Buscar

Ciclo 4 O Humano como Ser de Finitude e de Abertura Antropologia, Ética e Cultura Graduação


Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 21 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

1. Introdução
Nos ciclos anteriores, pudemos perceber que, no decorrer da história, algumas teorias e
algumas maneiras de viver e conceber a sociedade influenciaram a forma de entender e viver
a realidade humana. Neste ciclo, vamos estudar temas que estão intimamente ligados ao
humano, tais como liberdade, alteridade e multiculturalidade.
Quando falamos do ser humano, precisamos entender as suas características, como ele foi
entendido e tratado no decorrer da história, quais são suas dimensões e, enfim, vê-lo como um
todo. O ser humano está inserido no mundo e, por isso mesmo, é um ser com características
de finitude, ou seja, ele possui suas limitações. Apesar de ser aberto a si mesmo, aos outros
seres humanos, à natureza e ao transcendente, ele é capaz de sair de si mesmo para ir ao
encontro daquilo que está além de si.
Heidegger (1965 apud DETTONI et al., 2016) atesta que o ser humano não é uma "coisa"
entre outras coisas – ou um ente entre outros entes –, mas o único do qual se pode dizer que
realmente é "ser", que "existe" plenamente, já que é o único a se interrogar sobre o sentido de
sua própria existência, o único a tomar nas mãos o próprio destino. Para ele, é preciso, antes
de mais nada, perguntar pelo "sentido do ser" ou, mais propriamente, pelo "sentido de ser", de
"existir".
A pessoa é um ser de relação, não é fechada em si mesma. Quando analisamos que ela é
aberta a si mesma, aos outros, à natureza e ao transcendente, percebemos que é um ser único,
indivisível, com dimensões que dão sentido ao seu ser e à sua existência. É isso que dá
sentido à sua razão de ser no mundo.
No decorrer do estudo deste ciclo, vamos nos aprofundar nesses temas, mais antes,
acompanhe no vídeo a seguir alguns aspectos importantes deste debate.
2. Liberdade, alteridade e multiculturalidade
Vimos, anteriormente, que há muitas maneiras de se olhar a vida humana, e muitas são as
formas como o ser humano é encarado e explicado durante a história, em que o ser humano
foi visto e discutido a partir de diversos pontos de vista. No decorrer deste estudo, vamos
olhar essa realidade humana, percebendo que o humano está inserido no mundo e que não
vive de maneira solitária, pelo contrário, vive rodeado de outros humanos, semelhantes, e de
outros seres que não são humanos, e é nessa relação com os seres humanos e não humanos,
com a natureza e com o transcendente, que a pessoa se desenvolve e se projeta.
Existir com os outros humanos e existir com os outros seres é fundamental para mostrar o que
é o ser humano e qual é seu caráter nesse mundo. Sua existência implica a presença do outro,
da mesma forma que é semelhante na cultura, na linguagem, em aspectos físicos e
compartilha as preocupações encontradas na convivência com os demais.
http://repositorio.pucrs.br/dspace/bitstream/10923/3407/1/000433190-Texto%2bCompleto-0.pdf
Segundo Heidegger (1965), o mundo do ser humano é o mundo com os outros seres humanos
e com os outros seres e coisas. Por isso, não existe meu mundo, existe nosso mundo. O autor
chama isso de mundo ao seu redor, e afirma que o ser humano precisa estar atento ao mundo
que o circula e ao próximo como tal.
Contudo, a rotina pode levar o ser humano a viver na indiferença ou, de outra maneira, as
solicitudes do mundo e as preocupações do cotidiano podem torná-lo mais humano ou não.
Na relação com o outro e com a sociedade, o eu pode comportar-se de maneira irresponsável
e não autêntica. Mas essa relação também pode gerar atitudes de colaboração e
companheirismo (DETONI et al., 2016).
Na convivência com seus semelhantes e nos seus afazeres, o ser humano faz cultura.
Dependendo da realidade em que vive, ele se adapta e produz cultura; isso depende do meio
ambiente onde está inserido. Por isso, o ser humano é, ao mesmo tempo, sujeito e objeto da
cultura.
Liberdade
Quando tratamos do assunto da liberdade, no sentido em que abordamos nesta disciplina, é
mais adequado tratar de liberdade de (escolha) e de liberdade para (atuar). É complicado
falar em liberdade total, pois em todo ato há um limite. Contudo, isso não tira da liberdade
aquela característica que permite ao ser humano que ele não esmoreça diante de sua situação
de vida. Para viver livremente, é preciso levar em consideração a ética e a responsabilidade,
enfrentando os desafios. Não é possível viver livremente sem ética e sem responsabilidade.
Como vimos, o ser humano é sempre um eu no mundo, vivendo em relação com os outros.
Essa relação exige reciprocidade na maneira de viver e na maneira de ser. Por isso, o ser
humano possui suas responsabilidades ao mesmo tempo em que possui seus direitos. No final
das contas, você é livre para escolher se quer ser responsável ou não.
Sem liberdade, não há condição de o ser humano viver racionalmente e com vontade. Só ele
pode escolher entre agir e não agir, escolher entre fazer uma coisa ou outra, pensar antes de
escolher agir. Ele tem capacidade de mudar, de transformar sua vida e de transformar a forma
de ver e de viver no mundo em que está inserido.
Cada ser humano é livre para atuar. Esse caminho pode levar à plenitude da humanidade e
pode ajudar na construção de uma sociedade justa e igualitária.
Frankl (1978), ao tratar da liberdade, demonstra que o ser humano pode forjar seu destino
sem estabelecer um mundo arbitrário. O ser humano adquire a dignidade por meio da
liberdade.
Liberdade e dignidade fazem parte da essência da pessoa humana.
Vamos estudar mais adiante a dimensão espiritual e veremos que o ser humano é livre e pode
libertar-se de todo determinismo. Isso, porém, como já vimos anteriormente, não o livra dos
condicionamentos apresentados pelo mundo. E é aí que vivencia sua responsabilidade.
Quer saber mais sobre resiliência segundo Viktor Frankl?
Clique aqui e realize a leitura do artigo: Contribuições de Viktor Emil Frankl ao
conceito de resiliência.
Pelo fato de ser humano, ele é livre, pois a liberdade faz parte da constituição do ser humano.
A liberdade é anterior à ação. O ser humano é um ser de liberdade, ele pode transcender o
egocentrismo, viver com autonomia e tomar decisões em sua vida.
Segundo Daniel e Scopinho (2013, p. 163-166):
http://www.scielo.br/pdf/estpsi/v25n4/a11v25n4.pdf
Na liberdade, está radicada a possibilidade de realização ou de fracasso do projeto pessoal. A
pessoa, pela liberdade, sente-se capaz do progresso, da realização do humanismo, de ser mais do
que ela sempre foi. Mesmo depois do mais terrível fracasso, da mais completa alienação,
continuamos a ter uma consciência livre palpitando dentro de nós.
Mesmo ante tal cenário de onipotência e império, variados são os impedimentos da liberdade: há os
impedimentos psíquicos e, também, a possibilidade de que indivíduos que não estejam enfermos
careçam de liberdade – são aqueles que se deixaram alienar. Por que acontece isso? Porque, em
qualquer desses casos, o espírito não consegue expressar-se, fica impedido de se atualizar. Octavio
Derisi (1985) explica que a liberdade no sentido estrito consiste no autodomínio da vontade sobre
sua própria atividade, em poder querer ou não alguma coisa, em poder escolher entre esta ou outra
coisa.
O termo liberdade acompanha o termo homem, é uma condição considerada por praticamente todas
as correntes de pensadores que estudam o homem:
Os kantianos veem na liberdade a ideia suprema para alcançar a perfeição. Para eles a liberdade é
iluminada pelos ditados da razão prática. Nessa concepção, a vontade fica submetida à moral
decorrente dessa razão prática, e os princípios da razão prática devem ser de plena realização, sem
esperar nenhuma recompensa. Esse momento é reconhecido pelo pensamento kantiano como "de
total liberdade".
Os materialistas são rígidos ao extremo na defesa da liberdade do homem. Nesse ponto, coincidem
com os existencialistas, que são ainda mais radicais na hora de conceber a liberdade. Sartre, que,
olhando Nietzsche, adere à não existência de valores absolutos, vê na própria liberdade o
fundamento para o sentido e o valor. O ponto máximoda liberdade é, para o existencialismo,
possibilitar a liberdade dos demais. Para Sartre, os valores são projetos que o homem propõe
baseados no que ele quer ser sem poder pensar que exista um futuro e sem necessidade de um
princípio caracterizador. Diferentemente dos materialistas, ele rejeita qualquer princípio naturalista.
Para ele, o homem transcende as estruturas naturais e as verdades anteriores, tudo deve ser produto
de sua liberdade (SARTRE, 2003).
Assim como Sartre, as posturas mais radicais a respeito da liberdade, argumentam que não existem
determinismos no homem, sempre é possível agir de outra maneira.
Na perspectiva antropológica, Sartre não crê em determinismo teológico, biológico ou social. Como
escreve na obra O existencialismo é um humanismo, que contém as principais ideias da conferência
que deu em Paris em 20 de outubro de 1945: nela expressa as ideias de que nem Deus, nem a
natureza, nem a sociedade determina absolutamente nossas possibilidades, predispomos nossa
conduta na mediação da liberdade (SARTRE, 2009, ps. 31,36, 43, 55, 77). Esse autor considera que
o homem é um ser "para-si", ou seja, que não tem uma essência definida antecipadamente, nunca é
resultado de uma ideia preexistente; o homem é um fazer-se contínuo, "Somos o que temos querido
ser e sempre poderemos deixar de ser o que somos" (2009, p. 61).
Segundo Sartre, só o homem é o responsável pelo que é. Essa responsabilidade não está restrita ao
âmbito individual, e, sim, corresponde à totalidade da humanidade. Quando decidimos pelo
casamento, aceitamos seguir a monogamia. Sempre que aderimos a uma ideia política ou a um
ideal, estamos tomando partido de uma forma de humanidade. Sartre explica: "Se Deus não existe,
não há valores ou ordens que modelem nossa conduta. Estamos sós, o homem é o ser condenado a
ser livre" (2009, p. 42-43). No mundo (na existência), o homem é responsável por tudo o que faz ou
deixa de fazer; ele é o único responsável por suas paixões, pela moral que adota. "Não há signos no
mundo que digam ou indiquem o que devemos fazer" (2009, p. 50).
Para esse pensador, os fins que perseguimos não são dados nem do exterior nem do interior, não
existe nenhuma suposta natureza, é na liberdade que cada um se escolhe; cada "Para-si" tem a
liberdade de fazer de si o que quiser. [...] o homem está condenado a ser livre. Condenado porque
não se criou a si próprio e no entanto é livre pelo fato de estar no mundo. Assim o homem começa a
existir para logo, na sua existência, definir-se (2009, p. 42-43).
O primeiro princípio do existencialismo sartreano é: o homem é o único ser que pode ser tal como
ele se quer. Segundo o autor como não temos uma natureza ou essência, não estamos determinados;
como não escolhemos ser livres, não somos livres de deixar de ser livres (2009, p. 60-63). A
liberdade é tão importante nesta antropologia porque ela é o fundamento de todos os valores.
Também é princípio de responsabilidade: "Querer a liberdade é respeitar a liberdade do outro"
(SARTRE, 2009, p. 77). O homem de boa fé procura a liberdade pela liberdade.
Mesmo defendendo que o homem deve obrar de forma humana em relação à humanidade, que está
representada por ele próprio e pelos outros homens, para executar sua liberdade, essa "liberdade"
proposta por Sartre é totalmente autônoma. Nesse ponto, é criticável, já que a verdadeira liberdade
não existe se não está orientada à perfeição, à humanização e à plenitude do próprio ser humano –
caso contrário, pode ser uma "libertação". Liberdade está sempre acompanhada pelo vocábulo
"responsabilidade".
3. Alteridade
Como é próprio de sua natureza humana, o ser humano necessita de relacionamento
interpessoal, e a alteridade caracteriza-se dessa necessidade de relacionar-se. Essa
necessidade está presente em todas as etapas da vida humana. A relação íntima do ser humano
demonstra a disposição de si mesmo enquanto necessita do amor recebido do outro. A relação
“eu – tu” faz parte da dimensão essencial do ser humano e faz parte da autotranscendência. O
ser humano é um ser social.
Como vimos, o ser é um ser de relação, inserido no mundo, por isso, é aberto à realidade
social. Trata-se de uma relação amorosa de semelhantes que necessitam um do outro. Para
Frei Betto (2020): “Todo ser humano, dentro da perspectiva judaica ou cristã, é dotado de
dignidade pelo simples fato de ser vivo. Não só o ser humano, todo o Universo”.
Essa visão judaico-cristã mostra bem a realidade daquilo que estamos apresentando em
nossos estudos. Tudo o que já vimos e veremos até o final deste ciclo nos remete a uma
realidade que abrange todos os seres humanos e que os coloca em lugar de dignidade, seja
quem for esse ser humano. Todos merecem viver dignamente.
O mesmo autor aponta para os pilares que sustentam a sociedade: família, escola, Estado,
Igreja e trabalho. Neles é possível resgatar a cidadania, com a possibilidade de exercício da
alteridade. O desafio, segundo ele, “[...] é transformar essas instituições naquilo que elas
deveriam ser sempre: comunidades. E comunidades de alteridade” (FREI BETTO, 2020).
Na base de nosso relacionamento está o outro. Ele é o ponto de referência para a construção
da generosidade. Para Frei Betto (2020): “Só existe generosidade na medida em que percebo
o outro como outro e a diferença do outro em relação a mim”. O autor afirma que, pela
alteridade, a pessoa “[...] é capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus
direitos e, sobretudo, da sua diferença. Quanto menos alteridade existe nas relações pessoais e
sociais, mais conflitos ocorrem”.
Frei Betto (2020) destaca que: “Só existe generosidade na medida em que percebo o outro
como outro e a diferença do outro em relação a mim”. A única via possível para manter essa
relação é a via do amor, que pressupõe o respeito, o reconhecimento dos seus direitos, a sua
dignidade como ser humano. E completa: “[...] isso supõe a via mais curta da comunicação
humana, que é o diálogo e a capacidade de entender o outro a partir da sua experiência de
vida e da sua interioridade”.
Se utilizarmos o entendimento ético, vamos nos lançar “[...] na reflexão sobre a condição
humana deste outro, partindo do pressuposto que o outro não é um inimigo desumanizado,
mas que deve ser visto como um ser humano ao mesmo tempo igual e diferente de mim
(FREI BETTO, 2020)”. Burckhart (2016) expressa, de forma mais contundente, que: “Num
contexto marcado pela ‘falta de ética’, ou seja, a falta de uma reflexão sobre nossas ações,
hábitos e costumes, a alteridade enquanto proposta torna-se difícil de concretizar-se.”
Ao entender alteridade no sentido de colocar-se no lugar do outro e com ele manter uma
relação interpessoal, colaboramos para que aconteça um diálogo entre as culturas, as religiões
e as crenças. Nesse diálogo é possível aprender com o outro ao mesmo tempo em que se
aprende a respeitar as convicções diferentes.
Multiculturalidade
De acordo com o que nossos estudos apontam – e para o que nos desafiam – quando
analisamos a questão da relação com o outro, é possível conviver pacificamente em um
ambiente multicultural. Esse fenômeno cultural relaciona-se diretamente com a globalização
das sociedades pós-modernas.
Quando falamos em multiculturalidade, precisamos levar em consideração que os grupos
culturais estão interligados e que as culturas estão em constante relação e em contato entre si.
Vale ressaltar que, para que haja multiculturalidade, é preciso estabelecer uma convivência
entre várias culturas em uma cidade, região ou país. Não há possibilidade de haver
predominância de uma cultura sobre a outra.
Com a constante imigração, percebemos que várias pessoas, de várias culturas diferentes,
convivem entre si. Essa diversidade cultural é que se caracteriza como culturalidade. Nesse
contexto, pode acontecer a marginalização de algum grupo social, como geralmente ocorre
com os imigrantes.
Amplie seus conhecimentos sobre justiça, liberdade e alteridade!
Clique aqui e realize a leitura do artigo Justiça, liberdadee alteridade ética. Sobre a
questão da radicalidade da justiça desde o pensamento de E. Levinas, de Ricardo
Timm de Souza.
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/veritas/article/view/35008/18345
Veremos, a seguir, que todo ser é um ser de relação. Essa relação se dá no contato com o
outro, com a sociedade, com os vários grupos culturais e com o mundo. É nessa relação
interpessoal que a pessoa aprende e ensina: aprende a viver livremente, aprende a viver a
culturalidade e aprende a ser.
4. Ser humano como ser de relação
A Antropologia sempre investigou as questões que envolvem o ser. As análises das formas
como o ser foi e é encarado evidenciam que, apesar de a humanidade ter vivenciado inúmeras
situações nas quais o ser foi relegado à própria sorte, humilhado, execrado, selecionado, ainda
não aprendemos a conviver com o outro e, por isso, vemos, em pleno século 21, o ser perder a
sua dignidade devido ao desrespeito.
É nesse sentido que o filósofo Martin Buber (1878-1965), ao estudar a importância de
respeitarmos a dignidade do ser, nos apresenta, em seu texto Eu e Tu, publicado no ano de
1923, uma análise pormenorizada das palavras “Eu-Tu” e “Eu-Isso”, que, para ele, são
“palavras-princípio” que se referem ao “entre-dois”. Para Buber (2006), uma relação só pode
se dar por meio do compromisso com a vida – não só a nossa vida, mas a vida do outro.
As “palavras-princípio”, de acordo com Buber (2006, p. 53):
[...] são proferidas pelo ser.
Se se diz Tu profere-se também o Eu da palavra-princípio Eu-Tu.
Se se diz Isso profere-se também o Eu da palavra princípio Eu-Isso.
A palavra-princípio Eu-Tu só pode ser proferida pelo ser na sua totalidade.
A palavra-princípio Eu-Isso não pode jamais ser proferida pelo ser em sua totalidade.
Em suas reflexões sobre as relações que podemos estabelecer com o outro, Buber (2006)
deixa claro que o ser pode ser enfocado pela experienciação, pela exploração superficial, que
nos permite apenas apreender este ser como um objeto. Contudo, essa apreensão nos distancia
da essência de relações efetivas. Algumas das reflexões a respeito desse tema expostas pelo
autor são: “O mundo como experiência diz respeito à palavra-princípio Eu-Isso. A palavra-
princípio Eu-Tu fundamenta o mundo da relação (2006, p. 55-59).”
Logo após, o autor enobrece o ser humano ao afirmar que: “O homem não é uma coisa entre
coisas ou formado por coisas quando, estando eu presente diante dele, que já é meu Tu,
endereço-lhe a palavra-princípio” [...], demonstrando, claramente, que o ser humano precisa
receber um lugar de destaque na relação com o outro. “Ele não é uma qualidade, um modo de
ser, experienciável, descritível, um feixe flácido de qualidades definidas. Ele é Tu, sem
limites, sem costuras, preenchendo todo o horizonte. Isto não significa que nada mais existe a
não ser ele, mas que tudo o mais vive em sua luz” (BUBER, 2006, p. 55-59). Por essa razão,
https://novaescola.org.br/conteudo/1938/martin-buber-um-teologo-que-prega-o-dialogo
o relacionamento existente entre o Eu e o Tu envolve a totalidade do ser e não somente parte
do todo:
Entre o Eu e o Tu não se interpõe nenhum jogo de conceitos, nenhum esquema, nenhuma fantasia; e
a própria memória se transforma no momento em que passa dos detalhes à totalidade. Entre Eu e Tu
não há fim algum, nenhuma avidez ou antecipação; e a própria aspiração se transforma no momento
em que passa do sonho à realidade. Todo meio é obstáculo. Somente na medida em que todos os
meios são abolidos, acontece o encontro (BUBER, 2006, p. 55-59).
O ser humano, apreendido pela ótica do “Isso”, perde suas características pessoais, uma vez
que é tratado como objeto, e aquilo que era particular, único, irrepetível, passa a ser universal.
Nesse contexto, leis universais são formuladas para designar o particular e, para Buber
(2006), não devemos nos contentar com relações baseadas no mundo das coisas e sim no
mundo do ser. Por isso, adverte: “Sem dúvida, alguém que se contenta, no mundo das coisas,
em experienciá-las e utilizá-las erigiu um anexo e uma superestrutura de ideias, nos quais
encontra um refúgio e uma tranquilidade diante da tentação do nada” (p. 60). Assim, se a
humanidade for reduzida ao “Isso”, perde sua razão de ser.
Precisamos enfrentar o desafio de vivermos e nos distanciarmos desse mundo ditado pelas
regras das conceituações e das experienciações para primarmos por relações que valorizem a
subjetividade, a autonomia e a liberdade do ser se não quisermos experimentar a grande
melancolia de nosso destino, na qual, se não tomarmos o devido cuidado, o Tu se torna um
objeto entre os objetos.
Assim, para Buber (2006), estabelecemos a relação Eu-Isso, pois utilizamos a representação
de palavras convencionadas para expressarmos as características do ser que, nessa situação,
se torna o nosso objeto. Por meio de palavras, usamos formulações indiscriminadas de
conceitos. Mas o ser deve ser valorizado enquanto ser, não como conceito.
Para Heidegger (1984, p. 158), “Ele é ele mesmo” e, sendo assim, único, singular, irrepetível.
Portanto, o relacionamento entre os seres deve ser um evento permeado pela reciprocidade,
pelo velar e desvelar do ser. Não devemos compactuar com ações que tenham o ser como
uma coisa, um “Isso”. Nesse aspecto, Buber (2006, p. 74 e 77) chega ao ponto de afirmar que:
“[...] o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é
homem” e continua: “O homem que se conformou com o mundo do Isso, como algo a ser
experimentado e a ser utilizado, faz malograr a realização deste destino: em lugar de liberar o
que está ligado a este mundo ele o reprime; em lugar de contemplá-lo ele o observa, em lugar
de acolhê-lo serve-se dele”.
Nossas relações com o ser dentro do espaço e do tempo podem deixar marcas: se tratado
como “Tu”, certamente as marcas serão positivas; contudo, se tratado como “Isso”,
certamente essas marcas serão danosas. O ser vive e convive com outros seres no espaço que
nos acolhe e no tempo cronometrado. Contudo, não é somente de batidas de relógio que a
vida do ser é permeada pelo tempo, pois sua vida também é marcada pelo sentido que só a
pessoa humana pode atribuir às suas vivências.
Ende (apud HOYUELOS, 2008, p. 4, tradução nossa), ao falar sobre o tempo, pondera que:
“Há uma coisa muito misteriosa, mas muito comum. Todos participam nela, todo mundo sabe
disso, mas poucos param para pensar sobre isso. Quase todos somos limitados a tomá-la
como se trata, sem fazer perguntas. Essa coisa é o tempo”.
Guimarães Rosa (1986, p. 92), em sua obra Grande Sertão: Veredas, por meio de seu
personagem Riobaldo, afirma que:
O que vale, são outras coisas. A lembrança da vida da gente se guarda em trechos diversos, cada um
com seu signo e sentimento, uns com os outros acho que nem não misturam. Contar seguido,
alinhavado, só mesmo sendo as coisas de rasa importância. De cada vivimento que eu real tive, de
alegria forte ou pesar, cada vez daquela hoje vejo que eu era como se fosse diferente pessoa.
Sucedido desgovernado. Assim eu acho, assim é que eu conto. O senhor é bondoso de me ouvir.
Tem horas antigas que ficaram muito mais perto da gente do que outras, de recente data. O senhor
mesmo sabe.
É dessa forma, encarando o ser como inédito, único, irrepetível, que o Claretiano – Rede de
Educação prima pelo encontro efetivo, pela efetivação de um tempo marcado pelo relógio,
mas também marcado pelas batidas do coração. Tempo no qual o ser se desvelará e se velará
a todo o momento, pois não será encarado como um “Isso” e sim como um “Tu” que
compartilha conosco a sua vida, e esta reside no coração.
Nessa mesma linha de pensamento, a essência do ser humano está ligada ao fato de ele estar
no mundo, existir. Dentro do pensamento de Heidegger, o ser humano se diferencia
fundamentalmente dos outros entes por ser o único capaz de se perguntar sobre si e sobre os
outros. Pela consciência, o ser humano está aberto a si mesmo, aos outros seres humanos, aos
outros entes, ao ser. Essas característicaso tornam diferente de todos os outros seres,
humanos ou não. Ele possui a essência humana de uma forma plena. Contudo, não perde suas
características próprias que, como veremos mais adiante, são talhadas por sua essência
própria, pela vivência em sua família e pelo grupo social do qual ele faz parte. Por isso ele é
único e irrepetível.
A liberdade do ser humano se caracteriza, também, por ele não estar preso ao seu ambiente.
Já que ele tem o mundo diante de si, ele é capaz de transcender seu ambiente, embora ele se
perceba como parte infinitamente pequena desse mundo. O mais bonito de tudo isso é que a
estrutura eu-mundo dá ao ser humano a capacidade de encontrar-se a si mesmo. Tillich (2005,
p. 113) afirma que “[...] sem o mundo, o eu seria uma forma vazia. A autoconsciência
careceria de conteúdo, pois o conteúdo, psíquico e corporal, encontra-se no interior do
universo”. Da mesma forma, para o mesmo autor, não existe consciência de si mesmo sem
um mundo. Sem ele o eu seria vazio.
Todavia, pode-se afirmar que o ser humano só existe inserido no mundo. É claro que, nem
por isso, ele é igual ao mundo, pois o “[...] ser humano deve estar completamente separado de
seu mundo para poder olhá-lo. Caso contrário, ele permaneceria simplesmente preso ao
ambiente”. É inserido no mundo que o ser humano percebe que é capaz de transcender o seu
ambiente. Estar inserido no mundo é fundamental para o ser humano adquirir conhecimento.
“O eu sem o mundo é vazio; o mundo sem o eu é morto” (TILLICH, 2005, p. 180-181).
Essa realidade do Eu e suas relações sempre preocuparam pensadores interessados em
responder aos questionamentos referentes ao ser humano. A relação consigo mesmo, com o
mundo e com o transcendente, mas, principalmente, a sua relação com o outro, sempre
intrigaram o ser humano de maneira geral.
Atenção!
Sobre a transcendência, transcendente e transcendental, é importante considerar que se refere ao encontro com o outro. Em
nosso estudo, foi tratado que, ao relacionar-se com os outros de maneira ética, ultrapassamos os limites individuais e
estabelecemos uma conexão que nos possibilita o alcance teológico, ou seja, é feita uma abertura do indivíduo para ter
conhecimento de Deus.
Vaz (2002 apud SILVA, 2016, p. 532) afirma que “[...] o sujeito está situado na tríplice
dimensão da realidade: o mundo, a sociedade e o próprio Eu. Isso implica que a construção
do discurso antropológico sistemático começa pelo Eu enquanto exprime a sua situação nas
formas de presença corporal, psíquica e espiritual”. E acrescenta que: “[...] o ser humano, por
ser capaz de efetivar a realização da própria vida, encontra como desafio e tarefa, nunca
acabada, o domínio do sentido da vida, no qual a sua existência está lançada como existência
propriamente humana na relação com o outro”.
Dessa forma, pudemos perceber, sem esgotar o assunto, que o ser humano sempre se
questionou a respeito de si mesmo e de seu relacionamento com o outro. Isso implica em
compromisso consigo mesmo e, principalmente, o seu compromisso com o outro. Essa
relação é conflitante às vezes, mas aberta para uma dimensão que abrange a vida, de uma
maneira complexa, mas comprometedora.
Tendo em vista o conteúdo estudado até o momento, sugerimos que você teste o seu
aprendizado, respondendo à questão a seguir.
Depois de estudarmos todas essas situações que envolvem o ser humano e que marcam sua
razão de ser e de estar no mundo (mundo de relações múltiplas, mas exigentes e carentes de
sentido), vamos nos ocupar agora em entender o que tudo isso significa para o ser humano,
olhando-o de uma forma totalizante.
5. Dimensões biológica, psicológica, social e espiritual
do ser humano
Quando olhamos o ser humano como unidade e como totalidade, não podemos deixar de
perceber que esse ser não é fragmentado, mas é um ser completo e complexo. Contudo,
quando analisamos as dimensões do ser humano, percebemos que ele é uma unidade
constituída das dimensões biológica, psicológica, social e espiritual.
Antes de analisarmos essas dimensões, vamos estudar alguns detalhes importantes para o
bom entendimento dessa realidade que envolve o ser humano e para entendermos qual é a
proposta de ser humano do Claretiano – Rede de Educação.
Esses detalhes nos ajudarão, ainda, a considerar as diversas implicações dessa maneira de
encarar o ser humano para a vida e para a prática profissional. Afinal, dependendo da maneira
como nós nos encaramos enquanto humanos e da maneira como encaramos os outros
humanos, semelhantes a nós, agiremos de uma forma ou de outra. Podemos dizer o mesmo
com relação ao mundo, à natureza e aos outros seres.
Nossa responsabilidade no mundo é grande. Não basta ser um profissional qualificado, pois o
compromisso ultrapassa o campo profissional, seja qual for a profissão. Dito isso, vamos
estudar alguns elementos necessários para podermos entender o ser humano e a proposta
humanista que queremos dispensar em nossa prática humana e profissional.
Espírito
Vamos começar apresentando o que Santo Tomás (2002) descreve sobre o ser humano. De
acordo com ele, o ser humano não pode ser explicado como a união de duas partes: a orgânica
e a espiritual. Quando se trata de “espírito”, geralmente as pessoas interpretam no sentido
teológico-religioso. Não queremos ter essa interpretação. O ser humano é a unificação das
dimensões corpo e espírito. Não são elementos superpostos. As duas dimensões estão unidas
no mesmo núcleo.
É comum atribuir ao termo “espírito” um sentido religioso. Para Gevaert (1995), o termo
“espírito” é um termo vago e impreciso. Muitas vezes, expressa um fenômeno vital concreto:
hálito (sopro de vida); e, outras vezes, um princípio exclusivamente humano. Porém, esse
termo é empregado, também, para simbolizar aquilo que é humano e que não pode ser
reduzido a fenômenos materiais definidos pela causalidade ou pela realidade espaço-
temporal.
Conseguir compreender o sentido, fixar metas, fixar fins, ideais e possuir capacidade de atuar
lidando conscientemente com os condicionamentos são manifestações próprias do ser
humano, e isso caracteriza manifestações espirituais. Por isso, Scheler (2003) destaca que o
espírito é uma potência que complementa e direciona as outras potências do ser humano, que
nós, neste trabalho, chamamos de dimensões.
Para Frankl (1978), corpo-espírito não podem se reduzir um a outro, nem podem derivar-se
um do outro. Na pessoa, há uma unidade, ou núcleo, que é comum a toda pessoa humana. No
entanto, cada pessoa é única. Há uma maneira dinâmica de vivenciar a existência. Cada
indivíduo humano constrói a sua própria realidade em sua existência, transformando-se
continuamente. Mas sua existência, sua maneira de ser e de viver são únicas. São realidades
particulares, que cada um vive.
Hume (2003) admoesta que falar em espírito é falar em fenômenos psíquicos impessoais. Já
para Santo Tomás (2002) o espírito concede a perfeição ao ser humano, relacionando-o com
seu ser. É ele que caracteriza o ser humano. Assim, o ser humano é composto de corpo e
espírito numa unidade integrativa, substancial.
Coreth (1998) explica por que cada um de nós se sente um eu. O eu é o ponto central do ser
humano. O eu é o centro do mundo do ser humano. Contudo, Frankl (2003) afirma que é o
espírito que individualiza o ser humano. Por isso, podemos considerar que o ser humano é
uma unidade e, também, uma totalidade.
Portanto, por ser espiritual, o ser humano é um ser de liberdade aberto ao mundo e atua como
uma unidade indissolúvel. Cada indivíduo possui uma alma individual, que constitui a
intimidade pessoal. A noção de pessoa diferencia o ser humano dos outros seres individuais, e
seu conceito está baseado na unicidade, na racionalidade e na vontade livre.
O homem é um ser social
Para Mondin (1998), o ser humano é um ser cultural. O ser humano não é um composto pré-
fabricado, não há como montá-lo. Ele deve se construir com suas próprias mãos, cultivando a
si mesmo. O objetivo primário da cultura é promover a realização da pessoa. Mas, ao mesmotempo em que o ser humano produz cultura, ele é produzido por ela.
Desde o início da vida, a pessoa é influenciada, pois necessita de alguém que cuide dela para
sobreviver. Assim começa a participação social e cultural na vida de cada ser humano.
Nenhum ser humano é autossuficiente, pois ninguém chega ao mundo pronto. Todos nós
estamos em permanente construção.
Enquanto ser social, o indivíduo precisa das outras pessoas, da relação com o outro, com o tu,
para levar adiante a existência pessoal. Assim, podemos considerar que somos seres de
alteridade, já que a vida de cada um de nós se desenvolve em comunhão com os outros
sujeitos (outros eus) no mundo. O ser humano é, também, um ser inserido na História. Ele
vivencia os acontecimentos de sua existência pessoal diante dos eventos da existência
coletiva.
Nenhum de nós é autossuficiente: necessitamos de elementos da natureza para sobreviver, da
mesma forma que precisamos das outras pessoas, pois ninguém vive sozinho. Essa relação
com as pessoas forja a personalidade, pois vivemos em relação com os outros, numa atitude
de troca constante. Troca de afeto, de pensamento, de projeto de vida. É nessa relação que
definimos o que o outro é para nós. E o outro não é um ser invisível ou uma coisa que nos
serve quando precisamos. Por sua complexidade, ele exige um comportamento ético.
Estabelecido tal compromisso ético na relação com o outro, somos transportados para a
relação com o divino, transcendente, pois desenvolvemos cada qual o seu ser enquanto ser de
relação mútua.
Nessa situação, percebemos que o ser não está sozinho, ele é um ser de relação. Buber (1976)
explica que, até quando o ser humano está só, a dimensão dialogal é mantida, devido ao seu
caráter transcendental.
A vivência com o outro faz com que o ser humano perceba que ele é capaz de compreender-
se, de determinar sua própria existência e que isso o faz único e irrepetível. De outro lado, o
ser humano sofre a influência da sociedade em que está inserido.
É importante lembrar, conforme vimos no Ciclo 2, quando estudamos as concepções de
humano ao longo da História Ocidental (Quadro 2), que, na sociedade pós-moderna, com o
mundo globalizado economicamente, vivemos uma crise de valores (acredito, logo é
verdade), em que predominam os parâmetros políticos e econômicos que concebem as
pessoas como seres que produzem e que consomem (consumo, logo sou). Assim, de maneira
contraditória, o progresso tecnológico comumente é considerado mais importante que a
pessoa humana, que os próprios seres humanos.
Continuando, o ser humano é um ser inserido na História, vivendo-a e construindo-a o tempo
todo, em cada gesto e decisão que toma. Como o ser humano é um ser aberto ao mundo, ele
vai desenvolver seu projeto pessoal e pode organizar sua existência a partir de valores
espirituais.
Valor espiritual é aquele que se refere à realidade, a uma relação pessoal, a uma programação
de uma ação, à intervenção racional na natureza. Significa escolher algo para comer ou beber,
que cada situação existencial vivida está revestida de um valor, que há um sentido por trás da
realidade que se apresenta. É claro que isso não acontece de forma idêntica para todas as
pessoas. Nem todos percebem o sentido da mesma maneira, pois cada um é um ser único.
Estudos reforçados? Então é hora de testar seus conhecimentos, realizando a questão a seguir.
Dimensões da pessoa
Depois de entendermos alguns conceitos importantes, podemos compreender o ser humano e
suas dimensões. Faremos um estudo com todos os conceitos que vimos anteriormente, mas,
agora, de acordo com cada dimensão. Entendendo a particularidade de cada dimensão,
poderemos compreender melhor a relação entre elas e o ser humano como um todo.
Acompanhe uma descrição geral do entendimento que o Claretiano tem a respeito da
pessoa.
Dimensão biológica
Ao referir-se à dimensão biológica, refere-se, naturalmente, a tudo que se relaciona ao corpo
da pessoa. Sem dúvida, é por meio do corpo que o ser humano faz contato com os outros
seres, com o mundo e com Deus, seu Criador.
[...] não se pode deixar de perceber que a sociedade está inserida em um contexto social capitalista,
neoliberal. Nesse ambiente, envolvidos pela lógica tecnicista, como é próprio do sistema neoliberal
vigente, o homem acaba sendo reduzido a um ser que produz e que consome. Diante desse enfoque,
o que acaba tendo valor específico é essa parte do ser humano que está em contato com o mundo e
que possui a força produtiva e consumidora.
Um dos problemas fundamentais que aparece com relação ao corpo é apontado por Scheler
(2003, p. 73), quando ele analisa a questão do Dualismo: “O fosso erigido por Descartes entre
o corpo e a alma através de seu dualismo de extensão e consciência como substâncias fechou-
se hoje quase até a palpabilidade a unidade da vida”.
No entanto, apesar da distorção imposta pela atual sociedade, não se pode negar que o corpo
tem seu valor e que este deve ser considerado. É por meio dele que o homem constrói o
mundo, adquire conhecimento, transforma a realidade e consegue dar sentido à sua
existência. Portanto, é importante frisar que é necessário cuidar bem do corpo.
Leloup faz um relato interessante sobre a atenção e o cuidado que é preciso dispensar a ele e
o respeito que se deve ter com o ser humano quando comenta que:
“O corpo, o imaginal, o desejo, o outro – estamos na presença de um quatérnio para o qual os
Terapeutas no tempo de Filon de Alexandria dirigiam sua atenção e os seus cuidados. Esse
quatérnio depende de uma antropologia em que as diferentes dimensões do ser humano – corpo,
alma, espírito – parecem respeitadas. Os cuidados do corpo não excluem os cuidados da alma, os
cuidados da alma não dispensam que se leve em consideração a dimensão ontológica e espiritual do
homem” (1998, p. 32).
E acrescenta:
“Para o terapeuta, o corpo não deve ser visto somente como um objeto, uma coisa ou uma máquina
funcionando com defeito, que seria mister ‘consertar’. Não; o corpo é corpo ‘animado’. Não há
corpo sem alma, não sendo mais ‘animado’, não merece o nome de corpo, mas de cadáver” (1988,
p. 70).
Falar do corpo é falar da necessidade de cuidado, cuidado esse que requer um olhar
diferenciado para si, mas que leva na direção do outro que, para Boff (2004, p. 33-34),
significa “mais que um ato; é uma atitude... Representa uma atitude de ocupação,
preocupação, de responsabilidade e de envolvimento afetivo com o outro", pois "sem o
cuidado ele deixa de ser humano".
Esse é o ideal, mas é notório que as coisas não acontecem dessa forma no ambiente social
capitalista da atual sociedade. É possível perceber uma realidade que explora e expõe o corpo
e as pessoas de modo ultrajante. Não é difícil perceber que a mídia impõe uma exploração
total da realidade corpórea em diversos níveis.
Aliás, a mídia criou padrões de beleza e de biotipo. Quem não se adapta aos padrões fica
relegado ao segundo plano. Os padrões de beleza e do corpo estão expostos na moda, nas
novelas, nos programas de televisão, nas revistas, nos filmes etc. São padrões criados e
valorizados, forçando as pessoas a se adequarem a eles. Quem, por uma razão ou por outra,
não se sente enquadrado nesse padrão gasta muito dinheiro para se adequar a ele ou se sente
excluído da convivência geral da sociedade.
É só notar que os tipos de roupas produzidos pelas grifes (pelo menos, pelas grandes grifes)
não são feitos para qualquer pessoa ou qualquer corpo. Quem desejar precisa adaptar o
próprio corpo para vestir aquele tipo de roupa. Aliás, as grandes grifes não querem qualquer
tipo de corpo vestindo as suas roupas. Elas são feitas para físicos “esculturais”, pois é uma
forma de fazer propaganda da marca. As pessoas tornam-se “etiquetas ambulantes”, como diz
o poeta Carlos Drummond de Andrade (1984).
Do mesmo modo, é impressionante a corrida atrás dos bisturis, dos “botox” e de toda espécie
de cirurgia para mudanças na estética facial e corporal. Há uma supervalorização da dimensão
corporal em detrimento das demais.Para uma sociedade assim, a pessoa vale pelo que
aparenta fisicamente. E só em função disso. Tudo visando à possibilidade de aumentar o lucro
daqueles que possuem os meios de produção em suas mãos.
Dimensão psíquica
A dimensão psíquica remete àquilo que os filósofos gregos chamam de anima – no Português,
“alma”, “o que dá vida”. O que faz a vida da pessoa acontecer é sua interioridade; remetendo
ao pensamento filosófico, é deparar-se com o conceito de essência. A alma da pessoa é sua
essência. Mas o que vem a ser essência?
Por essência, entende-se aquilo que faz o ser ser ele mesmo. Ou seja, o ser é aquilo que ele é
por causa da sua essência. É a essência que o torna um ser único. Só eu sou eu. Só você é
você. E o que me faz ser eu e você ser você é a essência. Não existe outro igual. Eu sou
único. Você é único(a).
Cada um possui um corpo, mas não é o seu corpo. Do mesmo modo, o indivíduo possui
emoções, mas não é nenhuma dessas emoções. O indivíduo tem desejos, mas não são esses
desejos. O indivíduo pensa, estuda e sabe muita coisa, mas não são as coisas que sabe. Como
costumava afirmar Sócrates, o indivíduo é um centro de autoconsciência e vontade; por isso,
é dotado de um poder dinâmico, capaz de observar, dominar e dirigir todos os seus processos
psicológicos.
Entendendo melhor, tomemos como exemplo os perfumes. Sabemos que, em todos eles, há
elementos químicos, tais como o álcool e a substância que fixa o perfume. Porém, o que
diferencia um do outro é a essência, usada em pouca quantidade, mas que o diferencia e o
torna único. Aliás, quem não ouviu a expressão popular que diz: “nos pequenos frascos, os
grandes perfumes”?
Hoje em dia, há alguns cientistas que querem dimensionar o homem de maneira fracionada,
afirmando que ele possui de 2% a 5% de essência. O resto é hereditário e influência social.
Alguns até afirmam que próprio da pessoa não existe nada, ela é 100% influência do meio
social e da herança genética. Mas, ao olhar a pessoa como um todo, não se pode entendê-la
assim. Ela não pode ser reduzida a frações percentuais, pois é única e irrepetível.
E aqui fica a interrogação: como é que a pessoa conhece e entra em contato com essa
essência? A resposta vem de forma simples: quem tem a chave de seu interior é a própria
pessoa. Para conhecer seu interior, é preciso que entre em contato consigo mesma através da
reflexão e da meditação. É um constante prestar atenção em si mesmo, no seu modo de ser, de
pensar e de agir.
Pensando nisso, cabe perguntar: quanto tempo você gasta consigo mesmo? Cinco minutos por
dia? Cinco por semana? Cinco por mês? É por meio desse tempo que se ocupa consigo
mesmo que se consegue perceber e entender quem se é de fato.
Mas há um segundo passo; além de se conhecer, é preciso aceitar-se como você é na sua
essência. Tem erros? Como e o que fazer para corrigi-los? Tem defeitos? Claro que sim. Mas
quando percebe sua essência na profundidade, percebe a beleza daquilo que é. Aceitar-se
como é define o passo adiante. Mas não é tudo, há mais pela frente, é hora de gostar de si
como você é.
Se não conseguir dar esses passos, não poderá perceber que os semelhantes são tão
importantes como você e merecem seu carinho, sua atenção, seu apreço, seu amor. Assim é
possível entender as palavras de Cristo: “amarás teu próximo como a ti mesmo” (Mt 22,39).
Quem consegue amar-se na essência ama o outro, o mundo, a natureza e o Criador, porque se
percebe parte desse todo.
O eu do indivíduo é a sua individualidade, é o seu ser pessoa. É essa a marca indelével do eu
sou. E a consciência disso é que faz o indivíduo perceber que ninguém vai ocupar seu lugar
no mundo; sua missão no mundo é única. Entrar em contato com o seu núcleo, isto é, com o
seu ser interior, é abrir as portas para descobrir sua individualidade, sua importância, para
encontrar o caminho para a autorrealização, a felicidade.
Quanto mais profundo for esse contato com o seu próprio eu, mais profundo será seu conceito
de pertença do todo; mais profunda será a percepção de seu papel na melhora do meio em que
vive, do mundo onde habita.
Não é possível ser feliz sozinho. Quanto mais o indivíduo busca a realização pessoal, mais ele
percebe que essa realização só acontece à medida que se abre para o outro, para o todo, para
que todos tenham vida em abundância, como ensina o Cristianismo.
Essa busca do próprio eu não significa fechar-se em si mesmo, mas, sim, perceber e sentir um
intenso amor e respeito por si e por seu corpo e, ao mesmo tempo, uma abertura e um
profundo amor pelo outro, pela natureza, pelo meio ambiente, pelo universo, pelo todo. É isso
que nos une aos outros, é isso que une ao Criador. Entrar em sintonia consigo, com seu
próprio núcleo, é entrar em sintonia com o outro, é entrar em sintonia com Deus.
Essa unidade é quebrada quando o indivíduo se fecha em si mesmo, em uma atitude egoísta,
egocêntrica, como ensina e propõe a lógica tecnicista.
Fechar-se em si mesmo é causar morte, não vida. Contribuir para que haja vida significa estar
centralizado, mas aberto, sem deixar que o meio tire a possibilidade de autorrealização, a qual
abrirá as portas para que os outros também se realizem e sejam felizes. Contribuir para que
haja vida é lutar contra tudo o que impede a vida de estar ao alcance de todos.
O que caracteriza o indivíduo diante da comunidade é saber que homem algum é uma ilha, e
que um necessita do outro para ser o que é. No contato com as outras pessoas, o indivíduo
percebe-se. Ao perceber-se, compreende que é na relação com o outro que ele próprio se
identifica. Contudo, nem sempre isso acontece de forma consciente e clara.
Scheler (2003, p. 75) afirma que “a vida psicofísica é una – e esta unidade é um fato que vale
para todos os seres vivos; portanto, também para os homens”. Fazendo uma crítica a
Descartes, o autor ainda afirma, categoricamente, que este:
[...] introduziu na consciência ocidental todo um exército de equívocos da pior espécie acerca da
natureza humana (ele dividiu todas as substâncias em "pensantes" e "extensas")... Para Descartes o
mundo não consiste senão em pontos "pensantes" e em um mecanismo violento a ser investigado
matematicamente (2003, p. 69).
E acrescenta:
[...] os filósofos, os médicos, os pesquisadores da natureza que se ocupam hoje com o problema do
corpo e da alma convergem cada vez mais para a intuição fundamental: é uma e a mesma vida que
possui uma configuração formal psíquica em seu íntimo, corpórea em seu ser para os outros (2003,
p. 71).
Dimensão social
Conforme alguns pensadores, o ser humano é produto do meio em que nasce e vive. Ele
recebe uma carga genética muito grande. Alguns dizem que essa carga e essa influência do
meio chegam a 95%, outros falam em 98%. Há até alguns que dizem que a influência do
meio é de 100%. Se fosse assim, não haveria individualidade.
O meio influencia os que vivem nesse ambiente, levando-os a adquirir os modos da família,
do bairro onde vivem, da cidade etc. Existe grande influência dos amigos que, ao mesmo
tempo, é transmitida ao ambiente.
Não se pode esquecer, ainda, que a ideologia do sistema capitalista influencia a pessoa no seu
pensar, seu sentir e seu agir. Portanto, essa carga de influência que diariamente é recebida por
meio da família, da mídia, da escola, do grupo de amigos etc. confere à pessoa uma maneira
própria de ser.
Apesar da carga genética e da influência do meio, o ser humano possui algo que o identifica
consigo mesmo e o torna diferente. Portanto, o que vai mostrar essa diferença é a forma como
ele olha para si e como ele se identifica com seu interior. Assim, pode-se distinguir o que
é identidade própria e o que é influência do meio em que vive.
É nesse âmbito que a pessoa humana se encontra. Cada ser humano é um ser único. No
entanto, está inserido num contexto mais complexo, bem mais amplo do que seu próprio ser.
Cada pessoa humana tem necessidade dos outros: para vir ao mundo, para crescer, para nutrir-
se, para educar-se, para programar-se a si mesma e para realizar seu próprioprojeto de
humanidade. [...] Cada ser humano nasce, vive e cresce no interior de um grupo social...
(MONDIN, 1998, p. 27).
A pessoa vive em sociedade. Ela não pode e não deve ficar isolada em sua existência, pois é
um ser em relação. Não é apropriado restringir a análise e a concepção da pessoa humana,
como popularmente se fala e se ouve pela vida afora: o homem é um ser que nasce, cresce,
reproduz, envelhece e morre. Muitas vezes, crianças e adolescentes fazem esse tipo de
brincadeira, e, na atitude, muitas pessoas adultas também agem como se esse fosse o sentido
da vida, fazendo, simplesmente, uma leitura biológica. Assim, valorizam uma parte do ser em
detrimento do restante. É comum valorizar uma dimensão em detrimento das demais.
Dimensão espiritual
O significado etimológico da palavra "espiritual" apresenta um problema de terminologia
específico da língua portuguesa.
O termo estóico para espírito é pneuma, e o latino, spirtus, com suas derivações nas línguas
modernas – no alemão é Geist, em hebraico ru’ach. Não existe problema semântico nessas
línguas, mas existe um problema no português, por causa do uso da palavra "espírito"
equivocadamente, com um "e" minúsculo. As palavras "Espírito" e "Espiritual" só são usadas
para o Espírito divino e seus efeitos no homem, e são escritos com "E" maiúsculo. A questão
agora é então: pode ser restaurada a palavra "espírito", designando uma dimensão particular
da vida humana? (TILLICH, 1984, p. 401).
Essa preocupação remete a uma questão fundamental para o entendimento dessa dimensão da
pessoa. O mesmo autor afirma mais adiante, quando aponta o espírito como poder de vida:
[...] espírito é o próprio poder de animar e não uma parte acrescentada ao sistema orgânico.
Contudo, alguns desenvolvimentos filosóficos, aliados a tendências místicas e ascéticas no mundo
antigo tardio, separaram espírito e corpo. Nos tempos modernos essa tendência chegou ao seu auge
em Descartes e no empirismo inglês. A palavra recebeu a conotação de "mente" e a própria "mente"
recebeu a conotação de "intelecto". O elemento de poder no sentido original de espírito
desapareceu, e finalmente a própria palavra foi descartada.
Martins (2009, p. 37) dimensiona o entendimento sobre a espiritualidade afirmando que:
[...] quando falamos de espiritualidade, falamos de uma relação com algo superior à própria
materialidade. Não necessariamente estamos falando da relação com Deus, tampouco com o Deus
cristão...
Se não estamos no terreno religioso, então, onde se situa o entendimento da questão em
pauta? O mesmo autor afirma que:
[...] entramos no terreno da filosofia, precisamos considerar a espiritualidade com base na questão
da transcendência, uma questão genuinamente filosófica... No ser humano há uma abertura para as
coisas existentes e uma abertura para seu semelhante, portanto, um ser-para-as-coisas e um ser-
para-o-outro. A relação estabelecida com as coisas se dá no plano da objetividade e a relação com o
outro se dá no plano da intersubjetividade. Contudo, há um terceiro nível de abertura, que ocorre no
plano da transcendência. Uma abertura para o Absoluto... (MARTINS, 2009, p. 37).
A vida em si possui um significado próprio e dá ao ser humano uma expressão de totalidade.
O ser humano tem um significado especial e deve ser visto na sua totalidade.
A questão fundamental que devemos analisar é como ajudar a pessoa a se descobrir e a se
perceber dessa forma. Quando se trata de totalidade do ser humano, trata-se das dimensões
biológica, psicológica, social e espiritual. Sua existência não está isolada, pois o ser humano é
um ser de relação. Relação essa que abrange o seu eu, o outro, o mundo e a transcendência,
ocorrendo uma inter-relação
Leonardo Boff (2003), teólogo e escritor, quando fala a respeito da vida que envolve o ser
humano, especifica as características próprias da pessoa que começa com a auto-organização,
passa pela autonomia, pela adaptabilidade ao meio e pela reprodução e culmina na
autotranscendência.
Por isso, constantemente, ele chama a atenção para o cuidado, o respeito, a veneração e a
ternura que devemos ter para com a vida de maneira geral e a pessoa em particular. É a vida
que garante a todos os seres a razão de seu existir, do seu ser-no-mundo. Respeitar a vida,
cuidar dela, tratá-la com veneração e ternura são requisitos inerentes a todos nós que estamos
em busca de um sentido.
Entretanto, é preciso entrar em contato com algo que está implícito no homem: o espírito.
Isso não elimina a importância dos outros aspectos da pessoa, que estão subentendidos no ser
como um todo. Mas o que evidencia essa espiritualidade? Quem nos dá essa resposta é
Mondin (1998, p. 21), quando fala que há:
[...] muitos indícios: a autoconsciência, a reflexão, a contemplação, o colóquio, a autotranscedência
etc. Mas o indício mais certo, porém, é a liberdade. Esta é a condição própria do espírito. O espírito,
e somente o espírito é essencialmente livre. [...] o homem possui uma dimensão interior de natureza
espiritual: a alma, a mente e o espírito.
Completando essa afirmação, Betto e Boff acrescentam que "Espírito é o ser humano na sua
totalidade enquanto ser que pensa, que decide, que tem identidade, que tem subjetividade, é
sujeito. [...] espírito é o modo de ser" (2005, p. 76), pois "espiritualidade é a transformação
que a mística produz nas pessoas, na forma de olhar a vida, no jeito de encarar os problemas e
de encontrar soluções" (2005, p. 28).
Para aprofundar um pouco mais o que significa essa dimensão espiritual, é importante
verificar o que Mandrioni (1964, p. 53) escreve quando se refere a ela:
[...] capacidade de reflexão; a plena consciência de si mesmo; a capacidade de separar a essência
universal da existência concreta e particular; o poder universalizador; o fator da liberdade e o
âmbito indefinido de possibilidades aberto aos atos humanos; o poder de controlar seus impulsos
mais poderosos a fim de ajustar sua conduta à norma de um ideal percebido e valorizado; o poder
de conceitualizar, julgar e raciocinar; a capacidade de captar a ordem [...] o poder de transcender a
relatividade dos atos humanos e alcançar um conteúdo permanente, necessário e estável [...] o fato
de poder perguntar-se sobre o sentido do "Todo"; a capacidade de construir a ciência; o sucesso da
cultura com a imensidade de valores que concentra...
Max Scheler (2003, p. 35) aponta o espírito como princípio ao mostrar a diferença entre o
homem e o animal:
O espírito é um princípio novo e ele abarca a razão, utilizada pelos gregos, abarca um determinado
tipo de intuição, que ele chama de intuição dos fenômenos originários ou dos conteúdos essenciais
e abarca os atos volutivos e emocionais (a bondade, o amor, o remorso, a veneração, a ferida
espiritual, a bem-aventurança, o desespero e a decisão livre), além disso, designa pessoa como
sendo o centro ativo no qual o espírito aparece no interior das esferas finitas do ser.
No entanto, Scheler ainda acrescenta que o ser "espiritual" está aberto para o mundo.
"Espírito é com isso objetividade... Somente um ser capaz de levar a termo tal pertinência às
coisas "tem" espírito" (2003, p. 36). E acrescenta:
O ato espiritual, como o homem pode realizá-lo... leva ao "recolhimento em si", "consciência de si
mesmo por parte do centro espiritual do ato" ou autoconsciência. Isso dá ao homem a possibilidade
de "modelar livremente sua vida" (2003, p. 39).
Por força do espírito o homem é dado a si na autoconsciência e na objetividade de seus
processos psíquicos e de seu aparato senoriomotor (2003, p. 41).
O espírito envolve o ser humano no seu todo. A autoconsciência e a liberdade representam
para a pessoa a capacidade de entender seu papel no mundo. O homem, e só ele, é capaz de
conhecer seu passado e entendê-lo; de perceber-se no presente e projetar seu futuro. Mas
nessa dinâmica da vida pode fazer escolhas tornando-se pessoa na plenitude.
Como espírito, o homem goza de uma abertura sem limites, infinita. Ele está em busca da
plena realização porqueparticipa dessa esfera espiritual que o coloca em contato com o
infinito. Como pessoa, é ser finito se relacionando finitamente com os outros seres, pois são
seus semelhantes. Por isso, sua existência e sua autorrealização ocorrem enquanto se
relaciona com os outros, seus semelhantes.
Cada pessoa é o princípio de suas ações, de sua capacidade de governar-se tendo em vista sua
liberdade. Fundamentalmente, o ser humano é livre para se realizar como pessoa e, por isso,
responsável pelo seu projeto pessoal e social de vida (CLARETIANO, 2005, p. 23).
A pessoa que consegue olhar para si mesma se percebe como pessoa humana, una e única,
capaz de criar e dar respostas positivas a seus anseios e de conquistar todas as chances de
fazer uma opção livre e consciente.
A evolução técnica experimentada nos últimos séculos desumanizou o ser humano. É
importante que ele perceba que é coautor na construção do mundo; por isso, deve agir com
liberdade, responsabilidade e justiça. No entanto, ele entenderá essa responsabilidade quando
adquirir a liberdade de pensamento, quando aguçar a capacidade de discernimento e puder
compreender seus sentimentos e sua imaginação (DANIEL; SCOPINHO (2013, p. 72-82).
 
Vertendo-se para esse nível de compromisso, o Claretiano – Centro Universitário, tendo em
vista o ensino confessional, coloca como centro de suas preocupações o desenvolvimento
integral da pessoa humana. Dessa maneira, sua Missão é identificada da seguinte forma:
Capacitar a pessoa humana para o exercício profissional e para o compromisso com a vida,
mediante a sua formação integral; missão essa que se caracteriza pela investigação da verdade, pelo
ensino e pela difusão da cultura, inspirada nos valores éticos e cristãos e no carisma Claretiano que
dão pleno significado à vida humana (AÇÃO EDUCACIONAL CLARETIANA, 2012, p. 17).
Dito de outro modo, as pessoas são a primeira grandeza a ser considerada. Com esse intuito, foram definidos 7 princípios
institucionais, a saber:
• Princípio da Singularidade: cada pessoa merece atenção, respeito e valorização na comunidade educativa.
• Princípio da Abertura: a comunidade educativa está aberta ao diálogo e deseja servir às pessoas, à sociedade e ao mundo.
• Princípio da Integralidade: a comunidade educativa é profética e facilitadora da construção responsável de si e da
investigação da verdade.
• Princípio da Transcendência: queremos melhorar o que somos e fazemos.
• Princípio da Autonomia: na comunidade educativa cada um deve responder com empenho pelo bem de todos.
• Princípio da Criatividade: queremos ser criativos e proativos no cumprimento de nossa missão.
• Princípio da Sustentabilidade: queremos que a instituição viva e faça viver com passos firmes e de forma sustentável no
presente e no futuro (AÇÃO EDUCACONAL CLARETIANA, 2012).
Conheça na integra os princípios institucionais do Claretiano - Rede de Educação.
Assim, em conformidade com tais princípios, têm sido estruturadas as iniciativas da
Instituição, visando contribuir para o desenvolvimento humano necessário a todos nós.
Pronto para testar seus conhecimentos? Responda à questão a seguir e identifique se o seu
aprendizado está eficiente.
6. Considerações
Ao chegar no final deste ciclo, pudemos perceber que o entendimento que o Claretiano possui
a respeito da pessoa se distingue daquele predominante na atualidade e de inúmeras correntes
filosóficas, antropológicas, sociais etc.
Vimos que o Claretiano entende a pessoa como um ser único e irrepetível, considerando todas
as pessoas, sem distinção nenhuma, visto que todas são importantes e merecem nosso respeito
e atenção.
Estamos inseridos em uma sociedade que faz distinção entre as pessoas e que valoriza a
pessoa que “possui mais”. O poder e o dinheiro acabam dando à pessoa uma importância que
não corresponde à realidade, mas que é imposta pela sociedade em que vivemos.
Nesse sentido, cabe a nós perceber essa situação e lutarmos para que o entendimento a
respeito da pessoa seja adequado à realidade que nos faz mais humanos e humanizados. Não
basta só conhecermos, é preciso vivenciar o aprendizado.
https://dev.redeclaretiano.edu.br/dev/res/emkt/2018/faculdaderco/credenciamento/principios.pdf

Continue navegando