movidos por
crenças, valores, preconceitos, enfim, um conjunto de idealizações e representações
tanto individuais como coletivas que nos permite viver em sociedade.
Como diz a filósofa Marilena Chauí (2000, p. 8):
Como se pode notar, nossa vida cotidiana é toda feita de crenças
silenciosas, da aceitação tácita de evidências que nunca
questionamos porque nos parecem naturais, óbvias. Cremos no
espaço, no tempo, na realidade, na qualidade, na quantidade, na
verdade, na diferença entre realidade e sonho ou loucura, entre
verdade e mentira; cremos também na objetividade e na diferença
entre ela e a subjetividade, na existência da vontade, da liberdade,
do bem e do mal, da moral, da sociedade.
No esforço de ir além das “verdades postas” é preciso uma atitude reflexiva
metódica, ou seja, é necessário um “distanciamento” da realidade e dos fatos para que
possamos interrogar a nós mesmos e aos conceitos que parecem inquestionáveis.
Neste momento podemos sentir que nossas certezas são questionadas e tudo parece
possível de ser redefinido ou repensado.
É desde aí, desta “atitude reflexiva”, que falamos em “Filosofia”. Desde uma
atitude que permite discutir o que parece óbvio e natural. Claro que refletir sobre as
verdades e a realidade que nos cerca é uma dura escolha. Pode ser que sejamos mais
felizes ou mais otimistas com o superficial, afinal, ser inquieto é não se deixar levar tão
facilmente. É não aceitar passivamente o que nos é oferecido como “alternativa
possível”. Desde a atitude reflexiva descobrimos que não podemos ser felizes a vida
toda e todo o tempo. E essa é talvez a tarefa mais urgente de nosso tempo. Enfrentar o
medo das incertezas é o grande desafio que se coloca diante de nós quando decidimos
assumir uma atitude reflexiva. Devemos ter a coragem de sair do nosso “agradável e
confortável” senso comum. “Acontece que tendemos a descobrir algo agradavelmente
reconfortante quando ouvimos melodias que sabemos de cor” (BAUMAN, 2008, p. 29).
Esse distanciamento das “melodias que sabemos de cor”, das verdades
cotidianas, a fim de assumirmos uma atitude questionadora de si mesmo e desejar
conhecer por que e para que são nossas crenças e sentimentos é que podemos
chamar de atitude filosófica.
A atitude filosófica é o ato de reflexão questionadora própria do filósofo, daquele
que, tendo a consciência de que o saber é sempre provisório e também infinito, renova e
reinventa sempre as perguntas que formula. É assumir o risco de viver sem verdades.
10
Para o jusfilósofo brasileiro Miguel Reale (2002, p. 5-6):
Filósofo autêntico, e não o mero expositor de sistemas, é, como o
verdadeiro cientista, um pesquisador incansável, que procura
sempre renovar as perguntas que formula, no sentido de alcançar
respostas que sejam ‘condições’ das demais. A filosofia começa com
um estado de inquietação e de perplexidade, para culminar numa
atitude crítica diante do real e da vida.
E é aí que nasce a Filosofia. Um saber metódico e rigoroso que possibilita
chegar à raiz das coisas na interminável e incessante busca do sentido do “ser” e
universo existencial.
NOTA
• Atitude reflexiva: é o ato de pensar as crenças, verdades e sentimentos
de nosso cotidiano de forma profunda e com desejo de conhecer a
essência das coisas.
• Atitude filosófica: é a reflexão própria dos que não se cansam de admirar
as coisas, e são capazes de se distanciar do cotidiano e de si mesmos.
• Por que e para que a reflexão filosófica? Para um agir pessoal e social
intencional e consciente, sabendo o porquê, para que e como são as
coisas, crenças e sentimentos em sua essência.
• A finalidade da reflexão filosófica é permitir um pensar e crer de
forma crítica e livre de preconceitos.
• O filósofo é inimigo de fanatismos e dogmatismos.
É sobre os seguintes campos que se estende o saber filosófico:
• Ética: do grego “ethos” – bons costumes –, diz respeito a escolhas inevitáveis e
inadiáveis quando nos deparamos com condutas e hierarquia de valores que definem os
caminhos a serem seguidos e os que devem ser evitados, levando em conta os fins a
que se destina a justificativa do próprio agir. A Filosofia Ética tem como objeto de
problematização a atitude humana em relação ao coletivo e suas consequências
históricas, sociais e políticas. Em outras palavras, é um campo filosófico preocupado
com o valor do bem e do agir humano que o tem como finalidade última.
• Lógica: tem, como preocupação, as estruturas do pensamento e seus encadeamentos
racionais que permitem conhecer o ser humano e seu mundo circundante. Através da
lógica se discute se as inferências – deduções, as conclusões obtidas pela relação entre
uma coisa e outra – são verdadeiras ou falsas.
• Estética: do termo grego aisthetiké, significa “aquele que percebe”. É o campo da
filosofia que se dedica ao estudo do belo nas manifestações artísticas e naturais;
ao sentimento que desperta no indivíduo quando da sua contemplação.
11
• Epistemologia: termo de origem grega, “episteme”, relacionado com a natureza e
limites do conhecimento humano. Normalmente definida como “Teoria do
Conhecimento” ou “gnosiologia”, que no sentido mais restrito refere-se às condições
– metodológicas e técnicas – sob as quais se produz o conhecimento. Como campo
filosófico relaciona-se às possibilidades de alcançar a verdade no conhecimento.
• Metafísica: do grego “metà” – além de – e “physis” – natureza, física – é um campo
filosófico que discute questões para além do agir e conhecer, envolvendo
discussão acerca da natureza do que se conhece, sobre o que permite indagar
acerca da coisa em si. Metafísica indica o permanente esforço para atingir uma
causa válida e racional para o sentido da existencialidade humana, que tem como
ramo principal a ontologia – que investiga sobre as categorias ou essências do ser.
Agora que já conhecemos os conceitos básicos e essenciais iniciaremos nossa
viagem pela construção do direito ocidental.
3 OS PRIMEIROS NÚCLEOS HUMANOS
Desde estudos arqueológicos é possível afirmar que a última espécie humana
sobrevivente desde o Paleolítico Superior – em torno de 9 mil anos – encontrou nas
grandes planícies fluviais e nos sítios litorâneos o ambiente propício para o
desenvolvimento da agricultura e domesticação de animais. Pouco a pouco, as
relações, unidas por complexas redes de parentesco, tornam-se hierarquizadas e a
realização de tarefas cotidianas, como irrigação, cultivo e colheita, vai dando lugar a
formas de organização social com poderosos mecanismos unificadores de
comportamentos, que se transformam em normas de controle.
A partir do quarto milênio a.C. surgem no Oriente Próximo as primeiras civilizações:
Mesopotâmia, Egito, Palestina, Fenícia e Persa. Estas ocuparam uma regiãoque ficou
conhecida como Crescente Fértil, limitada entre os rios Tigre, Eufrates e Nilo.
12
FIGURA 1 – CRESCENTE FÉRTIL - BERÇO DA CIVILIZAÇÃO
FONTE: <http://www.infoescola.com/geografia/crescente-fertil/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Além da estratégica passagem entre a África, Europa e Ásia, a região possuía
uma rica biodiversidade e a presença de rios que forneciam abundância de água para
irrigação, além de servir de meio de comunicação.
NOTA
Os estados que, atualmente, possuem terras localizadas no Crescente
Fértil, são: Iraque, Jordânia, Líbano, Síria, Egito, Israel e Palestina, além da
parte sul da Turquia e da área mais ocidental do território do Irã.
A sofisticação técnica, como a astronomia para estabelecer um calendário
preciso para controle da agricultura, matemática e hidráulica para as obras de irrigação
e construção torna-se patrimônio intelectual importante para a sobrevivência do grupo,
e concentra-se nas mãos de grupos ou castas privilegiadas (sacerdotais, guerreiras,
reais...), que terão grupos subalternos, em não raras vezes conquistados pela força
militar, encarregados da sobrevivência própria e dos “eminentes”.
O avanço da agricultura permite a produção de excedentes econômicos
permanentes, uma massa de trabalhadores subalternos produzindo e a dominação militar
assistindo, no interior e entre os grupos, conflitos que deveriam ser neutralizados.
13
A fim de conter ou mesmo neutralizar as forças desagregadoras que colocam em risco o
modo de organização e dominação social, são definidas forças neutralizadoras, dentre as
quais consta o direito. Entretanto, as formas de controle impostas não se originam somente
pela violência física, mas pela aceitação da dominação por conta da supremacia cultural,
pelo estágio organizativo e tecnológico materialmente mais avançado dos grupos
dominantes. Assim, vão se institucionalizando os modos de poder, dando origem às distintas
formas de ordem política e jurídica das antigas sociedades. O poder político e jurídico nas
primeiras civilizações vai assumindo as seguintes funções:
• Garantir a submissão e trabalho compulsório dos grupos subalternos.
• Difundir a ideologia da aceitação obtendo consenso e interiorização das relações
de poder.
• A manutenção do status quo dos grupos privilegiados.
A ideologia de aceitação é fundamental para reduzir, ou mesmo invisibilizar, a
violência coercitiva. Nesta etapa, as cosmogonias religiosas, os arquétipos, foram os meios
mais eficientes para os grupos religiosos desempenharem a função neutralizadora.
Seguramente, por esta razão o poder político e jurídico assume uma natureza sagrada,
mediadora entre as divindades e os humanos. Na clássica obra “A Cidade Antiga”, Fustel de
Coulanges demonstra que a origem do direito antigo está relacionada a rituais, crenças
religiosas e tradições que se impunham acima da vontade dos homens, e os deuses
estavam presentes na vida diária comandando a cidade. Diz Fustel:
A religião, que exercia tão grande império sobre a vida interior da
ci-dade, intervinha com igual autoridade em todas as relações que as
cidades tinham entre si. É o que se pode ver observando como os
homens daqueles tempos declaravam guerra, faziam as pazes e
ce-lebravam alianças. Duas cidades eram duas associações religiosas
que não tinham os mesmos deuses. Quando estavam em guerra, não
eram apenas os homens que combatiam; os deuses também toma-vam
parte na luta. E não se julgue que isso seja mera ficção poética. Houve
entre os antigos uma crença muito arraigada e viva, em vir-tude da qual
cada exército carregava consigo seus deuses. Estavam convencidos de
que eles combatiam com os soldados, que os de-fendiam, e eram por
eles protegidos (COULANGES, 2004, p. 181-182).
NOTA
Cosmogonia é especulação, idealização, sobre a origem do mundo
constituída por narrativas mitológicas que se aproximam de religião. Os
mitos, em geral, atribuem a divindades virtudes e poderes indiscutíveis.
Mitos – da palavra grega mytus – são narrativas de múltiplas versões
opostas ao real, mas mantidos vivos e perpetuados pelo grupo social.
14
DICA
Confia a obra A Cidade Antiga, de Fustel de Coulanges, em http://
bibliotecadigital.puc-campinas.edu.br/services/e-books/Fustel%20
de%20Coulanges-1.pdf.
Portanto, não é difícil compreender porque nos primórdios da humanidade a
na-tureza religiosa das formas de controle acaba por definir como intérpretes das leis os
sa-cerdotes. As manifestações do direito e as formas de sanção são marcadas por fortes
ritualismos e atos simbólicos que acabam confundindo justiça com magia, e desde aí as
práticas vão avançando de forma dinâmica até a identificação de direito com lei.
Em síntese, dos costumes, do poder doméstico e da religião daqueles
“primeiros tempos” foi se institucionalizando a sucessão hereditária das autoridades
reais e fortalecendo o poder das cidades sobre as aldeias.
Gilissen (2001) indica que as principais características do direito dos povos sem
escrita podem ser:
• A marca do direito dos povos antigos é a diversidade, uma vez que cada
comunidade possuía seus costumes próprios e o isolamento.
• A transmissão das regras de convivência pela tradição oral.
• A forte relação de justiça com religiosidade.
• Por não ser escrito, o direito antigo é bastante limitado quanto à abstração e
generalidade, sendo, em geral, reproduções de casos concretos.
• Identificação de direito com moral e religião.
• As fontes do direito relacionadas a costumes, práticas ancestrais, preceitos verbais etc.
4 O DIREITO DOS POVOS DA MESOPOTÂMIA,
HEBREUS E EGITO
A passagem das formas arcaicas de sociedade para as primeiras grandes
civilizações está relacionada como o surgimento das cidades, a invenção e domínio da
escrita, o advento do comércio e uso de moeda.
Os documentos escritos mais antigos começam a aparecer em torno de 3000
a.C. no Oriente Próximo, na Mesopotâmia e no Egito. Portanto, pouco a pouco a
transmissão oral, que acabou por preservar a memória cultural e identidade dos povos
antigos, adquire forma através da escrita.
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A seguir consta um dos documentos jurídicos mais antigos escritos da
humanidade. Trata-se do Código de Ur-Nammu, criado por um rei sumério de mesmo
nome, escrito em torno de 2050 a.C., “ano em que Ur-Nammu fez justiça na terra”, que
incluía regras sobre impostos, procedimentos de tribunais e leis cerimoniais. Leis que
se aplicavam somente a mulheres escravas e castigos cruéis, como ter o insolente a
boca lavada com sal, aplicação de multas pecuniárias, embora limitadas e atualmente
absurdas, foram importantes avanços para o estabelecimento de limites ao poder real.
FIGURA 2 – FRAGMENTO DO CÓDIGO DE UR-NAMMU
FONTE: <https://hypescience.com/10-documentos-mais-antigos-do-seu-tipo/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Observe bem o tipo de escrita. Trata-se do que se chama escrita cuneiforme,
em forma de cunha, criada pelos sumérios por volta do ano 3500 a.C. Juntamente com
a escrita egípcia, os hieróglifos formam as mais antigas inscrições escritas em tabuletas
de argila.
16
NOTA
Escrita cuneiforme é o nome dado a certos tipos de escritas feitas com auxílio de cunhas.
Inicialmente, eram marcas bastante simples, posteriormente se tornando mais abstratas
e mais sofisticadas, graças ao trabalho dos antigos escribas. Ajustando a posição relativa
da tabuleta ao estilete, o escriba poderia usar uma única ferramenta para fazer uma
grande variedade de signos.
ESCRITA CUNEIFORME
FONTE: <http://universodahistoria.blogspot.com.br/2010/07/escrita-cuneiforme.
html>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Dos povos do Oriente Próximo, destacam-se:
• Egito: embora não tenham transmitido propriamente códigos, os egípcios legaram
fontes indiretas nos textos sagrados e narrativas literárias e, ainda, foi a primeira
civilização a transmitir um sistema de normas individualistas.
• Mesopotâmia: a região compreendida entre os rios Tigre e Eufrates foi ocupada
sucessivamente por distintos povos, como os sumérios, acadianos, hititas e
assírios, que redigiram “códigos” com regrasde direito bastante sofisticadas e com
algum nível de abstração.
• Hebreus: povo antigo que legou nos Livros Sagrados preceitos jurídicos,
posteriormente perpetuados pela Bíblia cristã.
Brevemente, vamos a seguir destacar alguns aspectos dessas extraordinárias
culturas antigas.
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A civilização egípcia foi uma das mais influentes na antiguidade. Ao longo do
Vale do Rio Nilo, considerado por Heródoto (484 a.C.- 425 a.C.), o “pai da história”,
como “dádiva dos deuses”, o Egito se edificou como extraordinário reino organizado em
pequenas províncias – nomos – e governado pelo faraó, um deus vivo. Além de
desenvolverem técnicas agrícolas eficazes, eram excelentes matemáticos, experientes
na área da medicina, na astronomia e, sobretudo, legaram para a posteridade
preciosas obras arquitetônicas e de engenharia.
Entretanto, o fato é que, apesar de toda essa grandiosidade e extraordinário
legado no campo do direito, os egípcios foram mais tímidos quando consideramos seus
“vizinhos” do Oriente Próximo, uma vez que o que se espera é que a condição de
domínio cultural e político fosse acompanhada de sofisticação jurídica.
Os poucos documentos propriamente jurídicos que restam, além da péssima
conservação ao longo do tempo, dificultam a reconstrução e sistematização do direito
egípcio antigo. Entretanto, resumidamente pode-se afirmar que a fonte principal do
direito era a vontade do faraó, que contava com um grupo de “conselheiros” presidido
pelo vizir, espécie de chanceler, que administravam um vasto e próspero império. Da
“boca” do faraó era pronunciada o Maat (direito), símbolo da justiça. Ao que parece, os
egípcios acreditavam em uma espécie de lei ou ordem universal eterna basilar do
próprio poder, de natureza divina a qual o faraó tinha o dever de velar. Segundo o
historiador de direito Jonh Gilissen (1995, p. 53):
Maat é o objetivo a prosseguir pelos reis, ao sabor das circunstâncias.
Tem por essência ser o equilíbrio, o ideal, a esse respeito, é por exemplo
fazer que as duas partes saiam do tribunal satisfeitas. Como é neste
preceito que reside a verdadeira justiça, Maat pode ser traduzido por
Verdade e Ordem, como Justiça propriamente dita.
FIGURA 3 – DEUSA MAAT
FONTE: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/maat-deusa-metis-dos-egipcios-por-artur.
html>. Acesso em: 11 abr. 2017.
18
A figura anterior é uma representação da deusa Maat. Observe que está com
as asas abertas, pronta para voar, como a alma dos mortos e acompanhar a barca
solar de seu irmão Rá. Esposa de Tot, possui na cabeça a pena da verdade, que
pesava sobre todos no momento do julgamento do morto quando ela colocava sua
pluma sobre um dos pratos da balança e no outro oposto o coração do falecido. Se os
pratos ficassem em equilíbrio, a alma seguia sua viagem. Se o coração fosse mais
pesado, era devolvido para Ammut (deusa do inferno, criatura parte hipopótamo, parte
leão e parte crocodilo) para ser devorado.
NOTA
Maat: termo de origem copta, que é um sistema de escrita originado no
século IV a.C. no Egito, que expressa uma espécie de idealização
filosófica de justiça relacionada com verdade e ordem, que deveria
orientar as decisões dos governantes.
FIGURA 4 – A PENA DE MAAT É O CONTRAPESO PARA O CORAÇÃO DO MORTO
FONTE: <http://arturjotaef-numancia.blogspot.com.br/2013/08/maat-deusa-metis-dos-egipcios-por-artur.
htm>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Há uma bela estória preservada por antigos papiros que serve como fonte de
compreensão para a prática da justiça egípcia. Trata-se do “Conto do Camponês
Eloquente”, datada de 2070 a.C., que mostra como as palavras sábias e justas
convencem e encantam e que a indignação com a injustiça e com a maldade humana é
própria da condição do homem ao longo da história.
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NOTA
“Conto do Camponês Eloquente” se trata de um antigo conto que pode ser
sintetizado da seguinte maneira:
Um camponês andava pelo Egito com seu burrico vivendo de pequenos
serviços que prestava.
O camponês andava pelo Egito, com seu jegue, vivendo de pequenos serviços
que prestava nas fazendas, mas ao passar por uma certa propriedade, foi
surpreendido pelo administrador local que, por maldade, queria tomar o animal
do pobre homem. Para lograr êxito, o perverso homem jogou um longo tecido
no chão, forçando o camponês a desviar o caminho e
passar pela plantação, destruindo parte do que pertencia ao dono
da fazenda. O administrador puniu o camponês, retendo
seu animal e os poucos bens que o pobre possuía e o agrediu, certo de que
sairia impune da injustiça que cometera. Inconformado, o camponês foi até
a vila, onde vivia o proprietário da área; foi recebido e fez sua queixa.
O proprietário encantou-se com os argumentos do camponês. Pelo prazer de
ouvir tão bom orador, adiava a solução do caso para poder ouvir os belos
e bons argumentos. Até que, por fim, o camponês recorreu ao faraó, que
também encantado, ordenou que um escriba copiasse os argumentos do
camponês bem-falante.
O caso permanecia aberto. Irritado, o camponês deixou a cidade, desesperado
com a injustiça que sofria, e o dono das terras ordenou que se capturasse o
pobre homem. Para espanto do pobre homem, o proprietário-juiz atendeu sua
súplica, ordenando a devolução do seu animal e dos bens sequestrados pelo
injusto administrador. Determinou também que este último entregasse ao
camponês tudo o que possuía. O administrador
ficou pobre, como o camponês que um dia humilhou. Em recompensa, o
camponês passou a administrar a propriedade.
Em geral, os historiadores costumam considerar que o povo egípcio era adepto
de punições curiosas e cruéis, chegando a serem sádicas. A flagelação era adotada em
muitos casos, assim como o uso de varas para arrancar confissões. Abandono à
voracidade dos crocodilos, estrangulamento, decapitação, embalsamamento vivo e
empalhamento eram formas de execuções.
Muitos autores ressaltam importantes institutos jurídicos, como Família,
conside-rada a célula social por excelência, era restrita ao pai, mãe e filhos menores que
ganhavam emancipação após certa idade; o Testamento, que permitia total liberdade de
deixar a sal-vo a reserva hereditária dos filhos. Os bens móveis e imóveis eram passíveis de
alienação, havendo comum prática de comércio, evidenciando atividade contratual
frequente.
Em síntese, a sociedade egípcia dominada pelas castas sacerdotais foi
marcada por toda uma cultura desenvolvida a partir da profunda religiosidade dominada
por um poder teocrático cuja obrigação era preservar o princípio de Maat. Suas crenças
e cultos serviam de base para toda organização política e jurídica, bem como na
literatura, arte, medicina e astronomia.
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FIGURA 5 – GRAVURA NA PAREDE DO TEMPLO - OFERENDA À MAAT
FONTE: <https://www.projuris.com.br/como-era-o-direito-no-egito-antigo>. Acesso em: 11 abr. 2017.
Nas paredes dos templos se poderia ver o faraó fazendo suas oferendas a
Maat e aceitando suas dádivas.
Chama-se direito hebraico (Mischpat Ibri) ao conjunto de regras dos antigos
israelitas, povo de origem semita, marcado por sua natureza e origem divina. Desde o
monoteísmo é uma lógica de direito que tem como núcleo a Torah (Pentateuco),
composta por cinco livros sagrados: Gênesis (BereshitI), Êxodo (Shemot), Levítico
(Va-yikra), Números (Ba-midbar) e Deuteronômio (Debarin). São no total 613 leis que
compõem a Torah, sendo 365 preceitos negativos e 248 positivos.
Segundo a tradição, Moisés é a figura-símbolo da nação israelita, escolhido por
Deus para receber a revelação do Decálogo – dez mandamentos –, que acabou se
tornando o grande princípio ético, jurídico e religioso desse povo e assumido pelo
cristianismo.
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FIGURA 6 – MOISÉS COM AS LEIS - QUADRO DE REMBRANT (MUSEU DE BERLIM)
FONTE: <https://institutopoimenica.com/2012/09/17/moiss-e-as-tbuas-da-lei-rembrandt/>. Acesso em:
11 maio 2017.
Segundo as escrituras sagradas, todo fundamento de justiça é divino e somente em
Deus ela é perfeita e absoluta. Tendo como referência principal o amor ao próximo e a
caridade, o justo é aquele que dá omelhor de si para agir segundo as leis de Deus,
ajudando no progresso da humanidade sem medir esforços para ajudar ao próximo.
As leis hebraicas, assim como outros povos da antiguidade, de caráter civilista,
diziam respeito a negócios entre particulares, ao uso do penhor como garantia de
débito, não permitindo a exploração de seu próximo, razão pela qual alguns bens
imprescindíveis para a sobrevivência eram impenhoráveis, não podendo ser cobrada
dívida no ambiente doméstico para não humilhar a família.
“Se emprestares alguma coisa a teu próximo, não invadirás a casa para te
garantires com algum penhor. Ficarás do lado de fora, e o homem a quem emprestaste,
te trará fora o penhor” (Dt. 24:10-11). Na Torah, estão os principais institutos jurídicos
do povo hebreu, como:
• Família: de estrutura patriarcal, o pátrio poder era vitalício. As
filhas poderiam ser vendidas como escravas e havia a previsão
de servidão por dívida. A esposa poderia ser comprada e paga
com moedas ou serviços, podendo ser a mulher repudiada, o
que não ocorria com os homens, cuja punição apenas existia
em caso de adultério praticado com mulher casada.
• Sucessão: as mulheres não tinham direito sucessório e apenas
o primogênito tinha direito à herança.
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• Penal: o conceito de crime e castigo era de natureza religiosa,
tendo como pena comum a morte por apedrejamento. São
considerados crimes graves os delitos contra a divindade –
como idolatria e blasfêmia –, contra seu semelhante – lesões
corporais, homicídio etc. –, delitos contra a propriedade – roubo,
falsificações, furto; os contra a honestidade – adultério, sedução
etc. –, e contra a honra – falso testemunho e calúnia.
• Penas: desde penas corporais, como pena de morte e flagelação,
até a excomunhão, além do uso da famosa pena de talião:
• Mas, se houver dano grave, então, darás vida por vida, olho por olho,
dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queima-dura,
ferimento por ferimento, golpe por golpe (Êx. 21.23-25).
Destaca-se que o direito talmúdico – doutrina, estudo e interpretação dos livros
sagrados – ainda é pouco estudado em nosso meio acadêmico, o que, por sua
complexidade, sem dúvida, constitui um imenso legado à modernidade, sobretudo pela
sua inserção no cristianismo ocidental, como adiante será estudado.
5 O CÓDIGO DE HAMURABI: UMA PRECIOSA
HERANÇA DA MESOPOTÂMIA
A região da Mesopotâmia é a região do Oriente Próximo que legou importantes
escritos com relatos dos povos que lá habitaram desde o IV milênio antes de nossa era.
Os sumérios foram os primeiros habitantes a terem a preocupação de desenvolverem
um sistema de escrita, e por esta razão é possível que eles tenham sido os criadores
dos primeiros códigos. O Código de Ur-Nammu, datado de aproximadamente 2040, é
importante documento histórico constituído de leis registradas em um maciço de pedra
– estela, palavra de origem grega (stela), que significa “pedra erguida” –, em monolitos
com esculturas e/ou textos em relevo.
FIGURA 7 – A ESTELA DE UR-NAMMU
FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/446137906816601475/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
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Outros códigos foram encontrados na região, tais como as Leis de Eshnunna,
datado de cerca de 1939 a.C., encontrado no sítio arqueológico de Tell Harmal. Bem
como o Código de Lipit-Ishtar em língua suméria, com traços de escrita acádia, escrito
por volta do ano 1860 a.C. Contudo, estudiosos chamam a atenção para o fato de que
esses códigos, chamados de pré-hamurábicos, não formam propriamente um código no
sentido moderno do termo, uma vez que as leis das cidades não eram tratadas em tais
documentos. Além de que, a preocupação em sistematizar e organizar as leis em
códigos é um fenômeno próprio da modernidade, como adiante veremos.
De todos os antigos códigos da Mesopotâmia, sem dúvida, o mais destacado
é o Código de Hamurabi, encontrado em 1902 pelo arqueólogo francês Jacques
de Morgan no atual Irã e, atualmente, encontra-se no Museu do Louvre. Escrito em
letras cuneiformes em um monólito de pedra, é certo que se trata de um conjunto de
leis promulgadas pelo rei Hamurabi (1726 a.C. – 1686 a.C.), que governou a Babilônia
transformando-a em um grandioso império. No preâmbulo do Código, com 282 artigos,
se lê o seguinte texto:
Quando o alto Anu, Rei de Anunaki e Bel, Senhor da Terra e dos céus,
determinador dos destinos do mundo, entregou o governo de toda a
humanidade a Marduc; quando foi pronunciado o alto nome da Babilônia;
quando ele a fez famosa no mundo e nela estabeleceu um duradouro
reino cujos alicerces tinham a firmeza do céu e da terra, por esse tempo
Anu e Bel me chamaram, a mim Hamurabi, o excelso príncipe, o
adorador dos deuses, para implantar justiça na terra, para destruir os
maus e o mal, para prevenir a opressão do fraco pelo forte, para iluminar
o mundo e propiciar o bem-estar do povo. Hamurabi, governador
escolhido por Bel, sou eu; eu o que trouxe a abundância à terra; o que
fez obra completa para Nippur e Dirilu; o que deu vida à cidade de Uruk;
supriu água com abundância aos seus habitantes; o que tornou bela a
nossa cidade de Brasíppa; o que encelerou grãos para a poderosa
Urash; o que ajudou o povo em tempo de necessidade; o que
estabeleceu a segurança na Babilônia; o governador do povo, o servo
cujos feitos são agradáveis a Anuit.
A breve leitura nos permite compreender quem foi Hamurabi e suas virtudes
como “executor da justiça”, “escolhido pelos deuses”, de “sabedoria incomparável” e
tantos outros atributos que tornavam seu Código uma autêntica obra-prima para toda
posteridade.
24
FIGURA 8 – CÓDIGO DE HAMURABI
FONTE: <https://i.pinimg.com/564x/42/a1/25/42a125cc95523e92bb0c0dbcd278dbb6.jpg>. Acesso em:
11 abr. 2017.
Na parte superior, está o preâmbulo e a figura de Hamurabi diante do deus
sumé-rio Shamash recebendo o Código, representado por uma régua. A seguir estão
dispostos os artigos que evidenciam institutos jurídicos, como contratos, vendas,
arrendamentos, empréstimos a juros, adoção etc., sendo bastante conhecidas as penas
punitivas aplica-das, que variavam de mutilações à morte na fogueira, por enforcamento e
empalamento. De todos os artigos, o mais conhecido é o 196, que diz: “Se alguém vazou o
olho de um homem livre, ser-lhe-á vazado o seu também”. Repete a famosa lei de Talião,
que, como já vimos, era referência comum nos povos antigos para aplicação das penas.
DICAS
Sugerimos, a você, conhecer melhor todos artigos do Código de Hamurabi,
no site http://www.ebanataw.com.br/roberto/pericias/codigohamurabi. htm.
Você se surpreenderá com a riqueza jurídica desse documento.
Em síntese, estudando brevemente os povos antigos, não é difícil perceber que,
em diferentes momentos da história e sob distintas formas, vamos sempre encontrar um
conjunto de normas que espelham os valores, a cultura, as relações de poder e o modo
de vida da sociedade, e a esse instrumento magnificamente construído vamos chamar
de Direito e Justiça, e em seu nome continuamos a marcha da história e edificamos
nossas civilizações.
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RESUMO DO TÓPICO 1
Neste tópico, você aprendeu:
• O direito é um fenômeno cultural que surge na medida em que as relações
humanas se tornam mais complexas.
• Nos primórdios da civilização, não há separação entre direito, religião e moral, uma
vez que há uma mesma fonte de produção das normas de regulação social: o
sobrenatural.
• Com diversidade, é possível identificar elementos comuns entre as distintas formas
de direito nos povos antigos.
• Os povos da Mesopotâmia elaboraram os primeiros códigos da humanidade de que
se tem notícia.
• Os hebreus criaram seu direito com base em sua profunda fé e religiosidade e
legaram, através do cristianismo, princípios jurídicos relevantes à sociedade
contemporânea.
• Os egípcios, embora sem a mesma concepção de direito que os demais povos
antigos, possuíam regras de conduta relacionadas com a crença na vida pós-morte.
26
AUTOATIVIDADE
1 Os documentos escritos mais antigos começam a aparecer em torno de 3000 a.C. no
Oriente Próximo, na Mesopotâmiae no Egito. Portanto, pouco a pouco a transmissão
oral, que acabou por preservar a memória cultural e a identidade dos povos antigos,
adquire forma através da escrita. Assinale a alternativa CORRETA, que apresenta
alguns acontecimentos que, estão relacionados com a passagem das formas
arcaicas de sociedade das primeiras grandes civilizações:
a) ( ) Surgimento das cidades, a invenção e o domínio da escrita, o advento do
comércio e uso da moeda.
b) ( ) Por não ser escrito, o direito antigo é bastante limitado quanto à abstração e
generalidade, sendo em geral, reproduções de casos concretos.
c) ( ) Apenas a transmissão das regras de convivência pela tradição oral.
d) ( ) Apenas os costumes do poder doméstico e da religião.
2 Segundo o historiador do direito John Gilissen (2001), os povos sem escrita da
anti-guidade possuem algumas características comuns, como regras jurídicas abstratas,
poucas e limitadas, direito e religião umbilicalmente entrelaçados, dentre outras. So-bre
os povos antigos sem escrita, qual foi a região ocupada pelos que se destacaram?
FONTE: GILISSEN, J. Introdução histórica ao direito. 3. ed.
Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
a) ( ) O vale do chamado Crescente Fértil.
b) ( ) Os vales e montanhas do Rio Mekong.
c) ( ) O deserto do Saara.
d) ( ) As montanhas dos Andes.
3 A civilização egípcia herdou para a história notável conhecimento no campo da arte,
medicina, engenharia, matemática etc. Foi uma das mais avançadas e complexas
sociedades do mundo antigo. Entretanto, no campo jurídico, propriamente dito, o
legado egípcio foi tímido quando comparado aos povos da Mesopotâmia.
Considerando o aprendizado acerca da cultura egípcia, descreva o conceito de
justiça daquela civilização.
4 O monólito de pedra no qual foi esculpido o Código de Hamurabi foi encontrado no
ano de 1901, em uma expedição arqueológica comandada por Jacques de Morgan,
na atual região do Irã. O Código, entre outras significações que possui, representa
uma importante mudança para os povos da região. Sobre essa mudança, assinale a
alternativa CORRETA:
27
a) ( ) A mudança da tradição oral para a escrita.
b) ( ) A introdução da pena de prisão em substituição da pena de morte.
c) ( ) O fim da crença na origem divina das leis.
d) ( ) A criação do direito a partir do poder político.
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UNIDADE 1 TÓPICO 2 -
O MUNDO GRECO ROMANO E SEU LEGADO
1 INTRODUÇÃO
No mundo grego antigo, encontramos a semente das primeiras reflexões e
indagações de natureza filosófica, política e jurídica a partir da qual floresceu o pensamento
ocidental. Por exemplo, no campo da política, a cidade de Atenas legou ao mundo a ideia de
democracia. Grandes pensadores tornaram-se permanente fonte intelectual a todas as
gerações que os seguiram. O modo de vida, a cultura helênica corporificada nas majestosas
obras literárias e os princípios e valores éticos fazem do antigo mundo grego seguramente
um dos berços da humanidade. O mundo grego antigo, universo helênico, não era uma
unidade, mas sim um conjunto de pólis independentes.
FIGURA 9 – GRÉCIA NO SÉCULO V a.C.
FONTE: <http://www-storia.blogspot.com.br/2014/05/as-grandes-guerras-no-mundo-grego.html>. Acesso
em: 11 abr. 2017.
29
A concepção de vida cosmopolita grega, a vida na pólis, desenvolveu-se
lentamente a partir de um processo de sedentarização com a desagregação dos
primitivos clãs. A origem no Período Micênico (1500-1100 a.C.) confunde-se com
lendas e mitos que coincidem com a Idade do Bronze. Ao que se sabe, os antigos
habitantes da região foram os aqueus, cários, jônios e dórios, provavelmente originários
da Anatólia, com vínculos de parentesco que se espalharam após guerras locais. A
geografia da região, caracterizada por montanhas e terras de pouca fertilidade e
proximidade com o mar, fez com que esse povo se expandisse.
NOTA
A península da Anatólia, “terra do hitita”, também conhecida como Ásia
Menor, é banhada pelo mar Negro ao norte, o Mediterrâneo a oeste, o
mar de Mármara a noroeste.
Pode-se sintetizar a evolução histórica grega da seguinte forma:
QUADRO 1 – PERÍODOS DA HISTÓRIA GREGA
Período pré-homérico Período inicial de desenvolvimento cretense e minoico.
(1900-1100 a.C.) A sociedade grega como conhecemos ainda não havia surgido.
Este período é descrito pelo poeta Homero, que narra em
Período homérico suas histórias “Ilíada” e “Odisseia” a etapa fundacional do povo
(1100-700 a.C.) grego, em que mito, deuses e semideuses conviviam entre os
homens.
Período de Etapa sem a utilização da escrita, o que dificulta sua descrição
obscuridade
histórica.
(1150-800 a.C.)
Período arcaico Consolida-se o conceito político de pólis, ao mesmo tempo
em que é criado o alfabeto fonético e há o desenvolvimento
(800-500 a.C.)
urbano e econômico.
Período clássico Auge do Império Grego, destacando as cidades-estados de
Esparta e Atenas. Etapa marcada por dezenas de guerras
(500-338 a.C.)
internas (Guerra do Peloponeso) e externas (guerras médicas).
Período helenístico Período marcado pela grande expansão macedônica, fazendo
(338-146 a.C.) fundir-se a cultura grega com outras culturas orientais.
FONTE: A autora
30
Nas distintas pólis, mesmo nas grandes Atenas e Esparta, havia especificidades
quanto aos modelos políticos que vigoraram em inúmeras ocasiões, são eles:
• Tirania: Diferente do que entendemos hoje, a tirania caracterizava-se pela tomada do
poder por um indivíduo nobre que elaborava leis e projetos políticos, alguns para
diminuir as desigualdades sociais, como divisão igualitária da terra e perdão de dívidas.
• Democracia: Grande conceito político legado ao mundo ocidental que se exercia
através da eleição de seus membros sorteados ou escolhidos entre os cidadãos.
• Aristocracia ou oligarquia: Nesse modelo, o cargo de magistrado era hereditário
e predominava a decisão dos conselhos.
Ao longo da história grega floresceram como principais cidades:
• Atenas: Principal cidade com forte desenvolvimento econômico. Berço da
democracia e da filosofia, foi fundada pelo Jônios, liderou a liga das cidades
democráticas (liga de Delos).
• Esparta: Sua grande característica diz respeito à sua educação. Os meninos já eram
treinados e educados com um único propósito: servir Esparta. Quando a criança
completava sete anos de idade, a responsabilidade de orientá-lo não cabia mais
aos seus pais e sim ao Estado espartano.
FIGURA 10 – MENINO TRANSFORMADO EM SOLDADO
FONTE: <http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-que-mostram-o-quao-dificil-era.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
DICAS
No site a seguir, você encontrará interessantes informações do modo
de vida espartano e quão difícil era viver naquela cidade e naquela
época:
http://kid-bentinho.blogspot.com.br/2013/12/9-razoes-que-mostram-o-
quao-dificil-era.html.
31
Em particular, os atenienses consideravam a vida pública, a vida na pólis, a
forma mais perfeita de convivência humana que deveria ser aprimorada pelos homens.
No período áureo da democracia (entre os anos 580 a 338 a.C.), os cidadãos, homens
livres e iguais, deliberavam sobre seus destinos políticos. A concepção de cidadania
grega é muito distinta da atual. Apenas eram cidadãos os nascidos em Atenas, homens
e maiores de 20 anos, ficando excluídos os estrangeiros (metecos), as mulheres e a
grande massa de escravos.
Para os atenienses, o homem que não era político ou não se interessava pela
política era um inútil.
Reunidos na Ágora, espécie de praça pública, deliberavam com entusiasmo
sobre as grandes questões da pólis, desempenhando o mesmo papel que hoje é
reservado aos Parlamentos de Estado. Esse era o sentido de democracia: o cidadão
decidindo diretamente sobre seu destino. Porém, se compararmos aos dias atuais, o
procedimento não era democrático, uma vez que poucos participavam e decidiam.
Segundo os historiadores, Atenas, por volta do ano 480 a.C., contava com 30.000
cidadãos (homens livres e adultos), 90.000 mulheres e crianças, e mais a grande
massa de escravos e estrangeiros, somando um total de 150.000 habitantes.No auge
dessa civilização, em 430 a.C., Atenas chegou a ter 250.000 habitantes, sendo 40.000
cidadãos, 120.000 mulheres e crianças, 20.000 estrangeiros e 60.000 escravos.
FIGURA 11 – ÁGORA - SÍMBOLO DA DEMOCRACIA
FONTE: <http://pra-pensar.org/wp/blog/2014/04/16/a-democracia-nao-existe-viva-a-democracia/>. Aces-
so em: 11 abr. 2017.
32
Em Atenas, pelas constantes guerras e condições de saúde da época o índice de
mortalidade era muito alto e, consequentemente, a longevidade era baixa. A cada 100
adultos com 20 anos, 70 viviam até 30, 25 até os 60 e somente 7 vivam até os 80 anos. A
mortalidade era maior entre as mulheres porque a gestação e parto eram de alto risco.
Os homens casavam-se, em geral, após o serviço militar, após os 30/40 anos e
as mulheres perto dos 20.
Os escravos trabalhavam ao lado de seus senhores na agricultura, no serviço
doméstico e públicos, como burocratas, recebendo tratamento quase familiar, pouco se
distinguindo dos homens livres, seja pela vestimenta, seja pela cultura ou modos. Os
escravos eram prisioneiros de guerra e de pirataria, vendidos por mercadores
estrangeiros, possivelmente capturados nas guerras. O que chama a atenção de muitos
historiadores é que se tem poucas notícias de rebeliões de escravos, diferente de
Roma, como veremos a seguir.
Nas relações familiares se conhecia o divórcio recíproco, com iguais direitos para
homens e mulheres. Praticavam de maneira legal o abandono de crianças.
Diferenciavam-se na maneira de se vestir, tornando visível a diferença entre pobres e ricos,
uma vez que as roupas tendiam a ser semelhantes para as mesmas classes sociais. Talvez
por essa razão se considerava crime o furto de roupas no ginásio de esporte.
A religiosidade grega era constituída por festivais, rituais, divertimentos,
sacrifícios, oráculos etc. Era um tipo de religiosidade pouco dogmática e pouco
doutrinária. Nos diz Finley (1998, p. 10) que:
O que falta – exceto entre raros pensadores isolados, sem influência
sobre o povo, como por exemplo, Platão e Epicuro – era um conjunto
de doutrinas sistematicamente formulado, um dogma ou um credo.
Assim, podia também ocorrer blasfêmia ou sacrilégio – mau
procedimento para com os deuses, o que lhes provocaria a ira, se
não fosse punido – porém nem ortodoxia nem heresia.
Toda religiosidade grega era inerente ao politeísmo, que foi aumentando pelo
acréscimo ao longo dos séculos de seres sobrenaturais – deuses, semideuses, espíritos,
demônios, heróis etc. – com “personalidades” peculiares. Não era possível conhecer a
to-dos e muito menos descrevê-los. Somente na Teogonia de Hesíodo constam 350 nomes.
33
NOTA
“Teogonia” é um termo que vem do grego “teo” (deus) e “gonia” (nascimento). Poema
épico escrito provavelmente no séc. XIII a.C., possui 1.022 versos, estabelece uma ordem
cronológica e hierárquica entre os deuses e demais entes mitológicos que faziam parte
do imaginário grego da época. Trata-se de uma obra grandiosa, comparada às grandes
narrativas de Homero.
TEOGONIA
FONTE: <https://www.resumoescolar.com.br/historia/teogonia-de-hesiodo/>. Acesso
em: 11 abr. 2017.
Cada comunidade cultuava suas divindades ou deuses protetores, para os
quais havia cultos cívicos e cada família reconhecia a deusa Héstia, protetora do lar.
Obedeciam aos oráculos e participavam das festividades promovidas pelo Estado ao ar
livre. Faziam altares e muitos sacrifícios e nada se prendia a uma autoridade central.
Não havia “igrejas”. Portanto, não havia seres humanos com missão divina. Nos diz
Finley (1998, p. 13) que “a palavra grega hiereus (sacerdote) normalmente se refere a
um celebrante leigo encarregado da administração do culto público”. Em Atenas, o mais
importante celebrante era um Arconte, que recebia o nome de baliseus. Regras e
procedimentos lhe eram impostos e ocupava o cargo por um curto período de tempo.
34
NOTA
“Arconte” eram os antigos magistrados, cargo reservado somente aos
cidadãos e filhos da pólis.
Politicamente, inexistia uma autoridade grega central. As pólis surgiram no
período helênico, que foi a fase áurea. Antes disso, o mundo era constituído por
pequenas comunidades autônomas que se autodenominavam poleis. Ocasionalmente,
faziam alianças entre si para guerrearem entre si ou comercializarem, mas nunca a
ponto de impor seus costumes ou cultura. Portanto, não havia uma uniformidade ou
unidade entre os gregos antigos.
Entendem muitos historiadores que esta autonomia e ausência de autoridade
central contribuía para a preservação do modo de pensar e ser do povo grego, porque
não havia contradição entre o “império” e o “súdito”, o que não despertaria sentimento
ou necessidade de resistência.
Porém, foi a política – vida na pólis – que permitiu florescer a civilização grega
a partir do séc. VIII a.C. Após o longo período chamado de homérico, porque nos é
permitido conhecer através das narrativas épicas de Ilíada e Odisseia, a realeza entra
em crise, cedendo espaço à aristocracia, que se apropria progressivamente das
prerrogativas de poder. Nesta fase, o poder é repartido entre as elites, que o
desmembram em três funções: militar – exercida pelo Polemarco; administrativa –
exercida pelo Arconte e religiosa – exercida pelo Arconte Baliseus.
Neste primeiro momento, o poder começa a sair das mãos da aristocracia (esfera
privada) e vai sendo transferido para a ordem pública. Assim, o poder não é mais exercido
por uma pessoa. O poder – arché – passa a ser uma função cujo exercício é escolhido por
tempo determinado e começa a ser apropriado pelos que possuíam direito de cidadania. Ao
longo da história de Atenas, principalmente entre os séculos VIII e IV a.C., há uma
crescente expansão das prerrogativas políticas para os homens livres, que vai edificar o
grande legado daquela civilização: a democracia, chamada como isonomia – igualdade
perante a lei. Esse regime tornou-se complexo, caracterizado pela rotatividade de controle e
exercício de poder, assegurando a maior participação possível.
Esse regime teve como base as reformas políticas promovidas por Clístenes
(509-508 a.C.), que democratizou os mecanismos de participação, csegundo os quais
cada cidadão, em algum momento de sua vida, seria governante. Dessa maneira,
rompiam-se as barreiras entre governantes e governados e os cidadãos tornam-se
“senhores de seu destino”.
35
É a partir dessas bases que vamos compreender o direito grego, porque é o
direito que estará nas bases de sustentação desse regime.
2 A CONCEPÇÃO DE DIREITO E JUSTIÇA GREGA
É comum se dizer que os gregos, ao contrário dos romanos, na tradição
jurídica pouco legaram ao Ocidente. Essa é uma meia verdade!
Primeiramente, a filosofia grega teve papel relevante para a edificação do
pensamento jurídico moderno. Conforme o estudo da Filosofia do Direito, a concepção
de lei como expressão da vontade de uma coletividade e como regulação da vida
comum na cidade – na pólis – é que norteou a filosofia grega para pensar a ordenação
do mundo a partir da racionalidade. Os sofistas, com seus debates filosóficos,
contribuíram para se pensar sobre as grandes questões humanas, a liberdade e o
sentido da justiça. Como se faz a lei? A quem elas servem e para que servem? Essas
questões faziam com que os sofistas fossem malvistos. Talvez porque ensinavam o que
todos deveriam saber: o bem e o direito à liberdade.
Os debates filosóficos que se aprofundam e se reorientam com Sócrates,
Platão e Aristóteles, que foram além do senso comum, contribuíram para a criação de
um espaço público em que o discurso vai muito além do mito. Até então eram os
poetas-videntes que recebiam das deusas, ligadas à memória (deusa Mnemosyne),
uma iluminação, revelação sobrenatural, que dizia como os homens deveriam tomar
suas decisões segundo a vontade dos deuses. Com os filósofos surge a política e a
ideia de que os homens deveriam seguir as leis e a justiça segundo a vontade de cada
um, expressa publicamente, que deveria convencer aos demais. O diálogo, a palavra
partilhada, passa a conduzir a decisão racional. A políticavaloriza o humano, seu
pensamento e capacidade de persuasão.
A solidariedade cívica da vida na pólis exige regras universais e justas. Sobre o
assunto, Lima Lopes (2012, p. 22) traz que:
Talvez não seja por acaso que os estoicos no final do século IV a.C.
e nos séculos seguintes completem mais um salto qualitativo na
direção da universalidade. Se acima das solidariedades familiares é
possível construir uma solidariedade cívica, então é possível que
haja uma solidariedade ainda mais universal, cosmopolita. Num
mundo construído pelo império helenístico e depois pelo império
romano, num Mediterrâneo totalmente helenizado, os estoicos vão
pregar uma cidadania universal, um pertencimento ao gênero
humano. E os juristas romanos serão, a seu tempo e a seu modo,
influenciados pelas reflexões estoicas, para falarem de ius gentium.
Lima Lopes (2012) ainda nos esclarece muito bem como os debates filosóficos
acerca da pólis vão edificando uma civilização que será vista pelos estrangeiros e por si
mesmos como um modelo.
36
Compreender o direito e a justiça grega é compreender o próprio modo de vida
na cidade como resultado da superação dos antigos vínculos familiares, portanto,
deve-se estudar o direito grego desde a consolidação da política e da filosofia, uma vez
que as leis e seus fundamentos brotam das relações entre os cidadãos unidos pelo
sentimento de justiça.
Porém, estudar direito grego exige do pesquisador um grande esforço, uma vez
que há precariedade de suas fontes, mas quais são as fontes do direito grego? Para o
historiador Gilissen (1995, p. 11), são cinco as fontes do direito:
• As epopeias de Homero (Ilíada e Odisseia).
• Os discursos e obras literárias e filosóficas.
• As inscrições jurídicas encontradas nas obras arquitetônicas.
• Os fragmentos de leis.
DICAS
Pesquise a respeito da famosa Biblioteca de Alexandria, que reuniu as
maiores obras da antiga Grécia. Diziam que reunia os “livros de todos os
povos da Terra”, chegando a reunir milhares de antigos pergaminhos e
rolos de manuscritos. Diversas narrativas contam acerca da destruição.
Há um interessante filme que, certamente, você gostará, “Alexandria”,
em https://www.youtube.com/watch?v=6UURHhHiIc4.
Por exemplo, na conhecida e clássica obra de Sófocles Antígona, escrita no
século V a.C., Antígona era uma das filhas de Édipo, trágica figura masculina
amaldiçoada pelos deuses por ter assassinado seu pai e, por engano, casado com sua
mãe e ter assumido o trono do pai assassinado. Após a morte de Édipo, conta a
estória, irrompe uma guerra civil e trava-se uma batalha nas portas da cidade de Tebas.
Seus dois filhos comandam facções rivais e travam uma batalha e matam-se. O irmão
de Édipo, Creonte, tio de Antígona, era então senhor da cidade e resolve transformar a
morte de Policine, o irmão que havia lutado contra ele em escárnio, e determina que
seu corpo permaneça insepulto. A morte seria decretada ao que contrariasse tal ordem.
37
FIGURA 12 – ANTÍGONA ENTERRA SEU IRMÃO
FONTE: <http://portfoliocursoevc.blogspot.com.br/2013/04/video-aula-1-contexto-historico-dos.html>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
Antígona, perturbada pela morte dos irmãos, mas não aceitando que um fosse
sepultado com honras enquanto o outro servisse de comida para os abutres, decide
contrariar o rei. Ela se sente motivada pelo dever normativo que transcende sua
posição de súdita e, entre a obrigação imposta pelo rei e as leis divinas de sepultar seu
irmão, dá ao corpo de Polinice um fim honroso. Quando descoberta, é levada diante do
rei Creonte, que oferece a oportunidade de negar que tivesse conhecimento de sua lei,
sua determinação, a fim de salvá-la do triste fim. De forma corajosa, Antígona nega a
oferta do rei. Leia o belo diálogo:
Creonte: ô Antígona. Que parte da minha ordem “não pode enterrá-lo” você não
entendeu? Vai dizer que não sabia?
Antígona: Estaria mentindo se dissesse que não conhecia a ordem. Como poderia
ignorá-la? Ela era muito clara.
Creonte: Portanto, tu ousaste infringir a minha lei? Tá maluca?
Antígona: Descumpri mesmo. Quer saber por quê? Porque não foi Zeus que a
proclamou! Não foi a Justiça, sentada junto aos deuses inferiores; não, essas não são
as leis que os deuses tenham algum dia prescrito aos homens, e eu não imaginava
que as tuas proibições fossem assaz poderosas para permitir a um mortal descumprir
as outras leis, não escritas, inabaláveis, as leis divinas! Estas não datam nem de hoje
nem de ontem, e ninguém sabe o dia em que foram promulgadas. Poderia eu, por
temor de alguém, qualquer que ele fosse, expor-me à vingança de tais leis?
Esta magnífica obra nos traz muitas tensões, dentre as quais as “legais”, quais
sejam:
38
• A exigência do Direito Natural frente ao Direito Positivo.
• A imperatividade da norma jurídica.
• O primitivo e incipiente exemplo de desobediência civil.
• O dever do indivíduo para com sua família versus seu dever para com o Estado.
• A subjetividade individual frente às regras objetivas do corpo social.
O drama existencial de Antígona é muito pessoal e as regras do poder
instituído não lhe davam respostas! Será que nos dias de hoje dariam?
Antígona nos fala dos aspectos trágicos e contraditórios da existência humana,
talvez sem solução.
A obra nos serve de início ao estudo do direito grego. Nos ensina que quando
as instituições não oferecem possibilidade de debate e questionamentos, emergem
ambiguidades e abusos de poder.
As leis mais antigas que se conhece são as leis de Drácon, de 621 a.C.
Colocam fim à solidariedade familiar e tornam obrigatório o recurso aos tribunais para
os conflitos entre os clãs. Como já dito, o fim da solidariedade familiar cria as bases
para uma solidariedade cívica, para além do círculo familiar.
FIGURA 13 – DRACO - LEGISLADOR GREGO
FONTE: <http://veja.abril.com.br/blog/sobre-palavras/draco-o-primeiro-dos-draconianos/#>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
Conhecido pela severidade, lei draconiana passou a ser sinônimo de lei dura, o
primeiro código de Atenas introduziu importantes conceitos do direito penal, tais como:
a diferença entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa.
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Posteriormente, já entre os anos de 594 e 593 a.C., Sólon cria um novo código de
leis, promovendo ampla reforma institucional, social e econômica. Na economia, além de
incentivar a cultura de oliveiras e vinhas, bem como a exportação de azeite, atraindo muitos
estrangeiros com a promessa de cidadania, obrigou os pais a ensinarem um ofício a seus
filhos, sob pena de ficarem desobrigados a ampará-los na velhice. Criou o Tribunal da
Heliaia, no qual qualquer pessoa poderia recorrer garantindo o princípio de que a lei está
acima de qualquer magistrado. Esse Tribunal julgava tanto causas públicas como privadas,
exceto os crimes de sangue. Seus membros eram os chamados heliastas e eram escolhidos
por sorteios anuais entre os cidadãos. Juridicamente, Sólon instituiu a igualdade civil e
suprimiu a propriedade coletiva dos clãs, além de acabar com servidão por dívida,
estabeleceu institutos importantes como a adoção, testamento etc.
A democracia é uma criação de Sólon. Através de assembleias, os cidadãos
tomavam a justiça em suas mãos e com isso promoviam o debate sobre a justiça e o ético.
Nesse modelo, a retórica era parte essencial para o convencimento daquilo que
cada cidadão defendia e acreditava. O objetivo era persuadir pela força dos argumentos.
Na prática da justiça ateniense não havia advogados, juízes, promotores
públicos; apenas os litigantes, os adversários, se dirigiam aos membros do Tribunal.
Pensar em prática de advocacia naquele tempo era impossível! Seria uma espécie de
cumplicidade para enganar e/ou fraudar. Mesmo assim, havia os chamados
“logógrafos”, que redigiam os discursos que a parte deveria fazer.
Para evitar a corrupção na prática da justiça, os gregos criaram a “delação
premiada”, mas acabou por existir a odiosa figura do falso delator, que recebia o nome
de sicofanta, adjetivo pejorativo e desonroso, que significa caluniador e mentirosointeresseiro!
Portanto, toda base do direito e da democracia ateniense era a soberania
popular, que era expressa na voz de seus cidadãos, no exercício de suas funções
públicas, no voto nos tribunais e na participação em assembleias e conselhos. Observe
a figura a seguir:
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FIGURA 14 – ANTIGA ATENAS
FONTE: <http://www.educ.fc.ul.pt/docentes/opombo/hfe/protagoras2/links/atenas.htm>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
A figura é uma representação da antiga Atenas. Veja que a Ágora – praça
central da cidade – ocupa lugar de destaque. Aí ocorriam os grandes debates políticos.
A arquitetura da época nos diz muito sobre como era o cotidiano da cidade.
3 A ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA E
JUDICIAL DE ATENAS
Como já dissemos, Atenas não somente era a mais importante cidade grega
antiga. Também foi o berço da erudição, da filosofia, do conhecimento, um centro
cosmopolita que alcançou grande desenvolvimento. Em suas ruas circulavam filósofos
e artistas atraídos pela valorização da cultura de seus habitantes.
Chamava a atenção a sofisticada organização judiciária em Atenas, que se
tornou clássica no Ocidente.
Em síntese, havia duas espécies de órgãos de jurisdição: para os crimes
públicos e para casos menos importantes. Estes últimos eram feitos por um magistrado
singular ou poderia ser pedido apelo para Assembleia propriamente (Heliastas), que
funcionava em grupos.
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Para os crimes públicos:
• Assembleia do Povo: composta por senadores e magistrados populares que
decidiam sobre crimes políticos graves.
• Aerópago: o mais antigo e célebre Tribunal. Julgava crimes apenados com a morte.
• Tribunal dos Efetas: composto por 51 juízes escolhidos pelo Senado, julgava
homicídios não premeditados.
• Tribunal da Heliaia: Assembleia que se reunia em praça pública julgando recursos.
Evidente que a ausência de juristas profissionais e a confusão de leis
acabavam tornando os Tribunais espaços de debates políticos.
Nos tribunais apenas se provava o direito, segundo a lei ou o costume, além dos
fatos. Também não havia uma execução judicial: o queixoso recebia o julgamento e se
encarregava de executá-lo. Não havia polícia judiciária como entendemos nos dias de hoje.
FIGURA 15 – ORATÓRIA - TRIBUNAL GREGO
FONTE: <https://salmopresente.wordpress.com/2014/05/07/a-teologia-dos-filosofos-gregos-e-a-teolo-
gia-crista/>. Acesso em: 11 abr. 2017.
42
Afinal, como funcionavam os tribunais?
Como já dissemos, era indigno e imoral receber dinheiro pela defesa de alguém e, por
essa razão, quando isso ocorria, era às escondidas! A ideia era a de que qualquer cidadão
po-deria se apresentar no tribunal perante juízes para receber uma resposta simples: sim ou não.
Foi imenso o legado grego ao direito contemporâneo, tanto nos universais
conceitos de justiça e democracia, como em algumas características essenciais de
nosso direito, tais como:
• A mediação e arbitragem.
• A retórica e eloquência jurídica.
• A transferência de propriedade somente por contrato.
• O julgamento de um cidadão por seus pares, por cidadãos comuns. Prática
essencial da democracia e inventada pelos atenienses.
• Publicidade dos atos processuais como procedimento democrático.
• Diferenciação entre homicídio voluntário, involuntário e legítima defesa.
Os vestígios da clássica Atenas – esculturas, arquitetura, escritos etc. – são
suficientes para nos mostrar o quão grandiosa foi aquela civilização. O “mundo grego”
antigo foi portador de profundas mudanças na visão de humanidade, de vida coletiva e
do ser humano sobre si mesmo.
Por evidente que o modo de vida grego não era perfeito! Todavia, não eram
mais selvagens ignorantes e escravos da força das circunstâncias.
O breve trecho transcrito da obra de Aristóteles, “Política”, é o melhor
testemunho e atestado autorizado do que entendiam os gregos por democracia, justiça
e liberdade, sem dúvida, essências da condição de humanidade:
O fundamento do regime democrático é a liberdade; (com efeito, costuma-se dizer que
somente sob esse regime há liberdade, pois esse é o fim para o qual se destina a
de-mocracia). Uma das características da liberdade é ser governado e governar por turnos,
pois a justiça democrática consiste em possuir todos o mesmo numericamente, e não
segundo os seus merecimentos; e isto é justo, forçosamente há de ser soberana a
multi-dão, e o que esta aprovar, por maioria, será justo [...] Outra característica é viver
como se quer, a qual resulta daquela liberdade. Esta é a segunda democracia: não ser
governado por ninguém, se isto for possível, ou se governado por turnos [...] Sendo estes
os funda-mentos da democracia, são procedimentos democráticos os seguintes: todas as
magis-traturas devem ser eleitas entre todos; que todos mandem sobre cada um, e cada
um a seu turno, sobre todos; que as magistraturas sejam providas por sorteio, ou, pelo
menos, aquelas que não requeiram experiência ou habilidades especiais; que não se
fundamen-tem na propriedade, ou na menor possível; que, em princípio, a mesma pessoa
exerça duas vezes alguma magistratura; que as magistraturas sejam de curta duração [...]
que a assembleia tenha soberania sobre todas as coisas [...] (Política, 8,2,1.317a e 1.317b)
43
4 O HELENISMO
“Helenismo” é o nome dado ao período compreendido entre a morte de Alexandre,
o Grande, em 323 a.C., e a anexação da península grega e ilhas por Roma em 146 a.C.
Nesta etapa da história, há uma grande difusão da civilização grega numa vasta área: do
Mediterrâneo oriental à Ásia Central. Representou a concretização do ideal de Alexandre: o
de levar e difundir a cultura grega nos territórios que conquistava. Foi um período áureo
para as ciências. Tempo que marcou a transição para o domínio e apogeu de Roma.
No século IV a.C., após os conflitos causados pela Guerra do Peloponeso, as pólis
gregas sentem de perto o declínio de seu poder. Já não podendo mais garantir a autonomia
de seus territórios, tornaram-se “presa fácil” para povos estrangeiros. Ao norte da Grécia, a
civilização macedônica começava a empreender um projeto expansionista que, em pouco
tempo, foi capaz de assegurar o controle sobre o mundo grego. A partir desse processo de
dominação é que se iniciou o chamado Período Helenístico.
Em três séculos há um processo de transformação na vida dos povos
conquistados. Hábitos são modificados e em especial há o ideal de estabelecer uma
língua comum com a superação do ático puro antigo. Prosperam a filosofia, a arte,
filosofia, arquitetura, medicina etc.
São erguidas grandes cidades e sofisticando-se as já existentes. Tessalônica,
Corinto, Pérgamo, Éfeso, Rodes, entre outras, tornam-se as grandes capitais do mundo.
FIGURA 16 – COLOSSO DE RODES
FONTE: <http://www.jornalissimo.com/curiosidades/423-10-curiosidades-sobre-o-colosso-de-rodes>.
Acesso em: 11 abr. 2017.
44
NOTA
Colosso de Rodes – uma das sete maravilhas do mundo antigo.
• Enorme estátua revestida a bronze representava Hélios, o deus grego do Sol. Hélio
era adorado pela população da ilha situada no Mar Egeu, que o via como seu protetor.
• O colosso foi erguido para celebrar a vitória dos gregos contra os macedônios (o povo
que habitava a antiga Macedônia, no norte da Grécia, cujo rei mais célebre foi Alexandre, o
Grande), que tentaram invadir a ilha de Rodes em 305 a.C., liderados pelo rei Demétrio I.
• A construção do monumento seria iniciada menos de dez anos depois, em 294 a.C.
Durante muitos anos, pensou-se que cada pé da estátua ficava de um lado da entrada
do porto da ilha e que os barcos passavam por baixo, mas esta versão foi afastada mais
tarde por estudos arqueológicos, que garantiram que a estátua se situava no cimo de
uma colina.
• O custo do Colosso teria sido suportado pela venda do material de guerra abandonado
pelos macedônios.
• A medida da estátua seria equivalente à de um prédio de dez andares - perto de trinta
metros de altura. O seu peso é estimado em 70 toneladas.
• Calcula-se que tenham sido precisos doze anos para erguer o Colosso. Permaneceu
em pé pouco mais do que 50 anos.

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