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FORMAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA DO BRASIL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar os elementos históricos (da Europa e da América) que fomentaram as primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil Colônia. > Descrever a influência europeia e dos Estados Unidos na fundamentação ideológica das manifestações sociais e políticas no Brasil Colônia. > Reconhecer o papel das manifestações sociais e políticas no Brasil colonial na posterior independência do País. Introdução Por muitos anos, foi cultivada a ideia de que o Brasil era um país pacífico, e de que suas revoltas e movimentos sociais não causaram grandes distúrbios, como uma guerra civil. Contudo, a historiografia passou a enfatizar que os diversos conflitos desencadeados ao longo de nossa história e como o governo da época lidou com eles deveriam ser analisados como períodos de profunda turbulência política e social. A organização da sociedade em prol de um objetivo em comum, seja em âmbito local ou federal, demonstram insatisfações e a necessidade de mudança. Desde a chegada dos portugueses, a sociedade brasileira foi formada a partir de conflitos. Houve as guerras contra os nativos, contra os invasores e aquelas As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil Ana Carolina Machado de Souza contra o sistema estabelecido. As revoltas nativistas e separatistas duraram mais de um século, causando um sensível impacto no governo colonial. Assim, neste capítulo, vamos tratar das manifestações sociais e políticas do Brasil colonial, com ênfase nas mudanças intelectuais causadas pelo Iluminismo. O Iluminismo e suas ramificações O Iluminismo foi um movimento filosófico e intelectual que nasceu na Europa no final do século XVIII, mas essa cronologia é debatida. Alguns argumentam que os ideais iluministas são oriundos do Renascimento Cultural e da Revo- lução Científica dos séculos XVI e XVII. O questionamento e o protagonismo do pensamento racional revolucionaram a metodologia científica, isto é, contribuíram para o surgimento de uma nova forma de enxergar o mundo. O Iluminismo é entendido como herdeiro dessa tradição — portanto, definir uma origem é tarefa ingrata. Contudo, é comum dizer que essa filosofia começou na França, no ano de 1715, quando morreu o Rei Luís XIV (1638–1715), que se tornou o símbolo do Absolutismo no País. Muito do que se ensina sobre o Absolutismo nas aulas escolares de história é proveniente da experiência francesa, principalmente sobre Luís XIV. Conhecido como “Rei-Sol”, ele conseguiu pacificar as relações diplomáticas com a Espanha, dando espaço para o desenvolvimento do regime absolutista. Ele se tornou rei em 1643, mas apenas em 1660 assumiu o trono de fato. Em seu reinado, o Estado foi centralizado totalmente, aumentando os gastos, modelo administrativo que se mostrou ineficaz (ANDERSON, 2004). Características gerais A França, no século XVIII, vivia um regime centralizador que custava muito aos cofres públicos. A Revolução Francesa, em 1789, foi o rompimento político e econômico com aquilo que os próprios revolucionários batizaram como “Antigo Regime”. Seu nascimento se relaciona com a contestação das desigualdades corroboradas pela maneira como o governo era conduzido. A Revolução foi um movimento complexo, maior do que as caudas econômicas e políticas óbvias que se obtêm ao se analisar seu contexto. O historiador François Furet (1989) defende que foi um acontecimento dinâmico, embasado, inclusive, em antigas mobilizações contra os governos de épocas anteriores. Porém, o movimento As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil2 de 1789 persistiu e definiu a nacionalidade do País. O que interessa aqui, contudo, é que a Revolução foi profundamente impactada pelo Iluminismo. O culto à razão impulsionou os revolucionários franceses. O Terceiro Es- tado, grupo hierarquicamente marginalizado pela política francesa, era muito diverso e compunha mais de 70% da população total. Nele, encontravam-se artesãos, profissionais liberais, pobres, miseráveis, bem como intelectuais e burgueses. Ou seja, uma parte tinha contato e/ou participava das mudanças filosóficas que ocorriam há décadas. Alguns nomes como François-Marie Arouet (1694–1778), conhecido pelo pseudônimo Voltaire, e Charles-Louis de Secondat (1689–1755), o Barão de Montesquieu, criticavam abertamente o governo francês. O primeiro, por exemplo, exaltava a tradição política da Inglaterra (notória inimiga da França), que, em 1688, viveu a Revolução Gloriosa e adotou a Monarquia Constitucional, mudando seu sistema político para o Parlamentarismo. Esse movimento inglês os ajudou a se recompor de todas as disputas dinásticas, conseguindo financiar desenvolvimentos tecnológicos como a Revolução Industrial de 1760. Além disso, na Reforma Anglicana de 1534, a Igreja Católica perdeu a hegemonia e a Igreja da Inglaterra se tornou subordinada ao Estado. Essa característica era exaltada por Voltaire e outros, pois, na França, vivia-se o chamado “direito divino dos reis”, segundo o qual os monarcas eram consi- derados enviados por Deus para ocupar seus cargos. Em 1734, Voltaire publicou as Cartas filosóficas, em que discutiu as ideias de liberdade política e tolerância religiosa. Devido ao conteúdo, foram censuradas pelo Estado francês. Já Montesquieu escreveu Do espírito das leis, em 1748, no qual remodelou o sistema político do País, sugerindo mudanças na Monarquia. Ficou conhecido por criar a divisão dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) para que a política se desenvolvesse de forma mais satisfatória. Em linhas gerais, pode-se definir o Iluminismo como um movimento que possuía alguns conceitos característicos que inspiraram as organizações e os intelectuais a repensarem desde pesquisas científicas até os sistemas políticos e econômicos. No caso, as ideias recorrentes eram racionalismo, progresso, liberdade e igualdade, sendo que os dois últimos merecem nossa atenção. Antes de tudo, é importante entender que conceitos e ideias também têm seus contextos. Quando se argumentava a favor da liberdade no século XVIII, fazia-se de acordo com as circunstâncias da época, totalmente diferentes das de hoje, século XXI. O primeiro passo para compreender seu significado, As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 3 então, é definir que ele é ramificado. O Iluminismo se relacionava ao fim do Absolutismo, a uma maior limitação do poder real e à influência de outras classes sociais na política. Ademais, existia a questão da liberdade econô- mica, que buscava menos intervenção do Estado na economia, a base do liberalismo econômico. Porém, ela não atingia a todos pessoalmente, assim como a igualdade. Com relação à política, a igualdade não se relacionava à imposição de um sistema democrático, por exemplo. Na França, parte dos revolucionários do Terceiro Estado queriam aumentar sua mobilidade social e acabar com os privilégios da nobreza, mas isso não significava que todos alcançariam uma melhor posição hierárquica na sociedade. A burguesia procurava repre- sentação política, mas não queria que pobres e miseráveis estivessem na mesma posição. Os filósofos também não apontavam a igualdade universal e irrestrita. Porém, foram essas ideias que viajaram dentro da França e entre tantos outros países, abrindo espaço para o questionamento do status quo, e isso influenciou o cenário português. Portugal e o Marquês de Pombal Portugal foi um dos primeiros países europeus a consolidar o Absolutismo. Ainda no século XIV, a Dinastia de Avis assumiu o trono, centralizando o poder político que, mesmo com a União Ibérica (1580–1640), não sofreu a fragmentação de seu território. Diferentemente de como ocorria na França, não existia a ideia de “direito divino”, mas o monarca português era muito popular perante o povo. Como seu Absolutismo teve início antes do que o de muitos países, começou a Expansão Marítima pela circunavegaçãodo território africano. A intenção era descobrir novas rotas para as Índias, onde eram retiradas as especiarias comercializadas na Europa. Nesse processo, a chegada à América e o início da colonização do Brasil foram fundamentais para o desenvolvimento do Mercantilismo. No século XVIII, o Absolutismo entrou em crise em vários países, mas com menor intensidade em Portugal. Apesar disso, o Iluminismo chegara com força. Em 1750, quem assumiu o trono foi D. José I (1714–1777), mas seu governo foi marcado pelo primeiro-ministro que ele mesmo nomeou. Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal (1699–1782), foi embaixador na Inglaterra (1739–1743) e na Áustria (1745–1750), e foi essa experiência que o ajudou na condução da política internacional e nas mudanças que ocorriam internamente. As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil4 Desde o Tratado de Methuen (ou Tratado de Pães e Vinhos), de 1703, Portugal estabelecera uma relação econômica desfavorável com os ingleses devido aos profundos problemas financeiros que o País vivia. A preocupação residia na obsolescência da infraestrutura tecnológica portuguesa. Se, no início da Era Moderna, os lusitanos eram o mais avançados nas técnicas marítimas e cientificas, no século XVIII, estavam em desvantagem se comparados a outras nações. Esses eram os problemas que Pombal enfrentava logo de início, então sua intenção era reestruturar a administração pública, mas sem modificar o sistema, que deveria continuar absolutista. O primeiro-ministro se tornou um dos principais déspotas esclarecidos da Europa, e o Iluminismo era a corrente filosóficas que embasava os novos tempos. Ainda que muitos iluministas criticassem o Antigo Regime, a filosofia foi utilizada por monarcas que buscavam a modernização racional de seus reinos, mas sem mudança estrutural do sistema. Foram os chamados déspotas esclarecidos, que queriam reformas na Corte e no próprio governo, sobretudo no que dizia respeito à arrecadação de impostos. Alguns nomes conhecidos foram Pedro, o Grande (1672–1725) e Catarina II, a Grande (1762–1796), da Rússia; Frederico II, o Grande (1740–1786), da Prússia; e próprio Marquês de Pombal (FLORENZANO, 1981). No meio do processo de reformas, em 1755, Portugal sofreu um dos piores terremotos de sua história, devastando a capital, Lisboa. Pombal, então, deu início à reconstrução a partir dos ideais iluministas, sobretudo da raciona- lidade. Tornou-se o símbolo de um país renovado e moderno, mas trouxe diversas consequências para o Brasil, já que a reestruturação não foi barata. Dessa forma, a cobrança de impostos aumentou consideravelmente, ainda mais com o êxito da mineração no Sudeste da colônia. Taxas como o quinto e a derrama atingiam os mineradores e foram estopins para o surgimento de várias revoltas. A Igreja e a educação foram, da mesma maneira, afetadas pelas reformas pombalinas. O ensino era coordenado pelos religiosos que se estabeleceram na colônia, e a administração portuguesa decidiu centralizar e expulsar os jesuítas de todo o território, o que aconteceu com a Lei de 3 de setembro de 1759. A partir disso, os bens eclesiásticos foram confiscados em nome do Estado, que também aumentou o controle dos governos locais com a proibição da escravidão indígena, em 1757, finalizando processos de recrutamento de mão de obra, por exemplo. As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 5 Esses movimentos influenciaram diretamente o andamento das relações sociais na colônia, o que abordaremos mais adiante neste capítulo. Além das reformas de Pombal, o Iluminismo influenciou movimentos revolucionários fora da Europa, como nos Estados Unidos. A Revolução Americana (1776) O processo de independência dos Estados Unidos estava diretamente rela- cionado a sua colonização. As primeiras tentativas de ocupação do território americano aconteceram no século XVI, mas foi somente no século XVII que os ingleses conseguiram se estabelecer. Eles não foram os únicos, já que os franceses também construíram espaços coloniais, mas, ao longo do tempo, perderam a hegemonia. Em 1607, foi fundada Jamestown, na Virgínia, consi- derada a primeira colônia. Após tentativas frustradas, a Virginia Company bancou a ida e a permanência de colonos no intuito de explorarem a terra em busca de ouro e de pedras preciosas, como aconteceu com a Espanha. Observa-se, desde o início, que houve uma grande diferença entre os projetos coloniais português e inglês, sendo que este se baseava na iniciativa privada com apoio do Estado. Já a proposta lusitana era conduzida pela coroa, inclusive as pessoas que migraram para o Brasil foram indicadas e escolhidas para assumirem posições estratégicas na administração colonial. No caso britânico, a viagem para a América era uma forma de endividados tentarem uma nova vida, além de ser o destino de condenados da Justiça, em uma forma de punição. O controle estatal sobre a colonização não era tão forte quanto no Brasil, permitindo que os colonos americanos conseguissem se instalar e construir um aparato governamental comunitário e mais livre das amarras da Metrópole. Ainda pagavam impostos e taxas, mas a fiscalização era própria. Contudo, essa situação mudou no século XVIII. A Inglaterra passara por duas revoluções, a Puritana (1640–1648) e a Glo- riosa (1688), a partir das quais o sistema político mudou e alcançou maior estabilidade interna. Além disso, nessa época, as primeiras elites burguesas surgiram e a Revolução Industrial (1760) ajudou a consolidar a busca por mercado consumidor. Os olhares da coroa inglesa se voltaram para a América, dessa vez em busca de maior controle estatal. Foram vários os movimentos políticos que provocaram problemas na relação entre colonos e Metrópole. Primeiramente, a Guerra dos Sete Anos (1756–1763), entre a Inglaterra e a França, ocorrida em território americano, sobre a posse das terras ao Norte das 13 colônias, onde hoje é o Canadá. Os gastos foram altos e, para custeá-los, os impostos aumentaram. Em 1764, As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil6 foi estabelecida a Lei do Açúcar, que taxava o melaço usado rotineiramente, afetando o cotidiano colonial. Em 1765, foi aprovada a Lei do Selo, que obrigava a compra de um selo real para outorga de qualquer tipo de documento oficial. Ademais, em 1773, a Inglaterra concedeu, à Companhia Inglesa das Índias, o monopólio do comércio do chá, prejudicando os americanos que plantavam e impostavam o produto. A reação dos colonos foi se reunir e contestar os movimentos da Metrópole. Muitos dos políticos locais, apoiados por parte da população, passaram a considerar a necessidade de ficar independente. Os americanos passaram a questionar a falta de representatividade no Parlamento Inglês. Eles acreditavam que não deveriam seguir as leis inglesas se não tinham participação no debate político. Começou, por- tanto, o movimento No taxation without representation (“nenhum imposto sem representação”), a partir do qual pressionavam a Inglaterra, que, para evitar uma revolta, revogou a Lei dos Selos. Porém, outros impostos foram criados, inclusive sobre o chá (HEALE, 1991). Cada vez mais os americanos mostravam seu descontentamento, e o Iluminismo foi a filosofia que ajudou a fomentar uma nova visão sobre o que deveriam ser. Leandro Karnal (2010) argumenta que uma das maiores influências foi de um autor anterior ao século XVIII, John Locke (1632–1704), um dos primeiros a criticar a estrutura absolutista inglesa, e suas ideias se relacionavam diretamente à Revolução Gloriosa e ao início do Parlamenta- rismo na Inglaterra. Um dos episódios mais conhecidos foi a Festa do Chá de Boston, em 1773, quando grupos vestidos de nativos-americanos despejaram a carga de chá no mar. A Inglaterra decidiu recrudescer o regime e as punições após o ato e estabeleceu, em 1774, as Leis Intoleráveis, a partir das quais passou a substituir funcionáriospúblicos (escolhidos por colonos) por ingleses ou por apoiadores do governo régio. A elite colonial se reuniu na Filadélfia para discutir esse movimento metropolitano, o que ficou conhecido como “Primeiro Congresso Continental”, quando as 13 colônias se uniram em prol de uma ideia, de um desejo em comum. Os primeiros acordos acerca de uma possível independência foram apresentados, mas não foram assinados ali. As reivindicações ao trono inglês eram maior liberdade dentro das colônias e o fim dos impostos e da repressão por causa da fiscalização, mas não foram atendidas. Em 1776 ocorreu o Segundo Congresso Continental, e foi nele que redigiram a Declaração Unânime dos Treze Estados Unidos da América, estabelecendo a As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 7 independência a partir do dia 4 de julho daquele ano. A Inglaterra não aceitou o movimento e deu início à Guerra de Independência, que os americanos nomearam como “Revolução Americana”. Ela durou até 1783, com a derrota dos ingleses após a ajuda dos franceses e de alguns nativos, consolidada com a assinatura do Tratado de Paris, que era o conhecimento da emanci- pação. Os conceitos de liberdade e de igualdade permearam a ideologia por trás da Revolução. A própria Constituição, aprovada em 1787, estabelecia o poder tripartite definido por Montesquieu, e a política era descentralizada. Esse movimento influenciou diretamente a Revolução Francesa, de 1789, e o restante da América. Como diz Karnal (2010, p. 94–95): Para o resto da América, os Estados Unidos serviriam como exemplo. Uma inde- pendência concreta e possível passou a ser o grande modelo para as colônias ibéricas que desejavam separar-se das metrópoles. Os princípios iluministas, que também influenciavam a América ibérica, demonstraram ser aplicáveis em termos concretos. Soberania popular, resistência à tirania, fim do pacto colonial; tudo isso os Estados Unidos mostravam às outras colônias com seu feito. Revoltas nativistas Manifestações políticas e sociais brasileiras ocorreram durante todo o período colonial. A Revolta dos Beckman (1684), a Guerra dos Emboabas (1707–1709), a Guerra dos Mascates (1710–1711) e a Revolta Filipe dos Santos, ou Revolta de Vila Rica (1720), correspondem às chamadas revoltas nativistas. Apesar do nome, elas não buscavam a independência. Cada uma possui sua especifici- dade, mas a reivindicação em comum era o fim dos impostos, da corrupção e da opressão feita nos (e pelos) políticos locais. Revolta dos Beckman (1684) A região do Maranhão e do Grão-Pará teve uma colonização diferenciada em comparação às províncias do Nordeste e do Sudeste. Em 1782, foi criada a Companhia do Comércio do Maranhão, na tentativa de fortalecer a posição dos colonos na região. O monopólio comercial dos produtos explorados ali centralizaria os lucros e ajudaria no crescimento da elite local, que tinha o apoio da Metrópole. A partir disso, procuraram instalar de vez a mão de obra escravizada, que era muito lucrativa para o próprio Estado português. Por- tanto, a instalação da Companhia mudou a estrutura geral daquela sociedade. Os produtores e comerciantes locais, apesar de se beneficiarem de algumas medidas da nova instituição, perderam boa parte da autonomia. A proibição As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil8 do uso de mão de obra indígena escravizada atingiu diretamente aqueles que não podiam pagar pelos negros. Apesar disso, é preciso ter em mente que esse período foi bastante instável na colônia como um todo, pois o ciclo do açúcar estava em decadência e muitos colonos do litoral se aventuraram pelo interior na intenção de conseguirem novas terras e produtos para o comércio. Essa realidade atingiu o povo que já residia no estado do Maranhão e do Grão Pará. A Companhia de Comércio prometeu que intermediaria na questão dos negros escravizados e financiaria uma média de 500 pessoas por ano, as distribuindo entre aqueles que necessitavam de trabalhadores. Porém, o não cumprimento desse acordo foi o estopim para a Revolta dos Beckman. Tomás e Manuel Beckman eram irmãos, produtores locais e se tornaram os líderes do movimento contra a Companhia. Os amotinados tomaram a sede da instituição, destituíram os diretores e começaram um governo paralelo na cidade, a chamada Junta Geral do Governo. Esse governo provisório teve a duração de um ano, sempre com muitos conflitos entre os metropolitanos e os rebeldes. Para retomar o controle da situação, Portugal enviou reforço militar, ocasionando o aprisionamento de alguns líderes. Tomás Beckman foi, então, transferido para Lisboa e prometeu lealdade à coroa. Dessa forma, estabeleceu-se que o conflito tinha raiz nos problemas locais. Ele ficou preso em Pernambuco até sua morte, pois foi proibido de voltar ao Maranhão. Já seu irmão foi condenado à forca junto de nomes como Jorge de Sampaio e Carvalho, sentença assinada pelo governador. Guerra dos Emboabas (1707–1709) Foi um dos primeiros conflitos motivados pelo ouro encontrado nas Minas Gerais (que era parte de São Paulo e do Rio de Janeiro) e ocorreu entre os bandeirantes paulistas e os emboabas, os estrangeiros que migravam para explorarem a região. O bandeirismo começou ao mesmo tempo que o processo de colo- nização, na tentativa de explorar o território. Algumas bandeiras tinham a missão de sequestrar os indígenas para escravizá-los: foram as cha- madas “bandeiras de apresamento”. Já as “bandeiras de prospecção” tinham a função de encontrar metais preciosos. As expedições adentraram pelo território, cruzando os limites do Tratado de Tordesilhas, que se tornava obsoleto a cada momento (MONTEIRO, 1994). As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 9 Com a possibilidade de exploração da terra, Portugal aumentou o con- trole, sobretudo com a imposição de novos impostos. Em Minas Gerais, a situação ficou cada vez mais insustentável, segundo a população local. Eles passaram a enfrentar não só o arrocho econômico, mas também o aumento da fiscalização, com mais autoridades políticas sendo enviadas para atuar na região. Vale destacar que as Minas Gerais só passaram a existir no século XVIII. Até então, havia as províncias de São Paulo e do Rio de Janeiro, sendo que os paulistas queriam o controle das minas, mas se tornaram minorias pelos emboabas. Em 1707, grupos armados de “estrangeiros” proliferaram, deixando a situação ainda mais tensa. Um dos líderes dos emboabas foi Bento Coutinho, que conseguiu a hege- monia na região por mais de um ano. Cada vez mais os paulistas perdiam o controle econômico e político. Por exemplo, um dos governadores nomeados era um emboaba, Manuel Nunes Viana. Porém, a coroa decidiu intervir antes que o movimento crescesse e se tornasse mais perigoso politicamente. Em 1709, foi criada a Capitania Real das Minas Gerais, independente das jurisdi- ções paulista e carioca. O foco se voltou para o Sudeste, mesmo que a capital da colônia ainda fosse Salvador. Com essa nova unidade política e administrativa, Portugal conseguiria organizar uma arrecadação de impostos mais eficiente, bem como uma fiscalização que funcionasse. Foi nesse momento que foram instituídas Vila Rica (atual Ouro Preto), Vila de Nossa Senhora do Carmo (atual Mariana) e Vila de Nossa Senhora da Conceição do Sabará, pontos nevrálgicos para a exploração dos metais. Com a intervenção política, também foi estabelecida a guarda militarizada, que abafou os conflitos entre paulistas e os migrantes, que se tornaram residentes na nova capitania. Dessa forma, a guerra foi neutralizada, e os bandeirantes de São Paulo, sobretudo, decidiram adentrar ainda mais a Oeste, criando aldeias e vilas no que hoje são Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Enquanto, no Sudeste, novas possibilidade econômicas eram exploradas, o litoral sofria com a queda constante dos preços e da demanda pelo açúcar, atingindo todo o ciclo social e urbano. Guerra dos Mascates (1710–1711)Pernambuco foi a capitania mais rica da colônia até o século XIX, e essa im- portância era reconhecida pelos colonos locais, sobretudo pela elite política, que utilizava esse prestígio para reivindicar mais autonomia. Além disso, a região foi dominada pelos holandeses no século XVII, e, mesmo com todo o As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil10 processo de guerra e expulsão dos invasores, conseguiu se desenvolver. O comércio e a agricultura davam, à capitania, sobretudo Recife, um terreno fértil para o surgimento de organizações sociais que queriam mudanças políticas que os favorecessem. Ao lado da cidade, ficava Olinda, a “capital do açúcar”, que mais se desenvolveu com o cultivo da cana e que, no início do século XVIII, passava por uma profunda crise. Segundo Lisboa (2011, p. 25–26): A luta contra os holandeses havia criado uma série de novos impostos para sus- tentar a guerra. criou-se o “donativo do açúcar”, imposto que era cobrado sobre o comércio e a produção do açúcar, e que constituía o principal recurso nas fi- nanças da Restauração. [...] Com o fim da guerra, as novas taxações continuaram a ser cobradas, já que a Coroa não queria dispensar essa nova receita fiscal [...]. Some-se a isso os antigos impostos donatariais que, mesmo com a incorporação da capitania à Coroa, eram ainda cobrados gerando insatisfação por parte dos moradores de Olinda. Enquanto era dominante, Olinda controlava a política local, inclusive de Recife. Quanto esta prosperou por causa do comércio com outras nações, sobretudo Portugal, a elite mercantil queria autonomia. Essa burguesia nascente foi chamada de “mascates” pela tradicional cena olindense, que não aceitava a busca pela autonomia dos vizinhos. Além disso, Olinda era mais beneficiada pela administração política, pois as obras estruturais e o peso das decisões políticas eram maiores e constantes ali. Já Recife se modernizara com a invasão holandesa, pois eles estimularam o comércio com a França, a África, as colônias do Caribe, entre outras na- ções. Para tentar mudar a situação, os mascates se organizaram e pediram a municipalização, que foi atendida em 1709 com a criação da vila de Santo Antônio do Recife. Foi o início da revolta armada capitaneada por grupos de Olinda, insatisfeitos com a decisão metropolitana. Entre 1710 e 1711, vários ataques foram realizados por partidários das duas causas. Portugal, novamente, interveio, mantendo a autonomia de Recife e confis- cando bens da elite olindense que instigou a crise, mas os perdoou três anos depois. Pernambuco, durante o século XVIII, não conseguiu se recuperar, e o tratamento dado pelos portugueses ajudou a semear o sentimento antilusi- tano, que será explorado nas revoltas separatistas posteriores. Revolta Filipe dos Santos, ou Revolta de Vila Rica (1720) Como Portugal dependia cada vez mais da arrecadação de impostos para manter os custos do Estado, era fundamental otimizar a coleta dos impostos As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 11 e evitar fraudes. Em 1720, Vila Rica recebeu a primeira Casa de Fundição, local onde o ouro era fundido em barras para facilitar o transporte e o comércio do metal. Para a população local, esse era mais um entrave português, que criava mais obstáculos e diminuía a margem de lucro. Eentre as mais variadas taxas, o quinto correspondia à cobrança de 20% do ouro extraído na colônia e vigorava desde o século XVI, quando se estabeleceram as capitanias hereditárias. Apesar de explorarem a terra e minerarem desde 1590, foi no século XVIII que a cobrança do quinto se tornou uma prática mais controlada. Para evitar o contrabando, que era alto, obrigaram os mineradores a utilizar as Casas de Fundição da coroa, assim garantiriam o pagamento da taxa (BOXER, 1969). Com a maior intervenção da Metrópole, o povo decidiu se amotinar. Filipe dos Santos (1680–1720) era um português que se instalara no Brasil e que acabou por liderar a desobediência civil. Vale ressaltar que a elite local controlava o comportamento contrário aos agentes régios. O governador Conde de Assumar (1688–1756) foi nomeado em 1717 na tentativa de se impor perante os políticos da terra. Ele atuou nas negociações com os revoltosos, que reivindicavam o fim das Casas de Fundição e um maior relaxamento da carga tributária. Em contrapartida, os representantes da coroa pediam uma taxa extra, de 30 arrobas de ouro anuais, para que as casas fossem inutilizadas. Outra linha de frente era política. Rezende (2015) descreve que Assumar utilizou sua posição para manipular as eleições nas Câmaras Municipais de Vila Rica e das adjacências. A ideia era preencher os cargos públicos com simpatizantes da coroa. Houve, portanto, um enfrentamento também no âmbito político, que ajudou no estabelecimento da repressão à Revolta. O acordo não durou, e a instabilidade na região de manteve. Os líderes foram presos e Filipe dos Santos foi assassinado em praça pública, prática comum pelo governo português. Foi o fim dessa revolta, mas o início de muitas outras. Revoltas separatistas A grande diferença entre os conflitos nativistas e separatistas foi ideológica. Estes queriam a independência, o fim do subjugo do estado português ante a colônia, e o Iluminismo foi a base teórica fundamental para que os articula- dores delineassem esse processo. As revoltas mais conhecidas e trabalhados pela historiografia foram a Inconfidência Mineira (1789), a Conjuração Baiana (1798) e a Revolução Pernambucana (1817), três regiões muito importantes As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil12 para o desenvolvimento econômico e social do País. Contudo, assim como outras nações, no século XVIII, Portugal passou a ter problemas financeiros. A manutenção da máquina pública absolutista custava muito, exigindo o aumento exponencial de impostos. Nessa época, o açúcar brasileiro estava em decadência, pois enfrentava a concorrência das Antilhas, mas a descoberta de ouro e de pedras preciosas nas Minas Gerais foi vista como um bom sinal. Apesar disso, os impostos eram considerados abusivos pelos colonos, o que ajudou na organização de movimentos contestatórios. Inconfidência Mineira (1789) É considerada um dos movimentos separatistas mais importantes da história brasileira. A influência do Iluminismo francês e o exemplo da Revolução Americana foram fundamentais para a organização social e as reivindicações contra o Estado português. A Inconfidência Mineira foi utilizada pelos republicanos nos séculos XIX e XX como exemplo de revolta contra o sistema monárquico, que comandou o País desde 1500. Com dificuldades de consolidar a própria República, foram criadas narrativas a partir dos eventos passados para se estabelecer a ideia de heroísmo, por exemplo. Foi nesse momento que figuras como Tiradentes (1746–1792), Joaquim José da Silva Xavier, até então obscuras e pouco estudadas, ganharam notoriedade (CARVALHO, 2017). A Inconfidência foi, majoritariamente, formada por membros da elite mineira, que há décadas entravam em conflito com o poder régio. Membros do clero, proprietários rurais, mineiros que enriqueceram com o ouro, poetas e literatos, além de militares, concordavam que a dominação portuguesa su- focava a pauta local, mas não tinham um pensamento unânime. Por exemplo, alguns queriam, de fato, a separação, enquanto outros queriam a deposição do governador e de políticos leais à coroa. Como argumenta Maxwell (2001, p. 151): O programa da inconfidência refletia as compulsões imediatas e específicas que tinham alienado completamente os magnatas mineiros da coroa, forçando-os no rumo da revolução. Também refletia a presença entre eles de hábeis e preparados magistrados, advogados e padres obrigados à reavaliação das relações coloniais por outros motivos. E que se inspiravam no exemplo da América do Norte, nas constituições dos Estados da União Americana e na obra do abade Raynal. Das informações fragmentáriasque restaram evidencia-se um perfil sumário de seus propósitos. A capital da república deveria ser São João d‘El Rey, decisão que es- pelhava as mudanças demográficas que se verificavam na capitania. Seria criada As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 13 uma casa da moeda e a taxa de câmbio fixada em 1$500 réis por oitava de ouro. Esta medida tinha por fim acabar com a escassez crônica de moeda circulante na capitania, em parte causada pela alvará de dezembro de 1750 que fixara a taxa de 1$200 réis por oitava para Minas, enquanto a taxa vigorante por toda a parte era de 1$500 réis. Desde 1702, a coroa aumentara o controle na região de Vila Rica, sobretudo com a criação da Intendência de Minas que, basicamente, fiscalizava e recebia os impostos. Em 1720, a Casa de Fundição foi um dos estopins para a Revolta de Filipe dos Santos. Para piorar o relacionamento entre colonos, em 1751, foi anunciada mais uma taxa, a derrama, que criava um valor mínimo a ser pago pelo quinto, ou seja, atingia, principalmente, que não conseguia minerar o suficiente para lucrar mesmo pagando o imposto. Seriam cobradas 100 arrobas anuais ou 1500 quilos de ouro, sendo que o governo tinha a liberdade de confiscar bens daqueles que não honrassem o compromisso. Esse foi um dos principais motivos para essa mobilização em específico. Apesar do anúncio, seu estabelecimento não foi imediato, causando mais especulação e dando tempo de os locais se agruparem e se organizarem. Em 1755, após o terremoto de Lisboa, a coroa precisava, urgentemente, de fundos e, em 1763, instituiu a derrama. Nesse mesmo período, já ficara constatado que a quantidade de ouro no Brasil não era abundante como nas colônias espanholas. Mesmo assim, tanto Portugal quanto os políticos locais inves- tiam na exploração da terra, sendo que estes se encontravam cada vez mais endividados. Apenas em 1788 o grupo se organizou a ponto de tentar destituir o go- verno. O ideal era de liberdade, mas que não se ampliava ao nível social, com os negros ainda mantidos como escravos, por exemplo. Conforme o dia da derrama, no início de 1789, chegava, o clima em Vila Rica ficava mais violento. O governador percebia a movimentação e começava a reprimir qualquer ati- tude suspeita, assim como confiscar livros e panfletos. Além disso, algumas medidas foram instituídas. Primeiramente, anistiaram as dívidas, uma das principais prerrogativas dos inconfidentes, e cancelaram a cobrança dos impostos. Com isso, alguns dos manifestantes decidiram não continuar com o plano de tomada de poder e traíram seus companheiros, caso de Joaquim Silvério dos Reis (1756–1819). O resultado foi a prisão de mais de 30 líderes, sendo alguns exilados e outros mortos em praça pública. Apesar do esforço não ter atingido seu objetivo, o imaginário da Inconfidência serviu de exemplo para outras manifestações que tiveram espaço nessa época. As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil14 Conjuração Baiana (1798) Diferentemente das Minas Gerais, o movimento baiano ocorreu em um local que estava em plena decadência. Em 1763, a capital da colônia foi transferida para o Rio de Janeiro, concretizando a ideia de que o Nordeste deixara de ser o principal eixo econômico e político do Brasil. A manifestação surgida na Bahia foi profundamente influenciada pelos ideais iluministas, sobretudo com a queda do Antigo Regime francês, em 1789, mais um exemplo, além da Revolução Americana, de 1776, de que a situação política estava mudando. Havia, também, a consolidação do impacto da Revolução Industrial, de 1760, que obrigou os países a criarem alternativas para o Mercantilismo. O ponto específico e particular das reivindicações da Conjuração Baiana foi a escravidão. Até então, a situação dos negros sequestrados na África e transformados em escravos no Brasil havia sido pouco discutida em nível institucional. Apesar das revoltas promovidas por eles mesmos, e com o surgimento dos quilombos e dos focos de resistência, nada foi feito no âmbito político e legislativo para mudar o status dessas pessoas. O tráfico era muito lucrativo para a elite colonial, pois movimentava o comércio e a venda dos africanos escravizados, muitas vezes o principal sustento de famílias inteiras (LARA, 1986). O Iluminismo auxiliou no questionamento da moral escravista e a indus- trialização trazia um elemento prático: a necessidade de mercado consumidor. Os abolicionistas começaram a se manifestar e embasar suas ideias a partir desses elementos. Além disso, outro exemplo revolucionário surgiu nesse contexto. A Revolução Haitiana (1791–1804) provocou a independência da ilha, que foi tomada pelos negros até então subjugados. Inspiração para aqueles que questionavam o sistema colonial, esse evento causou temor nas metrópoles europeias e nas elites coloniais que exploravam os trabalhadores africanos à exaustão. A primeira medida portuguesa foi, dessa forma, censurar a circulação de obras iluministas e das que aludissem aos acontecimentos nos Estados Unidos, na França e no Haiti. Contudo, o contrabando se tornou prática comum, mostrando que a proibição cultural nunca deu certo em nenhum contexto. A rebelião baiana, ocorrida em Salvador, foi organizada por alguns mem- bros da elite, mas tinha um caráter notadamente popular, diferentemente da Inconfidência. Negros alforriados, abolicionistas, comerciantes e pequenos As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 15 proprietários foram os principais articuladores do movimento, que buscava o fim do sistema colonial e, consequentemente, da escravidão. Os líderes mais conhecidos foram João de Deus Nascimento (1771–1799), Manuel Faustino dos Santos (1775–1799) e Luiz Gonzaga das Virgens (1761-1799), e eles constru- íram alianças com membros da maçonaria e políticos como Cipriano Barata (1762–1838). As reuniões aconteciam na Academia Brasílica dos Acadêmicos Renascidos, que foi criada em 1759. Porém, uma similaridade com outras revoltas separatistas era a pluralidade de ideais, já que alguns proprietários de terras, por exemplo, não queriam o fim da escravidão. Em 1792, os conjurados começaram a expressar suas insatisfações e a divulgar, pela cidade, o movimento, que inclusive debatia a manutenção do sistema monárquico. Eles espalhavam folhetos pelas ruas, em uma alusão aos revolucionários franceses que arrebatavam apoiadores com a panfleta- gem. Conforme o clima se acirrava, as divergências internas aumentavam, causando o rompimento entre a aula popular e a elite. Dessa forma, em 1798, os principais líderes do povo foram presos e alguns foram enforcados publicamente para servirem de exemplos. Revolução Pernambucana (1817) Outra revolta que ocorreu em Pernambuco foi o movimento revolucionário do século XIX, um dos mais importantes e impactantes para o processo de independência de 1822. Esse movimento ocorreu porque o governo colonial percebeu a fragmentação política, e a atuação da elite pernambucana causou medo na Coroa. Os oitocentos começaram com a vinda da Família Real e da Corte em 1808, fugindo da expansão napoleônica. A Abertura dos portos às nações amigas e a assinatura do Tratado de aliança e amizade, em 1810, expandiram as opções comerciais da colônia, aumentando os lucros de parte da elite mercantil. Contudo, o Sudeste experienciou essa mudança de forma mais latente do que o Nordeste, ainda que Pernambuco se mantivesse como a capitania mais lucrativa mesmo com a crise do açúcar. Ou seja, o desprestígio era mais político do que econômico, acirrando o sentimento antinacional. Assim como na Bahia, havia diversidade entre os participantes do movi- mento pernambucano; porém, eles possuíam um elemento identitário muito forte: a busca pela emancipação da província, isto é, não queriam o fim do sistema colonial no País todo, mas se tornar uma nação. A região questio- nava a dominação portuguesa desde a expulsão dos holandeses no século XVII, quando Recife setornou a cidade mercantil mais importante do Brasil. Portanto, o movimento foi mais coeso do que os anteriores observados aqui. As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil16 Havia alguns grupos hegemônicos, mas vários membros da hierarquia social faziam parte do movimento, sendo que os principais líderes foram o religioso Frei Caneca (1779–1825), o juiz Antônio Carlos Ribeiro de Andrada Machado e Silva (1773–1845), Domingos Teotônio Jorge (?–1817), entre outros. Inclusive, o clero passou a discutir os ideais de liberdade e igualdade do Iluminismo, demonstrando a influência do pensamento. A grande diferença em relação à Inconfidência e à Conjuração Baiana foi a efetividade do movimento. Ele saiu da teoria e se expandiu para outros estados. Paraíba, Rio Grande do Norte e Alagoas aderiram à causa independentista, causando o receio da Coroa, já que o sentimento antilusitano crescia. Em 6 de março de 1817, os revolucionários mataram o comandante por- tuguês Manoel Joaquim Barbosa de Castro, que foi designado pelo governo régio local para prender os líderes da Revolução. A revolta se generalizou e o governo foi deposto, dando início ao Governo Provisório e às Leis Or- gânicas, o sistema administrativo-legislativo criado pelos revolucionários. As principais medidas eram o republicanismo, com a divisão dos poderes à la Montesquieu, a liberdade de imprensa e religiosa e a igualdade, menos relacionada à escravidão. A capital não aceitou a contestação, e o governo revolucionário durou cerca de 70 dias. A repressão foi muito violenta, e o poder central foi res- taurado em 19 de maio de 1817. Alguns dos presos políticos foram mortos e esquartejados, mas o impacto do movimento foi inegável. As províncias questionavam o domínio português a ponto de a Família Real considerar proclamar a independência para não perder o controle do Brasil. A história brasileira é permeada por momentos de instabilidade política e social que foram fundamentais para a nossa formação como sociedade. Do século XVI até o século XIX, o País viveu revoltas cujo objetivo era o rearranjo da estrutura colonial local e outras que queriam a emancipação ou da colô- nia ou do Império. Além disso, na base do sistema estava a escravidão, que transformou profundamente a noção de hierarquia social, além da cultura. Vale destacar que, apesar das diferentes naturezas de cada uma das revoltas, o tratamento foi o mesmo: violenta repressão do governo vigente. Esse detalhe corrobora a ideia que se tornou frequente nos estudos sobre o Brasil, que é classificá-lo como um país belicoso. Na década de 1930, Sérgio Buarque de Holanda escreveu o clássico Raízes do Brasil, no qual desen- volveu o conceito de “homem cordial”, tendo como base a história colonial brasileira. A “cordialidade” é um disfarce para as dificuldades sociais vividas pelo brasileiro, que não consegue, por consequência, estabelecer um plano político democrático, por confundir o limiar entre público e privado. Apesar As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 17 disso, ainda se manteve, no senso comum, a ideia de que o Brasil é um país pacífico, o que pode ser contestado pela regularidade dos conflitos discutidos neste capítulo. Referências ANDERSON, P. Linhagens do estado absolutista. São Paulo: Brasiliense, 2004. BOXER, C. R. A idade de ouro do Brasil. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1969. CARVALHO, J. M. de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. FLORENZANO, M. As revoluções burguesas. São Paulo: Brasiliense, 1981. FURET, F. Pensando a revolução francesa. São Paulo: Paz e Terra, 1989. HEALE, M.J. A revolução norte-americana. São Paulo: Ática, 1991. KARNAL, L. (org.). História dos Estados Unidos. São Paulo: Contexto, 2010. LARA, S. H. Campos da violência: escravos e senhores da capitania do Rio de Janeiro (1750–1808). São Paulo: Paz e Terra, 1988. LISBOA, B. A. V. Uma elite em crise: a açucarocracia de Pernambuco e a Câmara Municipal de Olinda nas primeiras décadas do século XVIII. 2011. 229 f. Dissertação (Mestrado) — Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2011. MAXWELL, K. A devassa da devassa: inconfidência Mineira — Brasil e Portugal (1750– 1808). São Paulo: Paz e Terra, 2001. MONTEIRO, J. M. Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. REZENDE, L. A. O. A Câmara Municipal de Vila Rica e a consolidação das elites locais, 1711–1736. 2015. 390 f. Dissertação (Mestrado) — Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015. Leituras recomendadas CASSIRER, E. A filosofia do iluminismo. Campinas: Editora da Unicamp, 1992. (Coleção Repertórios). FAUSTO, B. História do Brasil. 10. ed. São Paulo: EDUSP, 2002. (Didática, 1). 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As primeiras manifestações sociais e políticas no Brasil 19 FORMAÇÃO SOCIAL, ECONÔMICA E POLÍTICA DO BRASIL OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Identificar os elementos históricos que ocasionaram a vinda da Família Real portuguesa para o Brasil Colônia. > Analisar a influência da Família Real na dinâmica política, econômica e social do Brasil. > Relacionar o processo histórico da Independência e suas consequências para a formação social e política do Brasil. Introdução Neste capítulo, você vai estudar sobre a política brasileira nos oitocentos, com destaque para o contexto português, que fez com que D. João VI (1767–1826) deci- disse fugir com a Coroa e a Corte para a sua maior colônia, além das consequências desse movimento na América e como ocorreu a Independência em 1822. Ainda no âmbito político, serão abordados os períodos imperiais: o Primeiro Reinado (1822–1831), com D. Pedro I (1798–1834), a Constituição de 1824 e suas consequências no País; e o Segundo Reinado (1840–1889), de D. Pedro II (1825-1891), mais longo e fundamental na transição para a República. Além disso, você vai acompanhar a esfera econômica, desde o ciclo do açúcar até a criação das primeiras instituições, A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência Ana Carolina Machado de Souza como o Banco do Brasil (1808), e a transição para o ciclo do café, que dominou as exportações brasileiras até a década de 1930. Fuga da Família Real O século XIX foi de grandes transformações para o Brasil, que passou de uma colônia para a Independência, viveu dois impérios, uma regência e a Proclamação da República, além da abolição da escravidão, base do sistema colonial até então. Com a chegada da Família Real (Figura 1), em 1808, portanto, a configuração do País mudou. Figura 1. Embarque da Família Real para o Brasil. s/d. Atribuído a Nicolas-Luis-Albert Delerive. Museu Nacional dos Coches. Fonte: Delerive (2019, documento on-line). Contexto europeu No início do século XIX, a Europa vivia o período de expansão francesa sob o comando de Napoleão Bonaparte(1769–1821). Desde 1792, devido aos pro- blemas internos na França pós-Revolução, até 1815, quando o Congresso de Viena foi reunido, o continente estava em guerra. A França simbolizava o fim do antigo regime, o que atemorizou as monarquias, ao mesmo tempo em que inspirava as burguesias, que queriam maior liberdade econômica. A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência2 Até a era mais violenta do governo revolucionário foi vista com bons olhos por parte da população europeia. Porém, como argumenta Hobsbawm (2015), a ambição da burguesia francesa que estava no poder na metade da década de 1790 ajudou a contestar as nações vizinhas, aumentando a tensão e a hostilidade entre elas. Em julho de 1794, Robespierre (1758–1794), líder da Convenção Nacional Jacobina, sofreu um golpe de Estado. Foi o início do governo promovido pela elite da época, decretando a volta dos girondinos ao poder. Jacobinos e girondinos eram membros do Terceiro Estado francês durante o Absolutismo. Apesar de possuírem diferenças ideológi- cas, ambos queriam o fim do regime. Após a Revolução de 1789, começaram as disputas internas entre os jacobinos — formados pela baixa burguesia e camadas populares — e os girondinos — que representavam banqueiros, a alta classe média, a nova elite que emergira com o fim da nobreza. Para saber mais confira o livro 1789: o surgimento da Revolução Francesa, de Georges Lefebvre. O novo governo, conhecido como termidoriano, tratou de revogar as me- didas estabelecidas por líderes anteriores, inclusive promovendo uma nova Constituição em 1795. A intenção era criar uma política que marginalizasse revolucionários mais exaltados e os realistas, aqueles que ainda eram leais à antiga Coroa. Ademais, eles financiaram os conflitos externos com o objetivo de reconhecimento e legitimação do novo status francês. Foi nesse contexto que Napoleão Bonaparte ganhou notoriedade. Suas habilidades militares renderam a vitória em várias campanhas, por exemplo. O regime termidoriano perdeu a popularidade rapidamente. Os fracassos militares se tornaram frequentes, e os custos eram altos. Tanto o povo quanto a burguesia queriam a restauração de medidas criadas após a Revolução. A crise se instaurara na França, e o nome de Napoleão começou a circular como possível líder político, já que gozava de popularidade entre as diversas classes. No dia 10 de novembro de 1799 ocorreu o Golpe do 18 Brumário, quando Napoleão, apoiado pelas massas e políticas, voltou à França da sua missão no Egito e dissolveu o governo. Foi instaurado o consulado, que durou até 1804, período em que ele se tornou cônsul, cargo que expiraria em 10 anos. Em 1802, porém, autoproclamou-se cônsul vitalício. O discurso napoleônico se apoiava no nacionalismo, no fortalecimento das políticas externas e na estabilidade interna, sobretudo econômica. A partir de 1804, Napoleão se declarou imperador, centralizando o poder na sua figura, e passou a expandir os domínios territoriais franceses aos A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 3 poucos, criando espaços como a Configuração do Reno, na região da Alema- nha, e se apossando de territórios na Península Itálica. A Inglaterra, desde o início, manteve-se em oposição à França, criando alianças para combatê-la, inclusive vencendo batalhas, como a de Trafalgar, em 21 de outubro de 1805. Portugal, por sua vez, também estava nesse fogo cruzado. Contexto português O Iluminismo e a contestação ao Absolutismo atingiram a Península Ibérica e as colônias desses países. Desde o século XVIII, Portugal sofria com proble- mas econômicos. Em 1703, por exemplo, assinou o Tratado de Menthuen (ou Tratado de Pães e Vinhos) com a Inglaterra, que era mais vantajoso para ela e deixava os portugueses ainda mais dependentes dessa relação. Por isso, foram afetados diretamente pelo bloqueio continental imposto por Napoleão contra a Inglaterra, em 1806. Com ele, o continente europeu não poderia abrir seus portos ou fazer transações econômicas com os ingleses. Além disso, o imperador desejava expandir seus domínios até Portugal e a Espanha, acelerando a decisão do então príncipe regente, D. João, de transferir a Corte para o Brasil. Segundo Boris Fausto (2002), cerca de 15 mil pessoas migraram para a Colônia fugidos de Napoleão, tendo a Marinha inglesa como escolta. A partir desse momento, a situação política do Brasil mudou, pelo menos em âmbito institucional. D. João VI não era o primogênito do rei D. Pedro III (1717–1786), que também assumiu o trono após a morte do irmão e rei D. José I (1714– 1777). Seu reinado foi conduzido pela esposa, D. Maria I (1734–1816). Quando o irmão de D. João, D. José (1761–1788), morreu prematuramente aos 27 anos, quem administrou o Império Português foi sua mãe, como ela já fazia desde 1777. Porém, a corte portuguesa não a via como capaz e estável mentalmente para continuar, abrindo espaço para a elevação de D. João a rei. Confira mais no livro A Corte no Exílio: civilização e poder no Brasil às vésperas da Independência (1808–1821), de Jurandir Malerba. O deslocamento para o Brasil também teve um fundo estratégico. Havia o temor de que a França se apoderasse das possessões coloniais portuguesas. Para assegurarem a sua principal fonte de riquezas, atravessar o Atlântico foi a solução encontrada. Em 28 de janeiro de 1808, eles aportaram na Bahia, e D. João VI decretou a abertura dos portos do Brasil para às nações amigas. A A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência4 partir desse momento, o pacto colonial, como visto até então, foi desfeito. Segundo Fernando Novais (2011, p. 298): […] a vinda da Corte para o Brasil, marca a primeira ruptura definitiva do Antigo Sistema. A abertura dos portos do Brasil, imposta pelas circunstâncias e decre- tada como provisória, seria na realidade irreversível. E assim configurava a nova “inversão do pacto”, fenômeno característico da crise do sistema colonial. […] Aqui, […] é a colônia que se transforma em sede do governo. Daí a forma peculiar que assumiria, de um lado, nosso processo de independência política, de outro, o advento do liberalismo em Portugal. O decreto ajudou a elite local, assim como comerciantes e produtores, que poderiam negociar com outros países. Isso afetou outras regiões além da capital, mas foi o Rio de Janeiro que sentiu maior impacto dessa medida. A Inglaterra também se beneficiou, tendo contato direto com os produtos brasileiros, o que causou protestos por parte dos brasileiros. Para apaziguar a situação, foi outorgado o chamado comércio de cabotagem, a partir do qual os produtos ingleses foram taxados em 24%, enquanto os portugueses ficavam em 16%. Lembre-se de que não existiam manufaturas na colônia, então a importação era fundamental. Os latifundiários, por sua vez, lucraram com as negociações diretas, tanto do açúcar — que mesmo em queda ainda era a base da economia — quanto de insumos necessários para as indústrias crescentes na Europa, como o algodão para as fábricas têxteis. Em 1810, os impostos mudaram. Foram assinados o Tratado de Aliança e Amizade e o Tratado de Comércio e Navegação, que estabeleciam novas cotações. Os produtos ingleses teriam 15% de impostos, os portugueses mantinham os 16%, mas os outros países eram taxados em 24%. Além disso, em 1815, D. João VI decretou que o Brasil seria a capital do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, determinando sua permanência mesmo com o fim da expansão napoleônica e com o exílio do imperador na Ilha Elba. Ainda em 1815, foi finalizado o Congresso de Viena, que restabeleceu as fronteiras europeias para como eram antes da Revolução, dando espaço para a volta da Corte para Portugal, o que, no entanto, não ocorreu. As mudanças atingiram vários setores do País. A acomodação da Corte exigiu obras de infraestrutura no Rio de Janeiro, foram revogadas as restri- ções para as manufaturas e instaurados os primeiros centrosde pesquisa e instituições científicas. Fundaram a Imprensa Régia, o Hospital do Exército, a Junta do Comércio, entre outras repartições que deram início ao aparato administrativo que seria útil para a Independência. A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 5 Um ponto importante foi o choque de culturas vivido com a chegada dos portugueses. O Rio de Janeiro no século XVIII era uma cidade precária e, apesar de ser alçada à capital da colônia em 1763, a sua geografia ainda era um entrave para o desenvolvimento urbano, sobretudo por não ter investi- mento. Nireu Cavalcanti (2004) destacou o solo pantanoso e pouco salubre, ambiente de muitos insetos que, com o aumento populacional, tornaram-se ainda mais presentes. O dinheiro do Brasil serviu para reconstruir Lisboa pós-terremoto de 1755 e para modernizar a metrópole, mas não foi aplicado aqui. As principais casas e palacetes pertenciam a particulares, haja vista que os prédios públicos não recebiam muita atenção. As obras estruturais não foram as únicas medidas. Foi instaurada a Intendência Geral da Polícia de Corte e do Estado do Brasil, órgão que tinha como objetivo comandar o canteiro de obras que se tornou a capital e coordenar esses esforços para que fossem os mais eficientes possíveis. Em relação à economia, a chegada da Corte auxiliou na estruturação e na organização dos impostos e da fiscalização. Medidas de isenção foram criadas para estimular o progresso da cidade. Novas sedes de transporte e a possibilidade de redes de saneamento se tornaram prioridades. Já em 1812, devido às necessidades financeiras, foi criado o Banco do Brasil, a primeira instituição bancária da Colônia, que instituiu um imposto sobre o comércio local e de grandes cidades. O Estado português estabelecia seu aparato administrativo e político, mas o primeiro interesse era angariar recursos. Quando D. João VI retornou ao seu país devido à crise política deflagrada pela Revolução Liberal do Porto, de 1820, ele sacou as economias presentes no banco, criando dívidas que não foram sanadas. O descontentamento com a Família Real era crescente, sobretudo após a coroação de D. João VI em 1816, com a morte de sua mãe, D. Maria I. Os portugueses questionavam a política absolutista, ao mesmo tempo em que queriam a volta do rei. Os ideais iluministas e o exemplo revolucionário inglês influenciaram os portugueses. O movimento político era seguido pela reação dos militares, que incitaram a revolução portuguesa e suas repercussões por aqui. A situação ficou insustentável. Em 1820, foi criada a junta provisória, que expulsou as autoridades inglesas de Portugal, dando início às revoltas em Porto. As Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação foram convocadas. No total de 200 representantes, o Brasil tinha direito a 70, enviando apenas 49. O debate foi intenso. Os brasileiros não queriam a volta do antigo pacto colonial, uma das reivindicações dos portugueses além da volta de D. João VI. Os representantes daqui propuseram, inclusive, uma monarquia dual, com as duas nações governando, mas a ideia foi rejeitada. O impasse era político e A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência6 econômico, já que os lusos que estavam no Brasil preferiram a manutenção do livre comércio, por exemplo. Essa situação levou à crescente possibilidade de se estabelecer um rompimento definitivo. Foi quando D. João VI e mais de quatro mil membros da Corte retornaram a Portugal, em abril de 1821. Porém, apesar de retardarem o movimento constitucionalista, a Independência se tornou iminente no Brasil. Independência Em março de 1821, D. Pedro foi nomeado príncipe regente do Brasil. As Cortes ainda debatiam em Portugal, e as medidas forçadas pelos representantes europeus eram prejudiciais à autonomia que a Colônia conseguira desde 1808. É importante entender que os portugueses, fossem leais à Coroa ou não, enxergavam o Brasil com escárnio. A elite política daqui não era vista como par, portanto, as Cortes decidiram que D. Pedro deveria retornar a Portugal para redefinirem os limites do Mercantilismo, finalizando a representação dos políticos brasileiros. Em outubro de 1821, foi determinada a volta do príncipe regente, que a negou. Postergando ao máximo a decisão, em 9 de janeiro de 1822, D. Pedro recusou formalmente a ordem de regresso, conhecida como Dia do Fico. Havia, por trás dessa decisão, uma intrincada articulação política para que se mantivesse a relação com Portugal, ou seja, os laços coloniais permaneceriam, mas com a autonomia conquistada com os tratados de 1810. Um dos líderes desse movimento era José Bonifácio de Andrada e Silva (1763–1838), que foi ministro do reino no Brasil. Uma das características do processo de emancipação política do Brasil é que foi conduzido pelas elites. De acordo com Emília Viotti da Costa (1999, p. 9): As elites brasileiras que tomaram o poder em 1822 compunham-se de fazendeiros, comerciantes e membros de sua clientela, ligados à economia de importação e exportação e interessados na manutenção das estruturas tradicionais de pro- dução cujas bases eram o sistema de trabalho escravo e a grande propriedade. Após a Independência, reafirmaram a tradição agrária da economia brasileira; opuseram-se às débeis tentativas de alguns grupos interessados em promover o desenvolvimento da indústria nacional e resistiram às pressões inglesas visando abolir o tráfico de escravos. Formados na ideologia da Ilustração, expurgaram o pensamento liberal das suas feições mais radicais, talhando para uso próprio uma ideologia essencialmente conservadora e antidemocrática. A presença do herdeiro da Casa de Bragança no Brasil ofereceu-lhes a oportunidade de alcançar a Independência sem recorrer à mobilização das massas. Organizaram um sistema político fortemente centralizado que colocava os municípios na dependência dos governos provinciais e as províncias na dependência do governo central. A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 7 Portanto, quem apoiou e realizou a Independência foi a elite, diferente- mente de outros países da América, que tinham seus movimentos revolucio- nários embasados em reinvindicações populares. Após o Dia do Fico, várias medidas foram tomadas para consolidar o rompimento com a metrópole. Os militares portugueses deixaram o Brasil por não apoiarem D. Pedro. O “partido brasileiro”, ou seja, essa elite que representava a política daqui, defendia uma monarquia constitucional, com poucas mudanças nos quadros político e econômico, mas a Independência era um caminho sem volta. Em 3 de junho de 1822, D. Pedro convocou a Assembleia Constituinte, concretizando ainda mais a separação com Portugal, que não aceitou os decretos e decisões prontamente. Com a Carta de Leis, eles conseguiriam determinar como o País seria administrado, inclusive se iriam manter a aliança com Portugal, algo defendido por parte dos políticos. Porém, o tratamento por parte dos portugueses foi de hostilidade e desdém, o que causou mais fraturas na relação entre os dois poderes. Cada vez mais representantes portugueses retornavam ao país natal. Entre julho e agosto de 1822, diversas ordens e despachos reais, coordena- dos pelas Cortes, chegaram ao Brasil pressionando pela volta imediata de D. Pedro. Este estava em São Paulo, e tanto José Bonifácio quanto D. Leopoldina (1797–1826) decidiram avisá-lo rapidamente. No dia 7 de setembro de 1822, foi declarada a Independência, episódio que ficou conhecido como o Grito do Ipiranga. Em 1º de dezembro do mesmo ano, ocorreu a coroação do, agora, D. Pedro I. A partir desse momento, o desafio era consolidar o novo status do País. As revoltas separatistas do final do século XVIII e início do século XIX queriam não só a Independência do Brasil, mas também a própria, vide Revolução Pernambucana de 1817. A província era a mais lucrativa da colônia desde o século XVII e se manteve assim durante os oitocentos.Contudo, as mudanças políticas deixaram a elite pernambucana à revelia das decisões da capital. Esse foi o único movimento que conseguiu algum feito prático, com a destituição do governo português. A repressão violenta incitou o sentimento antilusitano que, posteriormente, foi transferido para a política federal. Isso ocorreu também no Grão-Pará e no Sul, locais que não aceitavam a Independência nos moldes como foi conduzida. Saiba mais no livro A outra independência: o federalismo pernambucano de 1817 a 1824, de Evaldo Cabral de Mello. Desse momento em diante, o Brasil de D. Pedro I tinha que consolidar a Independência tanto interna quanto externamente. As tropas portuguesas atacaram portos no Pará, Bahia, Maranhão e na Cisplatina, então parte do território brasileiro. A guerra da Independência ocorreu até 1823, quando A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência8 a Marinha capitaneada pelo inglês Thomas Cochrane (1775–1860) derrotou definitivamente os portugueses, que se retiraram daqui. A Inglaterra, inclu- sive, foi o primeiro país a reconhecer a Independência e, aos poucos, outros também sinalizaram de maneira positiva o status do País, como os Estados Unidos, em 1824. Finalmente, em 29 de agosto de 1825, foi assinado o Tratado de Amizade e Aliança entre Brasil e Portugal, que foi indenizado em dois milhões de libras pela “perda da colônia”. Primeiro Reinado (1822–1831) O reinado de D. Pedro I (Figura 2) foi marcado por dois eventos: a promulga- ção da primeira Constituição Brasileira, em 1824, e a abdicação em 1831, que deixou o País em uma grave crise política. Como dito, o principal problema era a legitimação do novo governo, que lutou boa parte do Primeiro Reinado para que fosse consolidado. O fato de a Independência ter sido articulada, majoritariamente, pela elite do Sudeste, causou desconfiança das elites de outras regiões, que se viam marginalizadas desde a chegada da Família Real, em 1808. Apesar de todas as diferenças, para a população pouco mudou. A hierarquia social se manteve, assim como o domínio dos latifundiários e da agroexportação. O açúcar ainda era o principal produto da economia brasileira e o café ganhava espaço, ainda de forma tímida. Figura 2. Coroação de D. Pedro I. Jean-Baptiste Debret. 1828. Acervo Artístico do Ministério das Relações Exteriores - Palácio Itamaraty. Fonte: Debret (2010, documento on-line). A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 9 Constituição de 1824 Em 1823, foi convocada a Assembleia Constituinte, que teve início no dia 3 de maio, com 90 representantes das 14 províncias do Brasil. Em seu discurso de abertura, o imperador apresentou toda a história da Independência, defendeu a grandiosidade do Brasil e apontou como os ideais liberais conduziriam o debate. O movimento iluminista influenciou a geração das primeiras décadas do século XIX, sobretudo aqueles que cursaram universidades europeias, que foi o caso de José Bonifácio em Coimbra. Os representantes argumentavam a favor da manutenção da organização social. Contudo, no mesmo discurso, D. Pedro I já demonstrava como gover- naria o Brasil. Veja o trecho a seguir: Todas as Constituições, que à maneira das de 1791 , e 1792 têm estabelecido suas bases, e se tem querido organizar, a experiência nos tem mostrado, que são to- talmente teoréticas e metafísicas, e por isso inexequíveis, assim o prova a França, Espanha, e ultimamente Portugal. […] Eu certo, que a firmeza dos verdadeiros princípios Constitucionais, que têm sido sancionados; pela experiência, caracte- riza cada um dos Deputados, que compõe esta Ilustre Assembleia, Espero, que a Constituição, que façais, mereça a Minha Imperial Aceitação, seja tão sábia, e tão justa, quanto apropriada à localidade, e civilização do Povo Brasileiro; igualmente, que haja de ser louvada por todas as Nações; que até os nossos inimigos venham a imitar a santidade, e sabedoria de seus princípios, e que por fim a executem (DISCURSO..., 1823, documento on-line). Ele destaca que deve aprovar o texto constitucional, ou seja, a sua palavra era a final. De forma geral, os políticos presentes na Assembleia estavam divididos em dois grupos: os conservadores, liderados por José Bonifácio, e os liberais. O grupo conservador era composto por latifundiários e antigos membros e herdeiros da aristocracia colonial, que estavam alinhados às propostas do governo, isto é, centralização política, eleições indiretas e voto censitário. Já o grupo liberal queria descentralizar o poder, dando maior destaque ao Parlamento e aos políticos regionais. Era composto pela nova elite comercial, aquela burguesia que surgira desde o início do século XIX, assim como parte dos políticos regionais, que queriam maior autonomia. Ademais, eram a favor das eleições diretas (FAUSTO, 2002). Vale ressaltar que não havia grandes opiniões radicais dentre esses grupos, pois aqueles que lutaram contra o domínio português não participaram do processo. Após quase um ano de debates, a Constituição foi outorgada no dia 25 de março de 1824, tornando-se a primeira do Brasil. Nela, definiram como o País deveria ser regido após a Independência. Porém, o texto aprovado teve que ser aceito pelo Partido Português, que, apesar de ser minoria, fazia parte A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência10 da Assembleia Constitucional. Eles pressionaram pela centralização política e maior poder para o imperador. Os debates ficaram cada vez mais tensos conforme a definição do voto censitário se materializava e deixava boa parte dos pequenos comerciantes e proprietários de fora da participação política. Além disso, grupos abolicionistas defendiam a possibilidade de o fim da escravidão vir por meio da Constituição, o que foi rejeitado sumariamente. Esse clima de disputa atingiu as ruas do Rio de Janeiro, causando protestos de cunho xenofóbico. Em 11 de novembro de 1823, ocorreu a Noite da Agonia, quando os políticos brasileiros decidiram permanecer na Assembleia mesmo com a ordem de terminarem as discussões. D. Pedro I não se abalou com a mobilização pública e fechou a Assembleia no dia seguinte, após enviar o Exército para prender os principais líderes da manifestação, inclusive José Bonifácio. Desse momento em diante, ele relacionou os redatores que fina- lizaram a Constituição. O documento definia que o sistema político brasileiro seria monárquico, hereditário — sob a égide da Família Bragança — e constitucional, além de possuir quatro poderes: Legislativo, Executivo, Judiciário e Moderador. Este era o que caracterizava melhor a posição de D. Pedro, pois lhe dava controle total do governo brasileiro. No art. 98 da Constituição de 1824 está escrito: O Poder Moderador é a chave de toda a organisação Politica, e é delegado privativa- mente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independencia, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos (BRASIL, 1824, documento on-line). Ele possuía, portanto, poder de veto e se tornava, no fim, o próprio Es- tado. Muitos historiadores argumentam que foi a maneira legal, por meio do sistema constitucional, de manter uma influência análoga à absolutista. Isso piorou a imagem do governo federal perante as sociedades nas províncias. A contestação deixou o plano teórico e se transformou em conflitos reais. Foi o caso da Confederação do Equador (1824) e da Guerra Cisplatina (1825–1827). Conflitos provinciais Pernambuco era uma província que buscava autonomia desde o fim do Brasil Holandês (1630–1654). Após a Revolução de 1817, muitos políticos passaram a questionar abertamente o governo, como foi o caso de Cipriano Barata (1762–1838), que participou, também, da Conjuração Baiana de 1798, e do Frei Caneca (1779–1825). Para apaziguar o movimento das ruas, constantemente incitados pelos políticos locais, foi nomeado como governador da provínciaA Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 11 o monarquista Francisco Pais Barreto (1779–1848). Mesmo assim, os rebeldes tomaram o poder e proclamaram a Independência em 2 de junho de 1824, com o apoio de outros estados, formando a Confederação do Equador. A nova instituição reivindicava não só a emancipação, mas também o fim do tráfico de pessoas escravizadas, majoritariamente negras. Contudo, como de costume, a reação do governo federal foi violenta. Os militares, lidera- dos pelo inglês Cochrane, sufocaram o movimento em novembro de 1824 e prenderam seus nomes mais conhecidos, como Frei Caneca, que foi fuzilado. A Guerra Cisplatina abarcou não só os problemas internos, mas também questões diplomáticas com a Argentina. A região da Cisplatina era alvo de disputas desde o período colonial, sendo que a autoridade portuguesa só foi reconhecida em 1808, sob decreto do próprio D. João VI. Porém, a adesão ao regime monárquico, mesmo com a Independência, era contestada no local. A região da Cisplatina foi chamada de Colônia de Sacramento pelos portugueses em 1680. Apesar da ocupação territorial, a posse não era garantida legalmente, já que ultrapassava o Tratado de Tordesilhas. As disputas entre os povos ibéricos pelo controle da foz do Rio da Prata se mantiveram até que, em 1777, tornou-se parte do domínio espanhol. A cultura desenvolvida ali, assim como a língua, remetia mais à Espanha do que a Portugal, fazendo com que o decreto de 1808 fosse contestado pelo povo local. Esse sentimento antilusitano cresceu com as guerras de independência travadas pelas antigas colônias espanholas. Confira mais no artigo “O Brasil e a distante América do Sul”, de Maria Lígia Coelho Prado, publicado em Revista de História. Os cisplatinos se organizaram contra o domínio do novo Estado brasileiro, e seu líder era Juan Antonio Lavalleja y de la Torre (1784–1853). A reivindicação era a Independência e, para isso, se uniram às Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina. O Brasil declarou guerra no dia 10 de dezembro de 1825, mas enfrentou diversos problemas. O Exército e a Marinha estavam esvaziados, já que boa parte do contingente era português e retornou ao seu país com a Independência. Além disso, D. João VI retirara fundos do Estado ao fugir para Portugal em 1821, causando uma grave crise econômica. Sem recursos humanos, materiais e a lealdade da população local, a Cisplatina ficou independente em 1828. A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência12 Abdicação (1831) e Período Regencial (1831–1839) A popularidade de D. Pedro I não era alta, e grupos opositores ao seu domínio centralizado ganhavam voz. A receita nacional estava em níveis críticos, e os gastos com as guerras pioraram ainda mais esse aspecto. Na tentativa de solucionar o problema, o Ministério das Finanças decidiu imprimir mais papel moeda, aumentando a inflação e obrigando o fechamento temporário do Banco do Brasil, em 1829. Os políticos, insatisfeitos com o pouco poder que possuíam, apoiavam a revolta popular que crescia. Protestos estouraram por diversas capitais, causando distúrbios na sociedade. Um dos episódios mais conhecidos foi a Noite das Garrafadas, que acon- teceu em 13 de março de 1831. Em 21 de novembro de 1830, o jornalista ítalo- -brasileiro Líbero Bardaró (1798–1830) foi assassinado em São Paulo por grupos pró-governo, o que incitou a manifestação dos opositores. A resposta oficial foi enviar o Exército às ruas, causando mais instabilidade, a ponto de o Imperador ter que cancelar suas viagens para as províncias. No Rio de Janeiro, os pés-de-chumbo, partidários do governo, e os pés-de-cabra, oposição, se enfrentavam a céu aberto, causando um massacre (SOUZA, 1999). Com a morte de D. João VI, em 10 de março de 1826, a crise política se instaurara em Portugal. Não havia especificações sobre quem deveria as- sumir o trono. Seu irmão, D. Miguel (1801–1866), tornou-se o rei após várias controvérsias. Em 1823, ele era o chefe do Exército português e orquestrou um golpe no Parlamento, conhecido como abrilada, restituindo o poder absoluto de D. João VI. Dessa forma, era mal visto pelos políticos do seu país, que exigiram em 1824 seu exílio, quando conseguiram restabelecer a monarquia constitucional. Vivendo em Viena, na Áustria, soube da morte do seu pai e conspirou para ser coroado. D. Pedro I, o herdeiro por direito, abdicou em nome de sua filha D. Maria da Glória (1819–1834). D. Miguel decidiu, então, casar-se com a sobrinha, que era menor de idade, para se tornar seu regente. Até 1828, a regência foi comandada pela tia, a infanta D. Isabel (1801–1876), mas o então noivo da herdeira deu um novo golpe no Parlamento e a afastou do cargo, sendo coroado pela ala fiel ao ideal absolutista. Nesse momento, ao perceber o profundo problema na Corte portuguesa, D. Pedro I decidiu abdicar do trono brasileiro e lutar contra seu irmão. Em 7 de abril de 1831, Pedro de Alcântara, primogênito do imperador, tornou-se o príncipe infante, dando início ao Período Regencial. Já Portugal viveu uma guerra civil até 1834 (PANDOLFI, 2012). A Regência é conhecida por ser um período de muita instabilidade, mas também de mudanças importantes na Constituição de 1824. Enquanto os A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência 13 representantes políticos — fossem liberais, conservadores ou restaurado- res — dividiam-se e debatiam os rumos políticos do País, a Família Real se reclusou no palácio imperial, hoje conhecido como a Quinta da Boa Vista, e teve José Bonifácio como tutor de Pedro de Alcântara, ordens de seu pai. Foi instaurada a Regência Trina Provisória e, depois, ainda em 1831, a Regência Trina Permanente, que durou quatro anos e possuía dois liberais moderados dentre o trio principal. O principal feito foi a criação da guarda nacional, em 1831, instituição que asseguraria o governo e era formada apenas por brasileiros, destituindo do Exército os portugueses remanescentes. Além disso, tentaram descentralizar o poder jurídico federal, criando o Código do Processo Criminal, em 1832. Contudo, a mudança mais significativa ocorreu em 1834, com a aprovação do Ato Adicional, que acabava com o Poder Moderador e com o Conselho de Estado, órgão que agia como conselheiro do imperador. Para finalizar, foram aceitas as assembleias legislativas provinciais, que construíam aparatos administrativos em cada província, dando mais poder aos políticos locais. Isso, contudo, não significou pacificação interna, pois, durante o curto período regencial, o País viveu conflitos em todas as partes dos territórios. As revoltas regenciais ocorreram nesse período e reivindicavam, a princípio, a independência de determinadas regiões. No Grão-Pará, foi a Cabanagem (1835–1840); no Maranhão, a Balaiada (1838–1841); na Bahia, a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada (1837); e no Rio Grande do Sul, a Guerra dos Farrapos (1835–1845) As Regências Trinas foram substituídas pela Regência Uma, na qual o representante era eleito de forma direta. O primeiro foi o Padre Antonio Diogo Feijó (1784–1843), que assumiu em 1835. As revoltas afetaram seu governo, e ele renunciou em 1838, dando lugar a Pedro de Araújo Lima (1793–1870), que era mais centralizador e decretou o fim da autonomia das províncias. A Lei Interpretativa do Ato Adicional, de 12 de maio de 1840, foi um dos motivos pelos quais os políticos buscavam acelerar a coroação de Pedro de Alcântara. O Clube da Maioridade foi criado em 1840 por aqueles que queriam forçar o fim da Regência, o que conseguiram no dia 23 de julho, com o Golpe da Maioridade. A Família Real no Brasil: contextos, impacto e a Independência14 Segundo Reinado (1840–1889) O Segundo Reinado foi o maior período governado por apenas uma pessoa na história do Brasil. D. Pedro II assumiu o trono com 14 anos de idade (Figura 3), e sua missão inicial era tentar unificar o País, que estava muito dividido e instável,
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