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LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT
JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES
ORGANIZADORES
UM ESTUDO AMPLIADO 
EM DIREITOS HUMANOS 
E DEMOCRACIA
LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT, JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES (ORG.)
UM ESTUDO AMPLIADO 
EM DIREITOS HUMANOS 
E DEMOCRACIA
LEONARDO NEMER CALDEIRA BRANT
JOSÉ LUIZ QUADROS DE MAGALHÃES
Organizadores
UM ESTUDO AMPLIADO 
EM DIREITOS HUMANOS 
E DEMOCRACIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Belo Horizonte
2021
© 2021 Konrad-Adenauer-Stiftung
Autoria 
Leonardo Nemer C. Brant
José Luiz Quadros de Magalhães
Coordenação Executiva
Fernanda de Sousa Montes Lana
Kelly Versiany Maciel
Design e Diagramação
Walter Santos
ISBN: 978-65-993303-1-5
Título: Um Estudo Ampliado em Direitos Humanos e Democracia = Un Estudio Ampliado Sobre Derechos Humanos Y 
Democracia = An Expanded Study in Human Rights and Democracy. 
Belo Horizonte, Konrad-Adenauer-Stiftung, 2021. 
Fundação Konrad Adenauer
Rua Guilhermina Guinle, 163
Botafogo CEP: 22270-060
Rio de Janeiro, RJ – Brasil 
Tel.: +55 21 2220-5441
E-mail: adenauer-brasil@kas.de
Web: www.kas.de/brasil
As visões e opiniões expressas na presente coletânea de artigos e teses são de responsabilidade dos autores colaboradores 
e não representam necessariamente as visões e posições dos organizadores.
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
21-84046
Um estudo ampliado em direitos humanos e democracia / organizadores Leonardo 
Nemer Caldeira Brant, José Luiz Quadros de Magalhães ;
Walter Santos. -- Belo Horizonte : CEDIN, 2021.
Vários autores.
Bibliografia
ISBN 978-65-993303-1-5
1. Cidadania 2. Democracia 3. Direitos humanos 4. Direitos humanos - Brasil 
I. Brant, Leonardo Nemer Caldeira. II. Magalhães, José Luiz Quadros de.
CDD-342.7
Índices para catálogo sistemático:
1. Direitos humanos : Direito 342.7
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
S U M Á R I O
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................................................................. 9
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO: UMA ANÁLISE DE SUAS TRANSFORMAÇÕES 
HISTÓRICAS E CONCEITUAIS À LUZ DO NOVO CONSTITUCIONALISMO 
LATINO-AMERICANO
José Luiz Quadros de Magalhães, Heleno Florindo da Silva ...............................................................13
 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................................................13
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO CONSTITUCIONALISMO DEMOCRÁTICO MODERNO 
OCIDENTAL ..............................................................................................................................................................................................15
2 OS PROBLEMAS DA DEMOCRACIA MAJORITÁRIA ........................................................................................................19
3 A DEMOCRACIA CONSENSUAL PLURAL DO NOVO CONSTITUCIONALISMO 
LATINO-AMERICANO ........................................................................................................................................................................22
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................................26
ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 
O CASO DA REFORMA DE POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL
Carlos Vasconcelos Rocha, André Campos Rocha ............................................................................................27
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................................................27
1 DA SOCIEDADE CIVIL AO ESTADO ..........................................................................................................................................30
2 DO ESTADO À SOCIEDADE CIVIL ..............................................................................................................................................33
3 SOBRE A DICOTOMIA PERSISTENTE ENTRE AS DUAS ABORDAGENS ............................................................36
4 AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: 
O EXEMPLO DA REFORMA DA SAÚDE NO BRASIL .......................................................................................................37
 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................................43
TEMPOS ESTRANHOS OU “CRISE AMBIENTAL”: O PRESENTE DO QUAL 
O FUTURO FAZ PARTE
Clarissa Marques .........................................................................................................................................................................................47
 INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................................................47
1 O TEMPO PRESENTE TOMADO POR UMA “CRISE” FUTURA ..................................................................................49
2 O DÉFICIT MOTIVACIONAL DO PRESENTE E A EXPERIÊNCIA ÉTICA PARA COM O FUTURO ..........53
 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...............................................................................................................................................................58
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................................................................................. 60
DIREITOS FUNDAMENTAIS E SUA CONFRONTAÇÃO COM A JUSTIÇA INDÍGENA 
NO CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
Antonio Carlos Wolkmer, Maria Laura Ronchi .......................................................................................................63
INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................................................63
1 DIREITOS FUNDAMENTAIS: SUAS BASES CONSTITUTIVAS .................................................................................. 64
2 LIMITES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................................................................... 66
2.1 Restrições direta e indireta de constitucionalidade .........................................................................................67
2.2 Teoria Interna e Externa ....................................................................................................................................................... 68
3 A QUESTÃO DAS LIMITAÇÕES AOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ........................................................................69
4 A JUSTIÇA INDÍGENA ORIGINÁRIA CAMPESINA RECONHECIDA NO ESTADO 
PLURINACIONAL DA BOLÍVIA......................................................................................................................................................70
4.1 Pluralismo Jurídico e a Constituição do Estado Plurinacional da Bolívia ..........................................70
4.2 Reconhecimento do direito indígena: disposições constitucionais e restrições .........................71
4.2.1 As Cumbres de Justicia e a tentativa de efetivação dos direitos fundamentais dos 
povos indígenas originários campesinos: pesquisa empírica .............................................................75
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................................78REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................................................................................79
PENSANDO NA ESTÉTICA DO SISTEMA PROCESSUAL PENAL E A PARTICIPAÇÃO 
FEMININA
Flaviane de Magalhães Barros Bolzan de Morais..............................................................................................81
 INTRODUÇÃO .........................................................................................................................................................................................81
1 TEMPOS SOMBRIOS: MULHERES ACUSADAS E MULHERES VÍTIMAS ............................................................82
2 ESTÉTICA E VIOLÊNCIA DO PROCESSO PENAL ..............................................................................................................85
3 PARTICIPAÇÃO FEMININA: DA ESFERA PÚBLICA À PARTICIPAÇÃO NO PROCESSO PENAL ............91
 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................................98
 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................................................................................................................................98
O DIREITO INTERNACIONAL FRENTE AOS ‘ESTADOS FRACASSADOS’: 
UMA LEITURA PÓS-COLONIAL
Henrique Weil Afonso ........................................................................................................................................................................103
1 AS BASES MORAIS DO INTERNACIONALISMO LIBERAL ........................................................................................105
2 A DEMOCRACIA LIBERAL ENQUANTO ATRIBUTO MORAL DO SUJEITO DE DIREITO 
INTERNACIONAL ................................................................................................................................................................................111
3 O PARADIGMA DOS ‘ESTADOS FRACASSADOS’ .........................................................................................................117
4 A HISTÓRIA DO OUTRO E SEU FRACASSO: A CRÍTICA PÓS-COLONIAL 
AO INTERNACIONALISMO LIBERAL ..................................................................................................................................... 124
CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................................................................................. 128
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................ 130
DIREITOS HUMANOS E TECNOLOGIA: UMA ‘NOVA’ ERA!
Jose Luis Bolzan de Morais..........................................................................................................................................................135
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................................................... 135
1 REVOLUÇÃO DA INTERNET E UMA NOVA DIMENSÃO DE DIREITOS ............................................................ 138
2 REVOLUÇÃO DA INTERNET E UMA NOVA ERA DOS DIREITOS ........................................................................ 142
ENFIM, O QUE FICA COMO PERSPECTIVA....................................................................................................................... 147
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................ 149
O DIREITO FUNDAMENTAL À MORTE DIGNA A PARTIR DA EXPERIÊNCIA 
LATINO-AMERICANA
Maria de Fátima Freire de Sá, Diogo Luna Moureira ..................................................................................153
INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................................................................... 153
1 O RECONHECIMENTO DO DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE PELA CORTE 
CONSTITUCIONAL COLOMBIANA .........................................................................................................................................154
1.1 A efetivação do direito de morrer pela Resolução n. 1.216 de 2015 .................................................. 159
2 O RECONHECIMENTO DO DIREITO A MORRER COM DIGNIDADE PELA CORTE SUPERIOR 
DE JUSTIÇA DE LIMA, PERU ....................................................................................................................................................... 161
2.1 A decisão da Corte Superior de Justiça de Lima, Peru .................................................................................165
3 OS DESAFIOS E A EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NA MODERNIDADE ....................168
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................................................................................. 170
9
A P R E S E N T A Ç Ã O
O presente livro reúne importantes autores do Direito e da Política no 
Brasil, trazendo reflexões sobre temas urgentes, de compreensão necessária para 
construirmos alternativas para a crise contemporânea, marcada por uma crise 
ambiental sem precedentes; pelos imensos avanços tecnológicos que já estão 
afetando a sociedade do trabalho, valor essencial nas sociedades ocidentais 
modernas e, ao mesmo tempo, permitem um controle absoluto sobre a vida, 
as ações, as “escolhas” e o comportamento das pessoas. O uso das fake news 
produzidas em velocidade impressionante pela Inteligência Artificial, tem 
comprometido a democracia e influencia de forma determinante, em vários 
países, o resultado de eleições. A vida está acelerada, e esta aceleração não per­
mite o tempo necessário para entender a realidade política, econômica, social e 
de cada pessoa, oprimida pelo tempo escasso. O desenvolvimento não permite o 
necessário envolvimento com as pessoas, com as ideias, com a vida. Velocidade 
implica em dessensibilização e violência. Aceleramos nossas vidas de forma tão 
radical que não há tempo para perceber os riscos que corremos.
Convidamos pensadores da política e do direito para nos mostrar os 
desa fios, ajudar­nos a compreender a complexa realidade, e logo, permitir 
que possamos pensar alternativas urgentes em defesa da vida; da diversidade, 
demo cracia e liberdade.
 O primeiro capítulo traz reflexões sobre a relação entre democracia e 
constituição e como o novo constitucionalismo latino-americano, plurinacional, 
diverso, se apresenta como uma alternativa real ao sistema mundo colonial 
moderno que agora chega ao final. No segundo capítulo temos um estudo sobre 
as políticas públicas de saúde no Brasil, impulsionadas por movimentos sociais 
que permitiram construir um sistema público de saúde descentralizado e demo-
crático. A seguir, a importante discussão da gravíssima “crise ambiental” que 
se revela cada vez mais ameaçadora, seguido de um estudo sobre perspectivas, 
presente e futuro.
 Nos capítulos seguintes chega a vez da diversidade, questão central 
dos direitos humanos no mundo, debate complexo e essencial, uma vez que 
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distorções são criadas para usar a diversidade a favor da manutenção da 
imensa desigualdade socioeconômica. Ainda na linha dos direitos humanos, 
encontramos a relação desses direitos em permanente transformação com as 
tecnologias. Encontramos ainda o estudo dos “estados fracassados”, revelando 
a crise da modernidade e de seus formatos políticos contemporâneos. Por fim, 
um tema cada vez mais desafiador, que envolve direito, cultura e tecnologia: 
o direito a uma morte digna. O estudoé realizado a partir das experiências 
latino-americanas.
Excelente leitura!
Belo Horizonte, 23 de agosto de 2021
Professor Doutor José Luiz Quadros de Magalhães
Professor Doutor Leonardo Nemer Caldeira Brant 
 
13
DEMOCRACIA E CONSTITUIÇÃO: 
UMA ANÁLISE DE SUAS TRANSFORMAÇÕES 
HISTÓRICAS E CONCEITUAIS À LUZ DO NOVO 
CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
José Luiz Quadros de Magalhães1
Heleno Florindo da Silva2
INTRODUÇÃO
Vivemos em um contexto de enorme turbulência, seja no contexto social, 
político ou jurídico, a realidade atual latino-americana traz a possibilidade de 
discutirmos alguns pontos que em outros momentos históricos não seriam 
possíveis, tais como a questão da relação entre a ideal de constituição e de 
democracia do modo como construídos e debatidos nos últimos séculos.
1 Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela UFMG. Professor da graduação, mestrado e doutorado 
da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e da Universidade Federal de Minas Gerais. 
Presidente da Comissão Arquidiocesana de Justiça e Paz de Belo Horizonte. Membro do Diretório da 
Rede para um constitucionalismo democrático na América Latina.
2 Doutor e Mestre em Direitos e Garantias Fundamentais pela Faculdade de Direito de Vitória (FDV – 
CAPES 5). Pesquisador Externo do Grupo de Pesquisa Estado & Direito: Estudos Contemporâneos 
da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e do Grupo de Pesquisa Estado, Democracia e 
Direitos Fundamentais, na Linha de Pesquisa Estado e Direito – Estudos Contemporâneos vinculado ao 
Programa de Pós-Graduação Stritu Sensu da Faculdade de Direito de Vitória (FDV – CAPES 5). Professor 
EBTT de Direito do Instituto Federal Sudeste de Minas Gerais – Campus Muriaé. E-mail – heleno.silva@
ifsudestemg.edu.br.
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É a partir de então que tal possibilidade será discutida no presente estudo 
a partir de uma compreensão metodológica inerente ao múltiplo dialético3, haja 
vista ser aquela que melhor nos proporcionará realizar o debate inerente às 
problematizações que são lançadas durante todo o trabalho.
Assim, é importante que já se estabeleça ao menos alguns apontamentos 
sobre a referida perspectiva metodológica do múltiplo­dialético, a fim de se 
justificar o motivo de sua escolha como referencial metódico para a construção 
do presente texto. 
Desse modo, é possível compreendermos a abordagem metodológica do 
múltiplo-dialético desde sua matriz grega, até a contemporaneidade, como o 
modelo de racionalidade capaz de possibilitar a existência de inúmeras realidades 
que, mesmo sendo diferentes entre si, convivem em harmonia dentro de uma 
mesma realidade político-social.
É o que nos possibilitará perceber a multiplicidade de existência e de 
modos de compreensão possíveis, bem como a compreensão de que está tudo 
inter-relacionado, de que tudo o que existe está ligado a ponto de ser especial 
para a vida em harmonia. 
É neste sentido que Krohling apontará para o fato de que desde sua for-
mação mais incipiente, na Grécia antiga, a perspectiva do múltiplo dialético 
ser um importante marco na ascensão e promoção do debate sobre quaisquer 
situações, o que possibilitará, não só o surgimento, mas a necessidade de sua 
realização prática, do que hoje chamamos de diferença ou, mais recentemente, 
de diversidade, pois segundo ele 
Os gregos já tinham saído da mitologia, pois viviam a presença de um novo 
marco, isto é, a realidade da pólis, que modificou profundamente a sua maneira 
de ser e viver. [...] a ágora (praça pública) é o principal espaço e instrumento de 
poder. Nesse cenário descendências monárquicas, origens divinas da natureza 
e explicações mitológicas do poder não têm mais guarida. [...] tudo é debatido. 
As pessoas agora são iguais. Não há mais hierarquia absoluta e muito menos 
monarquia. [...]. Esse é o marco inicial. Não há nada que não possa ser discutido. 
Não existem mais verdades eternas (2014, p. 23-24).
3 Em decorrência do espaço limitado de um artigo científico, para um aprofundamento acerca do método 
do Múltiplo Dialético, ver KROHLING, Aloísio. Dialética e Direitos Humanos – múltiplo dialético: da 
Grécia à Contemporaneidade. Curitiba: Juruá Editora, 2014. Cap. 4. 
U M E S T U D O A M P L I A D O E M D I R E I T O S H U M A N O S E D E M O C R A C I A
15
Desta feita, na primeira parte deste estudo, abordaremos em linhas gerais 
os aspectos históricos do constitucionalismo democrático moderno ocidental, 
especialmente a racionalidade por detrás do ideário constitucional, bem como do 
democrático, ou seja, até onde é possível aproximarmos ou não a compreensão 
de constituição com a compreensão de democracia.
 De outro lado, na segunda parte abaixo serão discutidos os problemas 
inerentes ao que conhecemos como democracia majoritária, especialmente 
aqueles debates acerca do fato de que o constitucionalismo como se debateu na 
primeira parte destaca aludida acima, significa mudança com limites, transfor-
mação com segurança, a ponto de que o núcleo duro de qualquer constituição 
democrática (moderna, democrática representativa e majoritária) serem os 
direitos fundamentais. 
 Ao fim, na terceira e última parte do trabalho o debate que o conduz 
dirá respeito a busca pela realização de uma análise, mesmo que breve, dos 
principais contornos e características daquilo que vem sendo conhecido em 
teoria como um modelo de democracia consensual plural, algo que surge no 
contexto latino-americano das últimas décadas e que forma um dos principais 
pilares do novo constitucionalismo latino-americano.
1 ASPECTOS HISTÓRICOS DO CONSTITUCIONALISMO 
DEMOCRÁTICO MODERNO OCIDENTAL
O constitucionalismo moderno não nasceu democrático e o seu processo 
de transformação e democratização ocorreu a partir dos movimentos sociais do 
século XIX, especialmente o movimento operário, a formação dos sindicatos e 
a constituição dos partidos políticos vinculados às reivindicações e lutas dos 
trabalhadores.
A função primeira de uma constituição liberal foi a de oferecer segurança 
àqueles que detinham o poder econômico da época, em sua grande maioria, 
homens, brancos e proprietários (de terra ou de algum tipo de comércio), e esta 
segurança era conquistada pela pretensão de permanência e superioridade da 
constituição, o que geraria estabilidade social e econômica para o desenvolvi-
mento dos negócios.
A constituição, portanto, vista como a segurança sobre a qual a burguesia 
em ascensão buscará a solidificação e suas bases epistemológicas, permitiu, 
como dito acima, a formação de um Estado cuja principal atribuição é garantir 
L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T | J O S É L U I Z Q U A D R O S D E M A G A L H Ã E S ( O R G . )
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que aquilo que foi tutelado como direito ou como dever, nas leis que passaram 
a sustentar as relações sociais, possa ser, efetivamente, cumprido.
Assim, a ideia de Constituição, está vinculada historicamente a busca de 
segurança por meio da previsibilidade, permanência e estabilidade, de modo 
que sem esse aprofundamento e entendimento acerca dos movimentos consti-
tucionais inerentes aos debates revolucionários de matiz liberal, eurocêntricos, 
não nos será possível visualizar como tais premissas foram necessárias para 
afirmação da estética moderna.
Ou seja, como a constituição, entendida aqui como um mecanismo de 
salvaguarda, um instrumento para se alcançar segurança, surge como mais um 
reflexo da colonialidade do poder4, enquanto que, do outro lado, a busca por 
Democracia implica na possibilidade de permanente transformação, mudança, 
ou seja, na existência de um eterno risco.
A dicotomia entre segurança e risco, estabilidade e mudança, é uma dico-
tomia de índole cultural, com matiz moderno-ocidental, que se encontra na raiz 
de nossas vidas. 
Desta feita, é possível percebermos que ao contrário de uma perspectiva 
contraditória,tal como visto acima, entre a busca do novo (risco) e a busca de 
segurança – que é estabelecida pela cultura – a transformação é, por sua vez, 
inerente a toda a forma de existência conhecida, ao passo que todo o universo 
que conhecemos está em permanente processo de transformação. 
O nosso universo está em processo de expansão e transformação perma-
nente, sendo que o ser humano, como ser histórico, contextualizado, é um ser 
em processo de transformação permanente, independentemente de sua vontade. 
Contudo, nossa humanidade nos dá outra característica essencial, qual 
seja, somos seres históricos e logo, vítimas e sujeitos da história, de modo que 
podemos construir nossa vida e nossas sociedades com um grau de autonomia 
que cremos ser razoável. 
Do ponto de vista psicológico, o que nos faz viver, o que nos coloca em 
pé todos os dias é a perspectiva de transformação, a busca do novo. Logo, uma 
4 Mesmo não sendo o objeto central de estudo do presente trabalho, é preciso destacar que por colo-
nialidade do poder no sentido posto acima, entendemos que em suas origens, “[...] o colonialismo 
acompanhou a expansão e a acumulação do capitalismo. Concretamente, a irrupção do colonialismo em 
escala mundial tem, imediatamente, haver com a acumulação originária do capital a escala mundial e 
com o nascimento da modernidade”, pois, “o colonialismo é a forma mundial de dominação desatada 
pelas formas hegemônicas do capitalismo, formas implantadas sucessivamente durante os distintos 
ciclos do capitalismo” (ALCOREZA, 2010, p. 47 – tradução nossa).
U M E S T U D O A M P L I A D O E M D I R E I T O S H U M A N O S E D E M O C R A C I A
17
sociedade livre e democrática, onde os destinos desta sociedade sejam fruto da 
vontade das pessoas que integram esta mesma sociedade, será uma sociedade 
em permanente processo de transformação. A sociedade democrática, portanto, 
é uma sociedade de risco na medida em que é uma sociedade em constante 
mutação.
Temos então a equação do constitucionalismo democrático moderno: a 
tensão permanente entre democracia e constituição; entre segurança e risco; 
mudança e permanência; transformação e estabilidade. A busca do equilíbrio 
entre estes dois elementos, aparentemente contraditórios, é uma busca de tipo 
constante, de modo que a Democracia constitucional passa a ser construída sobre 
essa dicotomia: transformação com segurança; risco minimamente previsível; 
mudança com permanência.
Importante lembrar que esta teoria, esta tensão entre democracia e cons-
tituição, se constrói sobre conceitos específicos: constituição como busca de 
segurança e, portanto, como limite às mudanças democraticamente decididas. 
O papel da constituição moderna é reagir às mudanças não permitidas. 
Antes de continuarmos, é importante ressaltar acerca desse ponto que, para 
a compreensão adequada daquilo que aqui se assevera, é necessário entender a 
democracia, principalmente, em suas perspectivas majoritária e representativa 
– o que será melhor trabalho mais abaixo –, uma vez que a base da teoria da 
constituição moderna se fundamenta sobre esta dicotomia: a constituição deve 
oferecer segurança nas transformações decorrentes do sistema democrático, de 
modo que daí pode surgir o questionamento: como é oferecida tal segurança?
Para que a Constituição tenha permanência foram criados mecanismos de 
atualização do texto constitucional: reforma do texto por meio de emendas e 
revisões. As emendas constitucionais, significando mudança pontual do texto, 
podem ser aditivas, modificativas ou supressivas. A revisão implica em uma 
mudança sistêmica do texto.
As duas formas de atualização do texto devem ter, sempre, limites, que 
podem ser materiais (matérias que não pode ser reformadas em determinado 
sentido); temporais; circunstanciais (momentos em que a constituição não pode 
ser reformada como durante o estado de defesa ou intervenção federal); pro-
cessuais (mecanismos processuais relativos ao processo de discussão e votação 
que dificultam a alteração do texto). 
Desta forma, a teoria da constituição moderna, procurou equilibrar a segu-
rança com a mudança necessária, para que a Constituição acompanhe as trans-
formações ocorridas pela democracia representativa majoritária. É justamente 
L E O N A R D O N E M E R C A L D E I R A B R A N T | J O S É L U I Z Q U A D R O S D E M A G A L H Ã E S ( O R G . )
18
esta possibilidade de mudança constitucional com dificuldade (limites) que 
permite maior permanência da constituição e, portanto, maior estabilidade do 
sistema jurídico constitucional. 
A constituição não pode mudar tanto que acabe com a segurança, nem 
mudar nada o que acaba com sua pretensão de permanência. Daí, não pode a 
teoria da constituição, admitir que as mudanças formais, por meio de reformas 
(emenda ou revisão), sejam tão amplas que resultem em uma nova constituição, 
pois isto representaria destruir a essência da constituição: a busca de segurança. 
De outro lado, a não atualização do texto por meio de reforma, ou ainda, a 
não transformação da constituição por meio das mutações interpretativas (inter-
pretações e reinterpretações do texto diante do caso concreto inserido no contexto 
histórico), pode significar a morte prematura da constituição, destruindo a sua 
pretensão de permanência e logo, afetando sua essência, a busca de segurança.
Este é o equilíbrio essencial do constitucionalismo moderno democrá tico, 
considerando democracia enquanto representativa e majoritária, principal-
mente, e constituição enquanto limite e garantia de um núcleo duro, imutável, 
contramajoritário, que protege os direitos fundamentais das maiorias provi-
sórias. É a partir desta lógica que se pode compreender as teorias modernas da 
constituição.
Permanece ainda uma questão fundamental: como a constituição não pode 
mudar tanto que comprometa a segurança e de outra forma, não pode impedir 
as mudanças (se se pretende democrática), de forma que comprometa sua per-
manência, haverá sempre uma defasagem entre as transformações da sociedade 
democrática e as transformações da constituição democrática. 
O que decorre desta equação é o fato inevitável (dentro deste paradigma) 
de que a sociedade democrática mudará sempre mais e mais rápido do que a 
constituição é capaz de acompanhar. E isto não pode ser mudado pois com-
prometeria a essência da constituição e da democracia, o equilíbrio (que cada 
constituição constrói de acordo com o momento histórico) entre permanência e 
transformação, segurança e risco.
Assim, inevitavelmente chegará o momento em que a sociedade mudará 
mais do que a constituição foi capaz de acompanhar. Neste momento a consti-
tuição se tornará ultrapassada, superada: é o momento de ruptura. A teoria da 
constituição apresenta uma solução para estes problemas: o poder constituinte 
originário, soberano, ilimitado do ponto de vista jurídico (e obviamente limitado 
no que se refere a realidade social, cultural, histórica, econômica).
U M E S T U D O A M P L I A D O E M D I R E I T O S H U M A N O S E D E M O C R A C I A
19
Este é o momento de ruptura. Entretanto, dentro de uma lógica democrá-
tica constitucional esta ruptura só será legitima se radicalmente democrática. 
Só por meio de um movimento inequivocamente democrático será possível 
(ou justificável) a ruptura. Além disto, se só uma razão e ação democrática 
justifica a ruptura com a constituição, está ruptura só será legitima se for para, 
imediatamente, estabelecer uma nova ordem constitucional democrática.
Desse modo, a democracia só poderá legitimamente superar a constituição 
se for, para, imediatamente, elaborar e votar uma nova constituição democrá-
tica. A democracia acaba com a constituição criando uma nova constituição à 
qual a democracia se submete. Esta é a lógica histórica do constitucionalismo 
democrático moderno. 
Veremos mais adiante como a democracia consensual plurinacional não 
hegemônica pode trazer uma outra perspectiva à relação entredemocracia 
e constituição. Antes, porém, vamos discutir um pouco mais a lógica contra 
majoritária.
2 OS PROBLEMAS DA DEMOCRACIA MAJORITÁRIA
A partir do discutido acima, podemos perceber que o “casamento” entre 
constituição e democracia significa, na prática, que existem limites expressos – ou 
não – às mudanças democráticas, ou seja, em outras palavras, existem assuntos, 
princípios, temas que não poderão ser deliberados. Há um limite à vontade da 
maioria. Existe um núcleo duro, permanente, intocável por qualquer maioria. 
A lógica que sustenta estes mecanismos se ampara na necessidade de 
proteger a minoria, e cada um, contra maiorias que podem se tornar autoritárias, 
ou que podem desconsiderar os direitos de minorias (que poderão se transformar 
em maiorias), de modo que o constitucionalismo significa mudança com limites, 
transformação com segurança, a ponto de que o núcleo duro de qualquer 
constituição democrática (moderna, democrática representativa e majoritária) 
serem os direitos fundamentais.
Assim, os direitos fundamentais construídos historicamente, são prote gidos 
pela constituição contra maiorias provisórias que em determinados momentos 
históricos podem ser comprometidos por tentações autoritárias. Uma per gunta 
comum seria a seguinte: pode a população, majoritariamente e livre mente, 
escolher um regime de governo não democrático? O exemplo não é pouco 
comum, mas, geralmente é mal trabalhado. 
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Muitas vezes a escolha de sistemas que não correspondem ao padrão 
ocidental de democracia é vista como uma escolha não legitima, já que negaria 
a democracia. Entretanto, o conceito de democracia é diverso, e as formas de 
organização históricas, assim como as formas de participação e construção da 
vontade comum em uma sociedade também, o que confere uma maior comple-
xidade a este debate, na maioria das vezes, travado a partir de uma pretensa e 
falsa universalidade dos conceitos ocidentais.
Mas voltando à discussão realizada dentro do paradigma moderno de 
democracia constitucional ocidental (europeia), a resposta para a pergunta 
acima, a partir da compreensão da democracia constitucional, é que, não pode 
a maioria decidir democraticamente contra a democracia. 
Estes mecanismos de proteção das conquistas históricas de direitos chama-
mos de mecanismos constitucionais contra majoritários. Em momentos de crise 
podem os cidadãos cederem às tentações autoritárias e reacionárias e a função 
da constituição é reagir a estas mudanças não permitidas. 
Há uma perspectiva evolucionista linear que sustenta esta tese: a proibição 
do “retrocesso” parte de uma perspectiva evolutiva muito confortável, e por isto 
talvez, muitas vezes, falsa, mas importante dentro da lógica moderna.
Um exemplo claro das dificuldades da compreensão do princípio da 
“proibição do retrocesso” e de, como este princípio, só pode ser compreendido 
dentro de um mesmo paradigma: por exemplo, considerar o direito fundamental 
à propriedade privada como um direito intocável. O retrocesso para alguns 
liberais seria a tentativa de limitar ou condicionar este direito. 
Assim, a função social da propriedade, presente como princípio fundamen-
tal nas constituições sociais, seria para as teorias constitucionais liberais clássicas, 
um grave retrocesso. Imaginem então o mesmo princípio em constituições 
socialistas? É claro que a discussão é contextualizada, e não é tão simples quanto 
parece. 
O que é um retrocesso? Sobre qual perspectiva teórico­filosófica podemos 
considerar a transformação ou até mesmo a superação de um direito fundamental 
como um retrocesso? Ou seja, que pode ser compreendido como retrocesso em 
um paradigma constitucional, não o será, necessariamente, em outro. 
Logo, a proibição do retrocesso é extremamente importante na proteção de 
um dado sistema teórico constitucional. Mas em uma perspectiva revolucionária, 
de mudança paradigmática, a proibição do retrocesso torna-se um mecanismo 
conservador, de limitação ao poder de transformação da normatividade cons-
titucional à luz da realidade.
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Outro aspecto é necessário ressaltar a respeito da democracia majoritária. 
O voto, confundido muitas vezes com a própria ideia de democracia, é na ver-
dade um instrumento de decisão, ou de interrupção do debate, de interrupção 
da construção do consenso, e logo, um instrumento usado pela “democracia 
majoritária” para interromper o processo democrático de debate em nome da 
necessidade de decisão.
Interessante notar que cada vez mais, o tempo do debate, da exposição das 
opiniões está cada vez mais reduzido. Seja no parlamento, seja na sociedade, 
como mecanismo de democracia semidireta, o espaço dedicado ao debate de 
ideias e propostas se reduz. 
Cada vez mais cedo o debate é interrompido pelo voto de maneira que 
em algumas situações vota­se sem debate como acontece com o surgimento de 
mecanismos de voto utilizando meios virtuais para a decisão sobre obras no 
orçamento participativo, por exemplo, de modo que o essencial do processo 
participativo, que é o debate, foi substituído prematuramente pelo voto. 
Outro aspecto importante do mecanismo majoritário é o fato de se escolher 
um argumento, projeto, ideia. A opção por um “melhor” argumento, por um 
argumento vitorioso por meio do voto pode se constituir em um mecanismo 
totalitário. Se todo o tempo somos empurrados a escolher o “melhor”, mesmo 
que afirmemos que o argumento (projeto, ideia, política) derrotada permanecerá 
vivo, em uma cultura que premia todo o tempo o melhor, o destino do derrotado 
pode ser, muitas vezes, o esquecimento ou encobrimento. Vamos ver que no 
Judiciário vige a mesma lógica de argumentos vitoriosos e derrotados.
Assim, tanto no legislativo como no judiciário, a exposição de argumentos 
não visa a construção de uma solução comum, mas sim, a escolha do argumento 
melhor. A pretensão de vencer o argumento do outro (no parlamento e no 
judiciário) cria uma impossibilidade da construção de um novo argumento a 
partir do diálogo. 
O ânimo que inspira os debates no parlamento e no judiciário não é, em 
geral, a busca de uma solução comum, mas a busca da vitória. Logo, perde a 
racionalidade, que passa a ser comprometida pela emoção da vitória. A política, 
e mesmo o processo judicial, passa a ser um espaço cada vez mais comprometido 
com a parcialidade e muitas vezes com a mentira, mesmo que em alguns casos 
tal fato se dê de forma não consciente. 
Se o importante é vencer, se o importante é que o melhor argumento vença 
não há nenhuma disposição para a composição, para ouvir o outro. No lugar de 
um diálogo direto entre duas perspectivas, visando a composição, o aprendizado 
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com o outro, ou a construção de um consenso onde todos ganhem, no processo 
majoritário, essas perspectivas passam a ser mostradas, apresentadas de forma 
isolada, de forma a convencer não o outro, mas o juiz final, que se manifestará 
pelo voto. Este juiz pode ser o povo, em um plebiscito; os representantes no 
parlamento ou mesmo o juiz ou juízes em um processo judicial.
A democracia consensual, dialógica e não hegemônica parte de outros 
pressupostos e outra compreensão do papel da democracia e da constituição, 
assim como dos direitos fundamentais. É o que passaremos, portanto, a discutir 
no tópico abaixo.
3 A DEMOCRACIA CONSENSUAL PLURAL DO NOVO 
CONSTITUCIONALISMO LATINO-AMERICANO
Uma vez compreendida as bases do constitucionalismo moderno, fica mais 
fácil compreender a partir de então, a alternativa plurinacional à democracia, 
constituição e direitos fundamentais apresentada a partir do Sul Global, espe-
cialmente, de países latino-americanos de matriz andina,que vem ao longo da 
última década sendo chamado de novo constitucionalismo latino-americano (ou 
constitucionalismo andino, constitucionalismo libertário, constitucionalismo sem 
pais, entre outras nomenclaturas que possam vir a surgir a partir do referido 
debate).
Contudo, antes de prosseguirmos, é preciso compreender que tais premissas 
epistemológicas estão assentadas na ideia de que a modernidade ocidental 
deve ser rediscutida em suas origens racionais, pois a modernidade, enquanto 
nova racionalidade a guiar a humanidade, a partir de novas perspectivas em 
substituição ao modus vivendi desenvolvido durante a Idade Média Europeia, se 
desenvolveu, efetivamente, como desdobramento do confronto entre o europeu 
e todos aqueles que – para os padrões estabelecidos pelo próprio europeu – não 
eram percebidos como semelhantes.
Ou seja, todos aqueles identificados como diferentes, como os outros, de 
modo que foi dessa relação que nasceu a racionalidade fundante da moderni-
dade, pois 
[...] a modernidade se originou nas cidades europeias medievais, livres, centros 
de enorme criatividade. Contudo, nasceu no momento em que a Europa pôde se 
confrontar com o “outro” e controlá­lo, vencê­lo, violentá­lo; quando definiu­se 
como um “ego” descobridor, conquistador, colonizador da Alteridade constitutiva 
da mesma modernidade (DUSSEL, 1994, p. 8 – tradução nossa). 
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É a partir desses termos, portanto, que aqui se busca ressaltar o fato de que 
“[...] a modernidade e a racionalidade foram imaginadas como experiências e 
produtos exclusivamente europeus”, de modo que 
[...] as relações intersubjetivas e culturais entre a Europa, ou melhor dizendo, a 
Europa Ocidental, e o restante do mundo, foram codificadas num jogo inteiro de 
novas categorias: Oriente­Ocidente, primitivo­civilizado, mágico/mítico­científico, 
irracional-racional, tradicional-moderno. Em suma, Europa e não-Europa 
(QUIJANO, 2005, p. 122). 
Portanto, podemos extrair dessas premissas, dois conceitos de modernidade, 
um primeiro eurocêntrico, por onde a “[...] modernidade é uma emanci pação, 
uma saída da inocência por um esforço da razão como processo crítico, que abre 
a humanidade a um novo desenvolvimento do ser humano”, sendo assim, “os 
fenômenos históricos chaves para a implementação do princípio da subjetividade 
(moderna) são a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa”, de modo que 
denomina­se tal visão de eurocêntrica, “[...] porque indica como ponto de partida 
da Modernidade fenômenos intra-europeus, e que o desenvolvimento posterior 
não necessita mais do que a Europa para explicar o processo” (DUSSEL, 2000, 
p. 27 – tradução nossa).
De outro lado, existe um conceito de modernidade construído num sentido 
mundial, a partir dos desdobramentos da conquista em 1492, já que “anterior-
mente a essa data os impérios ou sistemas culturais coexistiam entre si”, de modo 
que fora “somente com a expansão portuguesa desde o século XV, que chega ao 
extremo oriente no século XVI, e com o descobrimento da América hispânica, 
todo o planeta se torna o lugar de uma só história mundial” (DUSSEL, 2000, p. 
27 – tradução nossa).
A partir de então é possível voltarmos definitivamente ao debate aqui 
proposto, a começar pela democracia. Ao contrário da democracia moderna 
essencialmente representativa, a democracia imaginada no estado plurinacional 
vai além dos mecanismos representativos majoritários. 
Isso não quer dizer, contudo, que estes mecanismos não existam, mas, sim, 
que devem ceder espaço crescente para os mecanismos institucionalizados de 
construção de consensos, onde a tomada de uma decisão final não signifique, 
em definitivo, a resolução eterna e imutável de qualquer assunto, de modo que 
a proposta de uma democracia consensual deve ser compreendida com cuidado 
no paradigma do estado plurinacional. 
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Primeiramente é necessário compreender que esta democracia deve ser com-
preendida a partir de uma mudança de postura para o diálogo. Não há consensos 
prévios, especialmente consensos linguísticos, construídos na moder nidade 
de forma hegemônica e autoritária, uma vez que o padrão estabelecido pelo 
estado moderno homogeneizou a vida social como um todo (homogeneização 
da linguagem, dos valores e costumes, do direito), por meio de imposição do 
vitorioso militarmente. 
A linguagem é, neste estado moderno, deve ser vista, portanto, como um 
instrumento de dominação. Poucos se apoderam da língua, da gramática e dos 
sentidos que são utilizados como instrumento de subordinação e exclusão. 
O idioma pertence a todos nós e não a um grupo no poder. A linguagem, é 
claro, contém todas as formas de violência geradas pelas estruturas sociais e 
econômicas. Logo, o diálogo a ser construído entre culturas e pessoas deve ser 
despido de consensos prévios, construídos por esses meios hegemônicos. 
Tudo deve ser discutido levando-se em consideração a necessidade de 
descolonização dos espaços, linguagens, símbolos e relações sociais, pessoais 
e econômicas, tendo em vista, sobretudo, o fato de que o dialogo precisa ser 
construído a partir de posições não hegemônicas, e isto não é só um discurso, mas 
uma postura, uma compreensão do estar no mundo diversa daquela estabelecida 
pelos pilares da racionalidade moderna.
A partir desta “decolonização” da linguagem, das instituições e das relações, 
o diálogo se estabelece com a finalidade de construção de uma nova verdade 
provisória, um novo argumento. Ninguém deve pretender vencer o outro, não 
há vitórias, derrotas, vencedores e perdedores, conquistados e conquistadores, 
mas, ao contrário, sujeitos que constroem seu mundo a partir não mais do eu, 
mas, do nós.
Os consensos construídos são, portanto, sempre, provisórios, não hegemôni-
cos, e não majoritários. A necessidade de decisão não pode superar a necessidade 
da democracia. Daí posturas novas precisam ser inauguradas. A postura não 
hegemônica deve ser seguida por uma postura de construção comum de novos 
argumentos. 
Não se trata, portanto, nem da vitória do melhor argumento, nem de uma 
simples somatória ou fusão de argumentos, mas de novos argumentos que se 
constroem no debate. Não é possível compreender uma democracia consensual 
com os instrumentos, pressupostos e posturas de uma sociedade de competição 
permanente.
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Desse modo, nenhum consenso se pretende permanente, não só pela 
dinamicidade da vida como pela necessidade de decidir sem que haja um 
vencedor, ou seja, sem que seja necessariamente a construção de maiorias. Um 
alerta: o consenso não é possível em relações de opressão. Não pode haver 
consensos entre opressores e oprimidos. Essa relação precisa desaparecer para 
que seja possível o consenso, para que a democracia se estabeleça a partir de um 
nós (coletivo, plural, diverso, multifacetado) e não somente do eu (individual, 
singular, homogêneo, uniformizado).
Compreendidos os mecanismos de construção destes consensos demo-
cráticos, não majoritários, não hegemônicos, não hierarquizados, plurais nas 
perspectivas de compreensão de mundo, podemos compreender um novo 
constitucionalismo e uma nova perspectiva para os direitos fundamentais aí 
inerentes.
Como a democracia implica em mudança, transformação, mas estas mu-
danças não são construídas por maiorias, mas, sempre, por todos, a constituição 
não necessita mais ter um papel de reação a mudanças não autorizadas. Não 
há a necessidade de mecanismos contra majoritários uma vez que não há mais 
a vitória da maioria como fator de decisão.
Assim, os direitos fundamentais devem ser compreendidos como consensos 
construídos e reconstruídos permanentemente. O Estado e a constituição no 
lugar de reagir a mudanças nãoprevistas ou não permitidas, passa a atuar, 
sempre, favoravelmente às mudanças desde que estas sejam construídas por 
consensos dialógicos, democráticos, logo não hegemônicos, plurais, diversos, 
não hierarquizados e não permanentes.
Trata-se de uma nova compreensão capaz de romper com o paradigma 
moderno de Estado, Constituição e Democracia, a ponto de outras ideias e 
conceitos deverem ser trabalhados para desenvolvermos e aprofundarmos 
sua discussão, tais como, os conceitos e ideias de pluralismo epistemológico; 
pluralismo jurídico; interculturalidade; complementariedade e diversidade.
Tais assuntos, portanto, são aqueles que deverão, dentre outros possíveis, 
perpassar o debate acerca do referido tema sempre que o mesmo for lançado 
como fator de transformação, de ruptura, de modo a daí conseguirmos 
compreender sua complexidade e atualidade frente ao debate constitucional 
e democrático dos contextos políticos, sociais, culturais e econômicos não só 
sul-latino-americanos, mas também mundiais.
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SANTOS, Boaventura de Souza. Pensar el estado y la sociedad: desafios actuales. Buenos Aires: 
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ESTADO, MOVIMENTOS SOCIAIS E PRODUÇÃO 
DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O CASO DA REFORMA 
DE POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL5
Carlos Vasconcelos Rocha6
André Campos Rocha7
INTRODUÇÃO
São variados os enfoques temáticos e as elaborações teóricas que tratam 
das relações políticas. Em particular, duas referências analíticas são propostas 
para explicar um momento crucial da política, que é o processo de tomada de 
decisão sobre políticas públicas. Essas tentativas explicativas organizam-se, 
na literatura, pela disjuntiva entre abordagens centradas na sociedade civil e 
no Estado. De um lado, concebe-se que o embate entre interesses e valores é 
decidido primordialmente no plano da sociedade civil; de outro lado, toma-se 
a esfera estatal como o espaço privilegiado do equacionamento de tais conflitos. 
A questão de fundo, que demarca essa dualidade de posições, é se as caracte-
rísticas da sociedade civil explicam a ação das instituições políticas ou, antes, 
5 Este trabalho é fruto de pesquisas mais amplas financiadas pelo CNPq, FAPEMIG (APQ­01757­16) e FIP/
PUC Minas, a quem agradecemos.
6 Doutor em Ciências Sociais pela Unicamp, com estágio de pós-doutorado no IGOP da Universidade 
Autônoma de Barcelona, professor e pesquisador da Pós-graduação e do Departamento de Ciências 
Sociais da PUC Minas. carocha@pucminas.br
7 Mestre em Sociologia pela USP e doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas. Bolsista de doutorado 
da CAPES. camposrochaandre@gmail.com 
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se o caráter das instituições define a capacidade de concretização de interesses 
e valores presentes na sociedade. 
Em consequência, essas perspectivas de análise acabam por demarcar, 
inicialmente, duas subáreas de pesquisa estanques, com teorias, conceitos e 
autores próprios. Dessas subáreas, no caso deste trabalho, serão privilegiadas, 
para o âmbito da sociedade civil, as abordagens sobre os movimentos sociais, 
e para a dimensão estatal a corrente teórica denominada neoinstitucionalista. 
Como se procurará argumentar aqui, com o avanço das pesquisas essas 
ênfases polares vão se arrefecendo e cada vertente passa a considerar o potencial 
analítico da perspectiva oposta. A análise da evolução da literatura sobre o tema 
mostra que ênfases argumentativas se movimentam para um espaço de interse-
ção entre a sociedade civil e o Estado: analistas da sociedade civil incorporam 
o Estado para um melhor entendimento de seu objeto principal, no caso os 
movimentos sociais; e institucionalistas passam a focar o Estado a partir de suas 
conexões com a sociedade civil. Permanecem, contudo, as referências iniciais: 
de um lado, as instituições estatais são incorporadas analiticamente a partir da 
preocupação primordial com a sociedade civil; de outro lado, a dimensão societal 
passa a ser considerada como uma extensão do foco preponderante no Estado.
Apesar desse movimento de confluência, fica clara a insuficiência do diá logo 
entre essas duas vertentes analíticas, na medida em que cada qual preserva suas 
referências bibliográficas compartimentadas, fundadas em teorias e conceitos 
próprios, mesmo que versando sobre um mesmo objeto.8 Essa impermeabi lidade 
relativa, diga-se de passagem, é notável em uma época em que tanto se fala de 
interdisciplinaridade e transdisciplinaridade.9
Ao lado do problema indicado acima, outro aspecto da questão deve ser 
abordado: em certos momentos, a própria distinção entre as categorias do 
Estado e da sociedade civil torna­se bastante problemática. Isso fica claro se 
8 De forma incipiente foi comparada a bibliografia utilizada por cada uma das vertentes e constatado que 
cada qual trabalha com seus autores específicos, desconhecendo, salvo raríssimas exceções, os autores 
principais da outra vertente. Foram encontradas três referências de uma autora e uma de um autor mais 
expressivos do neoinstitucionalismo - respectivamente, Theda Skocpol e Peter Evans - nos trabalhos 
de viés sóciocêntrico, e ainda assim de forma meramente indicativa. Nos trabalhos da perspectiva 
neoinstitucional não foi encontrada qualquer referência a autores sociocêntricos. O único autor que tem 
utilização em ambas as vertentes é Charles Tilly. Mais recentemente, já por volta de 2017, principalmente 
na vertente de estudos dos movimentos sociais de Lavalle et al. (2017) começam a aparecer autores 
institucionalistas como T. Skocpol e P. Evans.
9 É interessante registrar como MacAdam e Tarrow expressam o mesmo desconforto ao tratar da 
“indiferença recíproca entre os estudiosos de movimentos sociais e aqueles que estudam as eleições; 
o que é impressionante, se levarmos em consideração a forma como os movimentos e as eleições 
influenciam­se mutuamente. ” (2011, p. 24).
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considerarmos a abordagem dos denominados policy entrepreneurs, utilizados 
como vetores empíricos para a demonstração da dificuldade, em certos casos, 
de se trabalhar com essa perspectiva dicotômica. Esse aspecto é negligenciado 
mesmo por parte dos autores que reconhecem a confluência entre as esferas 
societal e estatal.Definidos esses pressupostos, o que se propõe, neste trabalho, é discutir 
certa literatura que trata da atuação e das relações entre os movimentos sociais e 
as instituições estatais no processo das disputas em torno da tomada de decisões 
sobre políticas públicas. Considera-se a noção compartilhada paulatinamente 
por autores de ambas as vertentes teóricas, de que a sociedade civil e o Estado 
são dimensões que devem ser consideradas simultaneamente no esforço de 
análise.10 Tal arrefecimento das posições polares sustenta­se na constatação dessa 
necessidade de confluir duas literaturas congêneres que teimam seguir caminhos 
próprios e pouco dialogam. As evidências indicam que as experiências de 
sucesso de movimentos sociais são potencializadas quando os mesmos superam 
o seu caráter meramente reivindicativo, passando a ocupar, com alguns de seus 
membros, lugares estratégicos no aparato de Estado e, a partir daí, a participar 
do processo decisório das políticas públicas. E, ao mesmo tempo, constata-se 
que a capacidade de ação eficiente do Estado depende em grande medida do 
suporte que encontra na sociedade civil.11
Em sua primeira parte, o trabalho busca demonstrar, através de uma 
análise da bibliografia, o processo que faz confluir a abordagem dos movimentos 
sociais com a perspectiva institucionalista. Posteriormente, visando ilustrar os 
argumentos, será considerada a atuação do movimento sanitarista na reforma 
da política de saúde no Brasil, em geral, e em particular na constituição dos 
Consórcios Intermunicipais de Saúde (CIS) no estado do Paraná. O exemplo 
mostra como um movimento social vigoroso e reivindicativo passa a atuar em 
cargos governamentais com alguns de seus membros, classificados como policy 
entrepreneurs. Ao combinar pressão social com participação direta no processo 
10 Para nossos fins esse tratamento bipolar é suficiente. Por exemplo, não há vantagem analítica em agregar 
a dimensão da “esfera pública” como forma de mediar, ou mesmo de tentar resolver os problemas 
contidos na dicotomia entre Estado (ou sistema político-administrativo) e sociedade civil. Cefai (2017), 
por exemplo, inspirando-se em J. Habermas, aborda a questão com o conceito de arena pública.
11 Apesar da relevância das chamadas Instituições Participativas para o tema em discussão, este trabalho 
considera formas menos institucionalizadas que esses “enxertos na estrutura do Estado e da democracia 
representativa” (Wampler, 2011). Isso porque as Instituições Participativas definem claramente os 
contornos e as relações entre os planos da sociedade civil e do Estado. O interesse aqui são justamente os 
casos em que as relações Estado e sociedade civil não estão institucionalizados formalmente.
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de decision-making, o movimento acaba por concretizar parte significativa dos 
seus objetivos. No plano teórico, o caso demonstra os problemas que as análises 
fundamentadas na dicotomia das esferas da sociedade civil e do Estado apre-
sentam. Para o desenvolvimento desse tópico foram consultados documentos, 
resenhada ampla bibliografia, e entrevistados personagens centrais do processo. 
Finalmente serão apresentadas algumas breves considerações finais.
1 DA SOCIEDADE CIVIL AO ESTADO 
A primeira perspectiva considerada é aquela que aborda trabalhos cujo 
objeto de interesse é a sociedade civil. Sua assertiva básica é que as características 
da sociedade civil são decisivas para explicar o resultado da luta política e o 
processo de tomada de decisões públicas. Vertente importante dessa perspectiva 
– no sentido do volume de pesquisas e dos avanços teóricos – é a que tem como 
foco os movimentos sociais, que, conforme define Gohn (2011), envolvem 
ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e cultural que viabilizam formas 
distintas de a população se organizar e expressar suas demandas. Na ação concreta, 
essas formas adotam diferentes estratégias que variam da simples denúncia, 
passando pela pressão direta (mobilizações, marchas, concentrações, passeatas, 
distúrbios à ordem constituída, atos de desobediência civil, negociações, etc) até 
as pressões indiretas (p. 335).
O contexto do desenvolvimento dos estudos sobre movimentos sociais, no 
Brasil, foi o processo de luta pela democratização política desenvolvida a partir 
da metade da década de 1970, que disseminou novos atores sociais no cenário 
político, portadores de reivindicações em torno da democracia política e social. 
A ênfase inicial adotada era que “quase todas as abordagens dos movimentos 
sociais” eram consideradas “como sendo inerentemente distintas do Estado” 
(Abers, Von Bülow, 2011, p. 63). Portanto, os estudos voltavam atenção estrita-
mente para a esfera da sociedade civil.
Nesse sentido, o pressuposto explicativo é de que a ação das instituições 
estatais resulta de disputas ocorridas no âmbito da sociedade civil. No caso, seria 
a capacidade de pressão dos movimentos sociais que definiriam as decisões pú-
blicas. Assim, diversos autores tomam as políticas públicas como emergindo da 
sociedade civil: o Estado agiria em resposta a demandas societais (Weyland, 1995, 
p.1699). Em um desdobramento normativo dessa perspectiva, os movimentos 
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sociais deveriam manter independência das instituições estatais, visando evitar 
o perigo da sua cooptação pelo Estado. Comentando esses registros, Abers e Von 
Bülow apontam que na literatura sobre movimentos sociais ora o Estado não 
é relevante em termos explicativos, ora é visto como um inimigo (2011, p. 54). 
Essa posição que considera estritamente a esfera da sociedade civil é ultrapas-
sada, num determinado momento, por diversos autores.
Diagnosticando os problemas dessa ênfase exclusiva na esfera societal, Gol-
dstone (2003), por exemplo, nota a pouca atenção dada aos dilemas envolvidos na 
interação entre os movimentos sociais e o Estado. Ele aponta que, na literatura, 
os movimentos sociais eram frequentemente considerados em contraposição 
à política institucionalizada e desafiados a influenciá­la. No entanto, o autor 
constata que não raro os movimentos sociais se defrontam com a oportunidade 
de acesso à política institucionalizada. Se por um lado esse acesso possibilitaria 
a participação direta nos processos de decisão, o preço pago, em contrapartida, 
seria uma perda na capacidade de utilização da estratégia de protesto.12
Dessa maneira, Goldstone assume uma postura que busca superar a ênfase 
exclusiva nos processos societais. Chama atenção para a relevância de se consi-
derar a política institucionalizada para se entender os movimentos sociais, como 
também, inversamente, considerar os movimentos sociais para a compreensão 
do funcionamento das instituições estatais.
Lavalle (2011 e 2014) também reconhece, em seus trabalhos, o problema da 
falta de diálogo entre as duas vertentes analíticas, afirmando que “a literatura de 
sociedade civil, movimentos sociais e participação tendeu a cultivar linguagem 
própria [...] sem travar interlocução com a literatura de políticas públicas...” (2014, 
p. 14). Na mesma direção, Abers, Sefarim e Tatagiba argumentam que “talvez 
devêssemos aceitar esses vínculos e práticas [com as instituições estatais] como 
parte de um movimento social” (2014, p. 77).
Para Abers e Von Bülow, a análise não deve excluir “atores que estão posi­
cionados dentro da esfera estatal” (2011, p. 54), reconhecendo especialmente 
que ativistas atuam dentro do Estado (Ibid: 55) e que as análises negligenciam 
compreender como o fazem. Muitas vezes, em suas palavras, os ativistas “bus-
cam alcançar seus objetivos trabalhando a partir de dentro do aparato estatal” 
12 Os partidos políticos, uma dimensão referida por Goldstone, são certamente analiticamente relevantes 
como mediadores entre os movimentos sociais e o Estado.Neste trabalho, por questão de espaço, tal 
dimensão é tratada de forma acessória. Sobre essa temática ver MacAdam e Tarrow (2011), que enfatizam 
a relação entre estudos eleitorais e movimentos sociais; e Silva e Oliveira (2011), que de forma mais 
abrangente relacionam movimentos sociais, partidos políticos e Estado.
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(Ibid: 78). Nesse sentido, ao contrário da preocupação com a cooptação, os 
movimentos sociais podem potencializar o seu poder ao estabelecer relações 
com as instituições estatais (Silva, Oliveira, 2011; Abers e Von Bülow, 2011).
Seguindo a mesma trilha, Carlos, Dowbor e Albuquerque enfatizam a 
necessidade de diálogo entre a abordagem dos movimentos sociais com as 
análises centradas nas instituições estatais. Os autores utilizam, para tal, uma 
análise que busca privilegiar as conexões entre a sociedade civil e o Estado, 
ressaltando que essa abordagem 
oferece vantagens analíticas para investigar os efeitos institucionais da ação 
coletiva no contexto de interações com o Estado, na medida em que pressupõe 
a externalidade da relação sociedade civil/Estado e parte do reconhecimento da 
constituição mútua entre os atores societários e os institucionais (Carlos, Dowbor 
e Albuquerque, 2016, p. 4). 
Os autores mencionados passam a argumentar, portanto, que a avaliação 
da efetividade dos movimentos sociais na produção das políticas públicas não 
deve se restringir à dimensão dos movimentos sociais, mas deve considerar 
sua combinação causal com outros dois elementos, a dimensão do Estado e a 
da política pública. 
Esses estudiosos exemplificam o processo em que os movimentos sociais 
passam progressivamente a se interessar pelo polo estatal, buscando ampliar 
a compreensão das dinâmicas participativas e das condições de concretização 
das demandas de setores da sociedade civil. A consciência da necessidade dessa 
expansão do foco analítico surge, em certo aspecto, pela própria evolução da 
percepção sobre os espaços e formas de atuação dos atores da sociedade civil. 
Os atores sociais passam a adotar um repertório variado de estratégias, além 
das formas de pressão autônomas sobre as instituições estatais, que passa incluir 
também a atuação institucionalizada em canais de diálogo, como as arenas 
participativas13; “política de proximidade”, através de contatos pessoais entre 
atores da sociedade civil e do Estado; e passam a ocupar cargos governamentais 
e na burocracia pública (Abers, Serafim, Tatagiba, 2014, p. 332). Tal ponto será 
retomado à frente.
13 É o caso das Instituições Participativas – IPs, modalidade que tem uma grande difusão no caso brasileiro. 
Ver, por exemplo, Pires (2014a e 2014b).
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2 DO ESTADO À SOCIEDADE CIVIL
Discutida a bibliografia relativa aos processos centrados na sociedade civil 
e nos movimentos sociais, neste tópico serão considerados alguns trabalhos que 
abordam a questão da política, em geral, e das decisões públicas, em particular, 
pela perspectiva do Estado.
Até meados dos anos de 1980, como referência para o estudo das políticas 
públicas, havia uma preponderância das análises baseadas em teorias sociocên-
tricas, como o pluralismo, o elitismo e o marxismo (Marques, 1997). Ou seja, 
as teorias construíam suas explicações a partir dos padrões de distribuição do 
poder no plano da sociedade, para então delinear suas inferências sobre os 
padrões de decisões públicas. A partir de então houve uma chamada “guinada 
para o Estado”, com a migração do foco analítico da sociedade civil para as 
instituições estatais. Marca dessa mudança foi o lançamento do livro de P. Evans, 
D. Rueschemeyer e T. Skocpol, em 1985, com o sugestivo título “Bringing the 
State Back In”, que lançou as bases do movimento neoinstitucionalista. Essa 
perspectiva analítica buscou fornecer instrumentos para estudos empíricos, 
enfatizando a importância das instituições estatais para o entendimento dos 
processos sociais, tomadas agora como centro das análises. Passou, a partir daí, 
a dominar as pesquisas na área das políticas públicas. 
Pode-se dizer que o neoinstitucionalismo conforma dois momentos, com 
ênfases relativamente diferentes: o neoinstitucionalismo state-centered e o polity-
-centered. No neoinstitucionalismo state-centered, que centra suas análises estrita-
mente na dimensão estatal, os grupos de funcionários que tomam decisões sobre 
políticas públicas de longo prazo são estabelecidos como variável analítica, em 
distinção aos atores e grupos de interesses da sociedade civil. Esses funcionários 
agiriam não apenas através da força e coerção, legitimamente constitutiva do 
Estado, mas principalmente pela proposição de uma “visão” sobre determinadas 
áreas de problemas de uma sociedade. 
A ação do Estado, nessa perspectiva, não seria um mero rebatimento de 
interesses localizados na sociedade, como pressupõem certa versão do marxismo, 
com as classes sociais, e do pluralismo, com os grupos de interesses. As ações es-
tatais, nesse registro, podem ser vistas como parciais, fragmentadas, irracionais e 
desarticuladas, mas, de qualquer forma, são consideradas como autoproduzidas 
e visam exercer controle sobre a sociedade. O Estado é tomado como autônomo 
em relação à sociedade civil, e a variável independente na análise é a lógica de 
ação das burocracias públicas e dos governantes. 
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No caso, o pressuposto é que a burocracia busca interesses próprios, con-
solidados em condições históricas particulares, expressando ideias específicas, 
e descolada dos interesses presentes na sociedade. Em relação aos interesses 
sociais, as instituições é que explicariam a capacidade e a organização política 
dos grupos da sociedade civil. Os grupos sociais agiriam, nessa visão, pelas 
expectativas que têm sobre a ação estatal, e seus recursos de poder derivariam 
do contexto institucional no qual são inseridos. 
Num segundo momento, com o desenvolvimento das pesquisas e o acú-
mulo de evidências, começou a consolidar certo consenso de que essa postura 
estritamente focada no Estado não era suficiente para a explicação dos eventos. 
Como no caso dos autores focados exclusivamente na esfera societal, iniciou-se 
um movimento de relativização da análise exclusiva na esfera estatal. Houve 
assim uma evolução do neoinstitucionalismo state-centered para o polity-centered, 
representando uma ampliação do escopo de análise para além das estruturas 
estatais. Outras variáveis analíticas passaram, assim, a ser consideradas: buro-
cracias eleitas e indicadas; caráter e natureza do conjunto das estruturas políticas 
(estatais e partidárias); forma pela qual as estruturas condicionam as identidades, 
objetivos e capacidades dos grupos sociais envolvidos na formulação de políticas; 
e formas de organização de interesses da sociedade civil, suas estratégias e 
objetivos (Skocpol, 1995). 
Dessa maneira, os analistas dessa vertente passaram, portanto, a considerar 
não mais o Estado strictu sensu, mas também os espaços de interseção entre 
o Estado e a sociedade civil. Tais tentativas podem ser exemplificadas pela 
utilização, por exemplo, dos conceitos de “imbricamento” (embeddedness), por 
Evans (1993), ou “encaixe” (fit), por Skocpol (1995).
Para os objetivos deste trabalho, a análise que interconecta mais clara mente 
as esferas do Estado e da sociedade civil é a de Peter Evans, autor destacado 
do neoinstitucionalismo desde o primeiro momento, que evolui de uma ênfase 
estrita no Estado para incorporar a dimensão da sociedade civil. 
Evans (1993) inicia sua análise relativizando a noção do neoinstituciona-
lismo state-centered de que o Estado conformaria os processos sociais, e de 
que essa capacidade de açãoestatal seria proporcional ao grau de autonomia 
do Estado em relação aos interesses sociais. Ao contrário desse pressuposto, 
para Evans um alto grau de autonomia implicaria pouca efetividade das ações 
estatais; e, por outro lado, a exposição excessiva das instituições aos interesses 
da sociedade civil implicaria em vulnerabilidade do Estado em relação aos 
interesses sociais organizados. Propõe que a efetividade das decisões públicas 
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demandaria a combinação contraditória do Estado com a sociedade civil. Dessa 
forma, descarta uma explicação estritamente fundada no Estado, propondo 
uma abordagem de equilíbrio entre as duas esferas. Visando operacionalizar 
essa noção, o autor propõe o conceito de embedded autonomy, significando que as 
estruturas e estratégias do Estado exigem, para alcançar seus objetivos, suportes 
complementares localizados na esfera social.
Assim, o autor propõe que tanto a eficácia da ação estatal em buscar seus 
objetivos como da sociedade civil em alcançar suas metas dependem da forma 
como o Estado e a sociedade se conectam. Afirma que em sociedades cujas 
instituições públicas se caracterizam pelo autoritarismo, coerção e clientelismo, 
a mobilização da sociedade civil se tornaria difícil e as experiências de políticas 
públicas bem-sucedidas não se generalizariam.14 Dessa forma, matizando 
sua postura inicial, busca demonstrar que o Estado deve ter um papel ativo 
de mobilização social e de incentivador de redes cívicas, como requisito para 
determinar o próprio sucesso das suas iniciativas. 
Para sustentar essa tese, Evans desenvolve uma análise da produção de 
políticas desenvolvimentistas em seis países (Zaire, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, 
Brasil e Índia), com resultados variáveis conforme as características dos Estados 
e das suas conexões com a sociedade. Ao abordá­los, o autor busca demonstrar 
que a chave do sucesso das políticas desenvolvimentistas está num Estado muito 
mais “inserido” na sociedade do que insulado. Refuta assim tanto as posições 
que tomam o Estado como o problema, como aquelas que o consideram a solu-
ção. Demonstra que, ao contrário, o Estado necessita de coerência corporativa, 
com recrutamento meritocrático e carreiras organizadas da sua burocracia, 
para produzir políticas públicas eficientes. Alerta que o Estado predatório e 
patrimonial, onde a classe política visa extrair renda em seu favor, convertendo 
a sociedade em sua presa (cujo exemplo é o Zaire), é fruto da falta e não da 
presença de uma burocracia de fato. Sustenta que as redes burocráticas ampliam 
a coerência das ações estatais. A autonomia do Estado desenvolvimentista de 
sucesso (exemplificado pelos casos do Japão, Coréia do Sul e Taiwan) expressa na 
verdade uma sinergia com a sociedade civil, diferindo, portanto, da dominação 
do Estado predatório, através de sua ação autônoma em pilhar a sociedade. 
Nesse sentido, estados que combinam características dos dois grupos (Brasil e 
Índia), possuiriam sucessos limitados e pontuais. 
14 Tal observação, sobre o poder desmobilizador do Estado, deve considerar aspectos contextuais. O caso 
da saúde tratado neste trabalho, e em Falleti (2010), aborda justamente a capacidade de reação dos 
movimentos sociais contra o poder autoritário.
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Nos casos de sucesso, como busca demonstrar, há uma complementaridade 
entre Estado e sociedade civil. Há uma situação de embedded autonomy, que 
apresenta uma combinação aparentemente contraditória entre isolamento e 
inserção. A capacidade estatal de produzir políticas efetivas, segundo o autor, 
exige uma combinação de coerência interna e conexão externa. Aos governos, 
afirma, não basta mobilizar as capacidades organizacionais do Estado, mas 
requer também a interação com setores da sociedade civil.15
Pode-se concluir, com os exemplos apresentados acima, que a passagem 
do neoinstitucionalismo state-centered para o polity-centered implica um 
reconhecimento de que abordar as instituições estatais como seccionadas dos 
interesses da sociedade civil resulta em uma postura analítica pouco produtiva. 
Esse deslocamento teórico, também no caso desses autores que privilegiam 
originalmente as instituições estatais, implica um ganho analítico ao incorporar 
a dimensão societal como variável explicativa. 
3 SOBRE A DICOTOMIA PERSISTENTE ENTRE AS DUAS 
ABORDAGENS
Como vimos na literatura considerada nesse trabalho, abordar eventos 
referentes ao processo político e de tomada de decisões demanda uma postura 
que considere tanto a dimensão da sociedade civil como do Estado. Porém, a 
busca analítica da confluência dessas duas dimensões se desenvolve sem que os 
autores se livrem da sua ênfase inicial, persistindo o tratamento dicotômico: os 
neoinstitucionalistas passam a considerar a sociedade civil sob a perspectiva do 
Estado e os autores dos movimentos sociais passam a considerar o Estado sob a 
perspectiva societal.16 Isso significa que, confrontados com o desafio de definir um 
espaço analítico de confluência entre as duas esferas, os autores tendem a manter 
a ênfase no objeto original, mesmo reconhecendo a relevância em ultrapassá-
­lo. Pode­se definir essa situação como uma “dicotomia persistente”, em dois 
sentidos relacionados. Primeiro, no plano da organização do conhecimento, na 
persistência de dois subcampos que mantêm sua bibliografia, conceitos e teorias 
próprios, sem instaurar um campo comum de debates entre as abordagens. 
15 Trabalho que ilustra conclusão parecida é Stark e Bruszt (1998).
16 É interessante que isso fica evidenciado se tomamos os títulos dos trabalhos desses autores, que a 
despeito de analisar a conexão Estado/Sociedade ainda enfatizam sua perspectiva inicial. Como exemplo 
representativo ver Evans (1993) e Abers e Von Bülow (2011). 
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Segundo, no plano metodológico, com a própria manutenção de um olhar que 
organiza seu “objeto” através da dicotomia Estado e sociedade civil. 
Como veremos a seguir, a existência de “atores anfíbios” (os policy entrepre-
neurs 17, como chamados aqui), aqueles que ocupam o aparato do Estado e ao 
mesmo tempo são ativistas sociais, torna a distinção entre as esferas significativa-
mente artificial.18 Isso sugere um caminho alternativo ao tratamento dicotômico, 
já que podemos adotar uma abordagem focada nos atores que, em suas ações, 
são portadores das características e dilemas inscritos nas duas esferas. 
Para ilustrar os argumentos desenvolvidos até aqui, o próximo tópico 
tratará de certos aspectos relacionados com a adoção do Sistema Único de Saúde 
(SUS) em décadas recentes no Brasil e do papel desempenhado pelo movimento 
sanitarista nesse processo. Considerará a reforma da saúde em geral se detendo, 
contudo, num aspecto específico: a organização de consórcios de saúde no estado 
do Paraná.
4 AS RELAÇÕES ENTRE ESTADO E SOCIEDADE CIVIL NA 
PRODUÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS: O EXEMPLO DA 
REFORMA DA SAÚDE NO BRASIL19
No Brasil, dentre os atores coletivos envolvidos na reforma estrutural na 
área da saúde pública que posteriormente daria origem ao SUS, destaca-se o 
movimento sanitário, de âmbito nacional, surgido em meados dos anos 1970, 
composto por profissionais de saúde, tanto ativistas sociais como especialistas e 
profissionais de cargos técnicos que trabalhavam no governo. O objetivo do mo-
vimento era a defesa da saúde pública como direito universal, com financiamento 
público, e baseada nos princípios de integralidade, equidade e descentralização, 
visando franquear o acesso aos serviços para toda a população, especialmente a 
17 Os policy entrepreneurs são indivíduos ou grupos de pessoas que defendem uma ideia e investem recursos 
como tempo, reputação, perserverança e

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