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Entretanto, em vista da pesquisa constante, das modificações nas normas governamentais e do fluxo contínuo de informações em relação à terapia e às reações medicamentosas, o leitor é aconselhado a checar a bula de cada fármaco para qualquer alteração nas indicações e posologias, assim como para maiores cuidados e precauções. Isso é particularmente importante quando o agente recomendado é novo ou utilizado com pouca frequência. Alguns medicamentos e dispositivos médicos apresentados nesta publicação foram aprovados pela Food and Drug Administration (FDA) para uso limitado em circunstâncias restritas de pesquisa. É da responsabilidade dos provedores de assistência de saúde averiguar a postura da FDA em relação a cada medicamento ou dispositivo planejado para ser usado em sua atividade clínica. O material apresentado neste livro, preparado por funcionários do governo norteamericano como parte de seus deveres oficiais, não é coberto pelo direito de copyright aqui mencionado. As autoras e a editora empenharamse para citar adequadamente e dar o devido crédito a todos os detentores dos direitos autorais de qualquer material utilizado neste livro, dispondose a possíveis acertos caso, inadvertidamente, a identificação de algum deles tenha sido omitida. Capítulo 11, Um Relato de The Book of Sorrows, Book of Dreams: A FirstPerson Narrative e pranchas coloridas Copyright © 2008 Mary FeldhausWeber. Traduzido de: WILLARD & SPACKMAN’S OCCUPATIONAL THERAPY, ELEVENTH EDITION Copyright © 2009, 2003, Lippincott Williams & Wilkins, a Wolters Kluwer business. Copyright © 2003 Lippincott Williams & Wilkins; Copyright © 1998 LippincottRaven Publisher; Copyright © 1993, 1988, 1983, 1978, 1971, 1963 by J. B. Lippincott Company; Copyright © 1954, 1947 by J. B. Lippincott Company All rights reserved. 530 Walnut Street Philadelphia, PA 19106 USA LWW.com Published by arrangement with Lippincott Williams & Wilkins, Inc., USA. Lippincott Williams & Wilkins/Wolters Kluwer Health did not participate in the translation of this title. Direitos exclusivos para a língua portuguesa Copyright © 2011 by EDITORA GUANABARA KOOGAN LTDA. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Reservados todos os direitos. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios (eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na internet ou outros), sem permissão expressa da Editora. Travessa do Ouvidor, 11 Rio de Janeiro, RJ — CEP 20040040 Tel.: 21–35430770 / 11–50800770 Fax: 21–35430896 gbk@grupogen.com.br http://www.editoraguanabara.com.br Produção Digital: Freitas Bastos CIPBRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ W68t Willard, Helen S. Terapia ocupacional / Willard & Spackman ; [editado por] Elizabeth Blesedell Crepeau, Ellen S. Cohn, Barbara A. Boyt Schell ; [revisão técnica Eliane Ferreira ; tradução Antonio Francisco Dieb Paulo... et al.]. – Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2011. il. Tradução de: Willard & Spackman’s occupational therapy, 11th ed. Inclui bibliografia ISBN 9788527724982 1. Terapia ocupacional. I. Spackman, Clare S. II. Crepeau, Elizabeth Blesedell. III. Cohn, Ellen S. IV. Schell, Barbara A. Boyt. V. Título. 104191. CDD: 615.85152 CDU: 615.851.3 Raciocínio Profissional na Prática BARBARA A. BOYT SCHELL Sumário Introdução Estudo de Caso: Terry e a Sra. Munro: Determinando as Recomendações Apropriadas Raciocínio na Prática: Um Processo de Corpo Inteiro Teoria e Prática Processos Cognitivos Subjacentes ao Raciocínio Profissional Aspectos do Raciocínio Profissional Raciocínio Científico Raciocínio Narrativo Raciocínio Pragmático Raciocínio Ético Raciocínio Interativo Raciocínio Profissional: Um Processo de Síntese Raciocínio para Solução de Problemas Processo Condicional Visão Ecológica do Raciocínio Profissional Desenvolvimento e Melhoramento do Raciocínio Profissional Reflexão na Prática Continuum da Experiência Conclusão Objetivos de Aprendizagem Após a leitura deste capítulo, você será capaz de: 1. Descrever os aspectos importantes do raciocínio na prática da terapia ocupacional. 2. Identificar as diferentes facetas do raciocínio profissional com base na reflexão pessoal, nas descrições dos profissionais e nos estudos de caso. 3. Descrever o processo de desenvolvimento da experiência e discutir os processos de raciocínio característicos ao longo de um continuum de experiência. INTRODUÇÃO O raciocínio profissional consiste no processo que os profissionais utilizam para planejar, direcionar, aplicar e refletir quanto ao tratamento do cliente. De maneira típica, é rapidamente realizado porque o profissional deve agir imediatamente a partir desse raciocínio. É um processo complexo e multifacetado e tem sido chamado por diversos nomes. No passado, muitos autores referiamse a ele como raciocínio clínico (Mattingly & Fleming, 1994; Rogers, 1983; Schell, 2003), porém, mais recentemente, termos como raciocínio profissional (Schell & Schell, 2008) e raciocínio terapêutico (Kielhofner & Forsyth, 2002) foram idealizados na tentativa de encontrar uma palavra que não estivesse tão rigorosamente vinculada à medicina, uma vez que a práticas da terapia ocupacional não ocorre somente em ambientes médicos, mas também em ambientes educacionais e comunitários. Quando utilizam esses rótulos, os autores estão discutindo como os terapeutas realmente pensam quando estão atuando na prática. Isto requer uma análise metacognitiva ou, em termos simples, pensar sobre o pensamento. Isto é importante porque os iniciantes da prática poderiam compreender de maneira incorreta o raciocínio profissional como algo que os profissionais “optam por fazer” ou se confundem com muitas teorias de tratamento de terapia ocupacional. Não é nada disso. Sempre que você pensa sobre ou aplica a terapia ocupacional em um indivíduo ou grupo determinado, você está engajado no raciocínio profissional. Não é uma questão de estar fazendo isso, apenas uma questão de quão bem você o está fazendo. Além disso, muitas teorias da prática discutidas ao longo do texto informarão seu raciocínio e o ajudarão a pensar sobre seus clientes. No entanto, as teorias que são debatidas sobre o raciocínio neste capítulo são teorias sobre como você, um profissional de terapia ocupacional, provavelmente irá raciocinar ao aplicar a terapia. Dessa maneira, o foco é sobre o terapeuta, não sobre o cliente, embora, obviamente, os terapeutas empreendam esse raciocínio nos serviços de cuidados com o cliente. Tenha em mente essas importantes distinções à medida que você se tornar mais preocupado com seu próprio processo de raciocínio. Este capítulo examina o raciocínio profissional a partir de diversas perspectivas. Para ajudálo a ver exemplos reais sobre o material discutido, o Estudo de Caso a seguir, que foi adaptado, com mudanças de nomes, a partirde uma situação real, fornece um exemplo do encontro entre uma terapeuta ocupacional, Terry, e sua cliente, Sra. Munro. Leia esse estudo de caso antes de continuar a ler o texto, dando atenção especial aos diferentes tipos de questões e problemas que o profissional de terapia ocupacional deve abordar. Então, volte a consultálo à medida que ler sobre a natureza do raciocínio profissional. ESTUDO DE CASO: Terry e a Sra. Munro: Determinando as Recomendações Apropriadas Terry, uma terapeuta ocupacional, vai até o quarto de uma cliente na unidade de neurologia de um centro médico regional. No caminho, ela compartilha seus pensamentos com Barb, uma pesquisadora que está observando a atuação de Terry. Terry atualiza Barb sobre a cliente que elas estão prestes a ver. A cliente, a Sra. Munro, é uma viúva que vive sozinha em uma casa na cidade. Dois dias antes, ela sofreu um derrame — um acidente vascular cerebral direito — e foi trazida por um vizinho ao hospital. A Sra. Munro teve uma rápida recuperação e demonstra bom retorno de suas habilidades motoras. Ela ainda apresenta alguma incoordenação e fraqueza à esquerda, juntamente com alguns problemas cognitivos. Ela é uma mulher idosa agradável e alegre, e está ansiosa para voltar para casa. Terry está vendo essa cliente pela terceira vez e sua principal preocupação consiste em avaliar se a Sra. Munro tem algum efeito residual cognitivo causado pelo acidente vascular cerebral que a coloque em risco grave caso ela volte a viver sozinha. Terry planeja realizar algumas atividades de vida diária mais complexas com a Sra. Munro para verificar como ela demonstra consciência da segurança. Terry acha que ela provavelmente fará com que a Sra. Munro se levante da cama, pegue suas roupas e artigos de higiene, realize sua rotina de higiene matinal no lavatório e, em seguida, se vista. Terry quer ver o quanto a Sra. Munro é capaz de gerenciar espontaneamente essas tarefas, bem como se seu julgamento é bom. O raciocínio de Terry é que, se ela puder engajar a Sra. Munro em atividades de múltiplas etapas, que também exijam que ela atue em diferentes posições, Terry será capaz de detectar qualquer problema cognitivo e motor que represente uma ameaça importante à segurança. Quando Terry chega ao quarto, ela saúda a Sra. Munro, que diz: “Estou muito feliz. O médico disse que posso ir para casa amanhã.” Terry virase para Barb e levanta as sobrancelhas como se dissesse: “Eu lhe falei.” No caminho até o quarto, Terry havia dito a Barb que ela estava preocupada com o fato de que o médico responsável pelo caso da Sra. Munro tendia a pensar que, tão logo os clientes pudessem ficar em pé, eles poderiam ir para casa. Terry saiu em defesa do médico ao dizer que, no atual ambiente de custo consciente, os médicos estavam sob muita pressão para não manter os clientes no hospital. Enquanto Terry conversa com a Sra. Munro sobre generalidades, ela percebe que a Sra. Munro já está vestida com seu roupão. Quando ela conversa com a Sra. Munro sobre fazer algumas atividades de autocuidado, fica evidente que a Sra. Munro já terminou suas rotinas de banho e de se vestir, com a ajuda de uma enfermeira. Quando Terry sugere que ela talvez escove os dentes e penteie seus cabelos, a Sra. Munro fica feliz por se levantar do leito, mas percebe que seu vizinho não trouxe suas dentaduras. A Sra. Munro senta na borda do leito e, depois de um lembrete de Terry, calça os chinelos. Em seguida, ela fica em pé e caminha até a pia, pega seu pente e penteia os cabelos. Enquanto ela está fazendo isto, Terry olha ao redor para ter algumas outras ideias sobre o que fazer, pois a Sra. Munro já completou as tarefas de autocuidado que Terry havia planejado fazer com ela. Os olhos de Terry caem sobre algumas flores murchas ao lado do leito. Ela sugere a Sra. Munro que ela poderia querer jogar fora as flores e limpar o vaso, de modo que ele fique pronto para ser embalado quando ela for para casa. A Sra. Munro concorda e prossegue caminhando de maneira desajeitada até o vaso. Ela o pega e vai até a pia, onde retira as flores mortas. Terry a segue, ficando ligeiramente atrás e mantendo a Sra. Munro dentro do alcance. Quando a Sra. Munro para depois de retirar as flores, Terry sugere que ela lave o vaso, o que ela faz. Em seguida, ela o seca e devolve o vaso para a mesinha de cabeceira. Terry lembra a ela para jogar no lixo as flores mortas. Enquanto a Sra. Munro faz isto, elas conversam um pouco mais sobre seus planos para voltar para casa. A Sra. Munro diz a Terry que viveu em sua casa por 40 anos e que, embora seu marido tenha morrido há mais de 10 anos, ela ainda sente a sua presença lá. Ela costumava cozinhar para ele e ainda prepara três refeições por dia para ela. A Sra. Munro começa a chorar quando fala sobre cozinhar, mas em seguida se anima. Terry diz a ela que poderia ser mais seguro se ela tivesse alguém na casa durante algumas semanas, até que se recuperasse um pouco mais de seu acidente vascular cerebral. A Sra. Munro acha que pode conseguir alguma ajuda de sua vizinha. Terry diz que também irá sugerir algum tratamento domiciliar, apenas para ter certeza de que a Sra. Munro está segura na cozinha, no banheiro e assim por diante, dizendo: “Nós com certeza não queremos que você tenha uma queda, logo agora que você está evoluindo tão bem após o seu acidente vascular cerebral.” Depois de revisar alguns exercícios de coordenação para a mão esquerda da Sra. Munro, Terry se despede. Terry e Barb saem do quarto. Terry para no posto de enfermagem para anotar no prontuário que a Sra. Munro demonstrou boa consciência de segurança nas tarefas corriqueiras durante a visita, mas que precisou de pistas para completar tarefas em múltiplas etapas. Terry também observa alguma instabilidade motora na realização de tarefas durante a deambulação. Terry recomenda o encaminhamento a um profissional de terapia ocupacional domiciliar “para avaliar as necessidades de segurança e de equipamentos durante atividades no banheiro, preparação de refeições e tarefas domésticas rotineiras”. Terry comenta com Barb, enquanto saem da unidade, que acha que a Sra. Munro está evoluindo muito bem, mas que permanece preocupada sobre os riscos quando a Sra. Munro for para casa, principalmente quando ela estiver cansada. Terry quer que alguém monitore a Sra. Munro no ambiente familiar para ver se ela lida adequadamente com suas rotinas diárias. Terry realmente gostaria que a Sra. Munro fosse para um centro de reabilitação, mas a cliente não tem seguro para financiar o custo. Terry acredita que ela pode conseguir ao menos algum atendimento domiciliar, porque existem alguns programas que fornecem alguns serviços para idosos carentes. Ficar na própria casa parece ser o principal objetivo da Sra. Munro, e Terry está fazendo o que pode para tentar ajudála a alcançar este objetivo. Terry entrará em contato com a assistente social local mais tarde para discutir a necessidade da Sra. Munro de um bom suporte por parte de vizinhos, amigos ou parentes. Questões e Exercícios 1. Como Terry desenvolveu suas preocupações a respeito da Sra. Munro? 2. Como Terry soube o que fazer quando seus planos iniciais não funcionaram? 3. Que fatores parecem orientar as recomendações de Terry no final? RACIOCÍNIO NA PRÁTICA: UM PROCESSO DE CORPO INTEIRO Com o estudo de caso em mente, vamos explorar a natureza do raciocínio durante a prática. Talvez uma das primeiras coisas a perceber é que o raciocínio profissional é um processo de corpo inteiro. Este é o motivo pelo qual ler um estudo de caso é uma experiência diferente de ser o profissional da situação. Parte do raciocínio profissional envolve processos de pensamento objetivo que o profissional pode descrever com facilidade.Exemplos incluem avaliar o desempenho ocupacional, como as habilidades de vida diária e os comportamentos de trabalho. Os profissionais de terapia ocupacional utilizam suas observações e o conhecimento teórico para identificar fatores relevantes do cliente que contribuem para os problemas do desempenho ocupacional. Os profissionais também prestam atenção a fatores contextuais que afetam o desempenho. Por exemplo, Terry foi capaz de descrever suas preocupações sobre a segurança da Sra. Munro ao retornar para casa. Em particular, Terry estava abordando o autocuidado e as atividades domésticas. Ela havia analisado os fatores contextuais relevantes sobre o ambiente domiciliar e as situações social e financeira da Sra. Munro. Terry identificou alguns comprometimentos na cognição e no controle motor que afetavam as habilidades de desempenho ocupacional de sua cliente. Esta era toda informação que Terry poderia compartilhar com Barb. No entanto, havia mais conhecimento nessa sessão de terapia que Terry não poderia ou conseguiria traduzir em palavras. Parte do raciocínio profissional de Terry envolveu o conhecimento baseado no corpo que obteve a partir de seus sentidos. Por exemplo, Terry utilizou seu sentido do tato para sentir a tensão muscular (ou falta de tensão) no braço afetado da Sra. Munro quando ela estava realizando uma atividade. Durante sua avaliação, Terry fez alguns alongamentos rápidos no cotovelo e no punho da Sra. Munro para determinar se ela poderia demonstrar evidência de espasticidade, uma resposta reflexa anormal que é comumente encontrada nos indivíduos que estão se recuperando de um acidente vascular cerebral. Quando a Sra. Munro ficou em pé, Terry mensurou cuidadosamente a distância entre ela e a Sra. Munro, porque a Sra. Munro apresentava algum risco de queda. Terry foi cautelosa ao ficar em pé não tão próxima que pudesse esbarrar inadvertidamente ou superproteger a Sra. Munro, mas próxima o suficiente para amparála caso ela perdesse o equilíbrio. Enquanto estava próxima à Sra. Munro, Terry pôde sentir o cheiro dela, obtendo uma rápida informação sobre possíveis problemas de higiene ou de continência. Terry utilizou a qualidade de sua voz para demonstrar incentivo e apoio. Terry observou e ouviu cuidadosamente indícios sobre a natureza do estado emocional da Sra. Munro. Em particular, ela observou as expressões faciais e procurou ouvir evidência de medo ou insegurança durante o desempenho das atividades pela Sra. Munro. Todas essas sensações contribuíram para uma imagem da Sra. Munro que influenciou a atuação de Terry. Existem outros aspectos de raciocínio durante o tratamento que são ainda mais difíceis de descrever. Fleming (1994a) descreveu isto como “saber mais do que podemos descrever” (p. 24). Ela explicou que grande parte do conhecimento da profissão é conhecimento prático, que “raramente é discutido e raramente é descrito” (p. 25). Este conhecimento tácito, combinado com os ricos aspectos sensoriais da prática real, ajuda a explicar por que a leitura sobre o tratamento e a realização do tratamento são experiências muito diferentes. Na realidade, um trabalho recente (Harris, 2005) sugere que as preferências e diferenças corporais de cada terapeuta podem modelar sutilmente a terapia, pelo fato de que alguns terapeutas podem evitar situações que considerem fisicamente desconfortáveis (p. ex., se eles são intolerantes a certos odores) e outros poderiam se engajar em práticas de tratamento que eles próprios consideram confortáveis (p. ex., aplicar pressão profunda, muito semelhante àquela que sentimos quando somos apertados). Hooper (1997, 2007) também observou a importância de como nossos próprios valores, crenças e suposições sustentam o domínio do processo de tratamento de cada profissional. Assim, tenha sempre em mente que a terapia acontece no mundo real com pessoas reais e você verá variações porque cada terapeuta é diferente. TEORIA E PRÁTICA Tem ocorrido uma longa discussão em muitas profissões sobre o papel da teoria na prática profissional (Kessels & Korthagen, 1996). As teorias ajudam os profissionais a tomar decisões, embora Cohn (1989) observe que os problemas da prática raramente se apresentam da maneira objetiva descrita nos manuais teóricos. O raciocínio profissional envolve a identificação e a estruturação dos problemas com base na compreensão pessoal da situação do cliente (Schön, 1983). Para identificação e resolução do problema, os profissionais misturam as teorias às suas próprias experiências pessoais e de prática para direcionar suas ações. O conhecimento teórico ajuda o profissional a evitar suposições injustificadas ou o uso de técnicas ineficazes de tratamento e a refletir sobre como suas próprias experiências no tratamento são semelhantes ou diferentes do entendimento teórico (Parham, 1987). No Capítulo 42, você encontrará mais informações sobre como as teorias informam a prática. A questão aqui é que, embora a prática possa (e deva) ser fundamentada em teorias, ela é no final das contas uma consequência de como cada terapeuta interpreta cada situação de terapia e atua a partir dessa compreensão. PROCESSOS COGNITIVOS SUBJACENTES AO RACIOCÍNIO PROFISSIONAL No estudo de caso, Terry precisou lembrar, obter e gerenciar uma grande quantidade de informações com rapidez para fornecer o tratamento efetivo e eficiente. Como ela fez isto? Achados de pesquisa do campo da psicologia cognitiva ajudam a explicar como os profissionais raciocinam e como a experiência combinada à reflexão estimula o aprimoramento da especialidade. Os indivíduos recebem, armazenam e organizam as informações em estruturas ou modelos, que são representações complexas dos fenômenos (Bruning, Schraw & Ronning, 1999; Carr & Shotwell, 2007). Esse processo envolve a memória de trabalho e a memória de longo prazo. A memória de trabalho pode reter poucos pensamentos por vez, motivo pelo qual alguém por vezes precisa olhar na agenda telefônica duas ou três vezes a fim de lembrar corretamente um número que está sendo discado. De maneira similar, os estudantes e os profissionais recémgraduados descobrem que é desafiador ter em mente todas as considerações importantes quando trabalham com um cliente. Os profissionais com mais experiência têm essa informação organizada e armazenada em suas memórias de longo prazo e, assim, não precisam utilizar artimanhas para lembrar de todos os detalhes. Por exemplo, na faculdade, Terry provavelmente conheceu muitos dos problemas comuns associados a alguém que sofreu um acidente vascular cerebral. Ela talvez também tenha atendido cerca de 100 pessoas com acidente vascular cerebral durante os últimos anos. Ela construiu uma representação geral em sua mente do que esperar quando receber o encaminhamento de uma pessoa que sofreu um acidente vascular cerebral. Ela antecipa que muitos desses indivíduos terão prontuários médicos volumosos, porque eles quase sempre têm problemas médicos prévios, como diabetes e hipertensão. Ela não ficará surpresa se a pessoa apresentar sobrepeso. Ela espera observar comprometimentos na cognição que, com frequência, afetam a capacidade da pessoa de realizar as tarefas cotidianas, como vestirse, cozinhar e dirigir. Como parte de sua estrutura de ação, Terry construiu regras mentais que a ajudaram a categorizar e detectar as diferenças. Por exemplo, embora ela saiba que muitas pessoas que sofrem acidentes vasculares cerebrais apresentam comprometimentos do movimento, ela sabe que nem todas os exibem. Além disso, quando o movimento está prejudicado, ela espera que indivíduos com um acidente vascular cerebral (AVC) esquerdo apresentem fraqueza no lado direito e aqueles com um AVC direito tenham fraqueza àesquerda. Além disso, ela sabe que o sistema de suporte social de uma pessoa é fundamental para a promoção de uma resposta adaptativa à incapacidade. Ela pode utilizar determinadas pistas, como a presença ou ausência frequente de visitas familiares, para classificar de imediato uma família como de suporte ou não. Além de estruturar ou “compilar” informações, Terry também cria e utiliza modelos ou regras de procedimento que orientam seu pensamento (Brunning et al., 1999; Carr & Shotwell, 2007). Do mesmo modo que suas estruturas mentais a ajudam a organizar e a utilizar seu conhecimento sobre os aspectos comuns do acidente vascular cerebral, os modelos a ajudam a organizar eventos ou ocorrências comuns. Por exemplo, ela compreende que seu papel envolve responder ao encaminhamento com o exame do cliente, registrando por escrito seus achados no formulário adequado, fornecendo o tratamento, comunicandose verbalmente com outros membros da equipe e desenvolvendo o plano de alta. Provavelmente, Terry tem modelos acerca das implicações para clientes que têm famílias que os apoiam e para os que não têm. Em sua experiência, uma família que apoia cuida de seu familiar em casa, independente dos recursos financeiros da família. De maneira alternativa, os clientes com pouco suporte familiar são os que mais provavelmente recebem cuidado institucional. Mais uma vez, esses modelos são construídos pelas observações e experiências de Terry ao longo do tempo e têm a finalidade de ajudála a antecipar eventos prováveis. A mente parece utilizar estruturas e modelos para apoiar o processamento efetivo da informação ao fornecer estruturas mentais eficientes para uso de informações complexas. Cada pessoa as constrói individualmente. Não causa surpresa que estudantes e profissionais novatos frequentemente se esforcem para reter e utilizar efetivamente seu conhecimento de terapia. O desenvolvimento do raciocínio efetivo leva tempo e exige a repetição das experiências, com base no armazenamento eficiente na memória de longo prazo, permitindo o uso direcionado da memória de curto prazo durante o tratamento. Os aspectos importantes do processo são os seguintes (Bruning et al., 1999; Roberts, 1996; Robertson, 1996): Aquisição de pista: Busca da informação valiosa e direcionada por meio da observação e questionamento. Reconhecimento de padrão: Percepção de semelhanças e diferenças entre as situações. Limitação do espaço do problema: Uso de padrões para ajudar a focar a aquisição de pistas e a aplicação do conhecimento em áreas mais proveitosas. Formulação do problema: Desenvolvimento de uma explicação do que está acontecendo, por que está acontecendo e qual poderia ser a melhor situação ou resultado. Solução do problema: Identificação dos cursos de ação com base na formulação do problema. Esses processos cognitivos são interativos e raramente acontecem de uma maneira linear. Em vez disso, a mente salta entre as informações disponíveis e aquilo que foi armazenado pelo aprendizado prévio, enquanto tenta compreender a situação. ASPECTOS DO RACIOCÍNIO PROFISSIONAL Embora pareçam existir processos comuns subjacentes ao raciocínio na prática, o foco dessa atividade mental parece variar de acordo com as demandas dos problemas a serem abordados. Fleming (1991) foi a primeira dentro da terapia ocupacional a descrever como os terapeutas ocupacionais pareciam utilizar diferentes abordagens de raciocínio, dependendo da natureza do problema clínico que eles enfrentavam. Ela referiuse a esse processo como a “mente de três vertentes do terapeuta” (p. 1.007). Desde então, outros têm examinado os diferentes aspectos do raciocínio profissional da terapia ocupacional. A maior parte dessa pesquisa foi realizada com terapeutas ocupacionais, embora pelo menos um estudo de caso (Lyons & Crepeau, 2001) sugira que também há alguma aplicação para assistentes de terapia ocupacional. Esses aspectos do raciocínio profissional são listados na Tabela 32.1, juntamente com o foco típico e as pistas para reconhecer quando ocorre determinado tipo de raciocínio. Raciocínio Científico O raciocínio científico é utilizado para compreender a condição que afeta o indivíduo e decidir sobre o tratamento no melhor interesse do cliente. É um processo lógico que faz paralelo com o questionamento científico. As formas de raciocínio científico descritas na terapia ocupacional são o raciocínio diagnóstico (Rogers & Holm, 1991) e o raciocínio de procedimento (Fleming, 1991, 1994b), além do uso geral do raciocínio hipotéticodedutivo (Tomlin, 2008). O raciocínio científico também é denominado planejamento de tratamento (Pelland, 1987), no qual o terapeuta emprega teorias selecionadas tanto para identificar os problemas como para nortear a tomada de decisão. O raciocínio diagnóstico está relacionado com a percepção do problema clínico e a definição do problema. O processo inicia antes da observação do cliente. Os profissionais de terapia ocupacional, por causa de seus domínios de preocupação, buscam principalmente os problemas de desempenho ocupacional. Além disso, a natureza dos problemas que eles esperam encontrar é influenciada pelas informações na solicitação de serviços. Parte do raciocínio diagnóstico de Terry, descrito anteriormente, incluía as informações sobre os sintomas típicos associados a um acidente vascular cerebral. O raciocínio de procedimento ocorre quando os profissionais “pensam sobre a doença ou a incapacidade e decidem que atividades de tratamento (procedimentos) poderiam ser utilizadas para remediar os problemas de desempenho funcional da pessoa” (Fleming, 1991, p. 1.008). Isto pode envolver uma entrevista, a observação da pessoa durante a realização de uma tarefa ou avaliações formais que empregam medidas padronizadas. Embora se espere que o raciocínio de procedimento seja baseado na ciência, Tomlin faz a importante observação de que o raciocínio de procedimento pode tornarse uma aplicação sem questionamento de protocolos de tratamento, situação que apre senta natureza menos científica (Tomlin, 2008). É por isto que existe certa ênfase para a prática baseada em evidência, o que desafia o profissional a avaliar constantemente as abordagens costumeiras de tratamento com base nas melhores informações disponíveis no momento (Holm, 2001; Law, 2002; Tickle Degnen, 1998). No estudo de caso, Terry utilizou uma combinação de entrevista e observação, ambas orientadas por sua hipótese de trabalho de que a Sra. Munro apresentava problemas cognitivos que poderiam afetar seu funcionamento seguro em casa. Ela provavelmente estava tomando decisões com base em sua compreensão das teorias cognitivas (como aquelas descritas no Capítulo 57) e com base em suas próprias experiências com clientes similares. À medida que se inicia o tratamento, dados adicionais são coletados, e o profissional de terapia ocupacional tem uma visão clínica mais aguçada. Esta visão clínica é o resultado da interrelação entre o que o profissional de terapia ocupacional espera encontrar (como o curso usual da doença) e o desempenho real do cliente. No estudo de caso, houve congruência entre os problemas e as capacidades da Sra. Munro para realizar as atividades da vida diária e as expectativas de Terry em relação a alguém que apresenta uma boa recuperação após um acidente vascular cerebral. Mattingly (1994a) argumentou que os terapeutas ocupacionais exercem uma “prática em dois corpos” (p. 37). Com isso, ela quis dizer que os profissionais da terapia ocupacional veem uma pessoa de duas maneiras: o corpo como uma máquina cujas partes podem ser quebradas, e a pessoa como uma vida,cheia de esperanças e significados pessoais. Grande parte do raciocínio de procedimento na terapia ocupacional aborda questões relacionadas ao corpo como máquina. A próxima forma de raciocínio, o raciocínio narrativo, fornece ao profissional de terapia ocupacional um modo de compreender a experiência de doença da pessoa. TABELA 32.1 DIFERENTES ASPECTOS DO RACIOCÍNIO EM TERAPIA OCUPACIONAL Aspecto do Raciocínio Descrição e Foco Pistas para Reconhecer nas Discussões com o Terapeuta Raciocínio científico Raciocínio envolvendo o uso de métodos lógicos e científicos aplicados, como teste de hipótese, reconhecimento de padrão, tomada de decisão baseada em teoria e evidência estatística. Impessoal, focado no diagnóstico, condição, teoria de orientação, evidência de pesquisa ou o que “tipicamente” acontece a clientes semelhantes àquele que está sendo considerado. Raciocínio diagnóstico Raciocínio investigativo e de análise da causa ou natureza das condições que necessitam do tratamento de terapia ocupacional. Pode ser considerado um componente do raciocínio científico. Uso de informações pessoais e impessoais. Os terapeutas tentam explicar por que o cliente está experimentando os problemas pelo uso de uma mistura de informações baseadas na ciência e no cliente. Raciocínio de procedimento Raciocínio em que o terapeuta considera e utiliza as rotinas de tratamento para condições identificadas. Pode ser baseado na ciência e pode refletir os hábitos e a cultura do ambiente de tratamento. Caracterizado pelo terapeuta que utiliza modelos ou rotinas de tratamento considerados efetivos para os problemas identificados e que são tipicamente empregados com clientes nesses ambientes. Tende a ser mais impessoal e direcionado ao diagnóstico. Raciocínio narrativo Processo de raciocínio utilizado para compreender as circunstâncias particulares das pessoas, projetar o efeito da doença, incapacidade ou problemas de desempenho ocupacional sobre suas vidas diárias, e criar uma história colaborativa que seja desempenhada pelos clientes e famílias por meio do tratamento. Pessoal, focado no cliente, incluindo passado, presente e futuro antecipado. Envolve a apreciação da cultura do cliente como a base para a compreensão da narrativa do cliente. Relacionase “ao que importa” da condição para a vida da pessoa. Raciocínio pragmático Raciocínio prático que é utilizado para adequar as possibilidades de tratamento à realidade atual de prestação de serviço, como agendar opções, pagamento por serviços, disponibilidade de equipamento, habilidades dos terapeutas, diretrizes de tratamento e situação pessoal do terapeuta. Geralmente não focado no cliente ou na condição do cliente, mas, em vez disso, nos “dados” físicos e sociais que cercam o encontro terapêutico, bem como no sentimento interno do terapeuta do que ele é capaz de e tem tempo e energia para realizar. Raciocínio ético Raciocínio direcionado para a análise de um dilema ético, aquisição de soluções alternativas e determinação das ações a serem empreendidas. Abordagem sistemática do conflito moral. Com frequência, a tensão é evidente quando o terapeuta tenta determinar qual é a coisa certa a fazer, principalmente quando enfrenta dilemas no tratamento, princípios em competição, riscos e benefícios. Raciocínio interativo Pensamento direcionado para a construção de relações interpessoais positivas com os clientes, permitindo a identificação colaborativa do problema e a resolução do problema. O terapeuta se preocupa com que o cliente gosta ou não gosta. Uso do elogio, comentários empáticos e comportamentos não verbais para incentivar e apoiar a cooperação do cliente. Raciocínio condicional Mistura de todas as formas de raciocínio com objetivo de responder com flexibilidade às condições dinâmicas ou predizer as possibilidades futuras do cliente. Encontrado tipicamente nos terapeutas mais experientes, que podem “enxergar” múltiplos futuros, baseados nas experiências pregressas dos terapeutas e nas informações atuais. O Utilizada com permissão de Schell & Schell (Eds.) (2008) e baseada nos escritos por Tomlin, Hamilton, Schell, Kanny e Slater em Schell & Schell (2008); Rogers & Holm (1991); e Mattingly & Fleming (1994). Raciocínio Narrativo Compreender o significado que uma doença, enfermidade ou incapacidade tem para uma pessoa é uma tarefa que vai além da compreensão científica dos processos patológicos e dos sistemas orgânicos. Em vez disso, exige que os profissionais encontrem um modo de compreender o significado dessa experiência a partir da perspectiva do cliente. Mattingly (1994b) sugeriu que os profissionais fazem isso por meio de uma forma de raciocínio chamada raciocínio narrativo. O raciocínio narrativo é assim denominado porque envolve o pensamento na forma de histórias. Não é raro que um profissional de terapia ocupacional que esteja se preparando para substituir um colega junto a um cliente pergunte para o outro profissional: “Então, qual é a história do cliente?” Conforme Kielhofner observou (1997), o raciocínio narrativo “tornase particularmente importante ao considerar como a história de vida perturbada da pessoa pode ser constituída ou reconstituída” (p. 316). O Boxe 32.1 explica como o raciocínio narrativo relacionase com o raciocínio científico. RACIOCÍNIOS CIENTÍFICO E NARRATIVO: DOIS LADOS DE UMA MOEDA raciocínio narrativo lida com especificidades e particularidades subjetivas e personalizadas da experiência vivida, da intenção humana e da ação que conecta os eventos ao longo do tempo e define as possibilidades. O uso da experiência pessoal e a preocupação com a condição humana definem sua posição subjetiva e personalizada característica. Uma suposição frequente e equivocada é a de que o raciocínio científico e o raciocínio narrativo se opõem ou que um tem maior validade ou utilidade que o outro. Podemos ilustrar isto ao examinar uma moeda. Percebemos que cada lado contribui com diferentes aspectos para a moeda que rotulamos como “cara” e “coroa”. Independente do lado da moeda mostrado, reconhecemos o objeto como uma moeda. De maneira similar, quando utilizamos uma moeda para fazer uma compra, não importa se inserimos a moeda na ranhura da máquina ou a entregamos ao caixa. A validade da moeda é evidente, independente de qual lado da moeda se mostre... Juntos, o raciocínio científico e o narrativo nos ajudam a criar perspectivas de uma única realidade e verdade, da mesma forma que a cara e a coroa mostram lados diferentes de uma moeda. Hamilton (2008). No estudo de caso, parte do raciocínio de Terry relacionouse com a tomada de decisões a partir do que era importante para a Sra. Munro. Esse processo de colaboração e empatia foi descrito como “construção de um ambiente de compreensão mútua” (Clark, Ennevor & Richardson, 1996, p. 376). Terry obteve compreensão ao ouvir com atenção as histórias da Sra. Munro sobre o marido e como ele adorava sua comida. Ficou evidente, a partir dessa sessão, que a casa da Sra. Munro era mais do que uma casa. É o lugar onde ela viveu com seu marido, onde ele morreu e onde ela ainda sente sua presença. Parte da história da Sra. Munro é que voltar para casa é voltar para seu marido. Se o acidente vascular cerebral fosse impedir isso, a Sra. Munro perderia mais que sua independência; ela perderia as conexões simbólicas com o marido. Embora uma decisão lógica pudesse concluir que a Sra. Munro deveria considerar viver em um ambiente com suporte maior, Terry compreende que, para a Sra. Munro, isto não seria um final aceitável. Por conseguinte, Terry trabalhou muito para obter os sistemas de suporte que seriam necessários para que a Sra. Munro funcionasse no ambiente escolhido, onde ela continuará sua história de vida. Com frequência, os profissionais de terapia ocupacionaltrabalham com pessoas cujas histórias de vida são intensamente modificadas, de modo que elas não conseguem imaginar como será seu futuro. Mattingly (1994b) acredita que, nessas situações, os profissionais habilidosos ajudam seus clientes a criar novas histórias de vida. Até certo ponto, essas histórias se tornam reais, à medida que o profissional de terapia ocupacional e o cliente desenvolvem metas em conjunto. A utilização das histórias de vida também é evidente quando as atividades são selecionadas por seu potencial de cura e por seu significado particular para a pessoa. Para fazer isso é preciso primeiro solicitar as histórias ocupacionais da pessoa (Clark et al., 1996). Com uma compreensão das histórias ocupacionais pregressas dos clientes, os profissionais podem ajudar os indivíduos a criar novas histórias e novos futuros. Se os sintomas da Sra. Munro fossem mais intensos e ela estivesse em um processo de terapia mais duradouro, Terry poderia explorar o interesse da Sra. Munro em cozinhar como uma atividade de que ela gostasse e que ofereceria muitas oportunidades terapêuticas. Além disso, a Sra. Munro poderia descobrir como expressar prazer em cozinhar para os outros ao preparar pratos especiais, primeiro para outros clientes e, em seguida, talvez, para vizinhos em troca de sua ajuda nos afazeres domésticos. Durante esse processo, a Sra. Munro não estaria apenas recuperando a coordenação e a destreza, ela também estaria recuperando o próprio sentido de si como uma pessoa produtiva. Esse aspecto narrativo do raciocínio clínico, que está centrado principalmente na pessoa como um ser ocupacional, constrói uma relação entre os valores fundamentais da profissão e as atuais demandas da prática (Gray, 1998). Raciocínio Pragmático O raciocínio pragmático é outra vertente do raciocínio que vai além da relação profissionalcliente e aborda o mundo em que a terapia acontece (Schell, 2008; Schell & Cervero, 1993). Este mundo é considerado a partir de duas perspectivas: o contexto da prática e o contexto pessoal. Como o raciocínio durante a terapia é uma atividade prática, inúmeras questões cotidianas que afetam o processo de tratamento foram identificadas ao longo dos anos. Estas incluem recursos para o tratamento, cultura organizacional, relações de poder entre os membros da equipe, práticas de reembolso e tendências da prática na profissão (Barris, 1987; Howard, 1991; Neuhaus, 1988; Rogers & Holm, 1991). Estudos que abordaram o raciocínio clínico confirmaram que os profissionais de terapia ocupacional tanto consideram ativamente como são influenciados por seus contextos de atuação (Creighton, Djikers, Bennett & Brown, 1995; Schell, 1994; Strong, Gilbert, Cassidy & Bennett, 1995). Um exemplo do raciocínio pragmático no estudo de caso foi o uso dos recursos imediatos no quarto da Sra. Munro (o vaso de flores) por Terry como um instrumento de tratamento. Embora Terry tenha pensado em atividades apropriadas relacionadas ao autocuidado, ela precisou identificar rapidamente alternativas práticas quando descobriu que a Sra. Munro já estava vestida. As restrições práticas para Terry incluíram (1) o tempo que levaria para deslocar a Sra. Munro até a clínica, onde haveria mais recursos; (2) a necessidade de obter as informações necessárias naquele dia, pois a Sra. Munro estava indo para casa; e (3) as restrições físicas do que estava disponível dentro do quarto. A criação por Terry de uma alternativa possível foi um produto tanto de sua imaginação terapêutica como das pistas fornecidas pelo ambiente de prática. A atenção de Terry quanto à influência dos membros da equipe demonstra o raciocínio pragmático direcionado para questões interpessoais e de grupo. Ela sabia que o médico tinha o poder de tomar a decisão sobre a alta. Ela estava ciente das pressões das seguradoras sobre o médico para dar alta aos clientes o mais rapidamente possível. A prática requer que os profissionais raciocinem sobre a negociação dos interesses dos clientes dentro da cultura da prática. A situação pessoal do profissional também faz parte do processo de raciocínio pragmático. Competências clínicas, preferências, compromisso com a profissão e as demandas do papel de vida da pessoa fora do trabalho afetam, sem exceção, as escolhas de tratamento que são consideradas e, dessa maneira, fazem parte do processo de raciocínio. Por exemplo, quando um profissional não se sente seguro em ajudar um cliente a ficar em pé ou a se transferir para o leito, é mais provável que ele utilize atividades sobre a mesa, em que o cliente pode participar sentado em uma cadeira de rodas. Outro profissional de terapia ocupacional poderia sentirse desconfortável em interagir com indivíduos que apresentam depressão e, por conseguinte, poderia ser rápido em sugerir que esses clientes não estão motivados para a terapia. Um profissional que tem uma família jovem em casa poderia optar por não agendar clientes para o final do dia, de modo que pudesse chegar cedo em casa. Essas questões pessoais simples resultam em decisões clínicas que afetam o espectro e a regulação temporal dos serviços da terapia. Hooper (1997, 2008) sugeriu que as questões fundamentais, como a visão geral de mundo e os valores de um profissional, afetam fortemente a maneira pela qual a pessoa constrói seu raciocínio. Essas visões de mundo desempenham um papel importante no próximo tipo de raciocínio: o raciocínio ético. Raciocínio Ético Todas as formas de raciocínio que foram descritas até o momento ajudam o profissional a responder as seguintes perguntas: Qual é a situação ocupacional atual da pessoa? O que pode ser feito para melhorar a situação da pessoa? O raciocínio ético vai um passo além e pergunta: O que deve ser feito? Rogers (1983) estruturou estas três perguntas (aqui parafraseadas) em sua Conferência Eleanor Clark Slagle e afirmou: “O processo do raciocínio clínico termina em uma decisão ética, em vez de científica, e a natureza ética da meta do raciocínio clínico se projeta sobre toda a sequência” (p. 602). No estudo de caso, o dilema ético de Terry consiste em compreender as vontades pessoais da Sra. Munro e atendêlas quando desenvolve um programa de tratamento que aborde realisticamente as limitações da Sra. Munro. Isso pode ser particularmente desafiador quando as pressões da realidade financeira (como a falta de seguro da Sra. Munro) afetam as opções disponíveis. Inúmeros autores de terapia ocupacional discutiram o aspecto ético do raciocínio profissional (Fondiller, Rosage & Neuhaus, 1990; Howard, 1991; Neuhaus, 1988; Peloquin, 1993), sendo o Capítulo 28 deste texto dedicado à questão da ética da profissão. Aqui, a finalidade consiste em introduzir o raciocínio ético como mais um dos componentes do raciocínio profissional na terapia ocupacional. Raciocínio Interativo O fornecimento do tratamento é um processo inerentemente comunicativo (Schwartzberg, 2002). Na terapia ocupacional, os profissionais devem ganhar a confiança de seus clientes e das pessoas que são importantes no mundo dos clientes. É por isso que a terapia ocupacional envolve “fazer com” em vez de “fazer para” os clientes (Mattingly & Fleming, 1994, p. 178). Um terapeuta obtém essa confiança ao entrar no mundo de vida do cliente (Crepeau, 1991) e ao utilizar diferentes estratégias interpessoais com o objetivo de motivar os clientes, como aquelas discutidas no Capítulo 33. Uma vez no mundo do cliente, os profissionais de terapia ocupacional podem compreender melhor como ajudar o indivíduo a resolver seus problemas de desempenho. É provável que algum raciocínio focado na interação seja consciente, como quando um profissionalse lembra que “preciso me assegurar de elogiar com frequência o cliente, porque ele desanima com facilidade”. Outras ações interpessoais podem ser automáticas, como quando um terapeuta toca o braço de uma pessoa para transmitirlhe simpatia. É por vezes mais fácil detectar a importância do raciocínio interativo efetivo quando o terapeuta comete um erro ou demonstra uma reação inesperada e é forçado a reorganizar e reconstruir a relação de tratamento. RACIOCÍNIO PROFISSIONAL: UM PROCESSO DE SÍNTESE A seção anterior descreveu os aspectos do raciocínio profissional separadamente para ilustrar as diferentes partes do processo. A Tabela 32.2 fornece um resumo dos tipos de perguntas que os profissionais procuram responder com os diferentes aspectos do raciocínio profissional. No entanto, essas facetas do raciocínio não são processos estanques ou paralelos; mais do que isso, o oposto parece ser o caso. Quase toda pesquisa sobre o raciocínio na prática sugere que essas formas diferentes interagem entre si. Raciocínio para Solução de Problemas Os processos de raciocínio científico, narrativo, pragmático, ético e interativo são entremeados ao longo de todo o processo de tratamento. Na realidade, cada perspectiva informa a outra. No estudo de caso, a compreensão de Terry da ciência médica permitiu que ela soubesse quais poderiam ser os comprometimentos e problemas de desempenho potenciais, mas seu raciocínio narrativo ajudoua a compreender a importância do retorno à casa para a Sra. Munro. Em conjunto, essas duas formas de raciocínio ajudam Terry a obter uma compreensão não verbalizada de que haveria um grande risco de depressão (a qual poderia agravar a condição clínica de sua cliente) se a Sra. Munro não retornasse à casa, o que significava muito para ela. Além disso, as restrições práticas associadas ao ambiente e ao reembolso para a Sra. Munro levaram Terry a raciocinar de imediato sobre a ética de encaminhar a Sra. Munro para um centro de reabilitação (que ela não poderia pagar), de permitir que ela voltasse para casa sozinha (onde ela poderia não estar segura) e, por fim, de permitir que ela retornasse para casa com o suporte dos vizinhos e dos cuidados domiciliares. Processo Condicional Os profissionais não devem apenas mesclar os diferentes aspectos do raciocínio a fim de interagir de modo efetivo com seus clientes, mas devem também modificar o tratamento em resposta às condições dinâmicas. Terry demonstrou sua flexibilidade ao criar uma atividade com o vaso de flores quando seu plano de trabalhar com a Sra. Munro no banho e no vestir foi por água abaixo. Creighton e colaboradores (1995) observaram que os profissionais de terapia ocupacional planejam os tratamentos de maneira hierárquica. Eles observaram que os profissionais tipicamente trazem vários conjuntos de materiais para uma sessão de tratamento. Um conjunto estaria direcionado para o nível esperado de desempenho, os outros para um estágio acima e um abaixo da atuação esperada. Como exemplo, um profissional, ao se preparar para uma atividade de escrever com um cliente que sofreu lesão da medula espinhal, traz uma tala curta para escrever e papel sem pauta. Este profissional também traz uma tala mais longa para dar suporte ao punho (para o caso de o controle da mão do cliente ser pior do que o esperado) e papel pautado, que exige maior precisão (para o caso de o controle da mão ser melhor do que o esperado). Este profissional mesclou preocupações científicas e pragmáticas ao antecipar várias situações que possam acontecer. Em maior escala, Fleming (1994c) descreveu a capacidade dos profissionais de terapia ocupacional habilidosos de “criar uma imagem das futuras possibilidades de vida para a pessoa” (p. 234). A capacidade de criar essas imagens (ou esquemas, utilizando um termo cognitivo) parece exigir uma mistura de todas as formas de raciocínio clínico, juntamente com a experiência clínica suficiente pela observação de resultados diferentes com antigos clientes. Essas imagens ajudam os profissionais a selecionar atividades terapêuticas com base no cotidiano. Por exemplo, a atividade de escrever para o cliente que sofreu lesão de medula espinhal não apenas é uma boa atividade para aumentar a coordenação, como também antecipa as ocupações que capacitarão o cliente a recuperar o controle de sua vida por meio da capacidade de escrever seus próprios cheques, assinar seu nome em documentos legais e utilizar as diversas formas de tecnologia para trabalho e lazer. Se este cliente fosse um contador, essas seriam imagens poderosas. Em contrapartida, se o cliente fosse um atleta de competição, o profissional da terapia ocupacional poderia precisar criar atividades diferentes que permitissem ao cliente desenvolver a imagem de si próprio como um futuro treinador ou professor. As atividades utilizadas na terapia ocupacional podem ajudar a estabelecer metas de curto prazo específicas e modelar as expectativas de longo prazo. É dessa maneira que os profissionais ajudam os indivíduos a se reengajar em suas vidas mediante o uso de ocupações significativas. VISÃO ECOLÓGICA DO RACIOCÍNIO PROFISSIONAL Na Unidade I, vários capítulos discutiram como o desempenho ocupacional resulta de uma complexa negociação entre as capacidades inerentes da pessoa, as experiências anteriores da pessoa e as demandas do contexto de desempenho. De modo semelhante, o processo de raciocínio profissional e as ações de tratamento resultantes representam negociações que acontecem entre o profissional, o cliente e o contexto de tratamento (Schell, Unsworth & Schell, 2008) conforme ilustrado na Fig. 32.1. O raciocínio do profissional é modelado por perspectivas pessoais e profissionais. Cada profissional traz o conhecimento da situação de tratamento e as habilidades que são fundamentadas em experiências de vida, incluindo características pessoais, como capacidades físicas, personalidade, valores e crenças. Estes formam o eu pessoal. Estes fatores pessoais modelam a percepção e a interpretação de cada pessoa sobre todas as atividades da vida e, dessa maneira, atuam como uma lente através da qual cada profissional enxerga os eventos da vida. Depositado sobre ou entremeado a esse eu pessoal está o eu profissional, que inclui o conhecimento técnico do terapeuta de sua formação, experiências com clientes anteriores e crenças sobre o que é importante fazer no tratamento, juntamente com o conhecimento de habilidades técnicas importantes e das rotinas de tratamento disponíveis para uso no contexto de prática. Os “eus” pessoal e profissional atuam em conjunto para responder aos diversos problemas da prática. TABELA 32.2 ASPECTOS E EXEMPLOS DO PROCESSO DE RACIOCÍNIO CLÍNICO Preocupações do Raciocínio Clínico Primário Quais são as preocupações de desempenho ocupacional da pessoa? Quais são o potencial e a condição de desempenho ocupacional da pessoa? O que será feito para melhorar o desempenho ocupacional? Quão efetivo é o tratamento? Quando e como o tratamento deve cessar? Científico Narrativo Pragmático Ético Interativo Utilizado para compreender a natureza da condição Utilizado para compreender o significado da condição para a pessoa Utilizado para compreender as questões práticas que afetam a ação clínica Utilizado para escolher ações moralmente defensáveis, diante dos interesses em conflito Utilizado para desenvolver e promover as relações interpessoais com o cliente Qual é a natureza da doença, enfermidade ou problema de desenvolvimento? Qual é a história de vida desta pessoa? Quem encaminhou esta pessoa e por quê? Quais são os benefícios e riscos para a pessoa em relação à prestação do serviço e estes benefícios realmente justificam os riscos? Como possome relacionar melhor com esta pessoa? Quais são as incapacidades comuns decorrentes desta condição? Qual é a natureza desta pessoa como um ser ocupacional? Quem está pagando pelos serviços e quais são as expectativas? Diante de tempo e recursos limitados, qual a maneira mais adequada para priorizar o tratamento? Como posso tranquilizar esta pessoa? Quais são os comprometimentos típicos associados a esta condição? Como a condição de saúde afetou a história de vida da pessoa ou a capacidade de continuar sua história de vida? Que recursos da família ou do cuidador existem para apoiar o tratamento? Como posso equilibrar as metas da pessoa que recebe atendimento com aquelas do cuidador quando elas não concordam? Qual é a melhor maneira de incentivar esta pessoa? Quais são os fatores contextuais típicos que afetam o desempenho? Que atividades ocupacionais são mais importantes para esta pessoa? Quais são as expectativas de meu supervisor e do meu local de trabalho? Até que ponto devo customizar a documentação dos serviços para melhorar o reembolso? Que estratégias não verbais devo empregar nesta situação? Quais teorias e pesquisas estão disponíveis para orientar a avaliação e o tratamento? Quais atividades ocupacionais são significativas para esta pessoa e úteis para atender às metas da terapia? Quanto tempo é necessário para o atendimento desta pessoa? Qual é a disponibilidade de espaço e equipamento para a terapia? O que devo fazer quando outros membros da equipe de tratamento estão atuando de maneira que eu perceba conflito com as metas da pessoa que está recebendo o atendimento? Como devo me posicionar em relação a esta pessoa de modo que eu a apoie, mas não “invada” a pessoa? Quais protocolos de tratamento são aplicáveis à Quais são minhas competências de prática? Quais fatores culturais eu preciso considerar condição desta pessoa? quando me engajo com esta pessoa? Fig. 32.1 Modelo ecológico do raciocínio profissional de Schell. [Adaptado de Schell, B. A. B., Unsworth, C., & Schell, J. (2008).] De maneira similar, o cliente traz para o tratamento suas próprias experiências de vida e características pessoais, situação de vida e problemas de desempenho que levam à necessidade imediata de tratamento. O cliente também possui suas próprias teorias sobre o que está causando os problemas de desempenho e o que esperar do processo de tratamento. O terapeuta e o cliente atuam em uma comunidade de prática que modela a natureza, o espectro e a trajetória do processo de tratamento. DESENVOLVIMENTO E MELHORAMENTO DO RACIOCÍNIO PROFISSIONAL Compreender a complexidade do raciocínio profissional ajuda os estudantes e profissionais afins a apreciarem por que é preciso tempo para realmente se transformarem em profissionais de excelência. A pesquisa demonstra que é preciso um mínimo de 10 anos para que as pessoas obtenham experiência em determinado campo (Boshuizen & Schmidt, 2000). Embora a experiência seja necessária, apenas a experiência não é suficiente para garantir melhoria nas habilidades de raciocínio clínico. Os terapeutas devem refletir sobre aquela experiência de modo a adquirir excelência. Reflexão na Prática Schön (1983) cunhou o termo profissional reflexivo para descrever como os especialistas raciocinam criticamente a respeito de suas próprias experiências. A reflexão acontece de duas maneiras. Em primeiro lugar, os profissionais “refletem sobre a ação” (p. 49). Isto envolve a capacidade do profissional de pensar em meio à ação e adaptarse para atender às demandas da situação. A reflexão sobre a ação ocorre mais amiúde quando as abordagens usuais não funcionam. “Reflexão sobre a ação” (p. 61) é o termo utilizado por Schön para o raciocínio crítico que ocorre após o fato. A reflexão sobre a prática identifica o que funcionou e o que não funcionou e está aberta a conceitos alternativos que sejam necessários para sustentar o aprendizado associado à experiência em evolução. O uso de evidência de pesquisa para sustentar a prática e a aplicação de teorias formais, juntamente com a observação sistemática e a coleta de dados, pode ser auxílio inestimável para o processo de reflexão (Gambrill, 2005; TickleDegnen, 2000). Continuum da Experiência Embora exista uma quantidade crescente de evidência sobre a natureza do raciocínio profissional na terapia ocupacional, ainda há pouca pesquisa empírica que examine diretamente seu desenvolvimento além do nível inicial da profissão. A conceitualização da experiência profissional de Dreyfus e Dreyfus foi aplicada à terapia ocupacional (Slater & Cohn, 1991). Esta conceitualização, resumida na Tabela 32.3, descreve as alterações no raciocínio dos terapeutas ocupacionais à medida que eles adquirem experiência. Embora as alterações listadas na Tabela 32.3 sejam apresentadas como uma hierarquia relacionada a anos de experiência, é importante reconhecer que o desenvolvimento é dinâmico e influenciado por muito mais fatores que apenas os anos de experiência. As experiências profissionais e pessoais, juntamente com a reflexão ativa sobre essas experiências, são primordiais para a transformação em um especialista (Benner, 1984; Gambrill, 2005; Slater & Cohn, 1991). Além disso, a experiência é uma função de como a pessoa atua em determinado contexto. Alguém que demonstra experiência em prestar serviço no ambiente escolar poderia ser apenas minimamente competente no ambiente de enfermagem domiciliar. Consulte o Capítulo 25 para discussão da competência e do contexto de atuação. TABELA 32.3 CONTINUUM E CARACTERÍSTICAS DO RACIOCÍNIO PROFISSIONAL Categoria Anos de Prática Reflexiva Características Principiante 0 Nenhuma experiência na situação de prática; depende da teoria para orientar a atuação Usa raciocínio de procedimento com base nas normas para orientar as ações, mas não reconhece pistas contextuais; não é habilidoso na adaptação das regras para se adequar à situação O raciocínio narrativo é utilizado para estabelecer as relações sociais, mas não informa significativamente a atuação O raciocínio pragmático é ressaltado em termos das habilidades de manutenção do emprego Reconhece as questões éticas evidentes Principiante avançado <1 Começa a incorporar a informação contextual ao raciocínio baseado nas normas Reconhece diferenças entre as expectativas teóricas e os problemas apresentados A experiência limitada impede o reconhecimento de padrões e a identificação de pistas evidentes; não estabelecem as prioridades Acumula habilidade de raciocínio pragmático e narrativo Começa a reconhecer questões éticas mais sutis Competente 3 Realiza automaticamente mais habilidades terapêuticas e atende a mais questões É capaz de desenvolver um horizonte comum com as pessoas que recebem os serviços É capaz de selecionar os dados relevantes e priorizar as metas de tratamento relacionadas com os resultados desejados O planejamento é propositado, eficiente e responsivo às questões contextuais Utiliza o raciocínio condicional para modificar o tratamento, mas carece da flexibilidade dos profissionais mais experientes Reconhece os dilemas éticos impostos pelo ambiente de prática, porém pode ser menos sensível a respostas éticas justificadamente diferentes Proficiente 5 Percebe as situações como um todo Reflete sobre maior gama de experiências, permitindo a avaliação mais focada e maior flexibilidade no tratamento Combina de forma criativa diferentes abordagens de diagnóstico e de procedimento Mais atento às histórias ocupacionais e à relevância para o tratamento Mais habilidoso ao negociar os recursos para atender às necessidades do paciente/cliente Maior sofisticação para reconhecimento da natureza condicional do raciocínio ético Especialista 10 O raciocínioclínico tornase um processo intuitivo rápido, que está profundamente internalizado e baseado em ampla variedade de casos, permitindo a prática com menor rotina de análise, exceto quando enfrenta situações em que a abordagem não funciona Uso altamente habilidoso da elaboração da história ocupacional ao longo do tratamento para promover a satisfação com o desempenho ocupacional a longo prazo Modificada de Dreyfus e Dreyfus (1986) para incluir informações de Benner (1984); Clark, Ennevor e Richardson (1996); Creighton, Dijkers, Bennett e Brown (1995); Mattingly e Fleming (1994); Slater e Cohn (1991); e Strong, Gilbert, Cassidy e Bennett (1995). CONCLUSÃO O raciocínio profissional é o processo que os profissionais empregam para planejar, direcionar, aplicar e refletir sobre o tratamento do cliente. É um processo de corpo inteiro e multissensorial que exige atividade cognitiva complexa. Os profissionais desenvolvem estruturas e modelos cognitivos à medida que acumulam experiência, formando a base do conhecimento e ação profissionais. O raciocínio profissional é multifacetado e capacita os profissionais a compreenderem os problemas do cliente a partir de diferentes perspectivas. Os profissionais utilizam os processos lógicos associados ao raciocínio científico para compreender os comprometimentos do cliente, as incapacidades e os contextos de desempenho, bem como para predizer o impacto destes sobre o desempenho ocupacional. O raciocínio narrativo ajuda os profissionais a apreciarem o significado das limitações de desempenho ocupacional para o cliente, apoiando assim o tratamento centrado no cliente. Os profissionais utilizam o raciocínio pragmático quando abordam as realidades práticas associadas à prestação do atendimento. Todas essas formas de raciocínio levam a um processo de raciocínio ético por meio do qual os profissionais selecionam a melhor ação terapêutica para atender às necessidades de desempenho ocupacional do cliente. O processo de raciocínio profissional envolve uma negociação entre as perspectivas pessoal e profissional do terapeuta, as perspectivas do cliente e as demandas do contexto de atuação. A experiência desenvolvese à medida que o profissional acumula experiência e reflete sobre essa experiência para uma compreensão mais profunda. QUESTÕES INSTIGANTES 1. Quais são alguns dos fatores pessoais que você considera que influenciarão o exercício da terapia ocupacional? 2. Como você pode lidar com as evidências de pesquisa que estão em conflito com sua própria experiência ou crenças pessoais? Quais seriam algumas respostas adequadas? REFERÊNCIAS Barris, R. (1987). 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