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<p>Ana Cláudia Alves Pinto</p><p>Joceli Pereira Roberto</p><p>Eliane Mendonça Marquez de Rezende</p><p>Ízula Luiza Pires Bacci Pedrosa</p><p>Aline Turatti Alves</p><p>Márcio Teixeira de Moraes</p><p>Nelson Ney Dantas Cruz</p><p>Vagner Limiro Coelho</p><p>Valter Machado da Fonseca</p><p>Geografia agrária</p><p>Catalogação elaborada pelo Setor de Referência da Biblioteca Central UNIUBE</p><p>G292 Geografia agrária / Ana Cláudia Alves Pinto ... [et al.]. – Uberaba:</p><p>Universidade de Uberaba, 2017.</p><p>224 p. : il.</p><p>Programa de Educação a Distância – Universidade de Uberaba.</p><p>ISBN 978-85-7777-656-6</p><p>1. Geografia agrícola. 2. Produtividade agrícola. 3. Agricultura</p><p>– Brasil. 4. Reforma agrária. I. Pinto, Ana Cláudia Alves. II.</p><p>Universidade de Uberaba. Programa de Educação a Distância.</p><p>CDD 338.1</p><p>© 2017 by Universidade de Uberaba</p><p>Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser</p><p>reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico</p><p>ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de</p><p>armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito,</p><p>da Universidade de Uberaba.</p><p>Universidade de Uberaba</p><p>Reitor</p><p>Marcelo Palmério</p><p>Pró-Reitor de Educação a Distância</p><p>Fernando César Marra e Silva</p><p>Coordenação de Graduação a Distância</p><p>Sílvia Denise dos Santos Bisinotto</p><p>Editoração e Arte</p><p>Produção de Materiais Didáticos-Uniube</p><p>Revisão textual</p><p>Márcia Regina Pires</p><p>Diagramação</p><p>Andrezza de Cássia Santos</p><p>Projeto da capa</p><p>Agência Experimental Portfólio</p><p>Edição</p><p>Universidade de Uberaba</p><p>Av. Nenê Sabino, 1801 – Bairro Universitário</p><p>Ana Cláudia Alves Pinto</p><p>Licenciada em História pela Universidade de Uberaba (UNIUBE).</p><p>Professora de História no ensino fundamental e médio.</p><p>Eliane Mendonça Marquez de Rezende</p><p>Mestre em História do Brasil pela Universidade Federal de Goías (UFG).</p><p>Especialista em Educação Brasileira pela Faculdade de Educação</p><p>desta universidade. Professora do curso de História da Universidade de</p><p>Uberaba (UNIUBE).</p><p>Ízula Luiza Pires Bacci Pedrosa</p><p>Mestre em Geografia rural pela Universidade Federal de Uberlândia</p><p>(UFU). Especialista em Geografia, espaço e sociedade pela Fesurv –</p><p>GO. Graduada em Geografia pela UFU. Professora de Geografia no</p><p>ensino médio.</p><p>Aline Turatti Alves</p><p>Especialista em gestão e diagnóstico ambiental pelo Instituto Federal</p><p>do Triângulo Mineiro (IFTM). Bacharel e licenciada em Geografia pela</p><p>Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Possui experiência</p><p>na área de ensino e pesquisa em geografia física (Geologia e meio</p><p>ambiente) e geografia humana, especialmente em geografia rural.</p><p>Professora de História e Geografia na escola básica.</p><p>Sobre os autores</p><p>Joceli Pereira Roberto</p><p>Pós-graduada em Educação ambiental pela Universidade Castelo</p><p>Branco (UCB) e graduada em Geografia pela Faculdade de Educação</p><p>de Uberaba (FEU). Bacharel em Direito pela Universidade de Uberaba</p><p>(UNIUBE).</p><p>Márcio Teixeira de Moraes</p><p>Graduado e licenciado em Geografia pela Faculdades Integradas do</p><p>Triângulo. Professor dos ensinos fundamental e médio. Membro da</p><p>Comissão para elaboração do Programa de Avaliação Seriada – PAIES-</p><p>UFU. Sócio-escritor da Editora Triângulo – conteúdos de Geografia para</p><p>o Ensino Médio, pré-vestibular e Educação para Jovens e Adultos.</p><p>Nelson Ney Dantas Cruz</p><p>Licenciado, bacharel e mestre em Geografia pela Universidade de</p><p>Uberlândia (UFU). Atua como docente na Universidade de Uberlândia</p><p>(UFU). Possui experiência no ensino e pesquisa em geografia humana,</p><p>com ênfase nas disciplinas de Geografia Rural, Geografia Cultural,</p><p>Geografia do Brasil (Nordeste) e Geografia Política.</p><p>Vagner Limiro Coelho</p><p>Mestre em Educação pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU).</p><p>Especialista em Metodologia do Ensino Superior pela Faculdade Cidade</p><p>de Coromandel (FCC). Licenciado em Geografia pela Universidade</p><p>Federal de Uberlândia (UFU). Docente do curso de licenciatura em</p><p>Geografia (modalidade a distância) da Universidade de Uberaba</p><p>(UNIUBE) e professor de Geografia dos ensinos fundamental e médio</p><p>da rede pública.</p><p>Valter Machado da Fonseca</p><p>Mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade</p><p>Federal de Uberlândia (Faced/UFU). Licenciado em Geografia pela</p><p>Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Técnico em Mineração pela</p><p>Escola Técnica Federal de Ouro Preto-MG. Docente da Universidade de</p><p>Uberaba (UNIUBE). É pesquisador das temáticas “Alterações climáticas”</p><p>e “Impactos socioambientais das monoculturas sobre os ecossistemas</p><p>terrestres e aquáticos”. Autor dos livros: “A educação ambiental na escola</p><p>pública: entrelaçando saberes, unificando conteúdos” e “Entre o ambiente</p><p>e as ciências humanas: artigos escolhidos, ideias compartilhadas.”</p><p>Sumário</p><p>Apresentação ...................................................................................... XI</p><p>Capítulo 1 Questão agrária e questão agrícola brasileira – relações de</p><p>trabalho e produção no campo ...........................................1</p><p>1.1 As concepções de agrário e agrícola ......................................................................5</p><p>1.2 As relações de produção na Europa Medieval ........................................................7</p><p>1.3 O novo rumo das relações no espaço rural europeu ............................................13</p><p>1.4 A gênese da organização agrária e agrícola no Brasil ..........................................14</p><p>1.5 Os movimentos reivindicatórios pela posse da terra no Brasil .............................18</p><p>1.6 Políticas agrárias e agrícolas do século XX no Brasil ...........................................19</p><p>Capítulo 2 A organização da produção agrícola e suas atividades –</p><p>analogias entre agricultura familiar, complexos</p><p>agroindustriais e biotecnologias ........................................31</p><p>2.1 Reforma agrária: Como? Onde? Para quem? ......................................................35</p><p>2.2 Realidade e realidades da agricultura familiar ......................................................41</p><p>2.3 Complexos agroindustriais ....................................................................................52</p><p>2.4 Considerações gerais sobre a atividade do agronegócio .....................................53</p><p>2.5 A polêmica dos transgênicos .................................................................................57</p><p>2.6 Organismos transgênicos – algumas informações ...............................................57</p><p>2.7 Estratégias da biotecnologia na atividade agrícola ...............................................60</p><p>2.8 Agroenergia e estratégias à ascensão do lucro na atividade agrícola .................61</p><p>2.9 A importância estratégica do biodiesel ..................................................................63</p><p>Capítulo 3 Modernização agrícola e políticas no meio rural: 1930-1990 ....69</p><p>3.1 Breve histórico do modelo agrícola brasileiro no período colonial ........................72</p><p>3.2 Evolução das políticas públicas e agrícolas entre 1930-1954 ..............................78</p><p>3.3 O processo de modernização no campo durante as décadas de 1970 e 1980 ...83</p><p>3.4 As modificações no meio rural a partir da década de 1990: tecnologia e agricultura .......94</p><p>3.4.1 A primeira Revolução Verde .........................................................................95</p><p>3.4.2 A segunda Revolução Verde ........................................................................97</p><p>3.5 Anos 1990: surge, no Brasil, o agronegócio ..........................................................99</p><p>3.5.1 Agronegócio – uma visão sistêmica da agropecuária ...............................100</p><p>3.5.2 A origem da atividade e do termo agronegócio .........................................102</p><p>agrária, que designa -se à redistribuição</p><p>das propriedades rurais e sua distribuição para a realização de uma</p><p>função social. Esse processo é realizado pelo Estado, que compra ou</p><p>desapropria terras de grandes latifundiários e distribui lotes dela para</p><p>famílias camponesas. Contudo, o cumprimento da reforma agrária no</p><p>Brasil é lento e enfrenta várias barreiras, entre elas a resistência dos</p><p>grandes proprietários rurais, que articulam maneiras de tornar grandes</p><p>áreas devolutas em fazendas produtivas do dia para a noite, utilizando-se</p><p>de meios legais, porém escusos. Dificuldades jurídicas e o elevado</p><p>custo de manutenção das famílias assentadas também se tornam um</p><p>empecilho para a reforma, pois essas famílias que recebem lotes de</p><p>terras da reforma agrária necessitam de financiamentos com juros baixos</p><p>para a compra de adubos, sementes e máquinas. Os assentamentos</p><p>precisam de infraestrutura, entre outros aspectos. Há casos em que os</p><p>próprios beneficiários barganham ou vendem seus lotes e buscam outros</p><p>assentamentos e novos lotes. Essa atividade desmoraliza os movimentos</p><p>que reivindicam uma distribuição justa da terra, ou seja, uma “reforma</p><p>agrária”.</p><p>Veja a seguir algumas definições importantes sobre a reforma agrária, que</p><p>ajudarão você a compreender melhor a estrutura rural do Brasil.</p><p>AMPLIANDO O CONHECIMENTO</p><p>UNIUBE 37</p><p>Propriedade familiar</p><p>O inciso II, do art. 4o, do Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64), define como</p><p>propriedade familiar o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado</p><p>pelo agricultor e sua família, absorva-lhes toda a força de trabalho,</p><p>garantindo -lhes a subsistência e o progresso social e econômico,</p><p>com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e,</p><p>eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros. O conceito de</p><p>propriedade familiar é fundamental para entender o significado de módulo</p><p>rural.</p><p>Módulo rural</p><p>O conceito de módulo rural é derivado do conceito de propriedade familiar</p><p>e, assim, é uma unidade de medida, expressa em hectares, que busca</p><p>exprimir a interdependência entre a dimensão, a situação geográfica dos</p><p>imóveis rurais e a forma e condições de seu aproveitamento econômico.</p><p>Aplicação do módulo rural</p><p>O módulo rural é utilizado para definir os limites da dimensão dos imóveis</p><p>rurais no caso de aquisição por pessoa física estrangeira residente</p><p>no país. Neste caso, utiliza -se como unidade de medida o módulo de</p><p>exploração indefinida (ver ZTM na seção “Saiba mais”, a seguir).</p><p>O limite livre de aquisição de terra por estrangeiro é igual a três vezes o</p><p>módulo de exploração indefinida:</p><p>• cálculo do número de módulos do imóvel para efeito do enquadramento</p><p>sindical;</p><p>• definição dos beneficiários do Fundo de Terras e da Reforma Agrária</p><p>– Banco da Terra, de acordo com o inciso II, do parágrafo único do</p><p>art. 1o, da Lei Complementar n. 93, de 4 de fevereiro de 1998.</p><p>38 UNIUBE</p><p>ZTM – Zonas típicas de módulo</p><p>São regiões delimitadas, com base no conceito de módulo rural, com</p><p>características ecológicas e econômicas homogêneas, baseada na divisão</p><p>microrregional do IBGE.</p><p>Microrregiões geográficas (MRG) –, consideram as influências demográficas</p><p>e econômicas de grandes centros urbanos nas proximidades da microrregião</p><p>em questão.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Módulo fiscal</p><p>Unidade de medida expressa em hectares, fixada para cada município,</p><p>considerando os seguintes fatores:</p><p>• tipo de exploração predominante no município;</p><p>• renda obtida com a exploração predominante;</p><p>• outras explorações existentes no município que, embora não</p><p>predominantes, sejam significativas em função da renda ou da área</p><p>utilizada;</p><p>• conceito de propriedade familiar.</p><p>Aplicação do módulo fiscal</p><p>O módulo fiscal serve de parâmetro para classificação do imóvel rural</p><p>quanto ao tamanho, na forma da Lei n. 8.629, de 25 de fevereiro de 1993.</p><p>Tipos de classificação:</p><p>• pequena propriedade – o imóvel rural de área compreendida entre</p><p>1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais;</p><p>UNIUBE 39</p><p>• média propriedade – o imóvel rural de área superior a 4 (quatro) e</p><p>até 15 (quinze) módulos fiscais.</p><p>Serve também de parâmetro para definir os beneficiários do Pronaf –</p><p>Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (pequenos</p><p>agricultores de economia familiar, proprietários, meeiros, posseiros,</p><p>parceiros ou arrendatários de até quatro módulos fiscais).</p><p>Diferença entre módulo rural e módulo fiscal é simples: módulo rural</p><p>é calculado para cada imóvel rural em separado, e sua área reflete o tipo</p><p>de exploração predominante nele, segundo sua região de localização.</p><p>Módulo fiscal, por sua vez, é estabelecido para cada município, e procura</p><p>refletir a área mediana dos módulos rurais dos imóveis do município.</p><p>Propriedade produtiva</p><p>O imóvel (propriedade rural) considerado produtivo pelo Incra – Instituto</p><p>Nacional de Colonização e Reforma Agrária é aquele que, explorado</p><p>econômica e racionalmente, atinge, de maneira simultânea, graus de</p><p>utilização da terra (GUT) e de eficiência na exploração (GEE), segundo</p><p>índices fixados pelo órgão federal competente. O GUT deverá ser igual ou</p><p>superior a 80% (oitenta por cento) e o GEE deverá ser igual ou superior</p><p>a 100% (cem por cento).</p><p>Propriedade improdutiva</p><p>O imóvel (propriedade rural) considerado improdutivo pelo Incra é aquele</p><p>que, embora agricultável, encontra -se total ou parcialmente inexplorado</p><p>por seu ocupante ou proprietário. Nessa condição, torna -se passível de</p><p>desapropriação por interesse social para fins de reforma agrária.</p><p>40 UNIUBE</p><p>De acordo com o Estatuto da Terra, criado em 1964, o Estado tem a</p><p>obrigação de garantir o direito ao acesso à terra para quem nela vive</p><p>e trabalha. No entanto, esse estatuto não é posto em prática, visto</p><p>que várias famílias camponesas são expulsas do campo, tendo suas</p><p>propriedades adquiridas por grandes latifundiários. O Estatuto da Terra</p><p>é uma resposta às reivindicações de movimentos sociais e, ao mesmo</p><p>tempo, descreve uma forte preocupação de controle sobre a situação da</p><p>reforma agrária no Brasil. A Lei n. 4.504, de 30 de novembro de 1964,</p><p>diz o seguinte:</p><p>[...] reforma agrária não significa somente a</p><p>redistribuição da posse e uso da terra. Ela serve para</p><p>desconcentrar e democratizar a estrutura fundiária,</p><p>gerar ocupação e renda, diversificar o comércio</p><p>e os serviços no meio rural, reduzir a migração</p><p>campo -cidade, interiorizar os serviços públicos básicos,</p><p>democratizar as estruturas de poder e promover a</p><p>cidadania e a justiça social. [...] A origem e a razão</p><p>fundamental para a realização da reforma agrária</p><p>reside, ainda, na grande concentração da propriedade</p><p>da terra, pois o Brasil é sabidamente um dos países</p><p>com a pior distribuição fundiária do mundo [...].</p><p>O Brasil possui uma área total de 850 milhões de</p><p>hectares. Desses, 418 milhões estão cadastrados no</p><p>Incra. [...] Aí reside a origem dos conflitos pela terra,</p><p>da injustiça social no meio rural e, principalmente,</p><p>da grilagem, do trabalho escravo, da violência e da</p><p>destruição do meio ambiente. São milhões de famílias</p><p>sem terra ou com terra insuficiente que exigem a</p><p>democratização da propriedade, do poder [...].</p><p>A produção agropecuária do setor empresarial, da</p><p>agricultura familiar e dos assentamentos é fundamental</p><p>para a economia brasileira, assim como a efetivação</p><p>da reforma agrária para a promoção da justiça social,</p><p>a paz no campo e o desenvolvimento econômico,</p><p>com recuperação e preservação ambiental, que são</p><p>os parâmetros do cumprimento da função social da</p><p>propriedade da terra.</p><p>Rolf Hackbart, presidente do Incra.</p><p>Fonte: Estatuto da Terra (2010).</p><p>UNIUBE 41</p><p>Todavia, seguindo o progresso histórico da reforma agrária e remetendo-</p><p>nos aos tempos atuais, devemos traçar um perfil também atualizado</p><p>sobre essa questão. É importante entender a organização da produção</p><p>agrícola no país, comparando -a com outros modelos de organização, já</p><p>que há uma diversidade na forma e nos resultados de ambos. Desde a</p><p>década de 1940, muitos países, principalmente os europeus, aumentaram</p><p>sua hegemonia</p><p>sobre outros que ainda se levantavam dos danos</p><p>causados pela Segunda Guerra Mundial. Nos países subdesenvolvidos</p><p>da África, Ásia e América Latina, um alto crescimento vegetativo criou -se</p><p>um cenário sombrio por causa da crença de não haver produção de</p><p>alimentos suficiente para toda a população. Isso se prolongou até a</p><p>década de 1960.</p><p>Atualmente, constata -se que, apesar da fome ainda estar presente em várias</p><p>regiões do globo, as especulações do passado não se concretizaram. Tais</p><p>resultados foram alcançados pela diversificação na organização agrícola, a</p><p>implementação de novas tecnologias no campo, como as biotecnologias e</p><p>outros, que vamos detalhar a partir do próximo item.</p><p>Realidade e realidades da agricultura familiar2.2</p><p>A agricultura familiar compõe -se de pequenos e médios produtores</p><p>rurais, constituindo a parcela dominante no conjunto desses produtores</p><p>no Brasil. Em números, segundo a Embrapa (Empresa Brasileira de</p><p>Pesquisa Agropecuária):</p><p>• são aproximadamente 4,5 milhões de estabelecimentos, dos quais</p><p>50% no Nordeste;</p><p>• ocupam 20% das terras no país;</p><p>• respondem por 30% da produção nacional global e 60% da produção</p><p>de alimentação, como arroz, feijão, milho, mandioca, hortaliças e</p><p>pequenos animais.</p><p>42 UNIUBE</p><p>Construindo um breve perfil dos praticantes da agricultura familiar,</p><p>podemos dizer que se trata, em geral, de agricultores com baixo nível</p><p>de escolaridade, que lançam mão da diversificação dos produtos</p><p>cultivados para diluir custos de produção e, assim, incrementar a renda,</p><p>aproveitando as oportunidades de oferta ambiental – o produto da</p><p>época. A disponibilidade de mão de obra, ainda que pouco qualificada, é</p><p>numerosa e de baixo custo.</p><p>O segmento da agricultura familiar possui um significado fundamental</p><p>na economia das pequenas cidades – 4.928 municípios têm menos</p><p>de 50 mil habitantes e, destes, mais de quatro mil têm menos de 20</p><p>mil habitantes. Esses produtores e seus familiares são responsáveis</p><p>por inúmeros empregos no comércio e nos serviços prestados nas</p><p>pequenas cidades. A melhoria de renda desse segmento por meio de</p><p>sua maior participação no mercado tem impacto relevante no interior</p><p>do país e, consequentemente, nas grandes metrópoles.</p><p>No entanto, para que essa inserção no mercado de trabalho realmente se</p><p>efetive, faz -se necessário o desenvolvimento tecnológico paralelamente</p><p>às condições de o pequeno agricultor acessá -lo; condições político -</p><p>institucionais, representadas por acesso a crédito, informações organizadas,</p><p>canais de comercialização, transporte e energia.</p><p>Todavia, em um contexto ideológico, a terra, fonte geradora de vida,</p><p>pertence a todos e nela vivemos e produzimos nosso sustento. Contudo,</p><p>em um mundo urbanizado, há uma diferença entre os segmentos</p><p>agrícolas, onde se observa uma diferença na distribuição da terra, nas</p><p>condições de produção e, consequentemente, no lucro resultante dessa</p><p>produção. Mesmo assim, em qualquer segmento de atividade agrícola,</p><p>seja ele um latifúndio moderno ou um lote de agricultura familiar, a terra</p><p>terá sua importância e seu valor econômico. Sempre será o centro de</p><p>grandes conflitos ideológicos e sociais, além do de especulações políticas</p><p>e debates internacionais.</p><p>UNIUBE 43</p><p>Tal informação pode ser mais bem evidenciada no artigo de Ivaldo</p><p>Gehlen, publicado no livro de Angela Duarte Ferreira e Alfio Brandenburg</p><p>(1998), Para pensar: outra agricultura. O autor retrata a subsistência da</p><p>agricultura familiar em uma relação social e econômica, além de definir</p><p>algumas direções ideológicas sobre a terra. Um recorte dessa relação é</p><p>descrito da seguinte forma:</p><p>Um amplo leque de possibilidades é construído a</p><p>partir de dois tipos ideais: o dos que se orientam pela</p><p>lógica do mercado, aproximando -se mais ou menos do</p><p>empresário, no sul denominados colonos e identificados</p><p>ideologicamente como produtores modernos; e o dos</p><p>que se orientam pela lógica da subsistência familiar,</p><p>assemelhados ao que a literatura tradicional chama</p><p>de camponeses e que denominados modelo caboclo.</p><p>(FERREIRA; BRANDENBURG, 1998, p. 54)</p><p>Ambos os ideais descritos pelo autor partem da compreensão de que a</p><p>terra é geradora da vida e do sustento das pessoas, mas, quando essa</p><p>compreensão toma um rumo econômico, fica claro o interesse individual</p><p>de cada segmento sobre a terra e sua produção. Nesse caso, é obvio que</p><p>o fator “capital” irá influenciar diretamente nessa distribuição, privilegiando</p><p>os grupos mais ricos.</p><p>Segundo a Embrapa, este último conjunto de fatores normalmente</p><p>tem sido a principal limitante do desenvolvimento dessa atividade</p><p>econômica. Embora haja um esforço importante do Governo Federal</p><p>com programas como o Pronaf, programas estaduais de assistência</p><p>técnica e associativismo, há um imenso desafio a vencer.</p><p>O Pronaf é mais conhecido pelo crédito aos agricultores familiares, mas vai</p><p>além disso. Atualmente o programa conta com o subprograma de ATER</p><p>(Assistência Técnica e Extensão Rural), geração de renda – agroindústria,</p><p>plantas medicinais, cadeia produtiva, seguro agrícola, seguro de preço,</p><p>seguro contra calamidade por seca nas regiões áridas entre outros.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>44 UNIUBE</p><p>Principais objetivos:</p><p>• atender de forma diferenciada os mini e pequenos produtores rurais;</p><p>• possibilitar a elevação de sua capacidade produtiva;</p><p>• gerar emprego e renda;</p><p>• contribuir para a redução das desigualdades sociais.</p><p>Beneficiários:</p><p>• Produtores rurais familiares que:</p><p>• utilizam, preferencialmente, mão de obra familiar;</p><p>• tenham renda bruta anual familiar de até R$ 110 mil;</p><p>• residam na propriedade ou em local próximo;</p><p>• não possuam área superior a quatro módulos fiscais;</p><p>• tenham a Declaração de Aptidão ao Pronaf -DAP.</p><p>É importante destacar que a tecnologia é essencial para uma maior</p><p>relação entre a produção agrícola e a sustentabilidade. Contudo, ela</p><p>depende do capital que é percebido como privilégio de alguns grupos,</p><p>inviabilizando em muitos casos a concorrência entre os segmentos</p><p>agrícolas.</p><p>Mesmo assim, a tecnologia disponível, quando bem usada, tem se</p><p>mostrado adequada e viável. Isto acontece porque há um grande esforço</p><p>da pesquisa voltado para o setor. A tecnologia é neutra e não discrimina</p><p>classes de produtores quanto à área do estabelecimento, mas depende</p><p>de um poder de compra por parte de seu possível usuário. A maioria</p><p>das tecnologias desenvolvidas visa aumentar a produtividade da terra</p><p>e algumas, como máquinas e equipamentos adaptados aos pequenos</p><p>produtores, têm como objetivo eliminar a ociosidade da terra ou aumentar</p><p>a produtividade do trabalho.</p><p>UNIUBE 45</p><p>Assim, podemos entender que o desafio maior da agricultura familiar é</p><p>adaptar e organizar seu sistema de produção com base nas tecnologias</p><p>disponíveis. Analisando as variáveis tecnológicas e político -institucionais,</p><p>há dois fatores fundamentais para o desenvolvimento da agricultura</p><p>familiar:</p><p>1) A massificação de informação organizada e adequada usando os</p><p>modernos meios de comunicação de massa (TV, rádio e Internet);</p><p>2) A melhoria da capacidade organizacional dos produtores com o</p><p>objetivo de ganhar escala, buscar nichos de mercado, agregar valor</p><p>à produção e encontrar novas alternativas para o uso da terra, como</p><p>o turismo rural.</p><p>A complexidade aumenta se for considerada a diversidade de situações.</p><p>Quando se analisa o cenário em que se insere a agricultura familiar,</p><p>observa -se que os problemas são diferentes para cada região, estado</p><p>ou município. Veja que, no Norte, há dificuldades de comercialização</p><p>pela distância dos mercados consumidores e esgotamento da terra</p><p>nas áreas de produção. Enquanto isso, no Nordeste, são minifúndios</p><p>inviáveis economicamente. No Sudeste, é a exigência em qualidade e</p><p>saudabilidade dos produtos por parte dos consumidores. Por sua vez,</p><p>temos no Sul a concorrência externa de produtos do Mercosul.</p><p>Olhando o futuro há dois aspectos. Um otimista e um, não pessimista,</p><p>desafiador. É animador verificar que há vários modelos de sucesso</p><p>no esforço</p><p>do desenvolvimento e atualização da agricultura, quando</p><p>os obstáculos são eliminados. Mais que isso, constata -se que as</p><p>experiências de sucesso têm pressupostos comuns: organização de</p><p>produtores; qualificação de mão de obra; crédito; produtos com valor</p><p>agregado; emprego de tecnologias adequadas desenvolvidas pela</p><p>pesquisa agropecuária.</p><p>46 UNIUBE</p><p>Segundo Alberto Duque Portugal, diretor -presidente da Embrapa, em artigo</p><p>publicado na revista Agroanalysis em março/2008, os exemplos da situação</p><p>anteriormente descritos são inúmeros. Veja a seguir:</p><p>Região Norte: destaca -se a exploração econômica dos produtos típicos ou</p><p>nativos da região, dotados de qualidade para atender às normas sanitárias</p><p>exigidas internacionalmente para a exportação.</p><p>Região Nordeste: o controle da produção, processamento e</p><p>comercialização por parte dos pequenos produtores, com a utilização</p><p>de uma mini usina de descaroçar e enfardar algodão aumentou</p><p>substancialmente a renda das famílias de um município da Paraíba.</p><p>Pequenas fábricas de processamento da castanha de caju, paralelamente</p><p>ao treinamento de mão de obra, permitiram que os pequenos agricultores</p><p>comercializassem sua produção no mercado externo. No setor de</p><p>agricultura irrigada, o pequeno agricultor tem tido participação ativa</p><p>na fruticultura que apresenta boa rentabilidade, além de sinalizar um</p><p>processo de desconcentração de renda na economia regional.</p><p>Regiões Sudeste e Sul: é cada vez mais perceptível a transformação</p><p>de pequenas comunidades rurais em unidades de processamento de</p><p>frutas, legumes, laticínios e agricultura orgânica. Hoje, nas prateleiras dos</p><p>supermercados, podemos encontrar uma diversidade de produtos oriundos</p><p>dessas comunidades, com marca própria e registro nos órgãos oficiais de</p><p>defesa sanitária. No turismo rural, representa uma alternativa de renda</p><p>para os pequenos produtores. Em todos esses casos, as pesquisas</p><p>agropecuárias estiveram presentes, fornecendo novas variedades e</p><p>cultivos mais produtivos e resistentes às doenças.</p><p>PARADA OBRIGATÓRIA</p><p>UNIUBE 47</p><p>As pesquisas, também, são responsáveis pela disponibilização de novos</p><p>processos de transformação do produto agrícola, contribuindo para a</p><p>qualificação da mão de obra para o uso das novas tecnologias. Nelas</p><p>são identificadas as necessidades de tecnologias, serviços e pesquisas</p><p>para o bom desempenho, competitividade e rentabilidade da agricultura</p><p>familiar.</p><p>O aspecto desafiante é fazer tudo isso em uma velocidade compatível com</p><p>o processo de transformação que ocorre no Brasil e no mundo caracterizado</p><p>por um mercado globalizado, aberto e competitivo. Atender à demanda</p><p>dessa importante parcela da população brasileira é um desafio gratificante</p><p>e fundamental para uma sociedade mais justa e harmoniosa. Por isso, ela</p><p>é uma de nossas preocupações e está expressa como uma das principais</p><p>diretrizes do Plano Diretor da Embrapa.</p><p>Na sequência apresentamos alguns gráficos que melhor caracterizam</p><p>essa realidade:</p><p>Figura 1: Distribuição dos imóveis rurais no Brasil – 1998.</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical de</p><p>Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural</p><p>– São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>80</p><p>70</p><p>60</p><p>50</p><p>40</p><p>30</p><p>20</p><p>10</p><p>0</p><p>GRANDES</p><p>BR</p><p>AS</p><p>IL</p><p>R</p><p>EG</p><p>IÃ</p><p>O</p><p>N</p><p>O</p><p>RT</p><p>E</p><p>R</p><p>EG</p><p>IÃ</p><p>O</p><p>N</p><p>O</p><p>R</p><p>D</p><p>ES</p><p>TE</p><p>R</p><p>EG</p><p>IÃ</p><p>O</p><p>S</p><p>U</p><p>D</p><p>O</p><p>ES</p><p>TE</p><p>R</p><p>EG</p><p>IÃ</p><p>O</p><p>S</p><p>U</p><p>L</p><p>R</p><p>EG</p><p>IÃ</p><p>O</p><p>C</p><p>EN</p><p>TR</p><p>O</p><p>-O</p><p>ES</p><p>TE MÉDIOS</p><p>PEQUENO</p><p>48 UNIUBE</p><p>O gráfico da Figura 1 nos mostra a base da estrutura fundiária</p><p>brasileira, com fortes traços do passado colonial do país, fato esse</p><p>constituído pelo domínio absoluto das grandes propriedades em todas</p><p>as regiões apresentadas, sobretudo nas regiões Norte, Centro -Oeste</p><p>e Nordeste. É fácil perceber a origem de tantos conflitos no meio rural</p><p>ao longo de nossa história, bem como uma das causas fundamentais</p><p>do movimento migratório campo -cidade.</p><p>Por esse gráfico, podemos inferir a própria distribuição da agricultura</p><p>familiar – mais disseminada na região Sul do país, assim como o</p><p>surgimento e evolução dos grandes complexos agroindustriais na região</p><p>Centro -Oeste.</p><p>Figura 2: Distribuição da área dos estabelecimentos agropecuários no Brasil – 1995/1996 (em %).</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical de</p><p>Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural</p><p>– São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>O gráfico da Figura 2 mostra a reiteração das informações do gráfico</p><p>anterior, porém de forma mais detalhada, especificando as categorias</p><p>dimensionais das propriedades rurais no Brasil, segundo uma divisão</p><p>específica por área. Observe que mais de 50% dessas propriedades</p><p>classificam -se na categoria acima de 500 hectares, retratando assim o</p><p>domínio da grande propriedade rural.</p><p>ENTRE 10</p><p>0 E</p><p>20</p><p>0 h</p><p>a</p><p>ENTRE 20</p><p>0 E</p><p>50</p><p>0 h</p><p>a</p><p>ENTRE 50</p><p>0 E</p><p>10</p><p>00</p><p>ha</p><p>ENTRE 10</p><p>00</p><p>E 20</p><p>00</p><p>ha</p><p>ENTRE 20</p><p>00</p><p>E 50</p><p>00</p><p>ha</p><p>ENTRE 50</p><p>00</p><p>E 10</p><p>00</p><p>0 h</p><p>a</p><p>ENTRE 10</p><p>00</p><p>0 E</p><p>10</p><p>00</p><p>00</p><p>ha</p><p>10</p><p>00</p><p>00</p><p>ha</p><p>E M</p><p>AIS</p><p>16</p><p>14</p><p>12</p><p>10</p><p>8</p><p>6</p><p>4</p><p>2</p><p>0</p><p>UNIUBE 49</p><p>Figura 3: Distribuição dos estabelecimentos agropecuários por módulos fiscais – 1995/1996</p><p>(em %).</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical</p><p>de Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento</p><p>Rural – São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>O gráfico da Figura 3 contém uma estrutura de importante indicador</p><p>socioeconômico, no qual a média nacional é ruim, reforçando então todas</p><p>as informações contidas nos gráficos anteriores.</p><p>Figura 4: Distribuição da área dos estabelecimentos agropecuários segundo a condição do</p><p>produtor – 1995/1996 (em %).</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical de</p><p>Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural</p><p>– São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>NÚMERO DE</p><p>ESTABELECIMENTOS</p><p>ATÉ 1</p><p>MÓDULO</p><p>1 A 15</p><p>MÓDULOS</p><p>MAIS DE 15</p><p>MÓDULOS</p><p>80</p><p>70</p><p>60</p><p>50</p><p>40</p><p>30</p><p>20</p><p>10</p><p>0</p><p>ÁREAS DO</p><p>ESTABELECIMENTOS</p><p>100</p><p>90</p><p>80</p><p>70</p><p>60</p><p>50</p><p>40</p><p>30</p><p>20</p><p>10</p><p>0</p><p>BRASIL</p><p>REGIÃO NORTE</p><p>REGIÃO NORDESTE</p><p>REGIÃO SUDESTE</p><p>REGIÃO SUL</p><p>REGIÃO CENTRO-O</p><p>ESTE</p><p>PROPRIETÁRIO</p><p>ARRENDATÁRIO</p><p>PARCEIRO</p><p>OCUPANTE</p><p>50 UNIUBE</p><p>O gráfico da Figura 4 ilustra a relação de posse e uso da terra rural no</p><p>Brasil, chamando a atenção para os valores destacados da condição</p><p>de “ocupante” nas regiões Norte e Nordeste, caracterizadas por uma</p><p>estrutura fundiária assentada na grande propriedade, além de uma</p><p>população rural extremamente desprovida de recursos, sejam técnicos</p><p>ou financeiros.</p><p>Daí a necessidade de maior atenção por parte do Governo Federal para</p><p>essas áreas, sobretudo estimulando e oferecendo condições para a</p><p>prática da agricultura familiar.</p><p>Figura 5: Distribuição do PIB das cadeias produtivas, segundo tipo de produtor no Brasil – 2005.</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical de</p><p>Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento Rural</p><p>– São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>Conhecendo -se a importância do agronegócio e de toda a cadeia</p><p>produtiva rural, constata -se, por meio do gráfico da Figura 5, a</p><p>insignificante alteração na composição do PIB – Produto Interno Bruto</p><p>nacional das diversas componentes: agricultura familiar, agricultura</p><p>patronal e demais setores das atividades.</p><p>50</p><p>45</p><p>40</p><p>35</p><p>30</p><p>25</p><p>20</p><p>15</p><p>10</p><p>5</p><p>0</p><p>PIB da cadeia</p><p>produtiva</p><p>pecuária</p><p>patronal</p><p>PIB da cadeia</p><p>produtiva</p><p>agrícola</p><p>patronal</p><p>PIB da cadeia</p><p>produtiva</p><p>pecuária</p><p>familiar</p><p>PIB da cadeia</p><p>produtiva</p><p>agrícola</p><p>familiar</p><p>UNIUBE 51</p><p>Prosseguindo nossos estudos, apresentamos também algumas tabelas</p><p>que podem elucidar certas peculiaridades sobre a distribuição de terras</p><p>e seus fundamentos no Brasil. A Tabela 1 mostra o índice Geni, um</p><p>indicador de desigualdade para as concentrações de terra e sua renda.</p><p>Esse indicador varia entre 0 e 1, onde o maior número</p><p>é o valor mais</p><p>positivo.</p><p>Tabela 1: Evolução do índice Geni da propriedade de terra – 1967/2000</p><p>Grandes</p><p>Regiões</p><p>1967 1972 1978 1992 1998 2000</p><p>Norte 0,882 0,889 0,898 0,878 0,871 0,714</p><p>Nordeste 0,809 0,799 0,819 0,792 0,811 0,780</p><p>Sudeste 0,763 0,754 0,765 0,749 0,757 0,750</p><p>Sul 0,722 0,706 0,701 0,705 0,712 0,707</p><p>Centro -Oeste 0,833 0,842 0,831 0,797 0,798 0,802</p><p>BRASIL 0,836 0,837 0,854 0,831 0,843 0,802</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical</p><p>de Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento</p><p>Rural – São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>A Tabela 2 é uma referência às diretrizes gerais da política agrária</p><p>nacional, tanto no que se refere à agricultura familiar (lavouras, pastagens</p><p>e matas) quanto à necessidade do desenvolvimento da biotecnologia,</p><p>visando à conservação dos imensos recursos naturais disponíveis no</p><p>país, bem como à estruturação dos grandes complexos agroindustriais</p><p>– formadores de parcela significativa do PIB brasileiro.</p><p>52 UNIUBE</p><p>Tabela 2: Distribuição dos estabelecimentos agropecuários por tipo de utilização – 1995/1996</p><p>Tipos de</p><p>produção</p><p>Norte Nordeste Sudeste Sul</p><p>Centro-</p><p>Oeste</p><p>Brasil</p><p>Lavouras permanentes 1,3 3,4 5,1 1,5 0,2 2,1</p><p>Lavouras temporárias 2,1 9,8 11,4 26,3 5,8 9,7</p><p>Lavouras temporárias</p><p>em descanso</p><p>1,9 5,2 1,7 2,7 0,8 2,4</p><p>Pastagens naturais 16,5 25,5 27,0 30,8 16,1 22,1</p><p>Pastagens plantadas 25,3 15,5 31,9 15,8 41,8 28,2</p><p>Matas e florestas</p><p>naturais</p><p>43,7 24,8 12,0 12,0 28,6 25,1</p><p>Matas e florestas</p><p>artificiais</p><p>0,4 0,5 3,9 4,3 0,3 1,5</p><p>Terras produtivas</p><p>não utilizadas</p><p>5,8 11,0 2,0 1,4 2,2 4,6</p><p>Terras inaproveitáveis 3,0 4,3 4,9 5,3 4,2 4,3</p><p>TOTAL 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0</p><p>Fonte: Vagner L. Coelho. Adaptado de Estatísticas do meio rural / Departamento Intersindical</p><p>de Estatística e Estudos Socioeconômicos; Núcleo de Estudos Agrários e Desenvolvimento</p><p>Rural – São Paulo: DIEESE, 2006.</p><p>Complexos agroindustriais2.3</p><p>Antes de explorarmos objetivamente os complexos agroindustriais é</p><p>importante compreender o próprio significado do agronegócio. Assim,</p><p>observe o diagrama seguinte:</p><p>UNIUBE 53</p><p>Fonte: Adaptado de Mendonça (2008).</p><p>Pode -se, então, visualizar que o agronegócio se constitui de uma</p><p>complexa rede de relacionamentos interdependentes, apresentando</p><p>como foco a agropecuária. Tal complexidade se manifesta a partir do</p><p>momento que os três principais setores das atividades econômicas</p><p>ocorrem simultaneamente: o setor primário, com a agropecuária e</p><p>o extrativismo vegetal; o setor secundário, por meio da indústria de</p><p>transformação; e, por fim, o setor terciário, englobando as atividades de</p><p>comércio e distribuição para o consumidor.</p><p>Considerações gerais sobre a atividade do agronegócio2.4</p><p>Tomando -se como referência o presente século, a atividade do agronegócio</p><p>representa um dos principais propulsores do desenvolvimento brasileiro,</p><p>inserindo cada vez mais o país no comércio mundial. O vertiginoso</p><p>sucesso até então alcançado alavanca também diversos outros</p><p>segmentos da economia nacional, conforme visualizado no diagrama</p><p>anterior. Pode -se destacar, além da própria produção agrícola, a extração</p><p>vegetal (madeira), os insumos e equipamentos – como sementes,</p><p>fertilizantes, defensivos, tratores e máquinas agrícolas em geral –, bem</p><p>como o processamento industrial, transporte e comercialização.</p><p>AGRONEGÓCIO</p><p>Fornecedores Agropecuária e</p><p>extrativismo vegetal</p><p>Processamento</p><p>e distribuição</p><p>Agroindústria</p><p>Indústria</p><p>Distribuição e</p><p>serviços</p><p>Insumos</p><p>Máquinas e</p><p>implementos</p><p>54 UNIUBE</p><p>Ainda que a modernização seja a caracterização principal do agronegócio</p><p>brasileiro, velhos e tradicionais problemas, no contexto da logística,</p><p>ainda persistem: trata -se do transporte e armazenamento da produção</p><p>– denominados por gargalos do processo produção/comercialização.</p><p>Também no setor da logística, outro problema manifesta -se como</p><p>obstáculo ao pleno sucesso da atividade: nossos portos são, na maioria</p><p>das vezes, mal aparelhados, obsoletos e sem a devida capacidade de</p><p>competir com os grandes portos marítimos mundiais.</p><p>É crescente a participação das corporações multinacionais nas atividades</p><p>mais lucrativas, como também é significativo o número de trabalhadores</p><p>rurais contratados pelas grandes empresas agropecuárias, apenas em</p><p>épocas de plantio e de colheita.</p><p>Pode -se assim confrontar a moderna empresa rural, de um lado, com um</p><p>número expressivo de pequenos produtores rurais, marginalizados pelas</p><p>políticas governamentais de crédito e apoio técnico à produção, de outro</p><p>lado. Mesmo diante de todas as limitações e dificuldades, as pequenas</p><p>e médias propriedades respondem pela maior parte do abastecimento</p><p>do mercado interno brasileiro e dos empregos existentes no meio rural.</p><p>De acordo com o Segundo Plano Nacional de Reforma Agrária, a agricultura</p><p>familiar responde por 37,8% da produção, mas consome apenas 25,3% do</p><p>crédito, enquanto a patronal, que responde por 61% da produção, consome</p><p>73,8% do crédito.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Não podemos deixar de citar a questão ambiental, cujos impactos</p><p>decorrem do modelo de expansão agrária, que acelera o desmatamento</p><p>com a ocupação indiscriminada do solo e estimula a concentração</p><p>fundiária. O agronegócio já destruiu quase metade da região do cerrado</p><p>brasileiro, onde existem mais de 400 espécies endêmicas (espécies</p><p>típicas de determinado ambiente) de arbustos e uma diversidade de</p><p>animais ameaçados de extinção.</p><p>UNIUBE 55</p><p>Pode -se compreender então que o agronegócio</p><p>representa o dinâmico funcionamento de</p><p>um complexo agroindustrial. Dessa forma,</p><p>apresentamos, a seguir, o ciclo do agronegócio.</p><p>Costuma -se dividir o estudo do agronegócio em</p><p>três partes:</p><p>A primeira parte trata dos negócios agropecuários propriamente ditos,</p><p>ou de “dentro da porteira”, que representam os produtores rurais, sejam</p><p>eles pequenos, médios ou grandes, constituídos na forma de pessoas</p><p>físicas – como fazendeiros ou camponeses – ou de pessoas jurídicas,</p><p>isto é, as empresas. Na segunda parte, os negócios a montante, ou</p><p>“da pré -porteira”, aos da agropecuária, representados pela indústrias e</p><p>comércios que fornecem insumos para a produção rural. Por exemplo,</p><p>os fabricantes de fertilizantes, defensivos químicos, equipamentos. Já na</p><p>terceira parte, estão os negócios a jusante dos negócios agropecuários,</p><p>ou de “pós -porteira”, onde estão a compra, transporte, beneficiamento</p><p>e venda dos produtos agropecuários até chegar ao consumidor final.</p><p>Enquadram -se nessa definição os frigoríficos, as indústrias têxteis</p><p>e calçadistas, empacotadores, supermercados e distribuidores de</p><p>alimentos.</p><p>Veja, a seguir, conceitos importantes para a compreensão da cadeia</p><p>produtiva agroindustrial.</p><p>• Insumos: combinação de fatores de produção, diretos (matérias-</p><p>primas) e indiretos (mão de obra, energia, tributos), que entram</p><p>na elaboração de certa quantidade de bens ou serviços.</p><p>Especificamente no agronegócio, os principais insumos são</p><p>sementes, adubos, defensivos, maquinários, combustíveis e mão</p><p>de obra especializada.</p><p>Ciclo do</p><p>agronegócio</p><p>Também chamado</p><p>de agribusiness,</p><p>ou seja, o conjunto</p><p>de negócios</p><p>relacionados à</p><p>agricultura do ponto</p><p>de vista econômico.</p><p>56 UNIUBE</p><p>• Produção: trabalho do agropecuarista, através do cultivo do solo e/</p><p>ou criação de animais, independentemente do tamanho da área ou</p><p>método utilizado, com vistas à obtenção de bens de consumo.</p><p>• Processamento: transformação do produto agropecuário em</p><p>subprodutos, que podem ser bens de consumo ou insumos para outros</p><p>processos, como o leite, queijo, carne, embutido, ração, fio, corante,</p><p>entre outros.</p><p>• Distribuição: caracteriza -se pelo transporte, processamento e</p><p>distribuição dos bens agropecuários e seus subprodutos.</p><p>• Cliente final: consumidor dos produtos agropecuários, que os</p><p>recebe in natura ou processados.</p><p>Agora, fique atento à classificação geral dos produtos processados na</p><p>agroindústria:</p><p>• Alimentos: óleos, rações, empacotadores, distribuidores</p><p>de grãos,</p><p>beneficiadores.</p><p>• Biocombustíveis: cuida do cultivo de plantas, como a cana -de-</p><p>açúcar, que serão transformadas em combustíveis orgânicos como</p><p>o etanol.</p><p>• Têxtil: ramo do agronegócio que produz e transforma bens</p><p>agropecuários em produtos têxteis, como vestuário, artigos de</p><p>cama, mesa e banho, bens de decoração, insumos para a indústria</p><p>moveleira, entre outros.</p><p>• Madeira: explora o solo por meio, principalmente, do cultivo de</p><p>árvores, que serão transformadas em madeira, celulose, produtos</p><p>químicos ou mesmo para a obtenção de lenha para combustível.</p><p>É importante lembrar que alimentos, biocombustíveis, têxteis e madeira</p><p>representam a transformação da matéria -prima produzida no espaço rural,</p><p>transformação essa que é a essência do próprio agronegócio, inseridos em</p><p>sua cadeia produtiva.</p><p>EXEMPLIFICANDO!</p><p>UNIUBE 57</p><p>A polêmica dos transgênicos2.5</p><p>As discussões sobre os transgênicos têm despertado polêmicas por todo</p><p>o mundo. O assunto está repleto de desinformações e questionamentos</p><p>que englobam atividades ligadas à saúde</p><p>humana, animal, meio ambiente e produção</p><p>agrícola. A maior preocupação diz respeito aos</p><p>efeitos ou consequências que os transgênicos</p><p>podem provocar a longo prazo, seja para os seres</p><p>humanos, os animais ou para o meio ambiente.</p><p>A transgenia, ou seja, a tecnologia do DNA recombinante é um ramo</p><p>da biotecnologia, que utiliza células e biomoléculas para a resolução</p><p>de problemas ou transformação de produtos, animais e vegetais. Em</p><p>ambos os casos pode haver uma transferência de genes de uma planta</p><p>para outra ou mesmo de um animal para outro. Esse procedimento</p><p>muda a caracterização natural das plantas, podendo deixá -las mais</p><p>resistentes, produtivas, ou mesmo com o ciclo de amadurecimento mais</p><p>rápido ou mais lento. No entanto, isso pode acarretar mudanças nas</p><p>espécies normais de uma região devido à polinização natural que será</p><p>compartilhada com as plantas transgênicas. O resultado disso pode ser</p><p>de um cruzamento indesejado ou desnecessário à extinção de espécies</p><p>ou de suas características naturais.</p><p>Organismos transgênicos – algumas informações2.6</p><p>A geração de transgênicos visa à obtenção de organismos com novas</p><p>características, que tendem a ser adicionadas ou melhoradas aos</p><p>organismos originais. Essa recombinação genética com transformação</p><p>das características dos organismos provavelmente não aconteceria de</p><p>forma natural.</p><p>Transgênicos</p><p>Organismos</p><p>transformados</p><p>geneticamente em</p><p>outros organismos</p><p>usando técnicas de</p><p>engenharia.</p><p>58 UNIUBE</p><p>Aplicações diversas</p><p>A aplicação mais imediata desses organismos é na investigação</p><p>científica, em que a expressão de determinado gene em um organismo</p><p>pode facilitar a compreensão da função desse mesmo gene. As plantas,</p><p>por exemplo, podem ser utilizadas como hospedeiras para a insersão de</p><p>gene de uma planta com ciclo de vida mais longo, prolongando a vida</p><p>das hospedeiras.</p><p>Em outros casos, os transgênicos são utilizados para a produção de</p><p>determinados compostos de interesse comercial, seja no ramo da</p><p>medicina, agropecuária, entre outros.</p><p>As plantas transgênicas que se destacam atualmente são as modificadas</p><p>para serem mais resistentes a pragas e doenças, ou até mesmo para</p><p>produzir repelentes naturais contra mosquitos e outras pragas.</p><p>A rotulagem dos transgênicos e a lei de biossegurança nacional</p><p>Para os transgênicos, a maior polêmica está acerca do plantio e da</p><p>comercialização. Os críticos à produção de transgênicos, entre eles</p><p>ambientalistas e cientistas, argumentam que os efeitos à saúde e ao meio</p><p>ambiente ainda são desconhecidos. Já os favoráveis a essa produção,</p><p>dentre eles latifundiários e organizações não governamentais, defendem</p><p>uma possível diminuição de mazelas como a fome através do aumento</p><p>da produção. Para tanto, até que se entre num consenso, alguns</p><p>produtos transgênicos circulam nos mercados e cabe ao consumidor</p><p>assumir o risco de seu consumo. Contudo existem normas a serem</p><p>seguidas por produtores, fabricantes e comerciantes que negociam tais</p><p>produtos. A lei 8.078/90 e o decreto 4.680/03, por exemplo, determinam</p><p>o regulamento técnico sobre a rotulagem de alimentos geneticamente</p><p>modificados, destinados ao consumo humano ou animal. Nas disposições</p><p>da legislação, destacam-se a obrigação de determinadas informações</p><p>indicando se o produto é transgênico ou contém partes de produtos</p><p>transgênicos, como soja transgênica por exemplo.</p><p>UNIUBE 59</p><p>Para saber mais sobre a lei 8.078/90 e o decreto 4.680/03, acesse o link: <http://</p><p>www.transgenicos.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=16>.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>A soja, em específico, proporciona muitas discussões quando se trata</p><p>de transgênicos. A lei 10.688/03, por exemplo, dispõe sobre determinada</p><p>safra, 2003, em que define seu uso, comercialização entre outros. Quanto</p><p>às disposições relacionadas a essa lei temos:</p><p>Art. 1o A comercialização da safra de soja de 2003 não</p><p>estará sujeita às exigências pertinentes à Lei n. 8.974,</p><p>de 5 de janeiro de 1995, com as alterações da Medida</p><p>Provisória n. 2.191-9, de 23 de agosto de 2001.</p><p>Art. 2o Na comercialização da soja de que trata o art. 1o,</p><p>bem como dos produtos ou ingredientes dela derivados,</p><p>deverá constar, em rótulo adequado, informação</p><p>aos consumidores a respeito de sua origem e da</p><p>possibilidade da presença de organismo geneticamente</p><p>modificado, excetuando-se as hipóteses previstas nos</p><p>§§ 5o e 6o do art. 1o.</p><p>Art. 4o Os produtores e fornecedores de soja da safra</p><p>de 2003 poderão obter certificação de que se trata de</p><p>produto sem a presença de organismo geneticamente</p><p>modificado, expedida por entidade credenciada ou</p><p>que vier a ser credenciada, em caráter provisório e por</p><p>prazo certo, pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e</p><p>Abastecimento.</p><p>Art. 5o Para o plantio da safra de soja de 2004 e</p><p>posteriores, deverão ser observados os termos da</p><p>legislação vigente, especialmente das Leis n. 8.974, de</p><p>5 de janeiro de 1995, e n. 8.078, de 11 de setembro de</p><p>1990, e demais instrumentos legais pertinentes.</p><p>Art. 6o É vedado às instituições financeiras oficiais</p><p>de crédito aplicar recursos no financiamento da</p><p>produção, plantio, processamento e comercialização</p><p>de variedades de soja obtidas em desacordo com a</p><p>legislação em vigor.</p><p>Art. 7o Sem prejuízo de outras cominações civis, penais</p><p>e administrativas previstas em lei, o descumprimento</p><p>desta Lei sujeitará o infrator a multa, a ser aplicada pelo</p><p>60 UNIUBE</p><p>Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,</p><p>em valor a partir de R$ 16.110,00 (dezesseis mil, cento</p><p>e dez reais), fixada proporcionalmente à lesividade da</p><p>conduta. (Vide Lei n. 10.814, de 2003)</p><p>Fonte: Lei 10.688/03. Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/</p><p>legislacao/98567/lei-10688-03>.</p><p>A lei de biossegurança, n. 11.105/05, também se faz importante quanto</p><p>à utilização dos transgênicos, pois estabelece normas para o cultivo,</p><p>produção, transporte, manipulação, entre outros, de produtos</p><p>geneticamente modificados. Tais normas visam à proteção da saúde</p><p>humana, além de incentivar o avanço científico para a utilização da</p><p>biotecnologia.</p><p>Para saber mais, você pode acessar o link <http://www.planalto.gov.br/</p><p>ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/lei/L11105.htm> e analisar outros aspectos</p><p>relevantes sobre os organismos geneticamente modificados e a</p><p>biotecnologia.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Estratégias da biotecnologia na atividade agrícola2.7</p><p>Biotecnologia define -se pelo uso de conhecimentos sobre os processos</p><p>biológicos e sobre as propriedades dos seres vivos, com o fim de resolver</p><p>problemas e criar produtos de utilidade. É a biologia aplicada à tecnologia</p><p>ou, ainda, à utilização de organismos para produção de um produto ou</p><p>condução de um processo. O queijo e o iogurte, produzidos com base</p><p>em outros organismos, são exemplos para essa compreensão.</p><p>Já existem no mercado alimentos geneticamente modificados. Contudo,</p><p>não se sabe ainda sobre os possíveis benefícios ou malefícios para os</p><p>humanos ou animais no caso de consumo desses alimentos.</p><p>Eles devem</p><p>conter informações sobre sua procedência e origem, assim como outros</p><p>dados relevantes.</p><p>UNIUBE 61</p><p>A preservação do meio ambiente também é uma das preocupações</p><p>consideradas para o cultivo desses alimentos geneticamente modificados.</p><p>Por um lado, é uma tecnologia que aumenta a produtividade agrícola</p><p>ao produzir herbicidas naturais, vantagens para a economia e para o</p><p>meio ambiente. Por outro lado, pode haver uma polinização inesperada</p><p>com o cruzamento de plantas geneticamente modificadas com plantas</p><p>endêmicas, surgindo novas espécies com características desconhecidas.</p><p>Isso pode gerar também uma superpopulação de algumas pragas, como</p><p>moscas, gafanhotos, entre outros.</p><p>Por fim, a biotecnologia ainda deixa dúvidas sobre seu uso e as</p><p>consequências de uma possível má utilização. No entanto, é uma</p><p>realidade que tende a tomar cada vez mais espaço no mundo moderno</p><p>em que vivemos.</p><p>Portanto, por essa apresentação inicial, é fácil constatar a vastidão do</p><p>tema biotecnologias. Assim, doravante, concentraremos nossas ações no</p><p>contexto de nosso foco principal – a agricultura –, destacando, sobretudo,</p><p>a agroenergia e os organismos geneticamente modificados.</p><p>2.8 Agroenergia e estratégias à ascensão do lucro na</p><p>atividade agrícola</p><p>A agroenergia representa a energia produzida de produtos agropecuários,</p><p>florestas e seus resíduos.</p><p>Em 2006, a Embrapa lançou o Plano Nacional de Agroenergia, que</p><p>definia a atividade como sendo a energia gerada de quatro grandes</p><p>cadeias produtivas:</p><p>• o etanol – derivado da cana -de -açúcar;</p><p>• o biodiesel – derivado de fontes lipídicas (animais e vegetais);</p><p>62 UNIUBE</p><p>• a biomassa – de origem florestal e seus resíduos;</p><p>• a biomassa – de origem dos dejetos da agropecuária e da agroindústria.</p><p>As florestas energéticas fornecem diferentes formas de energia, como</p><p>lenha e carvão vegetal; o biogás decorre da digestão anaeróbica da</p><p>matéria orgânica, enquanto o biodiesel é obtido de óleos vegetais,</p><p>gorduras animais ou ainda de resíduos da agroindústria.</p><p>Quanto ao etanol, sabe -se que seu menor custo de produção é obtido</p><p>da cana -de -açúcar, ainda que existam outras fontes geradoras desse</p><p>combustível. Nos cultivos agrícolas, tais como trigo, arroz, milho, cevada</p><p>e cana -de -açúcar, é possível recuperar 25% do resíduo em forma de</p><p>energia, evitando a emissão de 350 a 460 Mt (megatoneladas) de gás</p><p>carbônico por ano.</p><p>No atual estágio tecnológico no qual o Brasil se encontra, o aproveitamento</p><p>mais imediato dos resíduos se dá nas lavouras de cana -de -açúcar, na</p><p>indústria de papel e celulose e na serragem e gravetos resultantes da</p><p>indústria madeireira e moveleira.</p><p>A agroenergia pode contribuir significativamente para a diminuição dos</p><p>impactos globais ao reduzir a dependência em relação aos combustíveis</p><p>fósseis – emissores dos gases responsáveis pelo aquecimento global.</p><p>Sabe -se que o Brasil é o país que mais caminhou na direção das</p><p>tecnologias, produção e uso do etanol como combustível. Segundo</p><p>a Embrapa, atualmente, diante da crescente pressão ambiental e da</p><p>demanda por fontes renováveis de energia, o maior desafio é promover</p><p>aumentos na produção de álcool sem expandir a área de cana -de -açúcar</p><p>plantada, o que evitaria a competição com a agricultura voltada para a</p><p>produção de alimentos e não estimularia o desmatamento.</p><p>UNIUBE 63</p><p>Os maiores investimentos em pesquisa nessa área têm se concentrado</p><p>na prospecção de enzimas com ação celulolítica, capazes de quebrar as</p><p>moléculas de celulose em moléculas menores e mais digeríveis (do ponto</p><p>de vista de uma levedura), que possam ser aproveitadas nos processos</p><p>clássicos de fermentação para produção de etanol.</p><p>Depois, essa tecnologia poderá ser aplicada em outros vegetais com</p><p>pequenos reajustes, potencialmente capazes de gerar o etanol.</p><p>Os Estados Unidos investem fortemente nessa tecnologia e, em um</p><p>futuro próximo, almejam produzir a maior parte de seu etanol com a</p><p>celulose.</p><p>Para se ter uma ideia do benefício ambiental, basta observar que: para</p><p>cada tonelada utilizada do álcool combustível, cerca de 2,3 toneladas</p><p>de gás carbônico deixarão de ser emitidas, evitando comprometer ainda</p><p>mais a atmosfera.</p><p>É importante também salientar que os resíduos da produção sucroalcooleira</p><p>podem ser utilizados para a geração de energia elétrica, fato que coloca</p><p>a cana -de -açúcar como maior fonte de energia renovável do Brasil na</p><p>atualidade.</p><p>A importância estratégica do biodiesel2.9</p><p>A produção do biodiesel pode cooperar com o desenvolvimento</p><p>econômico de diversas regiões do Brasil, uma vez que é possível</p><p>explorar a melhor alternativa de matéria -prima – no caso, fontes de óleos</p><p>vegetais. O consumo do biodiesel e de suas misturas podem ajudar um</p><p>país a diminuir sua dependência do petróleo e a contribuir para a redução</p><p>da poluição, uma vez que o biodiesel não contém enxofre em sua</p><p>composição. Além disso, é capaz de gerar alternativas de empregos em</p><p>áreas geográficas menos propícias para outras atividades econômicas.</p><p>64 UNIUBE</p><p>A concentração de biodiesel é informada por meio de uma nomenclatura</p><p>específica, definida por “BX”, em que X refere -se à porcentagem em volume</p><p>do biodiesel ao qual é misturado o diesel do petróleo. Assim, B5, B20 e B100</p><p>referem -se, respectivamente, às misturas de biodiesel/diesel contendo 5, 20</p><p>e 100% de biodiesel.</p><p>REGISTRANDO</p><p>As vantagens do biodiesel</p><p>A principal vantagem do biodisel é ser uma energia renovável. As terras</p><p>cultiváveis podem produzir uma enorme variedade de culturas como</p><p>matéria -prima para essa fonte de energia.</p><p>O combustível tem origem renovável, dessa forma, sua obtenção e</p><p>queima não contribuem para o aumento das emissões de gás carbônico</p><p>na atmosfera, zerando o balanço de massa entre a emissão de gases</p><p>dos veículos e sua absorção pelas plantas. Além disso, contribui para a</p><p>geração de empregos no setor primário, evitando o êxodo do trabalhador</p><p>no campo, reduzindo o inchaço das grandes cidades e favorecendo o</p><p>ciclo da economia autossustentável, essencial para a autonomia do país.</p><p>Com a incidência de petróleo em poços cada vez mais profundos, muito</p><p>dinheiro está sendo gasto em sua exploração, principalmente na extração,</p><p>o que torna cada vez mais onerosa essa atividade e o refino das riquezas</p><p>naturais do subsolo, havendo então a necessidade de se estudar os</p><p>recursos da superfície, abrindo assim um novo nicho de mercado e uma</p><p>nova oportunidade de aposta estratégica no setor primário.</p><p>Nenhuma modificação nos atuais motores do tipo ciclo diesel faz -se</p><p>necessária para misturas de biodiesel com diesel de até 20%, sendo</p><p>que percentuais acima disso requerem avaliações mais elaboradas do</p><p>desempenho do motor.</p><p>UNIUBE 65</p><p>No Brasil e na Ásia, lavouras de soja, por exemplo, cujos óleos são</p><p>fontes potencialmente importantes de biodiesel, estão invadindo florestas</p><p>tropicais que são importantes bolsões de biodiversidade. Muitas espécies</p><p>poderão deixar de existir em consequência do avanço das áreas</p><p>agrícolas.</p><p>A produção intensiva da matéria -prima de origem vegetal leva a um</p><p>esgotamento das capacidades do solo, o que pode ocasionar a destruição de</p><p>florestas e espécies animais, aumentando, portanto, o risco de erradicação</p><p>de espécies e o possível aparecimento de novos parasitas e doenças.</p><p>Resumo</p><p>A agropecuária foi uma das primeiras atividades econômicas a serem</p><p>desenvolvidas pelos homens, desempenhando um papel de grande</p><p>importância no cenário da economia mundial e nacional. Tornou -se,</p><p>assim, a célula de sobrevivência e sustentação de uma humanidade</p><p>cada vez mais numerosa.</p><p>Desde os primórdios da humanidade, a atividade agrícola tem passado</p><p>por transformações e suas técnicas evoluem para o acompanhamento do</p><p>desenvolvimento da sociedade. Contudo, tal evolução agrícola contempla</p><p>mais uma parcela de produtores modernos, grandes latifundiários, que</p><p>se empenham em produzir com mais qualidade e quantidade, visando</p><p>ao lucro individual e não à distribuição igualitária para a sociedade,</p><p>principalmente</p><p>em âmbito nacional. Além disso, os pequenos produtores</p><p>se veem em uma situação desconfortável pela impossibilitada</p><p>concorrência devido à falta de capital e tecnologia. Como resultado, os</p><p>pequenos produtores são obrigados a tomar certas medidas em busca</p><p>de sua sobrevivência em um mundo “englobador”. Tais medidas vão, em</p><p>médio prazo, mudar a condição de trabalho, associar -se a cooperativas</p><p>ou mesmo se integrar aos grandes latifúndios industriais, perdendo sua</p><p>autonomia produtiva e/ou posse da terra.</p><p>66 UNIUBE</p><p>Assim, diante da amplitude de cada um dos temas aqui tratados, procuramos</p><p>dotar o educando de uma visão ampla sobre eles, despertando -o para as</p><p>grandes questões e debates, em um contexto nacional e mundial.</p><p>Dessa forma, o presente capítulo se constituiu no passo inicial de uma</p><p>extensa jornada, dotada de múltiplos caminhos, em que o processo de</p><p>agregação do conhecimento acerca desse tema deve ser continuado, dado</p><p>que, estruturada nas sólidas bases da constante evolução tecnológica,</p><p>a produção agropecuária se constitui na atividade de sustentação da</p><p>humanidade muito antes de representar um dos componentes do modo de</p><p>produção capitalista.</p><p>Bom estudo!</p><p>Referências</p><p>ELIAS, Denise. Globalização e agricultura. São Paulo: Edusp, 2003.</p><p>ESTATUTO DA TERRA, Lei n. 4.504/64. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/portal/</p><p>index.php?option=com_docman&task=doc_download&gid=438&Itemid=273>. Acesso</p><p>em: 8 jul. 2010.</p><p>FERREIRA, A. D. D.; BRANDENBURG, A. Para pensar: outra agricultura. Curitiba:</p><p>Editora da UFPR, 1998.</p><p>HACKBART, Rolf. A atualidade do estatuto da Terra. In: Incra. Disponível em:</p><p><http://www.incra.gov.br/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_</p><p>download&gid=438&Itemid=273>. Acesso em: 8 jul. 2010.</p><p>MAZZALI, Leonel. O processo recente de reorganização agroindustrial: do complexo</p><p>à organização “em rede”. São Paulo: Editora Unesp, 2000.</p><p>MIOR, Luiz Carlos. Agricultores familiares, agroindústrias e redes de</p><p>desenvolvimento rural. Chapecó: Argos, 2005.</p><p>UNIUBE 67</p><p>PORTAL do Desenvolvimento Agrário. Disponível em: <http://www.mda. gov.br/portal/>.</p><p>Acesso em: 14 nov. 2008.</p><p>SILVA, J. G. A modernização dolorosa: estrutura agrária, fronteira agrícola e</p><p>trabalhadores rurais no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.</p><p>SINGER, Paul. Economia política da urbanização. São Paulo: Brasiliense, 1995.</p><p>WIKIPÉDIA. Biotecnologia. Disponível em:<http://pt.wikipedia.org/wiki/Biotecnologia>.</p><p>Acesso em: 14 nov. 2008.</p><p>Ízula Luiza Pires Bacci Pedroso</p><p>Introdução</p><p>Modernização agrícola</p><p>e políticas no meio</p><p>rural: 1930 1990</p><p>Capítulo</p><p>3</p><p>Caro(a) aluno(a),</p><p>Vamos iniciar este trabalho expondo alguns mecanismos que</p><p>contribuirão para o seu entendimento em relação à formação do</p><p>modelo agrícola brasileiro. Para começar, gostaríamos de saber</p><p>o que você sabe sobre modernização no meio rural? O que essa</p><p>modernização representa? Como esse processo influencia sua</p><p>vida? A modernização do meio rural é somente a inserção de</p><p>insumos agrícolas (agrotóxicos, herbicidas, inseticidas etc.) ou</p><p>também a mecanização das lavouras? Como você acha que se</p><p>estabeleceu esse processo de modernização no meio rural? Foi</p><p>com apoio da iniciativa privada ou estatal? Quais as consequências</p><p>sociais e econômicas desse processo? Todos os trabalhadores e/</p><p>ou produtores rurais se beneficiaram?</p><p>Diante desses questionamentos, faça suas análises e reflexões e</p><p>lembre-se de anotá-las. Agora, retorne para a leitura do conteúdo.</p><p>Ao final, você poderá comparar suas anotações com suas</p><p>conclusões após o estudo do tema abordado e reconstruir seus</p><p>conceitos.</p><p>70 UNIUBE</p><p>Para ficar claro, o capítulo está dividido em cinco itens. No primeiro,</p><p>abordaremos um breve relato da ocupação territorial do país no</p><p>período colonial, demonstrando a relação entre as capitanias</p><p>hereditárias e o mercado externo. Posteriormente, no segundo</p><p>item, estudaremos a evolução das principais políticas públicas e</p><p>agrícolas nos períodos de 1930-1954 e, consequentemente, como</p><p>a quebra da Bolsa de Valores de Nova York atingiu o setor agrícola</p><p>brasileiro, estimulando o início do processo de industrialização.</p><p>Nesse contexto, observa-se que os interesses do Estado, a partir</p><p>da centralização política, estavam corretamente articulados com as</p><p>políticas agrícolas do período, quando da criação de preços</p><p>mínimos em 1951. Até 1955 a economia brasileira passava por</p><p>uma fase de transição com uma gradativa consolidação do setor</p><p>industrial. Somente em 1960 é que o governo retorna a atribuir</p><p>certa importância ao setor agrícola, que é descrita no terceiro item,</p><p>no qual analisaremos a importância do Proálcool, do Polocentro</p><p>e do Prodecer e o novo papel da agricultura naqueles anos de</p><p>crescimento econômico que durou até o final da década de 1970.</p><p>No quarto item, veremos um panorama das modificações no meio</p><p>rural, por meio da abordagem das inovações tecnológicas e da</p><p>chamada revolução verde. Seguindo esse novo quadro do setor</p><p>agrícola brasileiro, no quinto item, abordaremos um tema que está</p><p>em moda na agricultura brasileira, “o agronegócio”, explicando-o</p><p>por meio de simples e fáceis exemplos do que se trata o termo,</p><p>explicando a origem dessa atividade e se é um bom negócio,</p><p>facilitando, desse modo, o seu entendimento.</p><p>Objetivos</p><p>Ao final dos estudos deste capítulo, você deverá ser capaz de:</p><p>• descrever a constituição do modelo agrícola brasileiro, ou seja,</p><p>sua herança histórica;</p><p>UNIUBE 71</p><p>Esquema</p><p>• analisar como as políticas públicas, o Estado e o próprio</p><p>mercado estimularam, de forma peculiar, a consolidação do</p><p>denominado processo de modernização do meio rural brasileiro,</p><p>ou seja, a modernização conservadora;</p><p>• distinguir e caracterizar o processo das políticas agrícolas</p><p>intervencionistas dos governos de Vargas, Kubitschek e</p><p>militares;</p><p>• explicar o termo “revolução verde” e sua interferência no meio</p><p>social e econômico brasileiro;</p><p>• explicar o surgimento e a popularização do termo agronegócio;</p><p>• avaliar as consequências do agronegócio para o meio rural e</p><p>para a economia do setor;</p><p>• relacionar geografia rural com economia;</p><p>• diagnosticar as consequências sociais e econômicas do</p><p>processo de modernização rural.</p><p>Viu como o estudo deste capítulo vai ampliar seu leque de</p><p>conhecimentos? Vamos relacionar geografia com as demais</p><p>ciências, como história, economia, biotecnologia e, principalmente,</p><p>com o cotidiano, pois a carne industrializada que compramos</p><p>é o produto final do agronegócio. Portanto, este material</p><p>visa descrever, de forma contextualizada, a variabilidade</p><p>espaço-temporal que o meio rural brasileiro vem sofrendo desde</p><p>a década de 1930 até os anos de 1990.</p><p>3.1 Breve histórico do modelo agrícola brasileiro no período</p><p>colonial</p><p>3.2 Evolução das políticas públicas e agrícolas entre 1930-1954</p><p>3.3 O processo de modernização no campo durante as décadas</p><p>de 1970 e 1980</p><p>3.4 As modificações no meio rural a partir da década de 1990:</p><p>tecnologia e agricultura</p><p>72 UNIUBE</p><p>3.4.1 A primeira Revolução Verde</p><p>3.4.2 A segunda Revolução Verde</p><p>3.5 Anos 1990: surge, no Brasil, o agronegócio</p><p>3.5.1 Agronegócio – uma visão sistêmica da agropecuária</p><p>3.5.2 A origem da atividade e do termo agronegócio</p><p>3.1 Breve histórico do modelo agrícola brasileiro no período</p><p>colonial</p><p>Começaremos este capítulo com uma citação de Schwartz (2001, p. 123):</p><p>O Brasil era um grande empreendimento colonial</p><p>cuja característica, durante 300 anos, foi a lavoura, a</p><p>mineração e a economia de exportação. A escravidão</p><p>era a forma predominante de trabalho no Brasil, mas</p><p>sempre à margem da economia de exportação e, com</p><p>o passar do tempo, passou a existir uma população de</p><p>trabalhadores rurais e famílias que constituíam uma</p><p>classe camponesa.</p><p>O que podemos concluir a partir da leitura da citação que abre</p><p>esta seção?</p><p>Talvez, o ponto que deva ser enfatizado é o de que, por muito tempo, o Brasil</p><p>foi uma fonte de renda para a metrópole (Portugal). Porém, se lembrarmos lá</p><p>das aulas de história, a ocupação do território não se deu de</p><p>forma imediata</p><p>ao “descobrimento”. Foi somente a partir do ano de 1530 que o rei de</p><p>Portugal passou a doar lotes de terras em forma de capitanias hereditárias</p><p>a quem tivesse condições de explorá-los, geralmente pessoas das classes</p><p>mais abastadas.</p><p>Nesse sentindo, estabeleciam-se os elementos básicos para iniciar a</p><p>ocupação e a valorização territorial do Brasil, onde a grande propriedade</p><p>e a exploração da monocultura, mediante a grande disponibilidade de</p><p>terras virgens as quais podiam ser exploradas de forma intensiva e</p><p>predatória, formavam o cenário ideal aos colonizadores que estavam</p><p>em busca de lucros.</p><p>UNIUBE 73</p><p>Assim, esses pioneiros organizaram a produção em larga escala</p><p>de gêneros tipicamente tropicais, baseados na grande propriedade</p><p>e na monocultura, garantindo a máxima rentabilidade mediante a</p><p>inexistência de uma sociedade organizada dona de meios de produção,</p><p>estabelecendo, dessa forma, o sistema de escravidão. Qual era a</p><p>intenção desse modo de produção? Fazer com que a colônia servisse</p><p>de fonte de renda e alimentos para Portugal.</p><p>De uma forma geral, o sistema de capitanias hereditárias fracassou em</p><p>função de vários motivos, dentre eles:</p><p>• a grande distância da Metrópole;</p><p>• a falta de recursos e estrutura;</p><p>• os constantes ataques indígenas, pois estes já ocupavam as terras</p><p>antes da chegada dos europeus.</p><p>As capitanias de São Vicente e Pernambuco foram as únicas que</p><p>apresentaram resultados satisfatórios, graças aos investimentos do rei.</p><p>Após a tentativa fracassada de estabelecer as capitanias hereditárias, a</p><p>coroa portuguesa estabeleceu no Brasil o governo-geral, que era uma</p><p>forma de centralizar e ter mais controle sobre a Colônia.</p><p>As capitanias hereditárias eram faixas de terras que começavam no litoral</p><p>e terminavam na linha do Tratado de Tordesilhas. O donatário recebia a</p><p>posse da terra, podendo transmiti-la aos filhos, mas não vendê-la. Recebia</p><p>também uma sesmaria de 10 léguas de costa. Devia fundar vilas, distribuir</p><p>terras a quem desejasse cultivá-las e construir engenhos. O vínculo</p><p>jurídico entre o rei de Portugal e cada donatário era estabelecido em dois</p><p>documentos: a Carta de Doação, que conferia a posse, e a Carta Foral que</p><p>determinava direitos e deveres. O donatário exercia plena autoridade no</p><p>campo judicial. Adquiria alguns direitos: isenção de taxas, venda de escravos</p><p>SAIBA MAIS</p><p>74 UNIUBE</p><p>índios e recebimento de parte das rendas devidas à Coroa. Podia escravizar</p><p>os indígenas, obrigando-os a trabalhar na lavoura ou enviá-los como</p><p>escravos à Portugal até, no máximo, 30 por ano. A Carta Foral tratava,</p><p>principalmente, dos tributos a serem pagos pelos colonos. Definia ainda,</p><p>o que pertencia à Coroa e ao donatário. Se descobertos metais e pedras</p><p>preciosas, 20% seriam da Coroa e, ao donatário caberiam 10% dos produtos</p><p>do solo. A Coroa detinha o monopólio do comércio do pau-brasil e de</p><p>especiarias. O donatário podia doar sesmarias aos cristão que pudessem</p><p>colonizá-las e defendê-las, tornando-se assim colonos.</p><p>Fonte: Wikipédia (2010a).</p><p>Ao longo dos séculos, a estrutura econômica brasileira foi se modificando,</p><p>de acordo com as necessidades da Coroa Portuguesa, o que ocasionou</p><p>as chamadas “produções típicas”, isto é, em cada período diferente</p><p>da história, determinados produtos alcançavam diferente destaque no</p><p>contexto econômico do país. Convencionou-se chamar tais períodos</p><p>de “ciclos econômicos”. Porém, nem todos esses ciclos eram agrícolas.</p><p>No entanto, a agricultura sempre desempenhou um importante papel</p><p>em todas essas fases. Os ciclos mais importantes são apresentados na</p><p>Figura 1:</p><p>Pau brasil</p><p>Cana de</p><p>açúcar</p><p>Gado e</p><p>couro</p><p>Mineração Borracha Café</p><p>Figura 1: Principais ciclos econômicos brasileiros.</p><p>Os objetivos dos ciclos econômicos, de certo modo, sempre foram</p><p>atender aos interesses da balança comercial da época, gerar divisas</p><p>e cobrir as importações de produtos manufaturados durante o período</p><p>colonial, mas, principalmente, durante o Império e a República Velha.</p><p>UNIUBE 75</p><p>Para Prado Junior (1987, p. 142-143), na agricultura colonial brasileira, é</p><p>preciso distinguir dois setores cujo caráter é inteiramente diverso:</p><p>[...] de um lado a grande lavoura, seja ela do açúcar,</p><p>do algodão, ou de alguns outros gêneros de menos</p><p>importância, que se destinam todos ao mercado</p><p>exterior. Doutro a agricultura de subsistência, isto é,</p><p>produtora de gêneros destinados à manutenção da</p><p>população do país, ao consumo interno [...]. A grande</p><p>lavoura representa o nervo da agricultura colonial; a</p><p>produção de gêneros de consumo interno – a mandioca,</p><p>o milho, o feijão, que são os principais – foi um a um</p><p>apêndice dela, de expressão puramente subsidiária.</p><p>É importante lembrar que, desde o período colonial, atender às necessidades</p><p>do mercado interno nunca foi prioridade da agricultura brasileira. Os ciclos</p><p>econômicos sempre priorizaram o mercado externo em detrimento ao</p><p>consumo nacional.</p><p>Caro(a) aluno(a), sabemos que decisões político-econômicas tomadas em</p><p>determinado momento podem ser refletidas gerações à frente. Assim, quais</p><p>seriam os reflexos dessa forma de organização econômica da história inicial</p><p>de nosso país nos dias atuais?</p><p>PARADA PARA REFLEXÃO</p><p>Alguns autores destacam que os problemas da fome e subnutrição que</p><p>atualmente existem no país estão interligados a essa fase na qual a produção</p><p>agrícola era destinada ao mercado externo. Além dos problemas agrários, que</p><p>também estão vinculados com a herança da organização territorial do modelo</p><p>de colonização.</p><p>Latifúndios ou grande propriedades rurais são áreas que possuem</p><p>extensão territorial superior a 15 módulos fiscais. Porém, o número de</p><p>módulos fiscais de um imóvel rural será obtido dividindo-se sua área</p><p>aproveitável total pelo módulo fiscal do município (o que varia de município</p><p>SAIBA MAIS</p><p>76 UNIUBE</p><p>para município). A área aproveitável do imóvel será aquela correspondente</p><p>à diferença entre a sua área total e a sua área não aproveitável.</p><p>Módulo fiscal de um imóvel = Área aproveitável / Módulo fiscal do</p><p>município</p><p>Exemplo:</p><p>Fazenda = 700 hectares (1hectare = 10 mil metros quadrados)</p><p>Área aproveitável = 540 hectares</p><p>Módulo fiscal do município X = 30 hectares</p><p>MFI = 540/30</p><p>MFI = 18 (área superior a 15 módulos fiscais = latifúndio).</p><p>Fonte: Canal (2011).</p><p>Para os colonos pobres, o acesso à terra só seria possível por meio da</p><p>posse, ou seja, pela ocupação. Contudo, muitas vezes, após inúmeras</p><p>tentativas inviáveis, a terra era abandonada.</p><p>Em 1822, foi suspensa a concessão de sesmarias e o direito dos</p><p>posseiros foi reconhecido, caso as terras estivessem efetivamente</p><p>cultivadas. Por um curto período, entre 1822 e 1850, a posse foi à única</p><p>via de acesso à apropriação legítima das terras públicas. Era uma via</p><p>que estava aberta tanto para os pequenos quanto para os grandes</p><p>proprietários.</p><p>Essa situação foi drasticamente modificada com a Lei de Terras de 1850,</p><p>que tornou a via da posse ilegal. A aquisição de terras públicas só poderia</p><p>ocorrer por meio da compra, ou seja, estas só poderiam ser adquiridas</p><p>por aqueles que tivessem condições de pagar por elas.</p><p>UNIUBE 77</p><p>Você compreende o efeito dessa lei, criada há mais de um século, no que</p><p>diz respeito ao nosso modo de produção agropecuário atual? Essa lei</p><p>nos ajuda a entender porque o Brasil possui uma grande concentração</p><p>de terra, latifúndios improdutivos, e uma grande massa de trabalhadores</p><p>rurais excluídos.</p><p>Seu efeito prático foi dificultar a formação de pequenos proprietários e</p><p>liberar a mão de obra para os grandes fazendeiros. Dessa maneira, foi</p><p>barrado o acesso à terra para a grande maioria do povo brasileiro, que,</p><p>sem opções, migrou para os centros urbanos ou</p><p>tornou-se boia fria. Outros continuaram no campo</p><p>como posseiros, numa situação de ilegalidade,</p><p>sem direito ao título de propriedade, muitas vezes</p><p>ocupando as terras devolutas, aquelas áreas que</p><p>não são registradas como propriedade particular e</p><p>que, por determinação constitucional – artigo 20,</p><p>inciso II –,</p><p>fazem parte do patrimônio da União.</p><p>A Lei de Terras de 1850 foi resultado de lutas políticas no interior da</p><p>política do Império. Seus resultados não avançaram para além das</p><p>condições possíveis, dentro deste ambiente de conflitos políticos e</p><p>disputas pelo poder do Estado. Os trinta primeiros anos do século XIX</p><p>marcam essa indisposição quanto à (re) definição da política de terras.</p><p>Um dos objetivos da lei foi impedir que os imigrantes e os trabalhadores</p><p>brancos pobres, negros libertos e mestiços tivessem acesso à terra, isto</p><p>é, a concentração da propriedade manteve-se como antes. Segundo</p><p>Prado Júnior (1987, p. 285-286):</p><p>[...] é a instabilidade que caracteriza a economia</p><p>e a produção brasileira e não lhes permite nunca</p><p>se assentarem sólida e permanentemente em</p><p>bases seguras [...]. Já assinalei essa evolução por</p><p>arrancos, por ciclos em que se alternam, no tempo</p><p>e no espaço, prosperidade e ruína, e que resume a</p><p>história econômica do Brasil Colônia. As repercussões</p><p>sociais de uma tal história foram nefastas: em cada</p><p>Boia fria ou</p><p>trabalhador</p><p>volante</p><p>Termos coloquiais</p><p>usados no</p><p>Brasil para os</p><p>trabalhadores rurais</p><p>que não possuem</p><p>propriedades de</p><p>terra.</p><p>78 UNIUBE</p><p>fase descendente, desfaz um pedaço da estrutura</p><p>colonial, desagrega-se a parte da sociedade atingida</p><p>pela crise. Um número mais ou menos avultado de</p><p>indivíduos inutiliza-se, perde suas raízes e base vital</p><p>de subsistência. Passará então a vegetar à margem da</p><p>ordem social.</p><p>Evolução das políticas públicas e agrícolas entre 1930-19543.2</p><p>Na década de 1930, em decorrência da crise econômica mundial,</p><p>provocada pela quebra da bolsa de Nova York, e do colapso do setor</p><p>cafeeiro brasileiro, surgiu um tímido processo de desenvolvimento</p><p>industrial que iria se consolidar no período do pós-guerra.</p><p>A crise gerada pela quebra da Bolsa de Valores de Nova York gerou uma</p><p>recessão que caracterizou um período de atividades econômicas reduzidas,</p><p>por declínio de vendas, produção, lucros e empregos. Isso ocasionou a</p><p>queda nos preços do café, resultando em uma grande crise dos cafeicultores</p><p>brasileiros e, por conseguinte, em todos os segmentos da economia, pois</p><p>o café era o principal produto de exportação e gerador de empregos da</p><p>época. Todas as atividades econômicas e produtoras giravam em torno da</p><p>cafeicultura. Com a queda, todos os demais setores da economia do país</p><p>entraram em recessão. Essa crise econômica e financeira desembocou na</p><p>crise política que culminou na Revolução de 1930.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>A quebra da Bolsa de Nova York ocorreu no dia 29 de outubro de 1929.</p><p>Esse dia é considerado o início da Grande Depressão, mas a produção</p><p>industrial americana já havia começado a cair desde julho daquele ano.</p><p>Isso provocou um período de leve recessão econômica que se estendeu até</p><p>29 de outubro, quando os valores das ações na bolsa de valores de Nova</p><p>York caíram drasticamente, desencadeando uma crise mundial. Milhares de</p><p>SAIBA MAIS</p><p>UNIUBE 79</p><p>acionistas perderam, literalmente, da noite para o dia, grandes somas em</p><p>dinheiro. Muitos perderam tudo o que tinham. Esta quebra na Bolsa de Nova</p><p>York piorou consideravelmente os efeitos da recessão já existente, causando</p><p>alta na inflação e queda nas taxas de venda de produtos que, por sua vez,</p><p>obrigaram o fechamento de inúmeras empresas comerciais e industriais,</p><p>elevando, assim, as taxas de desemprego.</p><p>Fonte: Wikipédia (2011c).</p><p>No entanto, as poucas indústrias da época passavam por inúmeros</p><p>problemas, bem como os trabalhadores, pois os que não eram demitidos</p><p>sofriam grandes reduções salariais. No meio rural, o cenário também</p><p>não foi diferente. A crise cafeeira realmente deixou enormes marcas</p><p>na economia brasileira. De acordo com D’Araújo (1997), no início do</p><p>governo Vargas, foram queimados cerca de 78 milhões de sacas de café,</p><p>uma quantidade suficiente, segundo alguns analistas, para abastecer</p><p>o mercado mundial por três anos. A Figura 2, a seguir, mostra como a</p><p>cotação do café caiu drasticamente no cenário econômico mundial.</p><p>5</p><p>4,5</p><p>1929 1933 1937</p><p>4</p><p>3,5</p><p>3</p><p>2,5</p><p>2</p><p>1,5</p><p>1</p><p>0,5</p><p>0</p><p>Figura 2: Cotação do café, em libras esterlinas, antes e após a crise de 1929.</p><p>80 UNIUBE</p><p>Para Delgado (1993), durante esse período, a agricultura se diversificou,</p><p>principalmente em São Paulo, com o cultivo da cana-de-açúcar que, até</p><p>então, era fortemente dominada pela economia nordestina. O sul passou</p><p>a receber incentivos à produção nacional de trigo e arroz. No nordeste,</p><p>a agroindústria canavieira tentou estabelecer as relações sociais com</p><p>os fornecedores, para garantir seu espaço no mercado interno mediante</p><p>ameaça do nascente açúcar paulista. Enquanto isso, o norte amazônico</p><p>perdia sua importância internacional para a concorrência asiática</p><p>na produção da borracha, embora mantivesse, regionalmente, a sua</p><p>produção na coleta e extração vegetal.</p><p>Com os inúmeros problemas urbanos e rurais do imenso território brasileiro,</p><p>que ainda não havia se integrado em um espaço econômico nacional,</p><p>buscou-se criar e colocar em prática projetos de desenvolvimento econômico</p><p>sob a bandeira do nacionalismo.</p><p>Vocês já leram algo sobre esse período do Brasil? Ou sobre como</p><p>Getúlio Vargas se tornou presidente no primeiro mandato? Lembre-se</p><p>que, nesse período, tanto o cenário econômico quanto político</p><p>estavam conturbados.</p><p>Getúlio Vargas se tornou presidente por meio de um movimento popular e</p><p>militar – a Revolução de 1930 – que derrubou o governo constitucional não</p><p>existente.</p><p>RELEMBRANDO</p><p>Nesse período, em meio a um cenário instável, foram criadas as</p><p>instituições federais e regionais encarregadas de fornecer dados</p><p>confiáveis para a ação do governo, como o Instituto Brasileiro de</p><p>Geografia e Estatística (IBGE), criado em 1938. Esse instituto, entre</p><p>outros, ajudariam o Estado a formular e a implementar suas políticas</p><p>UNIUBE 81</p><p>destinadas a vencer os “vazios demográficos” e a</p><p>pouca interação da rede urbana que era como um</p><p>arquipélago, onde cidades e regiões eram isoladas.</p><p>Foi nesse contexto que surgiu a Marcha para o</p><p>Oeste.</p><p>A redenção do sertão teria início com a ocupação</p><p>do território nacional, a partir da criação de</p><p>colônias agrícolas no interior do país, projeto que,</p><p>significativamente, mantinha intocada a estrutura</p><p>agrária desigual e concentrada.</p><p>Em 1941, foram tomadas as primeiras providências para a implantação</p><p>dessas colônias (a princípio a Colônia Agrícola de Ceres, em Goiás, e de</p><p>Dourados, no Mato Grosso do Sul) e a locação e vinda de funcionários.</p><p>Os primeiros colonos que estavam chegando, em âmbito nacional,</p><p>correspondem à primeira fase significativa do “Estado Novo”, marcada</p><p>em termos de política migratória, pela ocupação de espaços vazios e a</p><p>valorização do trabalhador nacional. No período de implantação, a ênfase</p><p>foi dada à abertura de estradas para que os primeiros serviços de saúde</p><p>e educação chegassem à região. O desbravamento da mata e a abertura</p><p>de caminhos rumo ao norte eram essenciais, não só a colonização, mas</p><p>a efetivação da palavra de ordem oficial da época era a “Marcha para o</p><p>Oeste”, conforme nos mostra Delgado (1993, p. 211-213):</p><p>[...] entre 1930 a 1945, o Governo Federal criou</p><p>várias instituições estatais, denominadas por produto</p><p>rural atendido, cobrindo um leque de políticas</p><p>agrícolas que ia muito além da mera articulação da</p><p>política econômica do Estado. Em 1931, foi criada a</p><p>Comissão de Defesa da Produção do Açúcar (CDPA),</p><p>posteriormente transformada no Instituto do Açúcar</p><p>e do Álcool, em 1933. Originalmente acionada como</p><p>estrutura de defesa da economia açucareira contra</p><p>as dificuldades internacionais criadas pela crise de</p><p>1929, o IAA evoluiu até se transformar no organismo</p><p>regulador da produção, dos preços e de sua distribuição</p><p>regional (São Paulo e Nordeste, basicamente), e ainda</p><p>no lócus de interação dos interesses dos proprietários</p><p>rurais e agroindustriais em conflito, função que lhe</p><p>foi explicitamente atribuída pelo Estatuto da Lavoura</p><p>Canavieira (1941).</p><p>Marcha para o</p><p>Oeste</p><p>Ação planejada</p><p>no governo</p><p>Vargas com o</p><p>intuito de atrair</p><p>habitantes</p><p>para região</p><p>Centro-Oeste</p><p>do país, ainda</p><p>pouco habitada e</p><p>desenvolvida.</p><p>82 UNIUBE</p><p>De acordo com Delgado (1993), entre as décadas de 1930 e 1940,</p><p>a centralização da política do Estado Nacional, junto com a política</p><p>agrícola do período, corretamente articuladas, mantinha os interesses</p><p>do Estado e das oligarquias agrárias regionais e setoriais, principalmente</p><p>após a Revolução de 1930. Essa centralização se deu em função</p><p>da federalização das políticas de fomento e defesa dos segmentos</p><p>rurais organizados, porém sempre com a presença do Estado, que se</p><p>caracterizava como centralizador, intervencionista, investidor e planejador.</p><p>De acordo com Beskow (1999), no segundo governo Vargas, foram</p><p>feitas algumas reformulações na estratégia de intervenção do Estado no</p><p>setor agropecuário, no sentindo de sua intensificação. Como exemplo,</p><p>podemos citar a criação da política de preços mínimos, em 1951. As</p><p>principais características dessa política foram:</p><p>• o estabelecimento anual dos preços mínimos para</p><p>os portos de embarque e os grandes centros de</p><p>consumo, com uma antecedência mínima de três</p><p>meses antes do plantio ou da semeadura, com as</p><p>despesas de transporte das áreas de produção</p><p>deduzidas do mutuário ou daquele que efetuasse a</p><p>operação com o governo federal;</p><p>• a utilização dos preços mínimos como critério</p><p>de referência para as operações de compra e de</p><p>financiamento;</p><p>• a destinação principal da política de preços mínimos</p><p>para os produtores ou suas cooperativas;</p><p>• por último, a criação de uma linha de crédito</p><p>especial para o financiamento da construção de</p><p>armazéns para os mutuários da política de preços</p><p>mínimos, a uma taxa de juros de 6% a.a. e prazo</p><p>de resgate de 10 a 25 anos. Cabe salientar que</p><p>no ano posterior, pela primeira vez, foi fixado</p><p>o preço mínimo para o algodão, sendo também</p><p>amplamente beneficiada a triticultura.(BESKOW,</p><p>1999, p. 57, grifo nosso).</p><p>Triticultura</p><p>Cultivo do trigo.</p><p>UNIUBE 83</p><p>O período que se estende de 1933 a 1955 marca uma nova fase de</p><p>transição da economia brasileira. Nesse período, o setor industrial vai</p><p>se consolidando gradativamente e o centro das atividades econômicas</p><p>começa vagarosamente a se deslocar do setor cafeeiro exportador para</p><p>a indústria. O setor industrial começa a assumir o comando do processo</p><p>de acumulação de capital: o país vai deixando de ser eminentemente</p><p>agrícola para ser industrial.</p><p>O desenvolvimentismo foi a ideologia que mais diretamente influenciou a</p><p>economia política brasileira. Segundo essa teoria, para transformar países</p><p>periféricos, todos ainda agroexportadores, em nações desenvolvidas e</p><p>com maior autonomia, era preciso incrementar a participação do Estado</p><p>na economia por meio do planejamento global, de modo a facilitar o</p><p>advento da industrialização nacional, deixando de lado a política de</p><p>incentivos às agroexportações.</p><p>Nesse contexto, toma importância o Plano de Metas do governo de</p><p>Juscelino Kubitschek, considerado por diversos autores a primeira</p><p>experiência de planejamento estatal posta em prática no Brasil. Nela,</p><p>o governo incentivou, pela primeira vez, a importação de maquinários e</p><p>insumos, o que ajudou no início da modernização agrícola. Assim, o</p><p>nacionalismo da era Vargas passa a ser substituído pelo desenvolvimentismo</p><p>do governo de Kubitschek (1956 -1961).</p><p>3.3 O processo de modernização no campo durante as</p><p>décadas de 1970 e 1980</p><p>Vejamos o que diz Brum (2003, p. 424):</p><p>Somos um país extenso e com abundantes recursos</p><p>naturais, mas muito desigual, com acentuados</p><p>desequilíbrios sociais e regionais. O crescimento</p><p>econômico realizado não se fez acompanhar de</p><p>um desenvolvimento social equitativo. Não somos</p><p>propriamente um país subdesenvolvido; somos um país</p><p>injusto.</p><p>84 UNIUBE</p><p>Somente a partir da década de 1960 é que o governo passa realmente a</p><p>atribuir devida importância às atividades agrícolas, porém com interesses</p><p>em produzir combustível em função do proálcool e de abastecer a</p><p>industrialização acelerada que passava a exigir gêneros agrícolas</p><p>em grandes quantidades, por exemplo, a soja e o algodão, que eram</p><p>destinadas simplesmente para atender às transnacionais como a Sanbra.</p><p>Foi também durante os governos militares (1964-1985) que se investiu</p><p>nas pesquisas de melhoramento da produtividade agrícola, porém a</p><p>maioria das pesquisas era voltada para gêneros alimentícios que faziam</p><p>parte da balança comercial.</p><p>Sanbra</p><p>Na década de 1930, foi instalada, em Bauru/SP, uma unidade processadora</p><p>de trigo da S.A. Moinho Santista, empresa do grupo Bünge. Em 1951, essa</p><p>unidade foi adaptada e ampliada para o processamento de algodão, sendo</p><p>seu patrimônio incorporado à Sanbra – Sociedade Algodoeira do Nordeste</p><p>Brasileiro, também do grupo Bünge.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Durante as décadas de 1960 e 1970, a agricultura brasileira, além</p><p>do crescimento extensivo, passou a apresentar também crescimento</p><p>intensivo, que foi evidenciado, respectivamente, pelo alcance de novas</p><p>fronteiras agrícolas com a incorporação das áreas de cerrado e pela</p><p>utilização de novas tecnologias. Cultivos que, até então, não eram</p><p>comuns em certas regiões, como é o caso da soja, foram introduzidos</p><p>substituindo o antigo padrão praticado nas áreas de cerrado: pecuária</p><p>extensiva e produção de alimentos básicos.</p><p>Diversos eventos atuaram para modificar o perfil e a estrutura da</p><p>produção agrícola do país. A partir de 1965, houve a consolidação de um</p><p>parque industrial nacional, a instauração de um estilo de desenvolvimento</p><p>visando a modernização conservadora, extremamente divulgada pelos</p><p>UNIUBE 85</p><p>pensadores da CEPAL (Comissão Econômica para América Latina</p><p>e o Caribe), a fase ascendente do ciclo econômico de crescimento</p><p>denominado milagre econômico, a ampliação do crédito rural subsidiado e</p><p>de outros incentivos à produção agrícola, a internacionalização do pacote</p><p>tecnológico da Revolução Verde, a melhoria dos preços internacionais</p><p>para produtos agrícolas etc.</p><p>Nessa época, os Planos Nacionais de Desenvolvimento destinaram</p><p>recursos em abundância à agricultura. Aqueles que quisessem comprar</p><p>terras e maquinário obtinham subsídios em até 100% dos juros. Foi</p><p>nesse período, entre 1965 e 1975, que se viu o maior desenvolvimento</p><p>do setor rural no Brasil até então. Com a facilidade de aquisição de</p><p>crédito, houve também o aumento da concentração de terras nas mãos</p><p>de poucos, pois esses tinham acesso facilitado aos financiamentos e</p><p>podiam comprar maior quantidade de terras. Os produtores de Goiás</p><p>contam que, nessa época, se comprava o alqueire de terra a R$ 100,00,</p><p>em preço atualizado. Como se supunha que o cerrado não era propício</p><p>para o plantio, os preços eram extremamente subfaturados (FERREIRA;</p><p>FERNANDES FILHO, 2003).</p><p>“Milagre Econômico” – era expressão utilizada para designar o rápido</p><p>crescimento das economias do Japão e da Alemanha depois da II Guerra</p><p>Mundial. No caso do Brasil, o “milagre brasileiro” pode ser visto como uma</p><p>leitura superficial dos dados econômicos, que não levou em conta variáveis</p><p>sociais e de comprometimento futuro do país. Por exemplo, tal “milagre”</p><p>só foi possível mediante brutal arrocho salarial da mão de obra menos</p><p>qualificada, além de enorme aumento do endividamento externo do Brasil</p><p>e, consequentemente, da dependência econômica de capitais externos, que</p><p>persiste ainda no século XXI.</p><p>Fonte: Tamdjian e Mendes (2004, p. 187).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>86 UNIUBE</p><p>Outra medida que o governo tomou nessa época foi a de aumentar a</p><p>quantidade de pesquisas, visando o aumento da produtividade no país,</p><p>já que a fronteira agrícola estava avançando em direção ao cerrado</p><p>e este era considerado improdutivo devido às suas características.</p><p>Era preciso aumentar a verba para pesquisas de desenvolvimento de</p><p>insumos e fertilizantes que ajudassem a contribuir com o aumento da</p><p>produtividade nesses campos. Para isso, em 1971, o governo federal</p><p>cria o Departamento Nacional de Pesquisas Agropecuárias (DNPEA).</p><p>Entretanto, em abril de</p><p>VIII UNIUBE</p><p>Capítulo 4 Segundo reinado: uma abordagem política do império de</p><p>Pedro II .............................................................................113</p><p>4.1 O golpe da maioridade ........................................................................................114</p><p>4.2 Conhecendo o homem Pedro II ...........................................................................117</p><p>4.3 A crise partidária imperial e seus desdobramentos .............................................121</p><p>4.4 O parlamentarismo no Segundo Reinado ...........................................................125</p><p>4.5 A política externa do Segundo Reinado ..............................................................126</p><p>4.5.1 A Inglaterra e suas ações coercitivas em relação ao Império brasileiro ...126</p><p>4.6 As questões platinas ............................................................................................129</p><p>4.7 A Lei de Terras em 1850 ......................................................................................135</p><p>4.8 A era Mauá ...........................................................................................................137</p><p>4.9 O processo de transição de monarquia para a república no final do século XIX .....142</p><p>Capítulo 5 A importância do café no Segundo Reinado e as</p><p>transformações socioeconômicas e culturais ...................151</p><p>5.1 O Império é o café ...............................................................................................153</p><p>5.1.1 A marcha do café – o império do Vale .......................................................157</p><p>5.1.2 O Oeste paulista.........................................................................................161</p><p>5.2 O Império não era só o café ................................................................................164</p><p>5.3 Viver no Império: a cultura, o lazer, a intelectualidade e a memória ..................167</p><p>Capítulo 6 Um novo olhar sobre o rural: agronegócio, turismo e</p><p>pluralidade ........................................................................175</p><p>6.1 Turismo: desconstruindo e construindo o conceito .............................................178</p><p>6.1.1 Quais os marcos de um novo conceito?....................................................179</p><p>6.2 Repensando o conceito das categorias espaciais ..............................................180</p><p>6.2.1 Reexaminando os aspectos da “Paisagem” ..............................................181</p><p>6.2.2 A relação do turismo com as paisagens ....................................................182</p><p>6.2.3 As paisagens e suas representações ........................................................183</p><p>6.3 A categoria “lugar” e as atividades turísticas .......................................................186</p><p>6.4 Turismo e cultura: dois conceitos em conflito! .....................................................188</p><p>6.4.1 Cultura e modos de vida: a relação humana com o ambiente ..................191</p><p>6.5 O Turismo na contramão do “espaço vivido” .......................................................192</p><p>6.5.1 Turismo: desafios e possibilidades da sustentabilidade ............................194</p><p>6.6 O planejamento turístico demanda planejamento urbano/ambiental/industrial ..198</p><p>6.6.1 O inchamento das cidades e do ambiente urbano ....................................199</p><p>6.7 As cidades e o uso do solo urbano .....................................................................200</p><p>6.7.1 A necessidade premente de planejamentos urbano-industriais ................203</p><p>6.7.2 Tecnologias, uso, transformação e ocupação eficientes do ambiente urbano ....205</p><p>6.7.3 O planejamento das atividades turísticas ..................................................207</p><p>Apresentação</p><p>Caro(a) aluno(a).</p><p>É com grande prazer e satisfação que lhes apresentamos o nosso</p><p>livro de Geografia Agrária. Nele, abordaremos as transformações que</p><p>ocorrem no espaço geográfico em decorrência das questões agrárias e</p><p>agrícolas, políticas e econômicas, enfim, do desenvolvimento de toda a</p><p>cadeia produtiva que move a sociedade dos tempos atuais: a sociedade</p><p>capitalista.</p><p>Portanto, discutiremos aqui, a evolução da dinâmica do processo</p><p>produtivo tanto no espaço agrário como no espaço urbano. Para que</p><p>todos os assuntos abordados possam ser entendidos com clareza,</p><p>faremos uma leitura crítica das entrelinhas de todo o processo histórico</p><p>das relações trabalho e produção no campo e, consequentemente, sua</p><p>influência no cenário político-econômico brasileiro.</p><p>Este livro se compõe de seis capítulos, cada um deles desenvolvendo</p><p>um aspecto da problemática aqui abordada de modo que, ao final, você</p><p>possa ter uma visão de conjunto dos assuntos tratados. A seguir, uma</p><p>síntese de cada um dos capítulos.</p><p>O primeiro capítulo, intitulado “Questão agrária e questão agrícola</p><p>brasileira- relações de trabalho e produção no campo”, trata do debate</p><p>que remonta à história da ocupação agrícola no Brasil, à relação de</p><p>dependência do nosso país das principais demandas por produtos</p><p>agrícolas nos países industrializados, em especial o continente europeu.</p><p>Sua leitura permite a avaliação da introdução da economia capitalista no</p><p>campo brasileiro, a análise da introdução e evolução das tecnologias no</p><p>espaço agrário e o levantamento dos aspectos acerca das condições</p><p>de trabalho no campo, bem como faz uma leitura do aparecimento dos</p><p>movimentos sociais nessa área, aliados à bandeira da “Luta pela terra”.</p><p>O capítulo analisa, criticamente, a organização do espaço rural brasileiro</p><p>pela perspectiva agrária e agrícola, associando a evolução da distribuição</p><p>das terras no Brasil às desigualdades sociais evidenciadas nos espaços</p><p>agrários e urbanos. Por fim, identifica as relações de interdependência</p><p>entre espaço rural e espaço urbano.</p><p>Já no capítulo dois, “A organização da produção agrícola e suas</p><p>atividades – analogias entre agricultura familiar, complexos agroindustriais</p><p>e biotecnologias”, os autores tratam da atividade agrícola de forma</p><p>expressiva, porém, restrita a alguns pontos, pois essa atividade é uma</p><p>das mais antigas da história da humanidade e não é possível abordá-la</p><p>em profundidade em um único capítulo.</p><p>Este capítulo debaterá o processo de produção agrícola destacando</p><p>algumas modalidades, como a agricultura familiar, os complexos</p><p>agroindustriais e as biotecnologias, cujas particularidades contribuem</p><p>para um melhor entendimento da evolução da agricultura no Brasil e no</p><p>mundo.</p><p>No terceiro capítulo, “Modernização agrícola e políticas no meio rural:</p><p>1930-1990”, você conhecerá quais foram os critérios e as políticas</p><p>públicas desenvolvidas no meio rural de 1930 a 1990, os fatores que</p><p>levaram à modernização agrícola e a superação do meio rural.</p><p>Já os capítulos quatro e cinco atuam em conjunto de forma a delinear</p><p>para nós uma espécie de introdução ao processo histórico-geográfico de</p><p>implantação da fronteira agrícola no Brasil.</p><p>O capítulo quatro, “Segundo Reinado: uma abordagem política do Império</p><p>de Pedro II”, faz uma abordagem das questões relativas ao Segundo</p><p>Reinado, que durou até 1889, quando foi proclamada a República.</p><p>Durante esse período ocorreram fatos importantes, como as leis que</p><p>foram aos poucos abrandando a escravidão até sua extinção total, a falta</p><p>de participação popular nos destinos do país e a Guerra do Paraguai.</p><p>Já o capítulo cinco, “A importância do café no Segundo Reinado e as</p><p>transformações socioeconômicas e culturais”, trata mais especificamente</p><p>das questões relativas ao café propriamente dito, do trabalho escravo,</p><p>da imigração e dos coronéis na República.</p><p>Finalmente no sexto e último capítulo, intitulado “Um novo olhar sobre</p><p>o rural: agronegócio, turismo e pluralidade, você conhecerá uma</p><p>modalidade alternativa de turismo denominada “Turismo Rural”. Esta</p><p>atividade será apresentada como uma alternativa de renda para os</p><p>pequenos produtores rurais, que poderá ser explorada com sucesso,</p><p>desde que se tenha</p><p>1972, foi constituído um grupo de trabalho</p><p>responsável por definir os principais objetivos e funções da pesquisa</p><p>agrícola, em consonância com as necessidades do desenvolvimento</p><p>nacional.</p><p>Como resultado, esse grupo de trabalho publicou um relatório onde</p><p>sugeria uma transformação institucional do DNPEA, com a criação de</p><p>um novo modelo de sistema setorial, cujo órgão central caberia a uma</p><p>entidade de administração indireta, constituída na forma de empresa</p><p>pública com as atribuições de formular, coordenar, programar, executar</p><p>e avaliar a política e as atividades de pesquisa agropecuárias no Brasil.</p><p>No mesmo ano, foi criada a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária</p><p>(Embrapa), empresa pública, de direito privado, vinculada ao Ministério</p><p>da Agricultura, com autonomia administrativa e financeira. Mais que um</p><p>órgão de execução da pesquisa agropecuária, a criação da Embrapa</p><p>pôs em destaque a intenção do Estado em modernizar a agricultura</p><p>brasileira. A constituição do órgão tratou de estabelecer um mecanismo</p><p>institucional, sob sua responsabilidade, para conduzir o processo de</p><p>desenvolvimento e crescimento desse seguimento científico.</p><p>Para quem quiser conhecer o trabalho da Embrapa, é só visitar seu site:</p><p><www.embrapa.br>.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>UNIUBE 87</p><p>Como você pôde observar, as grandes transformações técnico-</p><p>econômicas e sociais na agricultura não resultaram da ação “livre” das</p><p>forças do mercado, mas, sim, das grandes intervenções feitas pelo</p><p>Estado, principalmente nas décadas de governo militar. Como se sabe,</p><p>a produção capitalista na agricultura tem especificidades decorrentes da</p><p>importância da base natural e da propriedade privada da terra, tais como</p><p>maior rigidez para a estruturação do capital, maior tempo de rotação,</p><p>dificuldade de compatibilizar os fluxos de gastos com os fluxos de receitas</p><p>etc. Uma das consequências dessas especificidades é a necessidade de</p><p>um esquema de financiamento que as leve em conta, principalmente no</p><p>que se refere a prazos, custeios etc.</p><p>Nessas condições, o capital mercantil-usuário, ocupava um espaço</p><p>privilegiado que se, por um lado, tem um caráter progressista – aumentar</p><p>o grau de mercantilização da produção, ampliar</p><p>os mercados, financiar, direta ou indiretamente, a</p><p>produção – por outro lado, se colocava como um</p><p>obstáculo às transformações mais profundas na</p><p>organização da produção.</p><p>Além da modernização em si, a integração da agricultura ao circuito</p><p>financeiro é mais abrangente do que a simples integração técnica</p><p>intersetorial. Isso implicou a mais completa subordinação da agricultura</p><p>ao poder regulador da política monetária manejada pelo Estado e colocou</p><p>o mercado financeiro como parâmetro básico das tomadas de decisão</p><p>dos agricultores e empresas operando na agricultura.</p><p>Nessa mesma linha de pensamento, Graziano da Silva e Kageyama</p><p>(1989) destacam o contraditório desenvolvimento capitalista na economia</p><p>brasileira, que é marcado por profundas disparidades regionais e crescentes</p><p>desigualdades sociais principalmente em relação à distribuição de renda.</p><p>Mercantil</p><p>Relativo a</p><p>mercadorias;</p><p>mercante; referente</p><p>ao comércio;</p><p>comercial.</p><p>88 UNIUBE</p><p>Então, perguntamos a você: como se caracteriza atualmente a</p><p>distribuição de terras pelo país?</p><p>Se observarmos, nesse sentido, a agricultura tem contribuído</p><p>para agravar esses contrastes, promovendo a concentração</p><p>fundiária e o uso especulativo da terra.</p><p>A modernização conservadora, que ocorreu no Brasil a partir da década</p><p>de 1960, caracteriza-se pela modernização da base técnica da produção</p><p>agrícola, a qual estimulava a elevação do consumo de insumos agrícolas</p><p>no setor, a partir da importação com o apoio do Estado, resultando, de</p><p>certa forma, na integração agricultura/indústria, proporcionando, dessa</p><p>maneira, o desenvolvimento dos Complexos Agroindustriais – CAIs</p><p>(GRAZIANO DA SILVA; KAGEYAMA, 1989).</p><p>Com a integração da agricultura ao mercado financeiro, o Estado passou</p><p>a desempenhar um papel extremamente relevante na determinação</p><p>das condições de operação do setor agrícola, uma vez que controlava</p><p>variáveis básicas que influenciam as expectativas dos produtores em</p><p>relação à rentabilidade futura e, a partir da diferenciação de taxas de</p><p>lucros esperadas, a própria composição do produto agrícola.</p><p>Portanto, concluímos que a política de crédito agrícola praticada pelos</p><p>governos, no período destacado, pode ser dividida, de modo geral, em</p><p>dois momentos:</p><p>• o primeiro momento vai da criação do Sistema Nacional de Crédito</p><p>Rural (SNCR), em 1965, até o final da década de 1970, que</p><p>corresponde ao movimento de implantação/consolidação do padrão</p><p>integrado de crescimento da agricultura e, nesse período, o crédito</p><p>agrícola total cresceu vertiginosamente;</p><p>UNIUBE 89</p><p>• o segundo momento definiu-se a partir de 1979, quando as mesmas</p><p>variáveis que permitiram a rápida expansão do volume de crédito</p><p>determinaram a sua retração. A política de ajuste adotada diante de</p><p>desequilíbrios macroeconômicos internos afetou fortemente as duas</p><p>fontes de crédito rural: o governo, preocupado com o grande déficit</p><p>público, retraiu suas linhas de crédito, enquanto o setor bancário</p><p>diminuiu a captação de recursos, devido às altas taxas de juros e a</p><p>inflação que atingia o país naquele momento.</p><p>Com relação aos programas de desenvolvimento incentivados pelo</p><p>governo, destacamos o Polocentro (Programa de Desenvolvimento</p><p>dos Cerrados) e o Prodecer (Programa de Cooperação Nipo-brasileira</p><p>para Desenvolvimento dos Cerrados). A partir desses programas, foi</p><p>possível promover a capitalização da agricultura nos cerrados, o que</p><p>contribuiu tanto para o incremento da produção quanto para um aumento</p><p>da produtividade e, consequentemente, da competitividade da sua</p><p>agricultura com relação ao restante do país.</p><p>Dentre os programas destinados ao cerrado, o Prodecer talvez seja o</p><p>que mais promoveu a ocupação deste, estando em desenvolvimento de</p><p>1979 até os dias atuais.</p><p>Alguns autores como Graziano da Silva (1996), Oliveira (1994) e Brum</p><p>(2003) concordam que, no início dos anos de 1980, a grave crise no setor</p><p>econômico, em função de diversos motivos internos e externos, diminuiu</p><p>sensivelmente o ritmo de desenvolvimento social e econômico, os quais</p><p>passaram por penosos anos de estagnação e recessão.</p><p>Já no final da década de 1970, verificava-se uma inflação de 10% a.a. e</p><p>declínio do PIB. Com a crise de 1982, após a moratória do México, o</p><p>fluxo de capitais externos no Brasil reduziu drasticamente.</p><p>90 UNIUBE</p><p>Moratória do México: durante a década de 1970, o crédito barato e</p><p>abundante estimulou o endividamento dos países latino-americanos. Esse</p><p>dinheiro permitiu que fossem realizados grandes investimentos sem que as</p><p>importações aumentassem muito. Esse cenário possibilitou que os países</p><p>tivessem grandes taxas de crescimento econômico. No Brasil, esse período</p><p>é conhecido como “milagre brasileiro”. Apesar do grande crescimento</p><p>econômico experimentado pelo México no final da década de 1970, a sua</p><p>economia ainda era vulnerável e altamente dependente da economia norte</p><p>-americana. Grande parte do comércio e financiamento eram realizados</p><p>com o vizinho do norte. Os problemas surgiram quando o governo norte</p><p>-americano foi obrigado a aumentar substancialmente as suas taxas de</p><p>juros, devido às crises do petróleo que haviam levado a inflação a níveis</p><p>insuportáveis, provocando a primeira recessão do pós-guerra. A retração</p><p>norte-americana provocou uma diminuição das compras de produtos</p><p>mexicanos e na oferta de financiamento; juntou-se a isso a queda no preço</p><p>das principais commodities exportadas pelo México. Este processo culminou</p><p>com a interrupção dos pagamentos da dívida por parte do México no mês</p><p>de setembro de 1982.</p><p>Fonte: Wikipédia (2011b)</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Com a drástica diminuição dos investimentos externos no país, as cartas</p><p>de intenções ao FMI multiplicaram-se impondo constantes arrochos</p><p>salariais e cortes nas importações. Em 1983, a inflação saltou para</p><p>160% ao ano. Os gastos</p><p>no setor agrícola acompanharam a recessão,</p><p>reduzindo-se drasticamente até 1983/84. Em 1987, os investimentos</p><p>voltaram, após a implantação do Programa de Abastecimento, que</p><p>ultrapassou os U$7,6 bilhões.</p><p>No cenário político, ocorreu a campanha para as eleições diretas. Com a</p><p>crise econômica, era impossível o regime militar continuar e o fracasso do</p><p>Plano Cruzado, lançado em 1986, gerou uma instabilidade muito grande</p><p>no país. A política econômica era “empurrar com a barriga”.</p><p>UNIUBE 91</p><p>O Plano Cruzado foi um plano econômico lançado em 1986 pelo governo</p><p>do presidente José Sarney. O plano mudou a moeda do Brasil de cruzeiro</p><p>para cruzado e, posteriormente, para o cruzado novo, congelou os preços</p><p>e salários. O objetivo principal do plano foi a contenção da inflação e, para</p><p>isso, foram adotadas algumas medidas como:</p><p>• substituição da moeda do Brasil de cruzeiro para cruzado e divisão do</p><p>valor de face por mil, fazendo Cr$ 1.000,00 = Cz$ 1,00;</p><p>• o congelamento de preços pelo prazo de um ano, isto é, a fixação de</p><p>todos os preços do varejo nos valores praticados em 20 de fevereiro</p><p>de 1986, medida adotada para eliminar a memória inflacionária. O</p><p>congelamento era fiscalizado por cidadãos que ostentavam, orgulhosos,</p><p>bottoms de “fiscal do Sarney”, depredavam estabelecimentos que</p><p>aumentavam preços e chegaram a dar voz de prisão a gerentes de</p><p>supermercados.</p><p>Fonte: Wikipédia (2011d)</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Nas safras de 1978/79, 1980/81 e 1982/83, houve problemas por razões</p><p>climáticas, obrigando o governo a realizar grandes importações de</p><p>alimentos básicos. No período de 1981/85, as políticas de câmbio e de</p><p>salários foram extremamente importantes, pois permitiram redirecionar</p><p>a produção agrícola para a obtenção de excedentes exportáveis</p><p>(estímulo à produção). A política de crédito rural aumentou cerca de 30%,</p><p>favorecendo os produtos ligados à balança comercial decorrentes da</p><p>política de preços mínimos. A seca no Centro-Sul do país se traduziu</p><p>em fortes pressões inflacionárias no início de 1986 e o Plano Cruzado</p><p>se apoiou na desindexação e o tabelamento de preços pelo prazo de</p><p>um ano. Desse modo, a estabilização induziu os agricultores a novos</p><p>investimentos e o resultado foi um consequente e grande endividamento</p><p>do setor.</p><p>92 UNIUBE</p><p>O setor agrícola foi profundamente afetado pelo agravamento do quadro</p><p>macroeconômico, principalmente em função das estratégias (choques,</p><p>moeda indexada) para controlar a inflação. Ao final dos anos 1980, o</p><p>setor agrícola se tornou a principal vítima do descontrole inflacionário.</p><p>O lento crescimento da área de lavoura e do rebanho bovino, a recessão</p><p>sobre a economia, a redução dos créditos subsidiados, o caráter desigual</p><p>e excludente da modernização, junto com a incorporação de novas</p><p>tecnologias, formam um conjunto de fatores que atingiram fortemente o</p><p>setor agrícola, ao final da década de 1970, ao longo da década de 1980</p><p>e início da década de 1990.</p><p>Em relação ao Plano Nacional de Reforma Agrária (PNRA), havia duas</p><p>representações: a forma-legal e a real. A primeira se fazia pela CNA</p><p>(Confederação Nacional da Agricultura) e a segunda por organizações</p><p>civis ou cooperativas. Essas entidades queriam uma “política agrícola”</p><p>ampla que englobasse a política agrária. No entanto, a reforma agrária,</p><p>de fato, não ocorreu por vários motivos, dentre os principais:</p><p>• fraqueza da organização dos trabalhadores do campo em contraste</p><p>com a burguesia agrária;</p><p>• legislação (Estatuto da Terra) que impunha a desapropriação caso</p><p>a caso, impedindo que o PNRA tivesse caráter de massa;</p><p>• diferença entre a luta pela terra e a luta contra o latifúndio.</p><p>Para Oliveira (1994), a estrutura fundiária brasileira, herdada do regime</p><p>das capitanias/sesmarias, foi muito pouco alterada ao longo desses 500</p><p>anos de história do Brasil e, particularmente, na segunda metade do</p><p>século XX, o processo de incorporação de novos espaços – assaltados,</p><p>tomados das nações indígenas – tem feito aumentar ainda mais a</p><p>concentração das terras em mãos de pouco proprietários.</p><p>UNIUBE 93</p><p>Na distribuição de renda o que se constata é que a concentração de</p><p>renda no campo foi brutal, porém houve redução nos níveis de pobreza</p><p>entre as pessoas que permaneceram no campo. Isso foi consequência,</p><p>principalmente, do crescimento mais rápido do rendimento médio por</p><p>pessoa ativa na agropecuária, que praticamente dobrou entre 1970-1980.</p><p>Os dados indicam que o Plano Cruzado teve, em curto prazo, importantes</p><p>efeitos benéficos sobre a distribuição de renda. O setor foi beneficiado</p><p>por um crescimento geral da demanda por produtos agrícolas e pelo grande</p><p>crescimento das oportunidades de empregos no setor urbano, possibilitando</p><p>que os trabalhadores rurais obtivessem maiores rendimentos. Porém, em</p><p>1987, os salários rurais desabaram, registrando uma pequena recuperação</p><p>com o Plano Verão, para cair drasticamente a partir do segundo semestre</p><p>de 1989, atingindo em 1990, o ponto mais baixo de toda a década</p><p>(BRUM, 2003).</p><p>Você sabe o que mudou em termos de política agrícola com a</p><p>eleição de Collor?</p><p>Com o governo Collor, foi anunciada uma nova política agrícola, no</p><p>entanto, o que realmente ocorreu foi a implantação de novas regras</p><p>para o crédito rural e para os preços mínimos. A “nova política agrícola”</p><p>era de ordem liberal, revelando-se desastrosa no seu primeiro ano.</p><p>Em julho de 1991, o governo inverteu a política agrícola, o pacote, o</p><p>que agradou aos produtores, e só deixou uma dúvida: até que ponto o</p><p>Estado teria condições financeiras para continuar desempenhando esse</p><p>papel nos anos futuros? Essa nova política representou o abandono das</p><p>políticas agrícolas implantadas na década de 1980, tanto em relação aos</p><p>dispêndios totais quanto aos efetivos.</p><p>94 UNIUBE</p><p>Para Oliveira (1994), o desenvolvimento capitalista se faz movido pelas</p><p>suas contradições. Ele é, portanto, em si, contraditório e desigual. Desse</p><p>modo, todos os investimentos que o Estado fez na política econômica do</p><p>país ao longo das décadas de 1960 e 1970 sofreram fortes recessões</p><p>ao longo da década seguinte até o início dos anos de 1990. Esse</p><p>desenvolvimento capitalista desigual e articulado, ao mesmo tempo em</p><p>que proporcionou a modernização e a industrialização conservadora no</p><p>meio rural, por outro lado, afetou drasticamente as relações de trabalho</p><p>no campo, passando a contratar ou não, trabalhadores parceiros ou</p><p>camponeses, convertendo essas relações sociais do meio rural em</p><p>mercadorias.</p><p>3.4 As modificações no meio rural a partir da década de</p><p>1990: tecnologia e agricultura</p><p>Bem, depois do crédito farto da década de 1970 e da crise da década de</p><p>1980, a agricultura precisava dar uma “virada” nos rumos. E, nesse caso,</p><p>só havia um jeito de conseguir essa façanha: mudar toda a tecnologia.</p><p>Isso mesmo! Por que não termos uma “Revolução Verde”, nos moldes</p><p>da Revolução Industrial?</p><p>As alterações tecnológicas provocam grandes mudanças nos setores</p><p>em que elas acontecem, os modos de produção são alterados,</p><p>produtos eliminados e novos e promissores negócios são criados.</p><p>Quando o homem desenvolveu a máquina a vapor, permitiu multiplicar</p><p>a força do trabalho, passando da tração animal para as máquinas e,</p><p>posteriormente, a outras energias: nuclear, elétrica e termoelétrica.</p><p>Com novas tecnologias, produtos são substituídos, como ocorreu com a</p><p>máquina de escrever com o advento dos computadores pessoais e seus</p><p>processadores de texto. Além disso, as alterações do padrão tecnológico</p><p>fazem surgir novos produtos e mercados, como exemplo, podemos citar</p><p>os telefones celulares e as empresas “ponto com”.</p><p>UNIUBE 95</p><p>Antes de abordar o que Pinazza e Alimandro (1999) chamam de</p><p>primeira e segunda Revolução Verde, faremos um paralelo destas com</p><p>a economia, buscando uma ligação da geografia rural com a economia.</p><p>Nesse sentido, vamos enfocar a primeira e segunda Revolução Verde,</p><p>separadamente. A primeira Revolução Verde está relacionada com os</p><p>aumentos de produtividade via novas técnicas de produção,</p><p>estando</p><p>diretamente relacionada com a economia neoclássica, pois busca uma</p><p>maior eficiência econômica da produção de alimentos. A economia</p><p>neoclássica utiliza a teoria marginalista, ou seja, a lei do rendimento</p><p>crescente e decrescente. Para melhor compreender esse enfoque,</p><p>tomaremos o exemplo da aplicação de calcário em uma área de soja.</p><p>Os volumes recomendados para os tipos de solo são resultados de várias</p><p>pesquisas. Se o produtor utilizar mais calcário que o recomendado, terá</p><p>rendimentos decrescentes, pois gastará mais e sem nenhum aumento</p><p>de rendimento.</p><p>A segunda Revolução Verde está relacionada com a biotecnologia que</p><p>proporcionou um novo ciclo de crescimento para os alimentos. Podemos</p><p>relacionar tal período com a economia da inovação, desenvolvida por</p><p>Joseph Schumpter, e o termo por ele criado: a destruição criadora.</p><p>3.4.1 A primeira Revolução Verde</p><p>Segundo Pinazza e Alimandro (1999), a década de 1930 foi o período</p><p>áureo da primeira Revolução Verde, seu principal expoente foi o</p><p>agrônomo Norman Boularg, a ponto de ser agraciado com o Nobel da</p><p>Paz de 1970. Nesse período, acreditava-se que a erradicação da fome</p><p>poderia trazer a paz entre os povos, problemas estes herdados das</p><p>guerras e que não haviam sido superados.</p><p>Entretanto, como citam Pinazza e Alimandro (1999), entre a teoria e a prática,</p><p>esta primeira Revolução Verde acumulou dois grandes desencantos:</p><p>96 UNIUBE</p><p>• tinha uma visão estreita do problema da alimentação, preocupando-se</p><p>excessivamente com a produção, esquecendo a distribuição</p><p>e o acesso das pessoas à alimentação, pois um país com</p><p>autossuficiência alimentar não traz, por consequência, a situação</p><p>em que todos seus cidadãos estejam livres da fome e subnutrição;</p><p>• o segundo desencanto está na falta de capacidade tecnológica e</p><p>financeira dos países menos desenvolvidos, justamente onde há a</p><p>massa de famintos.</p><p>Apesar dos prós e contras, os países apresentaram grandes aumentos de</p><p>produtividade em suas culturas. Um setor que apresentou um excelente</p><p>ganho de produtividade, e destacado por Pinazza e Alimandro (1999),</p><p>foi a avicultura de corte, pois o ciclo da produção diminuiu e o peso das</p><p>aves aumentaram. No Brasil, temos exemplos desse desenvolvimento</p><p>na produtividade da avicultura, a partir da parceria das empresas com</p><p>os produtores rurais consorciados. Entre eles, podemos citar a Sadia,</p><p>Perdigão e Avipal.</p><p>Pinazza e Alimandro (1999), analisando a obras de Malthus, citam que,</p><p>em sua primeira versão, era focada pela assimetria entre o crescimento</p><p>demográfico e o crescimento da produção, ou seja, enquanto o primeiro</p><p>crescia em progressão geométrica, o segundo aumentava em vagarosa</p><p>progressão aritmética. Portanto, a produção de alimentos não conseguiria</p><p>atender a demanda causada pelo aumento da população. Os mesmos</p><p>autores continuam abordando a obra de Malthus que, em uma segunda</p><p>versão, abrandou o tema apocalíptico, passando a considerar uma gama</p><p>mais ampla de fatores agrícolas e demográficos. Dentre os críticos de</p><p>Malthus, destacamos Willian Godwind, afirmando que o erro da sua obra</p><p>era ignorar a criatividade humana para produzir novos conhecimentos.</p><p>UNIUBE 97</p><p>Thomas Robert Malthus (1766-1834)</p><p>Economista inglês que estudou a relação entre o crescimento populacional</p><p>e a produção de subsistência.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>O tema da relação entre aumento populacional e produção sempre volta</p><p>à tona no debate mundial. Recentemente, a FAO</p><p>defendeu o uso de transgênicos, como saída para</p><p>o aumento da produção de alimentos, contrapondo</p><p>ambientalistas que, na sua maioria, fazem parte da</p><p>camada mais rica da sociedade.</p><p>3.4.2 A segunda Revolução Verde</p><p>A segunda Revolução Verde acontecerá no primeiro decênio do século</p><p>XXI a partir da biotecnologia e da manipulação de genes, produzindo</p><p>organismos geneticamente modificados, denominados transgênicos.</p><p>Pinazza e Alimandro (1999) fazem o seguinte questionamento: com essa</p><p>manipulação genética estaremos gerando monstros incontroláveis –</p><p>Franksteins – ou criando benefícios para a civilização?</p><p>Os seus críticos defendem a agricultura orgânica e fazem pronunciamentos</p><p>desaprovando a engenharia genética mas, mesmo assim, não podemos</p><p>desconsiderar a parte mercadológica dessa tecnologia. De acordo</p><p>com Pinazza e Alimandro (1999), somente no caso das sementes</p><p>transgênicas, a Merrill Lynch estimou que o</p><p>agronegócio estaria próximo de US$ 20 bilhões no</p><p>ano de 2010. Além disso, o potencial de crescimento</p><p>é exponencial; em 1996, o mercado era de US$</p><p>500 milhões, podendo chegar, em 2006, a US$ 6</p><p>bilhões.</p><p>FAO</p><p>Organização das</p><p>Nações Unidas</p><p>para Agricultura</p><p>e Alimentação.</p><p>Merrill Lynch</p><p>Banco norte</p><p>-americano de</p><p>investimentos</p><p>e provedor de</p><p>outros serviços</p><p>financeiros.</p><p>98 UNIUBE</p><p>O mercado de produtos geneticamente modificados é imenso e de</p><p>grande potencial de crescimento, e as grandes corporações de negócios</p><p>em sementes, químicas e em biotecnologia criaram grandes alianças,</p><p>fusões e aquisições.</p><p>Essas estratégias demonstram a vontade dessas empresas em explorar</p><p>o complemento desse negócio. As alianças entre megacorporações</p><p>expõem o lado mais feroz da concorrência empresarial, em que somente</p><p>os maiores e mais fortes sobrevivem.</p><p>O debate entre o uso de transgênicos ou da agricultura orgânica é muito</p><p>acalorado e não se tem uma conclusão definitiva. Entretanto, a escolha</p><p>de um ou outro será crucial para a competitividade futura de um país. O</p><p>que não se quer colocar aqui é que os alimentos transgênicos devam</p><p>substituir a agricultura natural ou orgânica. São produtos diferentes, que</p><p>podem ser comercializados paralelamente no campo brasileiro.</p><p>A dicotomia entre estas duas visões acerca da produção de alimentos</p><p>fez com que, recentemente, a FAO defendesse o uso de transgênicos</p><p>na alimentação humana. Entretanto, a União Europeia teve a adesão de</p><p>alguns países do leste europeu, que possuem terras férteis, ampliando</p><p>a capacidade de produção de alimentos orgânicos. Para estes novos</p><p>integrantes foi destinada uma enorme quantia de recursos financeiros</p><p>para o fomento da agricultura orgânica.</p><p>Percebemos que há uma queda de braço entre os dois paradigmas de</p><p>produção de alimentos. A nossa análise é que ocorrerá uma segmentação</p><p>no mercado de alimentos, sendo que os alimentos orgânicos atenderão</p><p>os mercados de alta renda dos países desenvolvidos, enquanto que</p><p>os alimentos geneticamente modificados serão destinados ao demais.</p><p>Portanto, a competitividade futura do agronegócio brasileiro estará</p><p>atrelada às suas escolhas de hoje.</p><p>UNIUBE 99</p><p>Anos 1990: surge, no Brasil, o agronegócio3.5</p><p>Agronegócio: o que é isso? Essa pergunta deve estar enchendo sua cabeça,</p><p>não? Fique tranquilo(a), logo você saberá muito sobre ele! Agora, se tiver</p><p>interessado(a) em conhecer os dados desse ramo da economia, visite o</p><p>site da Confederação Nacional da Agricultura, a CNA, no endereço <www.</p><p>canaldoprodutor.com.br>.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Então, vamos conhecer o agronegócio?</p><p>Para o homem do campo que tem suas raízes e origens ligadas à lavoura</p><p>e ao rebanho bovino, parece mais um modismo dentre muitos que</p><p>surgem ano a ano ou mais um nome bonito dado a algo já conhecido. De</p><p>certa forma, o produtor rural tem razão, pois muitos tomam carona nesse</p><p>modismo e, mesmo não sabendo diferenciar touro de boi, dão entrevistas</p><p>a revistas e em programas de abrangência nacional, discorrendo sobre</p><p>a competitividade do agronegócio.</p><p>Essas entrevistas anunciam o crescimento e a pujança do setor,</p><p>vislumbrando um cenário promissor. Entretanto, o homem do campo</p><p>sabe que a produção agropecuária deve obedecer ao cio da vaca, às</p><p>estações das chuvas, dentre outros fatores, os quais os economistas</p><p>chamam de “o estado do mundo”.</p><p>Acredita-se que o homem do campo deixa para o agroexecutivo a colheita</p><p>dos benefícios do crescimento do setor. No entanto, esta percepção não</p><p>é, por completo, verdadeira, pois, cada vez mais, o produtor rural está</p><p>tornando-se empresário rural. Porém, cabe ressaltar que a</p><p>modernização</p><p>rural e a utilização de maquinário não ocorre em todas as regiões de</p><p>100 UNIUBE</p><p>forma homogênea, por isso é denominada modernização conservadora,</p><p>pois não abrange todos os lugares com a mesma intensidade. Na busca</p><p>dessas competências, implementam-se novas tecnologias, aumenta-se</p><p>sua qualificação e adota-se uma postura gerencial em seu agronegócio.</p><p>Para alguns autores, o sucesso do produtor rural estará cada vez mais</p><p>ligado à compreensão da complexidade do agronegócio, envolvendo</p><p>os conceitos de gestão, marketing, produção e muitos outros. Desse</p><p>modo, a competitividade da atividade agropecuária dependerá da melhor</p><p>qualificação do homem do campo, sendo que o melhor entendimento, do</p><p>antes e do após a porteira, será crucial para a colheita de bons resultados</p><p>econômicos da sua atividade rural.</p><p>3.5.1 Agronegócio – uma visão sistêmica da agropecuária</p><p>A visão sistêmica da agricultura liga este tópico à teoria de sistemas,</p><p>criada pela biologia, e estudada na Teoria Geral da Administração.</p><p>Portanto, a compreensão dessas outras áreas facilita o entendimento</p><p>do agronegócio. Para ilustrar tal visão, utilizaremos os dados do PIB</p><p>(Produto Interno Bruto) brasileiro, monitorados pelo IBGE (2003).</p><p>Enquanto o PIB rural brasileiro é de, aproximadamente, 9% do PIB</p><p>nacional, o PIB do agronegócio está em torno de 39% (IBGE, 2003).</p><p>PIB (Produto Interno Bruto) representa a soma (em valores monetários)</p><p>de todos os bens e serviços finais produzidos em determinada região (como</p><p>países, estados, cidades), durante um período determinado (mês, trimestre,</p><p>ano etc.). O PIB é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia</p><p>com o objetivo de mensurar a atividade econômica de uma região.</p><p>Fonte: Wikipédia (2010e).</p><p>SAIBA MAIS</p><p>UNIUBE 101</p><p>Por que esses números com diferenças significativas entre o</p><p>rural e o agronegócio?</p><p>Para explicar, utilizaremos a cadeia produtiva da carne bovina e considerá-la</p><p>com três elos:</p><p>• a fazenda;</p><p>• o frigorífico;</p><p>• a churrascaria.</p><p>O setor rural é somente a fazenda de pecuária, ou seja, dentro da</p><p>porteira. O agronegócio compreende este setor mais o depois da porteira,</p><p>isto é, o frigorífico que industrializa e a churrascaria que serve a carne a</p><p>seus clientes (agregação de valores). A visão sistêmica é demonstrada</p><p>no esquema da Figura 3, a seguir:</p><p>AGRONEGÓCIO = BOI + FRIGORÍFICO + CHURRASCARIA</p><p>AGRONEGÓCIO = RURAL + INDÚSTRIA + SERVIÇOS</p><p>Figura 3: Visão sistêmica do agronegócio.</p><p>Pode-se perguntar então: não é muito amplo este conceito?</p><p>Particularmente, o termo não é amplo, apenas demonstra o quanto a</p><p>visão sistêmica é importante para a satisfação do consumidor e, na</p><p>medida em que os elos da cadeia produtiva são organizados entre si, têm</p><p>por objetivo principal satisfazer as necessidades do mercado consumidor.</p><p>A coordenação tem que acontecer em todos os elos da cadeia. Por</p><p>exemplo, o produtor rural pode selecionar, durante anos, um animal</p><p>precoce e com uma carne mais macia, mas, se na armazenagem da</p><p>carne acontecer erros no processo, tal qualidade poderá ser perdida,</p><p>trazendo problemas à saúde do consumidor, o que a literatura denomina</p><p>segurança alimentar.</p><p>102 UNIUBE</p><p>Todos podem se perguntar o porquê desse exemplo. Ele serviu para</p><p>demonstrar que o agronegócio não é apenas uma parte pequena da</p><p>produção rural e, sim, todo o encadeamento que envolve os produtores</p><p>de insumos, produtores rurais, as indústrias do setor, transportadores</p><p>e varejistas até a chegada ao consumidor final. A carne bovina, se não</p><p>for armazenada e transportada de maneira correta, vai se decompor</p><p>rapidamente e acabar perdendo sua qualidade.</p><p>Para complementar essa visão global da agricultura trazida pelo termo</p><p>agronegócio, a seção, a seguir, aborda sua origem e alguns estudiosos</p><p>que deram origem ao seu termo atual.</p><p>3.5.2 A origem da atividade e do termo agronegócio</p><p>O agronegócio não é uma atividade nova. Em 1957, os pesquisadores</p><p>da Universidade de Harvard, John Davis e Ray Goldberg, definiram</p><p>agribusiness como a soma das operações de produção e distribuição de</p><p>suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas,</p><p>do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e</p><p>itens produzidos a partir deles (BATALHA e LAGO DA SILVA, 2001).</p><p>Para Bialoskorski Neto (1994), o termo agribusiness expressa os</p><p>negócios do setor agropecuário. Esses negócios podem ser entendidos</p><p>como uma teia de relacionamentos econômicos e contratuais entre</p><p>seus atores, desde a produção de insumos, passando pela produção</p><p>agrícola propriamente dita, pelo processamento dessa produção e pela</p><p>distribuição, até o produto chegar às mãos do consumidor, quando este</p><p>bem é utilizado e produz satisfação.</p><p>UNIUBE 103</p><p>Conforme observado em Araújo (2003), o termo agribusiness atravessou</p><p>praticamente toda a década de 1980 sem tradução para o português. Ele</p><p>foi adotado de forma generalizada, inclusive por alguns jornais, que, mais</p><p>tarde, trocaram o nome dos cadernos agropecuários para agribusiness,</p><p>que era o termo mais usado na época para definir os negócios do setor</p><p>agrícola.</p><p>Pela definição dos pesquisadores, entende-se o agronegócio como o</p><p>conjunto de operações, produtos e serviços produzidos no meio rural,</p><p>desde o produtor de insumos até a plantação, criação e a distribuição</p><p>dos produtos ou serviços.</p><p>A produção rural passou a ser encarada como elemento de um processo</p><p>que contempla atividades antes da porteira (produção de insumos</p><p>como adubos, rações e sementes), dentro da porteira (produção de</p><p>animais e lavouras, extração vegetal, entre outros) e depois da porteira</p><p>(processamento agroindustrial, consumo final dos produtos, entre outros).</p><p>Veja a Figura 4, a seguir.</p><p>Insumos Processamento Distribuição</p><p>Agropecuária Cliente final</p><p>Figura 4: Produção rural como processo.</p><p>A complexidade de segmentos do mercado traz necessidades para uma</p><p>grande diversidade de produtos. É o caso das cooperativas agrícolas</p><p>que possuem atuação em diversos segmentos como produção agrícola,</p><p>armazenagem, beneficiamento e industrialização de alimentos e</p><p>bebidas. Quando focalizado em determinado produto e compreendendo</p><p>determinada localização geográfica, receberá a denominação, segundo</p><p>Zylbersztajn (2000), de Sistema Agroalimentar ou, segundo Batalha e</p><p>Lago da Silva (2001), de Cadeia Agroindustrial.</p><p>104 UNIUBE</p><p>Pode-se, então, definir o agronegócio como um sistema integrado: uma</p><p>cadeia de negócios, pesquisa, estudos, ciência, tecnologia etc., desde a</p><p>origem vegetal/ animal até produtos finais com valor agregado, no setor</p><p>de alimentos, fibras, energia, têxtil, bebidas, couro e outros, englobando</p><p>também as atividades de prestação de serviços no meio rural.</p><p>No Brasil, o Ministério da Agricultura, por meio de seu site, informa que o</p><p>agronegócio, no ano de 2003, foi responsável por 33% do Produto Interno</p><p>Bruto (PIB), 42% das exportações totais e 37% dos empregos brasileiros.</p><p>Estimou-se que o PIB do setor chegou a US$ 180,2 bilhões, em 2004,</p><p>contra US$ 165,5 bilhões alcançados em 2003.</p><p>Acesse o site do Ministério da Agricultura: <www.agricultura.gov.br>.</p><p>PESQUISANDO NA WEB</p><p>Entre 1998 e 2003, a taxa de crescimento do PIB agropecuário foi</p><p>de 4,67% ao ano. No ano de 2004, as vendas externas de produtos</p><p>agropecuários renderam ao Brasil US$ 36 bilhões, com superávit de US$</p><p>25,8 bilhões, segundo dados do Ministério.</p><p>O Brasil é um dos líderes mundiais na produção e exportação de vários</p><p>produtos agropecuários. É o primeiro produtor e exportador de café,</p><p>açúcar, álcool e sucos de diversas frutas. Além disso, lidera o ranking</p><p>das vendas externas de soja, carne bovina, carne de frango, tabaco,</p><p>couro e calçados de couro. As projeções indicam que o país também</p><p>será, em pouco tempo, o principal polo mundial de produção de algodão</p><p>e biocombustíveis, feitos a partir de cana-de-açúcar e óleos vegetais.</p><p>Milho, arroz, frutas frescas, cacau, castanhas, nozes, além de suínos</p><p>e pescados, são destaques no agronegócio brasileiro, que</p><p>empregam</p><p>atualmente 17,7 milhões de trabalhadores somente no campo.</p><p>UNIUBE 105</p><p>Com esses números expressivos e com a estrutura montada para esses</p><p>negócios, Stefanelo (2002) acredita que o agronegócio no Brasil está</p><p>em evolução, quando diz que se solidifica a visão do desenvolvimento</p><p>sustentável da produção de alimentos e de produtos da flora e fauna,</p><p>além da multifuncionalidade do setor primário, mediante agregação das</p><p>atividades de lazer, turismo rural e preservação do meio ambiente.</p><p>De acordo Bialoskorski Neto (1994), somente a partir da segunda metade</p><p>da década de 1990, o termo agronegócios começa a ser aceito e adotado</p><p>nos livros-texto e nos jornais, culminando com a criação dos cursos</p><p>superiores de agronegócios, em nível de graduação universitária.</p><p>Megido e Xavier (1998) lembram que atividades como produção de</p><p>insumos, plantação, colheita e comercialização não podem mais ser</p><p>encaradas como fatos isolados.</p><p>Reforça-se, então, que o agronegócio incorpora em seu conceito os</p><p>agentes que imprimem uma dinâmica a cada elo da cadeia que sai</p><p>do mercado de insumos e fatores de produção (antes da porteira),</p><p>passa pela unidade agrícola produtiva (dentro da porteira) e vai até o</p><p>processamento, marketing, transformação e distribuição (depois da</p><p>porteira).</p><p>O termo agronegócio engloba toda a atividade econômica envolvida com</p><p>a produção, estocagem, transformação, distribuição e comercialização de</p><p>alimentos, fibras industriais, biomassa, fertilizantes e defensivos, além de</p><p>incorporar as atividades de prestação de serviços que ocorrem no meio</p><p>rural. Importante frisar o foco na gestão, fator fundamental para o sucesso</p><p>e desenvolvimento desse negócio.</p><p>Nota-se que os produtores não se isolam do restante do mercado. A cada</p><p>dia que passa, os setores a montante e a jusante do processo produtivo</p><p>estão mais ligados ao processo em si, ficando difícil estabelecer um limite</p><p>entre eles.</p><p>106 UNIUBE</p><p>Então, o meio rural que, antigamente, era apenas para cultivo e considerado</p><p>como uma atividade do setor primário perde essa característica, deixando</p><p>de ser apenas rural. Graziano da Silva (1997) chega a ser drástico quando</p><p>analisa essa condição colocando que está cada vez mais difícil delimitar</p><p>o que é rural e o que é urbano. Mas isso que aparentemente poderia ser</p><p>um tema relevante, não o é: a diferença entre o rural e o urbano é cada</p><p>vez menos importante.</p><p>Pode-se dizer que o rural hoje só pode ser entendido como um contínuo</p><p>do urbano do ponto de vista espacial e do ponto de vista da organização</p><p>da atividade econômica, as cidades não podem mais ser identificadas</p><p>apenas com a atividade industrial, nem os campos apenas com a</p><p>agricultura e a pecuária.</p><p>É interessante notar que, segundo o IBGE (1987), entre os anos de 1940</p><p>a 1960, a maioria da população brasileira vivia no meio rural. Após a</p><p>industrialização do país e a corrida pelo emprego nas cidades, aliado à</p><p>mecanização da agricultura, a população rural passa a apresentar queda</p><p>em seu número absoluto.</p><p>Voltando à nossa problemática com a definição, acredita-se que a</p><p>evolução para o termo agronegócio seja devido à queda de importância</p><p>da agricultura nas economias nacionais, processo este que ocorreu por</p><p>conta de características particulares do homem do campo e que sofreram</p><p>alterações ao longo do tempo.</p><p>Inicialmente, o produtor rural não era especializado, ou seja, em sua</p><p>propriedade, era produzida a maioria das suas necessidades básicas, o</p><p>que permitia adquirir poucos produtos fora de sua fazenda e comercializar</p><p>o seu excedente. Este modo de produção diversificado alterou-se para a</p><p>produção especializada em um ou poucos produtos que geravam ganhos</p><p>de escala e de produtividade.</p><p>UNIUBE 107</p><p>Com o surgimento de modernas técnicas de plantio e novas máquinas</p><p>acentuaram-se essas mudanças, exigindo maior produtividade e</p><p>conhecimento por parte do produtor rural. Essas alterações ainda estão</p><p>em curso e, atualmente, os conhecimentos de gestão, comercialização</p><p>e de marketing são essenciais para a competitividade do produtor rural</p><p>nesta economia globalizada.</p><p>Porém, cabe ressaltar que entre alguns pesquisadores não há um</p><p>consenso da viabilidade econômica do agronegócio em detrimento da</p><p>produção rural familiar. Conforme Oliveira (2007), o grande equívoco dos</p><p>agricultores brasileiros foi desenvolver, acreditar e passar para a mídia</p><p>a tese de que a agricultura capitalista brasileira é capaz de competir no</p><p>plano mundial por meio do agronegócio, com a possibilidade de vencer</p><p>essa competição.</p><p>O tema tratado neste capítulo é de suma importância para a sociedade</p><p>brasileira, já que as atividades econômicas ligadas, direta ou indiretamente,</p><p>ao meio rural empregam parcela significativa de nossa população. Com</p><p>a modernização do setor, exige-se cada vez mais a qualificação dos</p><p>profissionais nele envolvidos, além dos investimentos que serão</p><p>revertidos em lucro.</p><p>Para a Geografia, a profissionalização de uma atividade antes desenvolvida</p><p>para a subsistência deve considerar seu impacto na esfera econômica,</p><p>humana e ambiental.</p><p>Amplie seus conhecimentos sobre o assunto acompanhando noticiários e</p><p>acessando publicações especializadas na área. Além disso, compartilhe</p><p>descobertas e dúvidas com os colegas e o corpo docente do curso.</p><p>Bons estudos!</p><p>108 UNIUBE</p><p>Resumo</p><p>Neste capítulo, você pôde ler sobre os modelos agrícolas desenvolvidos</p><p>no Brasil do período colonial até os dias atuais. Além de uma</p><p>abordagem histórica, o viés político é fator obrigatório na compreensão</p><p>de tais modelos. Assim, de uma atividade desenvolvida para fins de</p><p>subsistência, o setor agrícola desponta na atualidade como ramo gerador</p><p>de altos investimentos que engloba profissionais de diversas áreas do</p><p>conhecimento humano dada a especialização atingida por essa atividade.</p><p>Porém, as críticas direcionadas a essa nova forma de atividade agrícola</p><p>decorrem, por exemplo, da impossibilidade de os pequenos produtores</p><p>conseguirem financiamentos para máquinas, insumos e tecnologias ou da</p><p>restrição da acessibilidade aos produtos mais saudáveis aos países ricos.</p><p>Referências</p><p>ARAÚJO, M.J. Fundamentos de Agronegócios. São Paulo: Atlas, 2003.</p><p>BATALHA, M.O.; LAGO DA SILVA, A. Gerenciamento de sistemas agroindustriais:</p><p>definições e correntes metodológicas. In: ______. Gestão Agroindustrial. São</p><p>Paulo: Atlas, 2001.</p><p>BESKOW, P. R. Agricultura e política agrícola no contexto brasileiro da industrialização</p><p>do pós-guerra (1946-1964). Sociedade e Agricultura. Universidade Federal Rural</p><p>do Rio de Janeiro. ICHS/DDA. Rio de Janeiro, 12 de abril de 1999. p. 56-79. Disponível</p><p>em: <bibliotecavirtual.clacso.org.ar/ar/libros/brasil/cpda/estudos/doze/beskow12.</p><p>htm>. Acesso em: 4 out. 2010.</p><p>BIALOSKORSKI NETO, S. Políticas Públicas, Preços, Mercados Futuros. No Brasil. In:</p><p>XXXII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural, 1994, Brasília. Anais</p><p>do XXXII Congresso Brasileiro de Economia e Sociologia Rural. BRASÍLIA:</p><p>SOBER, 1994.</p><p>UNIUBE 109</p><p>BRUM, A. J. A década perdida: a crise dos anos 80. In: ______.Desenvolvimento</p><p>econômico brasileiro. 23. ed. Petrópolis: Vozes: Ijuí: UNIJUÍ, 2003.</p><p>CANAL do produtor. Questão fundiária. Disponível em: <www.cna.org.br/site/noticia.</p><p>php?n=595>. Acesso em:11 maio 2011.</p><p>D’ARAÚJO, M. C. A Era Vargas. São Paulo: Moderna, 1997. (Polêmica)</p><p>DELGADO, G. C. Capital e Política Agrária no Brasil: 1930-1980. In: SZMRECSÁNY,</p><p>T.; SUZIGAN, W. (Orgs.). História econômica do Brasil contemporâneo. São</p><p>Paulo: Edusp, 1993.</p><p>FERREIRA, D. F.; FERNANDES FILHO, J. F.; Análise das transformações.</p><p>Recentes na Atividade Agrícola da Região de Goiás. 1970/1995-6. In:______. PEREIRA,</p><p>S.L. XAVIER, C. L. (Org.). O agronegócio nas terras de Goiás. Uberlândia:</p><p>EDUFU, 2003. p. 101-138.</p><p>GRAZIANO DA SILVA, J. Modernização Conservadora dos anos 70. In: ______.</p><p>Tecnologia e Agricultura Familiar. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 1999.</p><p>______. O novo rural brasileiro. Nova Economia, Belo Horizonte, v.7, n°</p><p>1. 1997.</p><p>______. Uma década perversa: as políticas agrícolas e agrárias nos anos 80. In: ______.</p><p>A nova dinâmica da agricultura brasileira. Campinas: UNICAMP/IE, 1996.</p><p>______; KAGEYAMA, A. As estratégias sociais dos agricultores. A produção camponesa</p><p>e o desenvolvimento recente do capitalismo o Brasil. 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São Paulo: Pioneira, 2000.</p><p>Ana Claúdia Alves Pinto</p><p>Eliane Mendonça Marquez de Resende</p><p>Introdução</p><p>Segundo reinado: uma</p><p>abordagem política do</p><p>império de Pedro II</p><p>Capítulo</p><p>4</p><p>O estudo deste texto propiciará a compreensão do processo</p><p>de transição da monarquia para a república, vivida pelo Brasil</p><p>no século XIX. As abordagens políticas iniciam -se com o golpe</p><p>da maioridade e a implantação do Segundo Reinado no Brasil,</p><p>enfatizando as duas tendências políticas (liberais e conservadoras)</p><p>que surgiram no período; a figura do imperador – o homem, Pedro</p><p>II; as pressões e os conflitos com os ingleses em relação ao tráfico</p><p>negreiro; a Lei de Terras no Brasil, em 1850; a euforia industrial</p><p>com o barão de Mauá; a Guerra do Paraguai e os principais fatos</p><p>que contribuíram para a Proclamação da República, em 1889.</p><p>O estudo deste capítulo singular da história de nosso país vai</p><p>permitir que você aprofunde seus conhecimentos e compreenda os</p><p>fatores socioeconômicos e políticos que embasaram o denominado</p><p>“golpe da maioridade”, além de analisar o processo político que</p><p>culminou com a implantação do sistema parlamentarista adotado</p><p>durante o Segundo Reinado, destacando o papel desempenhado</p><p>pelos partidos liberal e conservador.</p><p>Objetivo</p><p>114 UNIUBE</p><p>O texto não tem a pretensão de esgotar a temática, mas, sim,</p><p>permitir a você, caro(a) leitor(a), as condições de identificar os</p><p>movimentos liberais ocorridos nas primeiras décadas do governo</p><p>de D. Pedro II, compreendendo as tensões e divergências</p><p>regionais vividas durante o período estudado. Refletir, analisar</p><p>e estabelecer relações com as leis promulgadas em 1850 (Lei</p><p>Eusébio de Queirós e Lei de Terras) que alteraram a conjuntura do</p><p>Brasil e compreender os fatores que permearam a política externa</p><p>do Segundo Reinado: o confronto com a Inglaterra e os conflitos</p><p>com os países platinos, principalmente a Guerra do Paraguai.</p><p>Finalmente, poderemos analisar a conjuntura nacional do final do</p><p>Império que vai culminar com a Proclamação da República.</p><p>Esquema</p><p>4.1 O golpe da maioridade</p><p>4.2 Conhecendo o homem Pedro II</p><p>4.3 A crise partidária imperial e seus desdobramentos</p><p>4.4 O parlamentarismo no Segundo Reinado</p><p>4.5 A política externa do Segundo Reinado</p><p>4.5.1 A Inglaterra e suas ações coercitivas em relação ao Império</p><p>brasileiro</p><p>4.6 As questões platinas</p><p>4.7 A Lei de Terras em 1850</p><p>4.8 A era Mauá</p><p>4.9 O processo de transição de monarquia para a república no</p><p>final do século XIX</p><p>O golpe da maioridade4.1</p><p>Em 1831, após a abdicação de D. Pedro I ao trono brasileiro em favor</p><p>de seu filho de apenas cinco anos de idade, na verdade houve a</p><p>transferência do poder para as elites regionais dominantes, inicialmente</p><p>por meio de “regência trina”, e depois na forma de regente único, como</p><p>Diogo Feijó (1835 -1837) e Araújo Lima (1837 -1840), que foram escolhidos</p><p>UNIUBE 115</p><p>por eleições. Desde o Primeiro Reinado, o Império vivia um clima de</p><p>guerra civil, pois a insatisfação e os levantes armados pipocavam</p><p>por toda a parte do território nacional; e, durante o período regencial,</p><p>esses conflitos, revoltas e descontentamentos se agravaram. Diversos</p><p>movimentos separatistas e levantes de escravos em conjunto com a</p><p>população pobre ocorreram nesse período, como a Farroupilha (1835),</p><p>no Rio Grande do Sul; a Balaiada (1838), no Maranhão; a Sabinada</p><p>(1837), na Bahia; entre outras. Nesse sentido, Mary Del Priore e Renato</p><p>Pinto Venâncio nos esclarecem:</p><p>[...] Nesse contexto de risco de pobres e escravos</p><p>assumirem o controle do poder, reproduzindo em</p><p>grande escala o ocorrido no Haiti em fins do século</p><p>XVIII, é que se articula entre 1837 e 1840 o retorno</p><p>dos mecanismos centralizadores do Primeiro Império.</p><p>Por fim, o regresso conservador abrirá caminho para</p><p>a repressão eficaz dos movimentos separatistas e dos</p><p>levantes de escravos, assim como articulará um projeto</p><p>nacional que manterá intacto o território brasileiro</p><p>herdado do período colonial. (PRIORE; VENÂNCIO,</p><p>2001, p. 207).</p><p>A antecipação da maioridade de Pedro II, em julho de 1840, foi uma</p><p>vitória da facção liberal liderada por Antonio Carlos de Andrada,</p><p>apoiado pelos palacianos do Clube da Joana, que acreditavam na</p><p>ascensão do príncipe como solução para a “crise de autoridade” que</p><p>o Império vivia naquele momento. Embora esse golpe tenha sido</p><p>planejado e executado por políticos da facção liberal, ele expressava</p><p>também os anseios conservadores na preservação da monarquia e na</p><p>manutenção dos privilégios da aristocracia rural brasileira, que contou</p><p>ainda com expressivo apoio popular.</p><p>116 UNIUBE</p><p>Clube da Joana ou facção “áulica”</p><p>Grupo de políticos sem vinculação direta com conservadores nem liberais. Era</p><p>liderado por Aureliano de Souza Coutinho e Paulo Barbosa da Silva, mordomo</p><p>da Casa Imperial, em cuja residência às margens do rio Joana, no alto da Boa</p><p>Vista, se reunia o grupo. (ALENCAR; CARPI; RIBEIRO, 1996, p. 152).</p><p>[...] Com efeito, se o projeto de antecipar a maioridade</p><p>não passou, a princípio, de uma manobra política, o</p><p>certo é que aos poucos a medida foi tomando “ares</p><p>de salvação nacional”. É o partido liberal, em 1840,</p><p>com a criação do Clube da Maioridade, que dá</p><p>forma</p><p>ao projeto; mas a tarefa não era realmente difícil.</p><p>Afinal, os próprios governistas pareciam favoráveis</p><p>a pôr fim ao regime eletivo das Regências. Nem</p><p>o regente Araújo Lima (marques de Olinda), nem</p><p>Feijó, nem os dois Andrada, Eusébio de Queiros</p><p>ou Bernardo de Vasconcelos, enfim, nenhum dos</p><p>políticos influentes da época parecia convencido da</p><p>continuidade do regime [...].</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Decidida a antecipação da maioridade, percebe -se que o jovem Pedro já</p><p>estava imbuído da responsabilidade para com seu país.</p><p>Dizem que consultado se assumiria o trono, em</p><p>1840, teria dito: “Quero já!”, revelando um lado</p><p>missionário e mesmo uma maturidade emocional</p><p>dificilmente imaginável para sua pouca idade e</p><p>experiência. Forjava -se, então, a representação</p><p>legendária que acompanharia o monarca até a morte:</p><p>o porte impassível, a cautela nas palavras, o caráter</p><p>enigmático e pouco suscetível. Segundo relatos, a</p><p>não ser pelas pernas finas e pela voz estridente, D.</p><p>Pedro era a encarnação de um monarca europeu</p><p>sacralizado e afastado da “mundanidade”. Com o tipo</p><p>dos Habsburgo – queixo longo, olhos muito azuis, o</p><p>cabelo liso e aloirado –, D. Pedro destacava -se em meio</p><p>a uma população composta em boa parte de mestiços</p><p>e mulatos, e, nesse contexto, ganhava destaque.</p><p>(SCHWARCZ, 2004, p. 68).</p><p>UNIUBE 117</p><p>A aura que envolve os reis é parte importante de sua realeza. A</p><p>monarquia apresenta simbologias, rituais, aparato cênico, representações</p><p>que reforçam a diferença entre ela e seus súditos. Com Dom Pedro não</p><p>foi diferente.</p><p>Conhecendo o homem Pedro II4.2</p><p>Figura 2: Imperador Dom</p><p>Pedro II aos 12 anos. Pintura</p><p>de Félix Emile Taunay, 1837.</p><p>Fonte: Imagem de domínio</p><p>público. Disponível em: <http://</p><p>commons.wikimedia.org/wiki/</p><p>File:RetratodompedroIIcrianca.</p><p>JPG>. Acesso em:</p><p>30 abr. 2010.</p><p>Figura 1: Dom Pedro II, Imperador</p><p>do Brasil, aos 21 anos, em</p><p>1847. Pintura de Raymond</p><p>Auguste Quinsac Monvoisin.</p><p>Fonte: Imagem de domínio</p><p>público. Disponível em: <http://</p><p>commons.wikimedia.org/</p><p>wiki/File:Pedro_II1847.JPG>.</p><p>Acesso em: 30 abr. 2010.</p><p>Figura 3: Imperador Dom</p><p>Pedro II, aos 46 anos, em</p><p>1872. Pintura de Raymond</p><p>Auguste Quinsac Monvoisin.</p><p>Fonte: Imagem de domínio</p><p>público. Disponível em: <http://</p><p>commons.wikimedia.org/</p><p>wiki/File:Fala_do_trono.jpg>.</p><p>Acesso em: 30 abr. 2010.</p><p>118 UNIUBE</p><p>A Revista Nossa História publicou, em 2006, pela editora Vera Cruz,</p><p>uma edição especial intitulada “A construção do Brasil”, na qual apresenta</p><p>os fatos, algumas pessoas e as ideias que formaram nossa nação. O</p><p>personagem Pedro de Alcântara, sagrado imperador aos 14 anos de</p><p>idade, embora sempre retratado por uma figura firme e, até mesmo,</p><p>austera, revela um menino que teve uma infância sofrida, cheia de perdas</p><p>valiosas, como sua mãe, logo depois que ele completou um ano de idade;</p><p>e sua irmã, Paula Mariana, e seu pai, d. Pedro I, antes de completar</p><p>dez anos de idade. Sofreu, ainda, com a destituição de seu tutor, José</p><p>Bonifácio, em dezembro de 1833, cuja tutela foi dada por seu pai, quando</p><p>este abdicou do trono para retornar a Portugal.</p><p>A vida da família real se subordinava ao Regulamento</p><p>de serviço do Paço e das pessoas imperiais. O dia</p><p>do pequeno príncipe começava às seis da manhã –</p><p>com estudos de latim e grego – e terminava às dez</p><p>da noite, quando ia dormir. As refeições eram feitas</p><p>na presença de um médico; os passeios nos jardins</p><p>e as visitas tinham hora marcada; os banhos eram</p><p>de água fria. Esporadicamente, havia um tempo para</p><p>folguedos, como representações no teatrinho do Paço;</p><p>e, no Carnaval, o menino se entregava a uma guerra de</p><p>canecas d’água e limões de cheiro na melhor tradição</p><p>do entrudo. Seu restrito círculo de amizades incluía</p><p>as irmãs e outras crianças que frequentavam o Paço,</p><p>entre elas um menino vizinho da governanta que se</p><p>tornou seu melhor amigo, o futuro visconde do Bom</p><p>Retiro. Mas a maior parte do tempo era sufocado</p><p>por obrigações oficiais e teve uma infância solitária,</p><p>contando apenas com o carinho de Dadama e do seu</p><p>criado particular, o negro Rafael, em cujo quarto se</p><p>refugiava das estafantes aulas. (REVISTA NOSSA</p><p>HISTÓRIA, 2006, p. 75, grifo nosso).</p><p>UNIUBE 119</p><p>Entrudo</p><p>Tempo de divertimento que compreende os três dias que precedem a</p><p>Quarta -feira de Cinzas; festas e divertimentos próprios desse tempo: água,</p><p>farinha do reino, fuligem e goma que ensopavam os transeuntes em plena</p><p>batalha. Imperadores e ministros jogavam ovos podres e talos de hortaliças,</p><p>emporcalhando fardões e sujando sedas. O sisudo Dom Pedro II, para fugir</p><p>da “artilharia”, acabou dentro de um tanque. (CASCUDO, 2001, p. 214)</p><p>Dadama</p><p>Quando a imperatriz D. Leopoldina morreu, Pedro de Alcântara ficou sob os</p><p>cuidados da governanta, D. Mariana Carlota de Verna Magalhães, a quem</p><p>o menino chamava carinhosamente de Dadama.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Herdeiro das características elegantes e nobres dos Habsburgo, Pedro</p><p>II era um homem culto, inteligente, filósofo, decidido, membro das</p><p>mais conceituadas academias científicas europeias, incentivador das</p><p>artes, da cultura e da ciência. Apreciava as inovações tecnológicas que</p><p>surgiram no século XIX, cujas descobertas e invenções apontavam para</p><p>o progresso material, humano e científico, principalmente na Europa</p><p>e nos Estados Unidos. Pedro II introduziu a fotografia e o telefone no</p><p>Brasil; conheceu Graham Bell e Thomas Edison em feiras internacionais;</p><p>promoveu importantes feiras e exposições científicas; incentivou o surto</p><p>industrial no país com as ferrovias; empresas de exploração de serviços</p><p>públicos; investimentos em infraestrutura, urbanização e saneamento do</p><p>Rio de Janeiro, entre outras realizações.</p><p>Habsburgo</p><p>Uma das famílias (Áustria) mais tradicionais e importantes da história</p><p>europeia. Tem sua origem no século XII e seu nome deriva de Habichtsburg,</p><p>o castelo do falcão.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>120 UNIUBE</p><p>Pedro II casou -se com Teresa Cristina, da dinastia</p><p>dos Bourbon, em 1843. Porém, a fisionomia da</p><p>noiva não correspondia às fotografias que ele</p><p>havia recebido anteriormente e ela mancava de</p><p>uma perna, fato que deixou o jovem príncipe muito</p><p>frustrado, consumando o casamento somente um</p><p>ano depois. Com ela, teve quatro filhos, sendo</p><p>que os dois meninos morreram com dois anos;</p><p>e as meninas Isabel (1846) e Leopoldina (1847) passaram a ser a</p><p>preocupação maior do monarca, que contratou uma preceptora para</p><p>cuidar da educação das meninas e acompanhar a imperatriz. Uma fidalga</p><p>baiana, educada na França e que, mais tarde, tornou -se (discretamente)</p><p>sua companheira, Luisa Margarida Portugal de Barros, a condessa de</p><p>Barral.</p><p>Como governante, Pedro II era sábio e sagaz na condução das</p><p>políticas internas e externas; no uso do Poder Moderador; na criação</p><p>de uma imagem positiva do Brasil perante a comunidade internacional,</p><p>estimulando a imigração, quando se tornou iminente a questão da</p><p>abolição da escravidão a partir de 1850. Enfim, Pedro II administrou,</p><p>governou e reinou no Brasil do século XIX garantindo a unidade territorial</p><p>e a autonomia do país, conforme relatado pelos historiadores Lúcia</p><p>Neves e Humberto Machado, no livro O Império do Brasil:</p><p>Os primeiros anos do governo pessoal de Pedro II</p><p>assistiram às últimas reverberações dos conflitos mais</p><p>graves internos à elite. De um lado, as resistências</p><p>assumiram a forma dos movimentos liberais de 1842,</p><p>de agitações com dimensões estritamente locais –</p><p>como as de Alagoas entre “lisos” e “cabeludos” – e,</p><p>em 1848, da Revolta Praieira, em Pernambuco; de</p><p>outro, como resultado das intrigas que tinham levado</p><p>ao golpe da maioridade, a de uma crítica veemente aos</p><p>“pérfidos” conselheiros do novo imperador. À medida,</p><p>porém, que as primeiras foram contidas e as demais,</p><p>contornadas pelo gradual afastamento da facção áulica</p><p>e por um sistema de governo cada vez mais azeitado,</p><p>foi surgindo uma acomodação na política, levando ao</p><p>Bourbon</p><p>Originários da</p><p>Espanha e França,</p><p>os Bourbon</p><p>são igualmente</p><p>tradicionais e</p><p>significativos na</p><p>trajetória histórica</p><p>da Europa.</p><p>UNIUBE 121</p><p>triunfo de um certo Estado -nação brasileiro. Para a</p><p>monarquia em processo de consolidação, tendo no Rio</p><p>de Janeiro o polo do poder político e econômico, graças</p><p>ao café, assim como para a elite cansada do tumulto</p><p>regencial, a unidade nacional, a integridade territorial e</p><p>a escravidão permaneciam os pilares fundamentais do</p><p>Império. Doravante, cada vez mais, os conflitos ficariam</p><p>contidos pelos mecanismos parlamentares, através</p><p>de um jogo entre facções existentes, mas cujas cartas</p><p>eram distribuídas pelo próprio monarca, graças ao</p><p>Poder Moderador, que lhe permitia não só reinar, mas</p><p>também governar. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 239).</p><p>A crise partidária imperial e seus desdobramentos4.3</p><p>A ascensão de Pedro II, em 1840, iniciava o período conhecido como</p><p>Segundo Reinado. E o primeiro gabinete nomeado por ele, é claro,</p><p>contemplava a facção que antecipara sua maioridade, formado pelos</p><p>irmãos Antonio Carlos e Martim Francisco de Andrada, os dois irmãos</p><p>Cavalcanti, Aureliano Coutinho e outros. Porém, o grupo não dispunha</p><p>de maioria na Assembleia e as diversas dissensões e disputas internas</p><p>fizeram que o Ministério fosse substituído, em março de 1841, pelos</p><p>conservadores.</p><p>Figura 4: D. Pedro II e a manipulação das forças políticas</p><p>(conservador e liberal).</p><p>Fonte: Acervo EAD-Uniube.</p><p>122 UNIUBE</p><p>O quadro político que se delineou a partir do início do Segundo Reinado</p><p>era composto (e alternou -se no poder durante todo o período) por</p><p>conservadores ou regressistas e liberais ou progressistas, limitados</p><p>pelo exercício imperial do uso do Poder Moderador. A Figura 4 é</p><p>uma crítica a essa “manipulação” das forças políticas exercidas pelo</p><p>imperador, na qual o cartunista insinua que o rei se diverte com esse jogo</p><p>diplomático. Contudo, é notório que o governo de D. Pedro II conseguiu</p><p>debelar as diversas revoltas provinciais e garantir a unidade do Império,</p><p>consolidando a monarquia por meio do apoio dos representantes do</p><p>Partido Liberal e do Partido Conservador que se alternaram no poder.</p><p>Os regressistas defendiam a centralização do poder por meio de reformas</p><p>das leis; menos autonomia dos governos provinciais; tarifas altas para</p><p>produtos importados e, em sua maioria, estavam ligados aos emergentes</p><p>produtores de café. Já os progressistas defendiam a descentralização</p><p>do poder, a manutenção do Ato Adicional, que criara as Assembleias</p><p>provinciais, e a garantia da integridade do Império.</p><p>Basicamente, os dois partidos apresentavam diferenças político-</p><p>ideológicas que variavam em função do contexto ou dos setores sociais</p><p>que os apoiavam. Contudo, fica claro que nenhum deles tinha um</p><p>programa ou projeto que pretendesse transformar a estrutura político-</p><p>social vigente: monarquia e latifúndio escravocrata. É importante</p><p>advertirmos sobre a definição e rotulação desses partidos, tendo em</p><p>vista que a experiência partidária estava ainda em gestação, e nem todos</p><p>eram unânimes em suas ideias e objetivos, assim como ocorre nos dias</p><p>atuais, porque o jogo político é dinâmico e sofre alterações de acordo</p><p>com as necessidades ou interesses dos sujeitos que compõem as forças</p><p>nos partidos.</p><p>Entre 1840, ano da maioridade do imperador Pedro</p><p>II, e 1848, ano da instalação do gabinete repressivo</p><p>do marquês de Olinda, há uma sucessão de</p><p>gabinetes apontados ora como liberais, ora como</p><p>conservadores. Essa questão merece uma reflexão</p><p>UNIUBE 123</p><p>maior. O historiador não deve deixar -se levar por essa</p><p>rotulação, talvez prematura. Em primeiro lugar, foi de</p><p>1840 a 1850 que se reconstruiu o Estado nacional em</p><p>bases centralizadoras e, portanto, conservadoras, tal</p><p>como desejavam os homens do regresso. Ora, a clara</p><p>diferenciação entre liberais e conservadores ainda</p><p>não possibilita a nitidez do final da década de 1850.</p><p>Outra dificuldade refere -se à existência de dois tipos</p><p>de liberais, uns que seriam mais radicais, os exaltados,</p><p>e que não chegam ao poder, caso de Teófilo Ottoni,</p><p>ou que chegam ao poder mas são destituídos dele tão</p><p>logo tentam impor seu programa, caso de Paula Souza</p><p>e Chichorro da Gama; outro tipo, embora rotulando-</p><p>se liberal (muito mais por questões político partidárias</p><p>locais), não se opunha à aprovação de medidas</p><p>conservadoras, na medida em que essas defendem</p><p>interesses comuns consubstanciados na ordem</p><p>interna, na preservação do latifúndio e da escravidão,</p><p>alicerces da tese conservadora. Dessa forma,</p><p>embora o movimento pela antecipação da maioridade</p><p>imperial seja de base liberal, acaba por fundamentar</p><p>o projeto conservador de preservação e mitificação</p><p>da monarquia. O Gabinete Paula Souza, em 1848,</p><p>com suas propostas radicais de reforma agrária, com a</p><p>distribuição gratuita de terras públicas e outras reformas</p><p>“exaltadas”, duraria apenas quatro meses (de maio a</p><p>setembro), o que demonstra os limites impostos aos</p><p>liberais quando no governo.</p><p>O gabinete que se instala a 29 de setembro tem no</p><p>seu seio a famosa trindade saquarema, ou seja, o que</p><p>havia de mais conservador no Império: marquês de</p><p>Olinda (Araújo Lima), Eusébio de Queirós e o visconde</p><p>de Itaboraí (Rodrigues Torres). Sua tarefa era debelar a</p><p>causa das reformas e reprimir os últimos movimentos</p><p>de revolta que aqueles liberais radicais haviam iniciado.</p><p>A Praieira (1848 -49) foi a última grande revolta do</p><p>Império. Com a sua repressão, os liberais, em sua</p><p>quase totalidade, aderem ao jogo do poder imposto</p><p>pelos conservadores.</p><p>O programa básico dos conservadores será a realização</p><p>de amplas reformas, como a extinção do tráfico atlântico</p><p>de escravos e a regulamentação do acesso à terra</p><p>– através da Lei de Terras. Assim, por meio de uma</p><p>“Revolução Conservadora”, o gabinete Araújo Lima,</p><p>empossado em 1850, constituir -se -á em um marco na</p><p>história do Brasil. (LINHARES, 1996, p. 142, grifo nosso).</p><p>124 UNIUBE</p><p>Saquarema</p><p>Os liberais de Minas Gerais ficaram conhecidos por “luzias”, e os de</p><p>São Paulo, por “vargem grande”, isto é, pelo nome das batalhas em que</p><p>foram derrotados no ano de 1842. Os de Pernambuco foram identificados</p><p>como “praieiros”, em oposição aos “guabirus”. Já os chefes da oligarquia</p><p>conservadora fluminense acabaram designados como “saquaremas”,</p><p>pois, nessa cidade, tinham ocorrido inúmeros desmandos e violências na</p><p>escolha eleitoral. Posteriormente, luzias e saquaremas generalizaram -se,</p><p>e a designação passou a valer para todos os partidários de cada uma das</p><p>agremiações.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Nesse cenário conturbado pelo controle do poder e pelos conflitos externos</p><p>dos quais o governo imperial participou, gostaríamos de analisar as revoltas</p><p>liberais que ocorreram em São Paulo e Minas Gerais. Inicialmente, a</p><p>tendência conservadora que se observava desde os últimos anos da fase</p><p>regencial não apenas se manteve, acentuou-se. Já em 23 de novembro</p><p>de 1840 restaurou -se o Conselho de Estado, órgão que assessorava o</p><p>imperador no exercício do Poder Moderador. Em 1841, a estrutura judiciária,</p><p>implantada em 1832 com a criação do código de Processo Criminal, foi</p><p>reformulada, verificando -se o esvaziamento do poder dos juízes eleitos</p><p>nos municípios, cujas atribuições foram transferidas para juízes e tribunais</p><p>subordinados ao Poder Judiciário em sua instância central. Oficializou -se,</p><p>assim, o “regresso conservador”, frustrando as expectativas das correntes</p><p>liberais que haviam apoiado o golpe da maioridade.</p><p>Nesse contexto eclodiram as revoltas liberais de 1842, em São Paulo,</p><p>com a participação dos ex -regentes Feijó e Vergueiro e, em Minas Gerais,</p><p>liderados por Theophilo Ottoni e Limpo de Abreu. A razão imediata da</p><p>deflagração do movimento fundamentou -se no inconformismo dos liberais</p><p>UNIUBE 125</p><p>com a perda do controle político para os conservadores, os quais haviam</p><p>vencido as eleições para a Câmara. Os conservadores, alegando fraude</p><p>no processo eleitoral, denominado de “eleições do cacete”, conseguiram</p><p>que o imperador as anulasse e, posteriormente, nomeasse conservadores</p><p>para o Ministério.</p><p>Em São Paulo e em Minas Gerais foram formados governos</p><p>revolucionários.</p><p>Esses movimentos não pretendiam derrubar o</p><p>imperador, nem reivindicar mudanças de caráter social; visavam apenas</p><p>forçar a queda do gabinete conservador e a suspensão das reformas</p><p>regressistas. A revolta não contemplou as camadas populares, ficando</p><p>limitada a grupos proprietários de terras. Facilmente debelada pelas</p><p>tropas legalistas, lideradas por Luís Alves de Lima e Silva, futuro Duque</p><p>de Caxias, os principais líderes foram presos e deportados para Lisboa.</p><p>Em 1844, foi decretada anistia geral, quando os liberais retornaram ao</p><p>poder.</p><p>O parlamentarismo no Segundo Reinado4.4</p><p>O sistema de governo adotado no Segundo Reinado – o parlamentarismo</p><p>–, em parte, explica a “estabilidade” política vivida nesse período em</p><p>comparação com o conturbado período regencial. Contudo, o modelo</p><p>parlamentarista brasileiro, segundo historiadores, era uma inversão do</p><p>modelo inglês ou modelo clássico. Por isso, diz -se que, no Brasil, vivemos</p><p>um “parlamentarismo às avessas” ou “parlamentarismo fajuto”.</p><p>No modelo clássico europeu, são realizadas, em primeiro lugar, as</p><p>eleições para a Câmara dos Deputados (legislativo). Por força da</p><p>maioria do Poder Legislativo, elege -se o Gabinete de Ministros. O Poder</p><p>Executivo é exercido pelos ministros e a figura do rei, em termos políticos,</p><p>é secundária. No Brasil, cabia ao rei, com base no Poder Moderador,</p><p>escolher o primeiro ministro, o qual compunha o Gabinete Ministerial.</p><p>126 UNIUBE</p><p>Este promovia as eleições para a Câmara dos Deputados. As eleições,</p><p>sempre fraudulentas, garantiam para o partido da situação a maioria</p><p>no Legislativo. Organizado dessa forma, o parlamentarismo brasileiro</p><p>fortalecia o Executivo (por meio do Poder Moderador exercido por Pedro</p><p>II), que garantia a centralização político -administrativa do Império, tão</p><p>desejada pelos senhores de terras e escravos.</p><p>A política externa do Segundo Reinado4.5</p><p>4.5.1 A Inglaterra e suas ações coercitivas em relação ao Império</p><p>brasileiro</p><p>As pressões inglesas sobre o Brasil datam de 1808, quando a Inglaterra</p><p>apoiou a transferência da Corte portuguesa para a colônia e obteve do</p><p>príncipe regente a promessa de colaboração para combater o tráfico</p><p>negreiro. Depois, em 1810, as assinaturas dos tratados de cooperação</p><p>e amizade, priorizando interesses ingleses. Em 1815, a Inglaterra</p><p>conseguiu aprovar uma proposta no Congresso de Viena que lhe</p><p>autorizava perseguir navios negreiros que navegassem acima da linha</p><p>do Equador.</p><p>Em 1845, a situação tornou -se crítica e os ingleses aprovaram a lei “Bill</p><p>Aberdeen”, a qual autorizava a apreensão de navios que praticassem</p><p>o tráfico de africanos, pois estes contrariavam o estabelecido pela</p><p>Convenção de 23 de outubro de 1826, assinada pela Inglaterra e o Brasil</p><p>(já independente). A atitude prepotente dos ingleses provocou fortes</p><p>protestos no governo de Pedro II, mas sem soluções práticas. Afinal,</p><p>como o Brasil poderia enfrentar a maior potência militar do mundo?</p><p>Em 1850, a Lei Eusébio de Queiroz decretou a extinção do tráfico de</p><p>africanos para o Brasil, provocando modificações na estrutura política</p><p>e social do país, abrindo caminho para a transição do trabalho escravo</p><p>para o livre.</p><p>UNIUBE 127</p><p>Dois acontecimentos importantes marcaram ainda as tensões nas</p><p>relações entre o Brasil e a Inglaterra: primeiro, a criação da tarifa Alves</p><p>Branco, em 1844, que estabelecia aumento nas tarifas alfandegárias para</p><p>importação de produtos, com o objetivo de alavancar a produção industrial</p><p>interna; em segundo lugar, embora os ingleses tivessem investido muito</p><p>capital no Brasil, por meio de suas indústrias e empreendimentos, o país</p><p>ganhara um novo e crescente parceiro comercial, que eram os Estados</p><p>Unidos. Essa perda de espaço comercial fez que os ingleses ficassem</p><p>mais retaliativos em relação à questão da escravidão. E, embora</p><p>existam outros fatores que propiciaram a abolição em 1888, as pressões</p><p>exercidas pelos ingleses durante mais de meio século têm um grau de</p><p>importância que não pode ser negligenciado.</p><p>Os ingleses mostram esse “ressentimento” na chamada Questão Christie.</p><p>A pilhagem de um navio naufragado no Sul do país, em 1862, e a prisão</p><p>de dois oficiais britânicos, que provocaram confusões no Rio de Janeiro,</p><p>criaram uma crise diplomática, pois o embaixador inglês William Christie</p><p>exigiu indenização pela pilhagem e um pedido de desculpas pela prisão</p><p>dos oficiais. Como o governo não se curvou perante a exigência, o</p><p>embaixador inglês determinou a apreensão de cinco navios mercantes</p><p>brasileiros. Em face dos protestos populares, o imperador brasileiro</p><p>rompeu as relações com a Inglaterra. Fato que perdurou por três anos,</p><p>mas, ao final, D. Pedro II determinou a indenização da carga roubada,</p><p>pois as duas nações tinham interesses comuns e não convinha o</p><p>rompimento definitivo de suas relações diplomáticas.</p><p>O Império brasileiro postergou a abolição da escravatura no Brasil por</p><p>muito tempo, provocando crises internas e externas, principalmente com os</p><p>ingleses, como já vimos.</p><p>PARADA PARA REFLEXÃO</p><p>128 UNIUBE</p><p>No artigo “O começo do fim da escravidão”, publicado pela Revista Nossa</p><p>História, na edição especial “A construção do Brasil”, podemos refletir sobre</p><p>o sofrimento dos negros escravizados e as dificuldades para se fazer valer</p><p>as medidas coercitivas que tentavam acabar com a prática escravista.</p><p>Eles eram arrancados do solo natal africano e</p><p>embarcados aos montes em navios, apertados uns</p><p>contra os outros, sufocando nos fétidos porões,</p><p>mantidos a água e pão, sob terríveis condições</p><p>de higiene. Muitos não chegavam ao cabo da</p><p>viagem. Os sobreviventes eram vendidos no próprio</p><p>cais. O fim do tráfico de escravos se tornaria um</p><p>dos principais problemas e temas de discussões</p><p>do nascente Império brasileiro. No papel, a 7 de</p><p>novembro de 1831 – conforme previsto no</p><p>tratado de 1810 entre Portugal e Inglaterra –, era</p><p>abolido o tráfico africano de escravos no Brasil. A</p><p>lei declarava livre todo escravo vindo de fora do</p><p>Império e impunha severas penas aos infratores.</p><p>Mas o controle da lei era ineficaz e o tráfico soube</p><p>adaptar -se às novas condições e a entrada ilegal</p><p>de africanos continuou, com a cumplicidade das</p><p>autoridades e até a conivência de estrangeiros,</p><p>inclusive súditos britânicos residentes no Brasil.</p><p>Uma lei mais rigorosa aprovada na Inglaterra</p><p>em 1845 – a Bill Aberdeen – considerou o tráfico</p><p>pirataria, julgado como crime sujeito à repressão de</p><p>qualquer país. A Inglaterra teve atuação enérgica</p><p>e seus navios chegaram a incursionar em portos</p><p>brasileiros, apreendendo navios negreiros e</p><p>causando enormes prejuízos ao país. Foi a esta</p><p>altura que a causa do fim do tráfico encontrou no</p><p>Brasil um aliado combativo na figura do líder</p><p>conservador Eusébio de Queiroz (1812, Angola</p><p>– 1868, Rio de Janeiro). Cônscio do “impacto da</p><p>esmagadora maioria de africanos no país”, ele</p><p>propôs em 1850 a lei de extinção do tráfico atlântico</p><p>de escravos para o Brasil, que acabou finalmente</p><p>implementada.</p><p>Para suprir a demanda de mão de obra, surgiu então</p><p>a alternativa proposta pelo senador Nicolau Pereira</p><p>de Campos Vergueiro (1778, Bragança – 1859,</p><p>UNIUBE 129</p><p>Rio de Janeiro) de introduzir imigrantes europeus</p><p>como mão de obra nas lavouras de café paulista.</p><p>A primeira leva foi de imigrantes portugueses do</p><p>Minho, em 1841. Depois, vieram imigrantes suíços</p><p>e alemães, em 1847, num sistema de parceria,</p><p>conhecido mais tarde como “sistema Vergueiro”,</p><p>tentativas que ligaram o seu nome à defesa do</p><p>trabalho livre e, por conseguinte, à oposição ao</p><p>regime escravista. (REVISTA NOSSA HISTÓRIA,</p><p>2006, p. 89).</p><p>Os donos de terra não contavam com mão de obra nativa, e você se lembra</p><p>que os índios não se prestaram ao trabalho escravo. O Brasil ainda era</p><p>um país por se fazer, os colonizadores começaram do zero, os habitantes</p><p>originais destas terras ainda viviam na pré -história quando os portugueses</p><p>aqui chegaram, então se não podiam usar as pessoas escravizadas, como</p><p>então fazer produzir estas terras? Continuando a importar</p><p>pessoas.</p><p>As questões platinas4.6</p><p>Na mesma época em que se desenrolava a Questão Christie, o Império</p><p>envolveu -se em conflitos internacionais, tendo como palco a região</p><p>platina. Nos tempos do Império, o rio da Prata tinha grande importância</p><p>para o Brasil, pois constituía o melhor caminho para atingir certas regiões</p><p>de nosso interior, especialmente Mato Grosso. As regiões da Argentina,</p><p>Uruguai, Paraguai e o próprio Brasil se interessavam por aquele estuário.</p><p>A região era sempre motivo de atritos. Um dos fatores que contribuíam</p><p>para a inquietação dos brasileiros residentes perto das fronteiras e para</p><p>as autoridades eram as frequentes lutas que, desde a independência,</p><p>agitavam as repúblicas vizinhas. Os partidos blancos e colorados</p><p>dividiam a população dos uruguaios que, constantemente, penetravam</p><p>nos territórios brasileiros, provocando saques e devastações. Vários</p><p>conflitos ocorreram entre esses partidos blancos, comandados por Oribe,</p><p>e colorados, liderados por Rivera.</p><p>130 UNIUBE</p><p>Conflitos na região platina</p><p>Os conflitos do Brasil com o Uruguai e a Argentina anteciparam a eclosão</p><p>da Guerra do Paraguai. A invasão da Banda Oriental do Rio da Prata, pelo</p><p>Brasil, em 1816, acirrou as divergências entre os vizinhos do sul. Somente</p><p>em 1828 é que a Província Cisplatina se tornou independente, constituindo</p><p>o atual Uruguai.</p><p>A Província Cisplatina incorporou -se ao território</p><p>luso -brasileiro em 1821 e passou a integrar o</p><p>Império a partir da Independência; mas, após</p><p>anos de rebelião, através de mediação britânica,</p><p>desligou -se do Brasil em 1828 e passou a ser a</p><p>República Oriental do Uruguai. Frutuoso Rivera</p><p>– que integrara o Exército brasileiro, bandeando-</p><p>-se depois para os rebeldes – fundou o Partido</p><p>Colorado e foi o presidente da nova república, de</p><p>1828 a 1834. Manuel Oribe, fundador do Partido</p><p>Blanco, vinculado aos interesses argentinos, foi</p><p>eleito para a presidência em 1835, Frutuoso Rivera</p><p>moveu ferrenha oposição a Oribe e realinhou -se</p><p>ao Brasil, forçando a renúncia de Oribe em 1838</p><p>e reelegendo -se para a presidência do Uruguai.</p><p>(REVISTA NOSSA HISTÓRIA, 2006, p. 101)</p><p>A aliança entre Manuel Oribe e o argentino Juan Manuel de Rosas,</p><p>governador da província de Buenos Aires, resultou em uma reação contra</p><p>o governo imperial brasileiro. Rosas chegou a apoiar as forças farroupilhas,</p><p>declarando guerra ao Brasil em 1851. O governo imperial brasileiro buscou</p><p>apoio entre os inimigos de Rosas, dentre eles o general Justo José de</p><p>Urquiza, para derrubar o caudilho argentino. A vitória do Brasil contra Oribe</p><p>e Rosas garantiu uma paz temporária na conflituosa região do Rio da Prata.</p><p>Um dos episódios militares fundamentais aconteceu</p><p>em 17 de dezembro de 1851, quando a esquadra</p><p>brasileira, que deveria encontrar -se com o general</p><p>Urquiza, aproximou -se do perigoso e estreito passo</p><p>PARADA OBRIGATÓRIA</p><p>UNIUBE 131</p><p>de Tonelero, defendido pelas tropas do general</p><p>Mancilla, cunhado de Rosas. Os canhões argentinos</p><p>romperam fogo, a esquadra resistiu e Mancilla bateu</p><p>em retirada. A derrota final de Rosas foi na batalha</p><p>de Monte Caseros, em fevereiro de 1852, quando</p><p>a cavalaria e a infantaria aliadas, que sitiavam a</p><p>capital argentina, derrotaram as forças leais a Rosas</p><p>e marcharam até Buenos Aires para restabelecer a</p><p>paz. O caudilho refugiou -se na Inglaterra, onde morreu</p><p>em 1877. (Revista Nossa História, 2006, p. 101).</p><p>A vitória do Brasil contra Oribe e Rosas garantiu uma paz temporária na</p><p>conflituosa região do Rio da Prata. Agora que você conhece um pouco</p><p>desse assunto, vamos refletir um pouco sobre o contexto, no qual a</p><p>instabilidade interna somou -se a graves conflitos externos. O acirramento</p><p>das disputas entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai contribuíram</p><p>para desestabilizar a “harmonia” fictícia do Segundo Reinado, além de</p><p>provocar um rombo de cerca de 614 mil contos de réis, equivalentes a</p><p>11 anos de orçamento imperial, déficit saneado apenas 20 anos depois</p><p>de terminada a guerra. O novo conflito, de proporções muito mais sérias,</p><p>iniciou quando o Paraguai decidiu declarar guerra ao Brasil.</p><p>A Guerra do Paraguai</p><p>A Figura 5 a seguir, do pintor Pedro Américo, representa uma das grandes</p><p>batalhas travadas na Guerra do Paraguai. As razões do conflito geram um</p><p>polêmico debate historiográfico. Ainda hoje várias interpretações distintas</p><p>procuram explicar o fato, mas não se chegou a um consenso único, pois</p><p>a cada momento novas versões aparecem com fundamentação teórica</p><p>plausível e consistente.</p><p>132 UNIUBE</p><p>Figura 5: Batalha do Avaí, 1872 -1877. Pintura de Pedro Américo.</p><p>Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Americo -ava%C3%AD.</p><p>jpg>. Acesso em: 3 maio 2010.</p><p>A visão, tida como oficial e tradicional, foi composta, basicamente, por</p><p>relatos militares e diplomáticos, que surgiram logo após a guerra, pois</p><p>estes eram os únicos documentos (diários de viagens, cartas e outros)</p><p>que registraram o evento. Dotada de forte cunho patriótico, narrativo e</p><p>valorizando constantemente os detalhes das várias batalhas, nos atos</p><p>dos grandes heróis ou vilões, esta visão atribui o conflito às pretensões</p><p>expansionistas na região platina do presidente paraguaio Francisco</p><p>Solano López que, pela imprensa e pelos livros escolares, sempre foi</p><p>retratado como um ditador sanguinário. Assim, os brasileiros foram</p><p>“obrigados” a reagir à agressão sofrida. Seus heróis, como Tamandaré,</p><p>Osório e Caxias, foram figuras que defenderam a pátria ultrajada e se</p><p>transformaram em heróis da guerra.</p><p>A partir da década de 1960, no auge da crítica marxista às ditaduras</p><p>militares sul -americanas, estudos revisionistas procuraram analisar</p><p>o conflito com outros olhares. O argentino Leon Pomer e o jornalista</p><p>brasileiro Julio José Chiavenato se posicionaram radicalmente contra</p><p>a “história oficial”, apresentando uma visão crítica da guerra. Para eles,</p><p>UNIUBE 133</p><p>os fatores que desencadearam o evento estavam ligados às condições</p><p>da república próspera, autossuficiente e independente, cujo Estado</p><p>proporcionava ao país um meio de desenvolvimento nacionalista que o</p><p>mantinha livre do controle do capital estrangeiro, dinamizando a produção</p><p>industrial e favorecendo que os pequenos camponeses possuíssem</p><p>pequenas extensões de terras. Nesse sentido, o Paraguai vivenciava</p><p>uma política diferente da subserviência da república Argentina e do</p><p>Império do Brasil aos interesses ingleses. Neste cenário, o Paraguai</p><p>seria um obstáculo e uma ameaça à expansão britânica na bacia do Rio</p><p>da Prata.</p><p>Apesar de essas abordagens provocarem um impacto no mundo acadêmico</p><p>brasileiro, a partir da década de 1980, elas vêm sendo questionadas por</p><p>trabalhos mais recentes, como os de Ricardo Salles, de Francisco</p><p>Doratioto e de Leslie Bethell. Todos esses autores questionam as</p><p>argumentações dos colegas (o imperialismo britânico a controlar o</p><p>Brasil e a Argentina, a autonomia e a prosperidade paraguaia) que</p><p>embasaram as análises escritas e divulgadas nos meios acadêmicos.</p><p>As argumentações defendidas por eles sustentam que o Paraguai não</p><p>era contrário à presença britânica e muito menos autossuficiente. Apesar</p><p>de ocupar uma posição periférica no contexto, os investimentos ingleses</p><p>na região, que eram poucos, podem ser estudados a partir da existência</p><p>dinâmica das casas comerciais britânicas em Assunção. Outro fator</p><p>defendido pelos historiadores é a própria adesão do Paraguai ao Brasil,</p><p>por ocasião da Questão Christie. Além disso, eles provam o desinteresse</p><p>de a Inglaterra alterar o mapa geopolítico da região do Rio da Prata.</p><p>A guerra, segundo esses novos historiadores, colocava em risco as</p><p>vidas, as propriedades e os negócios britânicos na região, como de fato</p><p>aconteceu.</p><p>Segundo Linhares (1996), a Guerra do Paraguai foi motivada por razões</p><p>que se encontram, essencialmente, na dinâmica de formação dos Estados</p><p>nacionais platinos e também na disputa por predomínio econômico</p><p>desses países, sem ignorar que a presença inglesa foi também</p><p>um planejamento bem feito.</p><p>Como você pode ver, trata-se de um percurso rico em informações úteis</p><p>que tem por objetivo dar a você uma visão bem completa, embora não</p><p>exaustiva, das transformações ocorridas nos espaços urbano e agrário,</p><p>em decorrências das atividades políticas e econômicas. Esperamos que</p><p>você saiba aproveitar os conteúdos aqui desenvolvidos como ponto de</p><p>partida para novas e fecundas reflexões a respeito do tema e para novos</p><p>aprofundamentos.</p><p>Bons estudos!</p><p>Aline Turatti Alves</p><p>Nelson Ney Dantas Cruz</p><p>Introdução</p><p>Questão agrária e questão</p><p>agrícola brasileira –</p><p>relações de trabalho e</p><p>produção no campo</p><p>Capítulo</p><p>1</p><p>Da Europa feudal ao Brasil atual</p><p>Neste capítulo, estudaremos o espaço geográfico do campo,</p><p>onde o agrário e o agrícola se fundem como resultado e resposta</p><p>às demandas externas ao território brasileiro. Entenderemos</p><p>a estrutura desse espaço por meio da história de ocupação e</p><p>distribuição das terras no Brasil, bem como das políticas agrárias</p><p>e agrícolas do século XX, não nos esquecendo da história dos</p><p>trabalhadores rurais excluídos desse processo, que se levantaram</p><p>e se levantam para reivindicar justiça no campo.</p><p>Você está convidado a fazer uma viagem no tempo histórico pelos</p><p>caminhos percorridos pelos servos da França, da Alemanha,</p><p>da Itália... E, como não poderia deixar de ser, acompanhar as</p><p>movimentações do final da Idade Média na Europa, que presenciou</p><p>o renascer das cidades, das manufaturas e a maior transformação:</p><p>o surgimento de um novo modelo socioeconômico de produção, o</p><p>capitalismo comercial. Mas espere aí: o que isso tem a ver com</p><p>nossa realidade? Você verá que a chegada dos portugueses ao Brasil</p><p>esteve atrelada a esse momento e se transpôs para estas terras de</p><p>além -mar com uma arraigada e tradicional estrutura: a do latifúndio.</p><p>2 UNIUBE</p><p>Você conhece o espaço rural de seu município? Já parou para</p><p>observar se nele predominam as pequenas e médias propriedades</p><p>rurais, geralmente regidas pela produção familiar, ou se são as</p><p>grandes e modernas propriedades, empregadoras de escassa</p><p>mão de obra, mas de eficiente maquinário e insumos agrícolas?</p><p>Que predomina no campo de seu município? Como você visualiza</p><p>o espaço agrário: é o espaço da produção agrícola, o espaço não</p><p>urbanizado? Ou uma continuidade do espaço urbano, posto que</p><p>atende as suas demandas e recorre as suas tecnologias?</p><p>Para entendermos as questões agrárias e agrícolas do Brasil,</p><p>acompanharemos a transposição do modelo de estrutura fundiária</p><p>importado pelos colonizadores portugueses. Mas isso não foi há</p><p>mais de 500 anos? Pois nossas heranças se refletem na prática e</p><p>no imaginário da população brasileira. Nossa trajetória acompanhará</p><p>as práticas de distribuição de terras no Brasil, as principais leis</p><p>que regeram e regem nosso território. E ainda: como a população</p><p>insatisfeita com a concentração de terras no Brasil se revoltou e</p><p>se revolta, fez e faz história em nosso país, a despeito da visão</p><p>elitizada de nossos meios de comunicação de massa.</p><p>Meios de comunicação de massa</p><p>Embora os meios de comunicação de massa sejam os veículos da</p><p>comunicação de massa – televisão, rádio, Internet, jornais, revistas –,</p><p>tal expressão refere-se à forma como esses veículos se apropriam,</p><p>selecionam e transmitem as informações ao público: geralmente</p><p>de forma rápida, em grande volume, sendo difícil absorvê-las com</p><p>alguma reflexão.</p><p>AMPLIANDO O CONHECIMENTO</p><p>UNIUBE 3</p><p>Objetivos</p><p>Esquema</p><p>Ao finalizar o estudo deste capítulo, esperamos que você seja</p><p>capaz de:</p><p>• discutir o surgimento e a evolução das relações capitalistas</p><p>de trabalho e produção no campo;</p><p>• refletir sobre as questões agrárias e agrícolas da atualidade,</p><p>no contexto mundial e local;</p><p>• analisar, criticamente, a organização do espaço rural brasileiro</p><p>pela perspectiva agrária e agrícola;</p><p>• associar a evolução da distribuição das terras no Brasil às</p><p>desigualdades sociais evidenciadas nos espaços rurais e</p><p>urbanos;</p><p>• identificar as relações de interdependência entre espaço rural</p><p>e espaço urbano.</p><p>Questão agrária e questão</p><p>agrícola brasileira –</p><p>relações de trabalho e</p><p>produção no campo</p><p>Agrário e agrícola</p><p>Agrário e agrícola na</p><p>Europa medieval</p><p>As desigualdades</p><p>pela concentração de</p><p>terras se produzem</p><p>Estatuto da Terra, 1964:</p><p>os militares fingem</p><p>fazer reforma agrária</p><p>O surgimento do</p><p>capitalismo e a política</p><p>econômica metalista</p><p>dos países europeus</p><p>O século XX vê nascer</p><p>a luta pela justiça</p><p>na distribuição de</p><p>terras no Brasil</p><p>A colonização do</p><p>Brasil e o sistema de</p><p>capitanias hereditárias</p><p>Lei de Terras, 1850: a</p><p>terra se torna objeto</p><p>de compra e venda</p><p>Lei das Sesmarias,</p><p>de 1532 a 1822:</p><p>garantir a plantation</p><p>açucareira na colônia</p><p>4 UNIUBE</p><p>Para alcançarmos tais objetivos, dividimos o capítulo em seis partes</p><p>que se complementam. Na primeira parte, são diferenciados os termos</p><p>agrário e agrícola, para que você possa compreender do que cada</p><p>um trata quando eles aparecerem no corpo do texto. Posteriormente,</p><p>são analisadas as relações de trabalho e produção no sistema</p><p>feudal. O conteúdo teórico, desenvolvido nessa segunda parte,</p><p>constitui uma base fundamental para o entendimento do surgimento e</p><p>evolução das relações capitalistas de produção, que se relacionam</p><p>ao desenvolvimento do comércio e das cidades e à supressão gradual</p><p>das relações feudais, a partir do século XIII, na Europa.</p><p>A reflexão acerca do desenvolvimento capitalista no campo</p><p>e da instituição de novas relações de posse e apropriação da</p><p>terra é realizada no terceiro momento de discussões, em que</p><p>contextualizamos e refletimos sobre as mudanças políticas e</p><p>econômicas ocorridas na Europa a partir do século XV, mas que</p><p>se consolidam efetivamente no século XVIII. A proposta é demonstrar</p><p>como se processaram as relações de produção no campo, que foram</p><p>decisivas para que acontecesse a revolução agrícola moderna.</p><p>Essa revolução significou a consolidação do capitalismo no campo,</p><p>desencadeando mudanças importantes na agricultura e em suas</p><p>relações comerciais internacionais, além de influenciar na organização</p><p>agrária da propriedade e uso da terra.</p><p>Revolução agrícola moderna</p><p>Corresponde ao momento de consolidação do capitalismo no campo,</p><p>com abolição de diversas formas de organização agrária e agrícola</p><p>provenientes do feudalismo. Ocorreu no século XVIII juntamente</p><p>com a Revolução Industrial e a Revolução Comercial. Ampliaram -se</p><p>as relações comerciais e novas tecnologias foram introduzidas na</p><p>agricultura, potencializando a produção, bem como modificando as</p><p>relações de trabalho no meio rural.</p><p>EXEMPLIFICANDO!</p><p>UNIUBE 5</p><p>Por último (quarta, quinta e sexta partes), analisamos o espaço rural</p><p>brasileiro, para discutir a formação da propriedade rural e demonstrar</p><p>como surge o latifúndio e como este se consolida no campo.</p><p>Pretendemos discutir as desigualdades na apropriação e uso da terra</p><p>que foram se consolidando desde o processo de colonização portuguesa</p><p>no Brasil. A herança da desigualdade de apropriação da terra tornou-se</p><p>um fator preponderante para o surgimento de conflitos sociais no meio</p><p>rural, que, na contemporaneidade, manifestam -se por meio da atuação</p><p>de movimentos sociais organizados em torno da luta pela terra, em</p><p>contraposição à histórica concentração fundiária. É a partir das relações</p><p>de produção no campo que analisamos os aspectos relevantes da</p><p>organização agrária e agrícola.</p><p>As concepções de agrário e agrícola1.1</p><p>Você sabe qual é a diferença entre os termos “agrário” e “agrícola”?</p><p>Os conceitos não são equivalentes. Porém, podemos afirmar que são</p><p>complementares, já que o rural constitui -se no lócus principal de seus</p><p>enfoques investigativos. Os estudos e pesquisas em geografia agrária e</p><p>geografia agrícola são imprescindíveis para que o geógrafo compreenda</p><p>a organização de diversos espaços rurais.</p><p>A geografia agrária se difere da geografia agrícola de forma substancial:</p><p>• geografia agrária: se preocupa com a organização espacial de</p><p>uso e apropriação da terra.</p><p>um</p><p>complicador a mais no processo.</p><p>134 UNIUBE</p><p>“Guerra do Paraguai” ou “Guerra da Tríplice Aliança”?</p><p>Figura 6: Batalha naval do Riachuelo, 1882 -1883. Pintura de Victor Meirelles.</p><p>Fonte: Wikipédia. Disponível: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Batalla_Riachuelo.</p><p>gif>. Acesso em: 3 maio 2010.</p><p>Não há um consenso sobre qual nome adotar para o conflito, tendo em vista</p><p>que essa guerra gerou interpretações distintas entre as partes envolvidas</p><p>– Brasil, Argentina e Paraguai – e, ainda hoje, é ensinada com um olhar</p><p>diferente em cada país.</p><p>Se nos livros paraguaios ela tem mais importância</p><p>que a independência, é estudada sumariamente na</p><p>maior parte dos manuais brasileiros e argentinos,</p><p>enquanto os livros uruguaios a tratam como</p><p>episódio circunstancial, quase estranho à história</p><p>do país. Mas se os argentinos ainda mostram</p><p>visões desencontradas, os manuais brasileiros</p><p>já revelam a manipulação inglesa para impedir o</p><p>desenvolvimento autônomo do Paraguai, e também</p><p>os interesses expansionistas de Argentina e Brasil.</p><p>Um breve exame de alguns dos manuais usados</p><p>nesses países nos últimos anos mostra essas</p><p>diferenças, certamente devidas aos efeitos distintos</p><p>em cada um – no caso do Paraguai, à considerável</p><p>influência do conflito na formação da consciência</p><p>nacional.</p><p>AMPLIANDO O CONHECIMENTO</p><p>UNIUBE 135</p><p>Na Argentina, profundamente dividida na época, o</p><p>conflito até hoje gera polêmicas. [...]</p><p>Já a Historia do Brasil de Antoracy T. Araújo</p><p>(Editora do Brasil, 1995) conta que ao governo do</p><p>Império, como também à Inglaterra, interessava a</p><p>manutenção do equilíbrio entre Paraguai, Argentina</p><p>e Uruguai na bacia do Prata, o que facilitaria a livre</p><p>navegação e o acesso a Mato Grosso. Segundo</p><p>esse autor, a guerra foi tramada pela Inglaterra para</p><p>aumentar sua influência na região. [...]</p><p>Já no Paraguai, cuja devastação feriu profundamente</p><p>a consciência nacional, a tendência é atribuir</p><p>toda a responsabilidade pelo conflito à Argentina</p><p>e ao Brasil. Assim o manual Estúdios Sociales,</p><p>de Irmina C. De Lazcano, identifica como causas</p><p>da “Guerra da Tríplice Aliança” as questões de</p><p>fronteiras; a invasão do território uruguaio por</p><p>tropas brasileiras e o veto argentino à passagem de</p><p>tropas paraguaias pelo seu território, para acudir o</p><p>Uruguai. Esses acontecimentos teriam rompido a</p><p>“doutrina (paraguaia) do equilíbrio de forças” (isto</p><p>é, da desunião) entre seus dois vizinhos, Argentina</p><p>e Brasil, o que ameaçava a autonomia nacional.</p><p>(FRAGA, 2004, p. 42).</p><p>Conforme demonstra Rosendo Fraga em sua análise, a natureza e o</p><p>desenvolvimento dessa guerra ainda estão longe de ser uma unanimidade.</p><p>O que não é difícil entender, uma vez que a história vem sendo escrita por</p><p>vencedores e vencidos.</p><p>A Lei de Terras em 18504.7</p><p>Concomitantemente à lei que abolia o tráfico de escravos africanos para</p><p>o Brasil em 1850, a elite dominante do país conseguiu por meio dos</p><p>parlamentares, 14 dias após a promulgação da Lei Eusébio de Queirós,</p><p>a aprovação de outra lei: a Lei de Terras. Por ela, o gabinete conservador</p><p>tentava colocar ordem no caos que era a legislação territorial no país e</p><p>procurava também uma forma de compensar os proprietários.</p><p>136 UNIUBE</p><p>A nova lei retomava o debate intensificado desde 1822</p><p>sobre o fim do tráfico e a aprovação de uma política</p><p>de terras mais eficaz. O desafio de 1850 incluía</p><p>a necessidade de cadastramento, levantamento,</p><p>demarcação, verificação de registros – tudo isso num</p><p>território imenso. Mesmo assim, a Lei de Terras de 1850</p><p>foi considerada um marco na história da propriedade</p><p>fundiária do Brasil, ela determinava que as terras</p><p>devolutas não podiam ser ocupadas por qualquer outro</p><p>título que não o de compra ao Estado em hasta pública,</p><p>assegurando, porém, os direitos dos ocupantes de</p><p>terra por posse mansa e pacífica e dos possuidores</p><p>de sesmarias com empreendimentos agrícolas</p><p>estabelecidos até a data. Previa também a criação de</p><p>uma Repartição Geral de Terras Públicas.</p><p>Apesar de suas limitações, causou um forte efeito na</p><p>vida dos proprietários e produtores rurais. Se a distinção</p><p>entre terras públicas e privadas continuou difusa, os</p><p>limites entre as terras privadas ficaram mais claros.</p><p>(REVISTA NOSSA HISTÓRIA, 2006, p. 88).</p><p>Escravos alforriados, imigrantes, trabalhadores livres e pobres eram</p><p>excluídos do processo de aquisição de terras pertencentes ao Estado,</p><p>conforme podemos inferir das considerações dos historiadores Lúcia</p><p>Maria B. P. das Neves e Machado:</p><p>A relação conflituosa entre senhores de terras e os</p><p>grandes e pequenos posseiros, face a uma ausência</p><p>de legislação unificada e reguladora, após o fim</p><p>do sistema de sesmaria, em 1822, levou o governo</p><p>imperial a estabelecer a lei de Terras, em 1850.</p><p>A lei proibiu a obtenção de terras públicas, exceto</p><p>se fossem compradas, legitimou as sesmarias e as</p><p>posses adquiridas, contanto que estivessem cultivadas</p><p>e não com simples roçados, e exigiu o registro das</p><p>propriedades irregulares. A lei terminava, portanto,</p><p>com os mecanismos de distribuição de terras do Antigo</p><p>Regime, isto é, a posse ou doação da Coroa como</p><p>recompensa por serviços prestados. A terra, agora de</p><p>domínio público, só seria acessível para aqueles que</p><p>pudessem explorá -la de uma forma lucrativa. Ela se</p><p>transformou em mercadoria.</p><p>Apesar da Lei de Terras ter sido promulgada em 18</p><p>de setembro de 1850, 14 dias após a votação da lei</p><p>Eusébio de Queirós, ocorrida em 4 de setembro, não se</p><p>pode estabelecer, simplesmente, uma relação entre a lei</p><p>UNIUBE 137</p><p>e intenções de dificultar o acesso à terra aos prováveis</p><p>e futuros colonos oriundos da imigração. Ela pode ser</p><p>vista também como um instrumento jurídico de defesa</p><p>das terras devolutas pertencentes ao Estado. Não foi</p><p>decorrente, apenas, das necessidades dos cafeicultores</p><p>fluminenses porque ela refletiu questões que estavam em</p><p>pauta nos debates do Parlamento, desde 1843. Márcia</p><p>Motta, estudiosa do assunto, enfatiza que a lei expressa</p><p>interesses diversos: “direito dos posseiros que deveria ser</p><p>salvaguardado”; dos “cultivadores” que eram diferentes</p><p>dos “invasores dos terrenos alheios”, ou dos “sesmeiros,</p><p>os titulares de terras”. A autora conclui que “neste debate</p><p>de interpretações, o texto da Lei de Terras não deixou</p><p>de expressar esta arena de lutas”. “Arena de lutas” que</p><p>persistiu no campo, pois com sua regulamentação, em</p><p>1854, os conflitos continuaram, desta vez em torno da</p><p>demarcação de terras. A disputa não cessou e os conflitos,</p><p>até os dias de hoje, fazem parte do nosso cotidiano.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 148).</p><p>A era Mauá4.8</p><p>Irineu Evangelista de Sousa, o barão de Mauá, foi o maior “empreendedor”</p><p>do século XIX. Homem talentoso e competente, captou e investiu</p><p>recursos do capital inglês no Brasil, propiciando um surto industrial que</p><p>trouxe desenvolvimento em vários setores de nossa economia a partir</p><p>da década de 1850. Seus empreendimentos e suas empresas não</p><p>vingaram em virtude dos interesses da aristocracia rural, principalmente</p><p>a elite de cafeicultores, que pressionou o governo para reformular a</p><p>política alfandegária protecionista, que era um obstáculo à importação</p><p>de produtos de luxo (que os lucros do café lhes permitiam). Com a</p><p>modificação da tarifa de importação para 15% ad valorem, em 1857,</p><p>sobre as importações de matérias -primas e máquinas para a indústria,</p><p>as mais importantes indústrias de Mauá, como o estaleiro da Ponta da</p><p>Areia, tiveram que ser vendidas ou simplesmente fechadas.</p><p>138 UNIUBE</p><p>Figura 7: Barão de Mauá.</p><p>Pintura de Édouard Viénot.</p><p>Fonte: Imagem de domínio público.</p><p>Disponível em: <http://commons.wikimedia.</p><p>org/wiki/File:Irineu_Evangelista_de_</p><p>Sousa.jpg>. Acesso em: fev. 2010.</p><p>Os historiadores Neves e Machado relatam a trajetória deste homem</p><p>empreendedor e arrojado do século XIX:</p><p>O barão de Mauá participou ativamente das mudanças</p><p>no Sudeste a partir de 1850. Nascido em Arroio Grande,</p><p>no Rio Grande do Sul, teve uma infância pobre. No</p><p>Rio de Janeiro, tornando -se empregado de várias lojas</p><p>até passar a</p><p>trabalhar para a firma inglesa de Ricardo</p><p>Carruthers & Cia. Após sete anos tornou -se sócio e</p><p>com a orientação de Carruthers, que no ano seguinte</p><p>retornou à Inglaterra, coordenou os negócios da firma.</p><p>Posteriormente Mauá embarcou para a Inglaterra</p><p>em 1840 onde conheceu o “mundo industrial” inglês.</p><p>Estabeleceu sociedade com um português, sócio de</p><p>Carruthers, tornando -se o elo com as finanças inglesas.</p><p>Retornou ao Brasil com diversos planos ligados ao</p><p>capital britânico.</p><p>A segunda metade do século XIX se caracterizou</p><p>pela expansão do capitalismo e seu ingresso na</p><p>fase imperialista. Os donos do capital desejavam</p><p>não só exportar seus artigos, mas também controlar</p><p>os países produtores de matérias -primas através de</p><p>investimentos, especialmente no setor de serviços. A</p><p>Inglaterra, especificamente, participou da construção</p><p>de ferrovias, melhoria dos portos, estabelecimento de</p><p>companhias de navegação e de transportes urbanos.</p><p>Os capitais ingleses investidos no Brasil representaram,</p><p>em 1880, aproximadamente 45% do total aplicado na</p><p>América Latina. A Inglaterra exerceu um verdadeiro</p><p>UNIUBE 139</p><p>monopólio sobre o comércio externo brasileiro e demais</p><p>atividades produtivas até a Primeira Guerra Mundial,</p><p>quando começou a ser superada pelos Estados Unidos.</p><p>O domínio da economia do Império brasileiro pelo</p><p>capital inglês vinculava -se à adoção de uma política</p><p>tarifária livre -cambista, em vigor até 1844, quando</p><p>foi estabelecida a tarifa Alves Branco, referência</p><p>ao ministro da Fazenda Manuel Alves Branco.</p><p>Aproximadamente três mil artigos importados tiveram</p><p>sua taxa alfandegária, que era de 15% ad valorem,</p><p>aumentada entre 20 e 60%. Essa elevação da alíquota</p><p>de importação era a forma de o governo melhorar sua</p><p>arrecadação fiscal. Apesar da sua criação não visar</p><p>à proteção da indústria nacional, as tarifas Alves</p><p>Branco favoreceram novos empreendimentos no setor</p><p>manufatureiro porque criavam barreiras ao comércio</p><p>importador. Cabe ressaltar que o aumento da pressão</p><p>inglesa contra o tráfico de escravos, com a aprovação</p><p>do Bill Aberdeen, em 1845, foi a forma de retaliação</p><p>da Inglaterra às novas medidas do governo imperial.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 306 -307).</p><p>Com a supressão do tráfico negreiro em 1850, os capitais, que antes</p><p>eram aplicados na compra dos escravos, foram utilizados em diversas</p><p>atividades.</p><p>As cidades modernizaram -se, pequenas indústrias surgiram e deram</p><p>início à formação de uma nova camada mais fortalecida – a dos operários.</p><p>A província do Rio de Janeiro transformou -se em um polo industrial com</p><p>fábricas de chapéu, sabão, de tecidos, companhias de seguro, bancos,</p><p>estradas de ferro, empresas de mineração, transporte urbano e outros.</p><p>Segundo Neves e Machado (1999, p. 308), “as raízes de uma incipiente</p><p>industrialização estavam lançadas, apesar do domínio da estrutura</p><p>escravista que dificultava o seu desenvolvimento”. O Estado imperial</p><p>incentivou essas mudanças, por meio de medidas paliativas e sem</p><p>continuidade.</p><p>140 UNIUBE</p><p>Dentro desse contexto é que se deve analisar a</p><p>atuação de Mauá. Não apenas sua admiração pelo</p><p>desenvolvimento industrial da Inglaterra, mas também</p><p>sua associação com o capitalismo britânico foi o que</p><p>permitiu uma modernização no Sudeste, em especial</p><p>na capital do Império. [...] Adquiriu, em 1846, aos 33</p><p>anos, uma fundição em Ponta da Areia, em Niterói,</p><p>transformando -a em um estaleiro. Paralelamente,</p><p>desenvolveu outros setores da produção: fundição de</p><p>ferro e bronze, calderaria, serralharia, mecânica etc.</p><p>um ano depois, este conjunto industrial, que já contava</p><p>com mil operários, fabricava encanamentos para água,</p><p>caldeiras para máquinas a vapor, serras, guindastes,</p><p>prensas e outras maquinarias, além de ter construído 72</p><p>navios, destinados ao transporte de tropas durante as</p><p>guerras no Prata e à navegação de cabotagem.</p><p>Irineu conseguiu também privilégios para explorar, por</p><p>trinta anos, a navegação do rio Amazonas. Fundou</p><p>a Cia. de Navegação a Vapor do Rio Amazonas,</p><p>composta por navios fabricados em Ponta da Areia. [...]</p><p>Com a abertura da área à livre navegação, em 1866,</p><p>a companhia de Mauá perdeu o monopólio e acabou</p><p>sendo incorporada à Amazon Steam Navigation.</p><p>O empresário destacou -se no setor de serviços</p><p>públicos, transportes e comunicações pelo seu</p><p>pioneirismo. Introduziu o telégrafo submarino, que</p><p>permitiu a ligação entre o Brasil e a Europa. Descoberto</p><p>em 1837, o telégrafo tornou possível a transmissão de</p><p>mensagens entre os Estados Unidos e a Europa, em</p><p>1852. No mesmo ano, já operava uma linha entre a</p><p>Corte e cidades próximas, como Petrópolis. [...] Ganhou</p><p>o título de visconde em virtude desse empreendimento,</p><p>e mais tarde vendeu a concessão a uma empresa</p><p>britânica, a Brazilian Submarine Telegraph Company,</p><p>pelo preço simbólico de uma libra.</p><p>Mauá atuou em vários empreendimentos na capital,</p><p>como no abastecimento d’água. Os canos do rio</p><p>Maracanã levaram a água para 23 bicas do perímetro</p><p>urbano e mais 21 torneiras instaladas nos arredores</p><p>do Rio de Janeiro, mas não eram suficientes para</p><p>resolver o problema de abastecimento da cidade.</p><p>[...] [Posteriormente] o governo imperial concedeu a</p><p>exploração ao engenheiro inglês Antonio Gabrielli,</p><p>vinculado aos banqueiros Rothschild. Mauá</p><p>sofreu um grande prejuízo financeiro, não obtendo</p><p>nenhuma indenização pelos gastos efetuados no</p><p>empreendimento. [...]</p><p>UNIUBE 141</p><p>O empreendedor barão fundou também a Companhia</p><p>de Iluminação a Gás do Rio de Janeiro para substituir</p><p>os velhos lampiões a óleo de peixe. [...] [Apesar do</p><p>desinteresse do governo imperial, conseguiu viabilizar</p><p>a empresa quando, em 1854, iluminou algumas ruas</p><p>e praças do centro da cidade. Mauá conseguiu lucros</p><p>consideráveis com essa empresa, transformando -a na</p><p>mais lucrativa do seu conglomerado econômico. [...]</p><p>Mauá esteve vinculado também ao crescimento urbano</p><p>da cidade do Rio de Janeiro. [...] Foram nas ferrovias,</p><p>porém, que ocorreram os maiores investimentos de</p><p>Mauá no setor de transporte. Inaugurou, em 1854, a</p><p>primeira ferrovia do Brasil que ligava o porto de Mauá,</p><p>no fundo da baía de Guanabara, à raiz da serra da</p><p>Estrela, com uma extensão de 18 quilômetros para</p><p>chegar a Petrópolis e Minas Gerais. Esse trecho</p><p>ferroviário tornou -se deficitário em virtude do pouco</p><p>movimento de mercadorias e da concorrência,</p><p>posteriormente, da Estrada de Ferro Pedro II (mais</p><p>tarde, Central do Brasil). (NEVES; MACHADO, 1999, p.</p><p>308 -310).</p><p>Mauá se envolveu em todos os empreendimentos relacionados com as</p><p>ferrovias em diversas regiões do Brasil.</p><p>Associou -se à construção da estrada de ferro Santos-</p><p>-Jundiaí, denominada depois São Paulo Railway, que</p><p>se destacou dos outros empreendimentos e lhe trouxe</p><p>desastrosas consequências econômico -financeiras.</p><p>As restrições de financiamento dos banqueiros</p><p>ingleses, especificamente os Rotschild, causaram uma</p><p>verdadeira sangria nos recursos de Mauá. Além de</p><p>arcar com uma imensa dívida, teve que utilizar recursos</p><p>de seus próprios empreendimentos.</p><p>O Banco Mauá, MacGregor & Cia. tinha 19 sucursais</p><p>em todo o Império, além de Londres, Paris, Nova York,</p><p>Montevidéu, Buenos Aires, e outras cidades uruguaias</p><p>e argentinas. [...] Investindo capitais em empresas</p><p>para melhoria dos serviços públicos em Montevidéu,</p><p>financiou companhias para o cultivo do algodão,</p><p>fabricação de gelo, de ladrilho, de azulejos e para</p><p>atividades pecuárias. [...] Conforme Lídia Besouchet,</p><p>Mauá foi o “agente financeiro mais importante da</p><p>Argentina, pois seu banco era também encarregado</p><p>da cobrança das rendas fiscais, rendas que ele</p><p>adiantava ao governo”. O envolvimento do Império nos</p><p>142 UNIUBE</p><p>conflitos internos do Uruguai e da Argentina e a Guerra</p><p>do Paraguai provocaram uma sucessão de crises</p><p>que afetaram a solidez do banco, contribuindo para a</p><p>falência de Mauá. [...]</p><p>A pressão dos importadores contra as tarifas Alves</p><p>Branco se intensificou, sendo que, já em 1849, foi</p><p>formada uma comissão para rever a política tarifária.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999,</p><p>p. 310 -311).</p><p>Posteriormente, surgiram outras tarifas que prejudicaram o complexo de</p><p>Ponta da Areia.</p><p>Os produtos estrangeiros, mais baratos, passaram a</p><p>fazer concorrência aos fabricados nos estabelecimentos</p><p>industriais brasileiros. Paralelamente à política de</p><p>abertura de mercado aos artigos estrangeiros, houve</p><p>o estabelecimento de medidas deflacionárias com</p><p>restrições ao crédito. A mudança foi um verdadeiro</p><p>golpe fatal em qualquer novo empreendimento. Mauá</p><p>começou a perder suas empresas para capitalistas</p><p>estrangeiros. [...]</p><p>Por causa das pressões do setor importador e predomínio</p><p>dos interesses agrários, não houve um protecionismo</p><p>que garantisse a expansão manufatureira; o ingresso</p><p>de produtos estrangeiros, mais baratos, provocava</p><p>manifestos dos proprietários de manufaturas. [...]</p><p>Deve -se ainda ressaltar que o Brasil, na segunda</p><p>metade do século XIX, apoiava -se em uma estrutura</p><p>socioeconômica baseada no trabalho escravo e nas</p><p>exportações de produtos primários e matérias -primas</p><p>para os grandes centros consumidores europeus e</p><p>norte -americano. O mercado interno era incipiente para</p><p>absorver a produção manufatureira. Sem modificações</p><p>estruturais, qualquer empreendimento industrial</p><p>tenderia ao fracasso. Assim, as iniciativas de Mauá</p><p>tiveram uma efêmera duração. (NEVES; MACHADO,</p><p>1999, p. 312).</p><p>4.9 O processo de transição de monarquia para a república</p><p>no final do século XIX</p><p>A partir de 1870, com o fim da Guerra do Paraguai, inúmeros fatos,</p><p>atitudes e mudanças de pensamento favoreceram a Proclamação</p><p>da República em 1889. Nos textos indicados para sua leitura, você</p><p>UNIUBE 143</p><p>perceberá que os militares almejavam maior participação política,</p><p>apoiados principalmente por duas novas doutrinas do pensamento</p><p>moderno: o positivismo e o republicanismo. Além disso, um conjunto</p><p>social expressivo se uniu para pôr fim à monarquia brasileira: o grupo</p><p>de cafeicultores.</p><p>Você já estudou sobre a doutrina positivista de Auguste Comte e sabe que</p><p>para os positivistas a sociedade precisa de ordenamento para evitar o caos,</p><p>conforme informações do historiador José Murilo de Carvalho.</p><p>O positivismo era, sobretudo, uma filosofia da história e uma teoria política.</p><p>Dentro da visão evolucionista do século XIX, que incluía o darwinismo e o</p><p>marxismo, Comte desenvolveu a lei dos três estados. Segundo essa lei,</p><p>a humanidade passaria por uma fase chamada de teológico -militar, em</p><p>que o poder espiritual estava nas mãos de sacerdotes e o temporal, na de</p><p>militares. A seguir, entraria na segunda fase, denominada metafísica, em</p><p>que o predomínio espiritual era de filósofos e o governo estaria na mão</p><p>de legistas, e o regime político seria a democracia. As nações ocidentais</p><p>estariam nessa fase. A terceira fase seria a positiva. Os sociólogos, isto é,</p><p>os sacerdotes positivistas, controlariam o poder espiritual, e a burguesia, o</p><p>poder material. O regime político nessa fase seria a ditadura republicana. A</p><p>principal tarefa da ditadura republicana era garantir a liberdade espiritual e</p><p>incorporar os proletários à sociedade.</p><p>[...] O Brasil foi o país em que o positivismo religioso</p><p>teve maior influência, se levarmos em conta o</p><p>número de adeptos, a criação de uma igreja e o</p><p>impacto no pensamento e na política. Rio de Janeiro</p><p>e Rio Grande do Sul foram os principais focos dessa</p><p>influência, que se exerceu, sobretudo, no período</p><p>entre 1880 e 1930. Além do templo do Rio, há uma</p><p>capela positivista em Porto Alegre. Inicialmente, o</p><p>positivismo chegou até nós pela ação de militares,</p><p>médicos e engenheiros formados na França.</p><p>(CARVALHO, 2005, p. 70).</p><p>IMPORTANTE!</p><p>144 UNIUBE</p><p>D. Pedro II, muito enfermo, viajava com frequência ao exterior, deixando</p><p>a princesa Isabel como regente. O imperador se refugiava na Europa,</p><p>respirando os ares de civilização, progresso e requinte, que o auxiliavam</p><p>compensando as agruras e distúrbios, tanto políticos como de sua saúde</p><p>debilitada. No Brasil, era alvo constante dos jornalistas e cartunistas, os</p><p>quais ridicularizavam sua pessoa e suas ações, descrevendo -o como um</p><p>fraco, ingênuo, indiferente e incompetente monarca. Sua filha, Isabel, não</p><p>era bem -vista para sucedê -lo no trono por ser mulher, embora tenha sido</p><p>educada como primeira na linha de sucessão da Coroa; e seu marido, o</p><p>Conde D’Eu, também não servia ao Império, porque, apesar de ser um</p><p>nobre francês, não tinha o sangue da família real.</p><p>O historiador Robert Daibert Junior, em artigo publicado na Revista Nossa</p><p>História, relata sobre a devoção de ex -escravos pela princesa Isabel que</p><p>assinou a lei de abolição da escravidão no país, em 1888, quando estava</p><p>governando interinamente por D. Pedro II.</p><p>O historiador relata que seis anos após a abolição da escravatura ainda</p><p>encontravam -se ex -escravos que comemoravam a abolição, a princesa</p><p>Isabel e a monarquia.</p><p>Curiosamente, celebrações como essas foram muito</p><p>comuns e se multiplicaram por todo o país desde a</p><p>assinatura da Lei Áurea, em 1888. Foi assim que</p><p>a princesa se consagrou, no imaginário popular,</p><p>como a “Redentora”. Mas o que teria tornado</p><p>possível esse tipo de “canonização”? Por que os</p><p>ex -escravos – muitos dos quais lutaram bravamente</p><p>pelo fim do escravismo – dobravam seus joelhos,</p><p>respeitosamente, diante da princesa branca? Teria</p><p>sido esta uma prova de “alienação”, como se diria</p><p>hoje? Como eles interpretavam a atitude de Isabel?</p><p>Entre negros africanos e seus descendentes,</p><p>a figura da princesa se revestiu, por décadas,</p><p>de um significado muitas vezes incompreendido</p><p>até mesmo pelos monarquistas destronados.</p><p>Meses antes da queda do Império, o republicano</p><p>SAIBA MAIS</p><p>UNIUBE 145</p><p>Rui Barbosa comentava indignado o fenômeno.</p><p>Inconformado com as manifestações de gratidão</p><p>que os negros devotavam à princesa Isabel, ele só</p><p>encontrava uma explicação para o fato: eles não</p><p>sabiam como desfrutar da liberdade alcançada.</p><p>Encarava essa devoção como mau uso da condição</p><p>adquirida. Via essas atitudes e comemorações</p><p>como expressões de servilismo e subserviência.</p><p>Nas palavras do jurista e político, publicadas no</p><p>Diário de Notícias, de 19 de março de 1889, “ao</p><p>manipanso (ídolo africano) grotesco das senzalas,</p><p>próprio para a gente da África, sucedia o feiticismo</p><p>da idolatria áulica, digna de uma nação de libertos</p><p>inconscientes”. De acordo com a apreciação de Rui,</p><p>os negros estariam dando continuidade ao costume</p><p>de adorar ídolos. [...]</p><p>Não se tratava de uma má assimilação da ideia de liberdade, mas de uma</p><p>maneira diversa de compreender e comemorar essa conquista. Invertendo-</p><p>-se o olhar, a inconsciência não vinha dos negros, mas do próprio Rui, que</p><p>não conhecia nem compreendia os meandros da cultura africana. (DAIBERT</p><p>JUNIOR, 2004, p. 31).</p><p>Nesse sentido, constata -se que até mesmo na formação e organização dos</p><p>quilombos, os ex -escravos se organizavam em um governo em que havia</p><p>um rei e uma rainha.</p><p>Em 1887, quando o imperador fez sua última viagem para a Europa, com</p><p>o estado de saúde agravado, deixou o país imerso em grave crise: fugas</p><p>maciças de escravos; insatisfação dos militares; propaganda republicana</p><p>bombardeando a monarquia, enfim o Império encontrava -se em um</p><p>verdadeiro caos. Os princípios republicanos surgem como instrumentos</p><p>que poderiam colocar “ordem” na sociedade brasileira. Questionavam-</p><p>se os valores e a manutenção da monarquia. Concomitantemente, as</p><p>transformações das relações de trabalho escravo para mão de obra</p><p>livre, resultante das necessidades emergentes dos cafeicultores, com a</p><p>146 UNIUBE</p><p>iminente abolição da escravidão no país; a valorização das nascentes</p><p>indústrias objetivando a inserção do Brasil nos quadros internacionais de</p><p>desenvolvimento capitalista; a imigração de europeus para suprir o déficit</p><p>de mão de obra nos campos e nas cidades; tudo isso contribuía para o</p><p>debate e a crítica do momento político vivido em fins do Império no Brasil.</p><p>Detendo -nos em alguns antecedentes que abalaram os alicerces da</p><p>monarquia, de acordo com Linhares, a criação do Partido Republicano,</p><p>a partir de 1870, tornou -se peça importante nesse processo de transição</p><p>da monarquia para a república no país:</p><p>Em 1870, alguns dos elementos mais radicais do</p><p>extinto Partido Progressista organizaram no Rio de</p><p>Janeiro o Partido Republicano. Em seu manifesto</p><p>podem -se ler, ao lado da pregação federalista contra a</p><p>centralização imperial, princípios do liberalismo clássico</p><p>como representação política, direitos e liberdades</p><p>individuais. Organizados no Rio de Janeiro, suas</p><p>propostas refletiram as preocupações de intelectuais e</p><p>profissionais liberais. Os republicanos do Rio de Janeiro</p><p>não conseguiriam, contudo, constituir um partido sólido.</p><p>Algo diferente se daria com o Partido Republicano Paulista</p><p>(PRP). Apesar de ser constituído por profissionais</p><p>liberais, a presença de proprietários rurais era também</p><p>expressiva. Na verdade, o PRP refletia os interesses</p><p>dos setores cafeeiros da província – em expansão</p><p>no período. E isso modelaria, em certa medida, a sua</p><p>prática. A preocupação majoritária do PRP não era com</p><p>o governo representativo ou os direitos individuais, nos</p><p>moldes dos republicanos do Rio de Janeiro, mas sim</p><p>com o federalismo, ou seja, a autonomia provincial.</p><p>O governo que desejavam era aquele que atendesse</p><p>melhor a seus interesses de classe. E isso poderia</p><p>ser mais bem alcançado mediante o fortalecimento do</p><p>governo dos estados (antigas províncias). Por sua vez,</p><p>ao expressar os interesses da cafeicultura paulista, o</p><p>PRP, destoando dos republicanos da Corte, não tinha</p><p>uma posição clara em relação à escravidão. Somente</p><p>em 1887 é que ele abertamente se pronunciaria contra</p><p>o trabalho escravo. Por último, também diferentemente</p><p>do Partido Republicano do Rio de Janeiro, os paulistas</p><p>articularam um partido com uma forte estrutura</p><p>organizacional, com extensão em vários municípios do</p><p>interior paulista. Talvez, ao final do Império, o PRP se</p><p>constituísse no único grupo político civil organizado.</p><p>(LINHARES, 1996, p. 209).</p><p>UNIUBE 147</p><p>Todas as transformações ocorridas na segunda metade do século XIX</p><p>– a mudança do setor agrícola com o predomínio na produção de café,</p><p>que consolidou a transferência do poder econômico do Nordeste para a</p><p>região Centro -sul do país, a formação de uma elite cafeicultora dominante</p><p>no Vale do Paraíba e, depois, no Oeste Paulista, que tinha seus</p><p>representantes nos partidos políticos vigentes (principalmente no caso</p><p>de São Paulo com o PRP) e o aparecimento de camadas médias urbanas</p><p>(profissionais liberais, pequenos e médios comerciantes, funcionários</p><p>públicos etc.) – intensificavam a vida cultural e intelectual das cidades,</p><p>possibilitando às pessoas a formação de uma opinião pública mais</p><p>crítica capaz de se mobilizar contra a escravidão e a opressão do regime</p><p>monárquico. Para o grupo de cafeicultores deixou de ser interessante</p><p>manter o regime monárquico quando a abolição da escravatura ocorreu</p><p>em 1888. Unidos a esse grupo de civis, os militares, insatisfeitos com sua</p><p>relativa importância dentro do Império, somaram forças para a destituição</p><p>do imperador em 1889.</p><p>Você sabe de onde vem a expressão “O ocaso do Império”?</p><p>A expressão foi utilizada pelo historiador Oliveira Viana para indicar o período</p><p>de decadência do Império brasileiro em fins do século XIX. Recorrendo a</p><p>outras referências literárias, podemos considerar que:</p><p>[...] o fim do Império foi a crônica de uma morte</p><p>anunciada. Anunciada talvez quando D. João,</p><p>mortalmente ameaçado por Napoleão, fugiu para os</p><p>trópicos; ou quando D. Pedro I, apesar de declarar</p><p>a Independência, abdicou em menos de dez anos;</p><p>ou através do reinado de quase meio século de</p><p>Pedro II, quando o monarca, por vezes ditoso,</p><p>foi vendo o cerco se apertar, em meio às tensões</p><p>conflitantes dos interesses das classes dominantes,</p><p>as ambições políticas e partidárias, das campanhas</p><p>republicana e abolicionista, da insatisfação</p><p>crescente no Exército e, como pano de fundo, os</p><p>efeitos sociais da Guerra do Paraguai e os anseios</p><p>da grande massa de excluídos. (REVISTA NOSSA</p><p>HISTÓRIA, 2006, p. 157).</p><p>PARADA OBRIGATÓRIA</p><p>148 UNIUBE</p><p>D. Pedro II conhecia as limitações da monarquia no Brasil e tinha</p><p>consciência de que ela estava com os dias contados. Ainda assim, é preciso</p><p>reconhecer a importância do período monárquico para a formação do país.</p><p>Numa visão imparcial e distanciada, ninguém</p><p>pode negar que o Império (e o seu prelúdio,</p><p>a regência de D. João) ocupou oito décadas do</p><p>século XIX na História do Brasil e foi determinante</p><p>para a formação da nacionalidade. (REVISTA</p><p>NOSSA HISTÓRIA, 2006, p. 157).</p><p>Resumo</p><p>A história política do Império brasileiro inicia -se com a vinda da Família</p><p>Real Portuguesa para o Brasil em 1808. Contudo, a consolidação do</p><p>sistema político imperial aconteceu realmente durante o Segundo</p><p>Reinado, com sua singularidade: sistema monárquico, unidade,</p><p>centralização e baixa representatividade. D. Pedro II tornou -se imperador</p><p>após uma articulação política que ficou conhecida como golpe da</p><p>maioridade, mas, como pudemos observar, nem todas as camadas da</p><p>sociedade estavam satisfeitas com as condições políticas, sociais e</p><p>econômicas vividas nas províncias. O imperador enfrentou os efeitos</p><p>das diversas revoltas que haviam começado no período regencial e</p><p>que demonstravam a insatisfação popular; além disso, as tensões e</p><p>os conflitos na região do Rio da Prata, que culminaram com a onerosa</p><p>Guerra do Paraguai, abalaram as finanças do governo imperial. Com</p><p>base neste estudo, pudemos observar que havia uma balança política</p><p>que, de certa maneira, era “compartilhada” por liberais e conservadores,</p><p>que se alternavam no poder. Implantaram um sistema parlamentarista “às</p><p>avessas”, e o Poder Moderador era exercido pelo imperador conforme</p><p>as necessidades do momento.</p><p>UNIUBE 149</p><p>Vale a pena ressaltar que esse período de nossa história também é muito</p><p>rico em acontecimentos que fizeram as cidades progredirem, como os</p><p>empreendimentos realizados pelo barão de Mauá: industrialização;</p><p>ferrovias; sistema de abastecimento de água, de iluminação; sistema</p><p>de crédito; enfim, inúmeros projetos colocados em execução graças à</p><p>determinação desse homem visionário. Procuramos refletir sobre as</p><p>implicações e inter -relações entre a promulgação da Lei de Terras e da</p><p>Lei Eusébio de Queirós, que pôs fim ao tráfico africano de escravos.</p><p>Embora muito controversa, abordamos a relação dos ex -cativos com a</p><p>princesa que lhes concedeu a liberdade, em 1888. E, nesse contexto</p><p>tão abrangente, tenso, multifacetado, procuramos delinear, para melhor</p><p>compreensão, o processo de transição do sistema monárquico para o</p><p>republicano no Brasil do século XIX.</p><p>Referências</p><p>ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; RIBEIRO, Marcus. História da sociedade</p><p>brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996.</p><p>CARVALHO, José Murilo de. A humanidade como deusa. In: Revista de História da</p><p>Biblioteca Nacional. Rio de Janeiro: FBN, ano 1, n. 1, p. 70, jul. 2005.</p><p>CASCUDO, Luis da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. 11. ed. São Paulo:</p><p>Global, 2001.</p><p>DAIBERT JUNIOR, Robert. Sob o manto de Isabel. In: Revista Nossa História. São Paulo:</p><p>Vera Cruz, ano 1, n. 12, p. 31, out. 2004.</p><p>FRAGA, Rosendo. Uma guerra e muitas versões. In: Revista Nossa História. São Paulo:</p><p>Vera Cruz, ano 2, n. 13, p. 42 -44, nov. 2004.</p><p>LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro:</p><p>Campus, 1996.</p><p>NEVES, Lucia M. B. P. das; MACHADO, H. F. O Império do Brasil. Rio de Janeiro:</p><p>Nova Fronteira, 1999.</p><p>150 UNIUBE</p><p>PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da história do Brasil.</p><p>3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.</p><p>REVISTA NOSSA HISTÓRIA. A construção do Brasil: fatos, pessoas e ideias que</p><p>formaram a nação. Rio de Janeiro: Vera Cruz, 2006.</p><p>SCHWARCZ, Lília Moritz. As barbas do imperador. D. Pedro II, um monarca nos</p><p>trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.</p><p>SKIDMORE, Thomas E. Uma história do Brasil. 3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.</p><p>Ana Cláudia Alves Pinto</p><p>Introdução</p><p>A importância</p><p>do café</p><p>no Segundo Reinado</p><p>e as transformações</p><p>socioeconômicas e culturais</p><p>Capítulo</p><p>5</p><p>Na parte anterior, você compreendeu a consolidação e autonomia</p><p>do Império durante o Segundo Reinado com D. Pedro II. Percebeu</p><p>a formação das forças políticas do país como um conjunto de</p><p>interesses particulares e elitizantes, os quais colocaram à</p><p>margem de todo o processo de transição da monarquia para a</p><p>república a grande massa de brasileiros, entre os quais negros,</p><p>índios, mestiços, mulheres, imigrantes, enfim, todos os que não</p><p>pertenciam às oligarquias dominantes.</p><p>Agora, neste capítulo, você irá conhecer:</p><p>• as transformações sociais ocorridas durante esse período – o</p><p>auge da produção cafeeira no Brasil;</p><p>• as mudanças relacionadas a esta cultura agrícola no Vale do</p><p>Paraíba e no Oeste paulista;</p><p>• os caminhos que nos mostram como foram construídas as</p><p>bases para a ideia da nacionalidade brasileira, a introdução</p><p>de inovações tecnológicas e os movimentos culturais do país.</p><p>152 UNIUBE</p><p>Objetivos</p><p>Esquema</p><p>Ao longo do estudo deste capítulo, esperamos que você seja</p><p>capaz de:</p><p>• analisar a importância da economia cafeeira como fator</p><p>impulsionador pelas alterações ocorridas no cenário nacional</p><p>do Brasil, que proporcionou as mudanças socioeconômicas,</p><p>políticas e culturais do período e seus reflexos no contexto</p><p>internacional;</p><p>• compreender e analisar as permanências e as diferenças</p><p>entre as atividades desenvolvidas pelos “barões de café” do</p><p>Vale do Paraíba e do Oeste Paulista;</p><p>• valorizar o papel desempenhado pelos tropeiros que facilitaram</p><p>as comunicações entre as regiões do país e compreender a</p><p>reação dos posseiros e dos índios na preservação das terras</p><p>que lhes pertenciam, expropriadas pela expansão do café;</p><p>• identificar outras atividades econômicas que se desenvolveram</p><p>no século XIX e que, concomitantemente com a atividade</p><p>cafeeira, projetaram o Brasil de modo oscilante, no cenário</p><p>internacional;</p><p>• compreender o refinamento, a opulência e a importância da</p><p>nova nobreza brasonada, principalmente na região do Vale</p><p>do Paraíba e, posteriormente, na região do Oeste paulista;</p><p>• compreender a importância da produção cultural do Segundo</p><p>Reinado, como marco expressivo da “redescoberta” da nação</p><p>idealizada pelo imperador e entender a revalorização do passado</p><p>do país a partir dos movimentos culturais perpetuados com a</p><p>revitalização do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.</p><p>5.1 O Império é o café</p><p>5.1.1 A marcha do café – O império do Vale</p><p>5.1.2 O Oeste paulista</p><p>5.2 O Império não era só o café</p><p>5.3 Viver no Império: a cultura, o lazer, a intelectualidade e a</p><p>memória</p><p>UNIUBE 153</p><p>O Império é o café5.1</p><p>A Independência do Brasil não provocou modificações na estrutura</p><p>econômica colonial, preservando intacta a grande lavoura de exportação</p><p>e a utilização da mão de obra escrava. Apesar do rompimento dos laços</p><p>comerciais com Portugal, o quadro colonial continuou o mesmo. O</p><p>Nordeste açucareiro estava em crise, a mineração estava em declínio e</p><p>não havia, ainda, surgido outro produto para solucionar os problemas de</p><p>um país agroexportador. A primeira metade do século XIX, assim, foi um</p><p>período de crise econômica.</p><p>A partir dos anos 1940 esse quadro começou a modificar-se com o</p><p>surgimento de um produto que permitiu a reintegração da economia</p><p>brasileira no cenário do comércio mundial em expansão: o café.</p><p>Por isso, era comum ouvir, durante o Segundo Reinado, que o “Império é o café”</p><p>ou “O Brasil é o Vale”, remetendo-se à produção no Vale do Paraíba.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>A segunda metade do século XIX foi, então, um período de modificações</p><p>econômicas, geradas e propiciadas pela lavoura cafeeira, assim como</p><p>a primeira metade do século fora um período de modificações políticas</p><p>(estudado no capítulo anterior).</p><p>É preciso observar também que essas modificações econômicas são</p><p>resultado da reintegração do país no contexto mundial. Com a divisão</p><p>internacional do trabalho, tendo a Inglaterra como centro desse sistema,</p><p>o Brasil se encaixa na divisão como um país periférico.</p><p>154 UNIUBE</p><p>INDUSTRIALIZAÇÃO + CAPITALISMO</p><p>Fizeram que a agricultura perdesse a importância que tinha no passado.</p><p>Exigiram um consumo cada vez maior de matérias-primas.</p><p>Aos países não industrializados coube o papel de fornecedores de</p><p>gêneros alimentícios e matérias-primas aos países industrializados.</p><p>Os países industrializados, além de exportar mercadorias, passaram</p><p>a conceder empréstimos, a investir diretamente no setor financeiro,</p><p>abrindo bancos, participando da criação de serviços de infraestrutura,</p><p>como ferrovias, companhia de navegação, iluminação e outros.</p><p>A partir da industrialização e do capitalismo, como ficaram os</p><p>vínculos comerciais? Qual foi a consequência da expansão do</p><p>café nessa época?</p><p>Que países mais se destacaram como fornecedores dessa</p><p>cultura?</p><p>Os vínculos comerciais que a divisão internacional do trabalho propiciou</p><p>foram facilitados pelas modificações ocorridas principalmente nos</p><p>meios de transporte. As ferrovias serviam não apenas para interligar os</p><p>diferentes países europeus como também para transportar, até os portos</p><p>litorâneos, os gêneros alimentícios e as matérias-primas produzidas pelas</p><p>regiões europeias. Estes são os fatores que explicam, na economia</p><p>brasileira, durante o século XIX, a persistência da concentração de</p><p>produção de artigos primários – gêneros alimentícios tropicais e matérias-</p><p>primas – destinados ao mercado externo.</p><p>A expansão cafeeira provocou uma revolução na distribuição das</p><p>atividades produtivas do país, deslocando o eixo econômico das velhas</p><p>regiões agrícolas do Norte e Nordeste para as mais recentes do Sudeste.</p><p>UNIUBE 155</p><p>Nesse quadro, temos de salientar que, embora a Inglaterra continuasse</p><p>sendo a principal importadora da produção nacional até o início do</p><p>século XX, outros países já se destacavam como nossos fornecedores:</p><p>a Alemanha, os Estados Unidos e a França. Posteriormente, os Estados</p><p>Unidos passaram a ser os maiores importadores de café. Essa alteração</p><p>teve repercussão política, pois possibilitou uma maior autonomia nas</p><p>relações do Brasil com a Inglaterra.</p><p>A grande lavoura</p><p>Como na colônia, a grande lavoura ocupa o lugar mais destacado na</p><p>economia imperial. A expansão do café veio reforçar a estrutura tradicional</p><p>da economia brasileira voltada inteiramente para a produção intensiva de</p><p>gêneros destinados à exportação.</p><p>Neste tópico, vamos estudar:</p><p>• o surgimento das primeiras sementes do café;</p><p>• o responsável pelo surgimento dessa cultura;</p><p>• os locais de expansão da lavoura;</p><p>• a mudança dos hábitos de alimentação da população;</p><p>• as formas de cultivo;</p><p>• os fatores que contribuíram para a expansão cafeeira;</p><p>• a marcha do café no Vale da Paraíba e Oeste paulista.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Segundo a versão mais conhecida, as primeiras sementes do café teriam</p><p>sido introduzidas no Brasil no início do século XVIII, mais precisamente</p><p>1722, no Pará, pelo capitão Francisco de Melo Palheta. Expandiu-se no</p><p>Pará e Santa Catarina, do litoral até o planalto central.</p><p>A modificação dos hábitos de alimentação da população dos países em</p><p>processo de industrialização e urbanização no Ocidente, no decorrer do</p><p>século XVIII, ampliou lentamente o mercado consumidor do café até que</p><p>156 UNIUBE</p><p>este se tornou o principal alimento de luxo daqueles países. Ampliaram-</p><p>se, então, as culturas de café nas colônias tropicais da América e da Ásia</p><p>fazendo de Londres e Amsterdã os centros controladores do comércio</p><p>internacional do café. Em um anúncio parisiense do século XVIII, o</p><p>consumo do café era estimulado e recomendado até por suas qualidades</p><p>medicinais:</p><p>Seca todo o humor frio, expulsa os ventos, fortifica</p><p>o fígado, alivia os hidrópicos pela sua qualidade</p><p>purificante, igualmente soberana contra a sarna e a</p><p>corrupção do sangue, refresca o coração e o bater</p><p>vital dele, alivia aqueles que têm dores de estômago</p><p>e que têm falta de apetite, é igualmente bom para as</p><p>indisposições frias, úmidas ou pesadas do cérebro [...].</p><p>(ALENCAR; CARPI;</p><p>RIBEIRO, 1996, p. 165).</p><p>Cultivado em pomares e hortas nos arredores da capital do Brasil, o café</p><p>avançou pelo Vale do Paraíba do Sul, subiu as encostas do Morro da</p><p>Tijuca e pelas mãos dos tropeiros consolidou seu domínio pela região.</p><p>O café tornou-se o principal produto do Império,</p><p>concorrendo, por meio da exportação de milhares de</p><p>sacas, para o aumento do volume e do valor da balança</p><p>de comércio. Na década de 1820, ocupou o terceiro</p><p>lugar – 18,4% – do total da pauta de exportação, sendo</p><p>superado apenas pelo açúcar e algodão. Já no período</p><p>posterior alcançou 43,8% do conjunto, assumindo o</p><p>primeiro lugar e mantendo-se nessa posição durante</p><p>todo o século XIX, chegando, inclusive, a representar,</p><p>em 1889, 67,7% do total dos artigos comercializados no</p><p>mercado externo. As 3.178 sacas transportadas para o</p><p>exterior, entre 1821 e 1830, aumentaram para 53.326 no</p><p>período de 1880 a 1890. Esse quadro permitiu a mudança</p><p>na balança de comércio do país: de deficitária na primeira</p><p>metade do século apresentou saldos positivos a partir de</p><p>1861. A produção brasileira de 1820 a 1829 representava</p><p>18,18% da mundial, chegando a 56,63% entre 1880 e</p><p>1889. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 143).</p><p>UNIUBE 157</p><p>Os fatores que propiciaram a grande expansão cafeeira estão ligados:</p><p>• ao papel do mercado consumidor formado pelos Estados Unidos;</p><p>• à elevação de preços decorrente da crise antilhana;</p><p>• à falta de conhecimento e experiência do cultivo do café (contrária</p><p>ao cultivo da cana-de-açúcar já conhecida pelos portugueses). Estas</p><p>características limitavam a disponibilidade de capitais (nacionais e</p><p>estrangeiros) para o novo empreendimento. Grande parte do capital</p><p>da empresa cafeeira foi fornecido pelos comerciantes portugueses,</p><p>localizados no Rio de Janeiro e que apoiavam as novas atividades.</p><p>Com a extinção do tráfico negreiro, em 1850, a lavoura cafeeira</p><p>usufruiu de uma maior disponibilidade de capitais;</p><p>• à abundância de terras disponíveis;</p><p>• à simplicidade dos equipamentos utilizados;</p><p>• à “facilidade” do transporte – os tropeiros usufruíam dos caminhos</p><p>já elaborados e conhecidos do período colonial quando o Vale</p><p>do Paraíba e a cidade do Rio de Janeiro eram abastecidos com</p><p>produtos oriundos da região das Minas Gerais;</p><p>• à mão de obra escrava abundante;</p><p>• à facilidade dos meios de transporte;</p><p>• ao intenso comércio dinamizado pelos tropeiros, que possibilitaram</p><p>transformar o café no produto de referência do Brasil Imperial.</p><p>Mas quais foram as principais transformações ocorridas nessas</p><p>regiões com a expansão cafeeira? Como se organizou a lavoura</p><p>do café e onde se localizaram os principais núcleos da plantação?</p><p>5.1.1 A marcha do café – o império do Vale</p><p>A expansão das lavouras de café transformou o Sudeste na região</p><p>mais importante do país. Mas, apesar da transformação econômica, as</p><p>mudanças sociais não acompanharam essa expansão. Segundo Neves</p><p>e Machado (1999, p. 143):</p><p>158 UNIUBE</p><p>A expansão cafeeira, ocupando principalmente as</p><p>províncias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e depois o</p><p>oeste de São Paulo, ensejou a opulência tão decantada</p><p>pelos saudosistas do Império, mas que privilegiava,</p><p>apenas, as elites que habitavam o país ideal. O país</p><p>real, formado pelos escravos, libertos e brancos pobres,</p><p>não se beneficiou da abundância criada pelo café, um</p><p>produto praticamente ignorado até o início do século</p><p>XIX, que alterou a paisagem, não somente física, mas</p><p>social, econômica e política de imensas regiões do</p><p>Brasil naquele século.</p><p>No período imperial, a expansão cafeeira ocupou três regiões principais:</p><p>o Vale do Paraíba, o Oeste Velho e o Oeste Novo paulista.</p><p>Plantado inicialmente no Vale do Paraíba, aos poucos o café invadiu</p><p>a parte oriental da província de São Paulo, ocupando mais tarde as</p><p>regiões fronteiriças de Minas Gerais e do Espírito Santo. A paisagem foi</p><p>modificada: os cafezais destruíram a mata atlântica; dizimaram-se os</p><p>índios, primeiros habitantes da região, e, posteriormente, enfraqueceram</p><p>os pequenos proprietários e sitiantes que, também, foram expulsos de</p><p>suas terras ou transformados em agregados.</p><p>O Vale do Paraíba transformou-se com a expansão</p><p>cafeeira. Grandes propriedades foram formadas por</p><p>indivíduos que tinham obtido títulos nobiliárquicos do</p><p>governo, transformando a região num local onde se</p><p>concentravam os grandes barões do café e um número</p><p>expressivo de escravos. Os indígenas, primeiros</p><p>habitantes da região, foram sendo dizimados à medida</p><p>que as terras eram ocupadas pelos cafezais. As</p><p>instruções da Coroa portuguesa, no início do século</p><p>XIX, tinham como objetivos afastar aqueles “indivíduos</p><p>criados à lei da natureza, [...] lançando-se mão das</p><p>terras por eles ocupadas sem o menor benefício da</p><p>lavoura”. Aliás, o extermínio desses índios já vinha se</p><p>processando anteriormente, a partir da abertura dos</p><p>caminhos para a região das minas. Era inadmissível,</p><p>nos padrões de pensamento da cultura branca europeia</p><p>da época (sendo até hoje), a existência de homens</p><p>que não se mostravam preocupados em acumular</p><p>excedentes. A “indolência” e os “costumes bárbaros”</p><p>eram (e são) utilizados como justificativas para se</p><p>apossar das terras indígenas. [...]</p><p>UNIUBE 159</p><p>Assim, foi se constituindo o Vale do Café, facilitada</p><p>também a ocupação pela existência de uma ampla</p><p>bacia hidrográfica, composta por rios com uma</p><p>extensão pequena que permitiam o intercâmbio entre o</p><p>litoral e a serra. Muitos deles desaguavam no fundo da</p><p>Baía de Guanabara, como o Meriti, o Sarapuí, o Iguaçu,</p><p>o Magé, o Macacu, entre outros. Ao longo de suas</p><p>margens foram surgindo muitas fazendas, engenhos</p><p>e ancoradouros. Estes atuavam como verdadeiros</p><p>entrepostos comerciais, escoando a produção do Vale,</p><p>como os portos de Iguaçu, Estrela e Porto de Caxias,</p><p>antes da construção de ferrovias. (NEVES; MACHADO,</p><p>1999, p. 145).</p><p>As fazendas de café lembravam muito os engenhos de açúcar. Perto da</p><p>casa grande, onde residiam os “barões do café” (quando não estavam na</p><p>corte), ficavam as senzalas e uma área reservada para o beneficiamento</p><p>do café.</p><p>A formação das grandes unidades produtoras de café abalou também</p><p>os posseiros que, assim como os indígenas, foram sendo expulsos ou</p><p>ficavam à mercê das ordens dos grandes fazendeiros que passaram</p><p>a dominar as terras. Não há dúvida, portanto, que esse processo de</p><p>expansão e dominação provocou diversos conflitos na região do Vale,</p><p>que “face a uma ausência de legislação unificada e reguladora, após o fim</p><p>do sistema de sesmaria, em 1822, levou o governo imperial a estabelecer</p><p>a Lei de Terras, em 1850”. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 148).</p><p>Os pequenos posseiros da região cafeeira foram</p><p>afastados de forma violenta: alguns se dedicaram à</p><p>produção de alimentos para as grandes propriedades e</p><p>o mercado local, outros mantiveram relações amistosas</p><p>com os cafeicultores, através de relações de compadrio,</p><p>tornando-se cabos eleitorais nas disputas políticas. A</p><p>relação de compadrio, como assinala Maria Sylvia de</p><p>Carvalho Franco, era uma prática comum, utilizada</p><p>para a obtenção de favores por parte dos pequenos</p><p>proprietários. Em contrapartida, os grandes fazendeiros</p><p>garantiam a fidelidade dos diversos “afilhados”. Esta</p><p>política clientelista, que marca as relações políticas no</p><p>Brasil até os nossos dias, garantindo os privilégios dos</p><p>detentores do poder, permitiu o desenvolvimento de</p><p>uma opulência que marcou profundamente a região.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 149).</p><p>160 UNIUBE</p><p>Embora, nos primeiros tempos da expansão cafeeira, os produtores</p><p>tenham utilizado a mão de obra escrava em larga escala, com a Lei de</p><p>1850, a imigração para essas novas regiões de São Paulo e Minas Gerais</p><p>passou a ser fundamental. A produção de café do Vale era transportada</p><p>nas costas dos negros escravos e no lombo das mulas para o porto do</p><p>Rio de Janeiro, centro financeiro e controlador da produção cafeeira.</p><p>O cultivo do café caracterizou-se pelo uso de técnicas rudimentares, como</p><p>queimadas para esgotar o solo, principalmente devido à abundância de</p><p>terras e escravos, aliada à baixa densidade demográfica da região. Não</p><p>existia, portanto, uma preocupação com investimentos para a melhoria</p><p>das técnicas de produção. A utilização de máquinas para as atividades</p><p>de cultivo e colheita foram introduzidas a partir da segunda metade</p><p>do século XIX, visando diminuir os custos de produção e aprimorar o</p><p>produto acabado. Com o fim do tráfico negreiro, as máquinas foram</p><p>preponderantes para atender à demanda da cafeicultura. A manutenção e</p><p>os gastos com a conservação dos equipamentos eram, contudo, bastante</p><p>elevados, o que levou muitos fazendeiros a se endividarem e resistirem</p><p>às inovações técnicas.</p><p>A presença dos arcaísmos na lavoura cafeeira do Vale</p><p>do Paraíba, na província do Rio de Janeiro, considerada</p><p>em sua época como a mais rica do Império, não se</p><p>explicava somente por sua mentalidade tradicional.</p><p>Quando a mão de obra e terras tornaram-se raras e</p><p>caras, razões incentivadoras para uma melhoria</p><p>técnica, muitos fazendeiros se achavam endividados</p><p>em virtude do desperdício com a compra de escravos,</p><p>manufaturados e produtos de luxo. Assim, não tinham</p><p>condições de arcar com despesas para a obtenção de</p><p>implementos agrícolas. Além disso, as próprias relações</p><p>escravistas de produção dificultavam mudanças no</p><p>cultivo. [...] O desastre, portanto, era inevitável.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 152).</p><p>A partir de 1870, a cultura do Vale entrou em declínio, resultado do</p><p>esgotamento das reservas naturais de um sistema de exploração</p><p>extensivo. Em pouco tempo, a decadência foi total. Rendimentos</p><p>UNIUBE 161</p><p>decrescentes, enfraquecimento das plantas, aparecimento de pragas,</p><p>abandono dos cafezais e rarefação demográfica transformaram as</p><p>cidades opulentas nas “cidades mortas”, descritas por Monteiro Lobato</p><p>em seus contos do início do século XX. Logo, uma nova área cafeeira</p><p>começou a se desenvolver – o Oeste paulista. Entretanto, os senhores</p><p>do Vale continuaram dominando o poder político e social do Segundo</p><p>Reinado. Segundo Neves e Machado (1999, p. 152):</p><p>Apesar da crise que a cafeicultura do Vale do Paraíba</p><p>atravessava, em especial no que concerne ao</p><p>Rio de Janeiro, contrastando com as novas regiões</p><p>cafeicultoras do Oeste paulista, a província fluminense</p><p>continuava tendo um papel influente nas decisões</p><p>políticas do Império. Não se tratava mais do poderio</p><p>saquarema, que ensejou a manutenção da ordem e da</p><p>unidade territorial do Império, mas sim de garantir os</p><p>espaços ainda possíveis, ameaçados pelo aumento do</p><p>poder econômico de outra facção da elite, representada</p><p>pelos cafeicultores do Oeste paulista. O Império, agora,</p><p>não era apenas o Vale. Novas forças se aglutinavam no</p><p>país ideal, divergentes, mas unidas na preservação da</p><p>ordem escravista e no controle do país real.</p><p>5.1.2 O Oeste paulista</p><p>Com o declínio da produção do Vale do Paraíba, a expansão cafeeira</p><p>alcançou o Oeste paulista a partir de 1870, iniciando-se no Oeste Velho,</p><p>que tem como centro Campinas, e expandindo-se pelo Oeste Novo, que</p><p>tem como centro Ribeirão Preto.</p><p>Estendido para além das serras do Mar e da Mantiqueira, o Oeste</p><p>paulista apresentava-se com uma topografia levemente ondulada,</p><p>possibilitando que as culturas se estendessem em largas proporções:</p><p>plantação uniforme e ininterrupta. Esse cenário foi conhecido como “o</p><p>mar do café”, pois, nele, a erosão é menos acelerada, as comunicações</p><p>e transportes, mais facilitados, e o porto de Santos é próximo às regiões</p><p>cafeicultoras. Além disso, o cafeicultor se equipou para as novas</p><p>atividades, aproveitando a existência da terra roxa a qual favorecia a</p><p>produção.</p><p>162 UNIUBE</p><p>O desenvolvimento do café no oeste paulista se</p><p>beneficiou das novas condições econômicas internas</p><p>e externas, após 1870. O capitalismo, em expansão,</p><p>carreou recursos para as regiões exportadoras de</p><p>matérias-primas, sendo efetuados investimentos no</p><p>setor de serviços e transportes, como o estabelecimento</p><p>de uma grande malha ferroviária que levou o café para</p><p>o porto de Santos. Nesse contexto de expansão, os</p><p>fazendeiros paulistas tinham recursos para adquirir</p><p>inovações técnicas para o setor cafeeiro, diferenciando-</p><p>se da situação dos seus pares do Vale do Paraíba,</p><p>em crise. O esgotamento do solo, um dos principais</p><p>problemas dos cafeicultores do Vale, não afetava o</p><p>Oeste paulista em face da existência de terras férteis,</p><p>as terras roxas, ricas em nutrientes, que apresentam</p><p>coloração vermelha escura e de alta porosidade.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 159-160).</p><p>Mata Atlântica: mata que dominava a paisagem do Oeste paulista e que foi</p><p>derrubada para o plantio do café, pois se acreditava que esta cultura tinha</p><p>que ser plantada em solo coberto por floresta “virgem”.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Todavia, se as condições garantiam a expansão dos cafezais pelo Oeste</p><p>paulista – o velho campineiro e o novo ribeirão pretense –, a fragilidade</p><p>da oferta de mão de obra escrava entravava a expansão. De acordo</p><p>com o historiadores Lucia Maria B. P. das Neves e Humberto Fernandes</p><p>Machado,</p><p>A expansão da cafeicultura do Oeste paulista se</p><p>processou ao mesmo tempo em que se buscavam</p><p>alternativas para o trabalho escravo. Ainda que se</p><p>utilizasse o cativo em muitas fazendas da região, os</p><p>proprietários podiam atrair mais facilmente o imigrante</p><p>para as suas lavouras, pois estas estavam em plena</p><p>produtividade. A nova realidade, com a paralisação do</p><p>tráfico negreiro, obrigou os senhores de café paulistas</p><p>a serem mais flexíveis em relação ao trabalho livre,</p><p>embora a mentalidade escravista fosse também</p><p>predominante.</p><p>O processo de ocupação foi semelhante ao que</p><p>ocorreu no Vale do Paraíba, como em outras frentes</p><p>agrícolas pioneiras no Brasil. A expulsão dos indígenas</p><p>intensificou-se durante o século XVIII, quando a região</p><p>UNIUBE 163</p><p>foi transformada em rota de passagem das tropas de</p><p>mulas que se dirigiam para as minas de ouro de Mato</p><p>Grosso. Alguns ranchos dispersos pelos caminhos,</p><p>servindo de abrigo para tropeiros, tinham uma pequena</p><p>produção de subsistência, principalmente o milho, o</p><p>feijão e a mandioca. [...] Esse panorama alterou-</p><p>se, inicialmente, com o desenvolvimento da lavoura</p><p>açucareira, quando as pequenas propriedades foram</p><p>reduzidas. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 160).</p><p>Havia uma diferença entre a lavoura açucareira e a do café. Enquanto</p><p>na economia açucareira a produção e a comercialização eram fases</p><p>isoladas, na economia cafeeira havia uma integração entre as fases</p><p>de produção e comercialização. O proprietário do café, no Oeste</p><p>paulista, dirigia todas as fases desde a plantação até a comercialização</p><p>do produto, a partir das casas comissárias e, posteriormente, das</p><p>organizações bancárias.</p><p>A expansão cafeeira trouxe um problema sério: a escassez da mão de</p><p>obra. Nesse cenário é que surgem as tentativas de imigração, algumas</p><p>com resultados positivos e outras com fracassos. Por isso mesmo, os</p><p>fazendeiros do Oeste paulista defenderiam cada vez mais como solução</p><p>para o problema da mão de obra a introdução do imigrante europeu,</p><p>que deveria ter os custos de transportes até o Brasil pagos pelo governo</p><p>brasileiro.</p><p>Deste modo, o café, que fora conduzido pelas mãos do negro escravo</p><p>em suas fases de expansão, requeria o trabalhador assalariado para</p><p>continuar avançando e transformando a realidade em que surgira.</p><p>Gostaríamos de salientar que a organização da produção cafeeira não diferiu</p><p>fundamentalmente da organização de outros artigos da grande lavoura.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>164 UNIUBE</p><p>O Império não era só o café5.2</p><p>Durante três séculos de dominação colonial, o regime de monopólio</p><p>transformou o Brasil em uma colônia essencialmente agrícola, com</p><p>produção de gêneros tropicais voltados para exportação e com base no</p><p>trabalho escravo. Entretanto, o rompimento político com Portugal não</p><p>alterou a condição econômica e a estrutura colonial de produção. Ao</p><p>mesmo tempo, o café ampliava sua participação na vida econômica do</p><p>país e produtos, alguns destes até então importantes, como o algodão,</p><p>açúcar, fumo e outros, perdiam suas</p><p>posições, conforme apresentado</p><p>na Tabela 1, a seguir:</p><p>Tabela 1: Participação do café na economia brasileira do século XIX</p><p>PORCENTAGEM SOBRE O VALOR DA EXPORTAÇÃO</p><p>Produtos 1841/50 1851/60 1861/70 1871/80 1881</p><p>Café 41,1 48,8 45,5 56,6 61,5</p><p>Açúcar 26,7 21,2 12,3 11,8 9,9</p><p>Algodão 7,5 6,2 18,3 9,5 4,2</p><p>Fumo 1,8 2,6 3,0 3,4 2,7</p><p>Cacau 1,0 1,0 0,9 1,2 1,6</p><p>Total 78,4 79,8 80,0 82,5 79,9</p><p>Fonte: Adaptado de Alencar, Carpi e Ribeiro (1996, p. 164).</p><p>Os historiadores Lucia Maria B. P. das Neves e Humberto Fernandes</p><p>Machado nos apresentam um panorama da situação econômica brasileira</p><p>ao longo do século XIX:</p><p>Durante o Império, o açúcar continuou a ocupar o</p><p>segundo lugar na pauta das exportações brasileiras,</p><p>apesar das dificuldades derivadas da concorrência</p><p>antilhana e do açúcar de beterraba produzido em larga</p><p>escala na Alemanha, a partir da metade do século.</p><p>Pernambuco e o Recôncavo Baiano, antigas regiões</p><p>produtoras, ainda possuíam imensos canaviais, que</p><p>UNIUBE 165</p><p>serviam para preservar o poder e o luxo dos senhores</p><p>de engenho. A competição externa, mais acirrada,</p><p>dificultava quaisquer investimentos na modernização</p><p>de equipamentos. [...] O açúcar nordestino era vendido</p><p>principalmente para a Inglaterra que, em 1870,</p><p>comprava aproximadamente 76% das exportações. [...]</p><p>Outro produto colonial que teve continuidade de</p><p>produção no Império foi o algodão, ocupando, em</p><p>geral, o terceiro lugar na pauta de exportação. Já</p><p>conhecido pelos nativos, tornou-se importante, a partir</p><p>da segunda metade do século XVIII, para atender às</p><p>necessidades decorrentes da Revolução Industrial na</p><p>Inglaterra. As principais lavouras encontravam-se no</p><p>Maranhão, que tiveram um impulso devido às guerras</p><p>de independência dos Estados Unidos, principal</p><p>fornecedor para as fábricas inglesas. [...] O algodão,</p><p>que tinha alcançado o segundo lugar no comércio</p><p>externo do Império, caiu violentamente: de 20,6%, na</p><p>década de 1820, passou para 7,5%, em 1840, entre os</p><p>artigos exportados. [...]</p><p>O tabaco foi outro produto que manteve um lugar</p><p>importante na pauta de exportações do Império. Serviu</p><p>essencialmente para a obtenção de escravos africanos,</p><p>através do escambo, desde o período colonial. O sul</p><p>da Bahia era a principal região produtora, mas sua</p><p>cultura se espalhava por diversas regiões do Brasil,</p><p>no início do século passado. Como dispensava meios</p><p>sofisticados no beneficiamento, era também cultivado</p><p>por lavradores modestos. As restrições ao tráfico</p><p>de escravos intercontinental, na primeira metade do</p><p>século XIX, abalaram profundamente a produção, que</p><p>só se recuperou no final do Império, ao adquirir novos</p><p>mercados.</p><p>A economia do Império não se restringiu, entretanto,</p><p>aos gêneros agrícolas de exportação. A pecuária</p><p>ocupou um lugar de expressão na província do Rio</p><p>Grande do Sul, com a produção voltada basicamente</p><p>para o mercado interno. [...] Antes da generalização</p><p>do processo de transformar a carne em charque</p><p>(carne -seca), no início do século XIX, abatiam -se as</p><p>reses para tirar -lhes o couro, pois este ocupava um</p><p>lugar expressivo na pauta de exportação. A carne,</p><p>menosprezada até então, tornou -se importante. O</p><p>charque era destinado tanto ao consumo da população</p><p>pobre, quanto ao dos escravos do Sudeste, em especial</p><p>da lavoura cafeeira. [...]</p><p>166 UNIUBE</p><p>Além dos produtos mais tradicionais, outros se</p><p>projetaram na época imperial, como a borracha.</p><p>A seringueira, planta nativa da região amazônica, já</p><p>era conhecida pelos indígenas para a confecção de</p><p>utensílios e impermeabilização de potes de cerâmica.</p><p>[...] Nesse sentido, a economia da Amazônia, na</p><p>segunda metade do século XIX, se vinculou ao</p><p>mercado externo pela produção da borracha: uma</p><p>atividade extrativa voltada às necessidades da</p><p>expansão industrial internacional, com a utilização</p><p>dos pneumáticos, especialmente na última década</p><p>do século XIX. [...] Em 1850, a borracha representava</p><p>2% das exportações brasileira, atingindo, no início do</p><p>século XX, aproximadamente 25%, mas, na década</p><p>de 1910, na fase republicana, iniciava-se seu declínio.</p><p>(NEVES; MACHADO, 1999, p. 164-170).</p><p>A seguir, apresentaremos uma síntese das principais características</p><p>assumidas por essas atividades econômicas que se tornaram “secundárias”</p><p>no mercado externo.</p><p>O açúcar</p><p>• voltou a sofrer a concorrência da produção antilhana e teve que</p><p>concorrer também com a produção do açúcar da beterraba europeia;</p><p>• o tradicional engenho, no final do Império, sofre modificações, com</p><p>uma pseudomodernização, e gradativamente são introduzidos os</p><p>engenhos centrais e depois surgem as usinas.</p><p>O algodão</p><p>• ampliou seu consumo e produção em virtude da mecanização da</p><p>indústria têxtil inglesa, que exigia maiores quantidades de matéria-</p><p>prima;</p><p>• no Brasil, a produção de algodão concentrava-se especialmente no</p><p>Maranhão, complementando a oferta internacional do produto em</p><p>épocas de crise.</p><p>UNIUBE 167</p><p>O fumo</p><p>• produto de menor importância no setor exportador;</p><p>• com o fim do tráfico negreiro, perdeu seu principal consumista, que</p><p>era o mercado africano.</p><p>A borracha</p><p>• a extração do látex revitalizou a região amazonense e paraense,</p><p>em virtude da descoberta do processo de vulcanização pelo norte-</p><p>americano Charles Goodyear;</p><p>• a borracha começou a ser exportada como uma atividade voltada às</p><p>necessidades da expansão industrial internacional;</p><p>• o apogeu da produção da borracha aconteceu na primeira década</p><p>do século XX, transformando a região e alterando o cotidiano da</p><p>sociedade, que se refinou e se enquadrou no modelo europeu.</p><p>A pecuária</p><p>• ocupou um lugar de expressão na província do Rio Grande do Sul,</p><p>com a produção voltada basicamente para o mercado interno;</p><p>• a transformação da carne em charque propiciou o desenvolvimento</p><p>do mercado interno e da criação das estâncias de criação do gado</p><p>bovino.</p><p>5.3 Viver no Império: a cultura, o lazer, a intelectualidade e</p><p>a memória</p><p>O apogeu do Império foi uma época de transição, progresso e</p><p>prestígio. Os hábitos da sociedade e da cultura mudaram e foram</p><p>substituídos. De modo geral, o cotidiano familiar, o cotidiano do trabalho,</p><p>as regras do casamento, os papéis sociais de homens e mulheres, a</p><p>educação e o lazer não mudaram muito ao longo do século XIX. Os</p><p>tradicionais saraus foram gradativamente perdendo sua importância e</p><p>substituídos por bailes, concertos e festas.</p><p>168 UNIUBE</p><p>As mulheres já se interessavam por aulas de piano e dança e</p><p>frequentavam teatros, bailes de máscaras e concertos. Homens e</p><p>mulheres apreciavam andar a pé pela cidade, observando a variedade de</p><p>produtos franceses expostos nas vitrines da rua do Ouvidor. As novidades</p><p>costumavam aparecer primeiro na Corte – o Rio de Janeiro –, maior</p><p>centro urbano do país e de maior intercâmbio com o exterior, onde mais</p><p>rapidamente chegavam a modernidade e a mundanidade europeias.</p><p>No verão, a Corte mudava-se para Petrópolis, que passava a ser a “capital</p><p>do Império”, e, com ela, as famílias fluminenses que lideravam o processo</p><p>socioeconômico e político do país desfrutavam dos prazeres da Corte.</p><p>Várias e ricas mansões foram construídas em volta do Palácio e seus</p><p>proprietários lá permaneciam até março, quando o Imperador retornava</p><p>ao Rio de Janeiro. Eram estas mesmas famílias que frequentavam</p><p>os teatros, na cidade do Rio de Janeiro, como o teatro São Pedro de</p><p>Alcântara, Lírico e, principalmente, o mais popular deles, o Teatro São</p><p>Caetano. É nesse cenário que aparece a produção de um dos maiores</p><p>compositores que produz uma identidade musical ao Brasil com</p><p>repercussão internacional – Carlos Gomes. O aparecimento de vários</p><p>jornais, folhetins e pasquins divulgavam as notícias internacionais e o</p><p>Império se integrava à modernidade cultural.</p><p>Numa época em que a sociabilidade era bastante</p><p>reduzida, as ocasiões para se organizar um jantar,</p><p>um banquete, um sarau, um baile eram sempre</p><p>aproveitadas por diplomatas, altos funcionários</p><p>da Corte, fazendeiros absenteístas, comissários,</p><p>exportadores enriquecidos e uma elite enobrecida,</p><p>principalmente,</p><p>ao longo do Segundo Reinado. [...] Era,</p><p>no entanto, nos salões que a boa sociedade reunia-</p><p>se mais frequentemente para exprimir-se na arte da</p><p>conversação, da música e da dança. [...]</p><p>Danças... bailes... música... saraus... moda. Tais</p><p>palavras encontravam sua expressão máxima</p><p>na Corte, especialmente entre os meses de maio a</p><p>setembro, quando o calor era mais ameno. Era a</p><p>época da estação dos esplêndidos bailes, “verdadeiras</p><p>exposições do brilhantismo aristocrático do Rio de</p><p>Janeiro”, na expressão de um comentarista. [...] Era</p><p>UNIUBE 169</p><p>comum as camadas populares irem para a porta do</p><p>palacete a fim de observar os grandes personagens</p><p>descerem de suas carruagens: o imperador e a</p><p>imperatriz, a elite enobrecida, os grandes negociantes,</p><p>os políticos principais e suas esposas, que trajavam</p><p>vestimentas e ornamentos, influenciados pela moda</p><p>francesa. [...]</p><p>Para os menos abastados ou para aqueles que não</p><p>tinham acesso a esses salões, outras atividades foram</p><p>aos poucos surgindo, como o teatro, os concertos</p><p>públicos, os cafés, as confeitarias e os passeios pela</p><p>rua do Ouvidor. [...] À medida que a cidade crescia em</p><p>população e riqueza, outros espaços elegantes iam</p><p>surgindo para a diversão e o entretenimento da “boa</p><p>sociedade”. (NEVES; MACHADO, 1999, p. 332-340).</p><p>Apoiado pela bonança resultante do “ministério da conciliação”, D. Pedro</p><p>II resolveu investir na cultura. Para o sucesso de seus projetos, engajou-</p><p>se na “redescoberta” da nação, com o objetivo de criar uma memória</p><p>para o país. Esse nacionalismo está registrado na Revista do Instituto</p><p>Histórico e Geográfico Brasileiro. O Instituto foi criado em 1838,</p><p>durante a Regência de Araújo Lima. Sua função era tecer a memória</p><p>nacional divulgá-la em revistas. Estas foram publicadas e distribuídas a</p><p>136 sociedades estrangeiras. Além disso, o instituto manteve intercâmbio</p><p>com importantes associações congêneres; organizou missões de</p><p>pesquisadores ao exterior, objetivando recuperar manuscritos do período</p><p>colonial e também das províncias, visando recuperar vestígios para</p><p>construir o perfil da nação brasileira. Transformou-se, também, em um</p><p>espaço de sociabilidade e de partilha intelectual.</p><p>Nessa época, o Romantismo chegava ao país e a produção literária foi</p><p>expressiva a partir das obras de:</p><p>• Manuel Antonio de Almeida;</p><p>• José de Alencar;</p><p>• Joaquim Manuel de Macedo;</p><p>170 UNIUBE</p><p>• Gonçalves Dias (poeta);</p><p>• Castro Alves (poeta);</p><p>• Bernardo Guimarães e outros.</p><p>O índio se transformava em herói na maioria dos romances. Será por</p><p>quê? O escravo africano não podia ser herói; o branco europeu ou</p><p>descendente de europeu também não podia ser herói, pois ele não era</p><p>nativo, só restava o índio para ser transformado em herói e assim foi feito,</p><p>só que um herói diferente... Muito diferente do que ele realmente era.</p><p>Os estudantes, quase sempre dos cursos “jurídicos” (cursos de Direito),</p><p>eram os principais leitores.</p><p>Você sabia?</p><p>D. Pedro I criou, em 1827, os primeiros cursos de Direito em São Paulo e</p><p>em Olinda (posteriormente, transferido para Recife). Depois de formados</p><p>bacharéis, vinham para a Corte onde se tornavam famosos e ingressavam</p><p>na vida política. Mais tarde foram criadas as Faculdades de Medicina da</p><p>Bahia e do Rio de Janeiro e a Escola de Minas de Ouro Preto (1876).</p><p>Os cursos que priorizavam o pensamento em que não se utilizavam as mãos</p><p>eram os mais escolhidos. Trabalho manual era visto como trabalho de escravo.</p><p>CURIOSIDADE</p><p>Na pintura, tais temas se manifestaram nos quadros de Pedro Américo;</p><p>entre eles, podemos destacar a Batalha do Avaí. Merecem destaque</p><p>as pinturas de Victor Meirelles; entre elas, a Primeira missa no Brasil</p><p>(Figura 8), que não reconstitui a realidade histórica do evento, pois,</p><p>pintada posteriormente, focaliza aspectos inexistentes da realização da</p><p>primeira missa.</p><p>UNIUBE 171</p><p>Figura 8: Primeira missa no Brasil (1861), de Victor Meirelles.</p><p>Fonte: Wikipédia. Disponível em: <http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Meirelles-</p><p>primeiramissa2.jpg>. Acesso em: 3 maio 2010.</p><p>Depois, com a mudança na conjuntura internacional, o Romantismo</p><p>foi gradativamente sendo substituído por uma nova escola conhecida</p><p>como Realismo. Com a burguesia timidamente já usufruindo de certo</p><p>poderio econômico, essa escola procurava livrar-se dos exageros</p><p>românticos e desenvolver uma estética que coadunava mais com as</p><p>exigências do progresso material que a industrialização provocara. Outro</p><p>momento marcante na literatura foi o surto de produções acadêmicas</p><p>que possibilitou, na poesia, o aparecimento de um movimento conhecido</p><p>como Parnasianismo. Nesse cenário mesclado de tendências, na</p><p>literatura desponta a figura de Machado de Assis e, posteriormente, a</p><p>abertura de espaço para as produções regionais.</p><p>Com a “estabilidade política”, o século XIX continuou a receber frequentes</p><p>visitas de pesquisadores e pensadores europeus como Charles Darwin,</p><p>Henri W. Bates, o casal Louis e Elizabeth Agassiz, Peter W. Lund e outros</p><p>que registraram suas impressões (fauna, flora, usos e costumes) sobre o</p><p>país, o que contribuiu significativamente para a preservação da memória</p><p>brasileira.</p><p>172 UNIUBE</p><p>Em um grande período do século XIX, o Brasil conviveu harmonicamente</p><p>com a realeza. Essa convivência se dava nas festas em que compareciam</p><p>a “realeza brasonada” e festas populares em que a massa heterogênea</p><p>demonstrava as várias culturas, já mescladas, com os padrões culturais</p><p>padronizados ao longo de nossa história. As procissões populares, a festa</p><p>do Divino, o Dia dos Reis, as cavalhadas, as congadas e, principalmente,</p><p>o carnaval – conhecido como entrudo – compunham um cenário rico,</p><p>amistoso e que despertava a curiosidade dos viajantes sobre o país</p><p>“ideal”.</p><p>O último acontecimento que marcou a história do Brasil Imperial foi a</p><p>realização do Baile da Ilha Fiscal, ocorrido a 19 de outubro de 1889.</p><p>Evento de grandes proporções que passou pela história como uma</p><p>espécie de “canto de cisnes” da monarquia, de acordo com o historiador</p><p>Ronaldo Vainfas. O baile da ilha Fiscal – cujo país homenageado era o</p><p>Chile – transformou todos os setores da vida da Corte.</p><p>O baile da ilha Fiscal causou furor na cidade. Foram convidadas quatro</p><p>mil pessoas, que circularam pela ilha. Consta que o imperador “fraco das</p><p>pernas”, ao desembarcar na ilha, teria tropeçado em um tapete, quase</p><p>indo ao chão. Porém, antes que o amparassem, ergueu-se sorrindo</p><p>e comentou: “Como veem, a monarquia escorregou, mas não caiu”.</p><p>Coincidentemente, 27 dias depois do evento, era proclamada a República</p><p>no Brasil.</p><p>A vida cotidiana no Império era um comportamento gerado por uma</p><p>sociedade ligada aos valores burgueses difundidos na Europa e que</p><p>começavam a se distanciar da sociedade patriarcal e escravista que</p><p>permeava a vida social do século XIX. Nessa nova sociedade urbana</p><p>que se iniciava, marcada pelo surgimento da separação do público e</p><p>do privado, as transformações ocorriam gradativamente e sempre</p><p>dependentes das flutuações da rentabilidade do café.</p><p>UNIUBE 173</p><p>Referências</p><p>ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; RIBEIRO, Marcus. História da sociedade</p><p>brasileira. Rio de Janeiro: Ao Livro Técnico, 1996.</p><p>LINHARES, Maria Yedda (Org.). História geral do Brasil. Rio de Janeiro: Campus,</p><p>1990.</p><p>NEVES, Lucia M. B. P. das; MACHADO, Humberto Fernandes. O Império do Brasil.</p><p>Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.</p><p>PRIORE, Mary Del; VENÂNCIO, Renato Pinto. O livro de ouro da história do</p><p>Brasil.</p><p>3. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2001.</p><p>REVISTA NOSSA HISTÓRIA. A construção do Brasil: fatos, pessoas e ideias que</p><p>formaram a nação. Rio de Janeiro: Vera Cruz, 2006.</p><p>SCHWARCZ, Lília Moritz. As barbas do Imperador: D. Pedro II, um monarca nos</p><p>trópicos. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.</p><p>SKIDMORE, Thomas E. Uma História do Brasil.</p><p>3. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2000.</p><p>Valter Machado da Fonseca</p><p>Introdução</p><p>Um novo olhar sobre</p><p>o rural: agronegócio,</p><p>turismo e pluralidade</p><p>Capítulo</p><p>6</p><p>Neste capítulo, que ora iniciamos, faremos uma análise</p><p>da categoria</p><p>Espaço, enquanto uma apropriação voltada para as atividades</p><p>turísticas. Para desenvolver esta análise, faz-se necessário realizar</p><p>uma reconstrução histórica e social da atividade turística seguindo os</p><p>pressupostos das finalidades e objetivos com que ela foi desenvolvida</p><p>na sociedade capitalista.</p><p>Para que possamos ter uma visão contextualizada desta análise,</p><p>é fundamental, em primeiro lugar, fazer uma reflexão sobre outras</p><p>categorias derivadas do Espaço, tais como, território, paisagem e</p><p>lugar. Nessa perspectiva, o nosso exercício inicial se embasa numa</p><p>observação mais meticulosa acerca da construção conceitual dessas</p><p>categorias. Nessa observação, devemos levar em consideração</p><p>que a atividade turística se apropria do espaço geográfico, com a</p><p>finalidade última de reprodução e expansão do capital, ou seja, ela</p><p>transforma o espaço, visando à geração de lucro.</p><p>Nesse sentido, devemos fazer uma viagem conceitual em busca de</p><p>alguns fundamentos como “tempo livre” e “lazer” e a relação desses</p><p>fundamentos com as atividades turísticas. Assim, as análises sobre</p><p>as atividades ligadas ao Turismo, demandam uma reflexão mais</p><p>176 UNIUBE</p><p>aprofundada sobre uma série de aspectos, elementos e fatores que</p><p>incidem sobre sua construção teórico-conceitual. Isto significa dizer</p><p>que devemos levar em consideração uma série de fatores para</p><p>realizar a análise acerca dessa atividade.</p><p>Dessa forma, esse capítulo fará essas reflexões críticas visando uma</p><p>reconstrução conceitual do Turismo, enquanto um ramo de atividades</p><p>ligado ao setor de serviços, envolvendo toda uma logística para seu</p><p>funcionamento. Essa logística envolve uma série de fatores, como</p><p>transporte, construções de hotéis, energia, construção de estradas,</p><p>dentre outros serviços essenciais para a implementação da atividade.</p><p>Assim, a atividade turística demanda uma série de ações e</p><p>empreendimentos que visa transformar o espaço, as paisagens, os</p><p>lugares. Estas ações deverão provocar impactos socioambientais</p><p>sobre os elementos naturais que compõem os lugares, paisagens</p><p>e territórios, além de impactos culturais.</p><p>Por todas essas razões elencadas anteriormente, o Turismo,</p><p>enquanto um objeto de estudo da Geografia, deve ser observado,</p><p>investigado e analisado de forma crítica, na qual se levem em</p><p>consideração os elementos positivos e negativos que essa atividade</p><p>requer. Portanto, o estudo dessa atividade exige do pesquisador uma</p><p>visão apurada sobre a relação sociedade com a natureza, bem como</p><p>uma análise dos aspetos e fatores que a atividade demanda.</p><p>Objetivos</p><p>Para facilitar a leitura e o acompanhamento do estudo deste capítulo,</p><p>você deve recorrer aos conceitos que apreendeu em momentos</p><p>anteriores, em especial àqueles que tratam da análise das categorias</p><p>geográficas, como espaço, território, paisagem e lugar. Assim, você</p><p>compreenderá com mais facilidade as considerações levantadas neste</p><p>capítulo, de tal forma que ao seu término, você terá condições de:</p><p>• realizar uma leitura crítica das categorias de estudo da Geografia,</p><p>como o espaço, o lugar e a paisagem;</p><p>UNIUBE 177</p><p>Esquema</p><p>• perceber a necessidade de uma recontextualização dos</p><p>conceitos ligados ao Turismo;</p><p>• entender o processo de desconstrução e reconstrução do</p><p>conceito de Turismo;</p><p>• compreender a importância de se interpretar os fenômenos</p><p>ligados ao Turismo, a partir do corpo teórico-conceitual da</p><p>Geografia;</p><p>• apreender a necessidade do entendimento da Geografia para</p><p>compreender a indústria do Turismo;</p><p>• analisar os pontos positivos e negativos das atividades</p><p>turísticas no Brasil;</p><p>• verificar os desafios e as possibilidades da edificação de</p><p>atividades turísticas alternativas e sustentáveis.</p><p>6.1 Turismo: desconstruindo e construindo o conceito</p><p>6.1.1 Quais os marcos de um novo conceito?</p><p>6.2 Repensando o conceito das categorias espaciais</p><p>6.2.1 Reexaminando os aspectos da “Paisagem”</p><p>6.2.2 A relação do turismo com as paisagens</p><p>6.2.3 As paisagens e suas representações</p><p>6.3 As categorias de “lugar” e as atividades turísticas</p><p>6.4 Turismo e Cultura: dois conceitos em conflito</p><p>6.4.1 Cultura e modos de vida: a relação humana com o ambiente</p><p>6.5 Turismo na contramão do “espaço vivido”</p><p>6.5.1 Turismo: desafios e possibilidades da sustentabilidade</p><p>6.6 O planejamento turístico demanda planejamento urbano/</p><p>ambiental/industrial</p><p>6.6.1 O inchamento das cidades e do ambiente urbano</p><p>6.7 As cidades e o uso do solo urbano</p><p>6.7.1 A necessidade premente de planejamentos urbano-</p><p>industriais</p><p>6.7.2 Tecnologias, uso, transformação e ocupação eficientes</p><p>do ambiente urbano</p><p>6.7.3 O planejamento das atividades turísticas</p><p>178 UNIUBE</p><p>Turismo: desconstruindo e construindo o conceito6.1</p><p>O conceito atual de turismo se liga à noção pura e simples de apropriação do</p><p>espaço, das paisagens e dos lugares, objetivando, única e exclusivamente,</p><p>a expansão e reprodução de bens e capitais. Em outras palavras, isto</p><p>significa dizer que o turismo só terá sentido se estiver diretamente ligado</p><p>ao desejo incontrolável da busca pelo lucro. Ora, sob esta lógica não dá</p><p>para pensar em planejar quaisquer atividades turísticas sem a destruição</p><p>de valores e práticas socialmente construídas, dentro de um processo</p><p>histórico.</p><p>O conceito de Turismo ligado à forma de indústria, despreza a visão de</p><p>sustentabilidade socioambiental que grande parcela da humanidade</p><p>se esforça para construir. Ao interpretarmos essa atividade sob esta</p><p>ótica, estamos jogando no lixo as culturas dos povos, as singularidades,</p><p>individualidades e particularidades de cada região de cada povo, de</p><p>cada comunidade de seres humanos. Ao acatarmos esse conceito,</p><p>estaremos abrindo mão de princípios éticos e morais que, ao lado da</p><p>sustentabilidade, constroem os autênticos valores de cidadania.</p><p>Aqui uma importante formulação se encontra em Siqueira (2005, p. 123),</p><p>quando a autora afirma a necessidade de perceber</p><p>O reconhecimento de que o turismo e a hospitalidade</p><p>passam pela necessidade de se compreender a</p><p>condição humana, em toda a sua complexidade.</p><p>Admitir a contribuição fundamental do turismo e da</p><p>hospitalidade para a pós-modernidade. [...] o processo</p><p>globalizante (ou mundializante, segundo outros</p><p>sociólogos) é acompanhado pelo movimento de</p><p>valorização do local e do regional. As práticas turísticas</p><p>contribuem para a construção de novas subjetividades</p><p>e ressignificações sociais, novas leituras sobre</p><p>ecossistema, sobre as diferenças (culturais, estéticas,</p><p>patrimoniais, étnicas, raciais) como diferenças,</p><p>avançando-se no processo, ainda que lento, de</p><p>reconhecimento de alteridades (o outro como Outro,</p><p>íntegro em sua totalidade, diferente da minha), de</p><p>tolerância, de pluralidade de convivências.</p><p>UNIUBE 179</p><p>Esta perspectiva apresentada por Siqueira (2005) traz à baila a imperante</p><p>necessidade de reorientação conceitual das atividades turísticas, enfim,</p><p>mostra a necessidade premente de uma reflexão aprofundada dessa</p><p>atividade, visando à construção de outra perspectiva, social e mais</p><p>humana, quando se trata das comunidades, da cultura, dos aspectos</p><p>sociais e da relação sociedade-natureza.</p><p>6.1.1 Quais os marcos de um novo conceito?</p><p>Um novo conceito deve se edificar sobre os escombros da racionalidade</p><p>puramente técnica. Ele deve se erigir, observando-se as experiências</p><p>positivas das ações humanas, observadas sob o ponto de vista harmônico</p><p>da experiência histórica que apontem no sentido da preservação dos</p><p>valores econômicos, em consonância com os valores sociais e culturais</p><p>da convivência humana em sociedade.</p><p>Ele deve se edificar, levando-se em consideração as singularidades</p><p>e particularidades tanto geográficas, quanto físicas e culturais das</p><p>diferentes regiões dos diferentes lugares. Assim, devem predominar</p><p>os indicativos sociais e ambientais, acima dos aspectos meramente</p><p>econômicos. Reconstruir o conceito de turismo e reexaminar a</p><p>apropriação incorreta do espaço, é descartar as práticas que levam à</p><p>apropriação desordenada do espaço e da consciência social</p><p>Já a geografia agrícola se ocupa da</p><p>produção agrícola, quanto produz e onde se produz. Assim, as duas</p><p>são interdependentes e significativas para se pesquisar o espaço</p><p>rural, pois, enquanto uma aborda as relações sociais relacionadas à</p><p>distribuição, posse e propriedade da terra, a outra investiga questões</p><p>relacionadas à produção de alimentos. Tais enfoques específicos</p><p>conduzem à compreensão de uma ampla realidade do meio rural.</p><p>Podemos enquadrar os estudos da vertente agrária e agrícola como</p><p>pertencentes à geografia rural;</p><p>6 UNIUBE</p><p>• geografia rural: é uma área da ciência geográfica que se ocupa</p><p>de questões próprias do meio rural, analisando -as com base em</p><p>processos mais amplos, que estão além das fronteiras do rural, ou</p><p>seja, não desprezando as relações de determinação e subordinação</p><p>do espaço urbano em relação ao rural. Dessa maneira, em geografia</p><p>rural, as questões agrárias e agrícolas são abordadas por uma</p><p>perspectiva espacial ampla, que vai além dos limites rigidamente</p><p>traçados para dividir o rural do urbano.</p><p>O termo “agrário” refere -se ao arranjo espacial do campo, enquanto</p><p>“agrícola” refere -se a sua produção. “Campo” e “meio rural” são expressões</p><p>que podem ser utilizadas como sinônimas, e é nesses locais que o agrário</p><p>e o agrícola podem ser investigados.</p><p>SINTETIZANDO...</p><p>Na atualidade, não se pode analisar o meio rural isoladamente dos processos</p><p>econômicos, sociais, culturais e políticos que se desenvolvem na cidade. É</p><p>preciso compreendê -los conjuntamente, promovendo o desenvolvimento de</p><p>um olhar que observe e analise as ligações existentes entre os territórios do</p><p>rural e do urbano.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>Ao estudarmos o espaço rural contemporâneo, com suas questões</p><p>agrárias e agrícolas, devemos entender como a realidade rural se</p><p>transformou, historicamente, para que possamos apreender a lógica dos</p><p>processos que aí se manifestam e dão sentido às relações de produção,</p><p>que determinam sua organização agrícola e agrária. Portanto, partimos</p><p>da lógica de transformações do rural que se processaram a partir do</p><p>século XIII, na Europa Medieval, com o declínio do feudalismo.</p><p>UNIUBE 7</p><p>As relações de produção na Europa Medieval1.2</p><p>A Idade Média foi aquele longo período vivenciado na Europa, situado entre</p><p>os séculos V e XV. Durante grande parte daquele tempo, as cidades e o</p><p>comércio perderam a importância que tinham no tempo do Império Romano.</p><p>A maioria das pessoas foi viver no campo, em fazendas chamadas de</p><p>feudos, que produziam quase tudo para a sobrevivência de seus moradores:</p><p>o clero, os senhores feudais e seus fiéis guerreiros (a nobreza) e os servos.</p><p>RELEMBRANDO</p><p>O sistema social, econômico e político da Idade Média</p><p>era o feudalismo. A organização da sociedade</p><p>feudal fundamentava -se em três estamentos:</p><p>o clero, a nobreza e os servos. Este último</p><p>era composto por famílias camponesas que</p><p>possuíam o conhecimento dos ciclos da natureza</p><p>e constituíam a principal mão de obra que, pelo</p><p>trabalho na terra, garantia a produção de alimentos</p><p>na Europa. A maioria da população vivia no meio</p><p>rural e dele dependia para sobreviver. As famílias camponesas, além</p><p>de conhecerem o trabalho agrícola, também detinham conhecimentos</p><p>artesanais importantes que lhes garantiam autonomia quanto à produção</p><p>de artefatos de vestimenta e instrumentos de trabalho. É possível afirmar</p><p>que existia uma consistente indústria doméstica nos lares camponeses.</p><p>Os camponeses compunham a ordem estamental subordinada ao clero e</p><p>à nobreza, que juntos administravam o espaço rural por meio dos feudos.</p><p>A produção agrícola não tinha fins comerciais, sendo que o excedente</p><p>produzido entrava no mercado de trocas por outros produtos para atender</p><p>às necessidades de alimentação que não era produzida por um feudo ou</p><p>Estamento</p><p>Constitui uma</p><p>forma de</p><p>estratificação</p><p>social, com</p><p>camadas sociais</p><p>fechadas, o que</p><p>determina a</p><p>pouca mobilidade</p><p>social.</p><p>8 UNIUBE</p><p>um camponês. Juntamente com a quase inexistência de moeda, pesos</p><p>e medidas únicas, bem como a autonomia da propriedade feudal, o</p><p>comércio desenvolvia -se por meio de trocas de mercadorias, como uma</p><p>prática dominante.</p><p>A produção de excedentes alimentares não era a finalidade dos feudos.</p><p>PONTO-CHAVE</p><p>O feudo correspondia a uma área, na qual um administrador,</p><p>denominado senhor feudal, exercia seu poder de mando sobre aqueles</p><p>que trabalhavam em suas terras que, no caso, eram os servos. Ou seja,</p><p>o feudo era uma unidade econômica. Cada servo possuía uma área</p><p>dentro do feudo e era responsável por cultivá -la, estando sempre a</p><p>serviço do senhor feudal. O camponês -servo era ligado à terra. Não era</p><p>escravo, posto que não podia ser comprado ou vendido. Mas, por não ter</p><p>propriedade, não tinha opção que não fosse o árduo trabalho no feudo</p><p>para a sustentação e reprodução da nobreza, do clero e da sociedade</p><p>estamental feudal. Tinha por obrigação o pagamento de uma série de</p><p>tributos feudais, em troca do “direito de uso da terra”. Um exemplo de</p><p>tributo feudal: ceder ao senhor feudal metade de toda sua produção ou</p><p>trabalhar alguns dias de graça nas terras do senhor.</p><p>O feudo era um latifúndio, ou seja, uma grande propriedade rural. O</p><p>servo era a mão de obra que fazia esse latifúndio produzir.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Mas a história, ainda que preserve algumas estruturas, está em constante</p><p>transformação, não é mesmo? Pois, então, as coisas começaram a</p><p>mudar na produção do final da Idade Média.</p><p>UNIUBE 9</p><p>Os séculos X, XI e XII representaram para a Europa</p><p>um período de certo “descaso”, uma vez que as</p><p>invasões bárbaras tinham se arrefecido. Esse</p><p>período sem saques e de maior tranquilidade foi</p><p>também um período de aumento populacional,</p><p>já que os massacres diminuíram consideravelmente. Você já deve ter</p><p>concluído: mais pessoas, maior necessidade de alimentos!</p><p>A necessidade de aumentar a produção de alimentos incentivou a</p><p>criatividade das pessoas. E, então, após séculos usando a terra até</p><p>seu esgotamento, os servos resolveram tentar um novo sistema, que</p><p>consistia em deixar uma parte da terra descansando, enquanto outras</p><p>duas partes produziam: era o sistema de rotação de cultura. Por meio</p><p>do “pousio” de um terço das terras, a sociedade feudal viu aumentar</p><p>substancialmente a produção agrícola na Baixa Idade Média.</p><p>A partir da análise da Figura 1, a seguir, podemos observar como era</p><p>dividido o feudo na prática do pousio.</p><p>Arrefecer</p><p>Nesse caso,</p><p>o mesmo que</p><p>moderar, diminuir.</p><p>Ano 1</p><p>Ano 2</p><p>Ano 3</p><p>Descanso Trigo Cevada</p><p>Trigo Cevada Descanso</p><p>Cevada Descanso Trigo</p><p>Figura 1: Quadro esquemático de um sistema trienal de culturas.</p><p>Fonte: Wikipédia. Disponível em: < http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro: istematrienaldeculturas.png>.</p><p>Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>10 UNIUBE</p><p>Inovações tecnológicas, como o aperfeiçoamento</p><p>do arado e das carroças, o uso de ferraduras</p><p>nos cavalos, dos moinhos de vento para moer</p><p>grãos como o trigo, entre outras, propiciaram a</p><p>economia do trabalho humano, deixando -o livre</p><p>para produzir outros bens, como artesanatos,</p><p>por exemplo. O artesanato não ficaria para trás</p><p>nas inovações tecnológicas e a roca de fiar e os</p><p>guindastes para as construções transformariam,</p><p>ao lado de tantas outras invenções, o cotidiano</p><p>nos feudos e, o mais importante, as relações feudais de produção. Afinal</p><p>de contas, alguns feudos passaram a produzir mais do que o necessário</p><p>e, então, o que fazer com a produção excedente?</p><p>As trocas entre os feudos se tornaram interessantes, pois cada região</p><p>da Europa, por suas condições naturais e/ou culturais, produzia um</p><p>excedente distinto.</p><p>Você já captou a consequência dessas práticas, não é mesmo?</p><p>Tais trocas representaram um renascer vigoroso do comércio e muitos</p><p>camponeses se tornaram comerciantes. E, como você já deve ter</p><p>imaginado, as feiras de comércio se tornaram cidades (elas também</p><p>renasceram).</p><p>Arado</p><p>Instrumento</p><p>agrícola que serve</p><p>para abrir sulcos na</p><p>terra.</p><p>Roca de fiar</p><p>Instrumento</p><p>utilizado</p><p>e cultural</p><p>das comunidades e das populações envolvidas nas regiões que recebem</p><p>as atividades turísticas.</p><p>Nesse sentido, os novos marcos conceituais só poderão ser traçados</p><p>após uma revisão dos conceitos tradicionalmente consagrados pela</p><p>reprodução e expansão do capital. Os novos marcos conceituais só</p><p>poderão ser edificados no terreno da realidade social das populações</p><p>humanas que convivem e constroem sua cultura em diálogo com as</p><p>particularidades dos lugares e das regiões historicamente envolvidas na</p><p>construção das características e particularidades das culturas regionais.</p><p>180 UNIUBE</p><p>Repensando o conceito das categorias espaciais6.2</p><p>Ao se investigar as atividades turísticas, devemos nos voltar para os</p><p>conceitos dos objetos de estudo da ciência geográfica. O espaço não</p><p>é algo solto, fragmentado, mas, ao contrário, constitui-se de elementos</p><p>e particularidades, das quais surgem outras categorias, que devem</p><p>ser analisadas de acordo com essas particularidades, porém não se</p><p>perdendo de vista sua derivação e dependência do conceito de espaço</p><p>(Figura 1)</p><p>Figura 1: A relação das atividades turísticas com as categorias geográficas.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>O esquema anterior representa as interrelações entre as atividades</p><p>ligadas à prática do turismo e os principais objetos de estudos da</p><p>Geografia. Observando a figura, nota-se que os elementos representados</p><p>no esquema são interdependentes e interligados.</p><p>Assim, pensar o espaço significa saber conciliar a ideia e noção de</p><p>totalidade de mundo, de ecossistema de planeta, de sociedade, sem</p><p>abandonar suas singularidades, seja nos aspectos físicos quanto nos</p><p>aspectos históricos, sociais e culturais. Dessa forma, a análise das</p><p>categorias espaciais pressupõe o entendimento das partes que os</p><p>compõem. É preciso o entendimento de que o espaço, como categoria</p><p>ATIVIDADES TURÍSTICAS</p><p>ESPAÇO</p><p>PAISAGEM LUGAR</p><p>UNIUBE 181</p><p>de análise da Geografia, expressa não somente os aspectos e elementos</p><p>físicos, mas, sobretudo, requer a apreensão dos aspectos econômicos e</p><p>socioculturais, responsáveis por sua transformação, durante determinados</p><p>períodos historicamente constituídos. Pensar o espaço significa pensar a</p><p>totalidade vinculada às particularidades.</p><p>6.2.1 Reexaminando os aspectos da “Paisagem”</p><p>Como foi dito no tópico anterior, podemos perceber que a paisagem é</p><p>uma particularidade do espaço. Suertegaray, 2001, nos brinda com uma</p><p>bela contribuição acerca do conceito de espaço, a partir da formulação</p><p>brilhante de Milton Santos:</p><p>Mais recentemente, outras concepções fazem parte</p><p>da concepção de espaço geográfico. Milton Santos</p><p>(1982) vai se referir a esta categoria dizendo: “o</p><p>espaço é acumulação desigual de tempos”. O que</p><p>significa conceber espaço como heranças. O mesmo</p><p>Milton Santos (1997) vai se referir a espaço–tempo</p><p>como categorias indissociáveis, nos permitindo uma</p><p>reflexão sobre espaço como coexistência de tempos.</p><p>Desta forma, num mesmo espaço coabitam tempos</p><p>diferentes, tempos tecnológicos diferentes, resultando</p><p>daí inserções diferentes do lugar no sistema ou na rede</p><p>mundial (mundo globalizado), bem como resultando</p><p>diferentes ritmos e coexistências nos lugares.</p><p>Constituindo estas diferentes formas de coexistir,</p><p>materializações diversas, por consequência espaço(s)</p><p>geográfico(s) complexo(s) e carregado(s) de heranças e</p><p>de novas possibilidades.</p><p>A formulação de Santos (1982) vem reafirmar a materialidade do que</p><p>discorremos ate aqui: o espaço é perpassado por elementos históricos</p><p>e culturais, que em cada período da história da humanidade incorporam-</p><p>se em sua dimensão, em sua essência novos elementos acumulados</p><p>pela experiência das sociedades passadas. Diante dessa constatação</p><p>é que apontamos que não se pode apropriar como pretende o turismo,</p><p>do espaço e suas particularidades, de maneira mecanicista, por</p><p>intermédio da racionalidade técnica e instrumental, descartando os</p><p>182 UNIUBE</p><p>aspectos históricos, sociais e culturais acumulados pela experiência da</p><p>humanidade nas diversas sociedades passadas. Não se pode passar</p><p>a borracha na experiência histórica e sociocultural da humanidade, em</p><p>detrimento do lucro. A partir dessas considerações, devemos estender</p><p>nosso olhar sobre a categoria paisagem, uma das derivações do espaço,</p><p>também perpassada por elementos da cultura da humanidade.</p><p>Muitos consideram a paisagem como se fosse algo morto, estático, como</p><p>se fosse apenas um elemento de contemplação, vinculando o conceito,</p><p>apenas, a qualidades esteticamente entendidas como “belas”, segundo</p><p>o padrão de referência dos dominantes, determinadas pelas relações de</p><p>poder político e econômico.</p><p>6.2.2 A relação do turismo com as paisagens</p><p>Novamente, vamos recorrer a Suertegaray (2001, sp.) para tentar</p><p>interpretar o conceito de paisagem:</p><p>[...] percebemos paisagem como um conceito</p><p>operacional, ou seja, um conceito que nos permite</p><p>analisar o espaço geográfico sob uma dimensão,</p><p>qual seja o da conjunção de elementos naturais</p><p>e tecnificados, sócio-econômicos e culturais. Ao</p><p>optarmos pela análise geográfica a partir do conceito</p><p>de paisagem, poderemos concebê-la enquanto forma</p><p>(formação) e funcionalidade (organização). Não</p><p>necessariamente entendendo forma–funcionalidade</p><p>como uma relação de causa e efeito, mas percebendo-</p><p>a como um processo de constituição e reconstituição</p><p>de formas na sua conjugação com a dinâmica social.</p><p>Neste sentido, a paisagem pode ser analisada como</p><p>a materialização das condições sociais de existência</p><p>diacrônica e sincronicamente. Nela poderão persistir</p><p>elementos naturais, embora já transfigurados (ou</p><p>natureza artificializada). O conceito de paisagem</p><p>privilegia a coexistência de objetos e ações sociais na</p><p>sua face econômica e cultural manifesta.</p><p>UNIUBE 183</p><p>Este conceito nos serve, pois ele referencia a paisagem aos aspectos</p><p>que exprimem a experiência humana acumulada e apresentada em</p><p>uma determinada porção do espaço geográfico. Assim, não se trata de</p><p>um conceito estático, mas de um conjunto dinâmico, dialético, que nos</p><p>permite verificar e analisar a sociedade em constante transformação e a</p><p>mobilidade dos aspectos sociais, culturais, políticos e econômicos.</p><p>6.2.3 As paisagens e suas representações</p><p>Há algum tempo, a Geografia se preocupava em estreitar as ligações</p><p>com os aspectos meramente físicos do ambiente, para caracterizar</p><p>a paisagem. Com a evolução do pensamento geográfico, esta</p><p>caracterização vem sendo substituída por uma análise crítica que</p><p>envolve, além dos elementos físicos, os aspectos culturais, históricos,</p><p>econômicos e sociais que compõem a configuração da paisagem.</p><p>Os estudos, surgidos a partir da visão crítica do Prof. Milton Santos,</p><p>muito têm contribuído para uma nova recontextualização desta categoria</p><p>essencial para as pesquisas em Geografia. Desde então, a compreensão</p><p>da paisagem, enquanto um conjunto de fatores dinâmicos, ganhou novos</p><p>significados para o conjunto de estudiosos envolvidos nas investigações</p><p>do campo da ciência geográfica. A nova concepção de paisagem passou</p><p>a ser um aspecto fundamental a ser considerado em diversos setores</p><p>que se dedicam aos estudos das categorias socioespaciais, não somente</p><p>em Geografia, mas, na maioria das Geociências, pois necessitam da</p><p>compreensão da paisagem para além de seus elementos físicos.</p><p>Aliada à interpretação dos fatores e aspectos físicos, que caracterizam</p><p>a paisagem, as atividades humanas na construção e desconstrução</p><p>desses elementos passaram a ganhar centralidade neste debate. Assim,</p><p>as transformações espaciais, decorrentes dos fatores antropogênicos,</p><p>deram nova significação conceitual a esta categoria. Novas formas</p><p>de representações das paisagens apropriaram-se dos aspectos que</p><p>184 UNIUBE</p><p>caracterizam a paisagem, enquanto um conjunto de fatores em movimento,</p><p>em transformação. Neste sentido, os aspectos culturais, econômicos,</p><p>históricos e sociais, ganharam significação especial.</p><p>Para o Prof. Milton Santos, a paisagem é:</p><p>[...] conjunto de formas que, num</p><p>dado momento,</p><p>exprimem as heranças que representam as sucessivas</p><p>relações localizadas entre o homem e a natureza”. Ou</p><p>ainda, a paisagem se dá como conjunto de objetos reais</p><p>concretos”. Nesta perspectiva, diferencia paisagem de</p><p>espaço: paisagem é “transtemporal” juntando objetos</p><p>passados e presentes, uma construção transversal</p><p>juntando objetos. Espaço é sempre um presente, uma</p><p>construção horizontal, uma situação única. Ou ainda,</p><p>paisagem é um sistema material, nessa condição,</p><p>relativamente imutável, espaço é um sistema de</p><p>valores, que se transforma permanentemente.</p><p>No mesmo sentido, Dias; Santos (2007, sp.) dirigem seu raciocínio.</p><p>A formulação, a seguir, demonstra que os autores complementa o</p><p>pensamento do Prof. Milton Santos:</p><p>A evolução da “ciência da paisagem” no âmbito da</p><p>Geografia conduziu a melhor definição do conceito</p><p>a partir do questionamento da dicotomia entre</p><p>paisagem humana e paisagem natural embora a visão</p><p>da paisagem natural predominasse como elemento</p><p>ideográfico e descritivo. As escolas alemãs e russas se</p><p>desenvolveram em torno dessa discussão originalmente</p><p>e interagiram posteriormente com a escola francesa</p><p>que se desenvolvia paralelamente. Esta última</p><p>trouxe várias contribuições à Geografia brasileira,</p><p>fornecendo suporte teórico à metodologia. A discussão</p><p>da noção de paisagem e sua evolução na Geografia</p><p>e a sistematização do conceito de geossistema para</p><p>compor o método de análise da paisagem foram a</p><p>base, no Brasil, para os esforços de análises integradas</p><p>na tentativa de articular o maior número possível de</p><p>correlações dos diferentes atributos na estrutura de uma</p><p>paisagem [...]. O fato da análise integrada da paisagem</p><p>considerar a dimensão natural e social dos sistemas</p><p>paisagísticos possibilita avaliar como acontece a</p><p>interação sociedade-ambiente nos diferentes espaços.</p><p>UNIUBE 185</p><p>As formulações dos dois autores vêm corroborar com o que viemos</p><p>discutindo acerca do movimento dinâmico dos aspectos e fatores que</p><p>compõem a categoria paisagem. A Figura 2, a seguir, sintetiza esta</p><p>evolução da compreensão da paisagem, enquanto uma das categorias</p><p>centrais da Geografia.</p><p>Figura 2: Evolução do conceito de paisagem.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>Esta discussão é importante, pois o Turismo é uma indústria cuja base</p><p>são as atividades humanas sobre os recursos da natureza. Dessa forma,</p><p>essas atividades influenciam os diversos fatores que compõem as</p><p>paisagens. Neste sentido, para se compreender o turismo como atividade</p><p>humana, torna-se essencial a percepção das alterações das paisagens.</p><p>A implantação de quaisquer atividades turísticas implica em influenciar</p><p>nos aspectos culturais, econômicos, históricos e sociais de determinada</p><p>região. Ou seja, as atividades turísticas causam impactos profundos</p><p>sobre o ambiente físico e na vida dos povos de uma dada região.</p><p>Portanto, trata-se de uma atividade que exige dos gestores e profissionais</p><p>da área conhecimentos profundos acerca dos fatores e aspectos que</p><p>caracterizam as paisagens e a vida dos povos que a habitam.</p><p>PAISAGEM</p><p>AMBIENTE NATURAL:</p><p>– Descrição dos</p><p>elementos físicos</p><p>ELEMENTOS</p><p>CONSTRUÍDOS:</p><p>– Aspectos históricos;</p><p>– Aspectos culturais;</p><p>– Aspectos econômicos;</p><p>– Aspectos sociais.</p><p>Evolução</p><p>186 UNIUBE</p><p>A implantação de atividades turísticas em dada porção do espaço exige</p><p>estudos e pesquisas meticulosas acerca da região e do modo de vida</p><p>dos povos envolvidos e/ou afetados.</p><p>A categoria “lugar” e as atividades turísticas6.3</p><p>A compreensão do conceito de “lugar” é fundamental para a percepção</p><p>das possibilidades da implantação das atividades turísticas. Durante</p><p>muito tempo, os estudiosos da Geografia consideraram a categoria</p><p>lugar, enquanto porção pontual do espaço geográfico, única categoria</p><p>autoexplicável. Mas, estudos mais recentes vêm reafirmar uma maior</p><p>complexidade desse conceito. Sua compreensão vai muito mais além de</p><p>uma análise pontual do espaço. Mais uma vez, os estudos do professor</p><p>Milton Santos entram em cena, para contribuir de forma decisiva para a</p><p>compreensão e reformulação conceitual dessa categoria de análise da</p><p>Geografia.</p><p>Milton Santos (1997) trabalha este conceito na perspectiva de espaço</p><p>vivido. Nessa interpretação, ele leva em consideração outras dimensões</p><p>do espaço como as técnicas, os objetos, as ações humanas e o tempo.</p><p>Ele redefine o lugar como uma porção do espaço geográfico onde</p><p>coexistem diversos elementos físicos e naturais que, em seu conjunto,</p><p>contam a história humana em sua relação temporal com o espaço.</p><p>Nessa perspectiva, ele nos diz que:</p><p>[...] no lugar, nosso próximo se superpõe, dialeticamente</p><p>ao eixo das sucessões, que transmite os tempos</p><p>externos das escalas superiores e o eixo dos tempos</p><p>internos, que é o eixo das coexistências, onde tudo</p><p>se funde, enlaçando definitivamente, as noções e as</p><p>realidades de espaço e tempo. (SANTOS, 1997, p. 39).</p><p>Com essa afirmação, ele quer nos dizer que a análise do “lugar” pressupõe</p><p>a interpretação dos fatos e acontecimentos, bem como de seus vestígios</p><p>concretos, presentes no espaço geográfico, observando-se a escala</p><p>UNIUBE 187</p><p>espaço/temporal. Ao interpretarmos esses vestígios, seremos capazes</p><p>de construir as representações da evolução cultural, dos modos de vida,</p><p>costumes e tradições dos povos que habitaram determinados lugares. Os</p><p>estudos do Prof. Milton Santos trazem à tona elementos que marcam as</p><p>atividades humanas e sua relação com o espaço geográfico. Ele retoma a</p><p>centralidade das ações do homem com o ambiente natural, reconstruindo</p><p>o conceito de “lugar”, predominante até então. Assim, como o Turismo</p><p>traz em seu bojo um conjunto de atividades humanas que interferem</p><p>diretamente no ambiente, sua prática prescinde da investigação dos</p><p>fatores que compõem a porção do espaço vivido, o “lugar”.</p><p>A partir desses novos elementos introduzidos por Milton Santos nos é</p><p>possível inferir a análise de novos aspectos a serem considerados para</p><p>a reconstrução conceitual da categoria. Aspectos ligados às sensações</p><p>humanas, afetividade, cotidianidade, relações de proximidade com os</p><p>elementos e objetos que compõem o “lugar” devem ser levados em</p><p>consideração para a plena compreensão do conceito.</p><p>Figura 3: O lugar com espaço vivido.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>“LUGAR” = ESPAÇO VIVIDO</p><p>EXPERIÊNCIAS HUMANAS + FATORES FÍSICOS</p><p>(COEXISTÊNCIA ESPAÇO/TEMPORAL)</p><p>HOMEM/AMBIENTE</p><p>– Afetividade com objetos;</p><p>– Aspectos da vida cotidiana;</p><p>– Experiências acumuladas;</p><p>– Modos de vida: culturas,</p><p>hábitos, costumes, tradições.</p><p>188 UNIUBE</p><p>A Figura 3 sintetiza o que foi estudado acerca da conceituação do</p><p>lugar. Os trabalhos do Prof. Milton Santos deram nova significação a</p><p>esta conceituação, além de ligar os aspectos relativos à categoria às</p><p>experiências humanas em relação ao lugar, enquanto “espaço vivido”.</p><p>Turismo e cultura: dois conceitos em conflito!6.4</p><p>Ao falarmos de turismo, somos remetidos à reflexão acerca dos impactos</p><p>que essa atividade provoca sobre os ambientes naturais e sobre as</p><p>populações que estabeleceram uma íntima relação entre seu modo de</p><p>vida em uma determinada região. Assim, pensar em turismo nos remete,</p><p>impreterivelmente, ao debate acerca dos impactos socioambientais nos</p><p>mais diferentes ecossistemas.</p><p>O aumento do fluxo de turistas em direção às áreas naturais, rurais e</p><p>urbanas, tem causado impactos sobre os espaços visitados e sobre</p><p>as populações dos lugares turísticos. A presença de turistas em locais</p><p>que possuem atrativos não traz somente retorno econômico para as</p><p>comunidades que os recebem, mas causa impactos que modificam os</p><p>espaços visitados, seu ambiente natural e cultural.</p><p>As alterações que o turismo provoca podem interferir na própria</p><p>reprodução dessa atividade em momentos futuros, já que os atrativos</p><p>culturais e naturais estão sujeitos a modificações profundas, não</p><p>conseguindo manter suas características originais.</p><p>É lógico que nem todo ambiente natural ou cultural de uma comunidade</p><p>permanece intacto para sempre. No entanto,</p><p>os ambientes podem sofrer</p><p>processos de mudança mais rápidos por meio das atividades turísticas.</p><p>Desse modo, a sustentabilidade turística é uma questão a ser amplamente</p><p>discutida ao se executar propostas de qualquer planejamento turístico.</p><p>Assim, ao organizar o turismo por meio do planejamento, não se deve</p><p>UNIUBE 189</p><p>considerar apenas o bem estar do turista, seus anseios e desejos em</p><p>praticar essa atividade, mas devemos levar em conta os anseios das</p><p>comunidades locais que servirão de base para a prática do turismo, bem</p><p>como as fragilidades ambientais do meio natural que será espaço de</p><p>visitas.</p><p>Avaliar impactos sobre o meio ambiente, mais especificamente sobre</p><p>o meio natural, requer uma análise de conjunto, já que o processo de</p><p>transformação da natureza obedece a uma dinâmica independente</p><p>à intervenção do homem, mas que se acelera com a ação humana</p><p>sobre o espaço. Não se deve atribuir somente ao turismo as mudanças</p><p>sofridas pelo ecossistema, como destruição da cobertura vegetal do solo,</p><p>devastação das florestas, erosão, poluição sonora, visual e atmosférica,</p><p>extinção de várias espécies da fauna e da flora. O turismo se constitui</p><p>como um dos fatores que favorecem a essas mudanças, mas não é</p><p>o único. Desse modo, o equilíbrio da dinâmica do meio ambiente</p><p>exige ações combinadas entre turismo e comunidades locais e sua</p><p>conscientização sobre ações que modificam o meio ambiente.</p><p>Os impactos econômicos e sociais estão intimamente ligados. Os</p><p>impactos econômicos relacionam-se às condições econômicas das</p><p>comunidades receptoras. Durante o planejamento turístico, é necessário</p><p>analisar as condições econômicas da região receptora de turistas, tais</p><p>como nível de desenvolvimento econômico, a relação centro-periferia,</p><p>que reflete o padrão econômico da região. Outro fator é em relação aos</p><p>níveis de pobreza que a população está submetida e às contribuições</p><p>do turismo para a melhoria da economia local, bem como seu papel em</p><p>amenizar as desigualdades econômicas.</p><p>Quanto aos impactos sociais, estes passam por vários estágios do</p><p>desenvolvimento e consolidação do turismo em determinada localidade.</p><p>Nos primeiros momentos do desenvolvimento da atividade, os moradores</p><p>recebem bem o turista e mantêm relações próximas. À medida que o</p><p>190 UNIUBE</p><p>turismo se consolida, as pessoas do lugar veem no turista um meio</p><p>de conseguir lucro e não se relacionam com muita cordialidade. Com</p><p>a consolidação do turismo, a população local sente os impactos da</p><p>presença dos turistas e suas influências sobre sua comunidade. Desse</p><p>modo, apesar do desenvolvimento econômico, a comunidade local</p><p>percebe mudanças de comportamento em todos que moram no lugar.</p><p>Os impactos culturais podem ser positivos ou negativos. Sendo</p><p>positivos, eles podem contribuir para a valorização do artesanato</p><p>produzido pela comunidade local. O interesse dos turistas em conhecer</p><p>e adquirir o artesanato produzido motiva a comunidade local a continuar</p><p>com a técnica de produção. Além disso, esse tipo de produção promove</p><p>a valorização da herança cultural, pois a cultura da comunidade local</p><p>torna-se exótica aos olhos dos turistas e, sem ela, o desenvolvimento da</p><p>prática turística não seria possível. Além disso, o turismo contribui para</p><p>a preservação do patrimônio histórico arquitetônico, fazendo com que</p><p>a população local, bem como o poder político, não promova alterações</p><p>profundas na paisagem, destruindo prédios antigos ou monumentos para</p><p>dar lugar a outras construções.</p><p>Por outro lado, os impactos negativos são ameaça à cultura local.</p><p>Dentre eles, está a descaracterização do artesanato por meio da</p><p>produção artesanal voltada exclusivamente para o consumo dos turistas.</p><p>Outro impacto é a minimização das manifestações culturais tradicionais</p><p>com a criação de uma cultura estereotipada aos olhos dos turistas.</p><p>Quanto ao patrimônio histórico, a visitação em massa pode comprometer</p><p>as edificações materiais, já que o volume excessivo de visitantes causa</p><p>impactos relacionados à depredação por meio de ações destrutivas dos</p><p>elementos naturais.</p><p>Assim, o contato entre culturas diferentes promove modificações sobre</p><p>o que está posto no espaço. De um lado, as comunidades locais sofrem</p><p>mudanças em seus hábitos e costumes, alterando sua cultura em função</p><p>UNIUBE 191</p><p>das necessidades do turismo. De outro, o turista, trazendo para o lugar</p><p>sua cultura, seu modo de ver o mundo e interpretá-lo, modifica a cultura</p><p>típica do lugar que ele visita. A aproximação dessas duas culturas</p><p>antagônicas promove uma nova dinâmica sobre o espaço, envolvendo</p><p>o meio natural, a condição socioeconômica das populações locais e as</p><p>manifestações próprias de sua cultura. Portanto, as alterações de ordem</p><p>cultural ocorridas sobre o espaço devem ser discutidas profundamente</p><p>para se planejar ações visando a sustentabilidade turística.</p><p>É sobre o espaço que ocorre a intervenção do homem, suas ações de</p><p>cunho transformador que criam e recriam formas no espaço. Assim, as</p><p>transformações que o espaço sofre são resultado de uma cultura. Quanto ao</p><p>espaço, podemos afirmar que ele abrange não apenas os objetos naturais</p><p>e os artefatos humanos, mas, também, as relações criadas por fluxos de</p><p>pessoas, mercados, capitais e informações. Ele surge da interação, mediada</p><p>pelas técnicas, entre as sociedades e a superfície terrestre.</p><p>6.4.1 Cultura e modos de vida: a relação humana com o ambiente</p><p>A cultura de um determinado povo pode se caracterizar pela evolução</p><p>dos hábitos, costumes, tradições e modos de vida desse povo ou de uma</p><p>população, englobando as diversas formas de manifestação da relação</p><p>entre os indivíduos, e entre o conjunto de indivíduos com o ambiente no</p><p>qual eles estão inseridos.</p><p>Os elementos que determinam a identidade cultural de um determinado</p><p>povo ou etnia podem ser encontrados na linguagem, signos, simbologias,</p><p>representações, expressões artísticas, culinária, dança, pintura, música,</p><p>crenças e religiosidade, escultura, artesanato, expressões corporais,</p><p>rituais, dentre outros aspectos. Esses aspectos se perpetuam, através</p><p>dos tempos, e estão diretamente ligados às relações dos indivíduos, em</p><p>comunidade, com o ambiente em que vivem. Então, podemos afirmar</p><p>que a cultura de um povo é construída em uma relação íntima e de</p><p>192 UNIUBE</p><p>reciprocidade entre os diversos indivíduos em sociedade e entre essa</p><p>sociedade e os elementos pertencentes ao espaço em que vivem. Assim,</p><p>podemos dizer que as diversas formas de expressão cultural possuem</p><p>íntima ligação com o lugar ou “espaço vivido”.</p><p>O Turismo na contramão do “espaço vivido”6.5</p><p>A implantação de atividades turísticas implica em quebrar a ordem</p><p>dos elementos constitutivos dos ambientes naturais, o que implica na</p><p>quebra da harmonia entre os diversos elementos que compõem esse</p><p>ambiente. Quando se trata da relação das atividades turísticas em</p><p>regiões com populações tradicionais, além da quebra da harmonia</p><p>entre os elementos que compõem o ambiente, há, ainda, a quebra da</p><p>relação dessa população com os elementos, signos, costumes, hábitos</p><p>e representações historicamente construídas.</p><p>Isto significa dizer que se abrem lacunas para os diversos tipos de</p><p>impactos, tanto ambientais quanto sociais. Em última instância, significa</p><p>dizer que ocorre uma quebra abrupta entre as comunidades tradicionais</p><p>e seu mundo natural, ou “espaço vivido”. Neste sentido, costumes,</p><p>artes, modos de vida, tradições são perdidas, em detrimento do lucro</p><p>proporcionado pelas atividades turísticas.</p><p>Com essa preocupação, as atividades ligadas ao turismo devem ser</p><p>planejadas, levando-se em conta o conjunto de fatores naturais, artificiais</p><p>e culturais. O planejamento turístico deve respeitar os modos de vida</p><p>das populações regionais, bem como as características e fragilidade dos</p><p>diversos ecossistemas que compõem o grande ambiente terrestre.</p><p>Implantar atividades ligadas ao turismo significa reexaminar as diversas</p><p>condições que caracterizam os diversos ambientes e/ou ecossistemas,</p><p>sejam elas físicas,</p><p>como econômicas, históricas, culturais e sociais das</p><p>comunidades que compõem os vários ecossistemas. Significa, acima de</p><p>UNIUBE 193</p><p>tudo, respeitar a hierarquização das relações entre as comunidades</p><p>tradicionais e os diversos ecossistemas. Podemos afirmar que a quebra</p><p>dessas relações proporciona grandes e graves desequilíbrios sociais e</p><p>ambientais.</p><p>Figura 4: As formas de relação homem/natureza.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>A Figura 4 mostra as diversas consequências e benefícios da utilização</p><p>correta e incorreta dos recursos naturais. As comunidades tradicionais</p><p>estabelecem uma relação de convivência mais harmônica com o</p><p>ambiente, garantindo, assim, o estabelecimento de princípios de</p><p>sustentabilidade, em que elas tiram seus recursos e sua sobrevivência do</p><p>ecossistema, causando o mínimo de impactos no ambiente. A construção</p><p>de seus valores culturais está diretamente vinculada à exploração</p><p>equilibrada dos recursos da natureza.</p><p>Quando não existe o planejamento, as consequências são graves e geram</p><p>sérios desequilíbrios nos ecossistemas, fragilizando a sobrevivência das</p><p>comunidades que deles dependem.</p><p>RELAÇÃO HOMEM/NATUREZA</p><p>EQUILIBRADA DESEQUILIBRADA</p><p>Exploração racional dos recursos</p><p>naturais, gestão, uso e manejo</p><p>corretos dos recursos da natureza,</p><p>geração de renda e bem estar social</p><p>para as comunidades, formação</p><p>de sociedades sustentáveis.</p><p>DEGRADAÇÃO SOCIOAMBIENTAL:</p><p>poluição das águas, solos e</p><p>atmosfera, grandes impactos</p><p>ambientais, grandes impactos</p><p>culturais, grandes impactos sociais.</p><p>194 UNIUBE</p><p>Assim, as atividades turísticas dependem do estudo das características</p><p>dos ecossistemas, de suas particularidades e fragilidades, de maneira</p><p>a ocasionar o mínimo de impactos tanto ambientais quanto sociais. Os</p><p>estudos que precedem à execução de projetos turísticos devem analisar,</p><p>além dos aspectos ambientais, também a análise aprofundada das</p><p>comunidades que dependem desses ecossistemas, visando produzir o</p><p>mínimo de impactos sociais nessas comunidades, bem como garantir a</p><p>continuidade de sua identidade cultural.</p><p>6.5.1 Turismo: desafios e possibilidades da sustentabilidade</p><p>Uma política de sustentabilidade envolve fatores de ordem</p><p>comportamental. A ideia de sustentabilidade turística está ligada à</p><p>conceituação de Desenvolvimento Humano Sustentável, surgida na</p><p>década de 1980. Esse conceito foi apresentado, pela primeira vez, no</p><p>relatório Brundtland, como resultado de um estudo denominado “Nosso</p><p>Futuro Comum”, que havia sido encomendado</p><p>pela Organização das Nações Unidas (ONU),</p><p>à primeira ministra da Noruega, Gro Harlem</p><p>Brundtland. O estudo apresentado no relatório</p><p>defendia o desenvolvimento para todos e buscava</p><p>um equilíbrio entre posições antagônicas de</p><p>países desenvolvidos e subdesenvolvidos postas</p><p>em discussão na Conferência pelo Meio Ambiente,</p><p>realizada em Estocolmo, Suécia, no ano de 1972.</p><p>O Desenvolvimento Humano Sustentável conceituado pela ONU envolve</p><p>o ser humano em primeiro lugar, devendo possuir três atributos básicos:</p><p>• desenvolvimento das pessoas, proporcionando suas oportunidades,</p><p>capacidades, potencialidades e direitos de escolha;</p><p>• desenvolvimento para as pessoas, permitindo que os resultados</p><p>pertençam igualmente a toda população;</p><p>Gro Harlem</p><p>Brundtland (1939)</p><p>Política, diplomata e</p><p>médica norueguesa.</p><p>Defensora do</p><p>desenvolvimento</p><p>sustentável e da</p><p>saúde pública. Foi a</p><p>primeira mulher de</p><p>seu país a se tornar</p><p>chefe de Estado.</p><p>UNIUBE 195</p><p>• desenvolvimento pelas pessoas, atribuindo poder aos indivíduos e</p><p>comunidades para decidirem sobre o processo de desenvolvimento</p><p>do qual serão sujeitos e beneficiários.</p><p>Assim, a ideia de sustentabilidade, proposta pela ONU, preza o</p><p>desenvolvimento político, social, cultural, econômico e ambiental. As</p><p>sociedades sustentáveis estariam em igualdade econômica, de justiça</p><p>social, de preservação da biodiversidade cultural, da autodeterminação</p><p>dos povos e da integridade ecológica. Isso obrigaria as pessoas e países</p><p>a mudanças não apenas econômicas, mas sociais, morais e éticas.</p><p>Ao tratar de desenvolvimento sustentável do turismo, é necessário</p><p>incorporar um conjunto de medidas de sustentabilidade que derivam</p><p>das propostas sustentáveis apresentadas anteriormente. Esse conjunto</p><p>de propostas é composto pelas seguintes ações sustentáveis:</p><p>• sustentabilidade ambiental, que corresponde à manutenção do</p><p>equilíbrio dos ecossistemas;</p><p>• sustentabilidade socioeconômica, permitindo melhor distribuição</p><p>de renda e contínuos investimentos no turismo com participação</p><p>comunitária;</p><p>• sustentabilidade cultural, que promova a autonomia das comunidades</p><p>em gerenciar suas próprias vidas para manter a valorização e</p><p>fortalecimento de suas identidades culturais;</p><p>• sustentabilidade espacial, com distribuição mais equilibrada de</p><p>núcleos turísticos para diminuir impactos sobre o meio ambiente</p><p>e sobre as comunidades pela concentração espacial da atividade</p><p>turística.</p><p>Para alcançar as sustentabilidades propostas como meio de desenvolver</p><p>o turismo sustentável, é necessário apoiar-se no planejamento turístico</p><p>como instrumento de organização de ações que visem resultados</p><p>econômicos e sociais, a longo prazo. Isso corresponde a um processo em</p><p>que a rentabilidade econômica com a atividade turística não é a principal</p><p>196 UNIUBE</p><p>discussão no planejamento. Isso porque os impactos negativos gerados</p><p>pelo turismo de massa, por exemplo, produzem consequências a longo</p><p>prazo, comprometendo o desenvolvimento sustentável do turismo.</p><p>Construir propostas que envolvam o comportamento do indivíduo no</p><p>uso do espaço implica em continuidade de ações efetivas no sentido</p><p>de orientarem as atitudes do próprio turista, conscientizando-o sobre</p><p>as fragilidades que o lugar possui e sobre o seu papel na manutenção</p><p>do equilíbrio do ecossistema e do uso adequado dos equipamentos</p><p>oferecidos pelo lugar. Essa tarefa se constitui como um enorme desafio,</p><p>visto que, no turismo praticado atualmente, o turista usufrui, da maneira</p><p>que bem entende do que o espaço oferece. É inadimissível que cause</p><p>impactos negativos sobre o lugar que visita, por mais longa que seja sua</p><p>estadia.</p><p>Nesse sentido, cabe ao planejador conhecer e antecipar os impactos</p><p>causados ao meio ambiente, nos campos econômico, social e cultural,</p><p>que constituem o espaço turístico.</p><p>A prática do turismo em grandes cidades, principalmente naquelas de</p><p>países em desenvolvimento, é organizada de modo a separar do turista</p><p>as mazelas sociais que assolam a maior parte da população. Mas a</p><p>população pobre não está somente em bairros distantes dos centros onde</p><p>se concentram as atividades turísticas. Nas praias, centros históricos ou</p><p>próximos aos grandes hotéis, a pobreza se manifesta pela presença de</p><p>crianças e adultos que se lançam a pedir esmola, prostituir-se, vender</p><p>produtos pelo comércio informal e beneficiar-se de alguma forma da</p><p>presença dos turistas.</p><p>A atividade turística, por sua vez, contribuiu para a reprodução dessa</p><p>condição social à medida que se torna uma atividade concentradora</p><p>de renda. No entanto, não podemos associar a pobreza, a miséria e a</p><p>fome como consequências únicas do turismo. As desigualdades sociais</p><p>UNIUBE 197</p><p>e econômicas já existiam muito antes do surgimento do turismo como</p><p>atividade econômica. Elas resultam de um sistema econômico desigual</p><p>que promove a concentração de riquezas nas mãos de poucos na</p><p>sociedade. Logo, ao tornar o turismo uma atividade econômica de acordo</p><p>com os padrões capitalistas de produção, pode-se afirmar que essa</p><p>atividade promove concentração de renda e desenvolvimento desigual</p><p>na sociedade.</p><p>Do mesmo modo que o turismo opera no sentido de contribuir para</p><p>a reprodução da pobreza e da concentração de renda, ele pode ser</p><p>um instrumento de mudança social e distribuição de renda. Para</p><p>isso, deve estar associado a outras medidas políticas de organização</p><p>socioeconômica. Uma alternativa seria pensar na desconcentração da</p><p>atividade turística para outras localidades</p><p>da cidade. Sua espacialização</p><p>sobre o território urbano é uma alternativa para promover a (re)</p><p>organização desse espaço.</p><p>O espaço urbano corresponde à cidade como sede do município.</p><p>A ordenação do turismo corresponde à criação de infraestruturas</p><p>necessárias ao atendimento de turistas e criação de atrativos para a</p><p>movimentação de fluxo de pessoas em todo o seu espaço ou em porções</p><p>concentradas de seu território. Nesse sentido, o turismo é capaz de</p><p>imprimir nova ordem ao cotidiano do espaço urbano, seja nos polos</p><p>emissores de turistas ou nos polos receptores.</p><p>O turismo está intimamente associado à concentração populacional e</p><p>estilo de vida nos centros urbanos. O stress causado pelo cotidiano da</p><p>cidade e o desejo de chegar a um destino turístico não são os principais</p><p>fatores da prática do turismo. A condição econômica de quem pretende</p><p>realizar turismo é essencial para que determinada cidade se torne um</p><p>polo emissor de turistas. Os polos emissores podem ser profundamente</p><p>modificados pelo fluxo de turistas.</p><p>198 UNIUBE</p><p>6.6 O planejamento turístico demanda planejamento urbano/</p><p>ambiental/industrial</p><p>O desenvolvimento das cidades e, em especial na sociedade capitalista,</p><p>trouxe uma nova configuração do espaço urbano. O surgimento</p><p>das grandes indústrias, a partir da Revolução Industrial, fez surgir o</p><p>processo de urbanização acelerado, combinado com o processo de</p><p>industrialização. Assim, nos dias de hoje, esses dois processos estão</p><p>conjugados e interligados, dando origem ao binômio industrialização/</p><p>urbanização. O desenvolvimento do processo de industrialização deu</p><p>nova dinâmica ao desenvolvimento das cidades e ao espaço urbano,</p><p>trazendo avanços técnicos e de bem-estar social, aliados a problemas</p><p>sérios, em consequência da ocupação e gestão desordenadas do solo</p><p>urbano.</p><p>Neste sentido, houve uma espécie de inchamento das cidades, em</p><p>decorrência da expansão e desenvolvimento da industrialização. Com</p><p>isso, os tempos atuais são marcados, em grande relevância, pelos</p><p>problemas socioambientais urbanos, os quais passaremos a discutir</p><p>em seguida. Vejamos quais são os principais problemas decorrentes da</p><p>evolução do processo de industrialização/ urbanização.</p><p>Figura 7: Relação Indústria/Espaço Urbano.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>CAPITALISMO</p><p>(SOCIEDADE URBANO/INDUSTRIAL</p><p>ESPAÇO URBANO:</p><p>PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS</p><p>MERCADO CONSUMIDOR</p><p>SISTEMA FINANCEIRO</p><p>INDÚSTRIA</p><p>UTILIZAÇÃO DE MATÉRIA-PRIMA</p><p>FABRICAÇÃO DE MERCADORIAS</p><p>INTEGRAÇÃO</p><p>UNIUBE 199</p><p>O esquema da Figura 7 mostra a inter-relação existente entre o espaço</p><p>urbano e a indústria. Verifica-se que o espaço urbano oferece toda a</p><p>logística de prestação de serviço para as atividades industriais. Estas, por</p><p>sua vez, são as responsáveis pela produção de mercadorias, objetivando</p><p>abastecer os mercados consumidores, constituídos, em sua grande</p><p>maioria, nos centros urbanos.</p><p>6.6.1 O inchamento das cidades e do ambiente urbano</p><p>Com o grande desenvolvimento industrial desencadeado a partir da</p><p>Revolução Industrial, inicia-se um amplo processo de migração do campo</p><p>para as cidades à procura de empregos. A população do planeta que</p><p>antes era eminentemente agrária passa a residir nas cidades, dando uma</p><p>nova conformação ao espaço urbano; forma-se a sociedade moderna</p><p>urbano-industrial.</p><p>Com esse movimento migratório [do campo para as cidades], inicia-</p><p>se um processo de inchamento das cidades, dando origem a um</p><p>processo de urbanização rápida e desordenada, provocando, assim,</p><p>um inchamento do espaço urbano, o qual vai produzir novas demandas</p><p>em serviços e mercadorias. Essa tendência dos países industrializados</p><p>vai imprimir também nova dinâmica no espaço agrário, que vai ter que</p><p>introduzir novas tecnologias, visando a aumentar a produção de gêneros</p><p>alimentícios para atender à demanda da população urbana que inicia</p><p>um processo de crescimento exponencial. O aumento do consumo</p><p>vai implicar na produção de novas mercadorias, permitindo, assim, o</p><p>crescimento também desordenado do setor industrial para atender às</p><p>demandas de expansão do capital.</p><p>O inchamento das cidades e dos grandes centros urbanos traz consigo</p><p>uma série de problemas urbano-ambientais, decorrentes do crescimento</p><p>desordenado, tanto das cidades quanto do setor industrial. Esses</p><p>problemas se traduzem em superprodução de resíduos domésticos e</p><p>200 UNIUBE</p><p>industriais, falta de saneamento básico, aumento da violência urbana,</p><p>desemprego e desigualdade social, dentre inúmeros outros problemas.</p><p>No Brasil, os dados sobre urbanização, apontados pelo IBGE (Instituto</p><p>Brasileiro de Geografia e Estatística), demonstram que a partir de 1950</p><p>houve uma significativa evolução no aumento populacional dos centros</p><p>urbanos. Em 1950, apenas 56% da população brasileira morava em</p><p>cidades. Na década de 2000, essa porcentagem aumentou para 81%.</p><p>Pelos dados apresentados, pode-se fazer a leitura de que o Brasil é</p><p>atualmente mais urbano que rural, com porcentagens semelhantes</p><p>àquelas pertencentes a países de urbanização mais antiga, típicos de</p><p>nações europeias.</p><p>As cidades e o uso do solo urbano 6.7</p><p>O processo de urbanização brasileira reflete as desigualdades</p><p>econômicas do território, já que a mesma foi direcionada às regiões mais</p><p>industrializadas do país, que se localizavam, e ainda se localizam, no</p><p>Centro-Sul. Os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais</p><p>foram os primeiros a se industrializar. O pioneirismo desses territórios</p><p>conduziu o processo de urbanização à consolidação demográfica no</p><p>litoral brasileiro, como já vinha se reproduzindo desde o processo de</p><p>colonização.</p><p>Dessa maneira, ocorreu o processo de metropolização e criação de</p><p>uma hierarquia urbana no território brasileiro. As metrópoles globais</p><p>São Paulo e Rio de Janeiro exercem uma polarização sobre todo o</p><p>território, comandando a vida econômica e social da nação com suas</p><p>indústrias, universidades, bancos, bolsas de valores, imprensa, grandes</p><p>estabelecimentos comerciais etc. Em seguida, estão as metrópoles</p><p>nacionais, que também exercem influência significativa nas demais</p><p>cidades brasileiras. Nesta escala hierárquica, estão as capitais regionais,</p><p>cidades que polarizam uma parcela da região comandada pelas</p><p>UNIUBE 201</p><p>metrópoles regionais. Os centros regionais aparecem subordinados às</p><p>metrópoles regionais e correspondem às cidades médias, que, por sua</p><p>vez, polarizam uma grande quantidade de pequenas cidades. Por último,</p><p>estão as cidades locais, ocupando a posição hierárquica mais baixa no</p><p>território nacional.</p><p>A produção do espaço urbano brasileiro construiu desigualdades sociais</p><p>e econômicas ao extremo. A organização dos centros urbanos frente à</p><p>aceleração do êxodo rural, principalmente a partir da década de 1980,</p><p>não esteve direcionada por um planejamento que beneficiasse toda a</p><p>população quanto à qualidade de vida, principalmente nas metrópoles.</p><p>Desse modo, ao se analisar o espaço das grandes e médias cidades do</p><p>Brasil, temos nos deparado com uma organização estrutural degradante,</p><p>que envolve problemas relacionados à poluição atmosférica, poluição</p><p>sonora, caos no trânsito de veículos, precariedades do transporte público,</p><p>existência de número substancial de sem-teto, bairros extremamente</p><p>pobres e distantes dos centros urbanos, grande número de pedintes</p><p>pelas ruas etc.</p><p>Os graves problemas que marcam o ambiente urbano referem-se,</p><p>basicamente, à ausência de quaisquer formas de planejamento urbano-</p><p>industrial. Na verdade, as cidades brasileiras, salvo raras exceções,</p><p>foram construídas e/ou expandidas a reboque da expansão industrial.</p><p>Assim, o processo de urbanização brasileiro não levou em consideração</p><p>aspectos importantes para a expansão e crescimento das cidades. Elas</p><p>se expandiram à parte dos aspectos físicos, paisagísticos e ambientais</p><p>dos ambientes naturais que compõem o imenso território brasileiro.</p><p>As vegetações do entorno das grandes cidades foram removidas sem</p><p>nenhum critério, construções foram erguidas nas encostas de morros e</p><p>vertentes, não houve</p><p>qualquer forma de planejamento, de saneamento</p><p>básico para atender as populações que cresceram em ritmo acelerado.</p><p>202 UNIUBE</p><p>Da mesma forma, não se respeitaram os limites do perímetro urbano,</p><p>afetando corpos d’água tanto superficiais quanto subterrâneos. Rios,</p><p>riachos e ribeirões foram canalizados, grandes extensões dos solos</p><p>urbanos foram impermeabilizadas por asfalto e a vegetação dos centros</p><p>urbanos foi removida, sem uma implantação de um projeto planejado de</p><p>arborização urbana. Diversas estradas, edifícios, construções, viadutos,</p><p>pontes, praças e avenidas foram construídos sem quaisquer estudos de</p><p>impactos socioambientais. Dessa forma, o solo urbano foi explorado sem</p><p>qualquer forma de planejamento, esta prática propiciou o crescimento</p><p>e ocupação desordenada do solo urbano, o que, hoje, traz drásticas</p><p>consequências para as populações urbanas.</p><p>Figura 8: Consequências da falta de planejamento urbano/industrial.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>A Figura 8 destaca as principais consequências da ausência de</p><p>planejamento urbano-ambiental das ações referentes à gestão, uso e</p><p>manejo incorretos do solo urbano.</p><p>AUSÊNCIA DE</p><p>PLANEJAMENTO AMBIENTAL</p><p>E URBANO/INDUSTRIAL</p><p>DESTRUIÇÃO DA VEGETAÇÃO</p><p>OCUPAÇÃO DE ENCOSTAS</p><p>OCUPAÇÃO DE VALES</p><p>IMPERMEABILIZAÇÃO DO SOLO</p><p>PRODUÇÃO DE RESÍDUOS</p><p>POLUIÇÃO DOS SOLOS</p><p>DEPOSIÇÃO INCORRETA DE LIXO</p><p>POLUIÇÃO ATMOSFÉRICA</p><p>FALTA DE SANEAMENTO</p><p>GESTÃO, USO E</p><p>MANEJO INCORRETOS</p><p>DO SOLO URBANO</p><p>UNIUBE 203</p><p>6.7.1 A necessidade premente de planejamentos urbano-industriais</p><p>Nos dias atuais, temos visto, por intermédio da grande imprensa, diversos</p><p>problemas e catástrofes relacionadas a enchentes e inundações em</p><p>diversos lugares do mundo e, em especial, nas médias e grandes cidades</p><p>brasileiras. Para compreendermos melhor estes fatos, é necessário que</p><p>nos reportemos à própria história do Brasil.</p><p>Ao analisarmos o processo histórico de industrialização/urbanização</p><p>brasileiro, observamos que este processo aconteceu, de forma</p><p>emergencial, visando à substituição imediata da economia cafeeira [na</p><p>época à beira do colapso] pela instalação repentina dos grandes polos</p><p>industriais, iniciado a partir da construção da Companhia Siderúrgica</p><p>Nacional, na cidade de Volta Redonda (RJ). Assim, podemos concluir</p><p>que a instalação de nossas indústrias, devido à rapidez e emergência do</p><p>processo de implantação, seguiu os padrões das tecnologias europeias</p><p>e norte-americanas que já estavam superadas. Então, o nascimento de</p><p>nossas indústrias aconteceu sem quaisquer formas de planejamento, o</p><p>mesmo aconteceu com nossas cidades, que já nasceram e, ao mesmo</p><p>tempo, começaram a inchar, com um crescimento desordenado, sem</p><p>qualquer planejamento.</p><p>Pois bem! Esta prática, salvo raras exceções, perdura até os dias atuais.</p><p>O nosso modelo de desenvolvimento socioeconômico não leva em</p><p>consideração as ações de planejamento urbanoindustrial, que deveria</p><p>estar aliado aos projetos de crescimento urbano e industrial do país.</p><p>Hoje, observamos as consequências desse pensamento: as cidades</p><p>médias e grandes, em especial as metrópoles como São Paulo e Rio</p><p>de Janeiro já sofrem anualmente com essa ausência de planejamento</p><p>urbano e industrial. Todos os anos, cada vez mais, ficamos à mercê</p><p>de grandes tragédias que assolam as populações dessas cidades,</p><p>principalmente quando estas enfrentam qualquer tipo de anomalia ou</p><p>204 UNIUBE</p><p>evento climático. Neste sentido, cabe às engenharias auxiliar no processo</p><p>de planejamento tanto urbano quanto industrial, que antecede à execução</p><p>de obras, construções e edificações no ambiente urbano.</p><p>O campo das tecnologias deve se preocupar em organizar projetos</p><p>de planejamento urbano, observando-se os estudos de impactos</p><p>socioambientais antes da execução de qualquer obra.</p><p>Figura 10: Representação do ambiente urbano/industrial planejado.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>A Figura 10 é uma representação das interações entre o espaço</p><p>urbano, modificado pelo homem, porém, obedecendo a um padrão de</p><p>organização embasado no planejamento urbano/industrial. Observa-</p><p>se que o ambiente urbano tem que ser organizado de forma integrada</p><p>com as atividades industriais, de tal maneira que, seguindo as normas,</p><p>padrões e planejamento do uso adequado e eficiente do solo urbano, se</p><p>chegue a uma prática que cause o mínimo possível de impactos sobre</p><p>o ambiente, observando-se, sempre, a necessidade do uso, gestão e</p><p>manejo sustentáveis desse ambiente.</p><p>ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO</p><p>PLANEJAMENTO URBANO/INDUSTRIAL</p><p>AMBIENTE</p><p>URBANO</p><p>COMPLEXO</p><p>INDUSTRIAL</p><p>ESPAÇO URBANO/</p><p>INDUSTRIAL INTEGRADO</p><p>INTEGRAÇÃO</p><p>UNIUBE 205</p><p>6.7.2 Tecnologias, uso, transformação e ocupação eficientes do</p><p>ambiente urbano</p><p>Como já detalhado neste capítulo, o ambiente urbano é classificado como</p><p>ambiente altamente modificado pelas atividades antropogênicas. Assim,</p><p>podemos dizer que se trata de uma porção do ambiente terrestre onde</p><p>existe uma intensa concentração das atividades humanas, que alteram</p><p>e modificam substancialmente esse ambiente.</p><p>Como ambiente modificado pelas atividades humanas, ele se associa,</p><p>diretamente, ao uso das tecnologias, pois, para se modificar os</p><p>elementos da natureza é necessário ferramentas e utensílios, os quais</p><p>derivam de processos que envolvem técnicas de produção. Sob esta</p><p>ótica, podemos afirmar que quanto mais modificado e /ou alterado é</p><p>o ambiente, maior é a quantidade de tecnologias utilizadas. Porém,</p><p>para se utilizar de quaisquer formas de tecnologia, faz-se necessário</p><p>o entendimento de seus princípios de funcionamento, bem como seus</p><p>objetivos, metodologias e finalidades, pois nem sempre os fins justificam</p><p>os meios.</p><p>Com essa percepção e preocupação, cabe aos profissionais que se</p><p>ocupam do estudo e da execução prática das tecnologias, ou seja, aos</p><p>engenheiros, a tarefa que requer enorme responsabilidade: escolher</p><p>as tecnologias mais adequadas a cada tipo de ambiente. Para isso, os</p><p>profissionais precisam ter a percepção exata acerca de qual ambiente,</p><p>quais as fragilidades, deficiências, aspectos físicos, sociais dos ambientes</p><p>nos quais ele está trabalhando, a fim de que se utilize a tecnologia mais</p><p>apropriada. Às vezes, tecnologias mal utilizadas podem trazer sérias</p><p>e drásticas consequências ao ambiente, isto é, podem provocar uma</p><p>série de impactos socioambientais altamente negativos a determinada</p><p>comunidade, bioma ou ecossistema.</p><p>206 UNIUBE</p><p>Portanto, a escolha de tecnologias, devidamente apropriadas para</p><p>determinados tipos de ambientes, deve ser precedida de meticulosos</p><p>Estudos de Impactos Socioambientais e da consequente confecção dos</p><p>Relatórios de Impactos Socioambientais (EIA/RIMA). Assim, podemos</p><p>concluir que a escolha correta das tecnologias a serem utilizadas no</p><p>ambiente urbano, constitui-se numa importante etapa do próprio</p><p>planejamento urbano. Para que possamos realizar um planejamento</p><p>urbano correto, eficaz e sustentável, é preciso observar o conjunto de</p><p>fatores presentes no ambiente, conforme figura a seguir.</p><p>Figura 11: Aspectos e fatores a serem observados no planejamento.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>A figura 11 destaca os principais fatores que devem ser observados</p><p>ao se elaborar qualquer projeto de planejamento e, em especial, o</p><p>planejamento urbano/industrial. No estudo dos impactos socioambientais,</p><p>cada elemento elencado na figura deve ser analisado, de forma a se</p><p>garantir o mínimo de desequilíbrio possível ao ambiente. Percebe-se que</p><p>os principais problemas urbanos da atualidade estão diretamente ligados</p><p>à ausência de planejamentos nos tempos passados.</p><p>AMBIENTE</p><p>Seres vivos</p><p>Atmosfera</p><p>Vegetação</p><p>Clima Relevo</p><p>Recursos hídricos</p><p>Solos</p><p>Fatores sociais</p><p>UNIUBE 207</p><p>6.7.3 O planejamento das atividades turísticas</p><p>Para o planejamento de quaisquer atividades e projetos turísticos, é</p><p>necessária a observação de uma série de fatores, como os elencados em</p><p>tópicos anteriores. É preciso levar em consideração os aspectos físicos,</p><p>biológicos e sociais, presentes nas áreas que se pretende</p><p>realizar as</p><p>atividades. Dentre os aspectos sociais, é preponderante realizar estudos</p><p>sobre os modos de vida das comunidades locais, levantando-se aspectos</p><p>referentes à cultura, relação das comunidades com os locais, tradições,</p><p>hábitos, além dos aspectos econômicos que garantem a sobrevivência</p><p>dessas comunidades.</p><p>Então, o planejamento de atividades turísticas deve prever os diversos</p><p>tipos de impactos envolvidos na elaboração, execução e monitoramento</p><p>dos projetos. Diferentemente do que pensam muitos, além dos impactos</p><p>ambientais, existem também os impactos que envolvem os aspectos</p><p>econômicos, sociais, antropológicos, culturais, dentre outros.</p><p>A realização de um projeto turístico envolve um conjunto de elementos e</p><p>aspectos tanto físicos, como sociais, que são conjugados, interligados e</p><p>interdependentes. Desconsiderar qualquer um desses aspectos estar-se-</p><p>á promovendo a ruptura dos elementos que compõem o ambiente</p><p>natural e, consequentemente, causando uma série de impactos que vai</p><p>desestruturar todos os elementos vivos e não vivos que compõem o</p><p>ecossistema em estudo.</p><p>Assim, planejar significa estudar, analisar, levantar dados, enumerar</p><p>aspectos importantes para a manutenção e equilíbrio da vida em</p><p>determinado ecossistema. Planejar é, acima de tudo, ter um grande</p><p>compromisso com a responsabilidade socioambiental, no sentido de,</p><p>senão anular os impactos sobre determinado ecossistema, pelo menos,</p><p>minimizá-los. É preciso ter a compreensão de que os ecossistemas</p><p>possuem uma série de aspectos e elementos frágeis e delicados,</p><p>208 UNIUBE</p><p>interligados e interdependentes. Qualquer ação desordenada sobre cada</p><p>um deles separadamente, ou em seu conjunto, poder significar impactos</p><p>muitas vezes irreversíveis e que podem ser letais para os seres vivos</p><p>que dependem do ecossistema. Neste sentido, muitas vezes, atividades</p><p>turísticas que visem a proporcionar o lazer para um conjunto de pessoas</p><p>pode ser extremamente prejudiciais para as populações e comunidades</p><p>locais.</p><p>A figura 12, adiante, realça um conjunto de procedimentos importantes</p><p>para o planejamento de projetos e atividades turísticas.</p><p>Figura 12: Etapas de planejamento de atividades turísticas.</p><p>Fonte: V. M. da Fonseca (2010).</p><p>ELABORAÇÃO E EXECUÇÃO DE PROJETOS</p><p>TURÍSTICOS E PAISAGÍSTICOS</p><p>ESTUDO E LEVANTAMENTO DE IMPACTOS</p><p>AMBIENTAIS, CULTURAIS E SOCIAIS</p><p>REALIZAÇÃO DE PESQUISAS SOBRE:</p><p>Aspectos ambientais dos ecossistemas;</p><p>aspectos físicos, químicos e biológicos dos ecossistemas;</p><p>aspectos culturais das comunidades envolvidas;</p><p>aspectos históricos das comunidades envolvidas;</p><p>aspectos sociais das comunidades envolvidas;</p><p>particularidades e fragilidades dos ecossistemas envolvidos.</p><p>RELATÓRIO DE IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS</p><p>UNIUBE 209</p><p>Resumo</p><p>Neste capítulo, procuramos enfocar os elementos e aspectos mais</p><p>relevantes que devem ser considerados, separadamente, ou em seu</p><p>conjunto, para o planejamento das atividades turísticas. Enfocamos</p><p>o conjunto de elementos que compõem os diversos ecossistemas e</p><p>ambientes, que são interligados e interdependentes.</p><p>Abordamos também as relações entre os ambientes ditos “naturais” e</p><p>os modificados pela ação humana. Verificamos as possibilidades e a</p><p>necessidade urgente de se observar a prática do planejamento urbano</p><p>e urbanoindustrial, que, de uma forma ou de outra, estão ligados à</p><p>implantação de atividades turísticas.</p><p>Verificamos ainda que a implantação das atividades ligadas ao Turismo</p><p>demanda uma série de estudos que envolvem aspectos históricos,</p><p>culturais, econômicos e sociais das comunidades locais atingidas por</p><p>tais atividades. Portanto, faz-se necessário um levantamento e um estudo</p><p>prévio desse conjunto de elementos, quando se pretende desenvolver</p><p>atividades neste setor de prestação de serviços.</p><p>Por fim, cabe, também, ao professor de Geografia, transmitir aos</p><p>seus educandos(as) estas importantes noções de responsabilidade</p><p>socioambiental. Esses aspectos estão ligados aos princípios de</p><p>construção da autêntica cidadania que, por sua vez, está em estreita</p><p>relação com os princípios de construção das noções de sustentabilidade,</p><p>tão necessária nos tempos presentes, em que o homem se preocupa em</p><p>demasia com o lucro, se esquecendo da preservação dos valores que</p><p>irão garantir a vida de todas as espécies de seres vivos e o bem-estar</p><p>social, nesta e nas futuras gerações.</p><p>Bons Estudos!!!</p><p>210 UNIUBE</p><p>Referências</p><p>CARLOS, Ana Fani Alessandri. In: Introdução. In: Carlos, Ana Fani Alessandri; Lemos,</p><p>Amália Inês Geraídes (orgs). Dilemas Urbanos: Novas Abordagens, São Paulo:</p><p>Contexto, 2003, p.13-17.</p><p>DIAS, Janis; SANTOS, Leonardo. A paisagem e o geossistema como possibilidade de</p><p>leitura da expressão do espaço sócio-ambiental rural, Confins [Online], 1 | 2007, posto</p><p>on line em: 11 jun. 2007, Consultado em: 03 maio 2010. Disponível em: <http://confins.</p><p>revues.org/index10.html>. Edição. São Paulo: Hucitec, l997.</p><p>FONSECA, Valter Machado da.; BRAGA, Sandra Rodrigues: Degradação ambiental e</p><p>exclusão social. Interfaces de um problema das cidades (e da sala de aula), II Simpósio</p><p>Internacional Cidades Médias (II CIMDEPE) – Dinâmica Econômica e Produção do</p><p>Espaço, IG/UFU, 2006 CD ROM: Anais, p. 1-10, ISBN: 35-708-127-X.</p><p>SANTOS, M. A Natureza do Espaço. Técnica e Tempo. Razão e Emoção. 2.</p><p>SANTOS, M. Pensando o Espaço do Homem. São Paulo: Hucitec, 1980.</p><p>SIQUEIRA, Deis. E. História Social do Turismo. Rio de Janeiro: Garamond; Brasília,</p><p>DF: Ed. Vieira, 2005.</p><p>SUERTEGARAY, Dirce Maria Antunes. Espaço geográfico uno e múltiplo. In: Scripta</p><p>Nova. Revista eletrônica de geografia y ciencias sociales. Universidad de Barcelona.</p><p>ISSN: 1138-9788. Nº 93,15 de jullio de 2001.</p><p>Anotações</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>__________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>__________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>__________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>__________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>_________________________________________________________</p><p>para</p><p>transformar a lã ou</p><p>o algodão em fios.</p><p>Pense um pouco: se as moedas eram escassas e o comércio renascia, as</p><p>trocas de mercadoria por mercadoria poderiam se complicar vez por outra,</p><p>não é verdade? Como você solucionaria esse problema? Temos certeza de</p><p>que você pensou: criando moedas. Pois foi exatamente o que ele fizeram.</p><p>Nascia o capitalismo comercial.</p><p>PARADA PARA REFLEXÃO</p><p>UNIUBE 11</p><p>Após o século XIII, inicia -se o declínio do</p><p>sistema feudal devido a diversos fatores que</p><p>interferiram na organização política e econômica</p><p>dos feudos. As cruzadas também favoreceram</p><p>o desenvolvimento do comércio, propiciando</p><p>o contato da Europa com outros povos. De um</p><p>modo geral, o desenvolvimento do comércio e</p><p>das cidades contribuiu para o declínio do sistema</p><p>feudal e da organização agrária e agrícola que</p><p>havia se consolidado desde o século V.</p><p>Cruzada</p><p>Movimento militar</p><p>de caráter cristão,</p><p>que ocorreu na</p><p>Europa entre os</p><p>séculos XI e XIII,</p><p>cujo objetivo era</p><p>colocar a cidade</p><p>de Jerusalém sob</p><p>o domínio dos</p><p>cristãos.</p><p>Muitas das cidades medievais, aquelas que nasceram das feiras de comércio,</p><p>foram rodeadas por grossas muralhas de proteção, que receberam o nome</p><p>de burgos. Seus moradores eram, portanto, os chamados burgueses.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Para resumir essa fase de transição, entenda que os reis, antes</p><p>desprovidos de poder, passaram a acumulá -lo até estar acima das leis.</p><p>Essa forma de governar foi chamada de monarquia absolutista. E esse</p><p>rei, que passou a governar de forma absoluta, reunia um exército, uma</p><p>moeda única, pesos e medidas únicos também. Ou seja, diferentemente</p><p>do feudalismo da Idade Média, onde cada feudo era independente e</p><p>governado por seu proprietário (o senhor feudal), agora nascia uma</p><p>nação! O Estado Nacional Moderno que, inclusive, marca o início da</p><p>Idade Moderna, era muito maior que o feudo. Sua gestação foi possível</p><p>porque os reis acumularam poder e se aliaram à burguesia. Lembra -se?</p><p>A burguesia era a classe de comerciantes que enriquecia com as trocas</p><p>do excedente da produção e que, posteriormente, também criou os</p><p>bancos e fazia empréstimos de dinheiro a juros.</p><p>12 UNIUBE</p><p>Foi a formação dos Estados Nacionais Modernos e a necessidade</p><p>de ouro e prata para cunhar as moedas do comércio ascendente</p><p>dessa primeira fase do capitalismo (a fase comercial) que incentivou</p><p>aventureiros a financiarem as viagens ou a velejarem rumo a Oeste, em</p><p>busca de um novo caminho para as Índias, mas não chegariam lá tão</p><p>rapidamente pelo Oeste. No entanto, o Novo Mundo, a América, daria</p><p>aos europeus bem mais que ouro e prata.</p><p>A Igreja Católica – séculos XV e XVI –, na época uma poderosa instituição</p><p>e grande senhora feudal, sofria as consequências da Reforma Protestante,</p><p>desencadeadas pelo alemão Martinho Lutero. A Igreja perdia muitos fiéis.</p><p>Nossa pergunta a você: qual seria a posição da Igreja Católica diante da</p><p>era das Grandes Navegações? Se você respondeu que ela se revoltou, está</p><p>certo, em um primeiro momento. A Igreja, instituição que regulamentava os</p><p>comportamentos e a ideologia da sociedade feudal, pregava que os oceanos</p><p>eram povoados de seres horrendos e perigosos. No entanto, no final do</p><p>século XV, Colombo conseguiu convencer a rainha Isabel, da Espanha, de</p><p>que navegar para o Oeste o levaria às Índias. E a Igreja o abençoou. Bom,</p><p>o resultado da descoberta de uma nova população poderia ser a de mais</p><p>fiéis. E assim aconteceu: os jesuítas foram responsabilizados por alfabetizar</p><p>e, sobretudo, catequizar os indígenas (habitantes das Índias) e salvar suas</p><p>almas. Não é à toa que a maior parte dos países latino -americanos seja</p><p>católica, não é verdade?</p><p>IMPORTANTE!</p><p>Jesuítas</p><p>Eram padres da Companhia de Jesus – ordem religiosa fundada por</p><p>Inácio de Loiola no século XVI –, cujo objetivo era barrar o avanço do</p><p>protestantismo no mundo.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>UNIUBE 13</p><p>Logo depois da Espanha, viriam à América também os portugueses. Mas</p><p>esta parte da história você já deve conhecer: aos vinte e dois dias do mês</p><p>de abril do ano de mil e quinhentos a esquadra de Cabral aportou nas</p><p>terras de Vera Cruz, ou Brasil.</p><p>O novo rumo das relações no espaço rural europeu1.3</p><p>O século XVIII foi o auge das transformações agrárias e agrícolas que,</p><p>aos poucos, foram sendo introduzidas no campo europeu. A Revolução</p><p>Industrial consolidou a organização da propriedade privada e a extinção</p><p>das formas de apropriação da terra, baseadas no uso coletivo. Diversos</p><p>camponeses tornaram -se assalariados em lavouras no campo e em</p><p>indústrias da cidade. Também é possível falar em revolução comercial e</p><p>revolução agrícola moderna ou capitalista.</p><p>A valorização da terra na Europa, bem como a instituição da propriedade</p><p>privada, proporcionou a concentração da propriedade fundiária e do</p><p>assalariamento de muitos camponeses. Novos insumos e maquinários</p><p>foram incorporados à agricultura, o que causou a diminuição do uso</p><p>de mão de obra nas lavouras. O mercado externo de diversos países,</p><p>sobretudo Inglaterra e França, passou a regular os preços dos alimentos.</p><p>Assim, o preço da terra também era determinado pelo preço da produção</p><p>agrícola.</p><p>Como a produção priorizava o mercado externo, já que predominava a</p><p>grande propriedade monocultora para exportação, os preços dos alimentos,</p><p>no mercado interno, eram altos e o trabalhador assalariado urbano e rural</p><p>gastava cerca de 70% de seu salário com alimentação.</p><p>CURIOSIDADE</p><p>14 UNIUBE</p><p>Havia, em diversos países, a preocupação de alguns partidos políticos de</p><p>modificar a estrutura fundiária de seus países, promovendo uma reforma</p><p>agrária que pudesse distribuir renda entre camponeses assalariados. Isso</p><p>demonstra que a situação agrícola e agrária vivida na Europa, no século</p><p>XVIII, não agradava toda a sociedade, pois a instituição da propriedade</p><p>privada e o assalariamento de muitos camponeses que possuíam</p><p>terras causaram o desencadeamento de organizações políticas que</p><p>lutavam contra o monopólio da terra exercido pela aristocracia rural,</p><p>instituída com o capitalismo.</p><p>Em meados do século XIX, o protecionismo de alguns países,</p><p>especialmente na Inglaterra e na França, fez que altas taxas fossem</p><p>incididas sobre os produtos agrícolas importados, comprometendo</p><p>as relações comerciais entre países e causando uma desvalorização</p><p>de terras, primeiro, nos dois países já mencionados. Desse modo, a</p><p>reprodução da grande propriedade rural monocultora foi comprometida</p><p>e inúmeros latifundiários resolveram, espontaneamente, entregar suas</p><p>terras ao governo, o que facilitou a implantação de uma reforma agrária</p><p>na Europa com opção de investimentos no rural, onde predominasse a</p><p>agricultura familiar.</p><p>A gênese da organização agrária e agrícola no Brasil1.4</p><p>Ao analisarmos a organização agrária brasileira, compreendemos que</p><p>a produção histórica do espaço rural esteve apoiada em relações de</p><p>produção que garantiram a desigualdade no acesso à terra e também à</p><p>consolidação do latifúndio. Historicamente, o latifúndio foi um dos tripés</p><p>da organização colonial portuguesa instituída durante a construção do</p><p>espaço brasileiro.</p><p>UNIUBE 15</p><p>No ano de 1532, a metrópole dividiu o Brasil em extensas faixas territoriais</p><p>denominadas capitanias hereditárias. Foi a primeira distribuição de</p><p>terras no país. A intenção dos portugueses era facilitar a administração</p><p>do extenso território conquistado na América e defendê -lo dos corsários,</p><p>interessados nessas paragens. A divisão das terras no Brasil objetivava</p><p>uma ocupação mais efetiva e novos negócios.</p><p>Como funcionavam as capitanias hereditárias?</p><p>Tratava -se de extensos lotes de terras que partiam do litoral, indo findar-</p><p>se no Meridiano de Tordesilhas. Eram, verdadeiramente, enormes</p><p>“fatias de terras” doadas pelo rei de Portugal aos capitães donatários.</p><p>Estes, por sua vez, não eram os donos da terra. No entanto, tinham</p><p>autorização de doar lotes de terras, as sesmarias, visto que possuíam</p><p>amplos poderes em sua capitania. Sua obrigação direta com a Coroa era</p><p>apenas o pagamento de impostos.</p><p>Meridiano</p><p>de Tordesilhas</p><p>Nome dado ao meridiano que demarcava a divisão de terras entre os países</p><p>Ibéricos – Portugal e Espanha. Tal demarcação foi fruto de um tratado</p><p>assinado pelos envolvidos na cidade de Tordesilhas, na Espanha. O Tratado</p><p>de Tordesilhas (1494) estabelecia que as terras situadas 370 léguas (cerca</p><p>de 1.770 km) a oeste das Ilhas de Cabo Verde (colônia portuguesa da costa</p><p>oeste africana) pertenciam a Portugal. Portanto, além do meridiano, as terras</p><p>poderiam ser exploradas pelos espanhóis.</p><p>Sesmarias</p><p>A Lei de Sesmaria, de 1375, foi o instituto jurídico utilizado pelo governo</p><p>português para explorar o solo brasileiro com a produção agrícola. Como</p><p>você pode perceber pela data, ele existia em Portugal bem antes da</p><p>SAIBA MAIS</p><p>16 UNIUBE</p><p>descoberta do novo continente. Havia sido criado para solucionar a crise</p><p>agrícola e econômica portuguesa, já que, se não fizesse a terra produzir,</p><p>o sesmeiro poderia perdê -la. A Lei de Sesmaria vigorou até o ano da</p><p>independência do Brasil, em 1822. Entre 1822 e 1850, as terras da colônia</p><p>podiam ser apossadas livremente.</p><p>Havia sesmarias que possuíam cerca de 150 km</p><p>entre os pontos mais distantes de sua propriedade.</p><p>Não estando satisfeito com o tamanho da sesmaria,</p><p>determinados sesmeiros pediam ao governador da</p><p>capitania que lhe doassem terras aos parentes. É</p><p>possível acreditar nisso?</p><p>Então, como o Brasil deixou de ser como era</p><p>com Tordesilhas? O tratado foi substituído por</p><p>outro, o Tratado de Madri, em 1750. O motivo?</p><p>Bandeirantes da capitania de São Vicente (parte do atual Estado de</p><p>São Paulo), ao adentrarem o país em busca de índios, escravos fugitivos,</p><p>metais e pedras preciosos, transgrediram o Meridiano de Tordesilhas.</p><p>Bandeirante</p><p>Sertanista que, a</p><p>partir do século</p><p>XVI, se pôs a</p><p>desbravar o interior</p><p>do Brasil em</p><p>busca de pedras</p><p>preciosas, ouro,</p><p>escravos fugitivos</p><p>e índios para</p><p>escravizar.</p><p>Percebendo que não poderia deixar a colônia à mercê de invasores, após</p><p>1532, Portugal decide povoar o Brasil. Até então, os índios escravizados</p><p>haviam contribuído com a extração do pau -brasil (aquela madeira muito</p><p>abundante das terras tupiniquins, que servia para fazer móveis, mas,</p><p>especialmente, para tingir tecidos). Com o povoamento, as terras foram</p><p>distribuídas entre os capitães donatários e estes as redistribuíram pelo</p><p>sistema de sesmarias a seus confiados. Então, iniciou -se o plantio de cana</p><p>e mais cana: a monocultura que não obedeceu a nenhum sistema de pousio.</p><p>SINTETIZANDO...</p><p>UNIUBE 17</p><p>Condições para ser sesmeiro:</p><p>• obrigatoriamente, o sesmeiro deveria possuir uma condição</p><p>econômica favorável à exploração da sesmaria, sendo esta uma das</p><p>condições para escolher quem receberia a propriedade por doação.</p><p>As terras doadas deveriam ser exploradas de maneira econômica;</p><p>• nas terras em que tal exploração não ocorresse, a Coroa portuguesa</p><p>determinaria que a propriedade fosse tornada devoluta, ou seja,</p><p>devolvida para que os colonizadores realizassem uma nova doação.</p><p>Após o processo de independência do Brasil, a posse de terras</p><p>passou a campear livremente no país, estendendo -se esta situação</p><p>até a promulgação da Lei de Terras, em 1850, que instituiu a compra</p><p>como a única forma de obtenção de terras. Tal lei foi criada com o</p><p>intuito de impedir que índios, escravos e imigrantes tivessem acesso</p><p>à oportunidade de se tornarem proprietários de terras. A lei Eusébio</p><p>de Queirós, também promulgada em 1850, havia proibido o tráfico</p><p>de escravos para o Brasil, causando uma diminuição de mão de obra</p><p>escrava nas lavouras de café. Nesse contexto, os latifundiários do café</p><p>se preocupavam em trazer imigrantes estrangeiros para se tornarem</p><p>assalariados nas lavouras monocultoras em substituição à mão de</p><p>obra escrava. Caso os imigrantes tivessem acesso à propriedade da</p><p>terra, certamente não se submeteriam ao trabalho assalariado, já que,</p><p>na Europa, possuíam conhecimentos e experiência camponesa. Nesse</p><p>contexto, a Lei de Terras de 1850 teve a função de consolidar o latifúndio</p><p>monocultor, tornando a terra objeto de compra e venda.</p><p>Mas a população que não detinha terras nem sempre esteve de acordo</p><p>com a forma de acesso à propriedade. Diversos conflitos no campo</p><p>se desencadearam em função da concentração fundiária. Podemos</p><p>citar as Ligas Camponesas, a Revolta de Canudos e a Revolta do</p><p>Contestado.</p><p>18 UNIUBE</p><p>Ligas Camponesas: constituíam uma entidade que organizava os</p><p>camponeses em torno da luta pela reforma agrária. Surgiu no Estado de</p><p>Pernambuco, em 1954, e constituía uma ameaça à propriedade latifundiária</p><p>por reivindicar uma reforma agrária, já que a maioria dos países capitalistas</p><p>desenvolvidos já havia realizado suas reformas no campo.</p><p>Revolta de Canudos: foi uma guerra travada entre o exército brasileiro e</p><p>um povoado denominado Canudos, localizado na Bahia, onde moravam</p><p>famílias camponesas que trabalhavam na terra de forma comunitária.</p><p>Essa forma de organização ameaçava a República, já que Canudos não</p><p>se submetia às leis de Estado. Em 1896, iniciou -se uma guerra para</p><p>eliminar o povoado, sendo necessárias quatro expedições do exército</p><p>para derrotar os camponeses.</p><p>Revolta do Contestado: foi um conflito armado entre a população cabocla</p><p>e os representantes do poder estadual e federal brasileiros, travado entre</p><p>outubro de 1912 e agosto de 1916, em uma área localizada entre os estados</p><p>de Santa Catarina e Paraná. Essa guerra teve origem em conflitos sociais,</p><p>oriundos principalmente da falta de regularização da posse das terras dos</p><p>caboclos e da insatisfação da população com sua situação material, em uma</p><p>região em que a presença do poder público era limitada.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>1.5 Os movimentos reivindicatórios pela posse da terra</p><p>no Brasil</p><p>A Constituição brasileira de 1988 determina que as grandes propriedades</p><p>que não cumprem sua função social, relativa à produtividade, respeito</p><p>ao meio ambiente, respeito aos direitos trabalhistas, devem ser</p><p>desapropriadas pelo governo e distribuídas aos trabalhadores.</p><p>UNIUBE 19</p><p>Em tempo...</p><p>Você deve estar se perguntando: mas e o Movimento dos Trabalhadores</p><p>Rurais Sem -Terra? De fato, o MST merece uma atenção especial, pois</p><p>é o único movimento social organizado da atualidade que luta por um</p><p>reparo nessa história toda.</p><p>MST, segundo a própria definição:</p><p>Há 25 anos, em Cascavel (PR), centenas de trabalhadores</p><p>rurais decidiram fundar um movimento social camponês,</p><p>autônomo, que lutasse pela terra, pela Reforma Agrária e</p><p>pelas transformações sociais necessárias para o nosso</p><p>país. Eram posseiros, atingidos por barragens, migrantes,</p><p>meeiros, parceiros, pequenos agricultores. [...] Desde a</p><p>nossa fundação, o Movimento Sem -Terra se organiza</p><p>em torno de três objetivos principais: lutar pela terra; lutar</p><p>por reforma agrária; lutar por uma sociedade mais justa e</p><p>fraterna. (MST, 2010).</p><p>Políticas agrárias e agrícolas do século XX no Brasil1.6</p><p>Pois bem, a Lei de Terras não seria o último documento a tratar da</p><p>organização do meio rural brasileiro. Com o Golpe Militar de 1964, foi</p><p>proposta uma nova lei de terras, denominada Estatuto da Terra (Lei no</p><p>4.504 de 30 de novembro de 1964), que tinha a finalidade de legalizar</p><p>a realização da reforma agrária no Brasil, além de estender ao homem</p><p>do campo as mesmas garantias trabalhistas do trabalhador urbano.</p><p>Na realidade, essa foi uma estratégia governamental para acalmar os</p><p>conflitos no campo e as reivindicações por terra, iniciadas pelas Ligas</p><p>Camponesas.</p><p>Golpe Militar</p><p>Refere -se ao conjunto de acontecimentos que culminaram com o Golpe de</p><p>Estado que destituiu João Goulart da presidência do Brasil.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>20 UNIUBE</p><p>• A mão de obra rural passou a ser regida pela CLT – Consolidação</p><p>das Leis do Trabalho, com direito a férias, 13o salário, fundo de</p><p>garantia e aposentadoria por tempo de serviço. O Estatuto reafirma</p><p>as tradições do capitalismo agrário brasileiro, pois desde sua</p><p>efetivação houve um elevado número de empregados demitidos</p><p>das grandes propriedades. A</p><p>razão disso está na obrigatoriedade</p><p>de contribuição previdenciária. Essas demissões acabam gerando</p><p>outro tipo de mão de obra: o boia -fria, exemplo da exploração da</p><p>mão de obra agrária no Brasil.</p><p>O termo boia -fria serve para designar o indivíduo que trabalha na zona rural,</p><p>sem a obtenção de vínculos empregatícios. Por sair cedo de casa, com sua</p><p>comida guardada em recipiente sem isolamento térmico, ele se alimenta de</p><p>comida (boia) fria.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Mas, de fato, os ânimos do campo se acalmaram com o Estatuto da Terra.</p><p>Por conta disso, apenas na década de 1980, nos anos finais da ditadura</p><p>militar, ressurgiram os movimentos sociais de luta pela terra, organizados</p><p>com a finalidade de exigir do governo o cumprimento do Estatuto da</p><p>Terra, ou seja, a reforma agrária. Pouco já havia se implementado do</p><p>Estatuto, já que o governo militar realizara a criação de assentamentos</p><p>de colonização, sobretudo em alguns estados do Norte do país.</p><p>A criação de tais assentamentos fez parte do Plano de Integração Nacional</p><p>(PIN), que visava integrar o Centro -Sul às demais regiões, prioritariamente</p><p>do Norte que, demograficamente, eram consideradas pouco populosas e</p><p>pouco desenvolvidas economicamente. No entendimento do Governo, essa</p><p>condição se constituía uma ameaça à manutenção do território brasileiro.</p><p>Quanto aos projetos de colonização, estes não foram construídos pela</p><p>desapropriação de latifúndios, mas pela utilização de áreas consideradas</p><p>devolutas, ou seja, que não possuíam registros legais de propriedade.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>UNIUBE 21</p><p>Durante a ditadura militar, a reforma agrária não foi prioridade. Priorizou-se</p><p>a implantação de tecnologias na agricultura nas grandes propriedades</p><p>rurais, com a finalidade de manter a agricultura monocultora, voltada para</p><p>abastecimento dos mercados externos. Essa opção consolidou o Brasil,</p><p>de forma histórica, como país exportador de matérias -primas, bem como</p><p>possibilitou a manutenção da concentração de terras.</p><p>Você já ouviu falar do Jeca Tatu, personagem de Monteiro Lobato?</p><p>Embora sejam histórias da década de 1920, foram mais divulgadas após</p><p>a década de 1950, com a adoção dos aparelhos televisores. Amácio</p><p>Mazzaropi representou no cinema a história do jeca.</p><p>Você sabe quem era o jeca? O agricultor caipira, preguiçoso e malandro.</p><p>O que parece? Será que a implantação da Lei de Terras, dos militares,</p><p>tirou proveito, de certa forma, da figura do jeca atrasado, para emplacar o</p><p>discurso da modernidade?</p><p>PARADA PARA REFLEXÃO</p><p>Com o fim da ditadura militar, os governos seguintes, ao serem</p><p>pressionados pela ação dos inúmeros movimentos sociais, aos poucos</p><p>foram realizando uma Reforma Agrária, que pode ser facilmente</p><p>questionada enquanto tal.</p><p>Os dados da Tabela 1 mostram a quantidade de assentamentos que</p><p>foram criados pela desapropriação de terras e o número de famílias</p><p>assentadas, de 1970 até o ano de 2007.</p><p>22 UNIUBE</p><p>Tabela 1: Número de famílias assentadas e projetos criados por região político -administrativa</p><p>Regiões Assentamentos Famílias</p><p>Região Norte 1703 330.649</p><p>Região Nordeste 3557 267.673</p><p>Região Sudeste 632 34.723</p><p>Região Sul 757 33.123</p><p>Região Centro -Oeste 1135 124.353</p><p>Total 7784 790.521</p><p>Fonte: Relatório de criação de projetos por fase de implementação – Instituto Nacional de</p><p>Colonização e Reforma Agrária. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/arquivos/0277102527.</p><p>pdf>. Acesso em: 3 nov. 2007.</p><p>Apesar de os números parecerem expressivos, a concentração fundiária,</p><p>a qual afirmamos ser histórica, pouco se modificou. Ao analisarmos a</p><p>Tabela 2, sobre a relação do número de propriedades rurais e a área</p><p>por elas ocupada, percebemos a relevância da concentração de terras</p><p>no Brasil.</p><p>Tabela 2: Relação do número de propriedades rurais e área por elas ocupada</p><p>ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO BRASIL, 2003</p><p>Estratos área total (ha) Imóveis % área</p><p>Até 10 1.338,711 1,8%</p><p>De 10 a 25 1.102,799 4,5%</p><p>De 25 a 50 684,237 5,7%</p><p>De 50 a 100 485,482 8,00%</p><p>De 100 a 500 485,677 23,80%</p><p>De 500 a 1.000 75,158 12,40%</p><p>De 1.000 a 2.000 36,859 12,10%</p><p>Mais de 2.000 32,264 31,60%</p><p>TOTAL 4.241.187,00 100%</p><p>Fonte: Cadastro Incra – situação em agosto de 2003. Disponível em: <http://www.incra.gov.br/</p><p>portal/>.</p><p>UNIUBE 23</p><p>A questão agrária se constitui uma problemática porque está relacionada a</p><p>fatores que produzem as desigualdades sociais à custa de um desenvolvimento</p><p>econômico que não privilegia uma maioria e, consequentemente, promove</p><p>a concentração de renda.</p><p>PONTO-CHAVE</p><p>O meio rural brasileiro, a partir da década de 1940, começou a se</p><p>modificar drasticamente com um intenso êxodo rural. A introdução de</p><p>maquinário no campo, em seus latifúndios, expropriou a mão de obra</p><p>assalariada que dependia do trabalho na agricultura para garantir sua</p><p>sobrevivência. A cidade, então, tornou -se o espaço da oportunidade</p><p>do emprego e da sobrevivência para inúmeros trabalhadores rurais</p><p>que para ela migraram. A implantação de indústrias pelo modelo de</p><p>substituição de importações também contribuiu para o crescimento das</p><p>cidades. Dessa maneira, as modificações tecnológicas introduzidas com</p><p>a modernização agrícola, a criação dos complexos agroindustriais e da</p><p>Revolução Verde não modificaram a estrutura agrária que se reproduz</p><p>historicamente.</p><p>Complexos agroindustriais</p><p>Significa dizer que a agricultura mantém uma estreita relação com a indústria,</p><p>formando um conjunto de atividades fortemente relacionadas entre si. A</p><p>indústria fornece suporte tecnológico para maximizar a produção, enquanto</p><p>a agricultura tenta atender à indústria a qual ela fornece alimentos para</p><p>serem processados, industrializados. Os dois componentes estabelecem</p><p>uma relação de interdependência, transformando radicalmente as formas</p><p>tradicionais de produzir na agricultura.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>24 UNIUBE</p><p>Revolução Verde</p><p>Foi uma modificação radical na agricultura, ocorrida nas décadas de 1960</p><p>e 1970, com a disseminação de novas tecnologias e práticas agrícolas que</p><p>aumentaram substancialmente a produção. Essa revolução está pautada</p><p>na intensa utilização de sementes geneticamente modificadas e de insumos</p><p>agrícolas.</p><p>Atenção!</p><p>O desemprego e a pobreza que existem nas cidades e diversos</p><p>outros problemas urbanos não podem ser dissociados de uma</p><p>história rural brasileira.</p><p>Após a Segunda Guerra Mundial, o Brasil abarcou a meta de</p><p>modernizar a estrutura produtiva do país. Os interesses centravam -se</p><p>no desenvolvimento industrial. Nesse contexto, para favorecer a indústria,</p><p>a agricultura também se modernizou. A política agrícola brasileira adotou</p><p>o modelo de desenvolvimento dos EUA. Para justificar a proposta</p><p>intervencionista, o rural passou a ser visualizado como atrasado.</p><p>O diagnóstico neoclássico dizia que os agricultores</p><p>eram pobres, mas eficientes: o problema não estava</p><p>no uso dos fatores de produção disponíveis, mas sim</p><p>no fato de que os fatores disponíveis não propiciavam</p><p>o retorno necessário para possibilitar -lhes superar a</p><p>condição de pobreza em que viviam. Daí a proposta</p><p>de modernização ser entendida como a introdução</p><p>de novos fatores que incluíam desde as sementes</p><p>geneticamente melhoradas da Revolução Verde,</p><p>os adubos e defensivos químicos, as máquinas e</p><p>equipamentos, até a educação formal, nos moldes</p><p>urbanos, é claro. (SILVA, 1999, p. 3)</p><p>Peter Houtzager, holandês estudioso da América Latina e dos</p><p>movimentos sociais, faz uma análise dessas transformações, assim se</p><p>manifestando:</p><p>UNIUBE 25</p><p>Os militares linha -dura apresentaram um novo grupo</p><p>de tecnocratas que consideravam a modernização</p><p>da agricultura crucial para estimular o crescimento</p><p>econômico e restabelecê -lo. Para a nova equipe</p><p>econômica, a agricultura não era apenas uma fonte de</p><p>comida barata para as cidades e um mercado potencial</p><p>para a indústria, mas um setor estratégico por meio do</p><p>qual o Brasil poderia redefinir sua inserção na economia</p><p>internacional. (HOUTZAGER, 2004, p. 53).</p><p>Ou seja, a modernização da agricultura levou em</p><p>conta a indústria e o dito progresso da</p><p>economia</p><p>brasileira. Desconsiderou agressivamente as</p><p>condições dos trabalhadores rurais e mesmo as</p><p>condições edáficas do território nacional na adoção</p><p>de tecnologias e no uso de maquinários.</p><p>O crescimento demográfico das cidades e seu desenvolvimento econômico</p><p>atuais estão intimamente relacionados à produção espacial do meio rural</p><p>e à gestão do espaço agrário que tem sido implementada. A produção</p><p>agrícola monocultora também influencia as opções do Brasil pelo</p><p>latifúndio, pois, estando dependente de um mercado consumidor de</p><p>matérias -primas, no contexto da divisão internacional do trabalho,</p><p>o espaço rural brasileiro tende a continuar se reproduzindo pela</p><p>desigualdade de posse e propriedade da terra.</p><p>Os processos desencadeados na Europa, em relação às transformações</p><p>do meio rural, não foram os mesmos ocorridos no Brasil. Os fatos</p><p>históricos de cada continente demonstram as diferenças existentes nos</p><p>rumos do desenvolvimento econômico enfrentado por cada país. Não nos</p><p>interessou ampliar o entendimento acerca das divergências nas relações</p><p>de produção. A análise da organização rural no feudalismo demonstra-</p><p>nos que os espaços agrícola e agrário não podem ser dissociados ao se</p><p>analisar o rural. Quando ocorrem mudanças profundas em um ou outro</p><p>espaço, inevitavelmente, os dois são afetados.</p><p>Edáfico</p><p>Relativo ou</p><p>pertencente a</p><p>solo.</p><p>26 UNIUBE</p><p>No contexto da consolidação do capitalismo no campo europeu, as</p><p>relações comerciais ampliaram suas dimensões de ação, introduzindo</p><p>a agricultura em um espaço econômico mais amplo, aproximando -a da</p><p>indústria e de relações internacionais. É no capitalismo que a produção</p><p>agrícola estabelece relações de dependência do mercado externo,</p><p>tornando -se vulnerável à medida que a economia internacional apresenta</p><p>instabilidades. Da mesma forma, podemos relacionar a produção agrícola</p><p>brasileira ao contexto internacional. Enquanto alguns países europeus</p><p>optaram por investir na agricultura familiar, baseada na pequena</p><p>propriedade rural, o Brasil mantém uma estrutura agrária e agrícola que</p><p>visa abastecer os mercados externos. Desse modo, há vulnerabilidade na</p><p>produção, estando os grandes latifundiários subordinados às demandas</p><p>externas por alimentos. Adota -se, então, uma política agrícola que se</p><p>modifica de acordo com os preços de determinados produtos no mercado</p><p>internacional. Se o milho é o produto com melhor preço no mercado</p><p>mundial, a grande propriedade tende a produzi -lo.</p><p>A tendência de acompanhar o mercado externo e os preços que ele comanda</p><p>nem sempre favorece o desenvolvimento do campo. Havendo preferência em</p><p>se produzir alimentos para exportação, certamente o mercado consumidor</p><p>interno apresentará problemas em seu abastecimento. Como ocorre no</p><p>Brasil, a maior porcentagem de alimentos consumidos internamente é</p><p>oriunda da pequena e da média propriedade, que historicamente recebem</p><p>poucos incentivos e apoio do Governo.</p><p>IMPORTANTE!</p><p>As mudanças ocorridas no campo após 1950, com a modernização</p><p>agrícola, privilegiaram o desenvolvimento das grandes propriedades</p><p>rurais, provocando o desemprego de milhares de trabalhadores rurais,</p><p>além de enfraquecer o desenvolvimento dos pequenos e médios</p><p>estabelecimentos.</p><p>UNIUBE 27</p><p>Na década de 1980, a introdução de infraestruturas próprias do urbano</p><p>no meio rural favoreceu o emprego de diversas tecnologias no campo</p><p>brasileiro, ampliando -se as fronteiras agrícolas e a expansão da</p><p>monocultura em áreas que antes não eram cultivadas em larga escala,</p><p>como as áreas de cerrado.</p><p>Dessa maneira, as interferências na agricultura refletem consequências</p><p>na organização agrária. Enquanto se continua investindo em tecnologias</p><p>para a produção monocultora e esta se direciona para o mercado</p><p>externo, a grande propriedade rural vai garantindo sua funcionalidade</p><p>e reproduzindo desigualdades pela concentração de terras, refletindo</p><p>-se pela concentração de renda. A aplicação de tecnologias nas</p><p>lavouras causa o desemprego estrutural e consequências para o meio</p><p>ambiente. Enquanto o latifúndio é o lócus de investimentos por parte de</p><p>capitais nacionais e estrangeiros, e espaço de privilégios políticos do</p><p>Governo, a concentração fundiária vai sendo mantida à custa dos baixos</p><p>investimentos para a pequena e média propriedade.</p><p>Resumo</p><p>Os latifúndios no Brasil surgiram com a tomada das terras dos índios. A</p><p>Lei de Sesmaria, que vigorou no Brasil colonial, se baseou na doação de</p><p>terras a privilegiados. Após um período de ausência de leis (1822 -1850),</p><p>a Lei de Terras capitalizou a terra e a restringiu a quem detinha algum</p><p>poder econômico. A terra se tornou capital. O Estatuto da Terra, que</p><p>prometia realizar a reforma agrária, na prática, foi um projeto colonizador</p><p>das terras pouco exploradas da Região Norte do Brasil que, além disso,</p><p>serviu para acalmar os ânimos dos que lutavam pelo acesso à terra.</p><p>Foram essas leis que ratificaram a estrutura excludente do latifúndio</p><p>monocultor exportador. A Revolução Verde dos militares veio consolidar</p><p>essa lógica, afinal de contas, o mercado externo tem demandas que</p><p>a produção familiar da pequena e média propriedade não seria capaz</p><p>de atender. Ao longo de toda a nossa trajetória, houve grupos que se</p><p>28 UNIUBE</p><p>rebelaram contra a ordem vigente, sem muito sucesso, no entanto. O</p><p>último deles é o MST, resultado do intensivo êxodo rural brasileiro, que,</p><p>inclusive, não está desconectado do inchaço das favelas brasileiras. E</p><p>então, será que não nos faltou uma reforma nisso tudo, uma reforma</p><p>agrária? Será que se o nosso país fosse mais bem dividido, nossas</p><p>terras, mais bem distribuídas, teríamos tanta exclusão, desigualdade,</p><p>violência? Como brasileiros, mas ainda mais como licenciados em</p><p>geografia, temos o dever de estar atentos a essas questões tão atuais</p><p>de nossa realidade.</p><p>E você? E seu município? Qual tipo de estrutura fundiária predomina? O</p><p>que produz o campo do município onde você mora? Nunca se esqueça:</p><p>nada é em vão, tudo se explica. Não esgotemos a discussão!</p><p>Bom estudo!</p><p>Referências</p><p>BOMBARDI, Larissa Mies. O papel da geografia agrária no debate teórico sobre os</p><p>conceitos de campesinato e agricultura familiar, Revista Geousp. São Paulo, n. 14,</p><p>p. 107 -117, 2003. Disponível em: <http://www.geografia.fflch.usp.br/publicacoes/Geousp</p><p>/Geousp14/Geousp_14_Bombardi.htm>. Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>CERON, A. O.; GERARDI, L. H. O. Metodologia da geografia agrária. Campo -território,</p><p>Revista de Geografia Agrária. Uberlândia, Rio Claro, v. 2, n. 3, p. 4 -16, 2007. Disponível</p><p>em: <http://www.campoterritorio.ig.ufu.br/viewissue.php?id=3>. Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>HOUTZAGER, Peter P. Os últimos cidadãos (1964 -1995). São Paulo: Globo, 2004.</p><p>HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. 14. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.</p><p>MARTINS, José de Souza. O sujeito oculto: ordem e transgressão na reforma agrária.</p><p>Porto Alegre: UFRGS, 2003.</p><p>MIRALHA, Wagner. Questão agrária brasileira: origem, necessidade e perspectivas</p><p>de reforma hoje, Revista NERA. FCT/UNESP Presidente Prudente, v. 08, p. 151 -172,</p><p>2006. Disponível em: <http://www4.fct.unesp.br/nera/revistas/08/Miralha.PDF>.</p><p>Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>UNIUBE 29</p><p>MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem -Terra. Quem somos. Disponível em:</p><p><http://www.mst.org.br/taxonomy/term/324>. Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>PALMEIRA, M. G. S. Modernização, Estado e questão agrária, Estudos Avançados. São</p><p>Paulo: Scielo, 1989. v. 3, n. 7, p. 87 -108. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.</p><p>php?pid=S0103 -40141989000300006&script=sci_arttext>. Acesso em: 4 maio 2010.</p><p>PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004.</p><p>SILVA, José Graziano da. Mas qual a reforma agrária? Revista de Cultura Política,</p><p>Campinas, v. 17, n. 1, p. 11 -60, 1987.</p><p>______. O que é questão agrária. 14. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.</p><p>______. Tecnologia e agricultura familiar. Porto Alegre: UFRGS, 1999.</p><p>VEIGA, J. E. O desenvolvimento agrícola: uma visão histórica. São Paulo: Hucitec,</p><p>1991.</p><p>Márcio Teixeira de Moraes</p><p>Vagner Limiro Coelho</p><p>Introdução</p><p>A organização da</p><p>produção agrícola e suas</p><p>atividades – analogias</p><p>entre agricultura familiar,</p><p>complexos agroindustriais</p><p>e biotecnologias</p><p>Capítulo</p><p>2</p><p>Ao analisarmos a trajetória humana no planeta, constatamos</p><p>que a atividade agrícola é uma das mais antigas práticas</p><p>empreendedoras da humanidade. Essa prática remonta ao início</p><p>do período neolítico e marca o final da chamada pré -história.</p><p>Período neolítico</p><p>O neolítico, também chamado de “idade da pedra polida” por causa</p><p>de alguns instrumentos feitos de pedra lascada e pedra polida, é</p><p>o período da pré-história que começa em 8000 a.C. Durante esse</p><p>período surgiu a agricultura.</p><p>SAIBA MAIS</p><p>Desde os primórdios da humanidade o homem utiliza técnicas para</p><p>obter alimentos, abrigo e proteção. É fácil observar que os grupos</p><p>de pessoas eram menores, pois existia a necessidade de se</p><p>deslocar constantemente ou mesmo caçar para o sustento próprio,</p><p>inviável a grupos muito numerosos. Essa realidade começou a</p><p>32 UNIUBE</p><p>mudar quando as técnicas de plantio de grãos e hortaliças, além</p><p>da domesticação de animais, tornara -se comuns e possibilitara</p><p>a fixação dos grupos de pessoas, que, a partir desse momento,</p><p>aumentaram seu número de indivíduos.</p><p>Desde então, conhecer e dominar a dinâmica da natureza referente</p><p>à reprodução de plantas, grãos e domesticação de animais</p><p>tornaram -se instrumento diferenciador</p><p>do nível de desenvolvimento e poder</p><p>dos povos primitivos. A agropecuária</p><p>disseminou -se, gradualmente, à medida</p><p>que o próprio homem passou a ocupar</p><p>diferentes continentes, com grupos cada</p><p>vez mais numerosos. A mudança no modo</p><p>de vida foi substancial: de caçador -coletor,</p><p>o homem passou a sedentário. Esse</p><p>“sedentarismo” tornou -se o ponto de partida</p><p>para o desenvolvimento das práticas</p><p>agrícolas e a evolução da agricultura.</p><p>A agricultura baseava -se em técnicas de cultivo de plantas,</p><p>com objetivos próprios e comerciais. Alguns exemplos, como</p><p>a obtenção de alimento, energia, matéria -prima para roupas,</p><p>construções civis e ferramentas que dependem das atividades</p><p>agrícolas, eram de suma importância para os seres humanos.</p><p>Desse modo, a agropecuária tornou -se a célula de sobrevivência</p><p>e sustentação de uma humanidade cada vez mais numerosa.</p><p>Foi também geradora da economia, da expansão colonial, de</p><p>guerras e flagelos, de fome e miséria, de energia combustível</p><p>e tecnologias nunca antes imagináveis, além de discussões e</p><p>embates intermináveis sobre agressões mortais à sustentabilidade</p><p>do meio ambiente.</p><p>Sedentário</p><p>Sujeito que durante</p><p>algum período se</p><p>priva de atividades</p><p>de seu cotidiano. O</p><p>termo foi aplicado</p><p>na transição</p><p>cultural nômade</p><p>para permanente,</p><p>onde as</p><p>populações ficavam</p><p>fixas em um lugar</p><p>em determinadas</p><p>épocas, mas ainda</p><p>migravam em</p><p>outros períodos.</p><p>UNIUBE 33</p><p>Exemplificando melhor, a agropecuária foi uma das primeiras</p><p>atividades econômicas a serem desenvolvidas pelos homens,</p><p>desempenhando um papel de grande importância no cenário</p><p>da economia mundial e nacional. Sua ocupação se deu em</p><p>diferentes territórios, conduzindo o povoamento dessas regiões</p><p>e o desenvolvimento capitalista ou sustentável, dependendo da</p><p>utilização racional ou não de técnicas, tecnologias e insumos</p><p>nessas áreas. A produção agropecuária teve como objetivo</p><p>destinar seus produtos, tais como grãos, frutas, verduras e</p><p>também carne, leite, ovos dentre outros, para abastecer o mercado</p><p>interno, e especialmente, o mercado externo. Sem contar as</p><p>matérias-primas.</p><p>Mesmo assim, entender a trajetória e/ou a evolução das práticas</p><p>agrícolas em um contexto histórico não é tão simples. Contudo,</p><p>para seu eficaz entendimento, antes é necessário refletir sobre</p><p>alguns aspectos característicos da relação entre os grandes</p><p>complexos industriais, os agronegócios, o desenvolvimento</p><p>sustentável e a agricultura familiar.</p><p>Para esse entendimento, discutiremos, neste capítulo, a trajetória</p><p>de construção do processo de produção da atividade agropecuária,</p><p>utilizando uma noção de tempo e escala que abrange desde a</p><p>agricultura familiar, com suas peculiaridades, até os grandes</p><p>complexos industriais, com seu natural crescimento do consumo,</p><p>derivado, sobretudo, da transferência da população rural para</p><p>as cidades, do acúmulo de capital nas empresas urbanas e da</p><p>evolução técno -científica na área agropecuária. Consideraremos o</p><p>surgimento dos complexos agroindustriais que, gradativamente,</p><p>passaram a se constituir de uma crescente incorporação de</p><p>técnicas, inovações científicas e uma estrutura empresarial. Como</p><p>seguimento, enfocaremos também as biotecnologias representativas</p><p>34 UNIUBE</p><p>do eixo diretor e o diferencial da moderna produção agropecuária,</p><p>na busca do entendimento da demanda crescente do lucro, diante</p><p>de novos e grandes desafios, incluindo a questão ambiental e a</p><p>inserção dessas especificidades à parcela da população ainda</p><p>residente no meio rural.</p><p>Objetivos</p><p>Esquema</p><p>Ao finalizar o estudo deste capítulo, esperamos que você seja</p><p>capaz de:</p><p>• explicar o significado da agricultura familiar como componente</p><p>socioeconômico do desenvolvimento do país;</p><p>• identificar o papel da agricultura familiar como atividade</p><p>integrante da cadeia produtiva nacional;</p><p>• identificar e compreender os complexos agroindustriais</p><p>no contexto do desenvolvimento agropecuário brasileiro,</p><p>associando -os à dinâmica da economia nacional;</p><p>• dominar o significado das biotecnologias, tanto quanto da</p><p>ciência como alternativa para o desenvolvimento sustentável;</p><p>• analisar o potencial brasileiro para o desenvolvimento</p><p>das biotecnologias, enumerando as possibilidades do</p><p>desenvolvimento científico à inserção dos complexos</p><p>agroindustriais nacionais no comércio mundial;</p><p>• estabelecer comparações entre a agricultura familiar, a edificação</p><p>dos grandes complexos agroindustriais e a inovação continuada</p><p>proporcionada pelas biotecnologias.</p><p>2.1 Reforma agrária: como? Onde? Para quem?</p><p>2.2 Realidade e realidades da agricultura familiar</p><p>2.3 Complexos agroindustriais</p><p>2.4 Considerações gerais sobre a atividade do agronegócio</p><p>UNIUBE 35</p><p>2.5 A polêmica dos transgênicos</p><p>2.6 Organismos transgênicos – algumas informações</p><p>2.7 Estratégias da biotecnologia na atividade agrícola</p><p>2.8 Agroenergia e estratégias à ascensão do lucro na atividade</p><p>agrícola</p><p>2.9 A importância estratégica do biodisel</p><p>Reforma agrária: Como? Onde? Para quem?2.1</p><p>A discussão em torno da distribuição de terras, principalmente no</p><p>Brasil, é um assunto abordado desde meados do século XVI. Ainda no</p><p>Brasil colônia, com o objetivo de povoar e explorar as tropicais terras</p><p>portuguesas, o império português oferecia glebas de terras aos nobres</p><p>que deveriam zelar por elas e torná -las produtivas para o enriquecimento</p><p>de Portugal. Em troca, tais nobres se tornariam donos dessas gigantescas</p><p>fazendas, denominadas naquela época de “sesmarias”, dividindo</p><p>somente o lucro proveniente delas com a Coroa portuguesa.</p><p>Apesar de tais benefícios, nem mesmo os nobres portugueses sabiam</p><p>da imensidão dos latifúndios que os aguardavam, e, ao chegar à colônia</p><p>Brasil, não podiam, em muitas ocasiões, cuidar de tudo, ou contar com</p><p>um grande número de servos para auxiliá -los, já que com frequência a</p><p>nobreza de alguns estava somente no status de seus brasões e não em</p><p>seus cofres ou bolsos. Um mundo novo com muitas possibilidades de</p><p>enriquecimento era o prometido aos privilegiados que se tornariam os</p><p>primeiros latifundiários de nosso país e, consequentemente, protagonistas</p><p>de uma complexa relação entre o homem e o uso da terra, que perdura</p><p>até hoje.</p><p>36 UNIUBE</p><p>Toda essa caracterização firmava uma realidade que ainda hoje vivemos.</p><p>Muita terra na mão de poucas pessoas e muitas pessoas buscando um</p><p>pedaço dela para sua sobrevivência. As capitanias hereditárias estão</p><p>presentes em nosso tempo e persistem as marchas históricas a favor de</p><p>uma melhor distribuição do espaço, nesse caso, da “terra”.</p><p>De tal relação surgiu a reforma</p>