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1 PROFISSÃO DOCENTE 1 Sumário 1. HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE .......................................................... 3 1.1-Contexto sócio histórico do surgimento da profissão docente ........................ 3 1.2- A reforma pombalina dos estudos secundários .............................................. 4 1.3 - A formação de professores no Brasil .......................................................... 6 1.4-Trajetória da profissão docente durante o século XX .................................... 10 2. PROFISSÃO DOCENTE, CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS. ........................................................................................ 13 2.1-As representações coletivas em Durkheim.................................................... 15 2.2-Moscovici e as representações sociais ......................................................... 17 2.3-Imaginário social e representações ............................................................... 19 2.4-Representações sociais e educação ............................................................. 20 3. FORMAÇÃO INICIAL E FORMAÇÃO CONTINUADA ................................... 21 3.1-A formação clássica do professor .................................................................. 22 3.2-Competências necessárias ao docente ......................................................... 27 3.3-A necessidade da formação continuada ........................................................ 27 3.4-As concepções de formação continuada ....................................................... 30 3.5-Educação e tecnologias da informação ......................................................... 31 4. GERENCIANDO E REFLETINDO O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO ............. 36 5. PROFESSOR PESQUISADOR E PROFESSOR REFLEXIVO ...................... 38 6. REFERÊNCIAS: ............................................................................................. 42 2 NOSSA HISTÓRIA A NOSSA HISTÓRIA, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender a crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 1. HISTÓRIA DA PROFISSÃO DOCENTE Quando se fala da história da profissão docente, geralmente associa-se à história da educação e às influências das ideias filosóficas nos processos de ensino-aprendizagem. Sob este prisma, o foco desloca-se das trajetórias da profissão docente para as doutrinas educativas que estiveram em voga em determinado período histórico, em função de determinada situação política e social. Obviamente que este viés tem proporcionado excelentes análises e contribuído para a formação de profissionais de educação mais consciente da história e da importância do seu ofício. O que se pretende aqui, no entanto, é usar tais doutrinas filosóficas e pedagógicas como auxiliares no entendimento da problemática central que é a história da profissão docente, seus variados aspectos que envolvem não somente os métodos educativos, mas também as práticas, as lutas, as leis e a intervenção do Estado, a ideologização da profissão e do profissional docente. Como escreveu António Nóvoa na apresentação da grande obra de Franco Cambi, História da Pedagogia, “a História da educação pode nos ajudar a cultivar um saudável ceticismo, cada vez mais importante num universo educacional dominado pela inação de métodos, de modas e de reformas educativas” (CAMBI, 1999, p. 13). Da mesma forma, compreender aspectos do processo histórico da constituição da profissão docente no Brasil nos ajudará a refletir com mais acuidade sobre os usos políticos da imagem do professor envolvida em discursos de “salvação nacional” sem que, no entanto, tenha havido mudanças significativas, nas muitas vezes, árdua realidade do professorado brasileiro. 1.1-Contexto sócio histórico do surgimento da profissão docente A história da profissão docente está intimamente ligada às transformações sociais, políticas e culturais da modernidade. Anthony Giddens definiu-a, basicamente, como algo que “refere-se a estilo, costume de vida ou organização social que emergiram na Europa a partir do século XVII e que ulteriormente se tornaram mais ou menos mundiais em sua influência” (GIDDENS, 1991, p. 11). O desenvolvimento do capitalismo como modo de 4 produção dominante é uma das principais características que frequentemente são levadas em consideração quando se fala de modernidade. Mas o conjunto de transformações que irromperam neste período histórico supera o limite da reprodução da vida material, para alcançar, como se referiu Giddens, uma nova forma de organização social, incluindo aí as mudanças tecnológicas e culturais. Giddens alude também à necessidade de investigar a “própria natureza da modernidade” pelas ciências sociais, pois, “em vez de estarmos entrando num período de pós-modernidade, estamos alcançando um período em que as consequências da modernidade estão se tornando mais radicalizadas e universalizadas do que antes” (1991 p. 12-13). É neste contexto que tratamos da profissionalização do professor, um contexto marcado pelo surgimento de Estados-nação que tentaram homogeneizar, a partir da ideia de nação, povos e culturas, e que tomaram para si a tarefa de educar a população. Inclusive, a educação promovida pelos estados funcionou como um mecanismo para criar a homogeneização cultural a que nos referimos. Consideramos, portanto, que falar sobre o processo que levou à profissionalização dos professores se encaixa na perspectiva de se investigar aspectos diferenciados da modernidade. 1.2- A reforma pombalina dos estudos secundários Existiram, segundo Ana Mendonça, duas grandes Reformas Pombalinas, a de 1759 e a de 1772, que criaram as condições necessárias para a progressiva profissionalização dos professores, em Portugal e no Brasil (MENDONÇA, 2005, p. 29). Tais reformas podem ser consideradas como as primeiras tentativas de se regulamentar a profissão. A autora chama atenção, apoiada principalmente em Nóvoa, para o pioneirismo de Portugal no que se refere à criação de um sistema de ensino articulado pelo Estado. Teria sido em Portugal a primeira iniciativa no que tange a estatização do ensino, retirando a responsabilidade das câmaras municipais e da Igreja Católica, no contexto do despotismo esclarecido, como ficou conhecido a modernização com base no Iluminismo promovida pelo Estado português. O Estado passava a controlar a organização escolar, entre elas a seleção dos conteúdos de ensino e os livros a serem adotados como material didático. Para Mendonça “a reforma de 5 1759 se constituiu em uma consequência direta da expulsão dos jesuítas dos territórios portugueses e visava à substituição do sistema escolar jesuítico, [...] por um sistema de aulas e de professores régios, controlados pelo Estado” (2005, p. 31). A reforma de 1759 deve serentendida então como o primeiro movimento em direção a uma educação laica, patrocinada e controlada pelo Estado. Isso se deve também ao contexto político do século XVIII que levaria a uma crescente valorização da educação como um dos fatores fundamentais na constituição dos Estados nacionais. Aspecto este que no século XIX ganhará destaque nas políticas de homogeneização cultural, levadas a cabo por burocracias estatais de vários países que se formavam e precisavam construir uma identidade própria para as nações. Surge a partir da reforma de 1759, um perfil do professor ideal, composto por características específicas que destacam a moralidade, o conhecimento e a intuição. Além disso, é lançado um concurso nacional que estabeleceria a condição necessária para, a partir de então, se exercer a profissão docente em terras portuguesas. Mesmo assim, a maioria dos professores régios foi formada pelos jesuítas, o que mais uma vez ressalta a importância destas congregações religiosas na formação dos profissionais e da profissão docente. A reforma de 1772 aprofundou e consolidou as transformações trazidas pela reforma de 1759, principalmente com a existência de uma fonte regular de recursos que visavam a manutenção do sistema (MENDONÇA, 2005, p. 32-33). O que gostaríamos de ressaltar sobre essas reformas é justamente a ação do Estado português que, sob a inspiração das mudanças políticas e de mentalidade ocorridas durante o século XVIII passou a entender, de acordo com o espírito iluminista, que a educação tem um papel fundamental na construção de um mundo universalmente progressista e civilizado. Em Portugal, por tanto, inicia-se o processo de estatização do ensino público e, por conseguinte, da profissão docente, que passou a ser regulamentada e dirigida pela burocracia estatal. No século XIX, após a independência política, a discussão sobre a instrução popular e a consequente preparação dos professores tomou uma nova dimensão no Brasil, passando a existir um método específico de se educar em locais apropriados para a formação de professores. 6 1.3 - A formação de professores no Brasil Figura: 1 Foi em 15 de outubro de 1827 que a lei das escolas das primeiras letras, como ficou conhecida, estabeleceu os parâmetros sob os quais deveriam ser treinados os professores das províncias brasileiras, pois as províncias, além de serem responsáveis pelo ensino elementar, também deveriam responsabilizar-se pelo consequente preparo dos professores (SAVIANI, 2005, p. 12). Em 1835, a Província do Rio de Janeiro instala a primeira escola normal do Brasil, cuja Lei Provincial de 4 de abril de 1835 estipulava que [...] a escola será regida por um diretor que ensinará: os conhecimentos de leitura pelo método lancasteriano, cujos princípios doutrinais e práticos explicará; as quatro operações de aritmética, quebrados, decimais e proporções; noções de geometria teórica e prática; elementos de geografia; princípios da moral cristã e da religião oficial e gramática nacional. (SAVIANI, 2005, p. 12-13, apud VILLELA, 2000, p. 109). Este modelo adotado na escola normal do Rio de Janeiro será basicamente o mesmo utilizado em outras províncias e se manterá com retrocessos até o advento da República. Saviani assinala o fato de que mesmo com a mudança na forma de governo no Brasil não houve mudanças significativas no campo educativo (SAVIANI, 2005, p. 13). 7 Apesar dessa aparente estabilidade no que se refere à organização por parte do Estado da educação e da preparação dos professores há que se atentar para outros aspectos relacionados à profissionalização do professorado brasileiro que estão diretamente relacionados à estatização da profissão docente. Isto se deve às recentes mudanças na forma de se abordar o fenômeno da educação que se abre para âmbitos até então inexplorados. É a renovação dos estudos sobre a educação que revela novos objetos em função da utilização de novos documentos. Um exemplo desta renovação nos estudos sobre a educação é o trabalho de Alessandra Frota Schueler sobre as representações da profissão docente construída a partir do surgimento da imprensa pedagógica especializada, na segunda metade do século XIX, no mesmo momento em que se dá a estatização da profissão e sua consequente regulamentação. O surgimento da imprensa especializada em educação, elaborada e publicada por membros atuantes ou envolvidos com o magistério, público ou particular, visando atingir basicamente professores e professoras, autoridades de ensino, os pais e as famílias dos alunos, [...] teve que esperar o alvorecer da década de 1870. S em dúvida, o processo de estatização da profissão docente e a armação dos professores como classe profissional definiram os rumos do surgimento da imprensa pedagógica na cidade do Rio do Janeiro. (SCHUELER, 2005, p. 381) A estatização da profissão docente parece ser o ponto de partida para que os professores pudessem, a partir de então, organizar veículos de mídia capazes de expressar os anseios de classe e também discutir os rumos que a educação deveria seguir no Brasil. O periódico “Instrução Pública: publicação hebdomadária” expressou um modelo de debate em torno dos problemas que a educação brasileira havia recém identificado, situações tributárias de um sistema educacional incipiente. Segundo Schueler, a revista demonstrava uma forma encontrada por alguns professores públicos e pelos agentes do governo que tiveram a clara intenção de criar um canal através do qual poderiam debater e viabilizar a instrução pública (SCHUELER, 2005, p. 382). É interessante perceber que desde que começaram as discussões em torno da educação no Brasil, bem como sobre a situação dos professores como classe profissional, o Estado esteve presente, não apenas como um interlocutor que naturalmente seria – levando em consideração a relação entre a promoção da educação pública e a presença 8 cada vez maior do Estado- -nação na estrutura das sociedades ocidentais – mas na própria constituição em si da identidade docente, como que tentando moldar a figura do professor às necessidades da própria imagem do Estado perante a sociedade. Isso teve efeitos indeléveis na história da profissão docente e na educação brasileira como um todo. Figurar como uma nação civilizada e em franco progresso no quadro geral das nações europeias e os Estados Unidos era uma questão que fez o Brasil Imperial lançar mão de diversos mecanismos de cunho cultural e político durante o século XIX, principalmente na sua segunda metade. Basta que atentemos para a função inclusive pedagógica que os museus brasileiros tiveram ao expor objetos que representavam culturas ditas primitivas e que contrastavam com o progresso e a civilidade a que tínhamos chego, mesmo que as mazelas sociais – em que a exploração da mão de obra escrava negra e a destruição de culturas indígenas foram aspectos marcantes – mostrassem o lado nefasto da “evolução”. O Estado, por tanto, promoveu a ideia de um professor como “agente fundamental da civilização e do progresso social e nacional” (SCHUELER, 2005, p. 383). Isso, por um lado, fortaleceu a imagem do profissional da educação como figura importante e fundamental na construção de uma nação ideal, gerando a partir dos novos parâmetros exigidos para a profissão um critério maior na contratação de docentes, o que certamente contribui para o profissionalismo dos educadores. Mas é importante salientar o aspecto ideológico que permeou este processo de profissionalização do educador brasileiro. A profissão docente torna-se “o braço direito do Estado na tarefa de educar e instruir cidadãos, [...] como artífice fundamental para o progresso social” (SCHUELER, 2005, p. 383), criando assim a imagem da educação como o meio através do qual seriam resolvidos os problemas mais graves da sociedade rumoa um futuro melhor. As fontes indicam, segundo Schueler, uma gama de discursos em torno da imagem e da missão do professor na sociedade brasileira do presente e do futuro, “relatos sobre a missão crucial dos mestres na formação da cidadania abundavam, assim como eram recorrentes as narrativas queixosas sobre as dificuldades , a precariedade das condições materiais e o abandono do governo para com a instrução pública e os mestres-escolas” (SCHUELER, 2005, p. 383). Parece ser esse o momento a partir do qual se instala no Brasil o paradoxo que nos vem até hoje, aquele que apresenta a educação e os professores como fator de salvação da sociedade, uma imagem construída pelo Estado principalmente, mas acolhida e reproduzida pelos próprios professores e sociedade civil, e a realidade objetiva das 9 condições em que se dá a educação, ou seja, os problemas da formação, da remuneração, da falta de escolas e de condições mínimas para o exercício digno da profissão. O aspecto da formação dos professores foi amplamente debatido e foi considerado de suma importância a ponto de figurar com destaque na reforma da Escola Normal de São Paulo de 1890. Saviani ressalta o Decreto 27 de 12 de março que estipulava que: “sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às necessidades da vida atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz” (SAVIANI, 2005, p. 13). Percebam que as palavras regeneradoras e eficazes estão de acordo com a ideia da educação como portadora da transformação social, regenerando as pessoas para que pudessem se adequar à meta civilizatória do Estado; além disso, e de acordo com Saviani, o decreto dá ênfase à formação prática do ensino. É interessante que se analise o relatório de Caetano de Campos apresentado ao governador do Estado em 1891. Caetano assumira a direção da escola normal uns anos antes e neste relatório podem perceber todas as diretivas da mudança que se propunha através da reforma; além disso, e de forma mais ampla, temos o reflexo das transformações do paradigma científico que tiveram o final do século XIX e início do XX como um ponto crucial. Novas cadeiras foram criadas. Às matemáticas juntou-se o estudo da álgebra e escrituração mercantil: às ciências físico-químicas adicionaram-se as ciências biológicas; o estudo da língua materna foi ampliado; e a parte artística profundamente modificada no estudo do desenho, foi alargada com a cadeira de música (solfejo e canto escolar); a educação física foi criada com as aulas de calistenia, ginástica e exercícios militares; finalmente, a geografia foi separada da cadeira de história, para maior latitude do ensino; e as ciências sociais contempladas com o acréscimo da cadeira de economia política e educação cívica, na qual se dão noções de direito e administração. (REIS FILHO, 1995, p. 52, apud SAVIANI, 2005, p. 14) Talvez uma das questões mais importantes neste relatório seja a presença das chamadas “ciências biológicas”, as quais influenciaram grandemente na foração das ciências sociais durante o século XIX e início do XX. Principalmente ciências como a Antropologia, que utilizou conceitos advindos da Biologia para estruturar suas primeiras interpretações sobre as diferenças culturais da humanidade. O determinismo biológico, que atribuía capacidades inatas às diferentes “raças” humanas foi largamente utilizado para interpretar e oferecer explicações científicas para as desigualdades existentes entre as 10 sociedades, internamente e em relação a outros países. Também podemos apontar a educação cívica, que acabou incorporando a ideia de que a educação serviria também para a constituição de cidadãos respeitadores da ordem. Se a ênfase recai, como se pode perceber, sobre o treinamento prático neste modelo de educação as escolas normais conhecerão mudanças significativas a partir da década de 1930 no Brasil. As reformas de 1932, no Distrito Federal, e de 1933, em São Paulo, marcaram a educação brasileira pelas suas iniciativas de renovação do ensino baseadas na experimentação pedagógica de bases científicas (SAVIANI, 2005, p. 16). 1.4-Trajetória da profissão docente durante o século XX Figura: 2 A profissão docente no Brasil viveu durante o século XX um período de intensas transformações que principiaram com as reformas de 1932, direcionadas por Anísio Teixeira e de 1933, de iniciativa de Fernando de Azevedo. Para além das diferenças existentes entre estas duas propostas, o ponto em comum foi a consciência de que a escola normal não estava cumprindo com sua obrigação primordial: a qualificação do profissional docente. A crítica recaía na ambiguidade presente na estrutura curricular das escolas normais que, “pretendendo ser, ao mesmo tempo, escolas de cultura geral e de cultura profissional, falhavam lamentavelmente nos dois objetivos” ( VIDAL, 2001, p. 79-80, apud SAVIANI, 2005, p. 16). Dessa forma, as reformas tiveram como fundamento a reestruturação curricular da escola normal, que passava a oferecer uma formação de base científica aliada à experimentação destinada a cada área específica de atuação profissional, 11 licenciaturas e cursos de Pedagogia. A citação de Saviani resume bem como ficou a formação dos professores no Brasil a partir das reformas empregadas: Em 1935, com a criação da Universidade do Distrito Federal, também por iniciativa de Anísio Teixeira, a Escola de Professores a ela foi incorporada com o nome de Escola de Educação. Algo semelhante ocorreu em São Paulo quando, em 1934, com a criação da USP, o Instituto de Educação Paulista a ela foi incorporado. E é sobre essa base que, em 1939, foram instituídos os Cursos de Pedagogia e de Licenciatura na Universidade do Brasil e na Universidade de São Paulo. [...] Aos cursos de Licenciatura coube a tarefa de formar professores para as disciplinas específicas que compunham os currículos das escolas secundárias; e os Cursos de Pedagogia ficaram com o encargo de formar os professores das Escolas Normais. (SAVIANI, 2005, p. 17). As coisas permaneceriam desta forma até o advento da Ditadura Militar a partir de 1964. As principais mudanças ocorreram na legislação do ensino, reformulando o Ensino Superior, com a Lei 5.540/68 e o Ensino Primário e Médio, com a Lei 5.692/71. Uma consequência direta para a formação dos professores foi o desaparecimento das Escolas Normais, substituídas pela Habilitação Específica de 2.º grau para o exercício do magistério de 1.º grau (SAVIANI, 2005, p. 19). Porém, muitos problemas surgiram com esta nova estrutura, pois a educação passa a atender ao modelo tecnicista, relegando a formação dos professores a simples executores de objetivos pré-programados por especialistas, cujo principal objetivo seria a formação do homem ideal para o mercado de trabalho, para a produtividade. Fusari (1992) aponta algumas consequências negativas que o tecnicismo deixou no sistema educacional brasileiro que persistem na atualidade: • uma visão da educação muito economista e imediatista, em que o compromisso maior seria com a formação do homem para o mercado de trabalho (posto de trabalho); • uma visão de educação escolar descolada dos problemas fundamentais da sociedade brasileira; •uma fragmentação no processo ensino-aprendizagem, em que o professor, juntamente com os especialistas, dividiram o espaço da educação escolar, cada um cuidando do seu espaço, reforçando assim a falta de uma visão de totalidade e, principalmente, uma atuação fragmentada e competitiva no interior da escola; 12 • uma falsa impressão de que as tecnologias resolveriam os problemas fundamentais da educação escolar, caso estes recursos chegassem de fato à escola e fossem bem utilizados pelos educadores; •uma visão de tecnologia como um m, quando, na realidade, é um meio para;• uma ideia de planejamento educacional, especificamente de ensino, como algo burocrático, supérfluo e desnecessário, descartando assim um meio importante e necessário ao bom desenvolvimento do ensino (FUSARI, 1992, p. 21-22). Muitos autores se referem aos resquícios que este modelo educacional deixou no sistema educacional brasileiro. É inegável que o tecnicismo ainda permeia os currículos de formação de professores, e muito mais ainda a prática de muitos professores, que tiveram uma formação nesses moldes e que não passaram por um processo de atualização, afastados da vida acadêmica, da pesquisa e das publicações mais recentes. Outras tentativas foram feitas para se mudar a situação da educação e da formação dos professores no Brasil. Saviani comenta que a Constituição de 1988 abriu caminho para as reformas e que após alguns anos de discussões foi promulgada a Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996 (SAVIANI, 2005, p. 21). Porém, por falhas de redação, principalmente no que dizia respeito à exigência do Ensino Superior para a atuação na Educação Básica, a ambiguidade e consequente pluralidade de interpretações possibilitou aos mercenários da educação utilizar esta lei de forma pragmática e orientada para a geração de lucros. Poderia ter sido um momento decisivo para formação dos professores no Brasil, bem como para a educação como um todo. Por tanto, a exigência da formação superior para a atuação em todos os níveis da Educação Básica elevaria o nível de qualificação dos profissionais da educação, e consequentemente o ensino escolar se beneficiaria com profissionais talvez mais conscientes de seu fazer pedagógico e melhor capacitados. Saviani conclui da seguinte forma a trajetória da formação dos professores no Brasil até a Lei de 1996: [...] as esperanças depositadas na nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, consubstanciadas na Lei 9.394 de 20 de dezembro de 1996, no sentido de que ela viesse a enfrentar com êxito o problema da formação de professores, resultaram frustradas. Com efeito, abortado o dispositivo legal que elevaria o preparo de todos os professores ao nível superior; e considerando-se que a inovação dos institutos superiores de educação representa um forte risco de nivelamento por baixo, 13 perdeu-se a possibilidade de se registrar um quarto momento decisivo na história da formação docente no Brasil. (SAVIANI, 2005, p. 25) Para além das transformações que foram ocorrendo durante a trajetória da formação docente no Brasil devem-se ressaltar as permanências, os problemas que encontramos atualmente, como a remuneração e as condições de trabalho dos professores, e também a ideologização da figura do professor e da educação como uma toda praticada pelo Estado e a mídia. 2. PROFISSÃO DOCENTE, CIÊNCIA INTERDISCIPLINAR E REPRESENTAÇÕES SOCIAIS. A prática pedagógica sofreu transformações significativas na segunda metade do século XX e neste início de século XXI. A função da educação está muito mais complexa hoje, pois a escola é vista como local onde além dos conhecimentos científicos necessários à formação inicial, deve-se formar também o cidadão capacitado para agir em uma sociedade competitiva e que exige do indivíduo a capacidade de atender às demandas que o estado democrático lhe impõe. É por isso que as práticas pedagógicas mudaram em consonância com as mudanças da sociedade e também através da reflexão filosófica e teórica sobre a profissão docente. Temos, portanto, novas práticas pedagógicas que devem ser conhecidas pelo profissional docente. Sabemos que muitos aspectos sobre a formação docente se constroem no cotidiano, a partir do enfrentamento da sala de aula, na forma como os problemas são resolvidos, pois estes não aparecem em nenhum manual. A necessidade da formação teórica é indispensável justamente para poder enfrentar os problemas do dia a dia com mais competência e principalmente para poder fazer o exercício da reflexão sobre suas experiências enquanto parte integrante do processo maior de aprofundamento da didática docente. No que se referem às mudanças nas práticas pedagógicas elas acompanharam a mudança do paradigma científico ocorrido no século XX, principalmente depois da Segunda Guerra Mundial quando este novo paradigma da ciência se espalha pelas disciplinas, 14 causando rupturas e muitas discussões. De forma geral, a prática docente passou por inflexões que demonstraram processos de ruptura – mas também de continuidade – e que são geralmente classificados como tradicional técnico e crítico-reflexivo. Este último é apresentado como sendo o representante da postura que prima pela valorização do confronto entre as concepções teóricas e a prática cotidiana, que valoriza a pesquisa como atributo indispensável para o melhor desenvolvimento de um arcabouço teórico-prático e que dê conta da diversidade cultural e social em que o profissional docente esteja inserido. A interdisciplinaridade surgiu então, na segunda metade do século XX, como tentativa de fazer convergir metodologias e disciplinas, que haviam sido estreitadas e compartimentalizadas em função do modelo positivista anterior. Segundo Olga Pombo: O crescimento do conhecimento científico resulta, pelo contrário, de um processo de reordenamento interno das comunidades levado a cabo por um reordenamento das disciplinas. A interdisciplinaridade traduz-se na constante emergência de novas disciplinas que não são mais do que a estabilização institucional e epistemológica de rotinas de cruzamento de disciplinas. Este fenômeno, não apenas torna mais articulado o conjunto dos diversos ‘ramos’ do saber (depois de os ramos principais se terem constituído, as novas ciências, resultantes da sua subdivisão sucessiva, vêm ocupar espaços vazios), como o fazem dilatar, constituindo mesmo novos espaços de investigação, surpreendentes campos de visibilidade. (POMBO, 2006, p. 3) O que a autora chama de “estabilização institucional e epistemológica de disciplinas” para constituir “novos espaços de investigação” se dá, principalmente e primeiramente, através da utilização de instrumentos teóricos advindos de outras áreas das ciências. No caso da educação, uma das ciências que tem fornecido um aporte teórico e metodológico significativo é a Sociologia. Isto é notável em relação à profissão docente, a sociologia das profissões tem contribuído efetivamente para uma avaliação mais precisa das práticas que envolvem a complexa rede de relações sociais que envolvem a atividade do professorado. Uma vez que os professores encontram-se inseridos em um contexto social específico e, levando em consideração a profícua relação que vem sendo desenvolvida entre a educação como pesquisa e a sociologia, elegemos um conceito que consideramos extremamente heurístico para analisarmos aqui. Trata-se do conceito de representações sociais. Este conceito tem sido ultimamente aperfeiçoado e adequado a ciências como a psicologia social, antropologia e história. O que pretendemos é fazer uma espécie de recensão e atualização teórica do conceito, seu uso clássico pela sociologia e como a 15 psicologia social e a história têm contribuído para a efetivação de um conceito que pode ser utilizado em outras áreas das ciências sociais e também na educação. Faz-se necessária uma renovação conceitual e metodológica para que a pesquisa na área da educação consiga cumprir a demanda atual que exige o confronto entre os dados provenientes da realidade das escolas e dos professores e a epistemologia da ciência. Vejamos então qual a trajetória do conceito de representações sociais e como ele se modificou conforme seu uso foi se generalizando. 2.1-As representações coletivas em Durkheim Segundo Rodrigues (2001, p. 22) Durkheim desenvolveu ao longo de sua obra conceitos (coerção, solidariedade, representações coletivas etc.) quese opunham às abordagens atomistas e individualistas, principalmente aquelas da economia clássica que diziam que o crescimento do bem-estar social estava diretamente relacionado à busca do indivíduo pela sua realização pessoal. Com isso a preocupação de Durkheim estava voltada para a coesão social, sendo seus trabalhos considerados como introdutores a uma sociologia do conhecimento. Às afirmações kantianas de que as categorias da sensibilidade e do entendimento seriam inatas, Durkheim opõe a teoria sociológica de que seriam antes construídas socialmente. Em seu livro de 1912, As Formas Elementares da Vida Religiosa, a partir da análise do totemismo como a forma primeira das religiões primitivas, as categorias de entendimento, enquanto categorias verbais (rituais e simbólicas) de apreensão e compreensão do mundo transmitem uma classificação do mundo natural. Esta classificação está por sua vez correlacionada à hierarquização dos indivíduos componentes de determinado grupo. Dito de outra forma, as classificações são sistemas de noções hierarquizadas que tem origem nas relações sociais, e têm a função de proporcionar a coesão social. Podemos então “perceber como os homens encaram a realidade e constroem certa concepção de mundo e, mais ainda, como eles próprios se organizam hierarquicamente, informados por tal concepção” (RODRIGUES, 2001, p. 21). São as representações coletivas que permitem à gradativa socialização e inserção do indivíduo na sociedade, mais ainda, a sociedade cobra (coerção) deste indivíduo sua participação 16 naquela “totalidade” construída e representada pelo seu grupo. Segundo Durkheim as representações coletivas [...] traduzem a maneira como o grupo pensa suas relações com os objetos que o afetam. Para compreender como a sociedade se representa a si própria e ao mundo que a rodeia, precisamos considerar a natureza da sociedade e não a dos indivíduos. Os símbolos com que ela se pensa mudam de acordo com a sua natureza [...] Se ela aceita ou condena certos modos de conduta, é porque entram em choque ou não com alguns de seus sentimentos fundamentais, sentimentos estes que pertencem à sua constituição. (DURKHEIM, apud MINAYO, 1994, p. 90-91) A partir desta hipótese sociológica a respeito das representações coletivas, Durkheim supera as concepções empiricistas que consideravam os conceitos advindos diretamente da experiência sensível, juntamente com o apriorismo kantiano para qual as categorias de entendimento (tempo, espaço) seriam dados inatos do espírito humano. Um exemplo seria a questão da verdade, pois qualquer que seja sua natureza ela será de ordem eminentemente social, tendo sua aceitabilidade, portanto, sua existência, intimamente relacionada ao conjunto de representações coletivas vigentes. Não haveria assim oposição entre o conjunto das crenças e a lógica, ao contrário, poderíamos encontrar a lógica própria de cada crença sem recorrermos desta forma a nenhuma concepção evolucionista, pois os fundamentos das representações coletivas são de ordem simbólica, existindo sobre e a partir do social, do cultural e do histórico, entendidos como processos. Ainda sobre as representações coletivas, temos com Durkheim que [...] são o produto de uma imensa cooperação que se estende não apenas no espaço, mas no tempo; para fazê-las, uma multidão de espíritos diversos associou, misturaram, combinaram suas ideias e sentimentos; longas séries de gerações acumularam aqui sua experiência e saber ”. (DURKHEIM, 1978, p. 216) Para Durkheim então não há oposição entre individual e coletivo, o homem seria constituído duplamente, por estes dois aspectos. Sendo as representações construídas socialmente este âmbito ultrapassaria a mera soma das consciências individuais, tendo por isso certa autonomia e lógica própria, exterior ao indivíduo mas dependente dele para sua expressão e reprodução. Resulta que as representações sociais possuem as características do fato social: exterioridade em relação às consciências individuais e ação 17 coercitiva sobre as consciências individuais (MINAYO, 1994, p. 91). Portanto, na sociologia durkheimiana, para procedermos ao estudo das representações coletivas devemos atentar para alguns aspectos principais: uma vez a sociedade sendo uma realidade sui generis e as representações que a exprimem sendo fatos sociais dizemos que, em relação ao comportamento e ao pensamento individuais, as representações coletivas seriam autônomas, exteriores e coercitivas. 2.2-Moscovici e as representações sociais No intuito de tornar a psicologia social mais social e menos comportamentalista Serge Moscovici deu início na década de 1960, em seu estudo La Psychanalyse: son image et son public, a uma tentativa, em termos tanto teóricos quanto metodológicos, de alargamento do conceito das representações coletivas. Moscovici buscou em Durkheim o conceito que seria ideal para amenizar o psicologismo da psicologia social praticada principalmente pelos norte-americanos, e aceita na maioria das comunidades científicas da psicologia mundial. O conceito de representações coletivas apresentou-se como extremamente heurístico na tentativa de teorizar a dialética entre o sujeito individual e a sua sociedade. No entanto, Moscovici possui uma “visão” diferente, ou pelo menos mais abrangente das representações coletivas. Segundo ele a sociologia viu as representações sociais como artifícios explanatórios, irredutíveis a qualquer análise posterior (MOSCOVICI, 2003, p. 45). A tarefa da psicologia social seria a de “cindir as representações” para descobrir seus mecanismos internos e sua vitalidade, nesse sentido busca-se não somente aqueles fatores responsáveis pela coesão social, mas também os índices da mudança, da transformação na sociedade. Uma das principais diferenças seria, segundo Moscovici, que o que antes era considerado como um conceito passou a ser visto como um fenômeno (MOSCOVICI, 2003). A própria mudança na denominação – de representações coletivas para representações sociais – mostra o que Moscovici pretendia, pois para este autor o conceito de representações coletivas apresentava de forma implícita o perigo de obscurecer a ação do indivíduo na sociedade, pois é em relação a ele que se abrem as possibilidades de transformação social. Nas palavras do autor temos então que 18 [...] se, no sentido clássico, as representações coletivas se constituem em um instrumento explanatório e se referem a uma classe geral de ideias e crenças (ciência, mito, religião etc.), para nós, são fenômenos que necessitam ser descritos e explicados. São fenômenos específicos que estão relacionados com um modo particular de compreender e de se comunicar – um modo que cria tanto a realidade como o senso comum. É para enfatizar essa distinção que eu uso o termo ‘social’ em vez de ‘coletivo’. (MOSCOVICI, 2003, p. 49) Para Moscovici coexistiriam nas sociedades contemporâneas duas classes distintas de universos de pensamento: os universos consensuais e os universos reificados. Neste último, bastante circunscrito, é que se produzem e circulam as ciências e o pensamento erudito em geral, com sua objetividade, seu rigor lógico e metodológico, sua teorização abstrata, sua compartimentalização em especialidades e sua estratificação hierárquica. Aos universos consensuais correspondem as atividades intelectuais da interação social cotidiana pelas quais são produzidas as representações sociais. No entanto, segundo Moscovici, a matéria-prima para a construção dessas realidades consensuais que são as representações sociais provém dos universos reificados (MOSCOVICI, 2003, p. 54). A psicologia social de Moscovici foi também alvo de críticas, as mais recorrentes apontavam para a falta de uma conceitualização mais precisa em relação às representações sociais. Para Moscovici, não obstante, residiriajustamente aí a fecundidade da teoria e método das representações, pois à aparente inconsistência se oporia uma flexibilidade teórico-metodológica que permitiria o aperfeiçoamento ininterrupto do arcabouço epistemológico tanto do termo como da própria psicologia social. Alguns de seus seguidores, porém, investiram na tentativa de circunscrever uma definição. Segundo Jodelet o conceito de representação social designa [...] uma forma específica de conhecimento, o saber do senso comum, cujos conteúdos manifestam a operação de processos generativos e funcionais socialmente marcados. Mais amplamente, designa uma forma de pensamento social. As representações sociais são modalidades de pensamento práticas orientadas para a comunicação, a compreensão e o domínio do ambiente social, material e ideal. Enquanto tais, elas apresentam características específicas no plano da organização dos conteúdos, das operações mentais e da lógica. A marcação social dos conteúdos ou dos processos de representação refere-se às condições e aos contextos nos quais emergem as representações, às comunicações pelas quais circulam, às funções que elas servem na interação com o mundo e com os outros. (JODELE T 9 apud SÁ, 1998, p. 32) 19 Uma vez atrelada à construção dos saberes sociais, a dimensão simbólica ganha força, pois o símbolo tem a capacidade de evocar algo ausente. A partir das características principais dos símbolos – o significado e o significante – cria-se o objeto representado, onde uma nova “realidade” se constituirá, de modo que eles “provocam uma fusão entre o sujeito e o objeto porque eles são expressão da relação entre sujeito e objeto” (JOVCHELOVITCH, 1994, p. 74). É nesse espaço que as representações sociais são criadas, tanto no sentido de reforçar uma tradição como no sentido mais amplo da mudança social. Poderíamos então apreender o sentido das representações através da problematização daquilo que lhe é inerente: seus símbolos constitutivos. 2.3-Imaginário social e representações Para Baczko (apud PESAVENTO, 1995, p. 9) a interrogação atual das ciências humanas deriva da perda da certeza das normas fundamentadoras de um discurso científico unitário sobre o homem e a sociedade. Na medida em que deixa de ter sentido uma teoria geral de interpretação dos fenômenos sociais, apoiada em ideias-imagens legitimadoras do presente e antecipadoras do futuro (o progresso, o homem, a civilização), ocorre uma segmentação das ciências humanas e um movimento paralelo de associação multidisciplinar em busca de saídas (PESAVENTO, 1995, p. 9-10). Neste sentido, aquilo que figurava no programa dos Annales da década de 1930 seguramente persiste atualmente. O diálogo com as demais ciências representa vetor heurístico primordial no aperfeiçoamento teórico-metodológico da história, e é precisamente por este motivo que a s representações sociais são de extrema importância para os estudos históricos. A ponte entre representações sociais e os estudos históricos tem sido frequentemente realizada através da utilização do conceito de imaginário social. Dessa forma a apropriação da teoria das representações sociais por parte da história dá-se a partir da percepção de que as representações são expressão do imaginário social (que tem historicidade própria), ou seja, é o processo de concretização dos imaginários. Representação, diz Le Go (MOSCOVICI, 2003, p. 15), é tradução mental de uma realidade exterior percebida e liga-se ao processo de abstração. O imaginário faz parte de um campo de representação e, como expressão do pensamento, se manifesta por imagens e 20 discursos que pretendem dar uma definição da realidade. Não obstante, é importante que se tenha em vista que intervêm no processo de formação do imaginário coletivo manifestações e interesses precisos. Não se pode esquecer que o imaginário é uma das forças reguladoras da vida coletiva, normatizando condutas e pautando perfis adequados ao sistema (MOSCOVICI, 2003, p. 23). Acompanhando o pensamento de Silva (2000, p. 82) “a categoria das representações, aplicada à história cultural, e mesmo à história em sua totalidade, visava romper falsos dualismos que opõe objetivismo a subjetivismo, operando uma mediação entre o coletivo e o individual histórico”. Mediação esta que nos remete novamente ao imaginário social, pois com a representação o imaginário tem sua existência armada pela concretude das imagens formadoras da dimensão simbólica das realidades, para Baczko (1985, p. 312) organizar e controlar o tempo coletivo no plano simbólico é a forma dos imaginários sociais intervirem na construção da memória coletiva. 2.4-Representações sociais e educação Em conexão com o conceito de imaginário social, a teoria das representações sociais consegue reunir os estudos históricos sincrônicos e diacrônicos como partes inerentes da dialética característica do método das ciências sociais. Como armamos no início, o conceito de representações sociais pode ser extremamente útil aos estudos em educação, pois os professores, como membros da sociedade, constroem suas representações baseados em sua experiência cotidiana, profissional e também nas representações construídas pela sociedade em geral a respeito deles. Instrumentalizando este conceito o profissional docente poderá aprofundar suas pesquisas no sentido da interdisciplinaridade, sem perder seu campo específico de atuação. É somente com a aproximação com as outras ciências que se pode avançar no alargamento epistemológico dos estudos em educação, e a teoria das representações surgem como possibilidade de apreensão da constituição dos saberes sociais, ou categorias de entendimento em termos durkheimianos. Os professores precisam investir na construção de um saber relativo à sua profissão que avance acompanhando as transformações da sociedade, ou aquilo que pretensamente aparece como inovação. Como refere Sandra Jovchelovitch “a necessidade de defender a vida em comum, 21 ameaçada hoje pela miséria, pela violência e pela desigualdade, é também a necessidade de recuperar o pensamento, a palavra e a plena possibilidade de construir saberes social” (1994 p. 82-83). 3. FORMAÇÃO INICIAL E FORMAÇÃO CONTINUADA Figura: 3 Não é recente aliar a qualidade da educação aos seus profissionais. Entende--se que um ensino de qualidade sempre esteve ligado à formação profissional, daí a constante preocupação com a formação docente. É normal ouvir afirmações como “os alunos não são mais os mesmos”; tal constatação exige a compreensão de que se os alunos não são mais os mesmos com certeza não poderiam ser, pois já não se pode mais ministrar aulas como se fazia em outros tempos. Assim, é essencial que o acadêmico e especialmente os formadores de docentes compreendam que são necessárias novas posturas, que sejam o reflexo do momento histórico vivido. Assim, nesta aula, nos propomos a refletir sobre a formação inicial e continuada. 22 A formação teórica e prática do professor podem contribuir para melhorar a qualidade do ensino, considerando que são as transformações sociais que poderão gerar transformações na educação. Assim, as constantes transformações econômicas, políticas, sociais e culturais têm levado a uma reavaliação do papel da escola e do professor, assumindo relevante importância a formação do docente. 3.1-A formação clássica do professor Dois processos de formação se apresentam historicamente: o autodidatismo (não há cursos e nem instituições formadoras), seguido pela fase em que surgem as instituições formadoras. Segundo Gonçalves e Peres (2002), a primeira preocupação em termos de qualificação ocorreu por volta do século XVI, através de iniciativas esparsas em várias localidades do mundo. No século XVII foram implantadas as primeiras escolas normais na Alemanha e na Hungria.No século XVIII a divulgação do ideal de universalização da educação pelos filósofos, a criação da imprensa com a consequente expansão da produção escrita, propicia o surgimento de um novo perfil de indivíduo, determinando o aumento da demanda por educação. A democratização do ensino no século XIX, especialmente nos países desenvolvidos, era uma realidade; é neste período que surgem no Brasil as primeiras escolas normais, oriundas de propostas que criaram um sistema dual: escola normal de excelência e escolas complementares de padrão inferior. Conforme Pereira (1999), as licenciaturas foram criadas nas antigas faculdades de Filosofia, nos anos 1930, em resposta à preocupação com o preparo de docentes para a Educação Básica. Elas se constituíram segundo a fórmula 3 + 1, em que as disciplinas de natureza pedagógica, cuja duração prevista era de um ano, justapunham-se às disciplinas de conteúdo, com duração de três anos. Tal maneira de conceber a formação docente revela-se como o que se chamou de acordo com a literatura educacional de racionalidade técnica. Modelo este no qual o 23 professor é visto como um técnico, um especialista que aplica com rigor, na sua prática cotidiana, as regras que derivam do conhecimento e do conhecimento pedagógico. Desta maneira, para formar um professor, por um lado, se considerava necessário um conjunto de disciplinas científicas e, de outro, as disciplinas pedagógicas a m de que se pudessem fornecer as bases para sua ação. É consensual que os currículos de formação de professores, baseados no modelo da racionalidade técnica, mostram-se inadequados à realidade da prática profissional docente. Este modelo de racionalidade técnica resultou em críticas como: ► a separação entre teoria e prática na formação profissional, a um longo tempo de preparação no qual era oferecido ao aluno um rol de disciplinas tanto técnicas como pedagógicas, e somente ao final da formação incluía--se o período da prática; ► a prioridade dada à formação teórica em detrimento da formação prática; ► a concepção da prática como mero espaço de aplicação de conhecimentos teóricos, sem um estatuto epistemológico próprio; ► a convicção de que para ser bom professor basta o domínio da área do conhecimento específico que se vai ensinar. Conforme se pode observar neste modelo de formação, não existe a preocupação com a questão social, ou seja, o campo de atuação onde o professor vai atuar parece não ser considerado, como se existissem fórmulas para a atuação do docente, e que todos os alunos reagiriam de uma mesma maneira, desde que o professor demonstrasse o domínio do conteúdo. De acordo com Pereira (1998), é importante ressaltar que este modelo não foi totalmente superado, já que as disciplinas de conteúdo específico continuam precedendo as disciplinas de conteúdo pedagógico, e articulando-se pouco com elas, que geralmente ficam a cargo das faculdades ou centros de educação, assim como o contato com a realidade escolar continua acontecendo, com mais frequência apenas nos momentos finais dos cursos. O que se observa é que mesmo que as faculdades ofereçam as licenciaturas, estas estão baseadas na concepção da racionalidade técnica; apesar de a formação docente ser realizada desde o primeiro ano da licenciatura, esta é inspirada no bacharelado, ou seja, o 24 ensino do conteúdo específico prevalece sobre o pedagógico, assumindo um papel secundário à formação prática. De acordo com Gómez (1997), a racionalidade técnica representa um avanço em relação ao modelo empírico, considerando que defende a aplicação do conhecimento do método científico na análise da prática e na regulação da intervenção do professor. Conforme Zeichner (1993), os programas de formação de docentes estão impregnados de diferentes concepções, refletindo uma prática que ainda tem como base o domínio do conteúdo específico desarticulado da realidade. A partir da década de 1990, um modelo alternativo de formação de docentes vem conquistando um espaço cada vez maior na literatura especializada, o chamado modelo de racionalidade prática. De acordo com Pereira (1999, p. 3), “nesse modelo, o professor é considerado um profissional autônomo, que reflete, toma decisões e cria durante sua ação pedagógica, a qual é entendida como um fenômeno complexo, singular, instável e carregado de incerteza e conflito de valores.“ Desta maneira, a prática não é entendida apenas como aplicação de um conhecimento científico e pedagógico, mas sim, um espaço de criação e reflexão, em que novos conhecimentos podem constantemente ser gerados e modificados. A partir das críticas ao modelo de racionalidade técnica e orientadas pelo modelo de racionalidade prática, vêm surgindo novas maneiras de representar a formação docente, refletido pelas políticas atuais de formação. Por meio delas busca-se um esquema em que a prática é entendida como eixo da preparação, presente desde os primeiros momentos da formação. Gómez (1997) relata que ao longo das últimas décadas, a formação de professores está impregnada de uma concepção linear e simplista dos processos de ensino, abrangendo normalmente dois grandes componentes: ► um componente científico cultural, com a pretensão de assegurar o conhecimento do conteúdo a ensinar; ► um componente psicopedagógico que permite aprender como atuar eficazmente em sala de aula. 25 Distinguem-se no componente psicopedagógico duas fases principais: na primeira adquire-se o conhecimento dos princípios, leis e teorias que explicam os processos de ensino-aprendizagem e oferecem normas e regras para a sua aplicação racional, e na segunda a aplicação na prática real ou simulada de tais normas e regras, de modo que o docente adquira as competências e capacidades requeridas para uma intervenção eficaz. Atualmente, a formação docente se pauta numa perspectiva em que há a preocupação com a atividade cotidiana em sala de aula, construída a partir de dimensão participativa, flexível, ativa e investigadora, resultando em uma nova concepção da atividade docente. De acordo com Sacristán (1995), no que se refere à formação de docentes, é essencial que a reflexão e a tomada de consciência das limitações sociais, culturais e ideológicas sejam o ponto de partida. Entende-se assim, que os processos envolvidos na formação do docente devem estar de acordo com a realidade vivenciada pelos futuros docentes. Sacristán (1995) e Popkewitz (1997) consideram a profissão como uma palavra de construção social, cujo conceito muda de acordo com as condições com que as pessoas a utilizam. Desta forma, entende-se que a formação docente deve estar em consonância com o momento histórico vivido, ou seja, durante o processo de formação não se pode ficar alheio às características da sociedade, não podemos prescindir dos fatores sociais que interacionam durante a vida profissional e pessoal do professor, gerando uma relação dialética de influências mútuas, com consequências para a sua atividade profissional. O que se busca atualmente é um modelo de formação profissional apoiado na ideia de que a formação de docentes supõe um continuo no qual, durante toda a carreira docente, fases de trabalho devem alternar com fases de formação contínua. Tal epistemologia baseia-se no princípio, segundo o qual a prática profissional constitui um lugar original de formação e produção de saberes práticos, visto que é portadora de condições e de condicionantes específicos que não se encontram noutra parte, nem podem ser reproduzidos artificialmente num contexto de formação teórica no período de graduação. Vista nesta perspectiva, a prática profissional adquire uma realidade própria, independente dos constructos teóricos dos pesquisadores e de procedimentos elaborados por técnicos. Assim vista, a prática se constitui em um espaço de aprendizagem autônoma eimprescindível de mobilização de saberes e de competências específicas, ou seja, uma 26 instância de produção desses mesmos saberes e competências, ao incorporar uma parte da formação, tornam-se um espaço de comunicação e de transmissão desses saberes e competências. A aplicação deste modelo supõe transformações importantes na prática vigente, as quais são destacadas a seguir conforme Tardif (2002, p. 288): “a formação habitual visa habituar os futuros docentes à prática profissional de professores de profissão e a fazer deles práticos reflexivos.” Significa inicialmente que os programas de formação devem ser organizados em função de um novo centro de gravidade: a formação cultural (geral) e a formação científica (disciplinar), através das disciplinas contributivas, vinculadas à formação prática, que se torna quadro de referência obrigatório da formação profissional. Tal ação exige que se conceda um espaço substancial à formação prática no meio escolar, resultando em estágios de longa duração, contatos repetidos e frequentes com os ambientes da prática. Significa ainda, integrar os professores de profissão no próprio currículo da formação inicial para o ensino, diferenciando-se do que tradicionalmente acontecia, pois os professores de profissão se situavam na periferia da formação inicial. Zeichner (1993) assinala a importância de se conhecer as tradições da prática na formação de professores para que se possam perceber as diferenças entre as propostas de reforma contemporâneas: a) tradição acadêmica: o professor é especialista em conteúdos de ensino; b) tradição de eficiência social: a formação se baseia na competência/desempenho; c) tradição desenvolvimentista: o desenvolvimento do aluno é a base do que deve ser ensinado aos alunos e aos professores; d) tradição de reconstrução social: o papel da escola e das forças progressistas é fundamental na reconstrução da sociedade. Afirma ainda que todos os programas de formação de professores tem relação com as quatro tradições da reforma, e que estes devem contemplar as concepções de ensino subjacentes às quatro tradições, no entanto, sem esquecer as dimensões de suas identidades. 27 3.2-Competências necessárias ao docente Figura: 4 Conforme Nóvoa (1997), a primeira competência necessária ao docente trata--se de organização. Hoje um professor não é mero transmissor de conhecimento, mas também não é apenas uma pessoa que trabalha no interior de uma sala de aula. Trata-se de um organizador de aprendizagens, e de aprendizagens que articulam os novos meios da informática, por via dessas novas realidades virtuais. Assim, organizar o trabalho escolar é mais do que o simples trabalho pedagógico, é mais do que o simples trabalho do ensino, vai além destas dimensões. Torna-se um desafio para o trabalho do professor garantir a aprendizagem dos alunos. Essas competências de organização são absolutamente essenciais para um professor. O segundo nível de competências é muito importante e está relacionado com a compreensão do conhecimento. Não basta deter o conhecimento e transmiti-lo a alguém, é preciso compreendê-lo, ser capaz de reorganizá-lo, de reelaborá-lo e de transpô-lo em situação didática em sala de aula. Tal compreensão do conhecimento é, absolutamente, essencial nas competências práticas dos professores. 3.3-A necessidade da formação continuada Partindo do pressuposto de que a prática do docente deve levar em conta o momento histórico, é preciso compreender a necessidade da formação continuada. Considerando a formação continuada do professor, a perspectiva histórico-social toma como base a prática pedagógica e situa, como finalidade dessa prática, levar os 28 alunos ao domínio dos conhecimentos acumulados historicamente pela humanidade. Para conseguir que os alunos se apropriem do saber escolar de modo a se tornarem autônomos e críticos, o professor precisa estar ele próprio, apropriando-se desse saber e tornando-se cada vez mais autônomo e crítico. Segundo Pinto (1982, p. 109): O educador deve compreender que a fonte de sua aprendizagem, de sua formação é sempre a sociedade. Mas esta atua de dois modos, um, indiretamente, mas que aparece ao educando (futuro educador) como direto (pois é aquele que sente como ação imediata): é o educador, do qual recebe ordenadamente os conhecimentos. E outro, diretamente, ainda que apareça ao educando (futuro educador) como indireto, pois não o sente como pressão imediatamente perceptível: é a consciência, em geral, com o meio natural e humano no qual se encontra o homem e do qual recebe os estímulos, os desafios, os problemas que o educam em sua consciência de educador. É fundamental compreender a ideia de que a prática cotidiana do professor normalmente encontra-se movida pelo senso comum pedagógico, este constituído de fragmentos de teorias. O senso comum acaba criando a ilusão de um domínio das teorias cujos elementos ele incorpora. O professor que está imerso na sua prática muitas vezes não percebe a necessidade de romper com essa relação imediata entre pensamento e ação, o que leva a uma rejeição da reflexão filosófica e das teorias educacionais mais elaboradas. Durante o seu processo de formação, o professor parece assumir uma postura semelhante à do homem comum, ou seja, vê a si mesmo como um ser prático que não precisa de teorias, os problemas encontram sua solução na própria prática, ou na forma de reviver uma prática passada que é a experiência. Pode-se dizer que a formação continuada trata-se de uma necessidade, tendo em vista a natureza inconclusa do ser humano, os limites da formação inicial, bem como a complexidade do trabalho docente e dos seus requerimentos para a prática profissional. A formação continuada permite a passagem do exercício profissional baseado na intuição para um processo pautado na racionalidade, tem a pretensão de dotar o profissional docente de meios que possibilitem o aprofundamento do conhecimento sobre as atividades pedagógicas e didáticas, sua organização, coordenação, revisão e adequação às condições existentes. 29 A formação continuada permite uma aproximação entre os campos de formação profissional e o campo do exercício da profissão, mediante a possibilidade de fazer dialogar os saberes da formação e os saberes da profissão, permitindo o intercâmbio de saberes e experiências úteis. Assim, a formação continuada trata-se de um processo de escuta, discussão e socialização da prática pedagógica, com o intuito de aprofundar modos de seleção, organização e construção do conhecimento. De acordo com Nóvoa (2002, p. 23), “o aprender contínuo é essencial e se concentra em dois pilares, a própria pessoa como agente, e a escola, como lugar de crescimento profissional permanente.”. Verifica-se que uma das características essenciais da formação continuada é a dimensão coletiva, sendo a experiência e a reflexão os instrumentos contínuos de análise. Por tanto, conforme Nóvoa (1997), a troca de experiências e o partilhamento de saberes faz com que cada professor desempenhe simultaneamente o papel de formador e de formando. Torna-se importante compreender que o desenvolvimento profissional não ocorre apenas no curso superior, pois o conhecimento lá adquirido só fará sentido se for somado ao conhecimento acumulado ao longo da vida, a partir das experiências que são vivenciadas no cotidiano; daí a conclusão de que uma boa graduação não basta, pois é preciso estar sempre atualizado; isso nos remete à confirmação da necessidade de formação continuada, havendo a necessidade da construção do saber no processo de atuação profissional. A formação contínua concentra-se nas necessidades e situações vividas pelos práticos e diversifica suas formas: formação através dos pares, formação no ambiente de trabalho integrado numa atividadede pesquisa colaborativa. Tardif (2002) recomenda que a formação contínua não pode limitar-se a retomar os conteúdos e modalidades da formação inicial. A profissionalização do ensino exige um vínculo muito mais estreito entre a formação contínua e a profissão, baseando-se nas necessidades e situações vividas pelos práticos. Entende-se assim, que os professores não são mais considerados alunos, mas parceiros e atores de sua própria formação, que definirão em sua própria linguagem e em função de seus próprios objetivos. 30 3.4-As concepções de formação continuada Nóvoa (1997) organiza os modelos de formação continuada em dois grupos: ► modelo estrutural – que diz respeito à perspectiva universitária e escolar. Trata- se de um modelo fundamentado na racionalidade técnico - científica. Os projetos são oferecidos por agências detentoras de potencial e legitimidade informativa, exterior aos contextos profissionais dos professores em processo de formação e possuem controle institucional de frequência e desempenho; ► modelo construtivo – engloba o contratual e interativo-reflexivo, ou seja, parte da reflexão interativa e contextualizada, articulando teoria e prática, formadores e formandos. Este modelo prevê avaliações e auto avaliações do desempenho dos envolvidos, mas essas podem ter um caráter informal. Implica uma relação em que formadores e formandos são colaboradores, predispostos aos saberes produzido em ação. O contexto é de cooperação em que todos são corresponsáveis pela resolução dos problemas práticos. É comum o uso de grupos focais, oficinas, dinâmicas de debates, além de exercícios experimentais seguidos de discussões. Gatti (2003) considera que a formação continuada de professores consiste numa questão psicossocial, dada a multiplicidade de dimensões que tal formação envolve: ► especialidade – envolve a atualização de conhecimentos dos professores, estando ancorada na constante reavaliação do saber que deve ser escolarizável, é a que mais direciona a procura por projetos de formação continuada; ► didática e pedagógica – envolve o desempenho de funções docentes e a prática social contextualizada. Parte-se da compreensão de que a prática docente é uma prática social, e como tal historicamente definida pelos valores postos no contexto; 31 ► pessoal e social – envolve a perspectiva da formação pessoal e do autoconhecimento, focada na necessidade de interação em contextos diversos e a necessidade de entender o mundo e a sua inserção profissional neste mundo; ► expressivo- comunicativa – refere-se à valorização do potencial dos professores de sua criatividade e expressividade no processo de ensinar e aprender; ► histórico-cultural – esta dimensão diz respeito ao conhecimento dos aspectos históricos, econômicos, políticos, sociais e culturais. O autor ressalta ainda que um projeto de formação continuada não pode ser construído se for ignorado o conjunto dessas dimensões que estão envolvidas, a natureza e as características psicossociais que enquadram as práticas dos professores em sua diversidade, bem como as demandas por educação que se constroem em campos bastante diferenciados. 3.5-Educação e tecnologias da informação Figura: 5 32 À medida que reconhecemos que a sociedade torna-se cada vez mais tecnológica, torna-se necessária a conscientização da necessidade de sua inclusão nos currículos escolares. A sociedade do conhecimento exige uma abordagem diferente em que o componente tecnológico não pode ser ignorado seja qual for o ramo do conhecimento, especialmente na formação dos docentes. A dinâmica do mundo moderno exige, em todas as áreas, profissionais questionadores e dinâmicos, cuja capacidade de pensar e decidir são essenciais para a assimilação de mudanças e para o confronto com os desafios surgidos no cotidiano. De acordo com Lévy (1999), mesmo que uma pessoa não mude de atividade ao longo de sua trajetória profissional, necessita acompanhar as mudanças de sua própria profissão, considerando que os conhecimentos e habilidades empregados em um campo profissional já não são estáveis, pois em intervalos muito curtos transformam-se ou se tornam obsoletos. Acredita-se que a formação do professor é um ponto chave para o ensino. A necessidade de atualização cresce não apenas no que se refere à disciplina como também em relação às metodologias de ensino e às novas tecnologias. De acordo com Perrenoud (apud CHAKUR, 1995, p. 80), “é possível que a formação básica do professor não dê mais conta das mudanças rápidas e diversificadas que acompanham a evolução das condições do exercício do magistério.” Considerando o contexto de mudança que se presencia, espera-se que o professor oriente os educandos a transformar informação em conhecimento. Assim, os processos de aquisição do conhecimento assumem um papel relevante na chamada sociedade do conhecimento, exigindo um profissional crítico, criativo, com capacidade de pensar e trabalhar em grupo, preocupação esta que deve estar presente na formação de docentes, uma vez que serão os responsáveis pela formação dos futuros cidadãos. Conforme Vieira (2008), a formação inicial do docente nos diversos cursos de graduação assume um papel mais reativo do que proativo na discussão, no planejamento e na adoção das tecnologias da informação, principalmente do ponto de vista metodológico. Tal constatação demonstra que há pouca preocupação e reflexão sobre a essência do ato de educar com as novas tecnologias, visto que o foco é exclusivamente instrumental, 33 ou seja, a materialização das tecnologias da informação não se transforma em órgão funcional da mente, que ajudaria a organizar a aprendizagem de professores e alunos e nem consegue ou garante a realização de um objetivo maior que todos desejamos, isto é, a melhoria da educação, a motivação do aluno e a realização do professor. Atualmente, inúmeras escolas detêm um bom aparato tecnológico, no entanto, falta a conscientização de que as tecnologias da informação nada mas são do que instrumentos auxiliares do processo de ensino-aprendizagem. Por mais interessante ou atraente que seja para o aluno, não é a utilização de diversas tecnologias que vai garantir a aprendizagem. É importante ressaltar que as tecnologias da informação não podem ser vistas como um modismo, mas sim, como um instrumento possível para atingir objetivos educacionais. A introdução das tecnologias da informação na educação exige uma formação ampla e profunda do professor, ou seja, não basta criar condições para o professor dominá-las, mas sim, auxiliá-lo a desenvolver conhecimento sobre o próprio conteúdo e como podem ser integradas no desenvolvimento desse conteúdo. Esta formação possibilita a transição de um sistema fragmentado de ensino para uma abordagem integradora de conteúdo, voltada para a resolução de problemas específicos do interesse de cada aluno. Para Valente (1993), se não forem bem utilizados, os avanços tecnológicos podem desequilibrar e atropelar o processo de formação, fazendo com que o professor sinta-se eternamente um principiante. As tecnologias da informação abrem novas possibilidades à educação exigindo uma nova postura do educador, permitindo-lhe um trabalho melhor em relação ao desenvolvimento do conhecimento. É importante ressaltar que a inserção e a condução das tecnologias da informação na educação são de responsabilidade do docente, em sua utilização. Assim, a qualidade tão esperada na educação poderá ocorrer devido à forma de trabalhar o currículo, mediante o incentivo do emprego das tecnologias no ensino. De acordo com Frigotto (1996), a integração do trabalho com novas tecnologias no currículo, como ferramentas, exige a reflexão sistemática acerca de seus objetivos, suas técnicas, dos conteúdos escolhidos, das habilidades, enfim,do próprio significado da educação. 34 Entende-se assim, que a sociedade do conhecimento exige um novo perfil de educador, como o comprometimento. Sendo assim, o docente precisa estar comprometido com as transformações políticas e sociais, para tal, sua prática deverá estar revestida de significado, considerando a diversidade presente no contexto educacional, mas essencialmente buscando mobilizar saberes essenciais, a m de que a informação possa transformar-se em conhecimento. Essa competência é evidenciada mediante uma sólida cultura geral de maneira a possibilitar-lhe uma prática interdisciplinar e contextualizada, dominando as tecnologias da informação, abordando as informações de forma crítica e reflexiva não apenas no âmbito de sua disciplina, mas a fim de instigar o educando à investigação. Assim, o processo de preparação dos professores não pode restringir-se a cursos ou treinamentos de curta duração, que tenham em vista a exploração de determinados programas, torna-se necessário que se dê a oportunidade de analisar as dificuldades e potencialidades de seu uso na prática pedagógica. Neste contexto, formar professores exige: ► mudanças na forma de concepção do trabalho docente, a flexibilização dos currículos nas escolas, bem como a responsabilidade no processo de formação do cidadão; ► o acesso à informação e produção de conhecimento indiscriminadamente; ► a integração de novos espaços de conhecimento, no qual este não se encontra centrado no professor, nem no espaço físico e tempo escolar, mas visto como processo de permanente transição. Frigotto (1996) ressalta que o grande desafio a ser enfrentado na formação do docente trata-se da questão da formação teórica e epistemológica, tarefa esta que não pode ser delegada à sociedade em geral. De acordo com Dowbor (1993) e Drucker (1993), as principais diretrizes teóricas na educação na sociedade da informação permitem desenvolver vários níveis de competência: ► conhecimento – a transformação da informação em conhecimento exige a captura da informação relevante, senti-la, e especialmente ser capaz de relacioná-la com a 35 vida. Ajudar a estimular o que é relevante na informação, a transformá-la, e saber integrá- la dentro de um modelo mental/emocional equilibrado e transformá-la em ação presente ou futura. Aprender a navegar entre tantas e tão desencontradas informações, entre modelos contraditórios de conhecimento e com visões de mundo opostas; ► desenvolvimento pessoal – sabe-se que hoje não basta dominar o conhecimento historicamente acumulado, tão importante quanto à apreensão do mesmo é a integração pessoal, o desenvolvimento de uma identidade positiva. Desta forma a postura do docente é a de planejador e orientador da aprendizagem, que seja capaz de se comunicar, ser criativo e consciente de sua responsabilidade para contribuir com a transformação da sociedade, e de seus limites como pessoa e como profissional em constante aperfeiçoamento, e principalmente assumindo conscientemente seu auto aperfeiçoamento. Suas experiências e sua prática docente devem se tornar a base para uma reflexão crítica, promovendo desta forma seu próprio desenvolvimento pessoal e profissional; ► desenvolvimento cognitivo – quando voltados para a inteligência, os ambientes computacionais podem constituir-se num desafio à criatividade e invenção; ► comunicação – manifestação clara do que o indivíduo é, o que sente e deseja, captar o que é o outro em todas as suas dimensões, mediante as diversas linguagens – oral, escrita, audiovisual e gráfica – com todo o ser : corpo, mente, gestos; ► trabalho interdisciplinar – redes de computadores oferecem efetivas oportunidades para trabalho cooperativo, no entanto, podem ocorrer problemas estruturais encontrados no contexto escolar para uso de redes, que incluem acesso, custos telefônicos para ligação on-line, tempo e equipamento, os quais podem dificultar seu uso, devendo buscar alternativas para superar esses problemas; ► criticidade – não basta simplesmente que os alunos lembrem das informações: estes precisam ter a habilidade e o desejo de utilizá-las, relacionando-as, sintetizando-as, analisando-as e avaliando-as. É notória a necessidade de incentivar estudos relacionados não só à possibilidade do uso de novas tecnologias na formação de professores. É preciso que o professor esteja instrumentalizado para ler o novo, conhecer diferentes linguagens da mídia, estar atento a sua diversidade tanto no que se refere ao meio, quanto à forma. 36 É importante ressaltar que a formação inicial e continuada se refere a dois tempos de uma mesma formação, visto que ambas estão comprometidas com a competência necessária ao exercício da docência com a comunidade e com a sociedade em que se inserem. Conforme Perrenoud (1997), a formação continuada deve ser entendida como uma ação na busca de um conhecimento formal, uma tomada de consciência de sua práxis, da própria atividade pedagógica. 4. GERENCIANDO E REFLETINDO O EXERCÍCIO DA PROFISSÃO De acordo com Freire (1998, p. 24), “a reflexão crítica sobre a prática se torna uma exigência da relação teoria/prática sem a qual a teoria pode virar um ‘blá-bláblá’ e a prática, ativismo”. Inúmeras discussões vêm sendo travadas acerca da necessidade da reflexão sobre o exercício da profissão. Nóvoa (1995b), ao escrever sobre as dimensões pessoais e profissionais dos professores, mostra que os estudos foram marcados por uma separação entre o eu pessoal e o eu profissional. Em relação à questão da profissão de professor, Sacristán (1995, p. 65) entende “por profissionalidade a armação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor ”. Para Libâneo (1998, p. 90), profissionalismo “significa compromisso com um projeto político-democrático, participação na construção coletiva do projeto pedagógico, dedicação ao trabalho de ensinar a todos, domínio da matéria e dos métodos de ensino, respeito à cultura dos alunos, assiduidade, preparação de aulas etc.”. Assim, a perspectiva para defender a necessidade da reflexão do professor acerca da sua prática é a rejeição da racionalidade técnica, em favor de uma racionalidade dialógica. Atualmente há uma busca constante em romper com a tradição de que o professor em sala de aula não reflete sua prática e não produz conhecimento, considerando que o conhecimento válido só poderia ser produzido na academia. 37 Entende-se a necessidade de um resgate no que se refere às condições de trabalho, a formação inicial e continuada, para que possa ocorrer a profissionalização, exigindo para tal, desafios que devem ser enfrentados e que trazem os seguintes desdobramentos: ► elevação do nível de formação inicial e continuada, na perspectiva teórico- metodológica em que coloca o professor e o objeto da formação no centro do processo; ► implementação de uma política de valorização do magistério que assegure condições dignas de trabalho e uma política salarial unificada; ► criação de um código ou princípio ético ou ordem profissional que associe conjuntamente profissão, formação inicial e continuada, reconhecimento e profissionalização. Verifica-se que tais desdobramentos exigem posturas diferenciadas não apenas por parte dos sistemas de ensino, mas essencialmente do professor, ocorrendo uma constante preocupação com sua própria formação, o que consequentemente exige o repensar de sua prática a partir da consolidação da teoria, ou seja, a prática desenvolvida deve ser objeto de constante reflexão, considerando os vários fatores que interferem no processo de ensino-aprendizagem. Perrenoud (1999) afirma que vem surgindo uma nova etapa de profissionalização. Observando os diversos níveis do
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