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1 www.soeducador.com.br Geografia agrária 2 www.soeducador.com.br Geografia agrária Sumário Abordagens teóricas da agricultura ........................................................................................... 4 Contexto histórico da agricultura ................................................................................................ 4 A agricultura sob o capitalismo: abordagem teórica .................................................................. 6 O capitalismo cria e recria as relações não-capitalistas............................................................ 7 O agrário e o agrícola ................................................................................................................. 9 Introdução: sobre o Capitalismo .............................................................................................. 11 Agricultura e modo capitalista de produção ............................................................................. 11 Capitalismo concorrencial ........................................................................................................ 12 Transformações na agricultura: o crescimento, a concorrência e a crise europeia ............... 14 Capitalismo monopolista .......................................................................................................... 16 A relação centro-periferia e suas repercussões na estrutura agrária brasileira ..................... 18 Capitanias hereditárias ............................................................................................................. 19 Sistema sesmarial .................................................................................................................... 19 Origem da concentração de terras no Brasil ........................................................................... 19 Estrutura agrária e estrutura fundiária ..................................................................................... 23 A concentração da propriedade da terra ................................................................................. 24 Histórico dos conflitos sociais no campo ................................................................................. 25 O contexto da reforma agrária brasileira ................................................................................. 30 A reforma agrária e os contrastes regionais ............................................................................ 33 Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST ....................................................... 35 Agricultura e sustentabilidade .................................................................................................. 41 Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade .................................................................... 42 Agroecologia ............................................................................................................................. 43 Agricultura e meio ambiente..................................................................................................... 45 Problemas ambientais rurais .................................................................................................... 47 Transgênicos e biotecnologia................................................................................................... 49 Agricultura, tecnologia e meio ambiente no Brasil................................................................... 51 O rural e o urbano .................................................................................................................... 54 Critérios utilizados para definir o rural e o urbano ................................................................... 56 A evolução geral do campo e da cidade .................................................................................. 57 Transformações recentes no espaço rural .............................................................................. 58 Origem da pluriatividade .......................................................................................................... 60 3 www.soeducador.com.br Geografia agrária As transformações na agricultura familiar e a pluriatividade no contexto europeu ................ 61 A pluriatividade no Brasil .......................................................................................................... 61 A pluriatividade nos assentamentos rurais .............................................................................. 64 Contexto das políticas agrícolas no Brasil ............................................................................... 65 Agricultura familiar: questão conceitual ................................................................................... 67 A trajetória do PRONAF e a agricultura familiar ...................................................................... 68 Agricultura e energia ................................................................................................................ 71 O Proálcool ............................................................................................................................... 72 O biodiesel ................................................................................................................................ 73 Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB ............................................... 76 Panorama atual do biodiesel no Brasil .................................................................................... 78 Retrospecto do trabalho rural no Brasil ................................................................................... 79 Relações de trabalho no campo brasileiro............................................................................... 79 A transformação dos agricultores em capitalistas ................................................................... 80 A organização da produção da agricultura brasileira e relações de trabalho ........................ 81 Gênero e relações de trabalho na agricultura ......................................................................... 83 Referências ............................................................................................................................... 86 4 www.soeducador.com.br Geografia agrária Abordagens teóricas da agricultura As teorias que abordam a temática da agricultura trazem a discussão do contexto histórico, para entendermos melhor como ocorreu o processo de dominação dos meios de produção. Essa fundamentação é primordial para compreendermos como ocorrem as relações entre a terra e o trabalho, no capitalismo. A título de comparação, faremos uma explanação dessas relações no sistema feudal de produção. Outra discussão teórica será as contradições do capitalismo, que cria e recria novas relações de trabalho para manter-se como sistema de produção. Contexto histórico da agricultura A agricultura é uma atividade milenar que passou por várias transformações ao longo do tempo. Nesse sentido, vale destacar um pouco da evolução histórica que envolve o percurso da agricultura e dos atores sociais nela envolvidos. Um dos atores envolvidos é o camponês, que não deve ser entendido apenas como produtor de sua própria subsistência, mas aquele que possui relação direta com a terra. O camponês surge com a sedentarização dos seres humanos no espaço geográfico, ou seja, com a fixação do ser humano, que deixa de ser nômade e passa a fixar-se em determinados lugares, principalmente, nas margens dos rios. No entanto, no período Neolítico, iniciaram-senovos modos de relacionamento entre os seres humanos e a natureza, em que os seres humanos passaram a interferir de forma ativa no ambiente, cultivando plantas, domesticando e criando animais. Dessa forma, os seres humanos começaram a produzir sua própria alimentação. As comunidades desse período praticavam a coleta de frutos, a caça e a pesca, mas durante muito tempo fi zeram pouco uso da agricultura e da criação de animais como forma de produzir alimentos. No período das grandes civilizações agropecuárias (egípcia, mesopotâmia, persa, hindu, romana, chinesa, grega, asteca, inca, maia etc.), como mostra Figura 1, houve uma modificação decisiva de como os grupos humanos se organizavam no espaço geográfico, dinamizando a divisão do trabalho no interior das civilizações. Com a evolução das relações sociais dentro das civilizações, ocorreu o aparecimento de grupos sociais diferenciados, o que ampliou a divisão social do trabalho, fazendo surgir os trabalhadores especializados (ferreiros, carpinteiros, mercadores, guerreiros, sacerdotes, pastores etc.). Além disso, ocorreu também o 5 www.soeducador.com.br Geografia agrária desenvolvimento técnico, principalmente na agricultura, tendo impacto decisivo na produção. Cabe ressaltar que com a expansão das cidades houve a ampliação da produção de alimentos, uma vez que era preciso abastecê-las, gerando a necessidade da ampliação do território e consequentemente a necessidade de um exército permanente para ampliar e controlar os novos espaços conquistados. Com a evolução das relações de poder dentro dessas civilizações e o aumento do território, especificamente o império romano, deu-se a implosão a partir das invasões “bárbaras” e a explosão a partir de movimentos instaurados dentro do próprio império, por exemplo, os conflitos entre alguns generais romanos. Como consequência principal da dissolução do império romano, podemos citar um evento ímpar na história da humanidade, o êxodo urbano, ou seja, a migração das pessoas para o campo, dando início, assim, a um novo sistema de produção de característica essencialmente agrícola – o Feudalismo. No período do século V ao XV, predominaram as relações feudais de produção, ou seja, o chamado feudalismo, definido por Goff (1984) como um sistema baseado em vínculos de homem a homem em que uma classe de guerreiros – os senhores – subordina uns aos outros por uma hierarquia de vínculos de dependência, dominando a massa campesina que explora a terra e lhes fornece o viver. Segundo Kautsky (1998), o mundo medieval constituía uma cooperativa completamente ou quase totalmente autosuficiente, que não produzia apenas seus próprios produtos de consumo pessoal, como também construía sua própria casa, seus próprios móveis, utensílios domésticos, ferramentas, curtiam o couro, preparava o linho e a lã, além de fabricar suas próprias roupas, sapatos etc. Com o Figura 1 – Primeiras civilizações mundiais 6 www.soeducador.com.br Geografia agrária desenvolvimento da indústria e do comércio e o processo de urbanização, aumentou a demanda por produtos agrícolas e de uso pessoal na Europa.. Tal fato gerou a crise no sistema cooperativo feudal, que não tinha capacidade de suprir as demandas, principalmente nos núcleos urbanos, causando a dissolução da indústria rural doméstica, o que gerou uma migração da indústria rural de subsistência para os núcleos urbanos europeus. No entanto, com a crise do Feudalismo, ocorre a formação dos Estados Nacionais e novas práticas econômicas são efetivadas, ocorre o aumento do consumo e produção europeias. Dessa forma, novas relações de produção emergem com o florescimento do Capitalismo. Com a expansão marítima comercial, metrópoles como Inglaterra, Portugal e Espanha transformaram as colônias de exploração em grandes plantations de produtos agrícolas, como a cana-de-açúcar, o algodão, o fumo etc. Essa exploração definiu a divisão internacional do trabalho entre os continentes africano, americano e asiático e foi importante para a acumulação primitiva do capital para os países da Europa Ocidental, sobretudo a Inglaterra, principal potência econômica até a Primeira Guerra Mundial. Desde então, o Capitalismo tem se expandido e as mudanças nas relações de trabalho e no modo de vida da sociedade, tanto na cidade quanto no campo, são evidentes e geram grandes discussões, em especial, destacaremos as repercussões do Capitalismo na agricultura. A terra, tida como fonte natural de vida, passa a ser vista como fonte de lucro com o advento do Capitalismo. A agricultura sob o capitalismo: abordagem teórica O estudo acerca da agricultura na perspectiva do Capitalismo é um tema gerador de muitas discussões e correntes de pensamento. Cabe discutir aqui as principais correntes que procuram explicar as mudanças no campo advindas com esse sistema. Deve-se também destacar que todos os autores concordam com o processo de generalização progressiva em todos os ramos e setores de produção, no campo ou na cidade, o assalariamento constitui traço fundante do modo de produção capitalista. Na realidade, ocorrem discordâncias teóricas em relação à interpretação desse processo de generalização progressiva de todos os setores de produção e do 7 www.soeducador.com.br Geografia agrária assalariamento. Nesse sentido, há duas correntes de pensamento. Na primeira, os autores dizem que ocorre um processo de homogeneização com a formação do operariado único num polo e a classe burguesa no outro. Para a segunda corrente, o processo é contraditório e heterogêneo, nele se expande o assalariamento e o trabalho familiar. Em relação às duas correntes citadas, destaca-se outra corrente de pensamento, os seguidores da chamada teoria clássica explicam o processo de generalização das relações produtivas capitalistas por duas vias em que se dá a destruição dos camponeses e a modernização dos latifúndios. O primeiro se dá pela diferença interna provocada pelas contradições da inserção do campesinato no mercado capitalista. O segundo decorre com a introdução das máquinas e insumos modernos, tornando os latifundiários capitalistas do campo. Esse processo de mudanças tecnológicas no campo ficou conhecido como modernização conservadora, uma vez que a estrutura social praticamente não sofreu alterações. Relações feudais? Dentro da discussão teórica, cabe destacar os estudos que apontam que os camponeses e os latifundiários são na realidade evidências da permanência de relações feudais de produção. Para essa corrente de pensamento, houve uma penetração das relações capitalistas no campo. Essa penetração é explicada com o rompimento das estruturas políticas tradicionais de dominação. Segundo essa corrente, apenas uma reforma profunda por meio da distribuição de terra provocaria transformações no momento em que a luta camponesa poderia destruir o latifúndio e os vestígios feudais e, assim, ocorreria a substituição pela propriedade camponesa ou capitalista. O capitalismo cria e recria as relações não-capitalistas Ainda no plano teórico, vale destacar mais uma corrente de pensamento que defende que o próprio Capitalismo é o gerador das relações capitalistas e não- capitalistas. O Capitalismo é entendido como contraditório, uma vez que ocorre a criação e recriação das relações nãocapitalistas de produção, ou seja, relações em que não existe trabalho assalariado. Para essa corrente, a relação capitalista ocorre com a construção de dois elementos: o capital produzido e o trabalhador despossuído dos meios de produção. 8 www.soeducador.com.br Geografia agrária Entendem esses autores que esse processo contraditório do desenvolvimento capitalistadecorre do fato de que a produção do capital nunca é, ou seja, nunca decorre de relações especificamente capitalistas de produção, fundadas, pois, no trabalho assalariado e no capital. Para que a relação capitalista ocorra é necessário que seus dois elementos centrais estejam constituídos, o capital produzido e os trabalhadores despojados dos meios de produção (OLIVEIRA, 1995, p. 11). As relações não-capitalistas são necessárias à reprodução do capital e ao processo de sua reprodução ampliada do capital. Nesse processo contraditório, as relações antigas de produção são redefinidas e subordinadas à reprodução do capital. Segundo os seguidores dessa corrente, o processo contraditório de desenvolvimento do capitalismo se dá no sentido da sujeição da renda da terra ao capital. Dessa forma, o capital subordina o campesinato, especula a terra, comprando-a e vendendo-a e sujeitando o trabalho nela realizado. Leia o fragmento do texto e, em seguida, responda a atividade. A expansão do Capitalismo no campo se dá primeiro e fundamentalmente pela sujeição da renda territorial ao capital. Comprando a terra, para explorar ou vender, ou subordinando a produção de tipo camponês, o capital mostra-se fundamentalmente interessado na sujeição da renda da terra que é a condição para que ele possa sujeitar também o trabalho que se dá na terra. Por isso, a concentração ou a divisão da propriedade está fundamentalmente determinada pela renda e renda subjugada pelo capital. No Brasil o movimento do capital não opera de modo geral no sentido entre a separação entre a propriedade e a exploração dessa propriedade nem a separação do burguês e os proprietários grandes e pequenos. Podemos citar como exemplo os agricultores familiares do sul do Brasil que continuam proprietários da terra e dos instrumentos que utilizam no seu trabalho. Ele não é um assalariado de ninguém. Como podemos dizer que o capital instituiu a sujeição do seu trabalho, dominando-o? Nem há sujeição formal (não existe vínculo trabalhista) nem há sujeição real (o capital não precisa apropriar-se da terra para retirar sua renda) do trabalho ao capital nesse caso, deixando clara a sujeição da renda da terra ao capital. Esse é o processo que se observa claramente em nosso país, tanto em relação à grande propriedade quanto em relação à propriedade familiar de tipo camponês. (MARTINS, 1983, p. 174/176). 9 www.soeducador.com.br Geografia agrária O agrário e o agrícola O que é questão agrária e qual é a sua relação com a questão agrícola? A questão agrária tem conteúdo político e social e a questão agrícola está relacionada à produção de gêneros alimentícios. Em outras palavras, como diz Graziano da Silva (1980, p. 11): [...] a questão agrícola diz respeito aos aspectos ligados às mudanças na produção em si mesma: o que se produz, onde se produz e quando se produz. Já a questão agrária está ligada às transformações nas relações de produção: como se produz, de que forma se produz. No equacionamento da questão agrícola, as variáveis importantes são a quantidade e os preços dos bens produzidos. Os principais indicadores da questão agrária são outros: a maneira como se organiza o trabalho e a produção; o nível de renda e emprego dos trabalhadores rurais; a produtividade das pessoas ocupadas no campo etc. Cabe destacar, como diz Graziano da Silva (1980), que a questão agrária e a questão agrícola estão internamente relacionadas, sendo que muitas vezes suas crises ocorrem simultaneamente, mas nem sempre isso é uma condição necessária, pois muitas vezes a resolução do problema agrícola pode servir para agravar a questão agrária. Discutiremos melhor a respeito desta relação entre agrícola e agrária, nas próximas aulas. Uma categoria fundamental para os estudos da questão agrária é a chamada renda da terra, que representa um lucro extraordinário, suplementar, permanente, que ocorre tanto no campo como na cidade – também é denominada de renda territorial ou renda fundiária. Sendo a renda da terra um lucro extraordinário, fruto do trabalho excedente, esta constitui-se na fração da mais-valia. A renda da terra em sua forma mais desenvolvida no modo de produção capitalista é sempre sobra acima do lucro, ou seja, constitui-se num lucro excedente. No entanto, a renda da terra sob o modo capitalista de produção é resultante da renda diferencial e da renda absoluta. 10 www.soeducador.com.br Geografia agrária RENDA DIFERENCIAL RENDA ABSOLUTA [...] decorre da diferença entre o preço individual de produção do capital particular que dispõe de uma força natural monopolizada e o preço de produção do capital empregado no conjunto do ramo de atividade considerado. As causas da renda diferencial são três: sendo que as duas primeiras (renda diferencial I) independem do capital. São elas: a diferença de fertilidade (natural) do solo e da localização das terras. Essas duas podem atuar em sentidos opostos. A terceira causa (renda diferencial II) é oriunda dos investimentos de capital no solo para melhorar a sua produtividade e/ou localização.” Para ficar claro, lembremos que a Renda diferencial I independe do capital. As terras que são férteis naturalmente e têm sua localização privilegiada, por exemplo, a Zona da Mata Nordestina, as áreas de terra roxa no Paraná em Santa Catarina etc. No caso da renda diferencial II, lembremos que esta é dependente do capital, por exemplo, nas áreas de solos pobres, como o Cerrado brasileiro e grande parte dos solos amazônicos. [...] é aquela que resulta do monopólio da terra por uma classe ou fração de classe, e desapareceria caso as terras fossem nacionalizadas. Assim, a renda absoluta é resultante da elevação dos preços de produção desses gêneros, principalmente por ação dos monopólios. Isso porque os proprietários fundiários só permitem a utilização de suas terras quando os preços de mercado ultrapassam os seus preços de produção” No caso da renda absoluta, podemos citar como exemplo os grandes especuladores latifundiários que colocam suas terras para produzir quando os preços estão acima da média. Quadro 1 – Rendas diferenciada e absoluta Agricultura e modo capitalista de produção Força de trabalho Capacidade dos trabalhadores para produzir riquezas. Karl Marx explica que a compra e venda da força de trabalho é uma característica básica do capitalismo. A força de trabalho do trabalhador é uma mercadoria que o capitalista compra e que gera as riquezas. Porém, essa mercadoria (a força de trabalho) gera mais riqueza do que quanto ela mesma vale. 11 www.soeducador.com.br Geografia agrária Introdução: sobre o Capitalismo No capitalismo concorrencial, a agricultura desenvolveu-se de duas formas: a agricultura capitalista, baseada no trabalho assalariado e nos arrendamentos, e a agricultura baseada nas formas de produção não-capitalistas, em que se destaca a produção de mercadorias camponesas e o escravismo, os quais se desenvolveram articulados com o comércio capitalista. A fase do capitalismo monopolista se deu com a crise no final do século XIX. Especialmente na agricultura inglesa e europeia, ocorreu o crescimento da produção e a queda da renda. Essa fase caracteriza-se pelo desenvolvimento da mecanização do campo, fusão de grandes empresas nos países desenvolvidos e fundação de grandes bancos, ou seja, concentração e centralização de capitais. Ainda nessa fase, a agricultura desenvolveu-se no aumento da produtividade do trabalho e no contexto de baixa geral de seus preços, criando assim as condições de acumulação, da efetivação dos monopólios industriais. Agricultura e modo capitalista de produção Como vimos na aula 1,o capitalismo é produto de um processo contraditório e seu desenvolvimento é produto desse processo de reprodução ampliada do capital, ou seja, o modo capitalista de produção não se restringe apenas à produção de mercadorias, mas também inclui a sua circulação e troca, quer seja por dinheiro quer por mercadoria. O capitalismo, na realidade, está em constante desenvolvimento e expansão. Seu princípio básico é representado por D – M – D’, ou seja, dinheiro compra mercadoria e força de trabalho para gerar mais dinheiro, ou seja, lucro. Esse é o princípio da reprodução ampliada do capital. No entanto, reprodução do capital também se dá de forma simples, ou seja, M – D – M, sem a geração de excedente em dinheiro, ou melhor, lucro. Nesse esquema, produz-se apenas para garantir a sobrevivência. Para entender o processo de desenvolvimento do capitalismo no tocante à agricultura, é importante compreender se esta se desenvolveu nas duas diferentes 12 www.soeducador.com.br Geografia agrária fases ou etapas do capitalismo, nas quais se destacam o capitalismo concorrencial e o monopolista. Capitalismo concorrencial A agricultura nessa etapa desenvolveu-se de duas formas: agricultura capitalista baseada no trabalho assalariado e nos arrendamentos e a agricultura baseada nas formas de produção não-capitalistas em que se destaca a produção de mercadorias camponesas e o escravismo, os quais se desenvolveram articulados com o comércio capitalista. Na Europa ocidental e no nordeste dos Estados Unidos, predominavam as relações tipicamente capitalistas, enquanto nas colônias de exploração, maior parte da Ásia, na África e na América, predominavam as relações não-capitalistas de produção, mas, contraditoriamente, havia uma articulação territorial em que o capitalismo se expandia dirigida pelos países centrais europeus. Com o desenvolvimento industrial e urbano, especialmente nos países europeus, a agricultura foi adaptando-se às novas relações de poder e às leis do mercado capitalista. O capitalismo concorrencial: o comércio e as formas comunitárias de produção O capitalismo durante o processo de dominação colonial não destruiu integralmente as comunidades nativas existentes. Na realidade, após a dominação do trabalho pela força o capitalismo utilizava as formas de produção das comunidades para produzir mercadorias ou transformava os produtos típicos das comunidades em mercadorias. Desse modo, o capitalismo submeteu os povos da Ásia, América e da África aos seus interesses comerciais, extraindo os seus excedentes para a realização da acumulação primitiva do capital. Nesse momento, você deve está perguntando: como aconteceu isso? Esse processo foi homogêneo? Bem, vamos tentar entender como o capitalismo expandiu-se no continente asiático, africano, americano e europeu. Na Ásia, o capitalismo submeteu os povos que viviam sob o despotismo oriental, apropriando-se dessa forma de produzir através da Companhia das Índias Orientais. Nas comunidades que viviam do despotismo oriental, combinavam-se a manufatura e a agricultura, que as tornavam autossuficientes e portadoras de todas 13 www.soeducador.com.br Geografia agrária as condições de produção e reprodução dos excedentes. O trabalho excedente pertencia à comunidade superior, ou na forma de tributo ou de trabalho coletivo. No entanto, os comerciantes capitalistas europeus desestruturaram essas relações através das relações com o Estado e os comerciantes que Arrendamento É o aluguel de terras para o plantio e criação de animais mediante o pagamento de uma renda em mercadoria ou em dinheiro. Despotismo oriental Sistema de produção asiático em que a agricultura era a base da economia com regime de servidão coletiva submetida ao Estado, representado pelas figuras do imperador, rei ou faraó. Sistema caracterizado por grandes comunidades agrícolas. Companhias das Índias Orientais As Companhias das Índias Orientais foram três organizações distintas com objetivos comerciais no Sueste asiático, de origens francesa, holandesa e inglesa: aos poucos envolveram a comunidade superior no comércio, aumentando os tributos sobre a comunidade e quebrando o sistema autossuficiente. Na África, assim como na Ásia, também houve o processo de aceleração da mercantilização. Esse período foi marcado pelo tráfico de escravos, principalmente do século XVII ao XIX, estendendo-se de Senegal a Moçambique. A inserção da África no processo de desenvolvimento do capitalismo se efetivou fundamentalmente com o tráfico negreiro. Após a proibição do tráfico, as comunidades africanas voltaram-se para produção de matérias-primas e produtos agrícolas tropicais de exportação. No continente americano, houve o processo de dominação dos povos indígenas, o qual se deu por meio da manutenção da estrutura comunitária, destinando os excedentes aos espanhóis. Durante a economia colonial, os indígenas americanos foram explorados através da apropriação do excedente, quer pela via fiscal ou pela via de suas relações com o monopólio comercial, ou, ainda, pelo aparelho eclesiástico e das ordens religiosas. Portanto, a economia colonial fundou-se em duas bases: na articulação com as formas comunitárias submetidas ao comércio internacional e na produção por parte das colônias de produtos tropicais baseada no trabalho escravo. Vale salientar 14 www.soeducador.com.br Geografia agrária que a produção escravista expandiu-se pelo mundo, principalmente na América, sendo o escravo a própria mercadoria. Com o fim do tráfico de escravos, o capital procurou novas formas de dominação dos povos de todo o mundo. No Brasil, destacou-se o colonato como uma alternativa para superar a crise do trabalho escravo, substituindo o escravo e caracterizando-se como trabalho livre. A mudança na forma de produzir baseada no colonato objetivava preservar e ampliar a economia voltada para exportação de produtos tropicais para a Europa capitalista. Na Europa, as formas comunitárias de produção foram abolidas em detrimento das formas capitalistas de produção, isso transformou os servos em trabalhadores assalariados e os grandes proprietários de terra em agricultores essencialmente capitalista, subordinando a agricultura à reprodução do capital e transferindo as decisões que se davam no espaço rural para o espaço urbano. Transformações na agricultura: o crescimento, a concorrência e a crise europeia Nesse período, aumentava a produção e crescia a produtividade das terras nos países europeus. Esse período de prosperidade, segundo Kautsky (1998), durou até o último quartel do século XIX, período em que os preços dos alimentos cresceram bastante na Europa. No entanto, o período de prosperidade trouxe consigo o próprio estrangulamento da produção agrícola e a queda dos preços dos alimentos trouxe a concorrência dos produtos importados no seio de uma economia mundializada pela indústria de exportação. O baixo preço dos produtos importados e a concorrência dos produtos agrícolas se deram em função dos menores gastos de produção e de exploração, em relação a custos e à exploração dos países europeus a que os trabalhadores estavam submetidos em outras partes do mundo. Paralelamente à crise agrícola, desenvolvia-se a industrial capitalista e o crescimento das cidades, principalmente os centros europeus, mudando a relação campo-cidade a partir da qual a agricultura transformava-se e adequava-se a novos sistemas, como: a rotação de culturas que aboliu o pousio, pois a rotação de cultura permitia a produção agrícola o ano inteiro; outro fator importante foi a alteração da base alimentar da população, ampliando a produção de carne em relação à produção das matérias-primas industriais, como lã,algodão etc. No seio desse processo, 15 www.soeducador.com.br Geografia agrária temos o desenvolvimento da indústria, o crescimento das cidades, a introdução da máquina na agricultura, modificando e ampliando a divisão do trabalho, tanto nos territórios centrais como nos países periféricos do capitalismo, especialmente em relação a terra. Nas colônias do continente americano e da Austrália, a terra não era propriedade privada de ninguém, era propriedade coletiva. Nessas nações, não havia renda da terra a pagar ou a cobrar, fato exatamente contrário à agricultura inglesa. Além disso, em muitas áreas, os solos eram bastante férteis como, por exemplo, o solo massapé, terra roxa e solos aluviais das margens dos rios, dispensando investimentos e gastos com adubação. As produções dessas colônias cresceram e geraram o agricultor especializado em um único produto. Tal fato abriu caminho para a mecanização em função da falta de mão-de-obra. Outro fator importante é a intensificação da imigração, que provocava a redução dos salários agrícolas e a efervescência da agricultura capitalista nesses lugares. Em contrapartida, podemos citar um caso especial em que se efetivou uma agricultura competitiva possibilitada pela abolição dos escravos e pela Homestead Act, ou seja, Lei de colonização estadunidense (EUA), assinada em 1862, que permitia a concessão gratuita de terra para propriedades acima de 160 acres. Como consequência, houve uma grande migração para o oeste, conhecida como “marcha para o oeste” no citado país. Como esses eventos nos territórios periféricos pressionaram a política de produção de massa e preço baixo de vários países, as colônias pressionaram a agricultura da Europa industrial, principalmente da Inglaterra. Com isso, a agricultura europeia e os chamados landlords (senhores de terra) entram em crise, sendo obrigados a reduzir suas rendas devido à pressão da concorrência dos produtos importados. As consequências da crise da agricultura europeia são diversas, mas destaca-se uma forte tendência à fragmentação do solo e exploração do campesinato europeu pelo capital. O campesinato entra em crise profunda, nem mesmo alternativas como o cooperativismo foi totalmente eficaz. Tais acontecimentos apontavam o novo rumo da agricultura, ou seja, a sua industrialização, que se deu principalmente na fase do capitalismo monopolista. 16 www.soeducador.com.br Geografia agrária Capitalismo monopolista Com a crise no final do século XIX, especialmente na agricultura inglesa e europeia, ocorre o crescimento da produção e a queda da renda. As potências industriais europeias passam a produzir e exportar manufaturas e importar produtos agrícolas de outras nações que se tornaram fornecedoras do mercado europeu. Essa concorrência, como foi citado, provocou a queda dos preços na Europa e ao mesmo tempo provocou a intensificação da agricultura europeia, que passou a produzir mais para recuperar-se da queda dos preços, levando, contraditoriamente, à superprodução e baixa geral dos preços. Esse processo do plano imperialista do capitalismo criou uma separação internacionalizada entre os setores agrícolas e industriais, acompanhada da queda histórica dos preços das matérias-primas e subida contínua dos preços dos produtos manufaturados. Durante a fase do capitalismo monopolista, caracterizada pelo desenvolvimento da mecanização do campo, ocorreu a fusão de grandes empresas nos países desenvolvidos e a fundação de grandes bancos, ou seja, concentração e centralização de capitais. Nessa fase, a agricultura desenvolveu-se no aumento da produtividade do trabalho e no contexto de baixa geral de seus preços, criando, assim, as condições de acumulação, da efetivação dos monopólios industriais. A agricultura desenvolveu-se em duas vias: no consumo de produtos industrializados de preços altos, como máquinas e equipamentos, e na venda de sua produção de preços baixos. Dessa forma, foi inevitável o endividamento constante, sendo a figura do Estado, na maioria das vezes, o financiador da dívida. Vale salientar que o próprio capitalismo promoveu a industrialização da agricultura e a geração da agroindústria. No entanto, como a rentabilidade do capital no campo não é alta, o monopólio industrial implantou-se na circulação, subordinando consequentemente a produção. Em relação ao campesinato, ocorreram modificações significativas na fase monopolista do capital, em que o trabalho desenvolvido por eles foi altamente produtivo e ultra-especializado, este trabalhador encontrava-se permanentemente endividado no banco e pressionado pelos encargos fiscais do Estado. O trabalho tornou-se intenso e muitas vezes o camponês necessitava entregar parte do processo do trabalho para trabalhadores de empreitada ou até mesmo entregar a colheita para os monopólios industriais. 17 www.soeducador.com.br Geografia agrária No caso brasileiro, notamos claramente a presença do capital monopolista no campo. Essa onipresença do capital no campo tem aumentado ao longo do processo histórico, na produção agropecuária, e, principalmente, controlando o processo produtivo através de financiamentos, venda de insumos, controlando a comercialização etc. Podemos constatar em relação à renda do produtor rural que o pequeno agricultor, principalmente, nas áreas mais estruturadas, encontra-se preso duplamente, por um lado, pela compra de insumos agrícolas, por outro, pela venda de sua produção. As duas situações são controladas por oligopólios ou monopólios. Essas articulações entre os pequenos agricultores e os monopólios ou oligopólios acontecem entre grandes redes de supermercados e pequenos agricultores ou cooperativas, outras vezes por agroindústrias, do tomate, do fumo etc. Além desses casos, podemos citar as CEASAs (Central de Abastecimentos S/A), criadas para beneficiar o pequeno agricultor, acabaram beneficiando os grandes e médios intermediários e uma minoria de grandes cooperados. Essa articulação tem modificado a função da pequena agricultura, por um lado, os pequenos agricultores passam a produzir essencialmente para o mercado, deixando de ser agricultores de subsistência voltados para a produção de grãos básicos (feijão, arroz, mandioca etc.) e passando a produzirem “culturas de rico” (maçã, uva, soja, trigo etc.), ou seja, nesse momento o pequeno produtor passa a ser controlado pelo mercado. Mesmo com a diminuição da importância da pequena agricultura como ofertante de gêneros alimentícios, paralelamente, ela ganha importância como reserva de mão-de-obra para os grandes latifundiários que assalariam esses agricultores. Segundo Oliveira (1995), na fase da agricultura sob o capitalismo monopolista é realizado o monopólio da produção, ou seja, a circulação fi ca subordinada à produção e o camponês ao capital, com intuito de obter a renda da terra. O camponês transforma-se ao longo do processo histórico e, contraditoriamente, persiste no sistema capitalista, que cria e recria as condições para sua reprodução. Portanto, o conceito de renda da terra torna-se essencial para a elucidação dessa sujeição do camponês e dos setores capitalistas agrícolas em relação aos grandes monopólios capitalistas. 18 www.soeducador.com.br Geografia agrária Estrutura agrária e produção do espaço agrário brasileiro A relação centro-periferia e suas repercussões na estrutura agrária brasileira Vários estudos revelam que a questão da propriedade da terra no Brasil e da situação das pessoas que nela trabalham ou dela precisam para trabalhar é uma situação bastante grave, geradora de desigualdade social, uma vez que a concentração de terra tem expulsado milhares de pessoasdo campo para a cidade, provocando uma série de problemas socioambientais. Além disso, os grandes capitalistas latifundiários muitas vezes se apropriam de extensões de terra com vistas a usá-la como reserva de valor para especulação, sem nenhuma atividade produtiva propriamente dita. A estrutura agrária nos países periféricos tem relação direta com os países centrais ou desenvolvidos. Para entender a estruturação e ocupação do solo em relação ao uso da terra no Brasil e nos países periféricos, é preciso considerar o desenvolvimento desigual do capital entre os territórios. Para Milton Santos (1982), a combinação espacial entre centro e periferia no sistema mundial deve considerar três aspectos especiais: a) aquelas forças que promovem a modernização e operam no centro do sistema não alcançam a periferia ao mesmo tempo; existe um efeito decrescente definido da distância. Isso poderia explicar a acumulação histórica capitalista, as variações entre países e as desigualdades regionais dentro dos países; b) alguns pontos do espaço são alcançados por novas forças, enquanto outros não recebem tais impactos. Sem dúvida, esses impactos não se dão ao acaso, sendo dirigidos do centro do sistema em termos de máxima produtividade; c) as forças emitidas nos centros ou polos mudam à medida que alcançam a periferia, ou seja, para se entender a reprodução dos espaços geográficos agrários deve-se levar em consideração as diferenças socioespaciais. Segundo o estudioso Porto Gonçalves (2004), a reprodução ampliada do capital que opera na agricultura atual está pautada em dois pilares: • no uso de um modo de produção de conhecimento próprio do capital, que se traduz na supervalorização da ciência e nas técnicas ocidentais; 19 www.soeducador.com.br Geografia agrária • na expansão das áreas de terras cultivadas. O primeiro pilar prediz que a agricultura desenvolvida nos países periféricos em geral constitui-se num apêndice dos países centrais, que dominam as técnicas modernas, a implementação de insumos e o desenvolvimento de tecnologia. No que se refere à expansão das áreas cultivadas, destaca-se o seu crescimento devido a fatores estruturantes, como o desenvolvimento dos transportes para circulação de mercadorias e a melhoria nas condições de armazenamento, acondicionamento e nas comunicações. Nos últimos 40, ocorreu uma grande expansão das áreas cultivadas, permitindo a incorporação de novas áreas agrícolas ao mercado mundial, tendo como principais agentes financiadores o Banco Mundial, o Estado e as multinacionais e transnacionais, repercutindo na estrutura agrária e fundiária do espaço geográfico mundial. Relação centro-periferia Constitui-se historicamente como resultado da forma pela qual o progresso técnico propaga-se na economia mundial. O centro são economias que as técnicas capitalistas de produção penetram primeiro. A periferia são economias cuja produção permanece inicialmente atrasada do ponto de vista tecnológico e de sua organização. Capitanias hereditárias Grandes lotes de terras, que foram doadas para nobres e pessoas de confiança do rei. Estes que recebiam as terras, chamados de donatários, tinham a função de administrar, colonizar, proteger e desenvolver a região. Sistema sesmarial Sistema baseado na sesmaria, ou seja, latifúndio colonial geralmente baseado no trabalho escravo que deveria contribuir para ocupação econômica da América portuguesa. Origem da concentração de terras no Brasil A concentração de terras no Brasil teve início com a divisão do território em capitanias hereditárias, definidas por Portugal em plena fase do desenvolvimento do capitalismo concorrencial europeu, estabelecendo embrionariamente a relação 20 www.soeducador.com.br Geografia agrária centro-periferia do sistema capitalista em que a capitania passou a ser colônia (ou seja, espaço periférico) e a metrópole (no caso, Portugal) passou a ser centro. Cabe lembrar que nesse período Portugal era uma das grandes potências mundiais. No período colonial, os portugueses instituíram os grandes domínios através da Sesmaria, apontada como a célula básica da reprodução colonial. O Brasil inicia suas atividades econômicas logo após o surto do extrativismo, baseado nas grandes lavouras, ou seja, na grande propriedade. Logo, o açúcar torna-se a base econômica do sistema sesmarial. Como destaca Guimarães (1963), a colônia tem sua base política apoiada em duas instituições – a sesmaria e o engenho, que se transformam na unidade econômica da coroa portuguesa. A terra, nesse período, pertencia à coroa portuguesa e era doada seguindo os critérios estabelecidos pelo Rei, que obedecia na realidade a uma discriminação econômica (a condição social definia quem receberia a doação da terra). Os benefi ciados, seguindo essa lógica, deveriam possuir os meios adequados para se instalarem na terra concedida. A legislação sesmarial ordenava que as terras doadas deveriam seguir um tamanho padrão de três léguas de comprimento por uma légua de largura (SILVA, 1980), mas essa lei não foi respeitada devido, entre outros motivos, à vastidão do território brasileiro e à impossibilidade de controle por parte da coroa portuguesa. Através da sesmaria, na condição de posse da terra surgiram os grandes domínios, que com a introdução do açúcar se transformaram em grandes domínios na produção para exportação. O sistema sesmarial representou o início da Figura 1 – Localização das capitanias hereditárias 21 www.soeducador.com.br Geografia agrária concentração fundiária brasileira quando a sua base estava sustentada nos grandes domínios, conforme aponta Andrade (1996, p. 44): A doação de terras em sesmarias – embora estas não dessem o domínio, mas tão somente a posse ao seu titular – provocou um processo de ocupação e apropriação das mesmas, sob a égide da grande propriedade, e definiu um processo de dominação do latifúndio que ainda hoje subsiste no País. Esse cenário ficou caracterizado pela distribuição desigual da terra. De um lado, grandes glebas pertencentes aos Senhores, classe composta por nobres e burgueses; de outro lado, pequenos lotes de terra adquiridos por meio da posse ilegal pelos sujeitos sem recursos que se reproduziam à margem das necessidades de suprimentos da grande propriedade onde se utilizava mão-de-obra escrava em suas lavouras. Segundo Andrade (1996), os sujeitos se instalavam em áreas menos acessíveis através da posse e implantavam roças e currais, ao passo que esses posseiros, ao terem suas terras apropriadas pelos Senhores, tinham duas alternativas: tornarem-se foreiros do Senhor ou migrarem para outra área mais distante, efetivando uma agricultura predatória. A estrutura agrária brasileira foi definida pelos interesses dos colonizadores, segundo o qual a grande propriedade constituía fundamental importância para atender os interesses e fornecer produtos ao mercado europeu: O essencial da estrutura agrária brasileira legada pela colônia se encontrava assim como que predeterminada no próprio caráter e nos objetivos da colonização. A grande propriedade fundiária constituiria a regra e elemento central e básico do sistema econômico da colonização, que precisava desse elemento para realizar os fins a que se destinava. A saber, o fornecimento em larga escala de produtos primários aos mercados europeus (PRADO JÚNIOR, 1987, p. 48). Com o fim do sistema sesmarial, nos anos de 1820, emerge a chamada fase áurea do posseiro; com a suspensão do regime Sesmarial, em 1822, por falta de uma legislação, ocorre a expansão das pequenas propriedades através da posse. Esse período chega ao fim com a jurisdição da Lei de Terras, em 1850, que consolida a grande propriedade atravésda legitimação das posses, formação de um mercado de trabalho com o fim do tráfico de escravos e criação do Imposto Territorial Rural (ITR). A Lei de Terras determina, a partir de sua data de regulamentação (1854), a compra como única forma de aquisição das terras devolutas (SILVA, 1997). Dessa forma, as 22 www.soeducador.com.br Geografia agrária terras adquiridas ilegalmente, e/ou através das posses, são regularizadas. “O projeto foi elaborado tanto para regularizar a situação daquelas propriedades que tinham sido ilegalmente adquiridas, como também, ao mesmo tempo, para estender o controle governamental sobre as terras em geral” (COSTA, 1985, p. 146). Essa legislação tornou mais difícil o acesso a terra daqueles sujeitos que não tinham condições de adquiri-la por meio da compra, ou seja, os sujeitos sem prestígio ou sem recursos que compõem a pequena propriedade. Na realidade, a Lei de Terras, além de legalizar as propriedades adquiridas por meio das sesmarias e das posses, representou um regime de propriedade estratégico dos grandes fazendeiros, que asseguraram o controle político sobre a transição do trabalho escravo para o trabalho livre, conforme pontua Martins (2004, p. 5): O regime de propriedade de 1850 tinha por objetivo criar mecanismos de interdição à livre posse da terra e, portanto, criar meios institucionais de gestação de uma superpopulação relativa à disposição das grandes fazendas. Desse modo, assegurar que o fim da escravidão não seria também o fim da grande lavoura de exportação. Nesse quadro, vale salientar que a Lei de Terras, considerada um marco jurídico de mudanças à escravidão, é substituída pela superexploração da força de trabalho, aumentando as desigualdades e solidificando o latifúndio. Com a constituição de 1891, a responsabilidade e legislação das terras públicas passam a pertencer aos estados, o que torna mais fácil a expansão dos latifúndios na manipulação do poder político através de uma rede de relações determinadas pelo coronelismo e a formação das oligarquias (MONTEIRO, 2001). Sob a ótica do monopólio, os grandes proprietários garantiram seus domínios baseados num regime de propriedade, que mais do que atender seus objetivos e privilégios gerava uma massa de trabalhadores rurais dependentes. Dessa forma, podemos dizer que as raízes da estrutura agrária dos países periféricos – em específico o espaço agrário brasileiro – foi e ainda continua sendo delineado no processo histórico na produção e reprodução do capital entre centro e periferia do sistema capitalista. 23 www.soeducador.com.br Geografia agrária Estrutura agrária e estrutura fundiária A relação entre os proprietários, os agricultores e a terra utilizada é conceituada, pelos estudiosos, como estrutura agrária e estrutura fundiária. A expressão estrutura agrária é usada em sentido amplo, signifi cando a forma de acesso à propriedade da terra e à exploração da mesma, indicando as relações entre os proprietários e os não proprietários, a forma como as culturas se distribuem pela superfície da Terra (morfologia agrária) e como a população se distribui e se relaciona com meios de transportes e comunicações (habitat rural). No sentido restrito, usado pela FAO e por vários órgãos ofi ciais e paraofi ciais, a expressão estrutura agrária corresponde apenas ao estudo das formas de acesso à propriedade da terra e à maneira como esta é explorada, tendo, assim, grande importância as relações existentes entre proprietários e trabalhadores agrícolas não proprietários. A estrutura fundiária é apenas a forma de acesso à propriedade da terra e a explicação da distribuição da propriedade, sendo seu estudo de grande importância, porque dela vai depender a melhor compreensão da estrutura agrária e dos fatores que presidem a formação da morfologia agrária e do habitat rural. Para entender a estrutura agrária brasileira, é importante entender os problemas metodológicos em relação à classificação das propriedades rurais, uma vez que o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) possuem distintas unidades de medidas. Para o IBGE, segundo os Censos Agropecuários, a unidade básica é o estabelecimento, definido como unidade administrativa onde se processa uma exploração agropecuária. Os censos classificam os estabelecimentos segundo a condição principal do produtor (proprietário, parceiro, arrendatário e ocupante). O INCRA realiza o cadastro de imóveis rurais como sendo a unidade básica de medida; o imóvel rural é definido como prédio rústico de área contínua, qualquer que seja sua localização, que se destine ou possa se destinar à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial. O cadastro leva em consideração os imóveis rurais segundo a situação jurídica dos declarantes (proprietários e/ou titulares de direito real e/ou titulares da posse), podendo um mesmo indivíduo pertencer a várias situações. 24 www.soeducador.com.br Geografia agrária O cadastro de imóveis rurais classifica-se em quatro categorias: minifúndio, empresa rural, latifúndio por exploração e latifúndio por dimensão. Para essa classificação, é essencial entender o conceito de módulo rural, que é derivado do conceito de propriedade familiar, e, sendo assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos imóveis rurais e a forma e as condições de seu aproveitamento econômico. Outra categoria importante é o módulo fiscal, definido como unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada um dos municípios brasileiros a partir de critérios tais como o tipo de exploração predominante e a renda média obtida nesse tipo de exploração. No conjunto do território nacional, o tamanho dos módulos fiscais varia entre 5 e 110 hectares. A concentração da propriedade da terra O processo de concentração da terra difere da concentração de capital, ou seja, a terra é um meio de produção específico monopolizado por uma classe detentora dos meios de produção. Cabe salientar que a terra não é um meio de produção criado pelo trabalho humano; portanto, a terra não tem valor, e sim preço, o qual foi produzido pelo capitalismo. Os grandes capitalistas, ao se apropriarem de grandes extensões de terra, utilizam essa terra como reserva de valor para especular e apropriar-se de sua renda. [...] a concentração da terra não é igual à concentração do capital; ao contrário, revela a irracionalidade do método que retira capital do processo produtivo, imobilizando-o sob a forma de propriedade capitalista da terra. Já a concentração do capital é aumento de poder de exploração, é aumento da capacidade produtiva do trabalhador; é aumento, portanto, da capacidade de extração do trabalho não-pago, da mais-valia (OLIVEIRA, 1995, p. 80). Os conflitos sociais no campo brasileiro 25 www.soeducador.com.br Geografia agrária Histórico dos conflitos sociais no campo Os conflitos sociais no campo brasileiro constituem uma das marcas do desenvolvimento e do processo de ocupação do campo. Na realidade, para entender esse processo precisamos compreender o processo de ocupação e apropriação do território. Os povos indígenas foram os primeiros a conhecer a fúria dos colonizadores. A história registra o genocídio desses povos, que participaram de muitas histórias de massacres no campo, como pontua Oliveira (1988, p. 15): “O território capitalista brasileiro foi produto de conquista e destruição do território indígena. Espaço e tempo do universo cultural índio foram sendo moldados ao espaço e tempo do capital”.A luta dos povos indígenas não cessou nunca na história brasileira. A violência no campo não é recente. A história está repleta de casos e tentativas de romper com o sistema fundiário e as injustiças sociais no país. No período da escravidão, destaca-se a luta dos quilombolas. Dentre esses quilombos, Palmares, situado em Alagoas, foi o grande exemplo de luta, resistência e destruição. No entanto, o fi m da escravidão não foi sufi ciente para acabar tais lutas e injustiças sociais. Destaca-se a luta sangrenta de Canudos (1893-1897), no sertão da Bahia, que segundo Martins (1981), envolveu o exército e milhares de camponeses. O saldo foi de cinco mil mortos, com severas derrotas às forças militares. Além da Guerra de Canudos, temos a Guerra de Contestado, nas regiões do Paraná e Santa Catarina, nos anos de 1912 a 1916. Este confl ito também envolveu o exército e deixou um saldo de cerca de três mil mortos (MARTINS, 1981). Outra luta de caráter importante consistiu na luta dos colonos nas fazendas de café, onde as greves eram reprimidas pelos capangas armados. Os fazendeiros de café reagiam Figura 1 – Arraial de Canudos 26 www.soeducador.com.br Geografia agrária com repressão armada. As greves ocorriam devido ao não pagamento do salário, tentativa de redução de pagamento, castigos, multas etc. Como podemos notar, são vários os exemplos de luta dos trabalhadores do campo por melhores condições de vida e trabalho, ou melhor, nas palavras de Oliveira (1988, p 22), o século XX tem sido rico em exemplos de luta pela terra, e dois processos têm atuado no sentido de soldar o movimento dos camponeses no Brasil. De um lado, a tentativa do resgate da condição de camponês autônomo frente à expropriação, representada pelos posseiros e sua luta contra os fazendeiros grileiros. De outro, o movimento originado na luta dos camponeses parceiros ou moradores contra a expropriação completa no seio do latifúndio, que os transformava em trabalhadores assalariados. Os processos descritos acima de luta no campo delinearam os conflitos sociais durante o século XX. Exemplos desses processos foram a revolta de Trombas e Formoso, em Goiás, a Guerrilha de Porecatu, no Paraná, e a formação das Ligas Camponesas no Nordeste brasileiro (OLIVEIRA, 1988). Cabe destacar que é com as Ligas Camponesas, nas décadas de 1950 e 1960, que a luta camponesa ganha dimensão nacional. Segundo Fernandes (1996), as Ligas Camponesas surgiram na década de 1940, sendo dependentes do PCB (Partido Comunista Brasileiro), que foi considerado ilegal pelo governo em 1947. Dessa forma, as Ligas Camponesas são violentamente reprimidas por pistoleiros e capatazes ou pelos próprios fazendeiros, que se sentiam ameaçados com as invasões. Esse movimento ressurge na década de 1950 no estado de Pernambuco e se expande por vários estados nordestinos. Durante os anos de 1950/60 ocorreram diversos conflitos no Brasil, conforme podemos perceber na Figura 2: 27 www.soeducador.com.br Geografia agrária Figura 2 – Principais áreas de conflito no Brasil nos anos de 1950/60 Agora, vamos realizar uma atividade para você retomar um pouco o conteúdo. Caso tenha alguma dúvida, volte a sua leitura ou avance mais um pouco para responder o que se pede. Na década de 1960 surge, no sul do país, o Movimento dos Agricultores Sem- Terra (MASTER), que inicia as invasões nas grandes fazendas e permanece nelas através de acampamentos, efetivando, assim, a territorialização da luta pela terra naquele espaço. Entretanto, em 1964 o golpe militar mina todos os movimentos sociais formados, inclusive as Ligas Camponesas – seus líderes foram presos, perseguidos ou “desapareceram”. Nesse período deu-se início a um grande número de assassinatos no campo brasileiro. Ao tomarem o poder, os militares afastam os principais interessados pela reforma na estrutura agrária brasileira e os movimentos sociais foram exterminados, sendo permitida apenas a existência de pequenas organizações de produtores rurais que praticamente não possuíam Goiás – Formoso e Trombas – posseiros – luta por terra; Pires do Rio – arrendatários Paraná – Porecatu – luta por terra; Sudoeste Francisco Beltrão, Pato ( Branco) – posseiros – luta por terra Rio Grande do Sul – acampamentos do Master – luta por terra; Encruzilhada do Sul, Sarandi, Camaquã etc. São Paulo – regiões diversas; melhores salários e leis trabalhistas; Santa Fé do Sul – resistência de arrendatários à expulsão Rio de Janeiro – Baixada da Guanabara – posseiros – luta por terra Minas Gerais – Triânculo Mineiro – arrendatários (luta por não elevação das taxas de arrendamento); Vale do Rio Doce – luta por terra Bahia – zona do cacau – melhores salários e leis trabalhistas Pernambuco – limite agreste/mata – foreiros; mata – luta por melhores salários e leis trabalhistas Paraíba – região de Sapé – foreiros Maranhão – vales do Itapecuru, Pindaré e Mearim – posseiros, luta por terra 28 www.soeducador.com.br Geografia agrária representatividade. Os latifundiários ficaram, portanto, beneficiados nessa situação de repressão. A repressão militar em si mesma abrira as portas para a ação violenta dos grandes proprietários de terra, através de seus capatazes e pistoleiros, em centenas de pontos no país inteiro, na certeza de que eram impunes e, além disso, aliados da repressão na manutenção da ordem [...] Nunca na história do Brasil o latifúndio foi tão poderoso no uso da violência privada e nunca as forças armadas foram tão frágeis em relação a ele quanto durante o regime militar (MARTINS, 1999, p. 83). Durante o período militar, em meados dos anos 70, a Igreja cria a as Comunidades Eclesiais de Base (CEB´s) e a Comissão Pastoral da Terra (CPT) que, mesmo com a repressão, continuariam o trabalho na articulação de novos movimentos, tão logo terminasse a ditadura militar. Em meio a toda essa repressão nasce, em 1979, o movimento mais organizado do país, o Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST), sendo institucionalizado em 1985 (FERNANDES, 1996). Figura 4 – Organização dos Trabalhadores Sem-Terra Foto: Sebastião Salgado. Disponível em: <http://www.vermelho.org.br>. Acesso em: 26 maio 2009. Figura 5 – Bandeira do MST Fonte: <http://www.seresteros.com>. Acesso em: 26 maio 2009. 29 www.soeducador.com.br Geografia agrária Vale salientar que os anos 1980 são marcados por fortes conflitos em que a violência e o número de assassinatos no campo cresceram bastante. Segundo Oliveira (1988), praticamente em todos os estados brasileiros havia conflitos pela terra, sendo registrados 1.363 conflitos entre os anos de 1980 e 1981. O número de famílias envolvidas chegou a 365 mil, o que em números absolutos representa aproximadamente 1.194 mil pessoas envolvidas diretamente em conflitos. Nos anos de 1985 e 1986 ampliaram-se os conflitos armados e, em apenas dois anos, foram mortos 524 trabalhadores. Tal aumento do número de mortos teve conexão direta com o processo de desenvolvimento da implementação e início do PNRA (Plano Nacional de Reforma Agrária) e surgimento da UDR (União Democrática Ruralista), que passaram a fazer a defesa dos latifundiários. Nesse período concentram-se conflitos na região Norte (em especial na região do Bico do Papagaio, na Amazônia, na região sudeste do Pará) e no Nordeste (principalmente no Maranhão). O uso da violência se generalizou principalmente nas áreas de fronteira (OLIVEIRA, 1988). No seio desse processo o Estado buscou desarticular os movimentos, em alguns momentos de forma repressiva e em outros ignorando a questão. De uma forma ou de outra, o Estado buscou conter os avançosdos movimentos sociais. Entretanto, a sociedade civil tem apoiado e tem conseguido forças para mudar esse cenário. De forma geral, nos anos de 1980 surgem novos personagens gerados pela expulsão de seringueiros de suas áreas (que se tornaram pastagens), na construção de usinas hidrelétricas, pela expulsão de milhares de trabalhadores agrícolas devido à modernização do campo etc. Dessa forma, intensificou-se a luta pela terra e pela reforma agrária (este tema será analisado na próxima aula). Nos anos 1990 até a atualidade um dos movimentos que mais se destacou entre vários outros pela articulação nacional foi o MST, com a participação de milhares de trabalhadores rurais e com a ocupação de terras ociosas ou públicas, o que tem forçado o Estado a realizar políticas redistributivas e de (re)socialização dos sujeitos envolvidos. Abordaremos mais detalhadamente o assunto na próxima aula. 30 www.soeducador.com.br Geografia agrária Reforma agrária brasileira Fordista-keynesiano periférico Nos anos de 1930 a 1970 prevaleceu, nos países capitalistas, esse modelo que combinava consumo e produção em massa e caracterizava-se pela regulação de mercado de trabalho e pelo Estado interventor. Ethos Caráter cultural e social de um grupo ou sociedade. O contexto da reforma agrária brasileira O debate da reforma agrária no Brasil não é novo. Entretanto, na atualidade ele ganha uma nova roupagem, muito distinta da que teve nos períodos anteriores (por exemplo, nos anos de 1950). Esse debate estava ligado, em geral, ao caminho da industrialização brasileira. Temia-se que a agricultura viesse a constituir um obstáculo ao processo de industrialização, porque não aumentaria a produtividade dos trabalhadores nela ocupados. Isso significava, por um lado, que o setor agrícola não responderia em absoluto às necessidades alimentícias e às matérias-primas de que a indústria necessitaria, assim como os níveis de renda da população agrícola também não aumentariam, impossibilitando a criação de um mercado interno. A reforma agrária tinha como objetivo principal solucionar as crises agrárias e agrícolas pelas quais o país passava. Em suma, a reforma agrária objetivava alterar a estrutura de posse no uso da terra no Brasil, com intuito de promover o desenvolvimento mais rápido das forças produtivas no campo. O lema principal da reforma era: “é preciso acelerar a penetração das relações capitalistas de produção na agricultura brasileira”. Com isso, entregar os latifúndios para os camponeses suprimiria as relações pré-capitalistas e aumentaria a produção, derivando o fi m da ociosidade nos latifúndios. No entanto, estudos realizados sobre a reforma agrária no Brasil nesse período mostraram que não houve redistribuição de terra. Pelo contrário, aumentou a concentração da propriedade; concomitantemente, aumentou a miserabilidade no campo. Entretanto, a estrutura agrária brasileira não constituiu um empecilho à industrialização no país. Nesse sentido, podemos dizer que o desenvolvimento das relações de produção capitalista no campo brasileiro teve grandes avanços na 31 www.soeducador.com.br Geografia agrária solução da questão agrícola em detrimento da questão agrária, que, ao contrário, foi agravada. Nesse contexto, foi criado em 1963 a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (CONTAG), órgão máximo do sindicalismo brasileiro que, nos anos da ditadura militar, sofreu grandes repressões e foi acusada pelos críticos de colocar “panos quentes” e apagar incêndios nas questões agrárias por não exercer uma luta mais objetiva e reivindicatória dos problemas do campo. Porém, para alguns a CONTAG acumulou importantes vitórias, mesmo no período militar, sabendo recuar e avançar dependendo da conjuntura política. Segundo Linhares e Teixeira da Silva (1999), o período dos anos de 1950, baseado no modelo fordista-keynesiano periférico, a chamada substituição de importação, de relativo bem-estar social, mas restrito a trabalhadores industriais urbanos, são características principais do desenvolvimento regional desse momento. Em paralelo, a questão agrária é identificada com a questão nacional na luta contra o atraso e pela soberania nacional; o binômio minifúndio-latifúndio, com vínculo de dependência e prestígio distanciado do novo ethos da produtividade industrial. Identifica raízes históricas na questão agrária brasileira. No período militar se dá a extensão do modelo fordista-keynesiano ao mundo rural, com a criação de mecanismos mitigadores de bem-estar social para os trabalhadores rurais, como o FUNRURAL - Fundo de Apoio ao Trabalhador Rural e o direcionamento para a industrialização no campo; com o surgimento dos CAIs (Complexos Agroindustriais), a política implementada para a pequena produção agrícola é restringida ao máximo, lançando os camponeses para as chamadas fronteiras agrícolas. Simultaneamente, incentiva grandes projetos pecuaristas e de madeireiros nessas áreas. Cabe ressaltar que, durante o regime militar, os movimentos, manifestações, atos ou tentativas de organização dos trabalhadores rurais eram imediatamente identificados como subversivos, tornando-se caso de polícia. Foram tempos de fortes embates, como pode ser observado nos versos de Thiago de Mello (1974): O tempo é de cuidado, companheiro. É tempo sobretudo de vigília. 32 www.soeducador.com.br Geografia agrária O inimigo está solto e se disfarça, mas como usa botinas, fica fácil distinguir- lhe o tacão grosso e lustroso que pisa as forças clara da verdade e esmaga os verdes que dão vida ao chão (Canto de companheiro em tempos de cuidados). A ausência de reforma agrária intensifica o desemprego no campo, inclusive nas áreas tradicionais de pequena produção consolidada, como nas regiões Sul e Sudeste do país, inviabilizando o exercício da cidadania plena e fortalecendo a miséria no campo; mas, ao mesmo tempo, ocorre a politização sobre a questão agrária. A nova paisagem rural brasileira, tendo como atores principais os CAIs, integram-se ao sistema econômico mundial capitalista através dos insumos, das patentes e do consumo, derivando a ampliação e concentração de capital e aumentando a exclusão no campo. Com o fim da ditadura militar, democratização do país e a promulgação da Constituição de 1988, marcava-se um novo capítulo na política brasileira e no contexto internacional com a adoção do neoliberalismo. Nesse período, foi estabelecido o PNRA, Plano Nacional de Reforma Agrária, e criado o MIRAD, Ministério da Reforma e do Desenvolvimento Agrário, constituído de políticos e especialistas e com o objetivo de assentar um milhão e quinhentas mil famílias de trabalhadores rurais. Isso estava assegurado na Constituição de 1988, que define claramente o uso da terra como função social. Ao mesmo tempo, consolidava-se um dos mais poderosos lobbies de proprietários de terra do país, a UDR – União Democrática Ruralista, constituída de políticos da direita brasileira, que era ligada a grandes grupos industriais, principalmente dos CAIs. A UDR, através de seus lobbies no Congresso e no Senado Federal, exercia influência em votações fundamentais direcionadas à reforma agrária. Lobby Grupo de pressão na esfera política, grupo de pessoas ou organizações que tentam influenciar, aberta ou secretamente, as decisões do poder público em favor de seus interesses. Como você deve ter percebido, a reforma agrária envolve vários setores e classes sociais, o que se constitui num entrave, pois o que para alguns seria a solução, para outros é um problema. Além disso, a reforma agrária não se remete apenas à redistribuição de terra, como pontua Martins (2003, p. 42): 33www.soeducador.com.br Geografia agrária [...] a reforma agrária não é apenas redistribuição de terra, mas redistribuição de oportunidades de reinserção ou de inserção no sistema econômico, forma de atenuar ou neutralizar as forças que tendem a dele expulsar ou descartar os inaproveitáveis de uma economia crescentemente seletiva e crescentemente dominada e regulada pela lógica do mercado e do lucro. A reforma agrária e os contrastes regionais A reforma agrária brasileira é uma questão complexa, que desde a colonização tem sido relegada a segundo plano. Além disso, devemos considerar os diferentes aspectos regionais brasileiros. Graziano da Silva (1980) expõem alguns aspectos que diferenciam e explicam, de certa forma, os motivos das reivindicações dos trabalhadores rurais de acordo com as especificidades regionais. Para isso, o autor utiliza a regionalização proposta pelo geógrafo Pedro Pinchas Geiger, que divide o Brasil em três grades regiões: Amazônia, Nordeste e CentroSul (Figura 1). Na disciplina Geografia Regional do Brasil, você pode aprofundar ainda mais a proposta de regionalização de Geiger. Vamos, agora, destacar alguns aspectos da análise de Graziano da Silva. Na região Centro-Sul do país, o ponto central das lutas e reivindicações parece ser o cumprimento da legislação trabalhista (salário mínimo, domingo remunerado, férias, indenização etc.). Estas reivindicações estão contextualizadas no processo de informalidade que passa essa classe, pois a maioria dos trabalhadores rurais não tem carteira assinada. Assim, embora exista o Estatuto do Trabalhador Rural e uma legislação complementar, elas soam insuficientes. Em outras palavras, além de pouco, o que existe em benefício do trabalhador rural não é cumprido. O não 34 www.soeducador.com.br Geografia agrária cumprimento da legislação, segundo os próprios líderes, deve-se à fraqueza dos sindicatos brasileiros. Em relação à região Nordeste, com exceção das zonas do Brasil Central e da zona litorânea pertencente a esta região, destaca-se a luta dos pequenos rendeiros contra os proprietários de terra. Assim como os trabalhadores em geral, sua reivindicação específica é o cumprimento da legislação existente, embora os rendeiros também reivindiquem a aplicação da legislação agrária consubstanciada no Estatuto da Terra e textos complementares. Entretanto, as normas do Estatuto da Terra constituem um sonho, pois a grande maioria dos contratos de parceria e arrendamento no Brasil desrespeita a lei, tanto no que se refere às condições especiais não permitidas, quanto à porcentagem máxima cobrada do parceiro, além dos preços dos arrendamentos das terras. Desse modo, os trabalhadores rurais nordestinos são obrigados a vender sua produção aos proprietários, a se abastecer nos armazéns destes, a prestar serviços gratuitos aos proprietários etc. Grilagem Falsificação de documentos que se dá quando uma pessoa (grileiro) consegue várias procurações falsas de pessoas desconhecidas, geralmente camponeses que assinam os papéis para seus “patrões”. Com estes documentos falsos, é realizada a compra de várias propriedades vizinhas, como se fosse um grande loteamento. Figura 1 – Mapa com as grandes regiões ou complexos regionais brasileiros. Fonte: Becker (1972). OCEANO PACÍFICO OCEANO ATLÂNTICO ESCALA Amazônia Nordeste Centro-Sul 0 500 35 www.soeducador.com.br Geografia agrária Nas zonas de expansão de fronteira agrícola na região Norte e Centro-Oeste, a luta dos posseiros se dá contra a grilagem de suas terras, que é uma das maneiras pelas quais as grandes propriedades ampliam seus domínios. O que os posseiros da Amazônia reivindicam não são apenas terras, mas que as terras deixem de ter valor. Em outras palavras, a resistência dos posseiros contra os grileiros é uma luta contra a utilização da terra para fins não-produtivos, seja como reserva de valor, seja como meio de acesso a outras formas de riqueza (minério, madeira de lei etc.). Hoje, a luta dos posseiros é um dos mais profundos questionamentos à propriedade capitalista de terra no Brasil. A regionalização das reivindicações específicas dos trabalhadores rurais brasileiros não significa, em totalidade, a existência de uma unidade de um plano mais geral. O centro da questão é que todos os grupos de trabalhadores rurais pertencentes às regiões dependem, em maior ou menor grau, da venda de sua força de trabalho para sobreviver, seja por não disporem dos meios de produção insuficientes ou por não possuírem nada para vender além de sua força de trabalho. Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra – MST Uma das grandes novidades no cenário político e social brasileiro foi o fortalecimento do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, o MST, na década de 1990. Ele surgiu como um forte movimento social autônomo, desvinculado de partidos políticos e de governos, num momento de refluxos das organizações sindicais e de partidos de esquerda como PT, PDT, PC do B e PCS, em plena crise de desemprego que assolava o país nesse período. Na sua essência, nega a cartilha neoliberal, o latifúndio brasileiro e os conservadores da política brasileira. Além disso, faz duras críticas à atuação das duas maiores forças sindicais brasileiras – a CUT e a força sindical – por não atuarem de forma concisa nas questões econômicas e, principalmente, na questão agrária do Brasil. O MST tem mostrado grande organização e mobilidade invejável a qualquer organização social, pois consegue mobilizar, em um só protesto, trabalhadores de várias partes do Brasil, sempre acatando as orientações centrais do movimento. Isso causa na direita reacionária brasileira um imenso temor; ela passa a exigir do governo dura repressão pela força policial e pela lei, criminalizando-o. Além disso, usam a mídia para denegrir a imagem deste movimento perante a opinião pública brasileira, comparando o MST à guerrilha zapatista, no México, e às Ligas 36 www.soeducador.com.br Geografia agrária camponesas; a direita reacionária defende a existência uma verdadeira guerrilha civil no campo e solicita a atuação repressiva do exército contra esse movimento. Para João Pedro Stédile (1997), o MST é um movimento de massa de caráter sindical; mas também é um movimento popular, porque as reivindicações não se esgotam na terra, sendo um movimento que briga contra o Estado e o latifúndio. Para estes homens, a reforma agrária não é apenas uma forma ou via de desenvolvimento: a reforma agrária é considerada uma necessidade primordial dos trabalhadores. Tem intuito de reduzir a concentração da terra, mudando a forma de sua utilização e tendo como algumas das finalidades a diminuição do êxodo rural e a construção de uma cidadania plena através da democratização das condições de trabalho e do acesso à terra. Para a maioria dos pensadores de esquerda, a estrutura fundiária é herança do passado colonial do país, que mantém características injustas e atrasadas. Não é possível, de forma alguma, pensar em desenvolvimento justo com a presença do latifúndio. Contrapondo-se a essa ideia, temos o pensamento da direita brasileira, que considera a estrutura fundiária justa e democrática. Como exemplo, podemos citar a UDR, que diz que os conflitos do campo são uma síntese de agitadores de esquerda e de ideólogos urbanos; esses conflitos, inclusive, lançariam sobre o campo os restos de desempregados das cidades fantasiados de sem-terra. Guerrilha zapatista Movimento que se inspirou na luta de Emiliano Zapata (líder dos embates pela reforma agrária mexicana) contra o regime autocrata de Porfirio Diaz, que encadeou a Revolução Mexicana em 1910. A principal reivindicação dos trabalhadores rurais é umareforma agrária que não pulverize antieconomicamente a terra, e sim uma redistribuição de renda, de poder e de direitos em que surjam novas formas alternativas como as cooperativas e multifamiliares. Em resumo, não anseiam a mera distribuição de pequenos lotes, o que apenas os habilitaria a continuarem sendo mão de obra barata para os grandes proprietários, como também almejam uma mudança na estrutura política e social no campo. A reforma agrária também tem um objetivo de romper com o monopólio da terra, permitindo, assim, que se apropriem do seu próprio trabalho. Para isso, torna- se necessário eliminar o latifúndio e sua função parasitária da terra, desde o caso 37 www.soeducador.com.br Geografia agrária daqueles que deixam a terra à espera de valorização imobiliária até os que a utilizam para repassar um recurso financeiro para os pequenos produtores rurais. Apesar de uma regionalização desigual nos país, não é possível ignorar o desenvolvimento econômico pelo qual o campo brasileiro passou, principalmente nas últimas décadas. Como consequência dessas transformações e do desenvolvimento, os trabalhadores rurais não se limitam a reivindicar somente a reforma agrária parcial. Eles reivindicam uma reforma que leve em consideração questões como preços mínimos, comercialização, crédito e assistência técnica voltadas para os pequenos produtores, uma vez que as políticas agrícolas estão voltadas para os grandes latifundiários e engendradas numa tríplice aliança entre indústria, banco e grandes proprietários de terra. Tal fato se justifica porque o crédito é utilizado para comprar mercadorias como tratores, colheitadeira, defensivos químicos etc. Além disso, os bancos preferem grandes financiamentos, ou seja, os grandes fazendeiros – os bancos e a indústria formam uma aliança crucial para a reprodução do capital no campo. Cenário recente da questão agrária brasileira: marco jurídico e política de assentamento A partir de 1985, com a redemocratização ou período da Nova República (1985-1989), as desapropriações se tornam um dos objetivos prioritários para o plano do governo. Nesse período é lançado o PNRA, como foi dito anteriormente, que estabelece zonas prioritárias com fi ns de reforma agrária. No entanto, as desapropriações foram ocorrendo de maneira não sistemática e não planejada, uma vez que se adotou a desapropriação emergencial. Esse sistema de desapropriação emergencial retirou a flexibilidade do poder público em desapropriar outros imóveis dentro de uma área prioritária, uma vez que nas desapropriações emergenciais a área prioritária coincidia com a área de possível desapropriação por interesse social (LEITE et. al, 2004, p.39). Você sabia? Nova República é o nome do período da História do Brasil que se seguiu ao fim da ditadura militar. É caracterizado pela ampla democratização política do Brasil e sua estabilização econômica. Usualmente, considera-se o seu início em 1985, quando, concorrendo com o candidato situacionista Paulo Maluf, o oposicionista 38 www.soeducador.com.br Geografia agrária Tancredo Neves ganha uma eleição indireta no Colégio Eleitoral, sucedendo o último presidente militar, João Figueiredo. Tancredo não chega a tomar posse, vindo a falecer vítima de infecção hospitalar contraída na ocasião de uma cirurgia. Seu vice- presidente José Sarney assume a presidência em seu lugar. Sob seu governo é promulgada a Constituição de 1988, que institui um Estado democrático e uma república presidencialista, confirmada em plebiscito em 21 de abril de 1993. No PNRA, a reforma agrária aparecia como prioridade do governo. O plano objetivava assentar 7 milhões de trabalhadores rurais sem-terra ou com pouca terra no prazo de 15 anos. Para isso, contava com a participação da CONTAG, que apoiava a Nova República. No entanto, alguns segmentos apresentavam resistência à operacionalização do plano, uma vez que havia interesses em sua concretização. A resistência à proposta se deu em diferentes segmentos, em que o MST fez oposição e continuou a organizar as ocupações de terra. Outros segmentos de oposição foram os representantes da classe fundiária, que organizaram um encontro para discutir as diretrizes do PNRA e fundaram um grupo para defender os interesses da classe – a União Democrática Ruralista, UDR (MEDEIROS, 2003). O PNRA teve sua proposta derrotada pelos proprietários representados pela UDR, que logo polarizaram o combate ao plano, defendendo o direito de propriedade – se necessário, inclusive, com uso da força. Com isso, os resultados do PNRA foram poucos, uma vez que na Nova República foram assentadas apenas 83.687 famílias. Para garantia de condições de investimento na terra, foi criado, nesse momento, o Programa de crédito Especial para Reforma Agrária – PROCERA (MEDEIROS, 2003). O PROCERA foi criado em 1985, no governo José Sarney, pelo Conselho Monetário Nacional, com o objetivo de aumentar a produção e produtividade agrícola dos assentamentos de reforma agrária. O programa visava a plena inserção do assentado no mercado, objetivando permitir a sua emancipação, ou seja, a independência da tutela do governo. O PROCERA foi o responsável pelos financiamentos e instalação de infraestrutura nas áreas de assentamentos. No período de transição do final dos anos 1980 e início dos anos de 1990, o poder judiciário fora o ator principal no comando da questão agrária brasileira, uma vez que havia uma imprecisão em definir o latifúndio improdutivo. Em 1993, é aprovada a Lei 8.629, que definiu que a propriedade que não cumprisse sua função social era passível de desapropriação, adotando critérios de tamanho para essa 39 www.soeducador.com.br Geografia agrária desapropriação, em módulos fiscais (sendo passíveis de desapropriação as propriedades acima de 15 módulos fiscais), banindo da lei o termo latifúndio. No governo de Fernando Henrique Cardoso, inicialmente a questão agrária perde lugar na discussão, uma vez que o Plano Real era o centro do debate político e econômico. Mas logo a questão agrária retoma lugar de destaque, devido à ação violenta e o crescimento do número de eventos em que a polícia legitimada pelo Estado combatia os movimentos. Dentre esses movimentos, destacou-se a luta travada entre a polícia e os militantes do MST em Corumbiara (Rondônia), em 1995, e Eldorado dos Carajás (Pará), em 1996. Esse último resultou no massacre de 17 trabalhadores. Tal evento foi filmado e teve repercussões em todo o mundo, gerando protestos em vários organismos nacionais e internacionais. A questão agrária retoma a discussão – inclusive para o âmbito da sociedade – e o MST intensifica as mobilizações; outras entidades como os sindicatos, a Igreja e órgãos não- governamentais também pressionam a desapropriação de terras. Figura 2 – Primeira página do Jornal do Brasil de sexta-feira, 19 de abril de 1996, retratando o Massacre de Eldorado dos Carajás. O MST organiza marchas nacionais por reforma agrária, emprego e justiça, reunindo milhares de trabalhadores. Essas medidas têm repercussões na mídia e nas primeiras páginas de jornal. Como consequência direta da efervescência da questão agrária aludida pelo MST, dos sindicatos de trabalhadores rurais e outros mediadores, o governo cria, em 1997, o Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA) para retomar a iniciativa política e reduzir as ações do MST, principalmente nas ocupações de terras. Assim, o governo estabelece uma série de medidas provisórias, decretos e leis complementares que modificam o modo pelo qual o poder executivo agia em relação 40 www.soeducador.com.br Geografia agrária aos conflitos. Essas medidas foram tomadas para agilizar asdesapropriações de terra e para acalmar os ânimos dos trabalhadores “sem-terra”, em especial dos movimentos liderados pelo MST. Além disso, foram criadas algumas regulamentações para acelerar a realização dos assentamentos rurais, dentre as quais: • agilização do rito sumário; • vistoria das terras, acompanhada de representantes sindicais; • redução de juros compensatórios de 12% para 6% ao ano para desapropriações; • descentralização do Poder Federal, que passa a atribuir, também, à União e ao Estado a realização de funções antes exercidas apenas por ele, para realização das desapropriações e formação de assentamentos rurais. Sob a ótica da descentralização iniciada no segundo mandato do governo FHC, as medidas governamentais se consolidam com o programa “Agricultura familiar, reforma agrária e desenvolvimento local para um novo mundo rural”, realizado em 1999, ficando conhecido como “Novo mundo rural”. Esse programa firmou parcerias com estados e municípios, principalmente na negociação de terras e infraestrutura. Uma dos aspectos derivado desses arranjos é avaliada por Medeiros (2003, p. 57), em que o assentado passa a ser visto como “empreendedor”, devendo ajustar- se ao mercado competitivo. Daí derivam inúmeras críticas sobre esse modelo de reforma agrária, que alguns denominam de reforma agrária de mercado ou reforma negociada, que se caracteriza pelo caráter produtivista. Ao longo dos últimos 20 anos, em linhas gerais, assim tem-se dado a instalação de assentamentos rurais via políticas públicas, sejam esses assentamentos do INCRA ou do Estado, através do Programa Cédula da Terra e do Banco da Terra. A intensificação da luta pela terra pelos trabalhadores rurais que assumem a identidade de sem-terra faz com haja a expansão dos assentamentos rurais em todo o país. A maior parte dos assentamentos rurais foram criados pelo governo Federal, mas há também assentamentos conduzidos pelos governos estaduais e municipais, em menor escala. Vale salientar que em algumas áreas do Brasil há, também, assentamentos extrativistas (em especial na região Norte), preservando as formas tradicionais de utilização dos recursos naturais. 41 www.soeducador.com.br Geografia agrária Os assentamentos rurais representam uma mudança na organização do espaço do campo. Esses novos territórios, apesar da dispersão e da não contiguidade, significam o repovoamento do espaço rural. Para finalizar, é importante ressaltar que as lutas por terra resultaram na criação de uma quantidade relativamente maior de assentamentos rurais em relação aos períodos anteriores, e que os números da Tabela 1 foram objeto de intensa disputa entre governo e movimentos sociais. Tabela 1 - Assentamento de famílias por período de governo PERÍODO FAMÍLIAS ASSENTADAS 1964/1984 (regime militar) 77.465 1985/1989 (governo José Sarney) 83.687 1990/1992 (governo Collor de Mello) 42.516 1993/1994 (governo Itamar Franco) 14.365 1995/2002 (governo Fernando Henrique) 579.733* 2003/2005 (governo Lula) 245.061 *Exclui famílias que tiveram acesso à terra por meio do Banco da Terra e Crédito Fundiário, num total de 55.302. Agricultura e sustentabilidade Analisando o processo de evolução tecnológica da agricultura, podemos observar que várias práticas e tecnologias foram desenvolvidas no sentido de melhorar o padrão de produtividade e diminuir as restrições ambientais a atividade agrícola. A expansão do uso de fertilizantes, adubos, herbicidas, pesticidas e fungicidas há décadas é motivo de críticas de ambientalistas, de órgãos ligados à saúde e de sindicatos de trabalhadores, principalmente, rurais. Nesse sentido, tem- se buscado novas alternativas de produção uma vez que o meio ambiente tem apresentado sinais de esgotamento. A continuidade do modelo vigente de consumo exacerbado apresenta limitações ecológicas na medida em que se intensifica o uso de práticas agrícolas prejudiciais aos ecossistemas. 42 www.soeducador.com.br Geografia agrária Um dos marcos políticos mais relevantes que intensificou as práticas agrícolas predadoras foi a Revolução Verde concebida pelos Estados Unidos, no período pós- Segunda Guerra Mundial, em que os países receberam um “pacote tecnológico” que visava combater a fome, a miséria nos países subdesenvolvidos, entretanto o que se assistiu foi a acentuação dos problemas socioambientais nos países beneficiados com essa política. O pacote tecnológico era constituído de novas técnicas de cultivo, equipamentos, fertilizantes, agrotóxicos, etc. Tal política aumentou à distância entre os grandes agricultores e os pequenos agricultores que não tiveram condições de competir com o novo modelo de produtividade. Nos anos de 1980, inicia-se uma discussão na opinião pública e, principalmente, nos países desenvolvidos sobre temas ambientais impactantes resultantes da Revolução Verde, da agricultura moderna, do efeito estufa, da poluição industrial, do desflorestamento entre outros. Com isso, questionava-se até que ponto ou até quando os recursos naturais suportariam o ritmo do crescimento econômico, tecido pelo Industrialismo e pela própria humanidade. Dessa forma, consolidou-se um novo paradigma: o da sustentabilidade. Desenvolvimento sustentável e sustentabilidade A origem do debate sobre o desenvolvimento sustentável tem sua origem no debate realizado na Conferência de Estocolmo em 1972, que se consolida na ECO- 92, realizada em 1992 no Rio de Janeiro. O conceito de desenvolvimento sustentável mais referenciado é o de Brundtland. Esse diz que o desenvolvimento sustentável é aquele que satisfaz as necessidades das gerações atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras de satisfazer suas próprias necessidades. Este novo estilo de desenvolvimento se pauta numa nova ética, na qual os objetivos econômicos estão subordinados às leis de funcionamento dos ecossistemas e o respeito à dignidade humana e a melhoria da qualidade de vida da sociedade. No final dos anos de 1980, precisamente em 1987, foi publicado o Relatório de Brundtland chamado de “Nosso Futuro Comum” que ajudou a disseminar o ideal de um desenvolvimento sustentável para diferentes setores da sociedade, entre eles a agricultura. A conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento e o Meio Ambiente (ECO-92) reafirmou essa ideia, apresentando o desenvolvimento 43 www.soeducador.com.br Geografia agrária sustentável como aquele que é capaz de garantir as necessidades das gerações futuras. Nesse sentido, é imprescindível pensar uma agricultura permeada pelo desenvolvimento sustentável para romper com o modelo agrário-agrícola atual baseado na monocultura. Na tentativa de romper com essa lógica, algumas técnicas têm sido desenvolvidas. Nos últimos anos, cresce a discussão em torno da sustentabilidade, ou seja, promover a exploração de áreas ou o uso de recursos planetários (naturais ou não) de forma a prejudicar minimamente o equilíbrio entre o meio ambiente e as comunidades humanas e da biosfera que dele dependem para existir. Vale salientar que a sustentabilidade depende de três variáveis interdependentes e dependentes entre si, proporcionando a diminuição de impactos ambientais aos ecossistemas agrário, urbano etc. O tripé da sustentabilidade é composto pelas variáveis social, econômico e ambiental representadas no diagrama abaixo: Figura 1 – Tripé da Sustentabilidade O desenvolvimento sustentável é um modelo que pode ser utilizado para produção e reprodução dos espaços agrícolas, que visa atenuar os impactos socioambientais. Nesse sentido, um dos ramos científicos que tem gerado bastante discussão é a Agroecologia. Agroecologia A Agroecologia é uma ciência que surgiuna década de 1970, como forma de estabelecer uma base teórica para viabilizar uma agricultura alternativa, que aparece 44 www.soeducador.com.br Geografia agrária da necessidade de mudar as técnicas modernas que causam diversos impactos ao solo com o uso intensivo de agrotóxicos, fertilizantes, máquinas pesadas e sementes de alta produtividade, etc. No campo científico coexistem várias definições para Agroecologia, mas podemos dizer baseado em Servilha Guzmmán e González Molina (apud CAPORAL; COSTABEBER, 2001, p. 37) que: A Agroecologia corresponde a um campo de estudos que pretende o manejo ecológico dos recursos naturais, para – através de uma ação social coletiva de caráter participativo, de um enfoque holístico e de uma estratégia sistêmica – reconduzir o curso alterado da coevolução social e ecológica mediante um controle das forças produtivas que estanque seletivamente as formas degradantes e espoliadoras da natureza e da sociedade. A Agroecologia trabalha levando em consideração que os agroecossistemas são unidades fundamentais de pesquisa, levando em consideração os ciclos minerais, as transformações energéticas, os processo biológicos, as relações socioeconômicas e ambientais de forma integrada. Ela é uma ciência que visa alcançar a sustentabilidade ecológica, social, econômica, cultural, política e ética. Essa é uma proposta de desenvolvimento sustentável. Além da Agroecologia existem outras manifestações de agricultura alternativa como a Biodinâmica, a Ecológica, a Orgânica, a Regenerativa, a Permacultura entre outras. No entanto, não podemos confundir a Agroecologia enquanto disciplina científica ou ciência como apenas uma prática ou um estilo de agricultura. Na Agroecologia, a busca da sustentabilidade é uma meta nos sistemas agroecológicos que traça estratégias de minimização do uso de fontes artificiais de energia por fontes naturais, ou melhor, a Agroecologia visa interpretar, entender e intervir nos agroecossitemas de forma a favorecer o seu fluxo energético de água e nutrientes, mantendo-o e, se possível, incrementando-o (BOEMEKE, 2001). Podemos listar alguns recursos ecológicos de produção agrícola e incrementação dos sistemas como: o uso de biofertilizantes, caldas elaboradas com ingredientes naturais orgânicos e químicos da propriedade ou da região, adubos de baixa solubilidade como o calcário e fosfatos naturais, adubos verdes, o sal mineral caseiro, o plantio direto, o pastoreio rotativo, cortinas vegetais, entre outros. A Agroecologia baseia-se no manejo racional dos agroecossistemas. 45 www.soeducador.com.br Geografia agrária No entanto, a difusão dos sistemas agroecológicos encontra dificuldades para implantação, observa-se que a agricultura orgânica se apropria melhor nos sistemas de organização familiar de produção, uma vez que estes, na maioria das vezes, possuem estruturas de produção diversificadas. Já para os produtores patronais, de grandes propriedades, as dificuldades são maiores para a regra de diversificação da produção do agroecossistema. Além disso, nessas propriedades ocorre forte interação com o mercado, fato este que se reflete no processo de adoção de tecnologias que visam sempre os ganhos imediatos de produtividade, independentemente do modo de produção. Vale salientar, que a organização da produção social é um componente importante para se analisar quando nos referimos ao custo de conversão para a agricultura orgânica com bases agroecológicas. Nesse sentido, necessita-se de acréscimo na demanda de trabalho para a implantação desse sistema. No caso da produção familiar, este custo de conversão não é percebido, pois não há desembolso financeiro, diferentemente da produção empresarial que terá custos para realizar a conversão. Dessa maneira, pode ser observado que os custos presentes no processo de transição para modelos agroecológicos difi cultam o desenvolvimento efetivo para grande parte dos agricultores, mesmo considerando os preços dos produtos agroecológicos que a rede de consumo está disposta a pagar. Agricultura e a questão ambiental Agricultura e meio ambiente O espaço rural caracteriza-se pela heterogeneidade, que se traduz na existência do rural tradicional, do rural moderno, do rural global muitas vezes num mesmo espaço social e geográfico. Tal característica deve-se, entre outros fatores, a sua formação social. No entanto, destacaremos os processos evolutivos na utilização de novas técnicas na agricultura em relação ao uso do solo dos quais derivam vários impactos ambientais. Os agroecossistemas, em geral, exibem uma biodiversidade bem menor que os ecossistemas naturais devido à agricultura moderna enfatizar a monocultura em detrimento da agricultura tradicional, que utiliza uma grande variedade de espécies sem o uso de agrotóxicos. É sabido que o uso de pesticidas, herbicidas e fertilizantes 46 www.soeducador.com.br Geografia agrária de origem química mudou drasticamente as bases da agricultura tradicional. Com isso, ocorreu um aumento na produtividade das lavouras com auxílio de máquinas e equipamentos que foram adaptados às tecnologias de plantio. Esse processo se deu efetivamente nos países desenvolvidos, os quais iniciaram a modernização agrícola e passaram a utilizar em 1874 o primeiro composto orgânico – DDT (abreviatura para dichloro-diphenyl-trichloro-ethane) – na agricultura e pecuária; essas passaram por uma mudança estrutural drástica a partir do uso e convivência com a Química. Paralelamente, no mesmo ano, 1874, os ambientalistas inauguraram a primeira unidade de conservação do planeta nos EUA: o Parque Nacional de Yellowstone. A ideologia na criação dessas unidades era proteger os “lugares selvagens e belos” dos próprios homens e das atividades humanas para o deleite do homem moderno. Essa prática de criação de áreas e unidade de conservação, apesar de várias críticas, teve e continua tendo importância para a conservação da diversidade biológica e manutenção de determinados ecossistemas. Entretanto, em relação ao DDT, em 1939, foram descobertas por Paul Muller suas propriedades inseticidas. A aplicação do DDT para combater insetos rendeu- lhe o prêmio Nobel da Química em 1948. O composto químico era uma arma para combater o inseto causador da malária. No entanto, anos depois se descobriu que todos os compostos organoclorados possuem propriedades cancerígenas e apresentam grande estabilidade química e alta toxidade. Vale salientar que as novas técnicas se disseminaram pelo planeta, ampliando as possibilidades de plantio em regiões de solo e climas, antes considerados inadequados. Nos países subdesenvolvidos, em especial o Brasil, a agricultura era rudimentar, voltada para produção e exportação de alimentos. O uso de novas técnicas e de defensivos químicos é introduzido após a 2ª Guerra Mundial, quando os Estados Unidos promoveram a Revolução Verde através de um pacote tecnológico que continha os equipamentos, insumos e defensivos favorecendo a agricultura intensiva. No entanto, com o tempo foi ficando evidente o custo da Revolução Verde. A exploração da terra e seu aproveitamento máximo aliado à falsa ideia da infinidade de recursos naturais na perspectiva de lucro rápido resultaram numa degradação ambiental intensa, quer seja na contaminação dos solos e da água, quer seja no envenenamento dos trabalhadores agrícolas, contaminação dos alimentos, 47 www.soeducador.com.br Geografia agrária empobrecimento da terra etc. Além disso, podemos destacar outros aspectos negativos do ponto de vista social, uma vez que para adquirir o pacote tecnológico da Revolução Verde os produtores deveriam dispor de capital ou de empréstimobancário. Dessa forma, o pequeno produtor foi expelido do mercado. Nos anos de 1970/80, desenvolveu-se um intenso movimento crítico no que se refere à Revolução Verde quanto ao uso de agrotóxicos e produtos químicos utilizados na atividade agrícola. Nesse contexto, originou-se um movimento para promoção da agricultura orgânica e da Agroecologia. Cabe destacar que a Revolução Verde, segundo Porto Gonçalves (2004), deve ser entendida no contexto da geopolítica da Guerra Fria, ou seja, os países capitalistas centrais, principalmente os Estados Unidos, implantaram-na com o intuito de conter movimentos políticos no campo de cunho socialista e expandir o capitalismo no campo com a venda de equipamentos, máquinas, insumos, fertilizantes etc. Deve-se lembrar que as empresas agroquímicas e de equipamentos em geral têm suas sedes, em sua quase totalidade, nos países europeus centrais, EUA e no Canadá. Com isso, o atual modelo agrário-agrícola engendrado pelo sistema de produção de sistema capitalista não é apenas uma questão técnica/ecológica, mas gira em torno de como equacionar as dimensões econômicas e socioambientais para reduzir os impactos ambientais no espaço geográfico, especificamente no espaço rural (GONÇALVES, 2004). Problemas ambientais rurais . Os impactos ambientais da agricultura manifestam-se com maior intensidade nos solos; estes constituem um recurso com grande potencial de renovação, pois a perda de parte do solo é compensada no processo de intemperismo sofrido pelas Figura 1 – A insustentabilidade planetária 48 www.soeducador.com.br Geografia agrária rochas que forma continuadamente novos solos. Na atualidade, o uso inadequado do solo pela agricultura baseada na monocultura utiliza grandes quantidades de defensivos agrícolas e fertilizantes e tem provocado sérios danos ao meio ambiente. A produção de espécies vegetais uniformes (soja, trigo, cana-de-açúcar, entre outros) nos grandes latifúndios favorece o desenvolvimento de grande quantidade de espécies invasoras – as pragas – que se alimentam desses produtos. É o caso da lagarta da soja, do besouro bicudo do algodão, bactérias como os ácaros dos mamoeiros, o cancro cítrico dos laranjais, as pragas dos cafezais, fungos que atacam o trigo e o milho e as pragas que infestam os canaviais. Nas monoculturas, as pragas proliferam rapidamente e, para conter a proliferação de tais manifestações, os latifúndios utilizam cada vez mais agrotóxicos, que prejudicam tanto a saúde humana quanto o meio ambiente na contaminação dos solos e dos lençóis freáticos, rios etc. Esses agrotóxicos são chamados também de defensivos agrícolas (ROSS, 2001). A aplicação frequente e intensa de agrotóxicos contamina os solos, tornando- o estéril devido à eliminação microbiana, e ainda são usados herbicidas para o controle de ervas daninhas ou mato, que se reproduzem mais rapidamente que as espécies cultivadas. Esses herbicidas são tão tóxicos quanto os agrotóxicos, causando desequilíbrio na biodiversidade dos ecossistemas. Outro problema diz respeito à irrigação, que constitui uma prática bastante desenvolvida, mas que deve ser planejada e acompanhada por outras práticas. O objetivo fundamental da irrigação é levar água aos cultivos, possibilitando a produtividade e boa qualidade. Segundo a ONU (2000), cerca de 70% da água consumida mundialmente, incluída a desviada dos rios e a bombeada do subsolo, é utilizada para a irrigação. No entanto, a irrigação provoca diversos impactos ambientais, tais como modificação do meio ambiente, salinização do solo, contaminação dos recursos hídricos, consumo exagerado da disponibilidade hídrica da região, consumo exagerado de energia e problemas de saúde pública. Além desses problemas ambientais, o IPCC (Painel Intergovernamental de Mudança Climática) alerta que o mundo precisa reduzir seus gases causadores de efeito estufa para estabelecer o equilíbrio da terra. A preocupação do IPCC é justificável, pois o efeito estufa afetará todo o planeta e, de forma desproporcional, os países pobres, que de acordo com as projeções científicas serão os mais atingidos por catástrofes naturais e problemas ambientais como ciclones tropicais, chuvas 49 www.soeducador.com.br Geografia agrária torrenciais, escassez de água, doenças e degradação dos solos. Esses países são mais vulneráveis devido à falta de recursos. Além disso, poderá ocorrer a redução de colheitas e várias mudanças na produção agrícola. O Brasil seria um dos países mais afetados devido às suas condições climáticas, edáficas e continentais. Transgênicos e biotecnologia Transgênicos são organismos que, mediante técnicas de engenharia genética, contêm material genético de outros organismos. Os transgênicos, segundo os especialistas, causam uma erosão genética, ou seja, reduzem a diversidade de plantas cultivadas. Os defensores dos transgênicos argumentam que eles podem trazer benefícios ecológicos em função de necessitarem de menor quantidade de aplicação de agrotóxico. Em contrapartida, a maioria dos ambientalistas sustenta que os transgênicos deverão dinamizar o processo de erosão genética devido à priorização de determinadas espécies em detrimento da biodiversidade genética. Além disso, deixam os produtores agrícolas reféns de companhias transnacionais (por exemplo, Monsanto Estadunidense) que controlam as tecnologias e patentes tanto na produção de sementes geneticamente modificadas quanto dos insumos necessários para fazê-las produzir. O quadro a seguir sintetiza os principais cultivos transgênicos mundiais. Tabela 1 – Principais cultivos transgênicos no mundo Os principais cultivos transgênicos no mundo (em milhões de hectares) Produto Área cultivada Soja tolerante a herbicida 36,5 Milho Bt resistente a insetos 7,7 Canola tolerante a herbicida 3,0 Figura 2 – Transgênicos 50 www.soeducador.com.br Geografia agrária Milho tolerante a herbicida 2,5 Algodão Bt resistente a insetos 2,4 Algodão tolerante a herbicida 2,2 Algodão Bt tolerante a herbicida 2,2 Milho Bt tolerante a herbicida 2,2 Segundo Lawrence (2008, p. 260), “a área de plantio de transgênicos no mundo tem crescido bastante; a área plantada com transgênicos cresceu 12% em 2007, com valores globais chegando a 700 milhões de dólares”. A autora, em seu artigo, chama atenção para o crescimento brasileiro, que em 2007 ultrapassou os EUA em novas áreas de plantio. A Índia continuou seu rápido crescimento, seguida de perto pelo Paraguai, África do Sul e Uruguai. Em oposição, na Austrália as áreas com cultivos transgênicos continuam em queda. OBS: O crescimento percentual da área plantada entre 2006 e 2007 está mostrado na coluna da esquerda. As barras à direita evidenciam as áreas de cultivo de transgênicos, ou seja, representam a área ocupada pelos transgênicos em hectares. Figura 3 – Crescimento da área plantada e ocupada pelos transgênicos entre 2006 e 2007 O gráfico demonstra o crescimento percentual da área plantada entre 2006 e 2007, mostrado na coluna da esquerda. O que é enfatizado no artigo é que o Brasil está adotando a tecnologia avançada para desenvolver o cultivo assim como os EUA, sem testar os efeitos dos transgênicos na saúde humana e nos ecossistemas. Mudança de porcentagem desde 2006 Área de colheita transgênica em 2007 (milhão hectare) USA Argentina Brasil Canadá Índia China Paraguai África sul Uruguai Filipinas Australia 6 % % 6 30 % 15 % % 63 % 9 30 % % 29 25 % NA –50% 10 0 20 30 40 50 60 57.7 19.1 15.0 7.0 6.2 3.8 2.6 1.8 0.5 0.3 0.1 51 www.soeducador.com.br Geografia agrária Entretanto, cabe lembrar que durante a RIO-92 foiassinada a Convenção Internacional sobre Diversidade Biológica (CDB), ratificada por mais de 170 países, que reconhece os riscos advindos da engenharia genética e ressalta o relevante papel que tem o acesso e transferência de tecnologia entre os países signatários da Convenção para a conservação e uso sustentável da biodiversidade, de modo que o uso de recursos genéticos não venha a causar danos ambientais significativos. Agricultura, tecnologia e meio ambiente no Brasil No Brasil, o início da influência dos seres humanos sobre o meio ambiente começa a partir da chegada dos portugueses. Antes da ocupação do território brasileiro, as sociedades indígenas que aqui habitavam sobreviviam basicamente da exploração dos recursos naturais em harmonia com a natureza. No Brasil, o predomínio da padronização dos cultivos, ou seja, o plantio de uma única espécie tem causado desequilíbrio nas cadeias alimentares preexistentes, que se tornaram verdadeiras pragas com o desaparecimento de seus predadores naturais (pássaros, cobras, sapos, aranhas etc.). Esse padrão tem levado a utilização de agrotóxicos em grande quantidade, ocasionando a seleção natural dos seres imunes ao veneno; com isso, os agricultores são forçados a aplicar venenos cada vez mais potentes. Tal fato causa doenças para aqueles que manipulam e aplicam esses venenos e para aquelas que consomem os alimentos contaminados, e causa poluição dos solos, empobrecendo-os ao impedir a proliferação de microrganismos fundamentais para sua fertilidade. Outro impacto danoso causado pela agricultura brasileira é a erosão do solo, provocada principalmente pelo mau uso dele, tal como o revolvimento do solo antes do cultivo, desagregando-o e facilitando o carreamento dos minerais pela água das chuvas. A perda de milhares de solos agricultáveis todos os anos é um dos mais graves problemas enfrentados pela agricultura brasileira. Isso ocasiona graves impactos ambientais nos biomas brasileiros. São eles: amazônico, cerrado, mata atlântica, caatinga etc. 52 www.soeducador.com.br Geografia agrária Todos os grandes domínios brasileiros foram e estão sendo afetados pela expansão e intensificação das atividades agrícolas baseados no manejo inadequado da terra. Os estudos indicam que são perdidas 25 toneladas/ano de solo por hectare, muito acima dos índices mundialmente considerados razoáveis, os quais variam entre 3 e 12 toneladas/ano. Atualmente, esse processo alcança novas fronteiras ecológicas intensificado pelas novas tecnologias da informática e da engenharia genética na produção de alimentos, principalmente pelas agroindústrias, modificando profundamente as paisagens ambientais no Brasil. No cenário brasileiro, um dos produtos agrícolas que tem se destacado é a soja, maior produto de exportação e de área plantada. Ela tem avançado nas novas fronteiras agrícolas (conforme Figura 4), principalmente no cerrado e na Amazônia, sendo o estado de Mato Grosso o principal produtor. Entretanto, a monocultura da soja, assim como a pecuária, tem provocado vários problemas ambientais nos domínios dos biomas brasileiros. O desmatamento no Brasil é um reflexo do avanço da agropecuária. A derrubada da vegetação tem dado lugar a campos para a agropecuária. Na Amazônia, o desmatamento, como pode ser visto na Figura 5 e na Figura 6, tem sido uma constante preocupação que desperta vários estudos sobre o uso da terra, uma vez que as florestas têm sido substituídas pela pecuária extensiva, plantio de grãos e agricultura de corte e queima. 53 www.soeducador.com.br Geografia agrária Figura 5 – Evolução da taxa de desmatamento de 1988 a 2008 (a: média 1977 a 1988; b: média 1992 a 1994; c: estimativa) Figura 4 – Produção de soja brasileira em 2006 Taxa de Desmatamento Anual na Amazônia Legal 35000 30000 25000 20000 15000 10000 5000 0 888990919293949596979899000102030405060708 ( ) a ( ) b)(b c Ano Estimativa Consolidado 54 www.soeducador.com.br Geografia agrária Figura 6 – Expansão do desmatamento na Amazônia Os impactos ambientais no setor agrícola são mais intensos nos grandes latifúndios monocultores e nas agroindústrias e com menor intensidade na pequena produção. Por todos os impactos ambientais causados pela agricultura, torna-se relevante pensar um novo modelo de produção agrícola que priorize a sustentabilidade ambiental, pois os recursos naturais estão se exaurindo. Espaço rural e espaço urbano O rural e o urbano A contraposição existente entre o rural e o urbano origina-se há mais de 5.500 anos, ou seja, desde a Antiguidade, emergida pelas condições políticas e sociais que permitiram a divisão socioespacial do trabalho. A história da divisão do trabalho conduziu a um contínuo desenvolvimento das formas de produção da existência do homem. No período medieval, os limites físicos entre a cidade e o campo eram evidentes nas cidades muradas. As cidades nas sociedades tradicionais segundo Giddens (2000, p. 560), eram na maioria pequenas e normalmente muradas e suas muralhas destinavam-se à defesa militar, realçavam a separação entre a comunidade urbana e o campo. Para Lefebvre (2001b, p. 29), a separação entre a cidade e o campo toma lugar entre as primeiras e fundamentais divisões do trabalho (a biológica e a técnica) e completa: 55 www.soeducador.com.br Geografia agrária A divisão social do trabalho entre a cidade e o campo corresponde à separação entre o trabalho material e o trabalho intelectual, e, por conseguinte entre o natural e o espiritual. À cidade incumbe o trabalho intelectual: funções de organização e de direção, atividades políticas e militares, elaboração do conhecimento teórico (filosofia e ciências). [...] O campo, ao mesmo tempo realidade prática e representação, vai trazer as imagens da natureza, do ser, do original. A cidade vai trazer as imagens do esforço, da vontade, da subjetividade, da reflexão, sem que essas representações se afastem de atividades reais. Dessas imagens confrontadas irão nascer grandes simbolismos. (LEFEBVRE, 2001b, p. 29). A cidade e o campo têm se constituído um dos mais significativos temas de interesse de historiadores, sociólogos, antropólogos, economistas e geógrafos. Conforme Corrêa (1989, p. 40), este interesse se explica, por duas razões: primeiro, da crença empirista de que cidade e campo constituem as duas metades em que a sociedade pode ser dividida e analisada; e segundo, da crença marxista de que a cidade e campo são dois termos de uma contradição em torno da qual a história se faz. Como entender na atualidade o que é rural e o que é urbano? Como qualificar o rural e o urbano, sabendo-se que esses espaços têm passado por uma série de mudanças e têm gerado debate entre os estudiosos que passam a falar de um novo rural no Brasil e do chamado rurbano? Silva (1996) em seus estudos sobre o rurbano, ou seja, fusão do rural e do urbano demonstra em suas análises a tendência à urbanização do campo e a inserção de atividades não-agrícolas no campo ligadas ao lazer, à prestação de serviços e a indústria (conforme a aula Transformações recentes no espaço rural) No entanto, observa-se que a falta de definição do que é urbano, do que é cidade, do que é rural é um embate. Dessa forma, destacamos alguns teóricos que assim definem: “Urbano designaria então uma forma especial de ocupação do espaço por uma população, a saber o aglomerado resultante de uma forte concentração e de uma densidade relativamente alta, tendo como correlato previsível uma diferenciação funcional e social maior” (CASTELLS, 2000, p. 40) “[...] distinção entre a cidade, realidade presente, imediata, dado prático- sensível, arquitetônico– e por outro lado o ‘urbano’, realidade social composta de 56 www.soeducador.com.br Geografia agrária relações a serem concebidas, construídas ou reconstruídas pelo pensamento” (LEFEBVRE, 2001b, p. 49). “A noção de urbano (oposta à rural) pertence à dicotomia ideológica sociedade tradicional/sociedade moderna, e refere-se a uma certa heterogeneidade social e funcional, sem poder defini-la de outra forma senão pela sua distância, mas ou menos grande, com respeito à sociedade moderna (CASTELLS, 2000, p. 47). Como se pode perceber, vários autores discutem e tentam definir o que é rural é o que é urbano e suas especificidades territoriais, econômicas e sociais. Além disso, ainda há uma questão metodológica na definição do que vem a ser urbano e rural. Critérios utilizados para definir o rural e o urbano As discussões a respeito do que é rural e do que é urbano são importantes para compreendermos a dinâmica do mundo. Um dos critérios utilizados pelos países como Reino Unido, África do Sul, Tunísia e Brasil declaram como urbanos os residentes em áreas com certa forma de administração como as sedes municipais brasileiras, utilizando limites estabelecidos oficialmente. Outro critério utilizado diz respeito à densidade demográfica, ou seja, o número de habitantes por quilômetro quadrado, as áreas rurais serão sempre menos densamente povoadas que as urbanas. No entanto, a densidade demográfica não se apresenta homogênea na cidade. Reside aí um problema, pois considerar uma densidade como urbana é muito amplo e indefinido, uma vez que os recenseamentos tomam por referência os domicílios. Dessa maneira, existem centros urbanos, de urbanidade intensa, como os centros da cidade que apresentam baixa densidade demográfica. Nesse contexto, não dá para considerar densidade demográfica como sinônimo de urbanismo (ENDLICH, 2006). O urbano e o rural também podem ser definidos pela natureza das atividades econômicas, ou melhor, nessa visão o rural está vinculado às atividades primárias e o urbano reúne percentual significativo em relação à ocupação da população em atividades secundárias e terciárias. Esse critério é utilizado em países como o Peru e a Itália. Os três critérios apresentados são exemplos estabelecidos e citados na literatura da Geografia, da Arquitetura e da Sociologia entre outras Ciências, 57 www.soeducador.com.br Geografia agrária poderíamos citar outros critérios referentes aos aspectos morfológicos e ao modo de vida dos habitantes. No entanto, todos os critérios apresentam insuficiências na correspondência à atual realidade rural e urbana. Na Geografia é fundamental pensar a dimensão espacial na definição de rural e do urbano. Ao discutir espaço, seja urbano ou rural, é sempre necessário pontuar que o espaço apresenta especificidades decorrentes de sua construção histórica e passíveis a mudanças estruturais, econômicas, sociais, sendo que no âmbito local devem-se mostrar as diferentes espacialidades. A evolução geral do campo e da cidade No decorrer da formação e ocupação territorial, a sociedade está em constante mudança que reflete diretamente na organização espacial e, consequentemente, nas relações humanas. Na atualidade, uma das questões mais relevantes é sobre o rural e o urbano tanto no meio acadêmico quanto nos órgãos de gestão pública na definição de políticas. Ruy Moreira, renomado geógrafo pesquisador das mudanças espaciais, principalmente no Brasil, demonstra em suas análises que são três as formas históricas da relação cidade-campo enquanto modo de organização espacial das sociedades no tempo: cidade e campo numa sociedade de cultura rural; cidade e campo numa cultura de divisão territorial de trabalho; e cidade e campo numa sociedade de cultura urbana. Caracterizaremos cada momento a seguir: 1) A cidade e o campo numa sociedade de cultura rural – Essa fase diz respeito ao surgimento da cidade no contexto da história geral, marcada pela presença de uma economia de base rural. Nesse contexto, o trabalho é uma atividade rural e não urbana, ou seja, pertence ao universo rural e não urbano. a b Figura 1 – a: O urbano no rural e b: O rural no urbano 58 www.soeducador.com.br Geografia agrária 2) A cidade e o campo da divisão capitalista do trabalho e das trocas – Fase caracterizada pelo nascimento do capitalismo e da divisão social do trabalho que viabiliza normas de organização e da produção das trocas, criando a cidade e o campo que hoje conhecemos, ou seja, à cidade cabe a função dos setores secundário e terciário e, ao campo cabem as funções relacionadas ao setor primário. Estabelecem-se entre esses espaços, relações de interdependência em que a cidade e o campo se relacionam através da troca entre produtos secundários e terciários por produtos primários. 3) A cidade e o campo da cultura urbana - Essa fase se caracteriza pela instalação da indústria no campo em que se formam os complexos agroindustriais, ocorrendo uma espécie de fi m da divisão de trabalho, técnica e territorial que recria relações entre os setores que eram até então separados. Transformações recentes no espaço rural Na atualidade, o mundo rural no Brasil não é mais restrito às atividades agropecuárias e agroindustriais. Essas atividades dividem espaço com outras atividades ligadas ao turismo, prestação de serviços e até indústria ficando difícil para os estudiosos do “mundo agrário” delimitar onde começa ou termina o rural e o urbano (conforme discutimos na aula 8 - Espaço rural e espaço urbano). Segundo Graziano da Silva (1996), o mundo rural é maior que o mundo agrícola. O mundo rural incorpora atividades novas tais como, os hobbies ou pequenos empreendimentos, transformando-as em negócios rentáveis multiplicando os pesque-pague (figura 1), os sítios de lazer, as casas de campo, fruticulturas, floriculturas, além de hotéis-fazenda (figura 2), campos de golfe etc. A área rural brasileira não se restringe mais à agropecuária e à agroindústria [...] Agora, a agropecuária moderna e a agricultura de subsistência dividem espaço com um conjunto de atividades ligadas ao lazer, à prestação de serviços e até à indústria, reduzindo cada vez mais os limites entre o rural e o urbano do país. [...] Os mais de mil pesque-pague espalhados por chácaras e sítios em todo o Brasil, por exemplo, utilizados como lazer pela classe média urbana, já são responsáveis por 90% do destino dos peixes de água doce criados em cativeiro. (SILVA, 1996, p. 48- 54). 59 www.soeducador.com.br Geografia agrária No Brasil, em meados da década de 1990, começam a se tornar evidentes algumas transformações na cidade e no campo, tanto em si próprias como nas suas inter-relações. O campo não pode mais ser considerado o espaço preponderante da produção agropecuária, pois o processo de ocupação e uso do solo passa por crescentes mudanças com o aumento dos conteúdos urbanos no meio rural e diversificação das atividades produtivas. Nesse sentido, cabe destacar o desenvolvimento da pluriatividade no Brasil. A pluriatividade pode ser entendida como: Um fenômeno através do qual membros das famílias que habitam o meio rural optam pelo exercício de diferentes atividades, ou mais rigorosamente, optam pelo exercício de atividades não-agrícolas, mantendo a moradia no campo e uma ligação, inclusive produtiva, com a agricultura e a vida no espaço rural (Schneider, 2003, p. 48). Figura 1 – Pesque-pague Cachimbo, em São José dos Pinhais/PR Figura 2 – Hotel-Fazenda em Sabará/MG 60 www.soeducador.com.br Geografia agrária Origem da pluriatividade Na discussão sobre a pluriatividade se destacaduas noções: agricultura de tempo parcial (do inglês part-time farming) e de pluriatividade (do francês pluriativité) surgidas nos anos de 1940, mas tomou grande notoriedade a partir dos anos de 1970. Entretanto, é objeto de discussão entre os especialistas europeus se a pluriatividade como relação de trabalho na agricultura é nova ou antiga. As duas noções supracitadas surgem no mesmo momento, mas não são idênticas, o conceito de pluriatividade é de longe mais adequado à dinâmica agrícola atual, uma vez que o trabalho agrícola é pautado na descontinuidade temporal, pois não existe correspondência entre tempo de trabalho e de produção, uma vez que essa dinâmica depende da natureza não nos permitindo afirmarque a outra atividade signifique dedicação em tempo parcial à agricultura. Ao contrário, a dinâmica sazonal do trabalho agrícola permite uma combinação de atividade familiar de tempo integral. Portanto, a noção de pluriatividade é mais significativa para compreendermos esse fenômeno que vem ocorrendo na agricultura. Cabe salientar que o interessante é notar a diversificação das formas de organização e dinâmica da agricultura familiar, suas estratégias de reprodução: assalariamento urbano, transformação industrial ou artesanal das atividades agrícolas ou o desenvolvimento do terciário (serviços, lazer) no espaço rural; e não entre a discussão sobre qual o melhor termo a ser utilizado. O fundamental é compreender que as múltiplas atividades praticadas pelas famílias rurais representam uma estratégia de reprodução dessas famílias em que especialização é negada, como salienta Carneiro (1994 apud ALENTAJANO, 2001, p. 151): Como resultado de um processo historicamente datado que começa com o estabelecimento de um modelo ideal de exploração agrícola, se apoiando sobre a especialização da produção (e do trabalho) e sobre a produtividade, a pluriatividade dos tempos modernos se distingue daquela que era praticada durante o período da proto-industrialização. Nesses termos, ela é recriada por uma parte da produção rural para afrontar as crises geradas pela modernização da agricultura, como o demonstram os sociólogos, os economistas, os agrônomos. 61 www.soeducador.com.br Geografia agrária As transformações na agricultura familiar e a pluriatividade no contexto europeu A agricultura europeia (ocidental) apresenta um caráter marcadamente familiar consolidado no século XX, e indicava uma tendência de homogeneização ligada ao capital apresentando alta mecanização e integração ao mercado de capitais. Tal acontecimento acarretou a especialização dos agricultores. Entretanto, nos anos de 1970 uma parcela significativa dos agricultores resistia a essa tendência. Nos anos de 1980, uma crise de superprodução levou esses agricultores a diversificarem sua produção e suas atividades. A mudança que está ocorrendo na agricultura europeia desde os anos de 1970 tem como causas a dependência dos agricultores ao mercado, a preocupação da sociedade com as questões ambientais, a busca por uma melhor qualidade de vida e renda complementar, entre outras. Esta mudança de paradigma impulsiona a pluriatividade transformando os ramos da atividade agrícola de monoativa para pluriativa. As análises feitas na Europa e no Brasil sobre a pluriatividade no campo estão relacionadas com a crise do modelo fordista de produção e a emergência desde os anos de 1970 do mundo flexível de produção que reestrutura e estrutura o espaço geográfico mundial. Como exemplo, podemos destacar a desconcentração urbano- industrial que dinamiza as relações no campo, principalmente nos espaços rurais das pequenas propriedades levando esses espaços a pluriatividades como uma saída para a reprodução do capital e a sobrevivência desses pequenos agricultores. A pluriatividade no Brasil As discussões em torno da questão da pluriatividade ou agricultura parcial no Brasil é limitada e recente. Segundo Alentajano (2001), essas discussões começam na Europa na década de 1980 e no Brasil começa em meados de 1990. Na realidade há uma série de controvérsias a cerca da pertinência da utilização desses termos (pluriatividade e agricultura em tempo parcial). Uma primeira controvérsia aparece no debate europeu para definir o tempo em que a pluriatividade em tempo parcial predomina no mundo agrário. Para alguns especialistas a pluriatividade sempre foi uma característica do campesinato, na realidade o que estaria ocorrendo é um fortalecimento dessa prática. Para outros especialistas é uma novidade no campesinato, uma vez que não se trataria de uma 62 www.soeducador.com.br Geografia agrária multiplicidade de atividades em função da precariedade do acesso aos mercados em conjunto com as estratégias que ainda têm em comum, a não ser a negação da moderna agricultura familiar: da espacialização e especialização. A agricultura brasileira concentra a modernização nas grandes propriedades, diferente dos países europeus onde se tornou uma agricultura familiar moderna. A inexistência no Brasil desse processo de modernização da agricultura familiar impede de usar o termo pluriatividade, no sentido de renascimento de uma prática camponesa típica como no sentido da negação da modernização/especialização. Segundo Alentajano (2001), existem dois aspectos fundamentais que comprometem o uso da noção de pluriatividade para a realidade brasileira: 1 – o reconhecimento de que o padrão de modernização se baseou, fundamentalmente, na grande agricultura patronal e ampliou o poderio da grande propriedade no campo brasileiro não elimina o fato de que se constituiu uma parcela significativa de agricultores familiares e que entres esses, surgiu uma expressiva parcela de pluriativos; 2 – deve-se considerar também que mesmo os setores da agricultura familiar não atingidos diretamente pela modernização agrícola, no sentido de se tornarem produtores modernos, foram indiretamente, atingidos por esse processo, seja do ponto de vista social, econômico ou ideológico, o que nos permite dizer que sua inserção na sociedade sofreu significativas transformações (ALENTAJANO, 2001, p. 151-152). Famílias monoativas São aquelas em que a força de trabalho familiar é empregada somente nas atividades agropecuárias, mas não estão isentas de outras fontes de renda, como aposentadoria e pensões. Outro ponto importante a ser levado em consideração é o ambiente necessário para o aumento da pluriatividade. As análises feitas no Brasil e no continente europeu confirmam o desenvolvimento da pluriatividade ao processo recente urbano/industrial difuso como elemento basilador do modelo flexível de produção que acarretaria a pluriatividade no campo. Associar a pluriatividade à industrialização difusa no Brasil segundo alguns autores fica complicado, pois o modelo flexível de produção baseado no urbano/industrial é bastante concentrado nas regiões sudeste e sul. 63 www.soeducador.com.br Geografia agrária O trabalho realizado por Graziano da Silva e Del Grossi (1997 apud ALENTAJANO, 2001) revela que a região sudeste apresenta uma maior pluriatividade no meio rural corroborando a afirmação anterior. Entretanto, a região sul do Brasil possui a maior população em pequenas propriedades e apresenta um espaço industrial desconcentrado, revelando uma baixa pluriatividade conforme os dados que seguem: Tabela 1 – População rural ocupada segundo setor de atividade principal que exerce; Brasil e regiões 1995 (1000 pessoas). REGIÃO AGRICOLA NÃO- AGRICOLA TOTAL % NÃO AGRÍCOLA Norte 137 50 187 27 Nordeste 6774 1730 8504 20 Sudeste 2817 1254 4071 31 Sul 2750 66 3416 19 Centro-oeste 841 230 1072 21 Brasil 13320 3930 17249 23 Fonte: Graziano da Silva e Del Grossi (1987 apudALENTAJANO 2001, p. 154). A tabela 01 reafirma que, na realidade, a pluriatividade em todas as regiões brasileiras no campo, como aponta Schneider (1993), diminui a dicotomia entre rural- urbano. Esse novo cenário pode ser compreendido pelo incremento do emprego não- agrícola no campo. Ao mesmo tempo, aumentou a massa de desempregados, inativos que mantêm residência rural. A situação atual mostra que as ocupações essencialmente agrícolas são as que geram menor renda e que o número de famílias ocupadas em atividades agrícolas está diminuindo, pois estas não conseguem sobreviver apenas com as rendas advindas da agricultura. Da mesma forma, as famílias pluriativas, ou seja, que combinam atividades agrícolas e nãoagrícolas, também estão passando por um processo de redução, causado pela queda da renda das atividades agropecuárias. Neste contexto, as famílias rurais brasileiras estão se tornando cada vez mais não- agrícolas, obtendo sua sobrevivência de transferências sociais (aposentadorias e pensões) e de atividades não-agrícolas (SILVA, 1996). 64 www.soeducador.com.br Geografia agrária Outro fator importante a destacar é que as ocupações agrícolas mais genéricas, como trabalhador rural e empregado agrícola, que empregam os trabalhadores com menor grau de qualificação vêm diminuindo nos últimos anos, ao contrário das ocupações rurais não-agrícolas que apresentam considerável crescimento. Cabe salientar que um terço das atividades não-agrícolas geradas nos anos de 1980 a 1990 estão ligadas às ocupações de baixa qualificação como empregados domésticos, ajudantes de pedreiro e prestadores de serviços diversos. Parte da força de trabalho agrícola (homens e mulheres de meia idade e sem qualifi cação profissional) tem se tornado excedente devido à reestruturação produtiva e às novas tecnologias, exercendo um papel determinante na reprodução do capital, pois parte dessa mão de obra torna-se exército de reserva, funcionando como uma força produtiva sazonal no período de colheitas, corte de cana-de-açúcar, por exemplo, e outras atividades. Entretanto, mesmo em regiões que predominam grandes propriedades, a pluriatividade se desenvolve sem ocorrer à democratização do acesso a terra. A pluriatividade nos assentamentos rurais De forma geral, a pluriatividade é ainda pouco relacionada com a realidade dos assentamentos rurais de reforma agrária sendo preciso e extremamente importante estudar a temática, pois hoje é inegável o avanço da pluriatividade nesses espaços. Um exemplo é a formação de cooperativas que diversificam o trabalho nesses espaços. Alentajano (2001) mostra em uma pesquisa realizada em dois assentamentos no Rio de Janeiro a dinâmica econômica através da integração associativa com o mercado, levando famílias à realização da pluriatividade. Esta se tornou fundamental para a reprodução dessas famílias através do aumento da renda. Nos casos pesquisados, as famílias pluriativas apresentam-se em maior número do que as famílias monoativas e a média da renda também é maior nas famílias pluriativas do que nas monoativas. As pesquisas e estudos recentes têm mostrado que a pluriatividade está em expansão no campo em geral, principalmente nas pequenas propriedades e no caso dos assentamentos rurais brasileiros, a pluriatividade também tem se realizado como uma forma importante de reprodução social. Com isso, vários estudos apontam a necessidade para reavaliação da reforma agrária brasileira, uma vez que não é 65 www.soeducador.com.br Geografia agrária levada em consideração a perspectiva pluriativa, ou seja, diversificação de atividades como se os assentamentos apresentassem, exclusivamente, atividades essencialmente agrícolas. No mundo atual, as mudanças no campo político, econômico e social que vêm ocorrendo indicam um novo estilo de vida em que as inovações nos setores de comunicação e transporte mudaram as noções e as distâncias físicas conhecidas. A informática e a microeletrônica possibilitam novas formas de organização industrial. Vários autores como, por exemplo, Graziano da Silva (1996), Eli da Veiga, Alentajano (2001) e Porto Gonçalves (2004) apontam a emergência de um novo paradigma produtivo tanto para agricultura como para a indústria, pois as novas tecnologias estão alterando as formas de organização do trabalho e redefinindo a localização espacial. O que temos assistido é um rearranjo espacial em que indústrias, atraídas pelos benefícios fiscais e estimuladas pelo desenvolvimento das telecomunicações, têm se instalado no campo em busca de melhores condições de produção e trabalho. O campo se industrializa e se urbaniza na visão de vários autores. Cabe destacar que as políticas voltadas para o campo ainda são muito incipientes e direcionam-se para a melhoria das condições básicas de transporte, comunicação, saúde e habitação. As áreas rurais apresentam outras necessidades, como definição ou zoneamento de áreas industriais e de moradia, estabelecimento de áreas de preservação ambiental etc. As políticas agrícolas e a agricultura familiar . Contexto das políticas agrícolas no Brasil A política agrícola brasileira ao longo de sua história tem beneficiado os grandes latifundiários. Segundo Manuel Correia de Andrade (1979), os grandes latifundiários sempre obtiveram apoio e auxílio governamentais concedidos através de crédito subsidiado, de assistência agronômica, da organização da comercialização e da garantia de um preço mínimo compensador para seus produtos agrícolas. Ao contrário, o pequeno agricultor nunca usufruiu de uma política agrícola dessa magnitude, ficando na maioria das vezes a mercê do mercado espoliativo ligado ao setor bancário. 66 www.soeducador.com.br Geografia agrária A partir da Segunda Guerra Mundial, a agricultura brasileira passou a ser vista como a solução para o desenvolvimento do capitalismo e, ao mesmo tempo, lhe foi atribuída a tarefa de abastecer os centros urbanos e equilibrar a balança de pagamentos através da exportação e valorização de produtos agrícolas nobres (café, soja, cana-de-açúcar, algodão, trigo etc.) em detrimento dos produtos agrícolas considerados ordinários (feijão, milho, mandioca etc.). Esse modelo, que já vinha sendo praticado desde o período colonial em que a exportação de alguns produtos nobres já era estimulada, deixava a revelia a agricultura de subsistência. As políticas no campo, de uma forma geral, beneficiavam os grandes latifundiários que dispõem de capital, bens e outras garantias para a obtenção de crédito. No período militar, a política de crédito no Brasil mantinha-se nos mesmos moldes anteriores e estava voltada para os grandes latifundiários, indústrias e os complexos agroindustriais (CAIS). Vale salientar que a política econômica adotada pelos governos militares relegou para segundo plano as questões de natureza social, uma vez que nesse período os salários dos trabalhadores menos qualificados foram diminuídos, com reajustes abaixo da inflação. É possível observar também que não mereceram atenção os programas relacionados com saúde, educação e habitação popular, o que implicou a elevação dos índices de pobreza e desigualdade social no país. Ainda no período militar, destacou-se o Estatuto da Terra (promulgado em 1965) que previu uma política de investimentos na pequena agricultura através da instalação de cooperativas, numa tentativa de tornar eficiente e economicamente viável a pequena agricultura no Brasil. Na realidade, os investimentos feitos durante o período militar não correspondeu às premissas do Estatuto, ao contrário, o que ocorreu foi uma concentração de terra e o empobrecimento do pequeno agricultor, beneficiando a elite agrária brasileira. No entanto,observou-se com essas políticas um descompasso com a realidade socioambiental brasileira, causando vários impactos como: erosão do solo, contaminação hidrográfica, forte êxodo rural, empobrecimento dos pequenos agricultores, urbanização descontrolada, conflitos no campo. Nos anos seguintes, não se observa avanço nas políticas agrícolas, pelo contrário, nos anos de 1980 o modelo de desenvolvimento entra em crise acentuando 67 www.soeducador.com.br Geografia agrária as disparidades sociais devido a, entre outros fatores, má distribuição de renda e ao baixo nível de crescimento do país. Nas últimas décadas, tem-se destacado uma série de políticas compensatórias para tentar minimizar as desigualdades e os efeitos da pobreza. Entre essas medidas, pode-se citar o vale gás, bolsa-escola, bolsa-família. Em relação às políticas agrícolas, faz-se necessário implementar políticas estruturais que beneficiem os trabalhadores rurais. Nesse contexto, o Programa Nacional de Agricultura Familiar, criado em 1996, parece ser um marco no qual faremos uma análise. No entanto, inicialmente faremos uma leitura conceitual sobre o que é agricultura familiar. Agricultura familiar: questão conceitual Uma discussão notável no cenário político atual diz respeito à definição da agricultura familiar. No campo teórico, existe um vasto debate acerca da temática, nesta aula destacaremos algumas concepções importantes sobre a problemática. Primeiramente, pontuaremos os estudos teóricos acadêmicos e, em seguida, destacaremos a questão política e a agricultura familiar no campo das políticas públicas. Carneiro (1999), ao estudar o problema conceitual em torno da agricultura familiar, monta uma série de premissas para abordar ou determinar uma noção de agricultura familiar e ressalta a complexidade no processo de diferenciação das várias categorias que formam a agricultura familiar. Tal complexidade se dá devido à intensificação da exploração capitalista. A autora chama atenção para a existência de outras categorias de agricultores familiares que não estão necessariamente ligados à atividade agrícola, os quais ela denomina os neo-rurais, ou seja, os agricultores que se enquadram no projeto “novo rural brasileiro”, com a implementação de novas atividades no campo, e os recém-assentados rurais, de origem urbana, que representam uma fração da população beneficiada pela política de assentamentos. De acordo com Carneiro (1999), a integração ao mercado é apenas uma das características da agricultura familiar contemporânea, em que As estratégias familiares vão depender, além do capital econômico disponível, obviamente, das condições de mercado (de trabalho, sobretudo) – do patrimônio familiar, ou seja, das capacidades (individuais e coletivas) existentes para enfrentar 68 www.soeducador.com.br Geografia agrária a situação de queda do rendimento familiar e, então, inovar ou reinventar a tradição (CARNEIRO, 1999, p. 339). Em concepção semelhante, Wanderley (2003) ressalta que a agricultura familiar não pode ser pensada apenas como uma categoria produzida pelas políticas públicas, especialmente a partir da criação do PRONAF. A agricultura familiar insere- se numa perspectiva evolutiva de continuidade e ruptura das formas tradicionais de produção Compreende-se, assim, a agricultura familiar (Figura 1) como uma categoria genérica e heterogênea, que engloba as demais categorias, e mesmo fragilizada pela ação do capital, firma-se e evolui conjuntamente com a história das relações econômicas, sociais e, principalmente, na construção de novas territorialidades no campo, como a implantação de assentamentos rurais. Na realidade, a agricultura familiar é um conceito genérico que combina propriedade e trabalho, assumindo no tempo e no espaço uma diversidade de formas sociais, em que a família é proprietária dos meios de produção, sendo que as transformações trazidas com a modernização não representam uma ruptura com as categorias pré-existentes (WANDERLEY, 1999). A trajetória do PRONAF e a agricultura familiar De um modo geral, pode-se dizer que até o início da década de noventa não existia nenhum tipo de política especial para o segmento da agricultura familiar, sendo essa atividade, inclusive, uma definição conceitual bastante imprecisa, uma vez que a mesma era tratada de distintas formas (pequena produção, produção familiar, produção de subsistência etc.). No entanto, em 1996, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi criado o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) com o objetivo de aumentar a capacidade produtiva e melhorar a qualidade de vida dos agricultores familiares. Para o PRONAF, a agricultura familiar é definida como uma forma de produção em que predomina a interação entre gestão, utilizando-se o trabalho familiar que pode em algumas ocasiões, ser complementado pelo trabalho assalariado. O PRONAF surgiu na década de 1990, sendo dois fatores apontados como essenciais para a sua criação: o primeiro diz que o PRONAF é elaborado em resposta 69 www.soeducador.com.br Geografia agrária a uma forte pressão e reivindicação dos trabalhadores rurais, que se organizaram em marchas nacionais e em outros movimentos de grande pungência; o outro refere- se ao desenvolvimento de pesquisas, fruto da união da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) com o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), que definem com maior precisão a agricultura familiar. Contudo, institucionalmente, o PRONAF foi uma política que teve início no governo de Itamar Franco, com a criação, em 1994, do Programa de Valorização da Pequena Produção Rural (PROVAP), que subsidiava crédito com taxas de juros acessíveis, concedidas pelo BNDES. Em 1995, o PROVAP foi reformulado e, no ano seguinte, foi operacionalizado o PRONAF, que se divide basicamente em três modalidades: crédito rural, infra-estrutura e serviços municipais e capacitação. Em 1999, o PRONAF foi incorporado ao Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), que criou em suas instâncias, uma secretaria própria para a agricultura familiar Secretaria de Agricultura Familiar (SAF). Em relação ao público beneficiário, o programa divide-se em quatro grupos ou tipos de agricultores familiares: Grupo A – assentados pelo programa de reforma agrária; Grupo B – agricultores com baixa produção e pouco potencial de resposta produtiva; Grupo C – agricultores com exploração intermediária, mas com potencial de resposta produtiva; Grupo D – agricultores estabilizados economicamente. Além desses grupos, pode-se dizer que o programa ainda se encontra em construção e outros grupos ou subgrupos têm sido criados, como o Grupo E, e outras linhas de financiamentos destinados à mulher e ao jovem. Os financiamentos do PRONAF têm crescido bastante no contexto brasileiro tanto para custeio quanto para investimento no atendimento das demandas regionais conforme a distribuição na tabela 1. Brasil e Grandes Custeio Investimento Total Regiões Em R$ milhões Em % Em R$ milhões Em % Em R$ milhões Em % Norte 156,8 4,3 405,9 11,4 562,7 7,9 Nordeste 385,3 10,7 1.478,9 41,6 1.864,2 26,0 70 www.soeducador.com.br Geografia agrária Sudeste 863,8 23,9 526,9 14,8 1.390,7 19,4 Sul 1.989,7 55,2 930,5 26,1 2.920,2 40,8 Centro- Oeste 211,8 5,9 216,5 6,1 428,3 6,0 BRASIL 3.607,4 100,0 3.558,7 100,0 7.166,1 100,0 Fonte: IBGE (2008). Em relação à mão-de-obra empregada, há uma divergência entre as instituições públicas e sindicais, no que se refere ao trabalho permanente utilizado na agricultura familiar, uma vez que, segundo a FAO e o INCRA, a agriculturafamiliar apresenta apenas um empregado permanente. Para o PRONAF, a agricultura familiar é a aquela que apresenta até dois empregados permanentes, cultivando área inferior a quatro módulos rurais. Por fi m, para a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais (CONTAG), a agricultura familiar não contrata força de trabalho permanente, e se realiza em menos de quatro módulos rurais. Na agricultura familiar, a diversidade e a desigualdade na distribuição dos estabelecimentos, como também a heterogeneidade da produção, caracterizam o desenvolvimento do setor. A Secretaria de Agricultura Familiar, criada pelo Ministério de Desenvolvimento Agrário, separa os agricultores familiares em três grupos: a) os que estão integrados ao mercado, classificados como capitalizados; b) os descapitalizados ou em fase de transição, que possuem algum nível de produção para o mercado; c) os assalariados agrícolas e não-agrícolas, que moram no campo e têm quase toda produção agropecuária voltada ao autoconsumo. Segundo pesquisa do Ministério de Desenvolvimento Agrário, o primeiro grupo responde por 71% do valor da produção familiar, representando cerca de 800.000 estabelecimentos; o segundo é responsável por 19% do valor da produção familiar, formado por 1.400.000 estabelecimentos e o último produz 10% do valor da produção familiar e corresponde à cerca de 1.900.000 estabelecimentos, o que significa dizer que a maioria dos agricultores não está inserida no mercado e que sua produção é para suprir as suas necessidades. Os estudos da FAO/INCRA, em 1995/6, revelam que 85,2% dos estabelecimentos pertencem a agricultores familiares, que ocupavam uma área equivalente a 30,5% da área total do campo, recebiam 25% do crédito destinado à 71 www.soeducador.com.br Geografia agrária agricultura e respondiam por 37,9% do valor bruto da produção agropecuária no país. Esses dados indicam que certos fatores, principalmente no que se refere ao esforço familiar, permitiram aos agricultores a superação das barreiras e problemas estruturais na geração de renda e na produção de alimentos e de matérias-primas. O mesmo estudo também registra a expulsão de mais de um milhão de trabalhadores, no período compreendido entre 1985 a 1995, que se traduz em conflitos agrários e tensão social no campo e nas cidades. A partir desse estudo, pode-se afirmar que a agricultura brasileira está assentada em dois modelos de produção agrícola: o patronal e o familiar. Nesse sentido, podemos ressaltar a importância da agricultura patronal, que gera divisas para nosso país essenciais na balança de pagamentos, mas é preciso desmitificar e desmascarar o mito segundo o qual os grandes produtores são os responsáveis pela maior parte da produção agrícola. Mito que tem levado a escolha de políticas públicas voltadas para os grandes proprietários, os CAIS, as agroindústrias, crédito, assistência técnica, preço mínimo entre outros. Dessa forma, esse modelo de política está ligado às oligarquias regionais ao invés de se ligar aos pequenos agricultores, provocando o êxodo rural e conflitos no campo. O mito de que a agricultura patronal é mais adequada, sendo responsável pela maior parte da produção de alimentos e viável economicamente não corresponde à realidade, pois os dados têm mostrado que 80% da produção total agrícola é produzida pelos pequenos e médios produtores (OLIVEIRA, 2002). O Brasil é o país que apresenta maior concentração de renda do mundo, em todos os setores da economia, por isso é fundamental uma reforma agrária mais ampla amparada por uma política agrícola eficaz, principalmente para a agricultura familiar. Agricultura e energia Os problemas ambientais globais estão diretamente ligados à matriz energética vigente, provenientes dos combustíveis fósseis (carvão mineral, petróleo) têm produzido consequências graves à dinâmica ambiental planetária, como o aumento da temperatura, poluição hidrológica, poluição pedológica, poluição atmosférica, destruição da fauna e flora, etc. Este cenário apresenta várias possibilidades e necessidades de pensarmos uma nova matriz energética estruturada e planejada em bases sustentável e viável socialmente, economicamente 72 www.soeducador.com.br Geografia agrária e ambientalmente. Nesse sentido, a produção de biocombustíveis a partir de produtos agrícolas, tem sido apontada como uma das alternativas para reduzir a devastação ambiental. Deste modo, é preciso uma política agrícola que insira a produção dos biocombustíveis no viés da sustentabilidade para não repetirmos os mesmo problemas causados pelas medidas políticas como a do Proálcool, criado durante o governo militar. Com isso, traçaremos um breve retrospecto do Proálcool e de suas novas perspectivas que se inserem na política do Biodiesel implantada recentemente no Brasil. O Proálcool O Programa Nacional do Álcool foi criado em 1975, na ditadura militar, durante o governo Ernesto Geisel para diminuir importação de combustíveis (gasolina, óleo diesel). Entretanto, o projeto do Proálcool recebeu muitas críticas pelos diversos setores da sociedade como a que enfatiza que o álcool produzido só foi utilizado para substituir a gasolina, em vez de substituir o óleo diesel usado pelos transportes coletivos e de carga, uma vez que o óleo diesel é muito mais poluente que a gasolina. Outra critica bastante contundente, é a de que o Proálcool não incluiu os pequenos agricultores e apenas os grandes proprietários ligados às oligarquias regionais. Desse modo, esse projeto contribuiu na ampliação e concentração de terras, ainda contribuiu para a extinção de varias áreas de produtos de subsistência como o feijão, mandioca, milho etc. Nesse contexto, também podemos destacar as questões ambientais, que segundo especialistas, a queimada efetivada nas lavouras de cana- de-açúcar provoca emissão de gases como CO2, metano entre outros. Tais gases emitidos provocam danos à saúde humana, principalmente problemas respiratórios e outras consequências como empobrecimento dos solos, poluição dos corpos d’água causada pelo vinhoto que é despejado nos rios in natura pelas agroindústrias, exterminando várias espécies lacustres. Além dos fatores citados, destaca-se a exploração do trabalho nas lavouras de cana-de-açúcar. Apesar dos problemas citados, no momento atual, o país vive um grande crescimento da produção dos canaviais na tentativa de criar uma fonte alternativa de energia. O plantio avança nas grandes regiões brasileiras e não apenas em áreas tradicionais. Ao contrário do que ocorreu nos anos 1970, quando o governo encontrou no álcool a solução para enfrentar a crise do petróleo. A produção de 73 www.soeducador.com.br Geografia agrária açúcar é um segmento de iniciativa privada, segmento esse que acredita que o álcool assumirá papel relevante na questão energética no Brasil. Desse modo, as perspectivas de elevação do consumo do álcool se somam a um momento favorável para o aumento das exportações do açúcar, e o resultado é o início de uma onda de crescimento sem precedentes para o setor sucroalcooleiro conforme gráficos 1 e 2 que seguem: Gráfico 1 – Evolução da área e produtividade da cana-de-açúcar brasileira . O biodiesel O biodiesel no Brasil passou a ser estudado na década de 1920 e ganhou destaque nos anos de 1970 com a criação do Pró-óleo – Plano de Produção de Óleos 74 www.soeducador.com.br Geografia agrária Vegetais para Fins Energéticos, que surgiu no início da primeira crise do petróleo. Nos anos de 1980, passou para Programa Nacional de Óleos Vegetais para Fins Energéticos, que visava substituir até 30% do óleo diesel, apoiado na produção de soja, amendoim, colzae girassol. No entanto, esse programa sofreu uma desaceleração devido à estabilização do preço do petróleo, a entrada do Proálcool e os altos custos na produção e processamento das oleaginosas. As pesquisas e uso do biodiesel retornam ao cenário recente devido à necessidade de buscar uma nova matriz energética, pois as questões ambientais colocam em xeque a sustentabilidade do padrão atual. Na produção do biodiesel podem ser utilizadas várias matérias-primas, dentre as principais matérias utilizadas para produção do biodiesel estão oleaginosas como o algodão, o amendoim, o dendê, o girassol, a mamona, o pinhão manso e a soja. São também consideradas matérias-primas para biocombustíveis os óleos de descarte, as gorduras animais e os óleos já utilizados em frituras de alimentos. As oleaginosas apresentam características específicas de acordo com o solo, o clima e as tecnologias utilizadas. No quadro abaixo, podemos visualizar algumas características de acordo com as regiões produtoras. Quadro 1 – Caracterização das principais oleaginosas com potencial para produção de biodiesel no Brasil Fonte: adaptada de Meirelles (2003 apud BIODIESEL..., 2007, p.30). 75 www.soeducador.com.br Geografia agrária Figura 1 – Potencialidade brasileira para produção de oleaginosas Fonte: adaptada de Meirelles e Zoneamento de risco climático, MAPA (2003 apud SEBRAE, 2007, p.31). Em 2002, o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel (PNPB), cujo objetivo principal em termos técnicos (econômico e ambiental) é obter uma produção sustentável e seu uso no mercado brasileiro. Como objetivo específico a inclusão social e o desenvolvimento regional direcionado para agricultura familiar. Para alcançar esses objetivos esta política terá vários ministérios trabalhando em sintonia, além de suas autarquias federais. O etanol produzido através da cana-de-açúcar pode ser uma das alternativas para a diminuição da emissão de gases e partículas que comprometem o geossistema planetário e a saúde humana. A cana-de-açúcar sempre foi e, ainda, continua sendo um produto importante para o Brasil, desde o processo de colonização de exploração implantada pelos países europeus (Portugal, Holanda, Inglaterra). Atualmente, a cana-de-açúcar tem suscitado debates calorosos a respeito do seu uso como combustível potencial para enfrentarmos a crise ambiental e social que assola a sociedade mundial, e, em especifico, a sociedade brasileira. Com isso, 76 www.soeducador.com.br Geografia agrária aliado a políticas de incentivo nota-se o crescimento da produção de cana-de-açúcar ao longo dos últimos anos conforme gráfico 1. No período da ditadura militar, nos anos de 1975, foi implantado o Proálcool com o intuito de tornar o país independente na produção de energia, projeto que não teve grande sucesso, mas deixou um legado tecnológico considerável. Claro que este projeto intensificou a crise no campo brasileiro, devido à política governamental, priorizando os grandes latifundiários em detrimento da valorização do pequeno agricultor. Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel – PNPB O Governo Federal para atingir os objetivos propostos pelo Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel integrado à agricultura familiar utilizará alguns instrumentos, dentre esses destacam-se: • a criação de mercado compulsório; • a isenção fiscal total ou parcial de tributos federais; • padronização do ICMS; • subsídios financeiros e etc. Além desses instrumentos, o governo criou uma legislação específica para dar suporte e segurança jurídica ao projeto e garantir a demanda da parte do biodiesel produzido no país, independente do custo de produção e de transação. Além disso, o governo federal determinou um prazo para introdução do biodiesel no mercado brasileiro; prazo que inicia em 2008 e vai até 2012. Nesse intervalo de tempo, será obrigatório o uso de 2% do biodiesel ao óleo diesel e a partir de 2013 será obrigatório o uso de 5%. Outra medida anunciada pelo governo se dá no âmbito fiscal, a criação da Lei n.116/2005 que dispõem sobre a desoneração total ou parcial dos tributos federais sobre o biodiesel (PIS, PASEP E COFINS). A proposta inicial de isenção do governo resume-se conforme a tabela abaixo: Tabela 1 – Isenção fiscal para a produção de oleaginosas REDUÇÃO MATÉRIA-PRIMA SETORES E REGIÃO DESTINADA 31% Palma e mamona Agronegócio nas regiões norte, nordeste e semi-árido 77 www.soeducador.com.br Geografia agrária 68% Qualquer Oleaginosas Todas as regiões brasileiras 100% Palma e mamona Regiões norte, nordeste e semiárido. Fonte: adaptado de Garcia Junior e Romeiro (2009, p. 64). Em relação à tributação estadual o governo estabeleceu uma alíquota de 12% para o ICMS (Imposto sobre circulação de Mercadorias e Serviços) em todo o território brasileiro. No que se refere à agricultura, o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) criou instrumentos para o financiamento da produção de oleaginosas as quais foram inseridas ao PRONAF (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar) que se subdivide em: PRONAF biodiesel, PRONAF agroindústria, PRONAF infraestrutura e por último o PRONAF diversificação, capacitação, assistência técnica e extensão rural, inovação e insumos. Além dessas medidas, o governou criou o Programa Financeiro a Investimentos em Biodiesel para grandes investidores, no qual será financiado pelo BNDES e, também, criou o selo combustível social que será concedido pelo MDA aos produtores agroindustriais de biodiesel. O PNPB tem gerado amplo debate na agricultura brasileira se constituindo tema relevante da economia. No entanto, cabe destacar que o projeto tem sido alvo de diversas críticas em que podemos citar alguns fatores positivos e fragilidades. Entre os fatores positivos, considera-se que o projeto é viável socioeconomicamente e ambientalmente e, ainda, insere a agricultura familiar ao agronegócio, possibilitando novas relações entre o setor industrial e os produtores familiares. No que se refere às fragilidades, destaca-se a ausência de uma política especifica de apoio a organização da produção ligada a agricultura familiar (GARCIA; ROMEIRO, 2009). Portanto, o PNPB abre oportunidades tanto para o setor agrícola como para o setor industrial e há também possibilidades de abertura de novos mercados em escala local e global, tanto em bens quanto em tecnologias, pois o Brasil é pioneiro no setor de biocombustíveis. No país são apontados diversos benefícios com a produção de biodiesel, conforme podemos visualizar na figura abaixo: 78 www.soeducador.com.br Geografia agrária Panorama atual do biodiesel no Brasil A produção de biodiesel ainda é incipiente no Brasil quando comparada a outros países, mas as políticas ligadas ao biocombustível têm sido bastante estimuladas financeiramente com várias linhas de crédito, tanto para o setor industrial quanto para a agricultura familiar. Um problema do biodiesel é garantir sua competitividade perante o óleo diesel de petróleo, tendo em vista os elevados custos de produção do biocombustível. O Ministério da Agricultura aponta que as atuais tecnologias de fabricação de bioenergia ainda dependem muito da cotação do barril de petróleo. Exceto pelo caso do álcool, outros biocombustíveis só devem se viabilizar se os preços internacionais do petróleo se mantiverem altos. No Brasil, uma das principais vantagens competitivas em relação a outros países é a perspectiva de incorporação de áreas à agricultura de energia sem competição com a agricultura de alimentos, além da possibilidade de múltiplos cultivos no mesmo ano. 79www.soeducador.com.br Geografia agrária Agricultura e trabalho Retrospecto do trabalho rural no Brasil Atualmente, vimos que o trabalho humano é fruto de várias transformações que o mundo passou no último século, esse é fruto das relações econômicas, sociais e políticas. O mundo rural não é mais um espaço isolado sobre o qual se desenvolve um conjunto de atividades agropecuárias. O isolamento não mais existe, pelo menos em grande parte do território nacional. Estamos caminhando em direção a uma sociedade de forte complementaridade urbano-rural. Nesse contexto, torna-se interessante resgatarmos um pouco da história do trabalho rural no país para compreendermos quem são os atores responsáveis por importante parte da riqueza gerada no campo brasileiro. O tipo de colonização que foi empregada no país marcou profundamente as relações de trabalho, os colonizadores vieram com o objetivo de enriquecimento rápido à custa da exploração dos recursos naturais e do trabalho (inicialmente indígena e, no segundo momento, escravo africano). O Brasil colônia foi marcado pela grande propriedade, pela monocultura de exportação e o trabalho escravo. Nesse contexto, outras formas de exploração da natureza como a pecuária extensiva e as pequenas lavouras constituíram-se como atividades marginais, subordinadas a economia colonial que originaram a agricultura familiar de subsistência. Nas últimas décadas do século XX, constituí-se o mercado de trabalho brasileiro capitalista formado por trabalhadores livres, trabalhadores escravos recém libertos e imigrantes europeus. A mão de obra imigrante foi importante e permitiu o desenvolvimento da cafeicultura e de outras atividades agrícolas e não-agrícolas. Atualmente, temos diferentes relações de trabalho no campo e caracterizaremos as relações mais significativas que se dão no campo brasileiro. Relações de trabalho no campo brasileiro Segundo Oliveira (2002), as relações de trabalho no campo brasileiro têm caráter dual e contraditório. Essas relações estão pautadas em características capitalistas (trabalho assalariado) e não-capitalistas (parceria, trabalho familiar camponês etc). Este caráter contraditório e dual do capitalismo é essencial para sua 80 www.soeducador.com.br Geografia agrária produção e reprodução, pois os capitalistas passam a não investir capital na contratação de mão de obra remunerada, ou seja, trabalho assalariado utilizado em suas propriedades e nas áreas de expansão agrícola. Dessa maneira, os capitalistas passam utilizar relações de trabalho não-capitalistas para acumular capital, como exemplo, podemos citar a parceria e o arrendamento. Essas duas formas de trabalho são muito utilizadas nas áreas de fronteira. Na prática, o capitalista do grande proprietário contrata alguns parceiros para desmatar parte de suas terras, recebendo pelo trabalho parte da madeira retirada e o direito de cultivar a terra por dois a três anos e, logo depois, semeia capim para seu rebanho. Esse tipo de relação permite que o capitalista adquira capital sem utilizar relações de trabalho essencialmente capitalista como pontua Oliveira (2002, p. 48): [...] o processo de desenvolvimento desigual e contraditório do capitalismo particularmente no campo é que estamos diante da sujeição da renda da terra ao capital o que significa dizer que o capital não expande de forma absoluta o trabalho assalariado sua relação de trabalho típica, por todo canto e lugar, destruindo de forma total e absoluta o trabalho familiar camponês. Ao contrário, ele o capital, o cria e recria para que sua reprodução seja possível, e com ela possa haver também o aumento, a criação de mais capitalista. Portanto, o desenvolvimento capitalista no campo brasileiro é movido por suas contradições. Esse, portanto, é essencialmente contraditório e desigual, significando dizer que para que seu desenvolvimento seja possível ele tem que aparentar aspectos contraditórios para sua reprodução. A transformação dos agricultores em capitalistas A transformação dos agricultores em capitalistas do campo teve início na fase do capitalismo comercial (mercantilismo). Cabe ressaltar que esse processo continua a existir desde seus primórdios, através das tecnologias ligadas ao campo (máquina, fertilizantes, sementes selecionadas, agrotóxicos, transportes e etc.) essas tecnologias estão à disposição das famílias, criando possibilidade para aumentar sua produção gerando um excedente. Esse excedente será vendido, aumentando a renda dos trabalhadores do campo. Tal fato permitirá que os trabalhadores adquiram mais novas tecnologias, produzam mais, acumulem mais. Esse processo permite que 81 www.soeducador.com.br Geografia agrária os agricultores, que antes produziam apenas sua subsistência, empreguem trabalhadores assalariados em suas terras. Nesse caso, as famílias passam a exercer outras funções, não essencialmente agrícolas na administração dos bens, comercialização dos produtos, tornando-se assim, capitalistas. A organização da produção da agricultura brasileira e relações de trabalho Na organização da produção da agricultura, podemos evidenciar 4 relações que se destacam na literatura brasileira em relação ao trabalho no campo, são elas: o latifúndio, a unidade familiar produtora de mercadorias, a unidade familiar de subsistência e a empresa agropecuária capitalista, incluindo os complexos agroindustriais - CAIs. 1) O latifúndio – São grandes extensões de terra voltadas para a produção agrícola para o mercado interno e, principalmente, para o externo. Nessas grandes propriedades, a força de trabalho é diversificada classificando-as em: trabalho assalariado, parceiro, morador ou agregado, boia-fria ou diarista e o arrendatário. a) Trabalhador assalariado – Trabalhador rural que recebe salário mensal em dinheiro para prestar serviço nas propriedades. Este trabalhador pode possuir vínculo trabalhista. Relação de trabalho tipicamente capitalista. b) Parceiro – Trabalhador que mediante um acordo realizado entre ele e o proprietário da terra utiliza a propriedade dividindo a produção com o dono da terra. As formas mais usuais são a meia, a terça, a quarta entre outros. Esse tipo de parceria predomina nas lavouras temporárias. c) Morador ou agregado – Trabalhador rural que vive em grandes propriedades com sua família, produzindo para subsistência e prestando serviço para o proprietário da terra. d) Boia-fria ou diarista – Trabalhador rural temporário assalariado, geralmente não possui vínculo empregatício. e) Arrendatário – Trabalhador que aluga ou arrenda a terra de um proprietário mediante pagamento em dinheiro, prestação de serviço ou em mercadorias. Este se divide em pequenos arrendatários que se assemelham aos 82 www.soeducador.com.br Geografia agrária parceiros, predominando o trabalho familiar e os grandes arrendatários que usam tecnologia, trabalho assalariado e grandes extensões de terras. 2) A unidade familiar produtora de mercadorias – A produção é realizada por pequenos proprietários e arrendatários, visando abastecer o mercado e prevalecendo o trabalho familiar. Entretanto, há eventual contratação de mão de obra complementar mediante salários. Vale destacar que essas unidades passam por dificuldade devido à concorrência da grande empresa capitalista. Em muitos casos para a sobrevivência da unidade utiliza-se trabalho infantil (conforme o gráfico 1) e feminino em jornadas exaustivas. 3) A unidade familiar de subsistência - Unidade característica por pequenos proprietários ou minifundiários, pequenos arrendatários, parceiros, moradores ou agregados, posseiros. O trabalho empregado é familiar visando apenas à sobrevivência, ou seja, a supressãodas necessidades básicas da unidade. Uma das características da unidade é a venda da força de trabalho temporariamente para complementar a renda em lavouras temporárias nos grandes plantios. 4) A empresa agropecuária capitalista incluindo os CAIs – A partir dos anos 1950/60, observa-se o processo de industrialização da agricultura brasileira. Nessa fase, a agricultura brasileira mecaniza-se e passa a fornecer matérias-primas para as indústrias. Nesse momento, verifica-se a passagem do complexo agrocomercial para o complexo agroindustrial, ou seja, os CAIs que são implementados através de investimentos estrangeiros. As relações de trabalho capitalista expandem-se na agricultura e em outros setores, estimulando mão de obra especializada não-agrícola como tratorista, técnico agrícola, administrador, operador de máquinas etc. 00 , 60 Distribuição das crianças de 10 a 14 anos que trabalham, segundo sua situação de domicílio Urbana Rural Norte Nordeste Sudeste Sul Centro-Oeste 50 , 00 40 , 00 30 , 00 , 20 00 10 , 00 0 , 00 83 www.soeducador.com.br Geografia agrária Gráfico 1 – Distribuição das crianças de 10 a 14 anos de idade por situação de ocupação e local de residência Na atualidade, a agricultura mundial encontra-se subordinada a agroindústria. Para alguns especialistas, a agricultura tradicional está sendo substituída pela indústria. Os dados apresentados pelos diversos estudos mostram que o pessoal ocupado na agricultura brasileira concentra-se nas propriedades de até 99 ha, conforme podemos observar no gráfico 2. Gráfico 2 – Pessoal ocupado na agropecuária por grupo de área dos estabelecimentos Gênero e relações de trabalho na agricultura No meio rural, as desigualdades de gênero não se inscrevem num conjunto de outras desigualdades sociais. As más condições de vida e de acesso à políticas públicas, principalmente nas regiões mais pobres do país, acentuam as desigualdades específicas de gênero. Nesse sentido, embora afete todos os moradores das áreas rurais, a falta de infraestrutura atinge, em especial, as mulheres. Contudo, a participação da mulher no trabalho tem se acentuado conforme podemos visualizar nas tabelas (01 e 02). Tabela 1 – Indicadores de participação econômica de mulheres e homens. Mulheres e homens no mercado de trabalho: indicadores de participação econômica – Brasil Sexo e datas PEA (milhões) Taxa de atividade Porcentagem na PEA Mulheres 1990 22,9 39,2 35,5 40 ,0% 15 ,0% 4 ,2% 40 ,8% De 0 a 9 ha De 10 a 99 ha De 100 a 999 ha De 1.000 ou mais GRUPOS DE ÁREA 84 www.soeducador.com.br Geografia agrária 1993 28,1 47,0 39,6 1995 30,0 48,1 40,4 1998 31,3 47,6 40,7 Homens 1990 41,6 75,3 64,5 1993 42,9 76,0 60,4 1995 44,2 75,3 59,6 1998 45,6 73,6 59,3 Fonte: FIBGE, PNAD Tabela 2 – Evolução histórica das atividades femininas segundo faixa de idade Taxas de atividades femininas segundo faixas de idade Faixas de idade 1970 1980 1990 1998 10 a 14 anos 6,5 8,4 10,6 11,4 15 a 19 anos 23,6 31,3 41,4 41,6 20 a 24 anos 27,7 38,5 52,9 61,6 25 a 29 anos 23,1 36,3 52,7 64,5 30 a 39 anos 20,1 35,1 54,7 66,4 40 a 49 anos 19,5 30,7 49,5 62,6 50 a 59 anos 15,4 21,5 34,5 46,6 60 anos e mais 7,9 7,5 11,5 19,1 Total 18,2 26,6 39,2 47,5 Fonte: UNICEF/IBGE,FIBGE/Censo e PNADs O trabalho feminino de forma geral, seja no campo ou na cidade, apresenta crescimento e embora ainda haja um longo caminho para equilibrar socialmente as relações entre homens e mulheres, entre a cidade e o campo, podemos dizer que nos últimos anos várias medidas foram tomadas para melhorar a qualidade de vida dos trabalhadores rurais. Políticas que se constituem como respostas aos 85 www.soeducador.com.br Geografia agrária movimentos sociais dos trabalhadores. Podemos citar políticas especifi cas como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) mulher. No entanto, tais políticas consideradas importantes ainda são insufi cientes diante as desigualdades sociais existentes no país, muitas dessas políticas ainda estão em fase de implementação e não podem ainda ser avaliadas criticamente. Nesse contexto, os movimentos de mulheres rurais são importantes e constituem uma unidade de luta na garantia dos direitos conquistados e na mudança de concepção de trabalhadoras rurais como atores sociais e políticos. 86 www.soeducador.com.br Geografia agrária Referências ANDRADE, Manuel Correia de. Agricultura e capitalismo. São Paulo: Ciências Humanas, 1979. 115 p. OLIVEIRA, A. U. de. Modo capitalista de produção e agricultura. 4. ed. São Paulo: Ática. 1995. (Série Princípios). _______. 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