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NEUROCIÊNCIA DO APRENDIZADO – FUNDAMENTOS E CONCEITOS AULA 1 Prof. Reginaldo Daniel da Silveira 2 CONVERSA INICIAL Neurobiologia das emoções As reações do ser humano sobre si mesmo e sobre o meio vêm sendo investigadas em teorias sobre a emoção e nos avanços com base na neuroimagem. Este estudo abrange o corpo e a mente, e considera a relevância dos processos fisiológicos e cognitivos no processamento da emoção. O conteúdo apresentado refere-se à importância de estruturas que envolvem o córtex cerebral, o sistema límbico e destaca as respostas do sistema nervoso autônomo (SNA), estabelecendo um mapeamento objetivo dos correlatos neurais da emoção. TEMA 1 – UMA VISÃO SOBRE AS TEORIAS DA EMOÇÃO Oh! Nossa! Viver é algo maravilhoso, é ou não é? Querida, eu te amo! Meu Deus! Estou braba com este cara! Ah, meu amor, não foi porque eu quis! Uau! Droga! Legal! Oba! Huh! Diabo! No texto que digitamos, podemos expressar o que é bom ou ruim usando apenas dois elementos gramaticais: uma palavra e um ponto. Assim, uma única palavra e um único sinal de pontuação expressam textualmente uma emoção. Curioso é ver que a palavra e o ponto não têm gênero, número, tempo, modo nem indicam se a voz é ativa ou passiva; apenas exprimem o que entendemos por emoção. Poderíamos dizer ainda que, ao ouvirmos uma única e determinada inflexão vocal, detectaremos uma emoção. Num senso de provocação, podemos perguntar: por que uma palavra e um ponto, uma mudança de tom ou acento vocal revelam sentimentos, pensamentos e estados da alma, quando um número incontável de palavras e pontos escritos ou discursos falados não nos dão uma definição categórica da emoção? Se alguém nos pergunta “que cor é aquela?”, respondemos “verde”. Contudo, não sabemos o quão verde é. É um verde quase azul ou quase amarelo? O branco que vemos é quase cinza? E o cinza? É quase preto ou quase branco? Como as cores, as emoções se misturam, e entendê-las é 3 nomear e dar significados a tons emocionais sobre o que uma pessoa sente diante de determinada situação. Cada indivíduo tem seu entendimento de emoção: um pode dizer “emoção é o meu coração disparando, a minha respiração ofegante”; alguém explica que “emoção é ver a cobra se aproximando”; outro diz: “emoção é o que eu penso sobre as coisas”. A inexistência de um consenso entre os pesquisadores (Dias; Cruz; Fonseca, 2008) nos leva a considerar o longo tempo que levamos ao tratar a emoção como um segundo plano de interesse. Para os autores, na Antiguidade Clássica ela era menos investigada do que a alma e, desde então, passando por Platão, Aristóteles, Spinoza, Descartes, Hobbes, Hume e Locke, vinha sendo considerada um sentimento primitivo e sem componentes (Zalta, 2018). Antes vista como irracional, disfuncional e disruptiva pela psicologia, ela própria se valeu da biologia e da neurociência para alinhar a emoção num primeiro plano de estudos. Para isso, foi preciso avançar além do conhecimento filosófico para aspectos relacionados a sensações corporais, estruturas cerebrais e cognições. O campo de investigação foi ampliado com o surgimento de teorias sobre a emoção. De acordo com a teoria evolutiva da emoção, baseada nas concepções de Charles Darwin, nossas emoções existem porque desempenham um papel adaptativo. As emoções motivam as pessoas a responder rapidamente aos estímulos do ambiente, o que ajuda a aumentar as chances de sucesso e sobrevivência (Cherry, 2020). A visão de que o corpo seria a base inicial e essencial para a consciência das emoções (Ades; Hegenberg, 2010) influenciou uma ampla reflexão, reforçando concepções como a da teoria de James-Lange, cujo postulado defende que ficamos tristes porque choramos, zangados porque agredimos, com medo porque trememos e, assim, não choramos, agredimos nem trememos porque estamos tristes zangados ou com medo (Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 322). Na relação corpo-emoção, a informação enviada por determinada estrutura cerebral a partes do corpo corresponde ao que chamamos de teoria neurológica de Cannon-Bard. Esse argumento ressalta que experimentar emoções é simultâneo a ter reações fisiológicas como suar, tremer e tensionar os músculos, sugerindo que a emoção emerge quando o tálamo, em resposta a 4 estímulos, manda uma mensagem ao restante do cérebro, que reage fisiologicamente; isso resulta nas reações fisiológicas. Por exemplo: a pessoa vê uma cobra, sente medo e começa a suar (Macedo, 2017). O corpo recebe a informação cerebral, sente a emoção, produz uma reação e usa processos mentais para avaliá-la. Essa afirmação alinha-se à teoria cognitiva. A psicoterapia cognitivo-comportamental se vale desse conhecimento para examinar reações emocionais associadas a processos cognitivos (Wright; Basco; Thase, 2008). Por sua vez, a teoria cognitiva de Schachter-Singer, também conhecida como teoria dos dois fatores, alega que a pessoa identifica a razão de um sintoma para então experimentá-lo e definir a emoção sentida. O coração pode bater ao sermos perseguidos por um urso ou olharmos para o ser amado. Num caso é medo; no outro, excitação. São respostas corporais iguais, situações e emoções diferentes (Macedo, 2017). De acordo com a teoria da avaliação cognitiva de Richard Lazarus, um estímulo é seguido por um pensamento que leva à experiência simultânea de uma resposta fisiológica e da emoção (Cherry, 2020). Por exemplo, se você estiver na floresta e ouvir o rugido de uma onça nas proximidades, o pensamento que surge é de que você está em perigo, trazendo a emoção do medo e reações físicas de luta ou fuga. A teoria das emoções do feedback facial sugere que as expressões faciais se conectam à experiência de emoções. Por essa concepção, as emoções estão diretamente ligadas às mudanças nos músculos faciais. Sorrir num encontro social faz as pessoas se sentirem melhor do que se estivessem franzindo a testa ou expressando nos músculos uma emoção neutra. Relvas (2012) destaca reações químicas e neurais que usam até as emoções viscerais do corpo. Gazzaniga e Heatherton (2005) falam em avaliação subjetiva, processos psicológicos e crenças cognitivas. Responder e avaliar estímulos e reações nos oferece o conceito de emoção em termos neurobiológicos modernos: as emoções são programas complexos de ações desencadeadas pela presença de certos estímulos, externos ou de dentro do corpo, quando tais estímulos ativam determinados sistemas neurais. Sentimentos de emoção, por outro lado, são percepções dos programas de ação emocional. Os (1) sistemas desencadeadores, os (2) sistemas neurais que executam o programa de ação e (3) as ações cujo conjunto constitui cada emoção, foram selecionados ao longo do tempo evolutivo e se tornaram disponíveis para cada organismo de uma 5 determinada espécie no início do desenvolvimento, graças para o genoma desse organismo. TEMA 2 – A BASE NEUROBIOLÓGICA DA EMOÇÃO Um cão que abana o rabo para a esquerda está ansioso, e para a direita está relaxado – dizem pesquisadores da Universidade de Trento (Morelli, 2013). Uma publicação da BBC Brasil (5 emoções…, 2019) mostra algumas situações: • Estudo do Yerkes Primate Center nos Estados Unidos diz que macacos- prego se negam a cooperar quando injustiçados; • Se um chipanzé agride o outro, seus companheiros podem se vingar; • Na Tanzânia, a chimpanzé Christina deixava até de comer para cuidar de seu bebê com sintomas similares à síndrome de Down. Não obstante, a suposta semelhança de algumas emoções entre animais e humanos pode ser enganosa. Se um cachorro balança o rabo de alegria, isso não significa que ele sinta o mesmo que sentimos quando estamos alegres, informa o neurocientista Joseph LeDoux, da Universidade de Nova York (Welsh, 2012). Diferenças entre humanos e animais são investigadasna perspectiva da plasticidade presente no cérebro humano, que desde os primeiros anos de vida absorve e armazena experiências de modo significativamente ativo. Pesquisadores do Instituto Max Planck, da Alemanha, identificaram no córtex pré-frontal a existência de uma sinaptogênese, que é a comunicação intensa entre neurônios apenas perceptível nos humanos (Welsh, 2012). Além de as emoções entre humanos e animais não serem as mesmas, é possível considerar que medo e fome encontram similaridades, o que se vincula aos mesmos circuitos de sobrevivência universais entre os mamíferos, razão pela qual, ao nosso ver, é possível entender LeDoux (1996) quando ele salienta a utilidade e necessidade de entender as emoções humanas estudando animais em laboratório. Com base no que existe no cérebro animal que corresponda ao cérebro humano, os estudos em laboratório aguçam a busca para saber de onde vem a emoção. Na perspectiva neurológica, nesses locais, atividades vinculam-se a respostas emocionais. Para o neuroanatomista James Papez, independente de quais sejam os mecanismos, a emoção vem de uma base estrutural (Fernandes, 2016). Não haveria, desse modo, um centro cerebral específico, mas circuitos 6 que envolvem várias estruturas interligadas por múltiplas redes nervosas, incluindo o hipotálamo, o tálamo, o giro cingulado e o hipocampo (Gazzaniga; Heatherton, 2005). Na visão de Paul Maclean, todos os caminhos da emoção levam a uma área cerebral responsável pelo olfato. Essa porção do córtex cerebral, chamada de cérebro visceral (rinencéfalo), passou a compor a teoria do sistema límbico – SL (LeDoux, 1996). Pelo que sabemos, o SL é uma parte antiga da nossa estrutura cerebral (Pressman, 2019) e, de acordo com Gazzaniga e Heatherton (2005), nele se localiza a amígdala, o córtex orbitofrontal e a porção dos gânglios basais. Embora saibamos hoje que a emoção também se processa em estruturas de outras áreas cerebrais, a teoria de Maclean se mostrou útil para avançarmos na compreensão da emoção (Gazzaniga; Heatherton, 2005). Pelo que temos visto sobre pesquisas e na literatura, não há ainda um acordo categórico sobre estruturas do SL, mas ao tratarmos de emoções, quatro áreas são consideradas: 1. Hipotálamo; 2. Hipocampo; 3. Amígdala; 4. Córtex límbico. O hipotálamo regula as necessidades biológicas básicas (Weiten, 2010), e isso o faz controlar respostas emocionais. O hipocampo, na borda interna dos lobos temporais, ajuda na formação da memória (Pressman, 2019), e a amígdala é efetivamente envolvida com os processos emocionais. Lesões em suas partes bilaterais pela doença de Urbach-Wiethe (espessamento da pele, mucosas e vísceras) têm dificuldades em reconhecer expressões faciais de raiva e medo (Shammadh-Lagnado, 2012). Traumatismos no córtex orbitofrontal se relacionam a comportamentos inapropriados, como impulsividade, raiva e pouca expressão de felicidade e de distúrbio de personalidade (Esperidiao-Antonio et al., 2008). Esses autores reportam que os gânglios basais se relacionam ao desgosto, sensação comum nos enfermos com esquizofrenia e depressão. TEMA 3 – FATORES CORPORAIS NA EMOÇÃO Tendo em vista a base neurobiológica que dá ao sistema límbico status maior quanto à emoção, considera-se que a ativação do SNA produz respostas 7 corporais. Gazzaniga e Heatherton (2005, p. 326) explicam que, se uma pessoa fica excitada, quer devido à raiva, quer devido à atração sexual, o rosto fica corado, mas as pupilas se contraem durante a raiva e se dilatam durante a excitação sexual. As amígdalas, no desencadeamento do medo, ativam o sistema nervoso autônomo com alterações no fluxo sanguíneo e frequência cardíaca (Esperidião- Antonio, 2008). As respostas emocionais acontecem de modo rápido, nem sempre permitindo acesso à percepção consciente (Pressman, 2019). Esse processo corporal vem de uma gênese das emoções que, nos animais primitivos, significava reações vegetativas de alerta e fuga para garantir a sobrevivência da espécie (Ribas, 2006). Para Fernandes (2016), nossas funções vitais se ligam ao sistema SNA, e cabe a este controlar nossos órgãos internos e glândulas em processos que envolvem o pulso, pressão arterial, respiração e excitação presentes nas respostas emocionais. Desse modo, controlam-se as funções automáticas, involuntárias, viscerais, nas quais normalmente as pessoas não pensam, como a batida cardíaca, a digestão e a transpiração. Ao falar sobre isso, Weiten (2010, p. 71) explica que o SNA intermedeia muito do despertar fisiológico, que ocorre quando as pessoas experimentam emoções. O autor dá o exemplo de uma pessoa caminhando sozinha à noite, e alguém de aparência humilde começa a segui-la. Caso se sinta ameaçada, a batida cardíaca e a respiração se intensificam, a pressão sanguínea pode subir, e a pessoa pode sentir arrepios e transpirar na palma das mãos. Ao estudar essas reações, Walter Cannon apresentou o conceito de reação de emergência, resposta fisiológica específica do corpo que acompanha qualquer estado em que seja necessário dispender energia física. Pela hipótese de Cannon, o fluxo sanguíneo é redistribuído para as áreas do corpo que estarão ativas durante uma emergência, de modo que o suprimento energético, transportado pelo sangue, alcançará os músculos e órgãos fundamentais. Por exemplo, numa luta, os músculos necessitam de mais energia do que os órgãos internos (a energia utilizada na digestão pode ser sacrificada em favor da energia muscular durante um combate). Portanto, a reação de emergência, ou “reação de luta ou fuga”, constitui uma resposta adaptativa (LeDoux, 1996). Um estudo finlandês com 701 participantes de diferentes culturas apontou alterações fisiológicas associadas a emoções. Os experimentos investigaram as 8 sensações corporais, destacando a temperatura em cada parte do corpo. Eles foram solicitados a colorir as regiões do corpo em que sentiam alguma atividade diante de estímulos por imagens, histórias, filmes ou expressões faciais. Os resultados apontaram que as emoções sentidas no corpo têm sentido cultural universal e podem indicar distúrbios emocionais (Nummenmaa et al., 2014). Damásio (2015) diz que uma função biológica da emoção é a regulação do estado interno do organismo para reagir especificamente a determinados estímulos. Por exemplo, ele pode fornecer um fluxo sanguíneo mais intenso às artérias das pernas para que os músculos recebam oxigênio e glicose adicional numa reação de fuga, ou alterar os ritmos cardíacos e respiratórios numa imobilização. Eagleman (2017) observa que as emoções são reações físicas mensuráveis prorrogadas por determinados acontecimentos. Sentimentos, por outro lado, são as experiências subjetivas que às vezes acompanham esses marcadores corporais – o que as pessoas normalmente pensam, como sensações de felicidade, inveja, tristeza e assim por diante. A hipótese do marcador somático, teoria de Antonio Damásio, de acordo com LeDoux (1996) abrange todo o padrão de feedback somático e visceral do corpo. O neurocientista português propõe que essas informações estejam por baixo dos “sentimentos viscerais” e representem papel fundamental em nossas experiências emocionais. Muñoz (2017) reporta que numa situação conflitiva, se antes do processo de raciocínio a pessoa tiver uma sensação breve e desagradável ao imaginar o mau resultado de uma decisão, ela experimentará um marcador somático, isto é, uma sensação corporal associada a um cenário imaginado. Nesse caso, de acordo com Damásio, os marcadores somáticos são exemplo de sentimentos gerados por emoções secundárias (ciúme, orgulho, vaidade, vergonha e culpa). Damásio criou a teoria do marcador somático em seu influente livro O erro de Descartes, em que propõe que as ações e decisões mais auto- reguladoras são afetadas pelas reações corporais,chamadas de marcadores somáticos, que surgem quando contemplamos seus resultados. Para Damásio, o termo “sentir nas entranhas” quase pode ser tomado literalmente. Quando refletimos sobre uma ação, experienciamos uma reação emocional, baseada em parte na nossa expectativa do resultado da ação, que é determinada por nossa história passada envolvendo essa ação ou ações semelhantes. (Gazzaniga; Heatherton, 2005, p. 295) 9 TEMA 4 – COGNIÇÃO E EMOÇÃO No tema anterior, vimos que a teoria do marcador somático fala em reflexão sobre uma ação e emoções baseadas em expectativas criadas por processos cognitivos. Para Damásio (2012), uma situação de mau resultado vinculada a uma dada resposta produz sensação visceral desagradável. A sensação corporal detecta uma imagem, um marcador. Ao voltar-se para o resultado negativo, o indivíduo marca um sinal de alarme, que o faz evitar aquela experiência. Aparentemente, o sinal automático protege a pessoa de prejuízos futuros e a faz procurar alternativas. Essas emoções e sentimentos estão ligados, pela aprendizagem, a resultados futuros previstos por determinados cenários. Estabelece-se, portanto, de acordo com Souza (2016), que a hipótese do marcador somático é a relação entre reações emocionais e cognitivas, tendo como resultado respostas somáticas. Pela nossa ótica, processos cognitivos como atenção e memória nos levam às “emoções aprendidas”. As estruturas cerebrais a elas ligadas são frequentemente subcorticais, como a amígdala, estriado ventral e hipotálamo, e são consideradas evolutivamente primitivas pelas respostas de luta ou fuga (Souza, 2016). A ideia de que tudo que fazemos é processado pelo cérebro enseja que possamos reviver mentalmente acontecimentos do passado e refletir o futuro. Nem tudo que aprendemos é positivo e, dependendo de nosso contexto existencial, podemos viver emoções provocadas por uma visão negativa de nós mesmos. Nesse sentido, Wright, Basco e Thase (2008) reportam que, diante de emoções provocadoras de esquiva por distorções cognitivas, terapeutas cognitivo-comportamentais trabalham em seus pacientes o que chamam de reestruturação cognitiva, utilizando técnicas como exercícios de relaxamento, ouvir música, yoga e outras para equilibrar emoções, isto é, reduzir a tensão e não incentivar que se esquivem de determinada tarefa. Komninos (2020) aponta que há, na resposta emocional, processos afetivos e cognitivos. Nos afetivos, eventos psicofisiológicos são produzidos automaticamente por informações sensoriais; já nos cognitivos a análise de informações sensoriais pode influenciar e até neutralizar o sistema afetivo. 10 Na visão de Souza (2016), a relação entre cognição e emoção produz respostas somáticas, como avisos sensoriais ao corpo, que envia uma emoção capaz de dizer se o ato a ser realizado é o ideal. Desse modo, usamos linguagens verbais e não verbais, prestamos mais ou menos atenção e recorremos ao registro existente em nossa memória, entre outros processos que ligam a cognição à emoção. TEMA 5 – CORRELATOS NEURAIS DA EMOÇÃO Pelo que vimos até agora, o encontro entre emoção e cognição denota a capacidade do cérebro humano de criar um processo integrativo entre diversas fontes de informação no sentido de adaptar o comportamento à situação surgida. Diante de determinado estímulo, uma área cerebral é ativada, identificada e produz uma resposta, regulando a emoção. Esse processamento se constitui pela nossa ótica ao conjunto de eventos neuronais que, ao envolverem estruturas cerebrais, possibilitam o surgimento das emoções. Fossati (2012) destaca que estruturas corticais, subcorticais e límbicas constituem o cérebro emocional, entre elas a amígdala e o córtex pré-frontal medial, regiões nas quais conexões recíprocas se sucedem. Estímulos relevantes produzem diferentes emoções, como o medo, que ocupa papel de destaque na amígdala. As contribuições da neurociência se destacam pelo uso da imagem por ressonância magnética funcional (fMRI), prática atual que permite ver a atividade cerebral em tempo real. A amígdala e o córtex pré-frontal de que falamos há pouco revelam, em fMRI, eventos do cérebro capazes de mapear a emoção durante a atividade neural. Popper (2013) revela isso num estudo da Universidade Carnegie Mellon, que fez um grupo de atores olharem para palavras com significados emocionais, como “raiva”, “nojo”, “inveja”, “medo”, “felicidade”, “luxúria”, “orgulho”, “tristeza” e “vergonha”. Os resultados mostraram que cada emoção tinha uma assinatura neural. Raschle et al. (2017) relatam um estudo com 30 indivíduos que usaram a tarefa Stroop1. O experimento mostrou que a ativação neural durante o 1 Em experimentos desse tipo, investiga-se o conflito palavra-cor, o qual produz o efeito stroop, que ocorre quando a pessoa deve dizer a cor de uma palavra, mas não o nome da palavra. Por exemplo, a palavra “azul” pode ser escrita em vermelho, e a pessoa tem que dizer a cor em vez da palavra. 11 desempenho da tarefa era interrompida diante de imagens negativas precedentes, junto com o aumento da demanda cognitiva. Estudos do tipo estabelecem dados importantes: • Funcionalidade do córtex pré-frontal em suas sub-regiões; • Maior ativação da amígdala se a demanda cognitiva for menor; • Relevância para a saúde mental de uma integração intacta e equilibrada; • O desequilíbrio é observável em déficits de processamento emocional; • Violência e agressividade são visíveis em situações de desequilíbrio; • A emoção influencia a cognição tanto quanto a cognição influencia a emoção. A área mais ativada nas emoções é o SL que, por ter menor quantidade de neurônios que o córtex desenvolvido mais recentemente, mostra resultados rápidos, mas nem sempre sem processar integralmente as informações (Pressman, 2019). Considerando avanços da neurociência e pesquisas mais recentes, vejamos a seguir alguns pontos de mapeamento da emoção com seus correlatos neurais. 5.1 Medo Na amígdala e no hipotálamo surgem circuitos emocionais do medo; a amigdala detecta, gera e mantém emoções de medo. Uma das formas de isso ocorrer é perceptível pelo reconhecimento das expressões faciais de medo. Gazzaniga e Heatherton (2005) explicam que a amígdala desempenha papel especial na resposta aos estímulos eliciadores de medo. Esse processamento vem de um circuito resistente, desenvolvido no curso da evolução para proteger a espécie do perigo. Estudos com fMRI descobriram que a amígdala é ativada com força especial, na expressão facial de rostos assustadores. Para Diniz (2018), um indivíduo com a amígdala estimulada apresenta maior estado de vigilância, ansiedade e medo. Com a amígdala lesionada, diminui-se a emotividade e a habilidade de reconhecer o medo. O autor considera como ações típicas do medo: congelar; hesitar; ruminar; gritar; se recolher; se preocupar; gritar ao ver algo assustador; paralisar ao levar um susto; remoer a ansiedade causada por uma prova; evitar tirar dúvida durante a explicação. 12 5.2 Alegria A alegria é produzida na ativação dos gânglios basais, incluindo o estriado ventral e o putâmen, inervando neurônios dopaminérgicos do SL relacionados à sensação de prazer (Esperidião-Antonio, 2008). O cerebelo parece estar envolvido no riso, no choro e no contexto cognitivo de uma determinada situação. Isso é observável em indivíduos com lesões nos gânglios basais. Ao afirmar isso, Diniz (2018) explica comportamentos presentes na alegria: exclamar; se conectar; se gabar; manter; saborear o momento; procurar mais gritos e exclamações ao presenciar seu time vencer; “zoar” o time perdedor; sorrir ao lembrar de algo divertido; comer mais um pedaço de chocolate etc. 5.3 Tristeza Estudos contemporâneos demonstram que a tristeza se localiza em áreas centrais, como os giros occipitais, amígdala e ínsula.A indução da tristeza se relaciona a: ativações límbicas no giro do cíngulo e ínsula anterior; desativação cortical – córtex pré-frontal direito e parietal inferior; e diminuição do metabolismo da glicose no córtex pré-frontal (Licursi, 2020). Damásio (2015) considera a descoberta da ativação do hipotálamo na tristeza tão inédita quanto à sua descoberta da ativação do tronco cerebral em emoções negativas, confirmando o que outras pesquisas mostraram. Para Diniz (2018), a tristeza está relacionada a: sentir vergonha; estar em luto; ruminar; procurar conforto; se recolher; procurar amigo ou familiar se algo te deprimiu; expressar luto pela perda de ente querido; evitar ambientes ou situações com emoções mais positivas; continuar repensando sobre o que te entristece. 5.4 Raiva O septo, região cerebral centro-encefálica situada à frente do tálamo, por cima do hipotálamo, de acordo com Licursi (2020), está relacionado à raiva (além do prazer e controle do SNA). O autor explica que o comprometimento bilateral da área septal provoca “raiva septal”, caracterizada por hiperatividade emocional, ferocidade e ira, observando-se alteração na pressão arterial e no ritmo respiratório. Licursi acrescenta ainda a consideração de que o hipotálamo 13 foi uma das primeiras estruturas associadas à raiva, embora essa emoção não se observava quando a lesão se estendia à metade posterior do hipotálamo, o que nos leva a concluir que o hipotálamo posterior estaria envolvido com a raiva e agressividade. Os comportamentos observáveis na raiva são: disputar; ter atitudes passivo-agressivas; insultar; discutir; ferver/remoer; suprimir; usar de força física; diminuir outros; “engolir sapo” no trabalho; discutir fervorosamente um ponto de vista; partir para a agressão física; ficar de “cabeça quente” sobre determinado assunto (Diniz, 2018). 5.5 Nojo A ínsula funciona como uma espécie de intérprete do cérebro ao traduzir sons, cheiros ou sabores em emoções e sentimentos como nojo, além de desejo, orgulho, arrependimento, culpa ou empatia. Segundo Licursi (2020), sua ativação se relaciona ao controle dessas emoções e a comportamentos que, para Diniz (2018), se referem a: evitar; desumanizar; vomitar; se recolher; evitar comer um alimento com aparência que lhe pareça estranha; tratar alguém “como animal”; inferiorizar; vomitar ao ver ou sentir um evento nojento. NA PRÁTICA Corpo e mente respondem a estímulos por meio de respostas emocionais. O estudo da neurobiologia da emoção, considerando estruturas cerebrais e conexões do sistema límbico, oferece de modo prático indicativos para melhor compreendermos e atuarmos em situações emocionais desequilibradas, como as que ocorrem nos transtornos psicológicos. FINALIZANDO Os estímulos que nos chegam nos fazem usar mecanismos evoluídos no sistema límbico a partir de nossos ancestrais. Diante de situações que ocorrem ao longo da vida, ativamos estruturas cerebrais, avaliamos informações e, por meio de circuitos neurobiológicos, vivenciamos sensações fisiológicas e respondemos com nossas emoções. Todo esse processo é muito rápido e está ligado a crenças e contextos individuais. 14 REFERÊNCIAS 5 EMOÇÕES que não são exclusivas dos humanos. BBC BRASIL, São Paulo, 4 mar. 2019. Disponível em: <https://noticias.r7.com/tecnologia-e-ciencia/5- emocoes-que-nao-sao-exclusivas-dos-humanos-04032019>. Acesso em: 4 dez. 2020. ADES, C.; HEGENBERG, E. Emoções e a percepção do corpo: um exercício jamesiano para a sala de aula. Psicologia, Ensino & Formação, Brasília, DF, v. 1, n. 1, p. 9-20, abr. 2010. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2177- 20612010000100002#:~:text=William%20James%20(1884a%2C%201884b%2 C,para%20a%20consci%C3%AAncia%20das%20emo%C3%A7%C3%B5es>. Acesso em: 4 dez. 2020. CHERRY, K. 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