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1 2 SUMÁRIO Aspectos Históricos, culturais e conceituais da dependência química ___________________4 Neurobiologia ______________________________________________________________6 Neuropsicologia e Dependência Quimica________________________________________14 Etiologia, critérios diagnósticos e classificação____________________________________18 Critérios diagnósticos e classificação___________________________________________21 Comorbidades _____________________________________________________________26 Principais comorbidades_____________________________________________________28 Poliusuários _______________________________________________________________33 Drogas lícitas: Álcool _______________________________________________________37 Drogas lícitas: Nicotina ______________________________________________________43 Drogas lícitas: Opióides _____________________________________________________49 Drogas lícitas: Anfetaminas __________________________________________________55 Drogas lícitas: Benzodiazepínicos, Ansiolíticos e Hipnóticos ________________________60 Drogas lícitas: Anabolizantes_________________________________________________64 Drogas ilícitas: Maconha, Haxixe e Skunk_______________________________________70 Drogas ilícitas: Cocaína _____________________________________________________75 Drogas ilícitas: Crack e similares ______________________________________________80 3 Drogas ilícitas: Alucinógenos _________________________________________________83 Drogas ilícitas: Inalantes e outras drogas de abuso _________________________________87 Construtos Cognitivos _______________________________________________________89 Comprometimento da Atenção e Funções Executivas_______________________________94 Comprometimento da Memória _______________________________________________97 Comprometimento da praxia e visuo-construção __________________________________99 Reabilitação Neuropsicológica e Dependência Quimica____________________________101 Populações Especiais: Crianças e Adolescentes __________________________________103 Populações Especiais: Mulher, Gestante e Perinatal ______________________________112 Populações Especiais: Idosos ________________________________________________117 Populações Especiais: LGBT e conseqüências do abuso____________________________121 Populações Especiais: Minorias_______________________________________________124 População em Situação de Rua: ______________________________________________125 População Indígena: _______________________________________________________127 População Carcerária: ______________________________________________________128 Intervenção Breve: ________________________________________________________128 Terapia de Grupo no Tratamento da Dependência Química ________________________134 Prevenção a Recaída _______________________________________________________138 4 Terapia Familiar e Dependência Química_______________________________________142 Grupo de Apoio (Paciente e Família) __________________________________________146 Redução de Danos _________________________________________________________148 Papel das equipes multidisciplinares no tratamento da Dependência Química ________________________________________________________________________151 Políticas Públicas para a dependência Química e Lei Orgânica ______________________154 Organização do serviço no tratamento da Dependência Química ____________________158 Dispositivos de Atenção Psicossocial __________________________________________162 Comunidades Terapêuticas e Residências Assistidas ______________________________165 Suicídio e Dependência Química _____________________________________________168 Fatores de Proteção e Risco na Dependência Química _____________________________173 Dicas de Filme ___________________________________________________________175 Referências Bibliográficas _ _________________________________________________177 Anexos _________________________________________________________________180 5 MÓDULO I – Aspectos Introdutórios da Dependência Quimica e Neuropsicologia Aspectos históricos, culturais e conceituais a dependência quimica “Toda forma de vício é ruim, não importa que seja droga, álcool ou idealismo.” Carl Jung Pontos chaves A história do uso das substâncias psicoativas de confundem com a história da própria humanidade. Compreensão da dependência quimica como doença. Vivemos em um mundo permeado de mudanças, com constantes avanços nas ciências humanas. A busca da compreensão por certos fenômenos datam idades remotas, no qual o olhar investigativo torna-se evidente frente aos fatos que o homem não compreende. É interessante destacar que na buscar do plano da compreensão acerca do ser humano e suas facetas, o contexto histórico- cultural do objeto que se pretende estudar ocupa lugar de destaque. A partir das referências históricas, o fenômeno “uso de substâncias psicoativas” marcam seu espaço na história da humanidade, configurando sua presença nas relações humanas desde os tempos pré-históricos. De acordo com uma revisão histórica publicada de décadas de pesquisas arqueológicas, o seres humanos em todo o mundo fizeram uso de substâncias psicoativas como o ópio, álcool e cogumelos alucinógenos desde o período pré-histórico, datando cerca de 10 mil anos atrás, e evidência histórica de uso cultural cerca de 5 mil anos atrás. Observe que a relação homem-droga é bastante antiga e persistente. O álcool, segundo evidências arqueológicas, data sua existência entre 7000 a.C e 6600 a.C, a partir de resíduos da bebida (misto de arroz, mel, frutas fermentadas) encontrados em fragmentos de cerâmica de um vilarejo chinês. Quanto aos alucinógenos, resquícios de fósseis de cacto alucinógeno de São Pedro foram encontrados em uma caverna do Peru, entre o ano 8600 a.C e 5600 a.C. Sementes da 6 leguminosa Dermatophylum, forma encontradas na região do sul do Texas no período de 1000 d.C. Pequenas esculturas de pedra chamada “pedra de cogumelo” foram encontradas na cidade Guatemala no México, com possível uso dos cogumelos alucinógenos em cerimônias religiosas. Já o ópio, vestígios de fôsseis desta planta foram encontrados em um sítio arqueológico na Itália, por meados do sexto milênio a.C. Resquícios de cápsulas de semente de papoula e de Opiáceos foram localizados em ossos de esqueleto humano no quarto milênio a.C., com indícios de utilização em cerimônias religiosas. Quanto ao tabaco, nota-se que os vestígios de sua existência foi evidenciada em cachimbos encontrados na Argentina, por cerca de 2000 a.C., pelos povos que ali habitavam neste período. Já a nicotina está presente na história da humanidade desde o período de 300 a.C. As evidências do uso das folhas de coca datam aproximadamente 8000 atrás, na região da América do Sul. Seus resquícios foram encontrados em restos dentários de humanos e em cabelo de múmias, o que indica que os povos que faziam uso desta planta, faziam através do processo de mascá-la. Se Liga!!! Nota-se que o uso das substâncias psicoativas não é um evento novo no repertório humano, ele vem se entrelaçando ao longo da história da humanidade, permeadas pela cultura, religião, hábitos e costumes dos povos com finalidades específicas. Mas porque este fenômeno é tão Milenar? Podemos inferir que o homem sempre buscou através dos tempos, o aumento de seu prazer e a diminuição do O termo DROGA, é compreendido no ambiente cientifico, como qualquer substância capaz de alterar o funcionamento do organismo, resultando em mudanças fisiológicas e comportamentais, sejam elas nocivas ou medicinais. 7 sofrimento. O uso das drogas sempre esteve relacionado às questões que fazem parte da condição humana, prazer/dor, vida/morte,sofrimento/alívio trazendo a tona à fragilidade humana. Observa-se que através da evolução histórica do homem, é possível verificar que em cada época este ser apresenta uma maneira particular em lidar com esses elementos, bem como a forma de consumo das drogas. Mas enfim, o que vem a ser dependência quimica? É o impulso que leva a pessoa a usar droga de forma continua ou periódica, no qual o controle do consumo é precário, fazendo com que o dependente aja de forma impulsiva e repetitiva com evidentes prejuízos cognitivos, emocionais, sociais e familiares. A dependência é entendida como uma DOENÇA que envolve uma gama de fatores biopsicossociais. Neurobiologia “O vício não é uma escolha...” Dr. Gabor Maté Pontos chaves A compreensão da neurociência auxilia no entendimento da neurobiologia da dependência quimica. Você sabia... De acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mental – DSM-V, os Transtornos por uso de Substâncias, consiste na presença de agrupamentos de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos mediante ao uso continuo pelo indivíduo, onde o consumo em excesso da substância atua na ativação direta do sistema de recompensa do cérebro. Estes transtornos são divido em dois grupos: transtorno por uso de substância e transtorno induzidos por substâncias. 8 O sistema de recompensa tem sido um dos fatores para entendimento do abuso das substâncias psicoativas. De acordo com pesquisas recentes, as regiões pré-frontais são mais afetadas com o uso de substâncias psicoativas, apresentando intima ligação com processo de dependência. Compreender a dependência quimica é entender que está doença não está ligada apenas a fatores comportamentais e psico-sociais, mas com uma configuração perpassada por fatores genéticos e epigenéticos. Atualmente, os avanços científicos na área da dependência química permitem dizer que, assim como a ação do uso prolongado de substâncias com potencial de abuso no cérebro, aspectos sociais, culturais, educacionais e comportamentais têm papel central no desenvolvimento da síndrome de dependência. As bases neurobiológicas da dependência química têm recebido crescente atenção em inúmeras pesquisas, uma vez que um melhor entendimento dos mecanismos cerebrais ligados ao comportamento de dependência tem permitido a busca de tratamentos medicamentosos mais eficazes para o comportamento repetitivo de busca pela substância, assim como para a síndrome de abstinência. Porém a pouca compreensão das alterações bioquímicas que as substâncias de abuso promovem no cérebro humano, assim como da relação entre essas alterações cerebrais e comportamentais presentes na síndrome de dependência tem sido segundo a comunidade científica, alguns dos motivos que têm impedido o desenvolvimento de tratamentos farmacológicos mais efetivos para a os quadros de dependência quimica. Observa-se dentro desse contexto, que o sistema dopaminérgico, sobretudo as vias dopaminérgicas envolvidas nos circuitos motores, límbicos e cognitivos dos núcleos da base, tem-se apresentado como potencialmente envolvido em mecanismos que desempenhariam um papel central nas síndromes de dependência e abstinência (Almeida, Bressan & Lacerda, 2011). Mas de fato, qual é o objetivo do estudo da neurobiologia dos transtornos relacionados ao uso de substâncias? Segundo a literatura cientifica atual, a neurobiologia busca compreender os mecanismos genéticos e epigenéticos, além dos mecanismos celulares e moleculares envolvidos na dependência de substâncias. Esses mecanismos podem mediar à transição entre o padrão de uso chamado “recreacional” e um padrão caracterizado por perda do controle, 9 bem como o comportamento de busca apesar de evidentes prejuízos em diferentes esferas, “fissura” e recaídas freqüentes, tipicamente descritos nos quadros de dependência. Se Liga!!! Observa-se que na compreensão da neurobiologia da dependência química o sistema cerebral de recompensa (SCR) tem ocupado papel central na tentativa de entendimento desse fenômeno multifacetado. Entende-se que o uso de substâncias psicoativas apresentam um mecanismo particular de ação no cérebro, cada droga tem seu mecanismo próprio de ação, e essa ação particular atua de forma direta ou indireta no sistema recompensa cerebral. Mas para que entendamos o sistema cerebral de recompensa, é de suma importância tecer uma linha de raciocínio e entendimento acerca dos mecanismos de ação das substâncias psicoativas. Então, o que é mecanismos de ação? Qual a importância desse entendimento para compreensão da dependência quimica? Os mecanismos de ação são expressões utilizadas pela farmacologia, com intuito de delinear a interação bioquímica específica que determinada droga em uso produz como efeito A transição entre o padrão “recreativo” e a perda de controle envolve reprogramação de circuitos neuronais, nos quais os processos de motivação, os comportamentos de recompensa, a memória, o condicionamento, a habituação, o funcionamento executivo e o controle inibitório, bem como a resposta ao estresse sofre alterações. Sendo assim, essa transição é fortemente influenciada por fatores genéticos, de neurodesenvolvimento e ambientais, que poderão determinar o curso e a gravidade da dependência. 10 farmacológico. Em suma, o mecanismo de ação é o alvo molecular específico, uma enzima, um receptor em que a droga se conecta. Por exemplo, vejamos o mecanismo de ação do álcool na figura abaixo: Neurotransmissão glutamatérgica e GABAérgica Fonte: csmmse.wixsite.com/etanol/dependencia-tolerancia-e-abstinenci Como observado na figura, o mecanismo de ação do etanol ocorre nos neurotransmissores GABA (ácido gama-aminobutírico) com efeitos inibitórios e no Glutamato – com feitos excitatórios, promovendo alterações simultâneas de inúmeras vias neuronais, deprimindo o sistema nervoso central, com profundo impacto neurológico e com repercussões no comportamento e cognição do dependente. A partir do entendimento do mecanismo de ação, nota-se que a compreensão das bases biológicas no uso das substâncias psicoativas, a partir dos avanços científicos, tem evidenciado perspectivas promissoras para o entendimento das alterações neurobiológicas e seu desencadeamento nos aspectos fisiológicos, comportamentais e estados emocionais da condição que torna a dependência quimica tão complexa. C omo já iniciado anterior Você sabia... A quinta edição do Manual diagnóstico e estatístico de transtorno mental (DSM-V) pondera a premissa neurobiológica dos transtornos relacionados ao uso de substâncias – os critérios diagnósticos são embasados predominantemente em aspectos clínicos comportamentais. 11 mente, o sistema cerebral de recompensa, denominado por James Olds (1950, apud Ornell, Diemen & Kessler) como sistema mesolímbico-mesocortical, se projeta anatomicamente na área tegmental ventral (ATV) para o córtex frontal e estriado ventral (núcleo accumbens). É percebido que este sistema tem participação na busca de estímulos causadores de prazer. Por meio de reforço positivo, há o impulso de manter o prazer repetido vezes, criando-se uma memória específica. No abuso de substâncias psicoativas, os processos fisiológicos de recompensa se alteram, dando lugar para a instalação do ciclo de reforço negativo nas vias de gratificação cerebral. Embora cada substância tenha um mecanismo de ação particular no cérebro e diversos outros núcleos cerebrais serem afetada com o uso da substância, estas acarretam alterações no sistema de recompensa no cérebro. Portanto a ativação desta área, a priori está relacionada aos sentimentos de prazer reforçados por situações de potencial reforçador, e é intensificada como abuso de substâncias que poderão gerar o ciclo da repetição crônica da substância. Sistema de Recompensa Cerebral Fonte: http://aumagic.blogspot.com/2019/04/neurobiologia-mecanismos-de-reforco-e.html?m=1 Segundo Quevedo e Izquierdo (2020) tal processo relatado acima, resulta no aumento direto ou indireto das concentrações de dopamina extracelular no sistema de recompensa, sobretudo no nucleus accumbens, estendendo-se para a amígdala e induzindo os estados excitatórios. A dopamina nesse contexto desempenha papel chave nos processos de aprendizagem e está associada a recompensas e a definição de eventos de potencial gratificante, onde os estímulos desencadeadores de prazer e sistema de recompensa ocorrem pela expressão de dopamina. O aumento de sua concentração sináptica em regiões especifica do cérebro está associado às sensações de prazer e bem estar desencadeada frente a certos comportamentos. 12 No uso das substâncias, observamos uma liberação bastante elevada da dopamina, com intensidade e duração excedente aquelas desencadeadas por reforçadores naturais, ocasionando um desequilíbrio entre os circuitos dopaminérgicos relacionados à recompensa. De acordo com certos estudos científicos, essa possível repetição crônica da atividade da dopamina no sistema de recompensa pode promover um desequilíbrio neuroquímico, conduzindo a uma homeostase alterada ao gerar neuoadaptação estruturais e funcionais permanentes a neuroplasticidade cerebral. Vimos que a dependência quimica é caracterizada por sintomas fisiológicos, comportamentais e cognitivos. Mas quais seriam as principais fases do transtorno relacionado à substância e suas alterações neurobiológicas? Observamos que o uso da substância psicoativa gera um padrão patológico e mal adaptativo de uso, propiciando a continuidade do consumo mesmo na existência de sintomas negativos. Do ponto de vista clinico, percebemos que os elementos de impulsividade e compulsividade produzem ciclos que envolvem a compulsão em conseguir a usar a substância. Nota-se a perda de controle sobre o uso com evidente surgimento de sintomas Você sabia... Os autores Volkow e colaboradores sugerem a presença de diferenças marcantes em circuitos cerebrais nos pacientes com dependência quimica. O modelo proposto por eles é de que além dos circuitos de recompensa, os de memória, condicionamento, controle executivo e motivação estão envolvidos na dependência de sustâncias. 13 negativos quando o consumo não ocorre. Tais sintomas são: disforia, irritabilidade e ansiedade. Como conseqüência do uso agudo e impulsivo, o ato pode se tornar compulsivo e, assim, desenvolver o uso crônico, a fissura, a tolerância e a recaída. Este processo pode ser resumido na figura abaixo Neurocircuito e Neurotransmissores Fonte: Livro Neurobiologia dos transtornos psiquiátricos Observa-se na figura acima que o uso agudo e impulsivo passa por três fases, são elas: Compulsão para busca e obtenção da substância, intoxicação e perda do controle sobre o consumo, no qual envolve principalmente a rede ventromedial e o sistema de recompensa; Alteração clinica e estados emocionais negativos, quando limitado o acesso a substância. Envolve a rede da amígdala estendida e o sistema cerebral de estresse; Preocupação e antecipação. Envolve rede de saliência e o sistema cognitivo. Na etapa de compulsão e intoxicação o sistema de recompensa corresponde à rede mesocorticolímbica, sendo dividida em dois subsistemas: mesolímbico e mesocortical. O sistema mesolímbico ativa o estriado envolvendo o septo, a amígdala e o hipocampo, estando associados aos sistemas de gratificação, processos de antecipação e aprendizado de recompensas. Já o subsistema mesocortical, inclui além do estriado, o córtex pré-frontal medial, giro do cigulo, córtex orbitofrontral e córtex perirrinal. Embora essas áreas estejam 14 associadas às funções executivas, elas possuem papel importante no processamento da recompensa quanto no planejamento do comportamento aprendido e direcionado a metas. Nota-se que a exposição do indivíduo repetidamente gera a construção do reforço positivo. No abuso das substâncias o cérebro identifica as pistas ambientais associados ao uso da substância e as transforma em sinais preditivos de recompensa, causando sensação de gratificação mesmo ante de recebê-la (antecipação da recompensa). Com o pareamento dos sinais e recompensa, resultando em “Gatilhos”, quando ativados estimulam os neurônios dopaminérgicos a emitirem uma reposta frente ao estimulo exposto mesmo antes da recompensa ser suscitada. Essas respostas ficam gravadas no cérebro modificando o comportamento do indivíduo mesmo após a interrupção do efeito da substância. O armazenamento destas repostas ocorrem devido a duas classes de mecanismos moleculares, adaptações homeostáticas (papel na tolerância, dependência e na abstinência da substância) e aprendizado associativo (papel relacionado na recaídas). Na etapa de abstinência e disforia, podemos entender que a supressão dopaminérgica e exposição crônica a picos elevados de dopamina reduzem a ativação da serotonina, aumentando assim o sistema cerebral de estresse por meio dos hormônios. Com a progressão da abstinência, outros hormônios relacionados ao estresse são recrutados ocasionando sintomas como angústia, disforia, insatisfação e anedonia. Nota-se que quando o individuo torna-se abstinente por um período, a disforia induz o comportamento de busca da recompensa a fim de amenizar os efeitos causados pela privação da substância. Assim, um indivíduo que fazia uso da substância na busca da euforia, nessa etapa buscará o alívio da disforia, reforçando a dependência do uso. Na terceira etapa preocupação, antecipação e fissura, vemos que o comportamento aprendido, tanto pela sensação agradável como pela sensação desagradável, é totalmente esperado no transtorno de substâncias. Nessa etapa, a saliência ao estimulo pareado no uso da substância se intensifica exigindo recursos de controle no processo de tomada de decisão, no qual o mecanismo neurobiológico gera um sistema de “vá/não vá” em busca da recompensa. Veja que esse sistema influência intimamente as funções cognitivas, como direcionamento de metas e flexibilidade cognitiva. A partir desse exposto, notamos que as alterações cerebrais ocasionadas pelo uso de substâncias resultam não apenas na intensificação do desejo de usar (fissura), mas também na capacidade do individuo resistir à tentação, gerando um novo episódio de compulsão e intoxicação, iniciando assim o ciclo do transtorno relacionado ao uso de substâncias. 15 Vimos neste tópico de estudo, à introdução da neurobiologia dos transtornos de uso de sustâncias psicoativas, a fim de elucidar pontos importantes para a compreensão deste fenômeno complexo e multifacetado. Tais informações sobre os efeitos neurobiológicos e potenciais mecanismos fisiopatológicos da dependência química, nos trazem reflexões importantes acerca das esferas enigmáticas dos sistemas cerebrais que ocorrem na dependência quimica e sua repercução na vida e funcionalidade do sujeito. É importante destacar que o período pré-mórbido presente nos usuários crônicos de substâncias é considerado uma predisposição do sujeito para o uso. Tentar compreender a dependência quimica é manter o olhar no individuo em sua forma biopsicossocial respeitando as dinâmicas envolvidas na inter-relação desses aspectos. Neuropsicologia e Dependência Química “Um homem pinta com seu cérebro, não com suas mãos” Michelangelo Buonarroti Pontos chaves Compreensão da importância da avaliação neuropsicológica na dependência quimica. O uso de substâncias psicoativas altera o funcionamento cognitivo. Os comprometimentos cognitivos parecem interferir na adesão ao tratamento.Como já discorrido anteriormente o transtorno por uso substâncias é entendido como uma doença crônica que afeta as funções cognitivas com repercuções na funcionalidade e adesão ao tratamento. Compreender os aspectos de comprometimento neuropsicológico pode auxiliar na construção de recursos para um tratamento mais eficaz e individualizado, contemplando as limitações e potencialidades cognitivas apresentadas pelo dependente químico. Nesta perspectiva a Neuropsicologia surge com objetivo de estabelecer relações entre o cérebro e comportamento humano, por meio de processos cerebrais que podem se observados direta ou indiretamente. Pode-se observar que ao longo da história da humanidade, o homem vem tecendo estudos na tentativa de explicar os processos cerebrais. Na antigüidade clássica, Hipócrates (século V a.C.) já se referia ao cérebro como o órgão do intelecto. Galeno, no século II a.C., em seus estudos, enfatizou que o encéfalo era formado de duas partes: o cerebrum, 16 relacionado às sensações, e o cerebellum, relacionado ao controle dos músculos, sendo que os nervos eram condutos que levavam os líquidos vitais ou humores, permitindo que as sensações fossem registradas e os movimentos iniciados. Já Descartes, referia-se à glândula pineal como centro da alma. Gall, ao final do século XVIII, discorreu que as faculdades humanas estariam localizadas em diferentes órgãos e centros cerebrais e que as atividades intelectuais estariam situadas nos dois hemisférios cerebrais. Com isso, surgiu a base da frenologia e da corrente localizacionista. Broca, em 1861, em seus estudos observou que um paciente com hemiplegia à direita era capaz de compreender a linguagem falada, porém produzia apenas uma única palavra desprovida de significado. As publicações de Wernicke, em 1874, mostraram que lesões nas porções posteriores da região temporal superior provocavam alterações de linguagem, sendo um tipo de afasia na qual a compreensão estava prejudicada. No século XX, Luria desempenhou importante papel para o desenvolvimento da Neuropsicologia, no estudo das funções cognitivas, além do trabalho em conjunto com Vygotsky, em relação aos mecanismos cerebrais envolvidos e desenvolvidos com a educação formal, assunto que é estudado até os dias atuais. Mas, então... o que é Neuropsicologia? Atualmente, a Neuropsicologia é um campo intermediário entre as neurociências e as ciências do comportamento, desenvolvido a partir da neurologia e da psicologia. Nota-se que com o constante avanço tecnológico dos exames de neuroimagem permitiu que a investigação neuropsicológica contribuísse para o entendimento das relações de complexibilidade entre as estruturas cerebrais e o comportamento. Com a expansão do conhecimento, e o avanço nas pesquisas científicas, a Neuropsicologia nas últimas décadas vem sendo mais conhecida no cenário da sociedade. Por ser uma interface dentro neurociência e psicologia, podemos ver os seguintes campos de atuação do profissional psicólogo: clinica, hospitais, pesquisa e docência, centro de reabilitações, juizados, e áreas onde há a busca do entendimento da entre o cérebro e o comportamento e suas repercussões na vida das pessoas. 17 Observa-se que o Neuropsicólogo busca o entendimento das relações dos processos cerebrais/comportamento através do método de avaliação, investigação de hipóteses, para assim desenvolver um plano de tratamento para o paciente. Mas qual seu objeto de estudo? Quais os domínios cognitivos avaliados pelo Neuropsicólogo? O Neuropsicólogo debruça seus estudos na compreensão da cognição humana. A cognição é a expressão de um conjunto de processos cerebrais complexos, responsáveis pela elaboração do conhecimento que o ser humano adquire e necessita ao longo de seu desenvolvimento. Dessa forma, estamos falando sobre funções cerebrais, das quais podemos destacar a atenção, a memória, a linguagem, as funções executivas, as funções visuoespaciais e praxias e a percepção. As funções cognitivas são habilidades desempenhadas em várias áreas cerebrais, que trabalham de forma cooperativa por meio de vias de conexão neuronal. De forma, serão destacadas algumas funções. A atenção é a capacidade pelos quais o organismo se torna receptivo aos estímulos internos e externos. Proporciona habilidades que orientam o organismo a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-lo, inibindo estímulos internos. Este constructo tem um papel fundamental na realização das nossas atividades diárias, tendo a dependência do interesse e a necessidade da realização de determinada tarefa, como caracteriza primordial. A memória consiste na capacidade de adquirir (aquisição), armazenar (consolidação) e recuperar (evocação) informações. A memória não é um sistema único e se divide em dois tipos: memória de curto prazo (ou operacional) e memória de longo prazo. As funções executivas permitem ao homem desempenhar, de forma independente e autônoma, atividades dirigidas a um objetivo específico de estreita relação com o comportamento humano. Essas funções englobam ações complexas que dependem da integridade de vários processos cognitivos, emocionais, motivacionais e volitivos, os quais estão intimamente associados ao funcionamento dos lobos frontais. Desse modo, as funções executivas abarcam processos como planejamento, controle inibitório, tomada de decisões, flexibilidade cognitiva, memória operacional, que categorização, fluência e criatividade. 18 Avaliação Neuropsicológica consiste em um processo investigativo, sob a perspectiva quantitativa e qualitativa, que por meio de ferramentas padronizadas (de acordo com o SATEPSI), testes neuropsicológicos com evidências de validade na comunidade científica, observação clinica, entrevista e anamnese, visa investigar a relação entre o funcionamento cerebral e o comportamento do sujeito que está sendo avaliado. A Praxia é a habilidade de idealizar e executar um ato motor normalmente gestual, tratando-se do componente cognitivo do comportamento motor. A percepção é a capacidade de reconhecer, organizar e dar significado a um estímulo vindo do ambiente através dos órgãos sensoriais. Já a linguagem é definida através dos processos biológicos e sociais, que exprimem seu caráter essencial de favorecer a adaptação do individuo ao meio. A partir do entendimento dos constructos cognitivos, iremos entender o conceito da avaliação neuropsicológica, que segue logo abaixo: Portanto a avaliação neuropsicológica no contexto da dependência quimica, busca identificar déficits cognitivos, extensão e gravidade, bem como as funções que se encontram preservadas. O conhecimento das alterações cognitivas decorrentes do uso de substâncias é fundamental para o entendimento do processo de dependência desses indivíduos. Visto que as substâncias psicotrópicas são aquelas que atuam sobre o cérebro, alterando de alguma maneira o psiquismo. Com isso, pode-se observar em usuários de substâncias o aparecimento de comportamentos inadequados ou ineficientes com a manifestação de prejuízos no funcionamento. Nota-se que o estudo nessa área é um desafio, visto que existem diversas dificuldades metodológicas para a realização de pesquisas nessa área, como as variáveis do tipo de testes neuropsicológicos utilizados, intervalo entre a última vez que a substância psicoativa foi 19 consumida e o momento da avaliação, efeitos do uso de outras substâncias, presença de Comorbidades psiquiátricas e tempo e intensidade do uso da substância. Pesquisas cientificas relatam, que o uso das drogas podem alterar o funcionamento cognitivo, com repercução na eficácia da proposta de tratamento, visto que as funções mais comprometidos no uso referem-se as funções executivas. As alterações nesse domino cognitivo denotam incapacidade para utilizar conhecimentosespecíficos em uma ação apropriada, dificuldade de mudar de um conceito para o outro e alterar um comportamento depois de iniciado, dificuldade em integrar detalhes isolados e de manipular informações simultâneas. Sendo assim a identificação precoce das alterações cognitivas possibilita o aumento das chances de adequar uma intervenção ao dependente químico. Além disso, auxilia no complemento do diagnóstico, esclarecendo possíveis dificuldades que o indivíduo possa enfrentar para se manter abstinente ou evitar uma recaída. MÓDULO II– Diagnóstico e classificação dos transtornos relacionados ao uso de substâncias. Etiologia, critérios diagnósticos e classificação “O diagnóstico não é o fim, mas o começo da prática” Martim H. Fischer Pontos chaves Os modelos etiológicos existentes são teorias com embasamento científico que objetivam a busca da compreensão dos motivos e da manutenção do uso das substâncias psicoativa; Devido à complexibilidade da dependência quimica, não existe um modelo etiológico que consiga por si só abarcar a dinamicidade dos aspetos que compõem a dependência de sustâncias psicoativas; A característica essencial do transtorno por uso de substância consiste na presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando o uso contínuo pelo indivíduo, mesmo mediante ao comprometimento significativo relacionado a uso da substância; A triagem, ou rastreamento sobre o consumo de drogas deve incluir uma investigação sobre o padrão consumo, assim como uma avaliação de sua gravidade. 20 Os modelos etiológicos são teorias com fundamento científico, construídas com propósito de explicar e orientar as observações dos autores sobre o fenômeno da dependência química, com certa predição deste fenômeno para assim fundamentar as intervenções, na tentativa de explicar os motivos do primeiro episódio de consumo, da permanência do uso ocasional, da manutenção de uso, do surgimento de padrão de uso nocivo, e por fim a compreensão do surgimento da dependência. Dentre os modelos etiológicos, podemos destacar: modelo moral, modelo de temperança, modelo de degenerescência neurológica, modelo de aconselhamento confrontativo, modelos naturais, modelos biológicos, modelos psicológicos, modelos espirituais, modelo de saúde publica e ecletismo informado. Um dos primeiros modelos etiológicos foi o modelo moral criado na tentativa da sociedade contemporânea de entender e controlar o uso de substâncias psicoativas, enfatizando a escolha pessoal como fator de causa primordial. Nota-se que nesse modelo é uma reedição do pensamento acerca do uso excessivo do álcool desde a antiguidade clássica. No modelo de temperança a embriaguez era considerada uma doença, no qual gerava perda de controle e comprometimento do equilíbrio corporal. Nesse modelo a intensidade do consumo variava ao longo de um continuum de gravidade, na qual os problemas ocorriam ao longo do tempo. Já modelo de degenerescência neurológica, apresentou pensamentos revolucionários para época. O termo “alcoolismo” foi utilizado pela primeira, na sociedade, e sendo compreendido como uma doença de fato. Neste modelo havia pouca atenção para os aspectos comportamentos, o foco de tratamento era voltado para internações prolongadas e tratamentos físicos, como tônicos banhos a vapor e estimulação farádica até o uso de sanguessugas. O modelo de aconselhamento confrontativo defendia a idéia que o dependente era um indivíduo que recebera na vida muitas provisões sem aprender a compartilhar quando adulto. Desta forma, o método enfatizava convivência comunitária, hierarquizada entre os dependentes utilizando da terapia denominada “choque”, ou seja, uma confrontação agressiva como cerne da intervenção. 21 Os modelos naturais enfatizavam que o homem possui uma tendência inata e universal ao consumo de drogas, tendo como percepção do dependente, um sujeito fraco diante da sua incapacidade de se controlar, responsabilizando-o por suas escolhas e por seus excessos, com evidentes vieses sociais e culturais neste modelo. O olhar para o aspecto orgânico com enfoque nas alterações físicas e psíquicas da dependência quimica surge os modelos biológicos como fonte de estudo e compreensão da predisposição biológica para o desenvolvimento do uso indevido de substâncias psicoativas, considerando os estágios da dependência quimica. Dentro desse modelo surge o modelo constitucional e as explicações neurobiológicas e genéticas que trouxeram avanços incontestáveis para o entendimento atual da dependência química. Nos modelos psicológicos as teorias psicológicas estão focadas no individuo, bem como nos processos que os conduziram ao consumo desregrado das substancias psicoativas. Nesse modelo, a psicoterapia é uma das técnicas utilizadas com intuito de compreender a natureza e qualidade da experiência individual que aumentam a probabilidade e o risco do desenvolvimento da doença. Dentre as teorias psicológicas abarcadas dentro desse modelo se destacam: o modelo caracteriológico e determinista, as explicações psicanalíticas, a teoria sistêmica, teorias comportamentais e a teoria cognitivo-comportamental. Já os modelos sociais são embasados pelo referencial teórico da terapia cognitivo- comportamental, bem como no treino das habilidades sociais. Dentro desse modelo temos a teoria de controle social como outra vertente existente. No modelo espiritual a espiritualidade é uma característica única e responsável pela ligação do individuo com o universo e com os outros, estando para além da religião e religiosidade. Este modelo propõe que há uma possível influência positiva da espiritualidade na recuperação dos dependentes químicos. Principais exemplos são os Alcoólicos Anônimos (AA) e congêneros. O modelo de saúde pública correlaciona a interação entre sujeito, ambiente e substância psicoativa, visando à explicação do fenômeno da dependência química. Observa-se a construção de uma inter-relação dos aspectos de aprendizado social, controle social, psicológicos, estados biológicos e espirituais do individuo com intuito de entender a suscetibilidade ao uso e o processo de evolução do consumo. 22 E por fim, o modelo ecletismo informado assim como o modelo de saúde pública reúne os fatores biológicos, psicológicos, sociais e da própria substância envolvidos na gênese do uso indevido das drogas. Esse modelo entende que cada indivíduo requer uma abordagem especialmente desenhada e que leve e consideração seu estágio de tratamento e suas idiossincrasias. Critérios diagnósticos e classificação Segundo Marque (2017): “Qualquer avaliação inicial em saúde tem como objetivo coletar dados do indivíduo para identificá-lo social, demográfica e economicamente, pesquisar sobre seu estado de saúde e suas possíveis alterações, investigar a sua história clínica, seus antecedentes familiares e, então, desenvolver a hipótese diagnóstica e planejar seu cuidado”. (pg. 83) Para se realizar uma avaliação com triagem específica no uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas existem algumas considerações a serem adotadas pelos profissionais de saúde na execução do processo de triagem, são elas: Não há uso seguro de drogas psicoativas; O uso nocivo e a dependência de álcool e outras drogas são poucos diagnosticados; As complicações clínicas ocorrem com maior freqüência; A demora do diagnóstico impacta negativamente no prognóstico; Evidente deficiência na formação e conhecimento dos profissionais que atual na área. Nota-se que a entrevista inicial deve ser conduzida de fora clara, simples, breve, flexível e ampla, e apenas ao final focar os hábitos do indivíduo em relação ao seu uso ou abuso de substâncias psicoativas. Na entrevista inicial os instrumentos como escalas e questionários podem ser utilizadosa fim de contribuírem para a construção do diagnóstico clínico, e corroborarem na consistência da intervenção implementada com possíveis melhoras a adesão no tratamento. Nos serviços especializados, assim como o diagnóstico das complicações, comorbidade psiquiátricas, a avaliação terá um enfoque mais aprofundado, pois a complexibilidade do diagnóstico propõe maior elucidação dos aspectos clínicos para se estabelecer a construção de um tratamento adequado e eficaz. 23 Observa-se, que de acordo com a literatura cientifica atual, existe uma freqüência de sintomas que são considerados sinalizadores do uso problemático de drogas psicoativas, observados ao longo da história do problema atual e durante o exame psíquico (história do problema até queixa atual –anamnese completa), logo após o exame físico, realizado por um médico especialista. É de suma importância dar enfoque na pesquisa sobre o inicio do uso e outros eventos correlacionados, a saber, o último uso, quantidade, vias de administração da substância psicoativa, ambiente, etc. Se Liga!!! Nota- se que além dos sintomas relatados acima, há o esquadrilhamento dos sintomas físicos observados durante o exame físico realizado pelo médico especialista em álcool e outras drogas, são eles: Tremor leve – sugestivo de uso de diferentes substâncias; Pressão arterial lábil – sugestiva de síndrome de abstinência de alcool, nicotina, cocaína; SINTOMAS SINALIZADORES: Distúrbio do sono; Depressão; Ansiedade; Humor Instável; Irritabilidade exagerada; Disfunção sexual; Problemas gastrintestinais; Alterações da pressão arterial; História de traumas e acidentes freqüentes; Alterações da memória e da percepção da realidade; Faltas freqüentes no trabalho ou na escola ou diante de compromissos 24 Taquicardia e/ou arritmia cardíaca – uso de estimulantes ou síndrome de abstinência; Aumento do fígado; Irritação das conjuntivas – sugestiva de uso de maconha, crack, álcool, nicotina; Irritação nasal; Odor de álcool; Odor de maconha ou nicotina nas roupas; “Síndrome da higiene bucal”, disfarce do odor de álcool ou tabaco. Uso freqüente de colírio ocular. Dentro dessa perspectiva, se o indivíduo se mantiver colaborativo, com a percepção que um novo processo se inicia, o diagnóstico relacionado ao uso de drogas psicoativas poderá ser mais bem realizado. Você sabia... Oito etapas a ser seguida na apresentação do Diagnóstico para o paciente: 1. Clareza dos critérios positivos e /ou negativos; 2. Explicação do método adotado; 3. Enfatizar que o problema não é culpa do individuo; 4. Definir com o individuo a responsabilidade da etapa seguinte; 5. Apresentar o plano de tratamento mínimo ou encaminhamento; 6. Sugerir participação familiar no tratamento; 7. Planejamento do retorno; 8. Rastrear os problemas relacionados ao uso das drogas. 25 Outro fator importante a se manter durante a entrevista é o estabelecimento de um vinculo com o individuo, a fim de facilitar a colaboração do individuo, a adesão e efetividade ao tratamento. Lembre-se que para cada indivíduo, haverá a construção de um plano terapêutico único e individualizado, conhecido com Plano Terapêutico Singular, compatível com o grau de sua problemática. Segundo a OMS, o abuso ou a dependência de substancias é entendida como um uso nocivo como “um padrão de uso de substâncias psicoativas e psicotrópicas que esteja causando dano à saúde.” (Marques, 2017) Segundo o CID-10, os critérios para o uso nocivo das substâncias psicoativas são: J á de acordo com o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V) o diagnóstico de um transtorno por uso de substância baseia-se em um padrão patológico de comportamento relacionado ao uso, levando a comprometimentos ou sofrimentos clinicamente significativos, manifestados pelo menos dois critérios, ocorrendo durante um período de 12 meses. Podem apresentar uma gama de a gravidade, desde leve a grave. Uma gravidade leve sugere a presença de dois a três sintomas; moderado, por quatro ou cinco sintomas; e grave por seis ou mais sintomas. A síndrome de abstinência (critério 11) ocorre quando as concentrações de uma substância no sangue ou tecidos diminuem em um individuo que manteve uso intenso O diagnóstico requer que um dano real tenha sido causado à saúde física e mental do usuário; Presença de intoxicação aguda ou a “ressaca” não são evidências suficientes do dano a saúde requerida para codificar uso nocivo; Padrões nocivos de uso são com freqüência criticada por outras pessoas e estão associados às conseqüências sociais diversas, não são suficientes para evidenciar o uso nocivo; O uso nocivo não deve ser diagnosticado se a síndrome de dependência, um transtorno psicótico ou outra fora específica de transtorno relacionado ao uso de drogas ou álcool estiverem presentes. 26 prolongado, no qual o sujeito busca consumir a substância para aliviar os sintomas da abstinência. A fim de melhor organizar os critérios diagnósticos propostos pelo DSM V, segue a tabela abaixo: CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS DOS TRANSTORNOS RELACIONADOS A USO DE SUBSTÂNCIA – DSM V Critério A Baixo controle, deterioração social, uso arriscado e critérios farmacológicos Critério 1 Substância consumida em quantidades maiores, ou por um tempo mais longo do que pretendido. Critério 2 Desejo persistente de reduzir ou regular o uso da substância com esforços malsucedidos. Critério 3 Muito tempo gasto para obter a substância ou na recuperação de seus efeitos. Critério 4 Fissura ou forte desejo em usar a substância. Critério 5 Uso recorrente da substância pode resultar no fracasso em cumprir obrigações no trabalho, escola ou no lar. Critério 6 Mesmo mediante os prejuízos sociais e interpessoais persistentes, a continuidade do uso da substância é mantida. Critério 7 Abandono ou redução de atividades profissionais, sociais ou recreativas por conta do uso da substância. Critério 8 Uso recorrente da substância em situações que apresentam perigo para integridade física do indivíduo. Critério 9 Uso mantido apesar da consciência de ter um problema físico ou psicológico persistente ou recorrente, que tende a ser causado pelo uso da substância. Critério 10 Tolerância definida pelos seguintes aspectos: a. Necessidade de quantidades progressivamente maiores para alcançar o efeito desejado; b. Efeito acentuadamente menor com o uso continuado da mesma quantidade da substância. Critério 11 Abstinência manifestada por qualquer um dos seguintes aspectos: 27 a. Síndrome de abstinência característica do uso da substância de acordo com os critérios propostos pelo DSM V para a síndrome de abstinência de cada substancia usada; b. Substância utilizada para aliviar ou evitar os sintomas de abstinência. É importante ressaltar que a dependência de substâncias é um fenômeno que se caracteriza por padrões diferenciados de consumo. Pacientes dependentes químicos podem apresentar diversos graus de consumo, desde um consumo que no momento não gere prejuízos evidentes, passando por níveis que afetam determinados contextos da vida do indivíduo, até chegar a padrões que prejudicam intensamente sua vida, o que podemos considerar um nível grave de dependência. Mesmo o paciente tratado e em determinado momento “abstinente” do uso de determinada substância ainda é dependente químico, embora não esteja dependente de uma substância específica naquele exato momento. A equipe que acompanha o dependente químico, deve estar atento a esse padrão de consumo, a partir dessa observação elaborar um plano de tratamento que atenda às necessidades específicas daquele paciente e não utilizar um modeloque chamamos de tamanho único. Devem-se evitar posições radicais, não diagnosticando o paciente à luz dos critérios diagnósticos puramente, mas compreendendo os sistemas diagnósticos à luz do paciente que temos à nossa frente e de sua história, pois a partir desse olhar, o planejamento do tratamento será orientado de forma singular a partir das hipóteses levantadas. Comorbidades Psiquiátricas “Pedras no caminho? Guardo todas. Um dia vou fazer um castelo…” Fernando Pessoa Pontos chaves Comorbidade compreendida como a incidência de duas patologias durante o mesmo curso do adoecimento; Teorias desenvolvidas objetivando com intuito de explicar a co-ocorrência dos transtornos relacionados ao uso de substâncias e dos transtornos mentais; Complexidade na construção do diagnóstico entre duas patologias, devido à inespecificidade dos sintomas ou o fato de ser comum tanto para o quadro produzido pela substância (ou pela falta dela) quanto para um quadro primário. 28 Comorbidade é compreendida como a ocorrência de uma patologia qualquer em um individuo já portador de outra doença, com potencialização recíproca entre elas, apresentando capacidade em alterar a sintomatologia, interferindo no diagnóstico, tratamento e prognóstico da primeira doença. No que se refere aos transtornos mentais, o consumo de substâncias psicoativas aumentam a chance do surgimento de outros transtornos, podendo mimetizar, atenuar ou piorar os sintomas físicos, cognitivos, emocionais ou comportamentais de outros transtornos psiquiatricos, tecendo assim certa complexibilidade na construção do diagnóstico. Vista a complexidade na compreensão do surgimento da doença secundária (comorbidade) ou das associações entre duas doenças, ou seja, na tentativa em explicar os principais transtornos associados ao consumo de substância e o impacto dos quadros comorbidos, foram desenvolvidas varias teorias objetivando os principais motivos pelos quais o uso de drogas e dos transtornos mentais geralmente co-ocorrem. Dentre as teorias criadas, temos as seguintes: Na Hipótese da etiologia comum, o transtorno primário e o comórbido seriam apresentações da mesma doença em formas e estágios diferentes resultantes de fatores extrínsecos e intrínsecos associados a uma predisposição genética. Já na Hipótese bidirecional, a presença de um determinado transtorno resultaria no surgimento de outro, ambos se influenciando durante seus cursos. O surgimento do primeiro transtorno causaria fragilidades (vulnerabilidades), facilitando o surgimento do segundo. Hipótese da etiologia comum; Hipótese bidirecional; Hipótese do uso de substâncias secundário ao transtorno psiquiátrico; Hipótese do transtorno psiquiátrico secundário ao do uso de substâncias. 29 Na Hipótese do uso de substâncias secundário ao transtorno psiquiátrico, a condição psiquiátrica causaria sofrimentos que seriam atenuados pelo uso de substâncias, na tentativa de produzir melhoras nos sintomas apresentado pelo transtorno psiquiátrico. Observa-se que na Hipótese do transtorno psiquiátrico secundário ao do uso de substâncias, relata que o consumo da substância antecede o surgimento da doença psiquiátrica. Principais Comorbidades associadas Esquizofrenia Segundo a Classificação internacional de doenças – 10º edição (CID-10), esse transtorno é caracterizado por distorções do pensamento e da percepção, sem mudanças do nível de consciência, e pela presença de afeto embotado ou inadequado. Inicialmente, não ocorrem alterações intelectuais, mas estas podem surgir no decorrer da evolução da doença. A esquizofrenia é uma patologia complexa, crônica e com dificuldades de tratamento próprias, que são exacerbadas quando associadas a quadros de consumo abusivo/dependência de substâncias, ocasionando piora na evolução em comparação com pacientes que não apresentam tal comorbidade. Nota-se que o uso de substâncias associados à esquizofrenia, pode estar atrelados Na tentativa de minimizar os sintomas da doença e os efeitos colaterais dos remédios utilizados; em pacientes suscetíveis, o consumo abusivo de substâncias propiciaria o surgimento da patologia ainda não desperta; ou, por fim, não existiria relação causal entre estas, mas uma coincidência no surgimento dos dois transtornos por apresentarem semelhanças quanto à idade de instalação e à prevalência. Depressão Segundo a CID-10 são caracterizado por humor deprimido, perda do interesse e do prazer e energia reduzida, que resulta em diminuição de atividade, em virtude de maior fatigabilidade. Outros sintomas importantes são: 1. Redução da concentração e da atenção; 2. Redução da autoconfiança e da autoestima; 30 3. Idéias de inutilidade e culpa pessimismo acerca do futuro; 4. Idéias que podem levar a atos autolesivos ou ao suicídio; 5. Alteração de sono; 6. Apetite diminuído. O diagnóstico é feito com a sintomatologia apresentada, envolvendo dois dos sintomas principais e pelo menos dois dos seis itens anteriores por um período mínimo de duas semanas. Observa-se que a droga mais freqüentemente associada ao quadro depressivo é o álcool. Em geral, a depressão antecede o surgimento da dependência do álcool, principalmente em mulheres, porém, na maioria das vezes, é muito difícil determinar o transtorno primário e o secundário, visto que há interferência entre os transtornos depois de instalada a comorbidade. A importância do diagnóstico está em determinar se os sintomas apresentados pelo paciente fazem parte da depressão ou se estão relacionados com o consumo de álcool. É necessária abstinência de pelo menos duas semanas para que seja realizado o diagnóstico, quando, então, os sintomas podem persistir ou haver remissão total do quadro depressivo, mesmo sem a utilização de antidepressivos. Transtorno bipolar O transtorno afetivo bipolar é caracterizado por repetidos episódios de perturbação do humor e dos níveis de atividade, que ocasionalmente estarão relacionados com o aumento da atividade e da energia e com a elevação do humor e, outras vezes, apresentarão redução de energia e atividade com humor rebaixado. A recuperação entre os episódios é completa e tem incidência igual para ambos os sexos, podendo ocorrer em qualquer idade, de crianças até idosos. Os episódios depressivos tendem a durar por volta de seis meses e os quadros de mania duas semanas a quatro meses. O Transtorno Bipolar do humor costuma ser associado ao consumo de drogas/álcool com piora no prognóstico, com maior número de episódios e internações, sendo estas mais prolongadas, além de levar à maior risco de suicídio. No consumo de cocaína há produção de sintomas semelhantes aos dos quadros de hipomania/mania, como agitação, disforia, aumento de energia, pensamento acelerado e grandiosidade, que, contudo, ficam limitados à ação da droga e surgem após consumo recente. 31 Nota-se que as substâncias que estimulam o sistema nervoso central, possuem tendência em produzir, mimetizar e perpetuar um quadro maníaco. Já nos episódios depressivos, observa-se que o consumo de álcool pode aumentar em 15%. Já nos quadros de mania, esse aumento pode ser ainda mais significativo, de cerca de 25%, tornando o diagnóstico das doenças afetivas ainda mais difícil por apresentarem vários sintomas em comum com os quadros relacionados com a substância. Transtornos de ansiedade Alguns estudos indicam que um terço dos alcoolistas apresenta um quadro significativo de ansiedade, com evidências de que 50 a 67% dos alcoolistas e 80% dos dependentes de outras drogas têm sintomas que se assemelham aos do transtorno de pânico, dos transtornos fóbicos ou do transtorno de ansiedade generalizada. Os quadros ansiosos são comumente associados aos transtornos por consumo de drogas. Essa estreita relação pode ser explicada pelo fato deas drogas psicoativas, de modo geral, causarem sintomas de ansiedade por intoxicação com drogas estimulantes do sistema nervoso central ou por um quadro de abstinência a depressores deste sistema. Outras drogas perturbadoras do funcionamento do sistema nervoso central, como a maconha, também podem produzir efeitos como ansiedade, com quadros de pânico transitório. Transtorno de déficit de atenção e hiperatividade Esse grupo de transtornos caracteriza se por início precoce podendo ser feito na idade adulta, comportamento hiperativo, com desatenção marcante (julgadas com referência as normas apropriadas do desenvolvimento) e falta de envolvimento persistente nas tarefas, além de conduta invasiva nas situações e persistência na duração dessas características de comportamento. Pesquisas associando a esse transtorno e os usos de substâncias têm revelado alto grau de sobreposição e de comorbidade. Estudos prospectivos de crianças, cujos sintomas persistiram na adolescência e na idade adulta, têm demonstrado que estas estão em risco aumentado de consumo abusivo de substâncias, o qual se torna ainda maior se associado a Comorbidades com outras entidades psiquiátricas, como transtorno de personalidade antissocial. 32 Ratto e Cordeiro (2018) relatam que cerca de 33% dos adultos com TDAH têm problemas relacionados com consumo abusivo/dependência de álcool e drogas, entre as quais a maconha é a mais comumente utilizada, seguida de estimulantes e cocaína. O consumo de álcool nessa população, segundo estudo recente, tem representativa prevalência: cerca de 38% das pessoas que apresentaram TDAH na infância. Transtornos de personalidade Segundo o CID-10, são perturbações graves da constituição caracterológica e das tendências comportamentais do indivíduo, ou padrões de comportamentos mal adaptativos e desvios significativos da norma cultural do modo de pensar, sentir, perceber e, particularmente, de se relacionar com os outros. Esses transtornos tendem a surgir no final da infância ou adolescência, mas o diagnóstico antes dos 16 ou 17 anos de idade talvez seja inapropriado. Dentre os transtornos de personalidade com maior prevalência durante no uso de substâncias, destacam-se o Transtorno de personalidade antissocial e transtorno de personalidade borderline. Nota-se que muitos estudos têm documentado a prevalência de transtornos de personalidade e uso de substâncias. A presença de um transtorno de personalidade pode modificar os sintomas apresentados, a resposta terapêutica e o curso da dependência. Transtornos alimentares Anorexia nervosa É um transtorno caracterizado por determinada redução de peso, induzida e/ou mantida pelo paciente, mais comum em adolescentes e mulheres jovens. Sendo necessários os seguintes critérios para o diagnóstico desse transtorno: O peso corporal é mantido 15% abaixo do ideal; Autoimagem distorcida; Ocorre um transtorno endocrinológico generalizado, com várias alterações manifestadas em mulheres, como amenorréia, e em homens, como diminuição de interesse e potência sexuais. Bulimia nervosa 33 É um quadro caracterizado por repetidos ataques de ingestão de grandes quantidades de alimentos com preocupação excessiva relacionado ao peso corporal. Pode ser seqüela da anorexia nervosa (mas o inverso também pode ocorrer) e sua incidência tende a ser semelhante quanto à idade e ao sexo, porém, é um pouco mais tardia. Os critérios diagnósticos para a bulimia nervosa são: Preocupação persistente com o comer e desejo irresistível de comida; Para tentar neutralizar os efeitos de engorda dos alimentos, o paciente auto induz vômitos, abusa de purgante, tem períodos de inanição e utiliza drogas anorexígenas. No caso de pacientes diabéticos, observa-se a negligência no tratamento com a insulina; Existe um medo acentuado em engordar, gerando um limiar de peso, estabelecido pelo próprio paciente, bem abaixo do que se consideraria saudável na opinião de um médico. Diagnóstico Segundo Ratto e Cordeiro (2018) as dificuldades encontradas na realização do diagnóstico estão circunscritas a inespecificidade dos sintomas ou o fato de serem comuns tanto para o quadro produzido pela substância (ou pela falta dela) quanto para um quadro primário. Porém, um tratamento adequado só será possível após um diagnóstico mínimo. Para tanto, podem ser utilizados: anamnese e exames clínicos adequados, questionários padronizados, dados do prontuário e entrevistas aos profissionais que atendem ou atenderam o paciente, entrevistas familiares, análise de amostras de urina e cabelo. Por se tratar de uma população com diferente apresentação de sintomas e evolução, muitos dos tratamentos propostos para pacientes sem comorbidade se mostram impróprios para os que recebem esse diagnóstico. Muitos programas têm sido propostos para auxiliar na conscientização da necessidade de abstinência, adesão ao tratamento e reorganização de redes sociais. Existe uma gama de programas propostos para esses pacientes. Alguns serviços seguem o modelo dos 12 passos dos Alcoólicos Anônimos (AA) e outros oferecem lares abrigados, entre outras opções, porém, nenhum destes se mostrou superior. Nota-se que devido à complexibilidade do tema, alguns tópicos importantes devem ser observados durante a implementação da estratégia mais eficaz durante o tratamento: 34 A abordagem deve ser integrada e com o uso de estratégias de manejo biopsicossocial; Deve haver sinergismo, melhorando o quadro psíquico comum ao quadro de consumo abusivo de substâncias, e redução do risco de recaídas, melhorando a qualidade de vida. Segundo a Associação Brasileira de Estudos de álcool e outras drogas (ABEAD) a melhor abordagem no tratamento de pacientes com Comorbidades devem contemplar a integralidade, visando o tratamento em conjunto de ambas as patologias com abordagens que possam aumentar a adesão e programas psicoeducacionais para atendimento familiar. Deve-se levar em conta a interação do estágio de motivação para o tratamento do transtorno relacionado a uso de substâncias psicoativas e para outra patologia comórbida. Nota-se a importância da utilização de tratamento medicamentoso na fase de desintoxicação e fase inicial do tratamento, o uso de técnicas psicossociais e atendimento familiar e bem como o acompanhamento psiquiátrico. Poliusuários “A arte de ser sábio é a arte de saber o que ignorar”. Anônimo Pontos chaves O uso de mais de uma substância é REGRA para o conceito de policonsumo. A associação de várias substâncias, seja simultânea ou seqüencial, pode produzir sinergia de seus efeitos e apresentações clínicas atípicas. A compreensão do policonsumo auxilia no estabelecimento de intervenções terapêuticas adequadas. O policonsumo de substâncias psicoativas pode ser definido como o consumo concomitante ou consecutivo de diferentes drogas lícitas e/ou ilícitas. O uso de múltiplas substâncias é um padrão que atualmente se constitui mais em regra do que em exceção. A abrangência do termo permite, porém, que diferentes tipos de uso possam ser considerados nessa categoria. Dessa maneira, o poliuso de substâncias pode ser definido sob alguns 35 parâmetros, vistos a seguir. Padrão de poliuso simultâneo é o uso de duas ou mais substâncias em um intervalo de tempo curto o suficiente para que haja interação entre os diversos efeitos psicoativos. Nessa situação, os efeitos de uma substância podem atenuar os efeitos desagradáveis de outra, ou ainda prolongar o efeito de outra substância. Nota-se que o uso das substâncias normalmente inicia-se na adolescência, na qual os usos dessas substâncias costumam ser lícitas, a saber, álcool e tabaco. A evolução para poliuso na adolescência está associada, entre outros fatores, a dificuldades sociais e pouca continência familiar, podendo ser um fator indicativode maior gravidade e maior chance de desenvolvimento de dependência. Nessa fase ocorre o desenvolvimento neuronal do sistema límbico do córtex pré-frontal, com aprimoramento das funções executivas. O controle da impulsividade nessa fase é precário devido a um de desequilíbrio natural entre o desenvolvimento de vias inibitórias e estimulatórias. Um dos princípios mecanismos neurobiológicos da dependência envolve o lobo frontal e o sistema límbico, que tem seus circuitos neuronais alterados com a mediação principalmente dos neurotransmissores, tais como: dopamina, serotonina e norepinefrina. Sendo assim as substâncias podem ser classificada em três classes em relação a sua ação principal no sistema nervoso central: depressoras (álcool, sedativos, hipnóticos, solventes, opioides), estimulantes (nicotina, cocaína/crack, anfetaminas, anfetaminícos) e perturbadoras (maconha e outros canabinoides, anticolinérgicos, alucinógenos naturais e sintéticos). Nessa compreensão, podemos discorrer que a associação de substâncias da mesma classe produz sinergismo de seus efeitos, tanto na intoxicação quanto na exarcebação dos quadros de abstinência. Já a associação de classes diferentes pode produzir metabólicos ativos e tóxicos, alem de apresentações clínicas atípica. Uma pesquisa nacional realizada em 2015 com estudantes entre 13 e15 anos abordou componentes de riscos ente jovens. Os resultados mostraram que o percentual de jovens que já experimentaram bebidas alcoólicas subiu de 50,3% em 2012, para 55,5%, em 2015; já a taxa dos que dos que usaram drogas ilícitas aumenta de 7,3 para 9% no mesmo período. A associação Cocaína/crack e Álcool são bastante prevalentes. Na combinação da cocaína co o álcool os níveis plasmáticos de cocaína e norcocaína reduzem as concentrações de benzoilecgonina e induz a síntese de cocaetileno, que tem alta taxa de distribuição no cérebro/sangue, com meia vida plasmática 3 a 5 vezes maior do que a da cocaína. O 36 cocaetileno possibilita o aumento da duração dos efeitos de euforia, com maior dano renal, cardíaco e no sistema nervoso central. Além disso, os efeitos desagradáveis da abstinência recente de cocaína e crack, denominada crash, são atenuados pelos efeitos do álcool. A ação do cocaetileno sobre a inibição da recaptação de dopamina é mais intensa do que a de cocaína, assim como as ações serotonérgicas. Isso resulta na intensificação dos efeitos psicoativos quando cocaína e álcool são utilizados juntos. As ações do álcool envolvendo as vias dopaminérgicas, a atividade do ácido gama-aminobutírico (GABA principal neurotransmissor inibitório), o aumento da concentração de dopamina e endorfina no nucleus accumbens, ativando as vias mesolímbicas, somadas à inibição da função do receptor de Glutamato, produz uma euforia inicial que é identificada como um dos mais importantes facilitadores (“gatilhos”) para o uso da cocaína, havendo altos índices de comorbidade para abuso das duas drogas. O álcool também atenua a hiperatividade causada pela intoxicação por cocaína, levando muitos dos usuários ao uso seqüencial. No consumo seqüencial ou combinado de Cocaína/Crack e Cannabis, nota-se que esta mescla empregada pelos os usuários é com a finalidade de diminuir a fissura e os efeitos ansiogênicos causados pelo crack. Uma vez atenuada à fissura, o comportamento compulsivo de busca pela droga, torna-se mais controlável, permitindo ao indivíduo uma possibilidade de descontinuar seu uso e tentar retornar as suas atividades diárias. Na Cocaína e Opioides, cerca de 90% dos dependentes de heroína fazem uso regular de cocaína, sendo essa combinação ainda pouco freqüente no Brasil. Um dos mecanismos de ação dos opioides consiste na ativação dopaminérgica do sistema mesolímbico. Tanto a heroína quanto a cocaína exercem efeitos sobre os neurônios dopaminérgicos do nucleus accumbens, no qual ocorrem o reforço positivo e o comportamento de busca pela substância, facilitando o uso associado. A cocaína ameniza os efeitos da abstinência de heroína, o que contribui para aumentar a prevalência de uso concomitante. Uma das conseqüências e um dos indicadores da gravidade da dependência é o comportamento de busca pela droga: os dependentes de heroína que usam cocaína apresentam maior exposição a riscos, tanto por envolvimento com a criminalidade. Nas MDMA e outras substâncias psicoativas, o MDMA, conhecido também como ecstasy, substância que exerce efeitos perturbadores e estimulantes no sistema nervoso central, apresenta efeitos serotonérgicos potentes, e o seu uso concomitantemente com outras substâncias (álcool, maconha e cocaína) pode potencializar riscos de intoxicações. 37 O uso simultâneo de MDMA e etanol mostraram prejuízos nas funções executivas, como atenção e memória. A percepção subjetiva desse prejuízo, porém, foi bem menor em indivíduos que usaram MDMA e álcool se comparados aos que usaram apenas álcool. Os usuários de MDMA costumam fazer uso de diversas substâncias de forma concomitantes, sendo a principal associação é do álcool com benzodiazepínicos, com uso da maconha comum também nesse grupo, que intensifica os sintomas (efeitos) e aumenta o tempo de intoxicação do MDMA. A associação da maconha e MDMA podem causar falhas na memória e aumentar a chance de desenvolvimento de transtornos neuropsiquiátricos. O uso concomitante de MDMA e outros estimulantes também ocorrem com relativa freqüência, embora menor se comparado ao uso concomitante de álcool e maconha. Tanto o MDMA quanto a cocaína e as anfetaminas exercem efeitos estimulantes sobre o sistema nervoso central, por isso o uso concomitante em princípio acentua os efeitos estimulantes de ambas as substâncias. Também eleva o risco de desenvolvimento de dependência. Nota-se que o aumento da sociabilidade, um efeito típico do MDMA, é atenuado pelo uso simultâneo de cocaína. Há, ainda, um aumento do risco de desenvolvimento de sintomas paranoide e alterações de humor, principalmente mania e hipomania, durante a intoxicação. Nota-se que o poliuso de substâncias expõe o usuário a riscos consideráveis. O sujeito tende apresenta maior comprometimento no funcionamento laboral, social e afetivo, além de maiores taxas de abandono do tratamento. Para que a evolução no tratamento aumente, a abordagem terapêutica deve ser realizada sob perspectiva multidisciplinar, atentando para as particularidades do sujeito, e um olhar investigativo no padrão de consumo de substâncias nos diferentes contextos de atendimento, tendo também, associado a avaliação de fatores favorecedores do poliuso e mapeamento das conseqüências físicas, psíquicas e sociais decorrentes do uso. Portanto, o profissional da saúde que se depara com um usuário de múltiplas substâncias deve estar atento a diversos graus de gravidade e atipicidade na apresentação clínica dos quadros. Em suma, o poliuso de substâncias psicoativas é um fenômeno freqüente entre os usuários, em especial entre os que apresentam transtornos relacionados ao uso de drogas, uso nocivo ou dependência. O padrão é variável, assim como as razões que levam o indivíduo a usar múltiplas substâncias, tendo destaque ação neurobiológica da associação das substâncias, aspectos psíquicos e contexto em que está inserido o usuário. 38 Módulo III – Drogas específicas de abuso e dependências. Drogas Lícitas Álcool “Álcool: princípio essencial de todos os líquidos que fazem o homem ficarem com o olho negro”. Ambrose Bierce Pontos chaves Fatores para compreensão da dependência do álcool Morbidades causadas pelo Álcool Transtornos psiquiatricos decorrentes do consumo do álcool. O álcool é um, depressor do sistema nervoso central que, dependendo da quantidade ingerida, causa leve euforia e progressiva sedação, propriedades afrodisíacas. Seu mecanismo de ação atua nos neurotransmissores GABA e noGlutamato, também, segundo estudos científicos recentes, monoamina e do transportador de monoaminas pré-sinápticos. O uso do álcool vem permeando a história da humanidade. Observam-se evidências de consumo desde os tempos pré-biblicos, enviesado pela cultura e costumes da época. O conceito de beber como nocivo começou a ser vinculados a uma condição médica somente após a revolução industrial, meados do século 19, onde as bebidas até então consumidas eram predominantes (vinho e alguns tipos de cerveja) fermentadas. Nota-se, que a partir da revolução industrial a produção de bebidas fermentadas começou a ser produzidas em larga escala, diminuindo seu custo de acesso, e com conseqüente aumento no consumo. Além do aumento da produção, a destilação dos fermentados começou a ser implementada com técnica para aumentar a concentração alcoólica das bebidas. Somando-se todos esses fatores com o fator histórico da urbanização, os perfis das relações sociais começaram a se modificar, aumentando o número de pessoas que passaram a consumir o álcool. O ato de beber é estimulado na maioria dos países do mundo. No Brasil não há política publicas reguladoras do consumo, o que torna o acesso fácil e de baixo custo. Estudos epidemiológicos enfatizam que o consumo de bebidas alcoólicas no Brasil entre os jovens é um importante problema de saúde de pública. O beber em Binge, quando o individuo ingere grandes quantidades de álcool em curto espaço de tempo (homens 5 doses, mulheres 4 doses, 39 em ocasião única, em um período de 2 horas), tem mostrado si um aumento significativo de 31,1% entre os anos de 2006 a 2012. O consumo de álcool é medido por um conceito denominado unidades de álcool. Cada unidade da substância equivale a 10 gramas de álcool puro. Para obter as unidades equivalentes, é necessário multiplicar a quantidade de bebida por sua concentração alcoólica. Na prática, há dificuldades de obter esses valores com precisão, uma vez que existem variedades de bebidas com diferentes apresentações alcoólicas, as quais nem sempre são condizentes ou reveladas no rótulo. Como entender quando o uso do álcool apresenta baixo risco para a pessoa que consome? Para compreender este aspecto, é necessário o entendimento das unidades de álcool. Esse aspecto é calculo através de uma fórmula, como por exemplo, de uma pessoa que bebe três doses de uísque por dia, é preciso considerar os seguintes aspectos: cada dose de uísque tem em média 50 mL, logo, essa pessoa estaria ingerindo 150 mL de uma bebida alcoólica destilada cuja concentração é aproximadamente 40%. Observe a fórmula do cálculo: Imagem: Livro Dependência Quimica, prevenção, tratamento e política públicas. Se uma unidade de álcool equivale a 10 gramas de álcool puro, isso significa que a pessoa do exemplo ingeriu 60 gramas de álcool. Ao longo da semana, essa pessoa ingeriria 42 unidades de álcool, ultrapassando, em grande escala, a faixa do beber de baixo risco. 40 Imagem: Livro Dependência Quimica, prevenção, tratamento e política públicas É consenso entre especialistas que não existe consumo de álcool isento de riscos. Portanto o uso do álcool está associado a diversos problemas, mas qual seria a quantidade de consumo necessária para que isso ocorra? Apesar de essa ser uma questão bastante polêmica entre os estudiosos do assunto, está questão não é claramente respondida. Observa-se na literatura que existe um nível de consumo associado a baixo risco de desenvolver problemas. Esse consumo é diferente para o gênero masculino 21 unidades de álcool no período de uma semana, e para o feminino 14 unidades de álcool também no período de uma semana. A dependência do álcool deve ser entendida como uma doença de caráter biopsicossocial, que se instala por meio de um processo que decorre ao longo de um continuum de uso de bebia alcoólica. Esse consumo pode passar por um padrão de uso de baixo risco, uso nocivo, dependência Leve, dependência moderada e dependência grave, sendo complexo a definição da passagem de um estágio para o outro. De acordo com pesquisas realizadas por Edwards Griffith, existem fatores que estão presentes na síndrome de dependência, nos quais são: estreitamentos do repertório, síndrome de abstinência, alívio dos sintomas da síndrome de abstinência pelo uso, fissura ou craving, evidências de tolerância, saliência do comportamento de busca e reinstalação da síndrome de dependência depois de recaída. Com o consumo crônico do álcool pode-se evidenciar distúrbios físicos por meio de efeitos diretos e indiretos com significativa morbidade nesta população. A identificação dos problemas físicos é fundamental para avaliar a gravidade da situação a fim e promover estímulos que possam influenciar no comportamento de beber. O consumo é muito perigoso com repercuções na saúde física do dependente. Dentre as possíveis morbidades podemos elencar as seguintes: Distúrbios Gastroenterológios; 41 Distúrbios musculoesqueléticos; Distúrbios endócrinos; Câncer; Doenças cardiovasculares; Doenças respiratórias; Distúrbios metabólicos; Distúrbios hematológicos; Distúrbios no sistema nervoso central e periférico; Síndrome fetal alcoólica; Doenças dermatológicas; Supressão do sistema imunológico; Alterações no funcionamento sexual. Além das morbidades físicas aqui apresentadas, alguns transtornos psiquiátricos podem decorrer do uso do álcool, tais como: intoxicação alcoólica aguda, síndrome de abstinência do álcool, convulsões, Delirium tremes, alucinose alcoólica, Transtorno psicótico delirante induzido pelo álcool, intoxicação patológica, Depressão, suicídio, hipomania, ansiedade, danos ao tecido cerebral, ciúme patológico. Para elucidar uma maior compreensão das complicações psiquiátricas, descreveremos as características principais desses transtornos. A intoxicação alcoólica aguda é uma condição clinica passageira oriunda da ingestão aguda de bebidas alcoólicas, com produção de alterações como: embriaguez leve a anestesia e coma, inconsciência em alguns casos, depressão respiratória e, mais raramente a morte. É importante salientar que é pouco provável que uma dose excessiva ponha em risco a vida do dependente em virtude da tolerância desenvolvida ao álcool. A manifestação sintomatológica da intoxicação aguda pelo álcool inclui comportamento sexual inadequado, agressividade, labilidade do humor, diminuição do julgamento critico e funcionamento social e ocupacional prejudicados. A síndrome de abstinência do álcool é um conjunto de sintomas que se manifestam quando as pessoas que bebem excessivamente diminuem ou param. Partindo da gravidade do diagnóstico, é possível classificar o comprometimento em leve/moderado e grave. Considera- se também na avaliação do diagnostico os aspectos biológicos, psicológicos e sociais na definição dos níveis de comprometimento do paciente e o correspondente tratamento a que este deverá ser submetido. O tratamento farmacológico pode incluir flumazenil e naloxona, 42 sendo de inteira responsabilidade do médico a avaliação clínica e a subseqüente terapia medicamentosa de acordo com a necessidade do caso. Vejamos os sinais e sintomas da síndrome de abstinência do álcool (SAA) e encaminhamento terapêutico: Imagem: Livro Aconselhamento em Dependência Química (2018). Nas convulsões, a maioria das crises é do tipo Tônico-clônica generalizada. São uma manifestação precoce da SAA, ocorrendo até 48 h após a interrupção do uso de álcool, sendo associadas à evolução para formas graves de abstinência. Já no Delirium Tremes, forma mais grave de abstinência, seu início é geralmente entre 1 a 4 dias após da interrupção do uso de álcool, com duração de ate 3 a 4 dias. Sua manifestação sintomatológica inclui rebaixamento do nível da consciência com desorientação,alterações sensoperceptivas, tremores e sintomas autônomos como: taquicardia elevação da pressão arterial e temperatura corporal. O tratamento farmacológico pode incluir diazepam ou lorazepam nos casos de hepatopatia grave, haloperidol, sendo da responsabilidade do médico prescrever a melhor medicação de acordo com as particularidades do caso. Na Alucinose Alcoólica, a alucinação auditiva é típica após o consumo excessivo do álcool, sendo uma complicação da abstinência alcoólica. As alucinações são vividas, de início agudo e costumam ocorrer e cenário de clara consciência, que ocorrem de forma geral, após 48 horas após a interrupção do consumo, com remissão dos sintomas após algumas semanas. 43 Sua manifestação clínica é: ansiedade e agitação. Não deve ser confundida com o delírio tremes, deve ser excluído antes de se fazer esse diagnóstico. No Transtorno Psicótico delirante induzido pelo álcool, o paciente desenvolveu delírios paranoide ou grandiosos no contexto de uso pesado, sem manifestações de confusão ou obnubilação da consciência. Segundo a literatura, parece não haver qualquer associação co a esquizofrenia. Na Intoxicação patológica, o comportamento agressivo freqüentemente violento é de inicio súbito não tipo do individuo quando sóbrio, podendo se manifestar logo após a ingestão de pequenas quantidades de álcool, promovendo classicamente uma amnésia para o evento. No transtorno depressivo, hipomaniaco e ansiedade, é necessária uma avaliação clínica apurada, buscando na história da doença atual e do indivíduo a coexistência desses transtornos, que estão consideravelmente associados ao consumo do álcool, para assim poder estabelecer as estratégias terapêuticas mais assertivas para o paciente. Por fim, além dessas complicações já descritas, os comprometimentos sociais são perceptíveis em dependentes de álcool. Identificar os problemas sociais irá auxiliar no planejamento de estratégias e intervenções, a fim de promover um bom prognóstico. Nicotina “Um café, cigarro um trago. Um dia vamos pagar por isso.”. Cleber Guilherme Pontos chaves Entendimento que o tabagismo é uma doença crônica, porém passível de tratamento. Uma avaliação inicial deverá abordar aspectos da história do tabagismo, comorbidade psiquiátricas e clinicas, bem como a utilização de questionários e inventários. O tratamento é singular e individualizado contemplando as especificidades de cada paciente. O tabagismo é uma pandemia com as principais causas de morte evitável no mundo. De acordo com a organização mundial de saúde (OMS), estima-se que um terço da população mundial adulta, seja fumante. No Brasil, as taxas prevalentes são inferiores aos países 44 vizinhos quanto ao uso de tabaco durante a vida, o que não descarta um estado de alerta para as complicações causadas pelo consumo do tabaco na população brasileira. O termo “tabagismo” pode ser utilizado para denominar o consumo de qualquer produto derivado do tabaco. O cigarro industrializado é a forma de consumo de tabaco mais prevalente na sociedade brasileira. Porém, vale ressaltar que o tabaco pode ser usado de diversas maneiras de acordo com sua forma de apresentação: inalada (cigarro, charuto, cigarro de palha, narguilé), aspirada (rapé), mascada (fumo-de-rolo). Há uma falsa crença entre os usuários que outros produtos derivados da folha do tabaco que não cigarros industrializados oferecem menos risco à saúde. O tabaco usado para produzir cigarros é ácido, e, por isso, o fumante precisa tragar para que a nicotina seja absorvida nos pulmões; já o tipo de tabaco usado para cachimbo e charuto é alcalino, permitindo que a nicotina seja absorvida pela mucosa oral. Isso explica por que os fumantes destes dois últimos não têm tanta necessidade de tragar o fumo para se satisfazer. No entanto, em todos os casos, há absorção de substâncias, como alcatrão, nicotina e monóxido de carbono, entre outras, aumentando as taxas de mortalidades entre os usuários. Pensando em termos neurobiológicos, o mecanismo de ação da nicotina age diretamente nos receptores colinérgicos nicotínicos na ATV, aumentando o ritmo cardíaco, que pode causar hipertensão arterial, agregando plaquetas e aumentando o depósito de colesterol. O tabagismo é um fator de risco com mais de 50 doenças relacionados ao uso do tabaco, no qual podemos citar: doenças cardiovasculares, acidente vascular cerebral, cânceres, doença pulmonar obstrutiva crônica, aterosclerose, hipertensão arterial, leucemia, úlcera hepática entre outras. O consumo do tabaco, tem se tornado cada vez maior, com seu inicio em idades mais precoce. A indústria do cigarro, conhecedora do potencial de mercado, direciona seu marketing principalmente aos jovens, bem como para mulheres o que destaca sérias complicações a saúdes dessas populações bem como uma incidência maior de possíveis óbitos. 45 Como realizar o diagnóstico do consumo de tabaco sendo que há uma relutância por parte do fumante, e serviços de saúde que não possuem uma equipe técnica treinada para detectar o paciente de risco quando este busca tratamento? Todos os usuários de tabaco que buscam os serviços de saúde deveriam ser orientados a interromper o uso devido aos riscos e complicações que esta substância pode causar na saúde física do indivíduo. Para orientar essa investigação, podemos incorporar nos atendimentos duas perguntas de suma relevância: Qual seu consumo diário de tabaco? Você acredita ter problemas associados a esse consumo? A avaliação é parte fundamental da abordagem ao fumante. A partir dela podemos definir qual tratamento é mais adequado para o momento em que se encontra o paciente. Pensando nesta avaliação inicial devemos investigar alguns tópicos que são de suma importante para o delineamento do tratamento: buscar compreender a história do tabagismo, tentativas anteriores de tratamento, complicações clínicas, Comorbidades psiquiátricas, grau de motivação, qual o tipo de apoio familiar existente no ciclo familiar do paciente (sabotadores e/ou pessoas que possam o ajudar). Após esta avaliação inicial é fundamental dar feedback para o paciente sobre sua avaliação e sobre as possibilidades disponíveis para ajudá- lo. Para a avaliação torna-se mais completa podemos incluir questionários, escalas, inventários desenvolvidos para avaliar e diagnosticar a gravidade do consumo do tabaco. Na prática clínica o questionário de Fagerström é consideravelmente utilizado a fim de mensurar o grau de dependência de nicotina. DICA: Questionário Fagerström encontra-se no anexo dessa apostila 46 Outro critério que poderá auxiliar a avaliação da gravidade de consumo é o tempo decorrido entre o despertar e o uso do primeiro cigarro do dia. A maioria dos usuários acende o cigarro na primeira hora de vigília, denotando uma dependência maior. As diretrizes diagnósticas do CID-10 e do DSM-V podem ser utilizadas para fazer o diagnóstico da dependência. Mas como compreender que o uso de nicotina tornou-se um sinal de alerta para um possível diagnóstico de dependência? Segundo a OMS (1997), três ou mais características descritas abaixo, por um período de um ano configura a dependência. Vejamos- eles: Forte desejo ou senso de compulsão para consumir a substância; Dificuldade em controlar o comportamento de consumir a substância em termos de seu início, término ou níveis de consumo; Estado de abstinência fisiológico quando o uso da substância cessou ou foi reduzido, como evidenciado por síndrome de abstinência característica para a substância ou uso da mesma substância (ou de uma substância intimamente relacionada) com a intenção de aliviar ou evitar sintomas de abstinência; Tolerância, ou seja, o aumento das doses da substância é requerido para alcançar efeitos originalmente produzidos por doses mais baixas; Abandono progressivode prazeres ou interesses alternativos em favor de uso de substância, aumento da quantidade de tempo necessário para obter ou tomar a substância ou para se recuperar de seus efeitos; Persistência do uso da substância, a despeito da evidência clara de conseqüências manifestamente nociva O consumo do tabaco em seu uso crônico pode trazer inúmeras complicações físicas para os usuários, como descreve Figlie, Bordin e Laranjeira (2018); Doenças cardiovasculares; Câncer; Doenças respiratórias; Doenças pulmonares; 47 Efeitos sobre o feto durante uma gestação. No tocante da absorção da nicotina, os pulmões, a mucosa nasal e bucal, a pele e o trato gastrintestinal assumem o papel de absorver essa substância no organismo. A metabolização da nicotina é feita pelo fígado, no qual é transformada em dois metabólicos inativos, sendo a cotinina o principal deles. As diferenças genéticas entre os indivíduos parecem exercer diferenças na forma da metabolização da nicotina. A sua excreção, normalmente é realizada pelos rins, a quantidade vai depender do pH da urina e alcança de 2 a 35% da eliminação total. O consumo da nicotina provoca um rápido e pequeno estado de alerta, melhorando a atenção, concentração e memória, provocando um estado estimulante rápido, semelhante aos efeitos descritos pelos usuários de cocaína/crack. Com o quadro de dependência instaurado, a interrupção do consumo pode provocar a Síndrome de abstinência. A síndrome de abstinência da nicotina, cujos sinais e sintomas estão descritos na figura baixo pode se instalar se o consumo for reduzido a 50%. Parece que quanto maior o consumo, maior a gravidade da síndrome, que pode persistir por meses, sendo iniciada 8 h após o último cigarro, alcançando o auge no terceiro dia. Fonte: West e Shiffman (2004) Além da dependência física, mensurada pelo Teste de Fagerström, devemos avaliar os aspectos psicológicos e comportamentais do consumo de tabaco. 48 De acordo com a literatura cientifica, na dependência comportamental, o fumante estabelece uma rotina, criando hábitos que se tornam gatilhos do desejo de fumar. Nesses momentos, em geral que o fumante consome o tabaco, a vontade de fumar costuma acontecer automaticamente pela lembrança do consumo naquela situação. A repetição da associação do hábito de fumar com algum comportamento gera o condicionamento. Além de prazeroso, fumar muitas vezes torna-se um amortecedor de emoções, no qual a associação de sentimentos com o cigarro gera uma dependência emocional. Vejamos os principais hábitos associados e os aspectos psicológicos do ato de fumar: Nota-se que as pessoas fumam por motivos distintos, assim como consomem quantidades diferentes de nicotina, experimentam sintomas variados de abstinência e não são semelhantes em outros aspectos, como idade, presença de Comorbidades clínicas ou psiquiátricas, grau de educação, nível socioeconômico etc. Daí a importância de tratamentos individualizados. É fundamental para o sucesso do tratamento que o paciente tenha expectativas adequadas, bem como não recorra a tratamentos que já fracassaram em tentativas anteriores. Dentre as propostas farmacológicas não nicotínicas, temos o uso de antidepressivos como a Bupropiona, Nortriptilina e Vereniclina, que são utilizados durante a síndrome de abstinência atuando, na maior parte das vezes, sob vias neurotransmissoras que participam dos mesmos mecanismos da dependência da nicotina. Já no tratamento farmacológico com nicotina, entende-se que hábito de fumar está na relação que a nicotina tem no organismo, sendo o principal reforçador desse hábito e que a utilização de fármacos com reposição de nicotina seria administrada na tentativa de diminuir 49 os sinais e sintomas da síndrome de abstinência de nicotina. Portanto a partir desse principio a utilização de adesivos e goma de nicotina seria uma das estratégias terapêuticas do tratamento da dependência da nicotina aliada a outras intervenções. Dentre os tratamentos não farmacológicos, as terapias psicossociais vêm sendo avaliadas no decorrer dos anos, visando auxiliar o paciente na interrupção do uso do tabaco em conjuntos com as terapias farmacológicas. Dentre as terapias psicossociais podemos citar: aconselhamento telefônico, materiais de autoajuda, aconselhamento médico, terapia de grupo e terapia complementar (Acumputura, hipnoterapia, exercícios físicos). Enfim, é preciso entender que a dependência de nicotina é uma doença crônica e que a recaída faz parte do processo. A relação entre os profissionais da saúde e os fumantes em tratamento deve ser sempre de muito respeito, com certa empatia para a motivação e evitando qualquer tipo de julgamento. O local de tratamento deve ser um ambiente livre de tabaco. Devemos entender que o tabagismo é passível de prevenção, no qual o esforço para evitar a iniciação ao vício e o controle social do tabaco devem ser incentivado. Porém há muitos desafios a se enfrentar no âmbito farmacológico e das invenções na dependência de nicotina que visem à efetivação e manutenção da abstinência. Opioides “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.”. Cleber Guilherme Pontos chaves Os opioides são drogas depressoras do Sistema Nervoso central. O curso é crônico, embora períodos breves de abstinência possam ocorrer. A recaída é um evento bastante comum. As intervenções farmacológicas prescritas no tratamento de dependência de opioides são: naloxona, Naltrexona, metadona e buprenorfina. O termo opioide é qualquer droga que tenha propriedades semelhantes ao ópio ou a seu princípio ativo, a morfina. Já o termo opiáceo é freqüentemente utilizado para se referir aos opioides naturais e semissintéticos. Existem também opiáceos endógenos, de ocorrência 50 natural no corpo humano, que são as endorfinas e as encefalinas – substâncias com papel de mediação do reforço positivo e do prazer nos circuitos de recompensa cerebral (Figlie, Bordin & Laranjeira, 2018). O uso de opioides pela humanidade se confunde com sua própria origem. A papoula era cultivada nas casas na antiguidade e consumida sem restrições pelas famílias. Entre os egípcios, os opioides eram utilizados inclusive na primeira infância, com a finalidade de amenizar o choro e a agitação. Apesar do uso difundido (profano ou sagrado), não há relatos médicos de dependência ou abstinência dessas substâncias entre as diversas culturas do mundo antigo. No entanto, no século 19, milhões de chineses se tornaram dependentes com a entrada dessas drogas em seu país. Do ponto de vista clinico, os opioides são drogas depressoras do SNC que também atuam em órgãos periféricos (p. ex., intestinos), devido aos seus efeitos analgésicos potentes, antitussígenos e antidiarreicos. Podem ser classificados em três tipos: opioides naturais, semissintéticos e sintéticos. Vejamos na tabela abaixo os opiodes mais conhecidos. OPIODES Opioides naturais Ópio, morfina, codeína e tebaína: são preparados a partir do ópio (em grego, “suco”), uma seiva de aspecto leitoso obtida por meio de cortes na papoula. Opioides semissintéticos Heroína, oxicodona, hidrocodona, oximorfona e hidromorfona: são obtidos por meio de alterações das moléculas dos opioides naturais. Opioides sintéticos Meperidina, fentanil, LAAM (L-α acetilmetadol ou levometadilacetato), propoxifeno e metadona: são obtidos totalmente em laboratório Os opioides podem ser administrados por vias oral (VO), nasal ou parenteral. Quando ingeridos VO, como o ópio, que pode ser comido ou bebido, e a morfina, que pode ser veiculada em comprimidos, estas drogas têm menor potencial de efeito e de adição, pois têm lenta absorção e passampelo metabolismo hepático antes de atingir o cérebro. Assim, essa forma de administração, segundo a literatura científica, é a mais vantajosa clinicamente, pois permite controlar com maior facilidade os níveis desejados da substância no sangue. Quando utilizados como droga de abuso, os opioides são geralmente injetados, aspirados ou fumados, pois assim são alcançados níveis séricos mais altos, e com maior velocidade. O uso 51 intravenoso produz os efeitos mais rápidos e mais intensos, as injeções intramusculares produzem efeitos intermediários em velocidade e intensidade, e quando inalado ou fumado, apresenta efeitos mais lentos e menos intensos, causando dependência independente da sua forma de administração. Na perspectiva neurobiológica, todos os opiáceos atuam nos mesmos receptores cerebrais. Há pelo menos cinco tipos de receptores específicos para opioides, localizados principalmente nas áreas corticais sensoriais, nas áreas corticais límbicas (amígdala), no hipotálamo e na substância cinzenta periaquedutal (receptores Mu (µ), receptores Kappa (κ), receptores Delta (δ), receptores Épsilon (ε) e receptores Rô (ρ)). Isto vale para os opiáceos endógenos e para os exógenos, sejam sob a forma de medicamentos ou como drogas causadoras de consumo abusivo. Uma vez absorvida no sangue, a maior parte da droga se concentra nos pulmões, no fígado e no baço, e uma grande parte se liga às proteínas do sangue. Na gravidez, essas drogas atravessam rapidamente a placenta e alcançam o feto. Com o uso dos opioides inicialmente o efeito é analgésico, associado a pico de euforia intensa, porém muito breve, que é o denominado rush. Este é um estado muito agradável, com forte sensação de contentamento, bem-estar e ausência de preocupações. Após isto, observa- se uma tranqüilidade profunda, que pode se manter por algumas horas. Então, iniciam se sonolência, oscilações de humor, embotamento mental, apatia e alentecimento motor. Em doses excessivas, pode ocorrer intoxicação, na qual o efeito é exclusivamente depressor da respiração, podendo induzir coma. No estado de intoxicação por uso recente de opioides, os usuários podem apresentar alterações mal-adaptativas de comportamento, com inicio entre 2 a 5 minutos após o consumo da substância, incluindo com certa freqüência uma euforia inicial, que pode persiste por 10 a 30 minutos, apresentando os seguintes sintomas: apatia, letargia, sonolência, disforia, retardo psicomotor, prejuízo do julgamento e disfunção do funcionamento social e ocupacional, que podem durar de 2 a 6 horas. Sinais neurológicos específicos costumam estar associados, tais como: miose, fala ininteligível e prejuízo da atenção e da memória. De acordo com o DSM V e CID 10 segue os critérios para o diagnóstico de intoxicação aguda: 52 Fonte: Adaptado de American Psychiatric Association (2013) e World Health Organization (1993) De acordo com estudos científicos, a associação entre a dependência de heroína e atividades ilícitas fora construída. O respaldo dessa associação está na vertente de que a heroína provoca a diminuição da inibição podendo conduzir seus usuários a se envolver em atividades nas quais normalmente não se evolveriam. O alto custo da substância e os sintomas de abstinência seriam válvulas propulsoras para a incidência do comportamento criminoso como forma de manter o uso da droga. Nos estados de abstinência, a Síndrome de Abstinência aguda inicia-se após 6 horas nos usuários de opioides de ação curta (p. ex., heroína). Já entre aqueles que usam os de ação longa (p. ex., metadona), o início é mais longo, em torno de 1 a 2 dias. A princípio, o usuário evolui com sudorese, lacrimejamento, rinorreia, bocejos, ansiedade e fissura. Os usuários dependentes de opioides queixam-se de insônia, bocejos, mialgias, artralgias, anorexia, diarréia, náuseas e/ou vômitos, cãibras e cólicas intestinais. Já a síndrome de Abstinência crônica é mais longa, podendo durar até seis meses. O quadro clínico é mais sutil, e essa síndrome está associada a possibilidades de recaídas. 53 Fonte: Adaptado de American Psychiatric Association (2013) e World Health Organization (1993). Nos casos de overdose, os usuários cursam com a tríade caracterizada por depressão respiratória, coma e miose. As características clínicas que predizem evolução para overdose são os usuários de heroína que fazem uso concomitante de outras drogas depressoras do SNC (p. ex., o álcool). Quais são os sintomas apresentados no exame físico e psíquico que podem me direcionar a uma possível hipótese de intoxicação e/ou abstinência por opiodes? No exame psíquico, o nível de consciência encontra-se rebaixado (sonolência ou coma) nos estados de intoxicação, e o humor, disfórico ou eufórico. No estado de abstinência, a irritabilidade prevalece, e o humor fica deprimido ou ansioso. O usuário fica hipervígil e agitado, relata uma avidez pelos efeitos psicoativos da droga (fissura). 54 Já no exame físico, o usuário em estado de intoxicação pode apresentar rubor facial, miose com ou sem prejuízo da acuidade visual, taquicardia, hipotensão arterial, arreflexia e prurido. No estado de abstinência, fica evidenciada presença de coriza, hiperalgesia, midríase, fotofobia, sudorese, tremor, febre, lacrimejamento e piloereção. O uso crônico de opioides injetáveis está associado à presença de veias esclerosadas com marcas de picadas nas extremidades dos membros superiores. Os usuários que inalam heroína e outros opioides podem apresentar irritação da mucosa nasal. O tratamento da intoxicação aguda é uma emergência psiquiátrica e deve receber intervenção imediata e manejo clínico adequado, garantindo ao paciente um prognóstico satisfatório. Já o paciente em coma deve ser atendido conforme protocolo clínico habitual para tal situação: avaliação do indivíduo pela escala de coma, avaliação dos aparelhos respiratórios e cardiocirculatórios, busca por sinais de traumatismo, realização de exames laboratoriais e, se possível, identificação do tipo e da quantidade de opioide utilizado. Em usuários crônicos, uma investigação mais detalhada de problemas clínicos deverá ser realizada. Nos casos de intoxicações leves requerem apenas medidas de suporte até que o paciente recupere o estado de vigília. Já nos casos graves de superdosagem, devem ser utilizados antagonistas opiáceos sintéticos, medicamentos que competem com os receptores opiáceos, possibilitando a reversão das ações agudas dessas drogas. A síndrome de abstinência de opioides tem baixa letalidade na ausência de problemas clínicos associados, embora traga muito desconforto físico e psíquico. As medidas medicamentosas e de suporte são instituídas com o objetivo de proporcionar bem estar ao paciente e prevenir complicações clínicas. O tratamento deve ocorrer em ambiente tranqüilo e iluminado, abrangendo comorbidade detectadas e provendo aporte nutricional ao paciente, bem como tratamento farmacológico que vise reduzir os sinais de hiperatividade autonômica durante a abstinência, auxiliando a desintoxicação, e medicamentos que ajudem a amenizar as dores musculares, a insônia e a inquietação, de acordo com a avaliação do médico. A meta do tratamento farmacológico da dependência de opioides consiste em possibilitar ao indivíduo a interrupção do uso da droga, de maneira gradual ou abrupta, o que deve ser definido após avaliação individualizada. 55 Fonte: Livro Transtornos relacionados a substâncias e do controle de impulsos (2016). Como parte do tratamento, as intervenções psicossociais têm como objetivos incluir uma abordagem da motivação do usuário para o tratamento, prevenção de recaída e treinamento de habilidades sociais. A terapia de grupo, terapia familiar, aconselhamento profissional, atendimento médico epsiquiátrico são outras formas interventivas aliadas no tratamento da dependência por opioides. Por fim, na dependência por opioides o curso é crônico, embora períodos breves de abstinência possam ocorrer. A recaída é um evento bastante comum. A dependência de opioides pode ter início em qualquer idade, mas dois picos de incidência sobressaem: o fim da adolescência e após os 20 anos de idade (APA, 1995). Diversas complicações clínicas podem cursar com o uso de opioides. Entre as complicações clínicas mais comuns, destacam-se endocardite, Seps, embolia pulmonar, hepatites virais e a própria HIV. As principais causas de óbitos associados aos opioides são overdose (parada respiratória), suicídio e infecções. Seqüelas neurológicas associadas a anoxia cerebral podem ocorrer se a overdose não for rapidamente revertida. Observa-se que os usuários de heroína como droga de escolha ou primária, mas que também usam outras drogas, como o crack, está mais predisposto a apresentar prejuízos em funções cerebrais executivas, sobretudo na memória, bem como na fluência e no planejamento de tarefas (Fernández-Serrano et al, 2010). 56 Estes tratamentos substitutivos são mais adequados quando realizados no contexto de um programa multiprofissional, que vise a uma abordagem ampla do paciente, com foco na abstinência e em sua manutenção. Anfetaminas “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves A definição de anfetamina refere-se a potentes estimulantes do sistema nervoso central. Atua nos sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos do sistema nervoso central. O tratamento é focado em programas de redução de danos associados à entrevista motivacional, reconhecimento de possíveis “gatilhos” associados às recaídas. As anfetaminas são potentes estimulantes do sistema nervoso central, capazes de criar dependência em razão de seus efeitos euforizantes e de sua habilidade de reduzir a fadiga e aumentar o estado de alerta. Apesar de seus efeitos capazes de causar dependência química, as anfetaminas podiam ser prescritas para fins clínicos. Atualmente, com sua venda proibida, o abuso dessas substâncias é cometido por pessoas que as conseguem de forma ilegal. São substâncias sintéticas, que além da própria anfetamina, vários outros derivados, como femproporex, metilfenidato, pemolina, mazindol, dietilpropiona e metanfetaminas fazem parte desse grupo. Os primeiros Estimulantes tipo anfetaminas (ETAs) foram sintetizados no fim do século XIX e início do século XX com finalidades terapêuticas de elevar a pressão arterial, como descongestionantes nasais e como antiasmáticos. Posteriormente, foram caracterizados como inibidores do apetite (anorexígenos). Em pouco tempo, seus efeitos estimulantes sobre o sistema nervoso central (SNC), aumento do estado de alerta, sensação de mais energia e 57 redução da fadiga, associados à inibição do apetite, tornaram-se motivadores de uso intenso pelos indivíduos (Rasmussen, 2008). Segundo a perspectiva da neurobiologia as Anfetaminas, são aminas simpatomiméticas de ação indireta, potentes estimulantes do SNC, quimicamente relacionadas a dois compostos naturais, a efedrina e a epinefrina (hormônio humano). Elas atuam estimulando a liberação de monoaminas, mais intensamente de dopamina e norepinefrina, nas sinapses neuronais e, em concentrações elevadas, podem inibir a enzima monoaminoxidase (MAO). Tais ações potencializam a Neurotransmissão dopaminérgica, noradrenérgica e também serotonérgica, sendo responsáveis pelos efeitos estimulantes do SNC: euforia e excitação, aumento da resistência, insônia, estimulação psicomotora, anorexia e efeitos psíquicos (ansiedade, depressão, sintomas psicóticos) (Rang et al, 2016). Entre os precursores dessas drogas estão à efedrina, a pseudoefedrina, descongestionantes e broncodilatadores. São produtos lícitos que podem ser usados para a produção de metanfetamina, substância ilícita. No entanto, devido a controles cada vez mais rigorosos em muitos países, os traficantes de drogas diversificam sua abordagem e fazem preparações farmacêuticas desviadas, contendo efedrina ou pseudoefedrina. As anfetaminas podem ser administradas de várias formas. A intensidade e a duração dos efeitos variam conforme a via utilizada. Seguem os tipos de administração e o tipo da substância: A via oral: anfetaminas medicamentosas (comprimidos), speed e ecstasy (tabletes e cápsulas); Via intravenosa (IV): crack, ice e cristal (cristais de metanfetamina); Via nasal: ice e cristal; Via pulmonar (“fumada”): ice e cristal. A metabolização das anfetaminas é predominantemente hepática; sua eliminação é renal, sendo excretados na urina na sua forma inalterada. Os efeitos são imediatos se a droga for injetada ou fumada, durando cerca de 4 horas. Se aspirada, os efeitos começam em 3 a 5 minutos, e, se administrada por via oral, iniciam-se em 15 a 20 minutos dependendo de fatores como a existência ou não de alimentos no estômago, podendo durar até 12 horas (daí o maior risco de neurotoxicidade e as complicações no organismo). A meia-vida varia de 8 a 18 58 horas. Quanto maior a meia-vida, maior o risco de neurotoxicidade. Seus efeitos tóxicos afetam diretamente os sistemas dopaminérgicos, noradrenérgicos e serotonérgicos. Nota-se que a droga é mais potente quando administrada por meio de injeção ou inalação. Quando ingeridas oralmente, as anfetaminas tendem a ser ionizado no sistema digestivo, o que torna sua absorção mais lenta. Neste caso, a perda da potência do efeito pode ser compensada com o aumento da dose e tem a vantagem de poder manter os níveis sanguíneos razoavelmente constantes, sem muita variação ao longo do tempo. Quanto ao quadro clinico, atuam também sobre os sistemas dopaminérgicos e serotonérgicos. O aumento da liberação de dopamina (DA) no sistema límbico e neo-estriados é responsável por efeitos comportamentais e motores, sendo que as alterações das percepções e manifestações psicóticas estão também relacionadas com um aumento na liberação de serotonina. São efeitos simpáticos das substâncias anfetamínicas: aumento da pressão arterial e bradicardia reflexa; arritmias; dificuldade para urinar; constipação ou diarréia, dependendo da atividade entérica; contração uterina, o que pode provocar cólicas e aborto. Estimula o centro respiratório na medula, diminuindo o efeito depressor de outras drogas. Também inibe o sono, aumenta o estado de alerta (ativação da formação reticular), diminui a sensação de fadiga, inibe o apetite, estimula o humor, aumenta a iniciativa, a autoconfiança e a concentração, provoca sensação de poder, melhora a clareza e organização da mente, provoca euforia e agitação psicomotora com taquilalia. Embora pareça que o desempenho para tarefas simples fique aumentado, quanto mais atividades envolvidas, maior a possibilidade de erros, denotando comprometimento na a habilidade motora fina. Estes efeitos são seguidos, horas depois, de um sentimento de depressão. Quanto aos usuários crônicos de altas doses sofrem efeitos diferentes. Estudos sistemáticos demonstram que o uso de anfetaminas causa insônia. Comportamentos estereotipados incluem atos ininterruptos, despropositados e repetitivos; explosões súbitas de agressividade e violência; delírios paranoide; e anorexia grave. Um estado psicótico pode se desenvolver e ser indistinguível de um ataque agudo de esquizofrenia. As anfetaminas parecem produzir mais quadros psicóticos que a cocaína. Tal evento parece estar relacionado com o fato dos usuários de anfetaminas utilizarem mais continuamente que os usuários de cocaína. Tem-se o conhecimento que as anfetaminas induzem tolerância, mas não está claro se há uma verdadeira síndrome de abstinência e, por anos, pairou o questionamento acercado 59 potencial de dependência dessas drogas. Os sintomas mais pronunciados de abstinência foram observados em fumantes de metanfetaminas (ice e cristal), tais como dores abdominais, gastrenterites, letargia, dispnéia, aumento do apetite, depressão profunda e, ocasionalmente, suicídio. Obviamente, a maneira mais rápida de acabar com esse estado é ingerir a substância novamente. Para muitos, esse quadro configura uma definição de síndrome de abstinência. Quanto ao tratamento, certos programas estão tentando encontrar soluções para esse problema e fazem combinações entre programa de redução de danos associados à entrevista motivacional, reconhecimento de possíveis “gatilhos” associados às recaídas, modos de evitá-los ou mesmo maneiras de interromper possíveis lapsos ou recaídas. Uma revisão conduzida por Cao e colaboradores (2016) aponta recentes avanços nos medicamentos que estão sendo desenvolvidos para tratar os transtornos por uso de ETAs. Embora nenhuma evidência substancial de medicamentos eficazes tenha surgido, alguns desses agentes, incluindo bupropiona, naltrexona e mirtazapina, mostraram-se promissores em estudos clínicos. Quanto o manejo clinco durante episódios de intoxicação aguda de ETAs que cursaram com agitação psicomotora pode ser feito a partir dos seguintes elementos: Antipsicótico; Benzodiazepínicos; Observação: ambiente seguro e calmo; Tratamento de possíveis desidratação e hipertermia. 60 Já o manejo da síndrome de abstinência pode envolver: Descanso; Alimentação saudável; Insônia e ansiedade: BZD de curta ação (p. ex.: alprazolam, bromazepam, lorazepam); Craving e humor depressivo: o manejo deve ser abstinência da droga e abordagens psicossociais. As abordagens psicossociais do tratamento destacam-se a terapia cognitivo- comportamental e a terapia comportamental, o manejo de contingências, e os grupos de mútua ajuda do tipo 12 passos. São recomendadas também a entrevista motivacional e a terapia interpessoal. Benzodiazepínicos, Hipnóticos e Ansiolíticos “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves Os benzodiazepínicos são agentes sedativos hipnóticos, com habilidade de produzir depressão no sistema nervoso central. Atuam no sistema Gabaérgico do sistema nervoso central. Há o uso indiscriminado desse fármaco na população de idosos. De acordo com Mandrioli, Mercolini e Raggi (2008), os benzodiazepínicos (BZDs) estão entre as drogas mais freqüentemente para diversas patologias psiquiátricas, como ansiedade generalizada, fobia social, transtorno de pânico, transtornos do sono, e como coadjuvantes no tratamento de transtornos do humor e transtornos psicóticos, possuindo 61 propriedades sedativo-hipnóticas, atuando na redução da latência para o sono, no aumento do tempo total de sono e na redução dos despertares. Eles foram primeiramente desenvolvidos na década de 1960 pela necessidade de se obter medicações ansiolíticas mais seguras dos que os barbitúricos. Os BZDs também são usados no tratamento de algumas fases relacionadas aos transtornos por uso de substâncias, especialmente para desintoxicação alcoólica. Eles têm a função de minimizar os sintomas de abstinência alcoólica, como ansiedade, agitação, sudorese, taquicardia e aumento da pressão arterial, dando-se preferência aos benzodiazepínicos de longa ação. Apesar de seus benefícios, são capazes de induzir tolerância e sintomas de abstinência e com certo potencial de letalidade. Conforme a literatura cientifica, o diazepam tornou-se muito popular e transformou-se na droga mais prescrita nos Estados Unidos da América (EUA) entre as décadas de 1960 e 1990. Em seguida, sua popularidade passou a ser dividida com outros ansiolíticos, todos fazendo parte da lista das cem medicações mais prescritas. Atualmente, há cerca de 20 tipos diferentes de BZDs aprovados para uso médico. Atualmente o Brasil apresenta aumento nas taxas referente ao uso abusivo e indiscriminado desta substancia. Nota-se que o uso em longo prazo não é sinônimo de dependência. O risco de dependência de BZDs está associado significativamente com a presença de história de comorbidade com outra doença mental, dependência de múltiplas substâncias e com uso muito maior do que as doses terapêuticas. Já os benzodiazepínicos de ação mais curta, como lorazepam e oxazepam, são indicados para a população mais idosa e para hepatopatas. Do ponto de vista neurobiológico, os BZDs agem pela ligação nos receptores GABA o que provoca efeitos sedativos, hipnóticos e ansiolíticos, sendo sua metabolização hepática. Sua via de administração depende do propósito do uso por parte do dependente químico. Como agentes sedativos hipnóticos, os BZDs têm a habilidade de produzir depressão no sistema nervoso central, por meio da ativação do sistema Gabaérgico. Em doses menores, pode diminuir o nível de atividade do indivíduo, moderando a excitação e com efeitos calmantes e ansiolíticos. Em doses maiores, observa-se sonolência com repercução na indução e a manutenção do sono. Pode haver casos de desinibição do comportamento, com agressividade e hostilidade, principalmente se for combinado ao álcool. 62 De acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2018), estudos demonstram que usuários crônicos de benzodiazepínicos apresentam desempenho comprometido em várias medidas psicomotoras e de memória, incluindo aumento do tempo de reação, dificuldades na coordenação motora, confusão mental, amnésia, tonturas e moleza. Esses prejuízos podem dificultar e comprometer o funcionamento social do indivíduo (sua habilidade ao volante e seus resultados acadêmicos, profissionais e nos relacionamentos sociais e familiares. A maioria dos especialistas recomenda que o uso desses medicamentos seja limitado a curtos períodos de tempo para o tratamento da insônia. Mas, na prática, o que ocorre é o contrário: são prescritos por longos períodos, o que aumenta a probabilidade de desenvolvimento de dependência. Quando é feita a retirada de forma abrupta dos BZDs pode gerar quadros graves como o Delirium. A síndrome de abstinência para os sedativos hipnóticos pode começar 12 a 72 h após a última dose, dependendo da meia vida da droga utilizada. Os sintomas são similares aos da abstinência alcoólica e podem ser mais ou menos graves. Alguns sintomas de abstinência são: SINTOMAS DE ABSTINÊNCIA POR BZDS Psicológicos Somáticos Síndrome cerebral aguda Rebote dos sintomas iniciais com maior intensidade: insônia, ansiedade e pânico Irritabilidade, inquietação e agitação Diminuição da memória e da concentração Distorções de percepção: hipersensibilidade a luz, som, tato e paladar Gosto metálico Distorção da imagem corporal Despersonalização e desrealização Depressão/disforia Sudorese Tremores/fasciculações Dores musculares/cãibras/contrações Tontura Parestesia Palpitação Visão borrada/fotofobia/diplopia Tinnitus/zumbido Dor de cabeça Sintomas gastrintestinais: náusea, diarréia, perda de peso Perda de equilíbrio/quedas/desmaios Menorragia Confusão, desorientação e Delirium (quadro intermitente, mais freqüente em idosos) Delírios e paranóia Alucinações visuais e auditivas Convulsões tipo grande mal: ocorrem entre 1-12 dias após a interrupção do uso Como já relatado anteriormente, embora os benzodiazepínicos sejam importantes estratégias terapêuticas no tratamento de diversos quadros clínicos, ele pode dificultar o diagnóstico de uso nocivo e dependência, uma vez que seu uso pode ter sido prorrogado indevidamente. Além disso, pacientes com predisposição ao uso de múltiplas drogas podem 63 usar os benzodiazepínicos para potencializaros efeitos euforizantes de outras substâncias ou para automedicar sintomas intensos de ansiedade. Como identificar se o paciente pode estar fazendo uso abusivo e indiscriminado de Benzodiazepínicos? Estudos relatam que consumidores de BZDs com sintomas de ansiedade, abuso de álcool ou drogas e transtornos do sono estão mais predispostos a desenvolver dependência (Licata e Rowlett, 2008). Uma avaliação completa do uso da medicação é fundamental para determinar a abordagem com o paciente. Vejamos na figura abaixo algumas sugestões de perguntas que podem guiar essa avaliação. AVALIAÇÃO DO USO DE BENZODIAZEPÍNICOS: O QUE DEVE SER INVESTIGADO? Aspectos Perguntas Motivação do uso Para que foi prescrito? Qual a indicação terapêutica? Essa indicação ainda persiste? Já fez uso com outra finalidade além da terapêutica (recreativa)? Você imagina estar correndo algum risco ao usar essa substância? Você já teve o desejo de parar de usar ou reduzir o uso do BZD? Intensidade de consumo Há quanto tempo você utiliza essa medicação? Qual a dose utilizada inicialmente? Continua usando a mesma dose ou precisou aumentar depois de algum tempo? Se aumentou, qual foi o máximo que usou em um dia? Já fez uso da medicação em horários fora do prescrito? Já usou outros tipos de BZDs além do atual? Já utilizou diferentes tipos de BZDs ao mesmo tempo? Padrão divergente, uso crônico e fora da prescrição Já solicitou a receita a diferentes médicos em um curto espaço de tempo? Por quê? 64 médica Já solicitou a medicação a familiares ou amigos? História de uso de substâncias Já usou alguma outra substância psicoativa? Qual? Quando e por quanto tempo manteve esse uso? Quais as doses regulares e máximas dessa(s) substância(s) foram utilizadas? Qual o tempo de abstinência máximo para cada substância? Fonte: Adaptado de Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Brasileira de Neurologia (2013); Lingford-Hughes e colaboradores (2012). Nota-se que a avaliação é parte fundamental dentro do tratamento com o dependente químico. A avaliação das comorbidades clínicas, a solicitação de exames laboratoriais, como provas de função hepática e renal, bem como a avaliação do suporte social e de atividades laborativas do paciente, também são fundamentais para orientar as condutas terapêuticas. Com todas as informações necessárias, podem-se dividir os pacientes de acordo com sua gravidade e risco. O tratamento por intoxicação por benzodiazepínicos também pode ocorrer em ambiente hospitalar quando os pacientes apresentarem idade avançada, complicações clínicas e comorbidades psiquiátricas importantes, com pouco ou nenhum suporte externo para desintoxicação ambulatorial, bem como àqueles pacientes pouco motivados que estão usando altas doses de BZDs, isolados ou em conjunto com outras drogas. Já para os pacientes dependentes de benzodiazepínicos que não têm história de abstinência severa ou convulsões, não apresentam dependência de álcool ou outras substâncias e não apresentam comorbidades clínicas ou psiquiátricas significativas, pode-se optar pela desintoxicação ambulatorial eletiva. O uso agudo e prolongado de BZDs pode acarretar uma série de danos, que devem sempre ser levados em consideração ao se prescrever essa classe de fármacos. Dentre os possíveis danos podemos citar: depressão respiratória, suicídio, prejuízo da memória (amnésia anterógrada), pseudodemência, desinibição/efeito paradoxal, síndrome de abstinência protraída, depressão, sintomas psicóticos e Delirium e Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT). 65 Anabolizantes “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves Os anabolizantes são divididos em anabolizantes esteróides e andrógenos. Substância utilizada não apenas para performace, mas para o ganho de massa muscular. Pouquíssimos estudos relacionados com o tratamento de esteróides anabolizantes, os que existem foram conduzidos a partir da experiência clínica. Esteróides são hormônios naturais. Existem vários tipos de hormônios esteróides, produzidos em diferentes locais do corpo e com efeitos distintos e necessários para o funcionamento normal do organismo. Eles podem ter dois efeitos diferentes no metabolismo do organismo: catabolizante e anabolizante. O efeito catabolizante está relacionado à quebra tanto de proteína quanto de armazenamentos de energia celular. O efeito anabolizante refere- se à produção e ao acúmulo de proteína e é este o efeito buscado por aquelas pessoas que utilizam os esteróides de maneira errônea. Os esteróides anabolizantes androgênicos (EAAs) são drogas sintéticas, derivadas do hormônio sexual masculino, a testosterona, tendo dois efeitos primários no corpo: efeitos androgênicos e efeitos anabolizantes propriamente ditos. Os efeitos androgênicos contribuem para o desenvolvimento das características sexuais masculinas, como crescimento do pênis e dos pêlos, engrossamento da voz, aumento da libido e da potência sexual etc. Os efeitos anabolizantes incluem aumento da massa muscular e do tamanho de vários órgãos internos e controle da gordura corporal. O ápice da atenção popular para a utilização dessa substância na sociedade ocorreu na década de 60, quando o sucesso dos atletas soviéticos foi atribuído, em parte, ao uso dessas substâncias. Porém houve controvérsias nesse período, relacionado à utilização dos esteróides anabolizantes por homens e mulheres a fim de promover melhoras no desempenho atlético e melhorar a aparência física. Apesar das controvérsias a respeito do potencial de dependência dos anabolizantes, surgiram muitos materiais resultados de pesquisas que apareceram para documentar que os 66 esteróides anabolizantes podem criar dependência. Porém, os mecanismos que a criam e sustentam estão longe de ser conhecidos. A forma como essas substâncias são utilizadas e o propósito do uso torna difícil aos pesquisadores chegar a conclusões a respeito da freqüência, da duração do uso e das dosagens necessárias para gerar dependência. Normalmente, essa substância é consumida em períodos intermitentes, uma prática chamada de cycling (“cíclico”), sendo que o período de uso pode variar, porém marcado com interrupções ao fim de cada ciclo. Já a pratica de stacking (“empilhamento”), envolve o uso de vários esteróides diferentes, para a melhora da performance. Efeitos como aumento da intensidade do treinamento, da agressividade e outras alterações de humor podem ser considerados secundários e, para alguns, talvez indesejáveis. Os usuários relatam sintomas indesejável tais como: mudanças afetivas, dificuldade ou falta de vontade para reduzir o uso e outros aspectos compatíveis com aqueles referidos por dependentes de outras drogas. Além disso, a tolerância e sintomas de abstinência já foram relatados. Você sabia... Entre os esteróides anabolizantes mais consumidos, constam, por via oral, a oxandrolona (Anavar®), o estanozolol (Winstrol®), a metandrostenolona (Dianabol®) e a oximetolona (Anadrol®). Por via intramuscular, podem-se listar o decanoato de nandrolona (Deca-durabolin®), o fempropionato de nandrolona (Durabolin®), o cipionato de testosterona (Depo-testosterona®) e o undecilenato de boldenona (Equipoise®). 67 As vias de administração podem ser feita de duas maneiras: por via oral e com injeções intramusculares. Alguns têm efeitos quando ingeridos oralmente; outros, só quando injetados. De acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2018) a absorção dos esteróides anabolizantes ocorre da seguinte maneira: “Uma vez na corrente sanguínea, a testosterona ou qualquer esteróide anabolizante exógeno atravessa as paredes das células-alvo e se liga a seus receptores no citoplasma.Essas células-alvo se encontram em vários tecidos do corpo humano, incluindo esqueleto, músculo cardíaco, sistema nervoso central, pele e próstata. Esses complexos receptores de hormônios alcançam, então, o núcleo da célula e seu material genético ácido desoxirribonucléico (DNA, deoxyribonucleicacid). Isso dá início a um processo cujo resultado final será a produção de proteínas específicas, que vão deixar a célula e mediar às funções biológicas do hormônio. O aumento dos níveis de testosterona (ou drogas similares) produz um efeito de feedback negativo no hipotálamo, inibindo o lançamento de mais testosterona (o mesmo processo que ocorre com os contraceptivos orais à base de estrogênio e progesterona)”, pg. 132. A literatura cientifica ressalta que existe certa dificuldade em obter uma identificação precisa do mecanismo de ação dos esteróides anabolizantes por vários motivos: pela ampla variedade dos tecidos atingidos; pela variedade das drogas desse tipo; pela complexidade dos processos de regulação hormonal. Quanto a sua metabolização é feita pelo fígado e excreta pela urina. Quanto aos efeitos do uso crônico, podemos destacar: EFEITOS POSITIVOS EFEITOS NEGATIVOS Aumento transitório do tamanho dos músculos e da força muscular Cardiovasculares: Aumento de fatores de risco cardíacos, como hipertensão e taxas de colesterol (lipoproteína de baixa densidade [LDL, low density lipoprotein] e lipoproteína de alta densidade [HDL, high density lipoprotein]) Infarto do miocárdio Trombose Tratamento de traumas e cirurgias. Hepáticos (associados ao consumo oral): Aumento do número de enzimas 68 Tumores do fígado: benignos e malignos (uso superior a 24 meses) Sistema reprodutor: Diminuição da produção de testosterona Espermatogênese anormal Infertilidade transitória Atrofia dos testículos Impotência Alterações da menstruação Sistema endócrino: Diminuição do funcionamento da tireóide Efeitos imunológicos: Diminuição das imunoglobulinas Efeitos musculoesqueléticos: Fechamento prematuro dos centros de crescimento dos ossos Degeneração dos tendões Estéticos: Ginecomastia em homens Atrofia dos testículos Acne e seborreia Estrias Calvície Aumento do clitóris Crescimento dos pelos do corpo e do rosto (principalmente em mulheres) Engrossamento da pele 69 Engrossamento da voz (em mulheres) Psicológico Risco de desenvolvimento de dependência Alterações graves do humor Tendência à agressividade Episódios psicóticos Depressão Distimia Ansiedade generalizada Transtorno de pânico Suicídio. Relacionado à síndrome de abstinência interrupção do uso de altas doses de esteróides anabolizantes pode vir acompanhada de depressão psicológica, fadiga, inquietude, insônia, perda de apetite e diminuição da libido. Outros sintomas incluem craving, dores de cabeça, insatisfação com a imagem corporal e, raramente, ideação suicida. Apesar disso, nenhuma síndrome de abstinência foi psiquiatricamente descrita. Pouquíssimos estudos relacionados com o tratamento de esteróides anabolizantes foram conduzidos e o conhecimento atual se baseia na experiência clínica. Como no uso de outras drogas, o tratamento requer a interrupção do uso. Os sintomas de abstinência são o alvo do tratamento, conjuntamente com a terapia de suporte com avaliação de possíveis pensamentos suicidas. O uso de antidepressivos pode ser indicado caso haja quadros depressivos, bem como o tratamento endocrinológico em casos de alterações hormonais. Quadros graves podem exigir hospitalização. Passada essa fase dos cuidados com a abstinência, a terapia deve se centrar na manutenção da abstinência e na prevenção da recaída. 70 Se Liga!!! Módulo 4: Drogas específicas de abuso e dependências Drogas ilícitas Maconha, Haxixe, Skank “A literatura neuropsicológica em evolução tem mostrado que indivíduos com muitas outras formas de dependência química têm um cluster de atributos cognitivos que podem ser sumarizados como déficits de tomada de decisão e julgamento, bem como impulsividade aumentada e dificuldade em aguardar recompensas não imediatas. Esses déficits são também associados a traços antissociais ou psicopáticos, incluindo o transtorno da conduta. Essas características podem, em conjunto, marcar um endofenótipo com possível papel causal no desenvolvimento da dependência química”. 71 “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves O THC e outros canabinoides agem por meio de receptores específicos nos sistema nervoso central e periférico. Exame de neuroimagem evidencia alterações significativas no hipocampo em usuários de maconha. Cannabis sativa está entre as plantas mais antigas cultivadas pelo homem, com indicações arqueológicas e históricas do cultivo para obtenção de fibras, desde 6 mil anos atrás, na China, sendo utilizada durante milhares de anos medicinalmente. Porém no início do século 20 a Cannabis praticamente desapareceu do mundo ocidental para fins medicinais, em virtude da descoberta de drogas sintéticas e do aumento das restrições legais ao seu uso, Na atualidade podemos perceber que o uso terapêutico da maconha voltou ser discutido na comunidade cientifica, gerando considerável controvérsia a respeito. Por um lado, estudos já demonstraram que o princípio ativo puro da maconha (THC, Δ-9-tetra-hidrocanabinol) é útil no alívio de náuseas e vômitos e na estimulação do apetite. Os efeitos analgésicos, antiespasmódicos, anticonvulsivantes, de broncodilatação em casos de asma e de alívio da pressão intraocular. Mas, por outro lado, existem medicamentos sintetizados para essas finalidades, mais seguros e eficazes, não justificando a utilização de uma droga que pode gerar dependência e cujos efeitos nocivos ainda não são completamente conhecidos. A maconha é a forma mais utilizada no Brasil e também é conhecida pelos nomes marijuana, erva, fumo, back etc. É uma mistura das folhas, sementes, caules e flores secas da planta. Existem evidências de que nos últimos anos a concentração de THC na maconha vem aumentando: nos anos 1960, ficava em torno de 1%. Atualmente, chega a 4%, podendo, em algumas situações, atingir 20%. Produtores de alguns países criaram uma nova cepa de maconha, com concentrações mais elevadas de THC. Uma das mais conhecidas é o skunk, uma forma artificial de produzir maconha, gerada por meio do cultivo de dois tipos diferentes da Cannabis (sativa e indica) e que incorpora geralmente hidropônico. Os efeitos da droga são 72 os mesmos da maconha, porém mais intensificados, já que, neste caso, a concentração de THC varia, em geral, de 6% a 15%. Já o haxixe, preparação mais potente, é uma resina extraída da planta seca e das flores, sendo de 5 a 10 vezes mais potente que a maconha comum. O óleo de hash é uma substância viscosa ainda mais potente, cujo THC é extraído do haxixe ou da maconha com o uso de um solvente orgânico. Esse “extrato” é filtrado e, muitas vezes, purificado. A concentração de THC no óleo de hash fica entre 15% e 50%. Por volta da primeira metade dos anos 60, um grupo de pesquisa Israelita do professor Rafael Mechoulam, determinou a estrutura dos principais canabinoides (Canabidiol), incluindo o ∆9-tetra-hidrocanabinol (∆9-THC), responsável pelos efeitos psicoativos da planta. Hoje são conhecidos cerca de cem canabinoides, com pouca ou nenhuma psicoatividade, porém com outros efeitos, muitos deles com potencial terapêutico. A maconha é a droga ilícita mais consumida no mundo, com proibitiva de consumo no Brasil, com incidência maior entre populações de jovens. Normalmente a maconha é fumada na forma de cigarro, popularmente conhecido como “baseado”, mas também pode ser fumado no pipe (cachimbo)ou no bong, instrumento que contém água e aumenta a concentração da fumaça, bem como na vaporização por baixa temperatura apresentando mais segurança em relação à droga queimada de forma convencional. Algumas formas em que a maconha é consumida: A) baseado; B) pipe; C) bong; D) vaporizador Você sabia... Que o metabolismo do THC começa imediatamente nos pulmões (se tiver sido inalado) ou no intestino (se ingerido via oral), mas a maior parte da substância é absorvida pela circulação sanguínea e levada ao fígado, no qual é convertida em metabólitos, penetrando no cérebro rapidamente e contribuindo para a maioria dos efeitos psicoativos da droga. 73 portátil. O haxixe pode ser utilizado em uma mistura com tabaco e fumado como cigarro, porém é mais comumente fumado em um cachimbo, com ou sem tabaco. Já o óleo de hash é utilizado algumas gotas devido sua alta potência, que podem ser colocadas no cigarro ou cachimbo, ou vapor inalado através do aquecido do óleo. Qualquer que seja o método utilizado, os fumantes inalam a fumaça profundamente e a prendem por alguns segundos nos pulmões, a fim de aumentar a absorção do THC. O THC e outros canabinoides agem por meio de receptores específicos nos sistema nervoso central e periférico, embora nem todos os efeitos sejam mediados por esses receptores. Primeiramente afetam o funcionamento do sistema cardiovascular e nervoso central causando aumento da pulsação, os vasos sanguíneos da córnea se dilatam, resultando em olhos avermelhado, sem evidências de depressão respiratória. Os usuários costumam referir aumento do apetite, boca seca, vertigens ocasionais e leves náuseas. Podem ocasionar também alterações cognitivas (afrouxamento das associações, fragmentação do pensamento, confusão, alterações na memória de fixação), prejuízo da atenção, alterações de humor e dificuldades de coordenação motora em vários graus. Pode induzir quadros de ansiedade, disforia, pânico e paranóia, sintomas psicóticos, como delírios e alucinações. Concernente a intoxicação provocada pelo uso da maconha, estudos demonstram que o THC compromete a capacidade de dirigir automóveis e de realizar outras atividades que requeiram maior atenção e coordenação motora, bem como habilidades de falar coerentemente, formar conceitos, concentrar e transferir material da memória imediata para a de longo prazo ficam comprometidas, além de alterações na percepção de tempo e espaço. Se o uso da maconha provoca tantas alterações indesejáveis, porque o uso se mantém vigoroso em determinadas populações? A razão para um uso tão indiscriminado desta substância reside na sensação de “barato” que os usuários experimentam. Essas sensações referem-se a um estado alterado de consciência, caracterizado por mudanças emocionais, como euforia moderada e relaxamento; alterações perceptuais, como distorção do tempo; e intensificação das experiências sensoriais simples, como comer, assistir a filmes, ouvir músicas e ter relações sexuais. Quando a 74 maconha é utilizada em um contexto social, essas experiências são acompanhadas de risadas, fala excessiva e aumento da sociabilidade. Vejamos os principais efeitos do uso agudo da maconha: Relaxamento Euforia Pupilas dilatadas Conjuntivas avermelhadas Boca seca Aumento do apetite Rinite Faringite Comprometimento da capacidade mental Alteração da percepção Alteração da coordenação motora Maior risco de acidentes Voz pastosa (mole) Aumento dos batimentos cardíacos Aumento da pressão arterial Despersonalização Ansiedade/confusão Alucinações Perda da capacidade de insights Aumento do risco de sintomas psicóticos entre aqueles com história pessoal ou familiar anterior. Se liga!!! 75 Quanto à síndrome de abstinência sua existência até recentemente, era objeto de controvérsias devido ao lento desaparecimento do ∆9-THC do organismo, que após a interrupção do uso, pode atenuar os sintomas de abstinência, contribuindo para dificultar sua identificação. Porém estudos recentes demonstram que sujeitos que haviam cessado abruptamente o uso de grandes doses diárias de Cannabis relataram certo “desassossego interno”, irritabilidade, calores repentinos, insônia, suores, inquietude, coriza, soluços, diminuição do apetite, náuseas, dores musculares, ansiedade, sensação de frio, diarréia, sensibilidade aumentada à luz, vontade intensa de usar a droga, depressão, perda de peso e tremores discretos. É percebido também ansiedade, mudanças rápidas de humor/irritabilidade, ataques de pânico, tentativas de suicídio, mudanças de personalidade, isolamento social e afastamento do lazer e de outras atividades sociais. O tratamento de forma geral, o estudo das intervenções farmacológicas nos efeitos fisiológicos da Cannabis divide-se em relatos de caso e ensaios clínicos – os primeiros, com descrição de condutas adotadas com sucesso em situações adversas, e os últimos, com drogas utilizadas antes de o indivíduo fazer uso da Cannabis. O tratamento farmacológico irá se constituir a partir dos efeitos agudos fisiológicos e efeitos agudos psiquiatricos na fase intoxicação. Na fase de dependência e abstinência as intervenções não farmacológicas para o tratamento da dependência de maconha demonstraram ser efetivas tendo paralelo com as que De acordo com Figlie, Bordin e Laranjeira (2018), evidência cientifica têm mostrado que o uso prolongado da maconha pode acarretar alterações cognitivas sutis nas “funções cognitivas superiores” da memória, tais como: atenção, organização e integração de informações complexas. Problemas no funcionamento neuropsicológico, particularmente em regiões pré-frontais do cérebro e nas funções executivas, podem influenciar negativamente a motivação para tratamento, adesão ao programa de recuperação e aumentar as chances de recaída, o que torna a avaliação neuropsicológica um recurso importante para a detecção de prejuízos associados ao uso dessa substância. Recentemente, um estudo relatou efeito do uso de maconha na diminuição do quociente de inteligência (QI), sendo maiores os prejuízos em pessoas que iniciaram o consumo na adolescência, não retornando após a cessação do uso. Mas esses dados têm sido contestados. 76 são eficazes no tratamento de outros transtornos por uso de substâncias. Dentre as estratégias não medicamentosas se destacam: terapia cognitivo-comportamental (TCC) e manejo de contingências (MC) mostraram-se eficazes para promover a redução e a abstinência do uso de Cannabis. Cocaína “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves A administração da cocaína pode ser pela via oral, intravenosa e pela aspiração. A cocaína pode produzir alterações importantes no sistema cardiovascular, aumentando os níveis de epinefrina e provocando vasoconstrição. Cocaína é uma droga com fortes propriedades estimulantes. É extraída da planta Erythroxylon coca, nativa da América Andina. Refere-se a uma droga ilícita que mais motiva o usuário a buscar tratamento, ainda que não seja a mais consumida revela o impacto pessoal e familiar dessa dependência. O uso da cocaína começou nos países andinos. Sendo o isolamento químico feito por um alemão, chamado Albert Niemann, cujo trabalho foi publicado em 1860. A partir de então, passou a ser usada prescrita e vários de seus efeitos foram relatados como benéficos por diversos autores, como anestésicas no uso em cirurgias oftalmológicas. Na década de 1980, o consumo da cocaína aumentou muito e várias razões contribuíram para isso: aumento da oferta, redução do custo e diversificação nas vias de administração (além de aspirada, a cocaína passou a ser injetada e fumada). A produção da cocaína começa com as folhas de coca e passa porvários estágios até chegar à forma de cloridrato de cocaína, que é a droga na forma de sal, vendida como pó. Durante a produção, existe uma forma intermediária da droga, especialmente perigosa devido à sua impureza, conhecida como pasta de coca que é fumada em alguns países. Nota-se que a 77 cocaína em sua forma de administração não pode ser fumada, pois ela é volátil, ou seja, grande parte de sua forma ativa é destruída a altas temperaturas. A cocaína pode ser usada por diferentes vias de administração: oral, intranasal, injetável ou pulmonar. No Brasil, a forma mais comum de uso da cocaína era a via nasal. Cada uma dessas vias de administração apresenta diferenças, vistas a seguir, tanto na quantidade e qualidade dos efeitos esperados, quanto nos riscos de complicações associadas. Quanto mais rápido e maior o início e a duração dos efeitos, maior é a probabilidade de dependência. Na administração tomada oralmente, a cocaína é absorvida de forma lenta e incompleta, onde é absorvida e metabolizada primeiramente no fígado. Somente 25% da droga ingerida alcança o cérebro e isso requer um longo período de tempo. Por isso, não existe, nessa forma de administração, o sentimento de rush comum a outras formas. Na via de aspiração, a cocaína é pobremente absorvida por dois motivos: somente uma pequena quantidade atravessa a mucosa nasal; e a vasoconstrição, gerada pela própria cocaína, acaba limitando sua absorção. De 20% a 30% da droga é absorvida e o pico de concentração nos níveis sanguíneos acontece entre 30 e 60 min. Já na administração intravenosa (injetável), a cocaína cruza todas as barreiras de absorção e alcança a corrente sanguínea imediatamente. O tempo que leva para atingir o cérebro e instalar seus efeitos é entre 30 e 60 segundos. Produz um rápido, poderoso e breve efeito. Por essa razão, foi uma das formas de uso preferidas entre os usuários compulsivos. Depois que a cocaína penetra no cérebro, é rapidamente redistribuído para outros tecidos e se concentra no baço, nos rins e no cérebro. Existem determinados populações de pacientes, com mecanismos de metabolização deficientes, que são mais vulneráveis a toxidade da cocaína: idosos, pacientes com doenças no fígado, mulheres grávidas e crianças. Em combinação com o álcool, outro metabólito ativo é formado, o cocaetileno, cujos efeitos sobre o cérebro são mais duradouros, e é ainda mais tóxico que as drogas sozinhas. Logo, o uso combinado de cocaína e álcool aumenta o risco de toxicidade da cocaína. Na farmacologia a cocaína possui algumas ações farmacológicas, tais como: anestésico local, vasoconstritor; e um poderoso psicoestimulante. 78 Na ação anestésica, a cocaína é preferida para determinadas cirurgias de garganta, devido às suas propriedades anestésicas e vasoconstritoras (que reduzem o sangramento). Porém em pacientes sensíveis, pode produzir certa toxidade causando estimulação do sistema nervoso central, psicose tóxica e, em raríssimas ocasiões, morte. A cocaína pode produzir alterações importantes no sistema cardiovascular, aumentando os níveis de epinefrina e provocando vasoconstrição, com efeitos iniciais de taquicardia e aumento da pressão arterial. Pode provocar arritmias ou ataque cardíaco, além da vasoconstrição que pode causar danos a outros órgãos: aos pulmões de indivíduos que fumam a cocaína; destruição da cartilagem nasal daqueles que a aspiram; e danos ao trato gastrintestinal. Já no sistema nervoso central, a cocaína age de duas formas: causando impacto no sistema neurotransmissor e nos mecanismos de tolerância e dependência. Produz uma ativação nos sistemas de dopamina, norepinefrina e serotonina. Em usuários crônicos observa- se o esvaziamento dos neurotransmissores. As sinapses operam usando um sistema de feedback negativo. Logo, mudanças compensatórias ocorrem para permitir que os neurônios se adaptem às alterações causadas. As conseqüências desses efeitos serão vistas ao se abordarem os efeitos cardiovasculares e psicoativos. Segundo a literatura científica, o uso de estimulantes, parece aumentar as habilidades físicas e mentais dos usuários. Nota-se a presença de euforia, exaltação da energia e da libido, diminuição do apetite, exacerbação do estado de alerta e aumento da autoconfiança. Em altas doses de cocaína intensificam a euforia, a agilidade, a verbosidade e os comportamentos estereotipados, além de alterarem o comportamento sexual. Esses efeitos positivos encorajam o uso contínuo e a dependência dessa droga. Esses sentimentos de alegria e confiança causados pela cocaína podem se transformar facilmente em irritabilidade, inquietude e confusão. O uso da cocaína aumenta o risco de suicídio, traumas maiores e crimes violentos. No uso crônico, o sistema nervoso central promove algumas modificações para adaptar-se à nova situação. Três fenômenos podem ser observados: a tolerância, a sensibilização e o kindling. Vejamos alguns sintomas o uso crônico da cocaína. Euforia Sensação de bem-estar Estimulações mentais e motoras 79 Aumento da autoestima Agressividade Irritabilidade Inquietação Sensação de anestesia Tiques Coordenação motora diminuída Acidente vascular cerebral Convulsão Dor de cabeça Desmaio Tontura Tremores Tinido no ouvido Visão embaçada Desconfiança e sentimento de perseguição (“noía”) Depressão (efeito rebote da intensa excitação) Isolamento Falar muito Desinibição Aumento dos batimentos cardíacos Batimento cardíaco irregular Aumento da pressão arterial Ataque cardíaco Parada respiratória Tosse A tolerância é a necessidade de doses cada vez maiores para se obter o efeito esperado. No caso da cocaína, a tolerância aparece para os efeitos euforizantes e cardiovasculares. A sensação de euforia desaparece completamente com o uso de doses regulares. Já na sensibilização há a exacerbação da atividade motora e dos comportamentos estereotipados após a exposição a doses repetidas de cocaína. Nota-se que o processo de sensibilização também pode levar ao aparecimento de convulsões, em grande parte como resultado de um fenômeno chamado kindling. Com o uso crônico, a resposta neuronal é intensa, mesmo perante baixas doses da substância. O sistema límbico tem seu funcionamento elétrico alterado e essa disfunção pode se espalhar, causando convulsões generalizadas. A síndrome de abstinência da cocaína síndrome de abstinência, segundo Gawin e Kleber (1986), foi dividiram a síndrome em três fases – crash, abstinência e extinção –, a primeira começando imediatamente após o último uso e podendo durar muitos meses. No 80 crash ocorre uma drástica redução do humor e da energia, na forma de alentecimento e fadiga, de 15 a 30 minutos após o último uso. É causada pela rápida depleção da dopamina em nível sináptico. Os usuários experimentam craving (fissura), depressão, ansiedade e paranóia. Já a abstinência começa de 12 a 96 h após o crash e pode durar de 2 até 12 semanas. A anedonia é importante nesse período e contrasta com as memórias eufóricas do uso. A presença de fatores e situações desencadeadores de craving normalmente suplanta o desejo de se manter em abstinência e as recaídas são comuns nessa fase. Ansiedade, hiper/hipossonia, hiperfagia e alterações psicomotoras (tremores, dores musculares, movimentos involuntários) são outros sintomas típicos dessa fase. No tratamento com a farmacoterapia não é para todos os usuários de cocaína e deve ser reservada àqueles cujos sintomas responderiam às medicações. Várias medicações foram propostas, mas as evidências científicas dos benefícios ainda são discutíveis. Ao se decidir pelo tratamento farmacológico, deve-se levar em conta o eventual diagnóstico psiquiátrico concomitante, ou seja, quadros psiquiatricos comorbidos e a presençade sintomas de abstinência de cocaína. A literatura expõe medicamentos adjuntos normalmente utilizados na dependência da cocaína são: agentes dopaminérgicos, agentes antidepressivos, agentes antipsicóticos e agentes antiepilépticos, apesar de nenhuma eficácia ter sido comprovada. Assim como qualquer outro tipo de droga, o tratamento para a dependência de cocaína envolve a desintoxicação e reabilitação do dependente. Há uma diversidade de tratamento que são funcionais, como abordagens terapêuticas, internações em casos específicos, desintoxicações e grupos terapêuticos. 81 Crack e similares “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves É uma nova forma de apresentação e administração da cocaína. O crack é uma das substâncias que apresenta o maior risco da instalação de um quadro de dependência logo no primeiro ano de consumo. Crack é um termo popular utilizado para descrever a cocaína no seu estado cristalizado, que forma aglomerados semelhantes a pedras brancas que, quando queimados, fazem pequenos estalos - "crack". É basicamente uma nova forma de apresentação e administração da cocaína, uma vez que a forma básica, obtida por adição de uma base, como sulfato de amônio ou bicarbonato de sódio, à pasta –base ou à cocaína na forma de cloridrato (pó em seu estado final de refinamento), sendo administrado por via fumada. A pasta básica de coca (sulfato de cocaína) pode ser obtida por meio da maceração ou pulverização das folhas de coca com solvente (álcool, benzina, parafina ou querosene), ácido sulfúrico e carbonato de sódio. Desde os primeiros relatos, chamavam atenção dos pesquisadores a intensidade e a curta duração dos sintomas de euforia, seu preço muito inferior ao da cocaína refinada, as impurezas do amálgama e o “microtráfico” feito pelo usuário para a manutenção do próprio consumo. A pasta básica era chamada nos países andinos de “basuco”, evocando a natureza da mistura (alcalina) e a potência de seus efeitos psicotrópicos (bazuca). 82 O crack surgiu nos EUA, no meio dos anos 1980. No Brasil, os primeiros relatos aconteceram no início dos anos 1990, com rápido crescimento do seu consumo, provavelmente relacionado com os preços mais baixos que os da cocaína refinada; a facilidade de acesso; pelos efeitos mais intensos do que a cocaína; e por apresentar menores riscos de contaminação que aqueles existentes no consumo de cocaína injetável. Quando o crack surgiu no cenário mundial construiu-se o pensamento de que os índices de óbitos seriam alarmantes por ser uma droga altamente prejudicial ao organismo. Porém hoje em dia, as mortes associadas ao crack são em maioria associadas às causas violentas relacionadas com o tráfico e confrontos com a polícia. Usuários em crise de abstinência costumam apresentar elevados padrões de comportamento agressivo, existindo forte relação entre mortalidade e agressividade. Outro fator associado à mortalidade são as complicações do vírus da imunodeficiência humana (HIV) relacionadas com comportamento sexual de maior risco. Quanto ao quadro clínico dos usuários de crack a ocorrência de problemas com outras drogas é uma realidade bem palpável. A maior parte dos usuários costuma utilizar algumas vezes outras drogas no intuito de minimizar a abstinência ou atenuar efeitos indesejáveis do consumo (tais como álcool, benzodiazepínicos e maconha). O poliuso pode trazer problemas agudos para o usuário, como maior risco de overdose (especialmente no consumo de álcool, uma vez que há a produção de um metabólito também ativo, o cocaetileno, com meia-vida bastante superior à da cocaína). A literatura médica aponta que os dependentes de crack em geral são também dependentes de maconha e tabaco e apresentam uso problemático ou dependência de álcool, trazendo, assim, complicação no quadro clinica com o poliuso de outras substâncias psicoativas. Você sabia... Que o oxi é outra variação da cocaína, sendo obtida com a adição de cal virgem e querosene na pasta base de cocaína. Tanto o crack como o oxi são opções que tornam o consumo da droga mais barato, porque, além de adicionar outras substâncias químicas, a produção destas formas facilita a adulteração. Cachimbos improvisados com latas de alumínio são utilizados para o consumo de crack e oxi. Também podem ser consumidos em cigarros contendo fragmentos dessas drogas, quando junto ao tabaco (chamado de pitilho) ou maconha (chamado de mesclado). 83 Os efeitos agudos do crack são iguais aos vistos na cocaína, com a diferença de ser mais rapidamente atingidos; isto ocorre porque os pulmões apresentam grande área (facilitando a absorção rápida) e ótima vascularização (a função destes é fazer a troca de gases do organismo, conduzindo oxigênio para os tecidos, em especial, o cérebro). Os efeitos surgem em poucos segundos e dura pouco tempo, cerca de 4 min, causando disseminação maciça no cérebro. Após atingir o cérebro, a droga se concentra em outros órgãos, como os rins e o baço. De acordo com a literatura existe acerca dessa temática, quanto mais jovem o indivíduo começa a usar uma droga e esse consumo for pesado, maiores serão as chances do surgimento da dependência química. Para o crack, o maior risco da instalação de um quadro de dependência ocorre no primeiro ano de consumo. O uso do crack, com o decorrer do tempo, aumenta a metabolização da dopamina, alterando os circuitos dopaminérgicos, o que irá causar a diminuição deste neurotransmissor na sinapse. O efeito disto é o surgimento de sintomas depressivos, como sensação de desânimo, diminuição da sensação de energia, irritabilidade, além de fissura. Juntamente com estes ocorre maior chance do surgimento de convulsões e sintomas psicóticos, geralmente, persecutoriedade. Se liga!!! Semelhantemente a cocaína, Figlie, Bordin e Laranjeira (2018) relatam que a síndrome de abstinência do crack também é dividida em três fases. A primeira ocorre da primeira hora sem a droga até 3 ou 4 dias, sendo constituída de um quadro de arrependimento por ter usado, irritabilidade, cansaço e sonolência. Em seguida, há o desejo de retornar ao consumo, que pode ocorrer ainda na primeira fase. A segunda fase é constituída de piora importante do Muitas das complicações apresentadas pelo consumo de crack são semelhantes às vistas no consumo de cocaína, porém algumas características próprias da droga fumada causam outros problemas que antes não eram vistos com o consumo da cocaína (ou se eram não se apresentavam tão intensos). O padrão de consumo intenso produz grande vulnerabilidade a doenças físicas ou transtornos psiquiátricos. Não é raro relato de indivíduo que passa dias seguidos utilizando a droga sem dormir ou pouco se alimentando. 84 humor, com irritabilidade mais intensa, maior desejo pela droga, apatia e dificuldade em sentir prazer. Esta fase dura em torno de 2 semanas a 4 meses e, por conta destas características, é um período de risco importante para recaídas. No terceiro estágio de síndrome de abstinência, algumas características da segunda fase são mantidas, como a dificuldade de planejamento e de atitudes que sejam assertivas, pouco prazer em atividades diárias. Nesta fase, ocorre diminuição da fissura, mas esta ainda poderá retornar em situações que desencadeiem sentimentos de excitação/euforia, frustração, estresse e locais, pessoas e eventos que possam estar relacionados com a época de consumo. Esta fase pode perdurar por meses até mesmo anos. Quanto ao tratamento do crack, podemos enfatizar que transtorno por uso de substâncias não é fruto de apenas um fator. O tratamento em dependência química traz a premissa de abordagens que possam atuar de forma biopsicossocial. Visto que não existe um tratamento único e ideal para a dependênciaquímica, cada paciente deve receber tratamento personalizado para suas necessidades, levando em consideração a complexidade de problemas reunidos. Algumas mudanças de funcionamento cerebral do usuário de crack podem tornar os casos desses pacientes ainda mais graves. O uso compromete as áreas do córtex pré-frontal, manifestando sintomas como: impulsividade e a compulsão pela droga podem alterar o funcionamento cognitivo, e esses efeitos podem contribuir para os prejuízos evidenciados no componente decisório, ou seja, pacientes poderiam ter maior dificuldade para perceber malefícios do consumo da droga e, não se sentindo doentes, tardariam a procurar auxílio. Os usuários de crack são os dependentes químicos que menos procuram ajuda e, quando isto ocorre, geralmente é devido a uma situação de emergência, dando preferência a internações. Alucinógenos “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves Os alucinógenos possuem duas categorias, natural e sintético. Há catalogado mais de 100 diferentes tipos de alucinógenos. 85 Normalmente o quadro de intoxicação é bastante sintomático. Os alucinógenos fazem parte da história da humanidade, marcando relatos desde o Egito antigo, passando pela Ásia ou na Europa, na Idade Média, sobre a utilização de substâncias capazes de produzir estados alterados de consciência com alucinações visuais e outras manifestações dos sentidos. De acordo com Cordeiro (2018) os alucinógenos incluem drogas capazes de induzir ilusões, alucinações, delírios, ideações paranoide e outras alterações do humor e do pensamento. Apesar do nome, a característica que distingue os alucinógenos de outras classes de drogas é a sua capacidade de induzir não somente os estados de percepção, mas também de pensamento e de sentimento alterados. Segundo a literatura cientifica mais de 100 tipos de alucinógenos com estruturas moleculares diferentes, agrupados segundo sua similaridade com algum neurotransmissor: LSD, psilocibina e dimetiltriptamina (DMT) são semelhantes à serotonina; A mescalina e vários derivados de anfetaminas, como 2,5-dimetoxi-4-metilanfetamina (DOM), metilenodioxifenilisopropilamina (MDA) e metilenodioximetanfetamina (MDMA), são semelhantes às catecolaminas, norepinefrina e dopamina; Outro grupo, menos utilizado, bloqueia os receptores de acetilcolina e, por isso, é chamado de anticolinérgico; inclui beladona, mandrágora, henbane, datura e muitas outras drogas sintéticas usadas no tratamento dos sintomas parkinsonianos; Outro grupo, sem similaridade com qualquer neurotransmissor conhecido e chamado de “miscelânea”, inclui fenciclidina, cetamina e Amanita muscaria. É visto que os alucinógenos possuem duas categorias, natural e sintético, porém em ambas há manifestação de quadros de intoxicação, em especial, os naturais que apesar de terem menos propriedades, quando ingeridos, apresentam duração mais prolongada, desempenhando um importante papel nessa fase de intoxicação. Alguns sintomas podem estar presentes em ambas as categorias, porém não são patognomônico, e com uma anamnese mais detalhada será de grande utilidade para melhor elucidação diagnóstica. 86 Então como deveremos fazer para elucidar um possível diagnóstico de Transtorno por uso de alucinógeno? Na investigação de intoxicação por alucinógenos, algumas dicas podem ser úteis durante a investigação, são elas: Em pacientes com febre, deve-se considerar a necessidade de culturas de sangue e de urina; A dosagem de eletrólitos pode ser útil para investigar outros possíveis agentes causadores do quadro de intoxicação; É necessário considerar um teste de gravidez para todas as pacientes em idade fértil; O eletrocardiograma (ECG) é importante nos quadros de suspeita de intoxicação exógena; O exame de líquido cerebrospinal deve ser feito em pacientes com febre e com estados cognitivos alterados; Os quadros de alteração do funcionamento mental habitual podem ser investigados com exames de imagem, sobretudo, em pacientes cuja história apresente pouca informação, quando o quadro apresentado for pouco explicado pela intoxicação ou quando a terapêutica utilizada não tiver a resposta esperada. Normalmente o tratamento da intoxicação por alucinógenos, na maioria das vezes, é sintomático, precisamos nos ater as seguintes recomendações: TRATAMENTO DA INTOXICAÇÃO POR ALUCINÓGENOS 87 Quadros ansiosos Orientação voltada para a realidade. Se os pacientes apresentarem piora ou sintomas de pânico, A administração de BZDs VO deve ser realizada. Os pacientes devem ser mantidos em locais calmos, longe de barulhos e multidões e, se possível, com música ambiente para distrair. Os exercícios simples, como os de respiração profunda, podem ser úteis também como formas de distração dos sintomas de ansiedade. Os quadros de agitação psicomotora ou os psicóticos devem receber administração de BZD (no Brasil, apenas o midazolam) e/ou antipsicóticos IM. Por exemplo, 15mg de midazolam IM e 5mg de haloperidol IM. Se esse quadro trouxer importantes riscos de auto ou heteroagressão, deve ser realizada contenção física. Hipertermia Devem ser tomadas medidas agressivas de resfriamento nos casos em que a temperatura alta do paciente o coloque em situações de risco. Podem ser utilizados banhos e cobertores hipotérmicos. É aconselhada administração de dantroleno (3 mg/kg em 1 hora) com rápida reidratarão. Hipertensão arterial Devem ser administrados β-bloqueadores, como atenolol ou pindolol. Nos quadros associados a PCP, a hipertensão deve ser tratada de forma ainda mais vigorosa, visto que, nesses casos, há risco maior para encefalopatia hipertensiva e hemorragias intracranianas. Quadros de taquicardia Devem ser administrados α-bloqueadores, como doxazosina e prazosina. Intoxicação por ingestão de alcalóides Envolve menos sessão e, freqüentemente, menos tempo global do que muitos outros tipos de terapia. A duração do tratamento varia conforme a complexidade e a severidade do problema que está sendo tratado. Intoxicações por PCP O tratamento mais eficaz é feito por aumento da acidez da urina e da excreção urinária. A acidificação apenas deverá ser realizada após eliminar a hipótese de mioglobinuria (que sinalizaria rabdomiólise) e pode ser feita com ácido ascórbico ou cloreto de amônio. O pH deve ser mantido em torno de 5,5 e constantemente monitorado. Fonte: Cordeiro (2018) Inalantes e outras drogas de abusos 88 “As pessoas não são viciadas em álcool ou drogas, são viciadas em sair da realidade.” Cleber Guilherme Pontos chaves Os inalantes ainda são pouco reconhecidos como droga de abuso em muitos lugares do mundo. O uso normalmente é feito pela inalação. A síndrome de abstinência dos solventes não foi bem documentada e parece não ser clinicamente significativa. Os solventes também são chamados de inalantes ou substâncias voláteis. Representam um grupo de substâncias psicoativas quimicamente bastante diversificado e envolvem uma grande variedade de produtos: gasolina, cola, solventes, tintas, vernizes, esmaltes, aerossóis, removedores, fluido de isqueiro, gás de botijão, benzina, inseticidas, extintores de incêndio, laquês, acetonas, lança-perfume, cheirinho da loló etc. Freqüentemente, são divididos em quatro classes: voláteis ou solventes orgânicos, aerossóis, anestésicos e nitratos voláteis. Podem ser inalados involuntariamente por trabalhadores da indústria ou utilizados como drogas de abuso. O uso por inalação é o preferido para a intoxicação voluntária. No entanto, existem relatos de ingestão oral para esconder a prova, em caso de aproximação policial. Em geral, um chumaço de algodão ou trapo embebido com a substânciaé encostado no nariz e na boca e seus vapores são inspirados. Alguns usuários aquecem esses compostos para acelerar a vaporização. As substâncias a serem inaladas também podem ser colocadas em um saco plástico ou de papel, para aumentar a concentração dos vapores. Podem, ainda, ser inalados de suas embalagens e os aerossóis podem ser levados diretamente à boca ou ao nariz. Sob o ponto de vista de saúde pública, o uso de inalantes é uma forma importante e ainda pouco reconhecida de uso de substâncias em muitos lugares do mundo. No entanto, seu uso atravessa todas as fronteiras demográficas, étnicas e socioeconômicas, causando morbidade e mortalidade significativas, principalmente, em crianças em idade escolar e em adolescentes. Quais as razões para o uso de inalante entre as populações de jovens? 89 Ter curiosidade sobre o efeito; Sentir-se aborrecido; Ter facilidade de acesso em comparação com outras drogas; Fazer uso associado à diversão ou à busca de relaxamento; Ter opinião de que essa droga não é perigosa; Esquecer-se dos problemas; Sentir-se triste ou ansioso; Haver pressão dos seus pares; Impressionar terceiros; Estar com raiva de alguém; Estar com problemas familiares; Ter raiva de si mesmo; Gostar dessa droga mais do que de outras. Quanto aos efeitos agudos de inalantes e solventes, podemos verificar os seguintes sintomas: EFEITOS AGUDOS DE SOLVENTES E DE INALANTES Primeira fase Fase de excitação, em que o indivíduo sente euforia, excitação, tonturas, perturbações auditivas e visuais. Pode gerar efeitos como náuseas, espirros, tosse, salivação e faces avermelhadas. Segunda fase Ocorre a depressão do sistema nervoso central, com efeitos de confusão, desorientação, voz pastosa, visão embaçada, perda do autocontrole, dor de cabeça, palidez e alucinações visuais e auditivas. Segunda fase Há redução acentuada do estado de alerta, incoordenação ocular, incoordenação motora, fala enrolada, reflexos deprimidos e alucinações. Quarta fase Caracterizada por estados depressivos tardios. Podem ocorrer queda da pressão, sonhos estranhos, inconsciência e episódios de convulsões. Fonte: Diehl e Figlie (2015) Quanto a síndrome de abstinência dos solventes não foi bem documentada e parece não ser clinicamente significativa. Também não está clara qual é a intensidade da exposição (duração e dosagem) necessária para resultar em sintomas de abstinência. Normalmente inicia-se 24 a 48 h após a cessação do uso, pode durar de 2 a 5 dias e inclui perturbações do sono, tremores, irritabilidade, respiração acelerada, náuseas e desconforto no abdome e no tórax. 90 A morbidade psiquiátrica é alta entre os usuários de inalantes, mas há poucas evidências para considerá-la um resultado direto do uso dessas substâncias. Já há relato de caso de indução de sintomas de mania. O uso de inalantes também tem sido associado a conseqüências clínicas, como alterações cardíacas (por exemplo, prolongamento do espaço QT e morte súbita por parada cardíaca) e neurológicas relativas ao prejuízo de funções cognitivas, à redução do volume talâmico e a prejuízo nas esferas. Enfim a cada descoberta de uma nova substância, é preciso lidar com um novo evento relativamente excepcional, porque nem sempre há uma resposta regulatória envolvida na avaliação dos riscos à saúde pública e à inclusão da nova substância na lista de substâncias controladas em muitos países. Isso é válido, em especial, para o grupo de alucinógenos e inalantes, porque muitos deles são plantas, cogumelos e fungos que já existem na natureza ou que são usados em rituais e em contextos culturais religiosos e/ou espiritualistas. Ou, no caso dos inalantes, são substâncias comercializadas com certa facilidade no mercado legalizado (Cordeiro, 2018). Módulo 5: Prejuízos neuropsicológicos na dependência química Constructos Cognitivos “O que se vê depende do que acontece no cérebro.” Bertrand Russell Pontos chaves Entendimento da Neuropsicologia e suas interfaces. Compreensão dos domínios cognitivos. Impacto dos comprometimentos nas esferas cognitiva, comportamental e emocional do dependente químico. Ao se falar de Neuropsicologia, devemos nos remeter ao seu fundador, Luria foi da Neuropsicologia contemporânea, mas também teve papel proeminente no desenvolvimento da psicologia histórico-cultural. Uma das idéias essenciais da abordagem de Luria é a noção de que vínculos funcionais entre regiões cerebrais são construídos historicamente. Luria promove uma desconstrução da idéia de função ao sugerir que, em suas formas complexas, esta não pode ser atribuída a um único órgão ou tecido, questionando até então as 91 teorias localizacionista da época. Modalidades complexas de cognição seria, segundo ele, um exemplo privilegiado de funcionamento sistêmico, com diferentes áreas cerebrais trabalhando em concerto para sua consecução. Luria identifica três sistemas com base em contribuições funcionais específicas: uma unidade de sono-vigília, uma de processamento sensorial e armazenamento de informação e uma de regulação e monitoramento de atividades. Se Luria é o “pai” da Neuropsicologia moderna, então qual o conceito dessa ciência? A Neuropsicologia pode ser definida como uma subárea das neurociências, tendo uma interface com a Psicologia, que visa à aplicação dos princípios de avaliação e intervenção baseados no estudo científico do comportamento humano ao longo do ciclo vital relacionado ao funcionamento normal e alterado do sistema nervoso central, em outras palavras, a Neuropsicologia atua mais freqüentemente no estudo das funções mentais superiores. Já a neurociência tem sido vista como um ramo da biologia. Entretanto, atualmente ela é uma ciência interdisciplinar que colabora com outros campos como a educação, química, ciência da computação, engenharia, antropologia, lingüística, matemática, medicina e disciplinas afins, filosofia, física, comunicação, anatomia e psicologia. O termo neurobiologia é usado alternadamente com o termo neurociência, embora o primeiro se refira especificamente à biologia do sistema nervoso, enquanto o último se refere à inteira ciência do sistema nervoso. O estudo do funcionamento do sistema nervoso central e dos temas da Neurociência, em especial as capacidades de aprendizagem, a organização de informações, a memória, a manutenção e alteração de comportamentos e o controle e manifestação das emoções, pode ocorrer por diversos caminhos: desde sua estrutura básica (o cérebro e suas funções), a partir da Medicina (em especial a Neurologia e a Psiquiatria), passando pelo funcionamento e/ou disfunções eletro bioquímicas do cérebro, recuperação de funções perdidas por traumas físicos ou ocasionadas por doenças, identificação de regiões no córtex cerebral responsáveis por determinadas funções (como a fala, a memória, a discriminação de informações etc.), a relação entre os estímulos ambientais e o desenvolvimento da inteligência, o papel das emoções nas relações humanas. 92 D e acordo com Santos, Andrade e Bueno (2018) pg. 92, “O cérebro é a parte mais volumosa do encéfalo composta por um conjunto de estruturas (telencefálicas e diencefálicas), bilateral e simetricamente dispostas. As estruturas cerebrais estão distribuídas a partir da superfície dos hemisférios, que são recobertos por uma fina camada celular (córtex cerebral), enquanto a região mais interna é composta pela substância branca, pelo hipocampo, pela amígdala e pelos núcleos da base. Em termos evolutivos, o córtex cerebral é a porção mais recente do SN, sendo responsável por funções como percepção, controle dos movimentos e das ações, comportamentos e funções cognitivas (aprendizagem, memória, linguagem, inteligência)”. Podemos ver na imagem abaixo o encéfaloe seus lobos corticais: Saiba mais... A cognição é a expressão de um conjunto de processos cerebrais complexos, responsáveis pela elaboração do conhecimento que o ser humano adquire e necessita ao longo de seu desenvolvimento. Dessa forma, quando nos referimos aos processos cognitivos, estamos falando sobre funções cerebrais, das quais podemos destacar a atenção, a memória, a linguagem, as funções executivas, as funções visuoespaciais e praxias e a percepção. As funções cognitivas são habilidades desempenhadas em várias áreas cerebrais, que trabalham de forma cooperativa por meio de vias de conexão neuronal. 93 Fonte: Livro Neuropsicologia Hoje (2015) Vimos na figura acima que cérebro é organizado em regiões funcionais, que são chamados de lóbulos corticais, no qual podemos citar: lobo frontal, lobo temporal, lobo parietal, lobo occipital e lobo da ínsula. Segue as áreas corticais com suas respectivas funções: Funções Parietal Processamento de informações táteis e integração sensorial multimodal. Temporal Processamento de informações auditivas, gustativas e olfatórias, além de integração multimodal e de linguagem (percepção lingüística). Occipital Processamento de informações visuais e integração sensorial multimodal Frontal Planejamento e processamento motor voluntário, integração de funções superiores, como expressão da linguagem, consciência, raciocínio e tomada de decisão. Insula Processamento emocional para coordenação de comportamentos e estados emocionais. Já o córtex cerebral é formado por uma camada de substância cinzenta pregueada, compondo giros que se dobram em reentrâncias (sulcos), as quais delimitam as circunvoluções que revestem externamente os hemisférios cerebrais. Ele apresenta uma organização funcional em áreas, as quais são divididas em primárias e associativas 94 unimodais (secundárias) e multimodais, dedicadas à integração de informações sensoriais, motoras e da linguagem, assim como a outras funções executivas (atenção, motivação, percepção, memória, raciocínio, cognição, planejamento, lógica, consciência, pensamento). As funções executivas estão relacionadas à nossa capacidade de direcionar o comportamento a objetivos, sendo à base da nossa intencionalidade e capacidade de autogestão. É um conjunto de processos mentais que de forma integrada permite o individuo direcione seu comportamento a metas, avalie a eficiência e a adequação desses comportamentos abandonando estratégias ineficazes a fim de resolver determinado problema. O construto memória, “faz de nós aquilo que somos e podemos vir a ser, pois cada lembrança recordada ou esquecida faz com que sejamos sujeitos únicos, uma vez que, para duas pessoas, vivenciando a mesma situação, a forma como esse momento será armazenado será distinta, levando a pontos de vista diferentes que, por sua vez, trarão recordações diferentes. O conjunto de memórias de cada pessoa influencia a sua personalidade. Devido a essa característica, nenhuma pessoa é capaz de ser igual a outra, mesmo gêmeos monozigóticos originarão seres humanos totalmente diferentes, de acordo com as experiências de memória que tiverem”. (IZQUIERDO, 2011) A atenção refere-se à capacidade ou ao processo pelos quais o organismo se torna receptivo aos estímulos internos e externos. Proporciona habilidades que orientam o organismo a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-lo, inibindo estímulos internos (pensamentos e memórias) e externos (sensações), sendo subdividida em diferentes tipos: atenção seletiva, atenção sustentada, atenção dividida, atenção alternada e amplitude atencional. Praxia e visuconstrução caracterizam-se como funções neuropsicológicas complexas que correspondem a sistemas de movimentos coordenados em função de um resultado ou intenção. Denomina-se apraxia a dificuldade/ impossibilidade de realizar corretamente movimentos gestuais como conseqüência de um acometimento neurológico que afete o planejamento motor, estando ausentes alterações sensoriais, perceptivas, motoras (anteriores à lesão) e de compreensão. Esses comportamentos são inúmeros e muito variáveis, envolvendo diversas habilidades neuropsicológicas. No contexto prático, a avaliação neuropsicológica é indicada quando as queixas extrapolam o uso das substâncias e refletem transtornos cognitivos– comportamentais que afetam o rendimento do trabalho, a aprendizagem e as relações interpessoais. Essas alterações ficam mais claras quando o indivíduo tenta manter suas atividades, mas demonstra dificuldades ou diferenças em seu desempenho. 95 Nota-se que a utilização da substância psicoativa causa impacto no sistema nervoso, sendo extremamente nocivo ao equilíbrio físico, cognitivo, comportamental e emocional do indivíduo. Com isso, a avaliação neuropsicológica pode contribuir para o levantamento de possíveis prejuízos cognitivos, possibilitando a identificação de comportamentos alterados e o desenvolvimento de estratégias para minimizar esses déficits. Portanto o uso de substâncias e a presença de prejuízos cognitivos podem, de forma potencial, produzir alterações comportamentais, emocionais e de personalidade nesses indivíduos, aspectos que devem ser considerados em um processo de tratamento e reabilitação neuropsicológica. Comprometimentos da atenção e funções executivas “O que se vê depende do que acontece no cérebro.” Bertrand Russell Pontos chaves As funções executivas são habilidades cognitivas que permite o sujeito orientar o comportamento a metas. A atenção é o construto cognitivo pelos quais o organismo se torna receptivo aos estímulos internos e externos. A identificação precoce das alterações cognitivas possibilita o aumento das chances de adequar uma intervenção ao dependente químico. Para Malloy-Diniz, Paula, Sedó, Fuentes e Leite (2014), As funções executivas correspondem a um conjunto de habilidades que, de forma integrada, permitem ao indivíduo direcionar comportamentos a metas, avaliar a eficiência e a adequação desses comportamentos, abandonar estratégias ineficazes em prol de outras mais eficientes e, desse modo, resolver problemas imediatos, de médio e de longo prazo. Essas funções são requisitadas sempre que se formulam planos de ação e que uma seqüência apropriada de respostas deve ser selecionada e esquematizada. 96 “As funções executivas compreendem diversos processos relativamente independentes, os quais interagem entre si em uma estrutura hierárquica ou simplesmente paralela.” Os complexos circuitos relacionados às funções executivas envolvem diferentes sistemas de neurotransmissão, de modo que alterações nesses sistemas também estão relacionadas ao desempenho das funções executivas. Por exemplo, as vias dopaminérgicas estão relacionadas a memória operacional, atenção, controle inibitório, planejamento, flexibilidade cognitiva e tomada de decisão, as vias serotonérgicas são particularmente importantes para processos como o controle inibitório e a tomada de decisão afetiva. Na região pré-frontal dorsolateral é uma área que está relacionada a processos cognitivos de estabelecimento de metas, planejamento, solução de problemas, fluência, categorização, memória operacional, monitoração da aprendizagem e da atenção, flexibilidade cognitiva, capacidade de abstração, auto-regulação, julgamento, tomada de decisão, foco e sustentação da atenção. O córtex orbitofrontal pré-frontal é fortemente interconectado com áreas de processamento cognitivo e emocional. Esta área tem sido associado a aspectos do comportamento social, como empatia, cumprimento de regras sociais, controle inibitório e auto-monitoração. Seu comprometimento está geralmente associado a comportamentos de risco e alterações da personalidade caracterizadas por redução da sensibilidade às normas sociais,infantilização e dependência de reforço evidente e baixa tolerância à frustração. Há também prejuízo no julgamento social, no aprendizado baseado em emoções. O circuito do giro do cíngulo anterior é importante para a motivação, a monitoração de comportamentos, o controle executivo da atenção, a seleção e o controle de respostas. Comprometimentos nesse circuito podem levar a dificuldades na realização de atividades que requerem manutenção de respostas e controle da atenção. Como conseqüência do comprometimento dessas circuitaria, o paciente pode apresentar apatia, dificuldades em 97 controlar a atenção, dificuldade em identificar e corrigir erros produzidos a partir de tendências automatizadas, desinibição de respostas instintivas. Já em relacionada à atenção, esta é a capacidade ou ao processo pelos quais o organismo se torna receptivo aos estímulos internos e externos. Proporciona habilidades que orientam o organismo a mudar o estímulo, trocar o foco e/ou sustentá-lo, inibindo estímulos internos (pensamentos e memórias) e externos (sensações). A atenção pode ser classificada em: • Amplitude atencional – quantidade de informação que pode ser processada ao mesmo tempo; • Atenção seletiva – capacidade de selecionar uma ou mais informações em um determinado momento; • Atenção sustentada – capacidade para manter uma atividade atencional por um período determinado de tempo; • Atenção dividida – capacidade de executar duas ou mais tarefas simultaneamente, no contexto de uma tarefa complexa; • Atenção alternada – implica disposição para mudar de foco e de tarefa. A identificação precoce das alterações cognitivas possibilita o aumento das chances de adequar uma intervenção ao dependente químico. Além disso, auxilia no complemento do diagnóstico, esclarecendo possíveis dificuldades que o indivíduo possa enfrentar para se manter abstinente ou evitar uma recaída. 98 Na dependência do álcool, a literatura nos informa que o papel das estruturas do córtex pré-frontal na dependência é ativado em sujeitos durante a intoxicação, craving, bienging, sendo desativado com a retirada da substância. Estas regiões estão envolvidas, também, nos níveis superiores de ordem cognitiva e motivacional, tais como a capacidade de acompanhar, atualizar e modular a evidência de um reforço da capacidade de controle prepotente de inibir as respostas. É visto também desmotivação para mudança de comportamento. As alterações constatadas nas capacidades de planejamento e flexibilidade mental estão diretamente relacionadas com a dificuldade de fazer escolhas assertivas com relação à manutenção da abstinência e afetando a aderência ao tratamento. Já nas substâncias estimulantes do sistema nervoso central, estas tendem a apresentar maiores prejuízos de controle inibitório, através de prejuízos no processamento cognitivo e no monitoramento de respostas, além de níveis elevados de impulsividade, comprometimento da atenção sustentada e retenção verbal em tarefas que exigem maior tempo de elaboração, problemas na fluência verbal que podem determinar dificuldades de aprendizagem. Já em usuários de crack é percebido índice mais elevado de raiva e agressividade. Já em usuários de maconha percebem-se déficits no controle inibitório e no planejamento, parecendo haver uma relação entre dose ingerida e aumento de comportamentos impulsivos em sujeitos que fazem uso leve da maconha. Já em estudos de efeito do uso crônico da maconha, os déficits encontrados dizem respeito à capacidade de abstração, formação de conceitos e flexibilidade mental, apesar de controvérsias, déficits persistentes no funcionamento executivo. Comprometimentos da memória “O que se vê depende do que acontece no cérebro.” Bertrand Russell Pontos chaves A memória é a capacidade de adquirir, armazenar e recuperar diferentes tipos de informações. A memória é subdividida em diversos tipos. O comprometimento da memória impacta no tratamento do dependente químico. 99 Segundo Santos, Andrade e Bueno (2015) a memória caracteriza-se pela capacidade de adquirir, armazenar e recuperar diferentes tipos de informações, sendo fundamental para a sobrevivência e a formação da identidade. O ser humano se constitui a partir de momentos e experiências vivenciados ao longo da vida. Aprender a locomover-se e a comunicar-se o torna apto para o convívio social. A personalidade se caracteriza por seus gostos, opiniões e posicionamentos, baseados também nas experiências de vida. As ciências cognitivas que vêm sendo desenvolvidas há vários anos consideram que a memória não é uma entidade única, mas subdividida em vários tipos e subtipos: memórias de longo prazo (MLP), que, por sua vez, podem ser divididas em memória declarativa (ou explícita) e memória não declarativa (ou implícita). A memória declarativa consiste na lembrança consciente de eventos pessoais e de fatos culturais aprendidos ao longo da vida, se subdividindo em memória episódica e memória semântica. A memória implícita é aprendida aos poucos, com repetições que seguem as mesmas regras. Elas compreendem diversos tipos, como a memória de procedimento, o condicionamento clássico (pareamento entre estímulos), o condicionamento operante (relação de contingência entre uma resposta e um estímulo reforçador), a habituação, a sensibilização. Outra distinção antiga entre os sistemas de memória é aquela entre memória de curto prazo e de longo prazo, conforme o tempo e a capacidade de armazenamento. A memória de curto prazo armazena conteúdo limitado (cerca de quatro itens ao mesmo tempo) e apenas por alguns segundos, enquanto a memória de longo prazo é capaz de armazenar quantidade ilimitada de informações por minutos ou anos. Sendo assim podemos compreender que a memória de curto prazo foi conceitualmente englobada por outro sistema: o de memória operacional. A memória operacional (working memory) é entendida como a capacidade de manter e, ao mesmo tempo, manipular informações por um período breve de tempo. No uso abusivo e crônico de álcool, estudos relatam através de neuroimagem que os danos estruturais e funcionais afetam o hipocampo e os lobos frontais, e até mesmo no córtex cerebelar. Em quadros de intoxicação aguda por álcool, há sérias conseqüências como a síndrome de Korsakoff e demência alcoólica, causando perda de memória recente, prejuízo para novos aprendizados, perturbação em relação ao tempo, produção de falsas memórias. 100 Com o uso da maconha, percebemos que há um aumento no risco de derrame e a diminuição de certas regiões do cérebro como a amígdala e o hipocampo, que são ricas em receptores para o tetrahidrocanabinol (THC). Isso pode afetar diretamente a capacidade de memorização e a regulação de emoções como medo e agressividade. Nota-se também alterações anatômicas do hipocampo (área de formação de novas memórias) e estruturas do sistema límbico (amígdala), podendo agravar as funções referente à memória e atenção. A cocaína apresenta um enorme potencial para a dependência, sendo capaz de estimular o funcionamento cerebral, causando déficit na concentração, memória visual e verbal, no aprendizado. De acordo com estudos o uso crônico da cocaína causa alterações neuronais e sinápticas em diferentes regiões cerebrais incluindo o hipocampo. Vemos então, a importância da memória em nossas vidas. A memória refere-se à retenção dos conhecimentos adquiridos sobre o mundo. Ela transforma o passado em presente, nos possibilita a aquisição de novos conteúdos promovendo assim os aprendizados durante a vida. Nota-se que o uso da substância, seja ele crônico ou agudo, provoca alterações significativas nesse construto neuropsicológico. As alterações evidenciadas na memória podem comprometer o tratamento na dependência quimica, fazendo com que o sujeito não aprenda de formaeficiente o programa proposto acarretando em dificuldades na mudança comportamental. Comprometimentos da Praxia e visuo-construção “O que se vê depende do que acontece no cérebro.” Bertrand Russell Pontos chaves Praxia e visuoconstrução construtos complexos do funcionamento do individuo. Na visuoconstrução os comprometimentos estão relacionados na capacidade de realizar o escaneamento espacial, na construção e na utilização e manipulação da informação a partir de imagens visuais. Os termos Praxia e Visuoconstrução designam uma esfera complexa do funcionamento humano, a da capacidade de realizar atos voluntários no plano prático. Uma 101 gama grande de atividades depende dessas capacidades, desde o ato de se vestir, escovar os dentes, até a realização de tarefas mais complicadas como construir um modelo ou maquete tridimensional. Em outras palavras, praxia e visuoconstrução se referem às habilidades que permitem executar ações voltadas a um fim no plano concreto, através da atividade motora. Os comportamentos ditos práxicos ou visuoconstrutivos são muitos e variáveis, portanto envolvem diferentes processos neuropsicológicos. A capacidade para desempenhar essas atividades requer algumas condições: percepção visual, raciocínio espacial, habilidade para formular planos ou metas, comportamento motor e capacidade de monitorar o próprio desempenho. Assim, um prejuízo em algum desses componentes pode ocasionar um distúrbio práxico/visuo-construtivo. Apraxia é uma desordem neurológica que se caracteriza por provocar uma perda da capacidade em executar movimentos e gestos precisos que conduziriam a um dado objetivo, apesar do paciente ter a vontade e a habilidade física para os executar. Resulta de disfunções nos hemisférios cerebrais, no lobo frontal, mais especificamente no córtex motor e na sua área motora secundária. Caracteriza-se, mais especificamente, na diminuição da capacidade para executar atividades motoras, apesar destas, a função sensorial e a compreensão da tarefa requerida, estar intactas. Assim temos as seguintes apraxias: Apraxia Ideomotora; Inabilidade para a realização de uma seqüência lógica e harmoniosa de gestos de um ato complexo. Apraxia Ideativa; Apraxia Ideatoria; Apraxia Visioconstrutiva; Apraxia Conceitual. No que tange a dependência quimica e a visuoconstrução, podemos verificar comprometimentos na capacidade de realizar o escaneamento espacial, na construção e na utilização e manipulação da informação a partir de imagens visuais. Prejuízos nas medidas de orientação alocêntrica, na análise de característica e configuração e em três tarefas de memória espacial anterógrada. Aspectos fundamentais do processamento de informações espaciais, dificuldades em processar a informação espacial e, desta forma, o desempenho em tarefas de navegação espacial estarão comprometidas significativamente. 102 Reabilitação neuropsicológica e dependência química “O que se vê depende do que acontece no cérebro.” Bertrand Russell Pontos chaves Neuropsicologia é uma interface entre a psicologia e neurociências, que visa o estudo da relação entre o Cérbero e o comportamento humano. A reabilitação neuropsicológica na dependência quimica auxilia na melhor adesão ao tratamento. A reabilitação neuropsicológica melhora os processos cognitivos que auxiliarão na mudança comportamental. A palavra reabilitação provém de rehabilitario, em latim, que significa restauração, recuperação. É um termo formado pela junção de duas palavras re (de novo) e habilitare (adequar), esta, derivada de habilis, significa fácil adaptação. Já o termo Neuropsicologia, propõe o conhecimento do cérebro e comportamento, dando ênfase na cognição. Dentro da Neurociência a possibilidade do cérebro reorganizar seus múltiplos padrões de respostas e conexões mediante a experiência, mesmo após diversos tipos de dano cerebral, é um dos aspectos mais fascinantes das fronteiras das neurociências com a reabilitação. Através dos mecanismos da plasticidade neural, a própria lesão representa um impulso mobilizador para que o cérebro reprograme seus padrões originais de funcionamento e especialização hemisférica. Nesse sentido, conhecer de que maneira os mecanismos de compensação, adaptação e modelagem neural são passíveis de serem acionados pelos diferentes tipos de experiências e estratégias de reabilitação é um desafio constante para os profissionais que atuam com reabilitação de doenças neurológicas (Gomez, 2012). Nesse panorama, a Reabilitação Neuropsicológica, segundo Miotto (2015) é entendida um conjunto de procedimentos e técnicas que visam promover o restabelecimento do mais alto nível de adaptação física, psicológica e social do indivíduo incapacitado. Sendo assim a reabilitação neuropsicológica é um processo que busca capacitar pacientes com prejuízos cognitivos, oferecendo-lhes um maior ajustamento biopsicossocial, proporcionando, ao maior nível possível, sua capacidade de autonomia e independência dos 103 demais. Esse processo também implica em orientar os familiares e/ou cuidador para que esses tenham maior habilidade em lidar com as conseqüências físicas e psicólogas causados por lesão, doença, ou pelas conseqüências decorrentes do abuso de drogas. Dentre os programas de reabilitação neuropsicológica existentes, eles podem apresentar as seguintes abordagens e objetivos: Recuperar ou restaurar a função cognitiva comprometida; Potencializar a plasticidade cerebral ou a reorganização funcional por meio das áreas cerebrais preservadas; Compensar as dificuldades cognitivas com meios alternativos ou auxílios externos que possibilitem a melhor adaptação funcional; Modificar o ambiente com tecnologia assistida ou outros meios de adaptação às dificuldades individuais de cada paciente. O consumo substâncias psicoativas atuam sobre o cérebro, alterando de alguma maneira o psiquismo. Com isso, pode-se observar em usuários de substâncias o aparecimento de comportamentos inadequados ou ineficientes, ou seja, habilidades que antes eram executadas de forma satisfatória podem expressar falhas com o uso prolongado da droga, manifestando prejuízos no funcionamento. Esses vários comprometimentos cognitivos afetam na funcionalidade do usuário, bem como na adesão de seu tratamento. Mas porque é importante ter a reabilitação neuropsicológica como uma estratégia dentro do tratamento em dependência quimica? “É importante que a intervenção seja interdisciplinar, uma vez que o individuo apresenta diferentes funções cognitivas e participa de diferentes domínios”. 104 Mediante ao uso de sustâncias, várias funções cognitivas ficam comprometidas. A reabilitação das funções prejudicadas, à medida que são estimuladas, intervêm positivamente na adesão ao tratamento da dependência química, além de que com a intensificação do tratamento maiores habilidades serão exigidas, como: controle da impulsividade, compreensão dos conceitos abstratos, reconhecimento de suas restrições, planejamento da rotina, habilidades de comunicação, no qual interferirão nas mudanças de comportamento auxiliando o usuário na sustentação e manutenção da abstinência e na sua re-socialização. Portanto, a intervenção realizada sob a ótica da Neuropsicologia no de tratamento da dependência química, objetiva auxiliar o tratamento do paciente e a orientação familiar, melhorando os processos cognitivos que implicam, diretamente, em melhoras na mudança de comportamento. Vemos também que com a reorganização das capacidades cognitivas há possibilidade na ampliação das estratégias de reconstrução da autonomia, dos processos decisórios e, mais do que isso, no resgate do sentimento de competência, ora perdido durante o uso abusivo da substância. Nesse cenário surge um grande desafio parao futuro, que é a ampliação da capacidade de tratamento para o dependente químico, aliando as várias frentes de intervenção reunidas em uma equipe interdisciplinar que inclua o enfoque neuropsicológico. Módulo 6: Populações Especiais Crianças e Adolescentes “O que se faz agora com as crianças é o que elas farão depois com a sociedade”. Karl Mannheim Pontos chaves Principal tarefa na adolescência é a construção da identidade própria, de sua imagem e papel social. O uso de drogas na infância e adolescência é um dos principais problemas das sociedades atuais. Não há critérios diagnósticos específicos para essa fase no DSMV, se utiliza os critérios gerais. Os primeiros contatos com o álcool e outras drogas geralmente ocorrem na adolescência. Nos anos de 1950 a 1960, isso acontecia por volta dos 18 anos, quando os jovens ingressavam na faculdade. Nas últimas décadas, porém, a experimentação tem sido cada vez mais precoce, com 105 quadros de uso e dependência incidindo em idades menores, apesar de os esforços preventivos estarem aumentando. A principal tarefa na adolescência é a construção da identidade própria, de sua imagem e papel social. É um momento no qual ocorre o desenvolvimento de várias habilidades; sendo necessário que o indivíduo tenha a oportunidade de ser estimulado. Assim, os jovens experimentam novos contatos sociais, novos atividades de lazer e começam a treinar papéis visando a sua escolha vocacional. Por isso, é natural que enfrentem novas situações, sintam insegurança e se deparem com a necessidade de fazer escolhas, o que pode acontecer com a experimentação do uso de substâncias psicoativas nessa fase. De acordo com a literatura, felizmente, a maioria dos adolescentes interromperá o uso de drogas conforme for assumindo outros papéis na vida adulta, porém o consumo de tabaco constitui exceção, tendendo a permanecer na idade adulta. Há, ainda, indivíduos que progredirão do consumo em geral experimental dessa fase para padrões mais graves de uso e dependência, que na adolescência costuma envolver múltiplas drogas. Alguns autores relatam que o uso experimental de certas substâncias, entre elas álcool, tabaco e também algumas ilícitas, é considerado como um comportamento dentro do padrão normal de desenvolvimento na adolescência. Ainda que o consumo de álcool e tabaco seja legalmente proibido para menores de 18 anos, o seu uso não deveria ser visto automaticamente como patológico. O uso da droga pelo adolescente geralmente se faz por curiosidade. Ele busca uma sensação diferente, algo que pode ser incentivado e valorizado pelo grupo. O problema é que o consumo precoce pode afastar o adolescente de seu desenvolvimento normal, impedindo-o de experimentar outras atividades importantes nessa fase da vida. A experimentação de uma substância expõe o adolescente a outros fatores de risco, que podem contribuir para a evolução do uso regular para a dependência. Não se sabe, porque ainda não há relatos científicos consistentes de que os adolescentes têm maior predisposição para passar do uso experimental para a dependência, mas o fato é que o consumo será um fator de risco para o desenvolvimento normal e saudável nessa fase. De acordo com Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019), dos estudantes do último ano das escolas secundárias dos Estados Unidos, 61,2% já experimentaram álcool, sendo que 33,2% fizeram uso no último mês e 1,3% destes bebem diariamente. No Brasil, em levantamento realizado em 2010 entre estudantes de ensino fundamental e médio da rede de escolas 106 públicas, 60,5% referiram já ter consumido álcool em algum momento, sendo que 21,2% o haviam feito no último mês, 2,7% apresentaram uso freqüente (seis ou mais vezes no último mês) e 1,6% uso pesado (20 ou mais vezes no último mês). O uso na vida de álcool nos estudantes no Brasil foi menor do que na Argentina (73,2%), no Uruguai (75,1%) e no Chile (78,4%), mas próximo do verificado no Paraguai (62,9%) e na Costa Rica (60,4%), além de maior do que na Bolívia (46,5%) e na Venezuela (47,2%). O uso de álcool e outras drogas estão relacionados com 50% dos suicídios em jovens, sendo que o consumo específico de álcool está ligado com 80 a 90% dos acidentes automobilísticos na faixa dos 16 aos 20 anos. Observa-se que um início mais precoce do uso está associado a pior prognóstico na vida adulta, com maior chance de uso pesado, dependência e evidencias de quadros comorbidos. Nesse panorama, o uso do tabaco também está entre as substâncias mais consumidas pelos jovens. No Brasil, no levantamento de 2010, os números entre os estudantes de ensino fundamental e médio mostram que 16,9% já tinham feito uso na vida, 9,6% no último ano, e 5,5% no último mês. Em relação o uso de outras substâncias, podemos conferir na tabela a prevalências e incidência dentro dessa população: PREVALÊNCIA DE USO DE DROGAS NA VIDA* ENTRE ESTUDANTES COMPARAÇÃO ENTRE VÁRIOS PAÍSES (DADOS PERCENTUAIS) Drogas Brasil Chile Venezuela Franca Itália Grécia EUA Álcool 60,5 78,9 47,2 84,0 84,0 94,0 41,9 Cigarro 16,9 57,2 - 55,0 58,0 39,0 18,2 Maconha 5,7 26,5 1,7 31,0 27,0 9,0 28,6 Solvente 8,7 7,0 0,7 6,0 6,0 13,0 6,5 Cocaína 2,5 5,9 0,6 4,0 3,0 1,0 2,3 Ansiolíticos 5,3 15,6 15,8 10,0 5,0 4,0 5,5 Anfetaminas 5,3 2,6 6,4 2,0 3,0 2,0 8,1 *Uso na vida: quando a pessoa fez uso de qualquer droga psicotrópica pelo menos uma vez na vida. Fonte: Adaptada de Carlini e colaboradores (2010); Comisión Interamericana para el Control del Abuso de Drogas (2015); Kraus e colaboradores (2016); Ministério del Interior y Seguridad Pública (2011); Monitoring the Future Study (2016). 107 Outra questão que não deve cair no esquecimento é o problema do uso de esteróides anabolizantes nessa fase. Bahrke e colaboradores (1998), em uma breve revisão da literatura por ocasião do relato de um grupo de casos, observam que a prevalência do uso dessas substâncias alcança 6,6% dos adolescentes do sexo masculino de uma escola de ensino médio e que o risco de uso chega a ser 2 a 3 vezes superior nos jovens desse sexo quando comparado com o sexo feminino. A literatura discursa que o consumo de anabolizantes é mais provável em grupos de adolescentes que estão envolvidos em musculação e levantamento de peso, em uma tentativa de melhorar a aparência como conseqüência de insatisfação com a própria imagem corporal. Outro fato importante apontado é a associação do uso de anabolizantes com o de outras drogas ilícitas. No Brasil, a prevalência de uso na vida de anabolizantes entre estudantes foi de 1,4%. Outra classe de substâncias que tem sido estudada é a dos energéticos — substâncias muito associadas ao álcool para aumentar o efeito excitatório. Entre os estudantes brasileiros, a prevalência de uso na vida de energéticos (associados ao álcool) é de 15,4%. A estimativa da prevalência do consumo de drogas se depara com a dificuldade de mensurar a ocorrência de um comportamento ilegal, sendo, dessa forma, subestimada em relação aos números reais. O consumo de drogas existentes na população de crianças e adolescentes é um dos principais problemas das sociedades atuais. As pesquisas trouxeram avanços no entendimento de que o consumo de substâncias pode resultar, para significativo número de pessoas, na adição. No entanto, o diagnóstico de transtorno por uso de substâncias (TUS) ou de dependência entre crianças e adolescentes ainda é um tema controverso, não diferençando a apresentação clinica entre adultos adolescentes, e sem validação para adaptação testada nessa comunidade. Além de a adolescência ser uma fase de desenvolvimento com amplas modificações corporais, emocionais, culturais e sociais, o diagnóstico por TUS torna-se complexo de ser realizado. Com isso o diagnóstico por uso de substâncias em jovens depende mais da sensibilidade do clínico do quede critérios. Para isso, é necessário um entendimento intuitivo desse transtorno, um estilo flexível de abordagem do paciente e uma grande dose de ceticismo. Partindo do pressuposto de que adolescentes usuários de substâncias tendem a mentir, o profissional deve desenvolver a capacidade cognitiva de alternadamente acreditar e duvidar do relato do jovem - o pensamento duplo. Dessa forma, o profissional que está 108 avaliando, deverá considerar se as queixas e os comportamentos relatados podem ser explicados por TUS. Devido às grandes mudanças que ocorrem na adolescência, a família e a escola podem interpretar determinados comportamentos problemáticos como uma fase que logo passará, levando, às vezes, a uma tolerância exagerada às atitudes inadequadas e desvalorizando sinais que podem indicar o uso de substâncias. Para auxiliar no diagnóstico, podemos nos ater alguns sinais que podem elucidar na construção do diagnóstico: Faltas às aulas; Queda do rendimento escolar; Mudanças radicais no vocabulário; Amizades; Estilo de se vestir; Interesses culturais, religiosos ou hábitos de lazer; Isolamento social; Irritabilidade e agressividade; Alterações em hábitos (como horário de dormir e de se alimentar, perda de objetos ou roupas, gastos exagerados, etc.); Mentiras freqüentes; Problemas disciplinares graves no colégio; Envolvimento com brigas ou problemas legais. Em razão das características peculiares da adolescência, a imprecisão dos critérios diagnósticos pode ser substituída por uma graduação de gravidade do uso. Alguns autores propõem a avaliação em níveis de uso ao longo de um espectro que vai da experimentação à dependência (Nowinski, 1990). Essa escala aumentaria a sensibilidade do clínico, evitando que o diagnóstico só se realizasse nos estágios mais graves do problema. No sentido de melhorar essa percepção do clínico, Nowinski (1990) apresenta um esquema de evolução do uso entre adolescentes, com cinco estágios: 1. Experimental (uso motivado pela curiosidade e/ou correr risco); 2. Social (uso relacionado a eventos); 3. Instrumental (busca de substância química para manipular emoções e comportamentos com fins hedonísticos ou compensatórios para enfrentar o estresse ou disforia); 109 4. Hábito (acomodação – área cinzenta que leva à dependência –, na qual o uso de drogas torna-se um estilo de vida para enfrentamento e recreação, e o interesse anterior é abandonado); 5. Compulsivo (acomodação completa, preocupação e deterioração do funcionamento global). Volkow e colaboradores (2016) dividem a adição em três estados recorrentes, com fundamentações nas neurociências: 1. Uso pesado (binge) e intoxicação; 2. Abstinência e afeto negativo; 3. Preocupação e antecipação (craving). Cada estado está associado à ativação de circuitos neurológicos específicos e às conseqüentes características clínicas e comportamentais. Já Blum (1987) propôs um instrumento de avaliação centrado em quatro áreas: 1. Gravidade do problema; 2. Fatores precipitantes (sinais, sintomas, conseqüências e padrões de uso de substâncias); 3. Fatores de risco predisponentes e perpetuadores (genéticos, sociodemográficos, intrapessoais, interpessoais e ambientais); 4. Critérios diagnósticos. Em resumo, o profissional clinico, além dos padrões de critérios diagnósticos, deve ficar atento às mudanças de comportamento que podem indicar o uso de drogas e às conseqüências que esse uso pode trazer às diversas áreas da vida da criança e do adolescente, para estabelecer medidas e intervenções que sejam preventivas, no sentido de minimizar o contato do paciente com as drogas e, no caso de uso, prevenir a evolução do consumo para padrões mais graves de adição. Percebem-se na infância e adolescência certas vulnerabilidades que podem corroborar no início do uso de drogas, na qual podemos citar: Transformações corporais e as dificuldades para estabelecer novas relações e interações sociais (influências ambientais) Curiosidade natural dos adolescentes; Opinião dos amigos e facilidade de obtenção; 110 O fácil acesso às drogas e a oportunidade de uso são fatores importantes no início do consumo; Influência dos modismos; A autoestima; O tipo de papel familiar na formação do adolescente; Os pares de iguais. Analisando-se os fatores internos do adolescente que podem facilitar o uso de álcool e drogas, merece destaque a insatisfação e a não realização em suas atividades, a insegurança e os sintomas depressivos. Os jovens precisam sentir que são bons em alguma atividade, e isso representará sua identidade e sua função no grupo. O adolescente que não consegue se destacar nos esportes, estudos, relacionamentos sociais, entre outras atividades, pode buscar nas drogas a sua identificação. A insegurança quanto ao desempenho exerce o mesmo papel, no sentido de empurrá-lo para experimentar atividades nas quais se sinta mais seguro. Em relação ao uso de esteróides anabolizantes, a insatisfação com a própria imagem corporal e a deposição de muita importância aos atributos físicos, que acabam tendo papel na manutenção da autoestima dos jovens, são fatores de risco para seu uso. Essa função que a droga passa a assumir na vida desses jovens deverá ser obrigatoriamente revista durante o tratamento. A frustração também configura um fator de risco na adolescência. Quanto mais impulsivo e menos tolerante à frustração for o adolescente, maior será o risco. A vivência de eventos adversos (como negligência, abuso físico e sexual, e violência doméstica) também parece aumentar o risco de uso de substâncias, em especial as ilícitas. De forma geral, fatores externos e internos interagem, não sendo possível isolar a ação de cada um. Os citados com maior freqüência são: Uso de drogas pelos pais e amigos; Desempenho escolar insatisfatório; Relacionamento deficitário com os pais; Baixa autoestima; Sintomas depressivos; Ausência de normas e regras claras associada à baixa tolerância Do meio às infrações; Necessidade de novas experiências e emoções; Baixo senso de responsabilidade; Pouca religiosidade; 111 Antecedente de eventos estressantes; Uso precoce de álcool. Para se estabelecer o diagnóstico de TUS, é conveniente usar os seguintes elementos: história clínica e exame do estado mental; Exame físico; Autorrelato; Relato de colaterais (família, amigos, professores e colegas); Entrevistas estruturadas; Exames laboratoriais; Exames de rastreamento de drogas (urina e cabelo). Os principais meios de diagnóstico para o TUS são a entrevista e a avaliação clínica do paciente, o exame do estado mental para o reconhecimento de sinais e sintomas, a determinação do grau e da extensão do uso e o diagnóstico de qualquer problema médico e psicológico relacionado ou preexistente ao uso. Alguns instrumentos estruturados podem ser usados. A aplicação dos questionários Cut down, Annoyed, Guilty, Eye-opener Questionnaire (CAGE), Alcohol Use Disorders Identification Test (AUDIT) (Harris et al, 2014) e Drug Use Screening Inventory (DUSI) (Fidalgo e Formigoni, 2016) são úteis para auxiliar na construção do diagnóstico. DICA: Questionário AUDIT encontra-se no anexo dessa apostila. No que tange as comorbidades presentes em crianças e adolescentes que apresentam TUS são, na sua maioria, os principais diagnósticos diferenciais. Além disso, a correlação entre eles é bastante próxima, gerando confusão diagnóstica, sobretudo em quadros de início muito precoce, como, por exemplo, o transtorno de oposição desafiante (TOD) e quadros ansiosos. Não é incomum que um ataque de pânico ecloda a partir do uso de substâncias, principalmente estimulantes ou álcool. Diagnósticos clínicos como o TDAH, o transtorno da conduta (TC) e o TOD, apresentam sintomascomo hiperatividade, impulsividade, inquietação psicomotora e postura opositora, agressiva e hostil, podem se confundir com o uso ativo de substâncias. Outras condições que em geral se iniciam na vida adulta, como o transtorno bipolar (TB) e a esquizofrenia, podem ter o curso clínico modificado, iniciando-se mais precocemente a partir do uso de substâncias. O transtorno mental comórbido poderá também 112 aprofundar o uso de drogas, e este, por sua vez, tornar a evolução do transtorno mental associado mais grave e de prognóstico menos favorável. Quanto ao diagnóstico de uma comorbidade psiquiátrica esta somente poderá ser considerada a partir do momento em que a criança ou adolescente esteja em abstinência total do uso de quaisquer substâncias por determinado período, pois, do contrário, esse quadro deverá ser considerado parte da sintomatologia produzida pela própria droga. Embora haja uma variedade de abordagens com um bom resultado inicial, os índices de recaída em TUS na adolescência são elevados, muitos jovens não sustentando a abstinência após um ano de tratamento o que impele a elaboração de um plano de cuidados mais prolongado. Algumas estratégias básicas incluem sessões de terapia, treino de habilidades de assertividade, a reestruturação cognitiva a partir de experiências passadas e o tratamento das comorbidades, as quais estão associadas a um pior prognóstico. Mulheres, Gestante e Perinatal “Aquele que é feliz, espalha felicidade. Aquele que teima na infelicidade, que perde o equilíbrio e a confiança, perde-se na vida”. Anne Frank Pontos chaves As taxas de consumo de álcool entre homens e mulheres têm diminuído. População com demandas especifica. Não critérios diagnósticos específicos para essa população no DSMV, normalmente utiliza-se os critérios gerais aliado com as especificidades dessa população. O uso de álcool, fármacos prescritos e de substâncias ilícitas é um problema crescente de saúde pública entre a população das mulheres. O consumo de substâncias entre mulheres na idade fértil representa um peso crescente para a sociedade e para os provedores de saúde em vários locais do mundo. 113 Estima-se que 20 a 30% das mulheres grávidas usem tabaco, 15% usem álcool, 3 a 10% usem maconha e 0,5 a 3% usem cocaína. Importante destacar, no entanto, que a estimativa do consumo de tabaco durante a gravidez é mais conhecida quando comparada com a prevalência de uso de álcool e outras substâncias nesse período, que permanece subestimada ou desconhecida — o que preocupa, considerando que o uso de crack na gravidez, por exemplo, leva a repercussões relacionadas à saúde do recém-nascido e à reestruturação familiar. O uso maconha é relativamente comum entre as usuárias dessa droga, mesmo no período pré-natal e pós-parto. A vigilância do seu consumo entre mulheres grávidas e puérperas é fundamental para entender melhor a relação do uso dessa substância com os desfechos do parto e as experiências pós-parto. Com o envelhecimento, as mulheres passam pela menopausa, experimentando mudanças na composição corporal e na vida, como a aposentadoria ou a perda de um ente querido. O estresse e a depressão relacionados à menopausa podem desencadear o aparecimento de consumo de álcool em binge ou piorar um padrão de consumo preexistente. Você sabia... “A disparidade das taxas de consumo de álcool entre homens e mulheres tem diminuído, em especial, nas últimas duas décadas. O uso dessa substância na forma de binge diminui a qualidade de vida, e quaisquer efeitos positivos potenciais da sua ingestão moderada são minúsculos em comparação com os efeitos adversos causados pelo seu abuso”. 114 Quanto ao tratamento, observa-se que a mulher apresenta mais dificuldade em ter acesso ao tratamento e a se recuperarem da dependência do álcool em relação aos homens, por sofrer os estigmas sociais relacionados ao seu gênero e papel na sociedade. Na população das mulheres, varias vulnerabilidades são visualizadas que podem contribuir para o consumo de substâncias psicoativas. Vejamos algumas: Físicas, biológicas e genéticas: As diferenças entre os gêneros, como o menor volume de água corporal, o aumento da razão corporal entre gordura/água, a menor quantidade da enzima álcool- desidrogenase, responsável pelo metabolismo do álcool no estômago, e a interface do álcool com os hormônios femininos (estrógenos e progesteronas), que aumentam o dano hepático; Os estudos genéticos sobre alcoolismo envolvendo gêmeos monozigóticos mostraram maior influência genética nos homens; As usuárias de substâncias ilícitas são mais prováveis de apresentarem famílias mais (dis)funcionais e falta de modelos parentais de identificação que seus companheiros homens em tratamento. Psicológicas e psiquiátricas: O início do uso entre mulheres tem sido associado a um mecanismo de enfrentamento da timidez, da ansiedade e da baixa autoestima; As mulheres mostram, a partir de alguns discursos comuns, que começaram a fazer uso de substâncias por intermédio e/ou na companhia de suas parcerias afetivas/sexuais/amorosas; As meninas adolescentes estão sob a influência da mídia em relação ao álcool, ao tabaco e aos anorexígenos, que associam o consumo à beleza, à riqueza e ao sucesso profissional; Os transtornos psiquiátricos tendem a ser a morbidade primária, já a dependência é a morbidade secundária, ao contrário dos homens; O consumo de álcool e substâncias também se encontra mais associado a comorbidades psiquiátricas, como os transtornos do humor (mania e depressão), de 115 ansiedade (pânico, fobias e transtorno do estresse pós-traumático [TEPT]) e de personalidade borderline , um preditor de pior desfecho nos tratamentos. Sociais e culturais: As mulheres ainda sofrem com a desvantagem social por causa de uma cultura que segue muito preconceituosa, de relação de poder e de controle sobre seus corpos, muito desigual e discriminatória em diversas sociedades ao redor do mundo; A prevalência, nesse contexto, de discursos como “a mulher não pode se embriagar”, por exemplo, ainda permeiam as narrativas da sociedade patriarcal; A falta de apoio do cônjuge para o início de um tratamento, além de o sistema de saúde carecer de serviços especializados e de os estudos científicos ser raros. Assim, as mulheres buscam menos o tratamento, fazem segredo sobre ele e têm o medo freqüente em relação à perda de seu papel de mãe e esposa; A relação de gênero, violência doméstica (VD) e álcool e substâncias é bem estreita. Durante a gestação: O consumo de substância durante a gestação, qualquer que seja e principalmente no primeiro trimestre, pode causar alguma alteração na formação do feto, provocando diferentes graus de lesões, abortos espontâneos ou mortalidade perinatal, pois tais substâncias atravessam todas as barreiras biológicas, até mesmo a placenta (vulnerabilidade fetal). Aspectos relacionados à sexualidade: A sexualidade da mulher usuária de álcool e outras substâncias traz ainda dois outros aspectos importantes: o aumento no número de parcerias sexuais sem proteção e, conseqüentemente, de infecções pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV); gestação não desejada, principalmente entre adolescentes, trazendo um imenso ônus psicossocial tanto para meninos como para meninas. A detecção precoce do uso de substâncias é crucial na prevenção de diversos problemas de saúde, além de melhorar o prognóstico do tratamento. Assim, a investigação do uso de álcool e outras drogas deveria ser parte integral da avaliação em serviços de saúde em nível primário. Um teste simples que pode auxiliar a identificação de mulheres com potencial problema pelo consumo de álcool é o TWEAK. Este é composto de cinco questões, sendo 116 uma quantitativae quatro com respostas do tipo sim/não e seu nome caracteriza o acrônimo que envolve os aspectos avaliados por essas questões: 1. Tolerance (tolerância): quantas doses de bebida alcoólica você toma até começar a sentir os primeiros efeitos do álcool? 2. Worry (preocupação): parentes e amigos têm se preocupado ou reclamado da sua forma de beber? 3. Eye-opener (alerta): você bebe logo pela manhã às vezes? 4. Amnésia (esquecimento): às vezes, após beber, você sente dificuldade para lembrar o que falou ou fez? 5. K/cut-down (redução): você, às vezes, sente que precisa reduzir ou controlar seu consumo de álcool? A primeira questão recebe dois pontos quando a resposta indica que três ou mais doses seriam necessárias até que os primeiros efeitos do álcool pudessem começar a serem sentidos. A segunda questão recebe dois pontos e as demais recebem um ponto quando a resposta é positiva. As demais questões são pontuados com 2 pontos, caso a reposta seja afirmativa. Ao final somam-se todos os pontos das 5 questões. No escore obtido a presença de pelo menos dois pontos indica que um problema com o álcool possa estar presente e que a mulher deveria ser encaminhada para uma avaliação especializada para que o diagnóstico possa ser corretamente elaborado e o tratamento adequado instituído. Entre as principais recomendações do tratamento de mulheres com transtornos por uso de substâncias (TUS), podemos citar: Realizar a detecção precoce, que é um dos principais pontos do tratamento de mulheres com TUS, pois, quanto antes o tratamento for iniciado, maiores as chances de melhores desfechos; Lembrar que os programas exclusivamente de mulheres, tanto em regime de internação como ambulatorial, tendem a ter melhores desfechos; isto é, os grupos compostos apenas por mulheres podem ser mais atrativos, principalmente no caso de vítimas de violência; 117 Considerar que, quanto mais específico é o desenho do programa para o público feminino, melhores são os resultados; Ter, de preferência, um projeto terapêutico personalizado, o qual pode incluir expressão corporal e trabalhar intensivamente sentimentos e demandas específicas dessa população, como temáticas de filhos, culpa, exigências estéticas, gestação, VD, abuso sexual, prostituição feminina, estigmas, passividade, autoestima, além de oficinas de auto-cuidado com cabeleireiro, de culinária e de dança. Incluir cuidados pré-natais, cuidados ginecológicos e prevenção a HIV/infecção sexualmente transmissível (IST); Atentar que as mulheres grávidas devem ter prioridade no atendimento, de preferência, vinculando o tratamento ao acompanhamento obstétrico e nutricional; Incluir a participação dos filhos durante o tratamento, a qual pode ser desde uma visita, com atividades desenvolvidas para a interação de mãe e filhos, a regimes intensivos, que não afastam os filhos de mães e permitem que sejam cuidados de forma concomitante; Lembrar que os programas devem considerar as diferenças culturais do local onde está inserido; Observar que é importante existir uma competência cultural para compreender as particularidades e heterogeneidades dentro de cada uma das comunidades envolvidas com uso, abuso e dependência de substâncias, assim como reconhecer seus ícones e suas festividades; Envolver líderes comunitários e pares ou semelhantes, em especial, para populações de difícil acesso. Os resultados apontam que a aproximação dos pares na abordagem tende a motivar a busca de tratamento. Incluir suporte social e jurídico, como atenção a creches e transporte; Ter programas abrangentes, sendo que o tratamento deve incluir aconselhamento, educação e orientação, além de intervenções psicossociais e farmacológicas. No tratamento de mulheres usuárias de substâncias psicoativas, devemos incluir a perspectiva social da construção do “ser mulher” ou do “fazer o gênero” na sociedade. Além disso, é preciso tentar integrar não somente multidisciplinaridade para poder perceber que, dentro do universo de mulheres, existem diversas diferenças, materializadas em necessidades e vulnerabilidades distintas, que podem ser compreendidas não somente pelos pesquisadores da área, mas também pelos terapeutas que oferecem cuidados em saúde na área. 118 Idosos “No final, não são os anos da sua vida que contam, e sim a vida ao longo desses anos”. Abraham Lincoln Pontos chaves População com característica especifica para dependência quimica. Dentre as drogas ilícitas utilizadas por essa população, se destacam a maconha, cocaína e heroína. As drogas licitas, temos o álcool e os benzodiazepínicos. Não há critérios diagnósticos específicos no DSMV, utilizam-se os critérios gerias, porém aliados com as especificidades dessa população. A Organização Mundial da Saúde (OMS) classifica, sob perspectiva cronológica, como sendo idosas as pessoas com mais de 65 anos que vivem em países desenvolvidos e com mais de 60 anos quando vivem em países em desenvolvimento. Contudo, o termo idoso inclui adultos com idade maior ou igual a 60 anos, uma vez que foram identificados alguns artigos que consideraram essa idade como limite inferior para esse período da vida. De acordo com pesquisas recentes o indicie de idosos apresenta quadros de TUS vem crescendo nos últimos tempos. Estudos recentes indicam que esse comportamento é maior do que nas gerações anteriores, e que o impacto dessa alteração já é detectado nos atuais atendimentos dos idosos. Dentre as substâncias lícitas usadas por essa população, destacam-se o álcool e medicamentos prescritos (benzodiazepínicos e analgésicos). O uso de substâncias ilícitas ainda é pequeno comparado ao de lícitas e de medicamentos prescritos. Em decorrência das alterações biológicas e sociais determinadas pelo envelhecimento, devem ser consideradas estratégias específicas de prevenção e intervenção precoce ao uso de substâncias no atendimento aos idosos. Na literatura existente, evidencia-se que os critérios diagnósticos para essa população são pouco confiáveis quando empregados a idosos e tendem a minimizar os quadros mais graves. Isso ocorre porque os principais critérios diagnósticos para identificação do uso de substâncias (problemas relacionados com o trabalho, interferências nas interações sociais e aumento da tolerância com a cronicidade do uso) nem sempre se aplicam aos idosos. No entanto, essa população procura atendimento médico com mais freqüência que adultos, 119 aumentando a chance do reconhecimento do uso de substâncias mesmo na presença de um padrão de sintomas de menor intensidade. Em geral, idosos apresentam maior taxa de uso de medicamentos quando comparados com adultos mais jovens. Entretanto, poucos são os estudos que investigaram a prevalência do uso de medicamentos psicoativos nessa faixa etária. Aqueles que o fizeram demonstraram que o consumo dessas substâncias é baixo, mas que apresenta impacto significativo. Dentre os opioides usados para o tratamento da dor, os BZDs, indicados para ansiedade/insônia, são as duas classes de medicamentos que causam as maiores complicações para idosos. Comumente, os idosos que apresentam risco mais elevado de uso de substâncias são mulheres, com isolamento social e história pregressa de uso de substâncias ou transtornos mentais, sendo os benzodiazepínicos a classe que estão mais associados ao aumento do comprometimento cognitivo. Os idosos dependentes de benzodiazepínico apresentam algumas características que podem sinalizar um quadro de dependência, como: como resistência em diminuir a dose do medicamento, descumprimento da orientação de diminuição da dose e solicitação de receitas adicionais fora do dia da consulta, muitas vezes com histórias de que “precisou” tomar medicação a mais para dormir, de que a medicação não faz mais efeito, ou qualquer outradesculpa que possibilite ter acesso facilitado à substância. Em relação ao álcool, há uma associação destes com os medicamentos prescritos, o que piora a sintomatologia clínica desses quadros e determina um crescimento exponencial na hospitalização de idosos. Com o processo de envelhecimento, os idosos passam por mudanças biológicas decorrentes da própria senescência, onde há a redução corporal dos níveis de água, diminuição das enzimas hepáticas, maior vulnerabilidade cerebral, apresentando risco aumentado de interações medicamentosas, o que determina uma maior suscetibilidade aos efeitos decorrentes do uso de álcool. O consumo leve do álcool nos idosos, segundo evidências científicas, não apresentam efeitos significativos na proteção contra doenças coronarianas como é apresentado em adultos de meia-idade. Já o consumo de grandes quantidades de álcool está associado ao desenvolvimento de volume cerebral menor nos idosos, que com freqüência está relacionado a declínio cognitivo acelerado quadros demenciais. 120 A identificação dos problemas decorrentes do consumo de álcool nos idosos é um desafio. Isso ocorre porque os sintomas de uso podem se assemelhar a sintomas de doenças clínicas e psiquiátricas freqüentes nessa faixa etária. As definições habituais usadas para uso e dependência de álcool são difíceis de empregar em idosos, uma vez que a maioria deles já se aposentou ou apresenta grande redução dos contatos sociais. Na tabela podemos verificar algumas condições clinicas que dificultam no diagnóstico de consumo de álcool e outras drogas. CONDIÇÕES CLÍNICAS, NEUROPSIQUIÁTRICAS E FUNCIONAIS QUE DIFICULTAM O DIAGNÓSTICO DE USO DE ÁLCOOL E DE OUTRAS SUBSTÂNCIAS NOS IDOSOS Neuropsiquiátrica Quadros psiquiátrico (depressão, ansiedade, alterações do humor, esquizofrenia e outros transtornos psicóticos); Comprometimento cognitivo (doença de Alzheimer e outras demências); Delirium; Transtornos da personalidade; Convulsões; Tremores; Alterações do sono (insônia, hipersonia e sonolência excessiva diurna). Clínicas Dores crônicas; Distúrbios gastrintestinais; Distúrbios hepáticos e renais Funcionais Quedas, fraturas e outros traumas; Declínio funcional; Deterioração da higiene; Acidentes automobilísticos. Historicamente, o uso de drogas ilícitas é um problema de adultos mais jovens. No entanto, nas últimas décadas, a mudança do perfil de consumo determinou o interesse da investigação de seu uso também nos idosos. Como o uso de álcool, dois padrões bem definidos de uso de drogas ilícitas foram demonstrados: usuários de início precoce e usuários de início tardio. O primeiro grupo inclui indivíduos com uma longa história de uso que o continua mesmo com o envelhecimento, ao passo que o segundo desenvolveu o uso depois dos 65 anos. Com relação aos fatores associados, observa-se que o padrão de início precoce está associado ao sexo masculino, a fatores socioeconômicos, à raça e às comorbidades com transtornos psiquiátricos. Já o padrão de início tardio é menos freqüente. Vários fatores estão 121 relacionados ao início tardio do uso de drogas ilícitas. Entre eles, destacam-se o desenvolvimento de condições clínicas dolorosas, o desenvolvimento de transtornos psiquiátricos, incluindo depressão geriátrica, demência e outras causas de comprometimento cognitivo, bem como o aparecimento recente de situações estressantes na vida, como luto, isolamento social, dificuldades financeiras e suporte social deficiente. Dentre as drogas ilícitas utilizadas por essa população, se destacam a maconha, cocaína e heroína. Sendo o diagnóstico de uso de drogas nos idosos um desafio único para o a equipe que o acompanha. Em muitos casos, o paciente idoso apresenta várias queixas e questões médicas. Muitos dos sinais e sintomas comportamentais que, em um adulto, podem sugerir a intoxicação ou abstinência de drogas, podem ser facilmente confundidos com doenças clínicas ou transtornos psiquiátricos e, portanto, tratados inadequadamente. Para se realizar um diagnóstico de drogas ilícitas nos idosos devemos investigar os fatores de risco para o uso dessas substâncias, que poderão elucidar o reconhecimento o uso nessa população. Vejamos alguns fatores de risco: Ser idoso mais jovem, do sexo masculino e não casado; Possuir baixo nível social; Ter feito uso prévio de substância ilícita; Estar em tratamento atual de manutenção com metadona; Fazer uso de medicamentos ou álcool; Apresentar comorbidade com transtornos psiquiátricos (sobretudo depressão/ansiedade); Conviver entre familiares mais próximos que façam uso de substância; Ter envolvimento em crimes (sobretudo crimes por drogas); Viver em isolamento social/baixo nível de suporte social; Ser um prisioneiro idoso. O uso de substâncias lícitas e ilícitas é bastante freqüente nos idosos. Seu reconhecimento é difícil, principalmente devido às alterações biológicas e sociais decorrentes do envelhecimento e à ausência de critérios diagnósticos específicos para essa faixa etária. A equipe multidisciplinar que atende o idoso deve estar sempre preparado para considerar o diagnóstico de dependência química, com o intuito de beneficiá-los com intervenções mais precoces para esse problema. 122 LGBTQIA+ Consequências do abuso “Ame o próximo. Se não conseguir, pelo menos respeite”. Pontos chaves LGBT apresentam taxas mais elevadas de transtornos por uso de substâncias. Essa população apresenta certas vulnerabilidades que podem contribuir para o consumo das substâncias psicoativas. O tratamento deve um olhar voltado a própria história, costumes, valores e suas normas comportamentais e sociais dessa população. De acordo com Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019), a compreensão das variações da orientação sexual humana e das vulnerabilidades individuais e coletivas que a orientação homoafetiva tem na sociedade em geral é tão importante quanto compreender a influência e a relevância da cultura, da etnia, da idade, da genética, do nível socioeconômico e do meio em que as pessoas vivem no desenvolvimento de ajustamentos individuais a diferenças, que nem sempre são bem toleradas pela maioria das pessoas. Além disso, vulnerabilidades variadas, estigmas, preconceitos; comprometimentos físicos, psíquicos, cognitivos e emocionais; dificuldades sociais, culturais, educacionais, jurídicas e familiares fazem parte da complexidade vivenciada por usuários de álcool e drogas tanto da comunidade LGBT como de qualquer outro segmento da sociedade que procura por serviços de saúde. Por isso, vergonha e medo do preconceito afastam as pessoas da busca por tratamento. Sabe-se que indivíduos LGBT apresentam taxas mais elevadas de transtornos por uso de substâncias, quando comparados com os heterossexuais. No entanto, pouco se têm explorado os desafios que esta minoria sexual pode enfrentar ao apresentar-se para o tratamento. Estudo de Cochran et al. (2007, citado por Diehl, Cordeiro & Laranjeira,2019), com uma amostra de 46 conselheiros que realizam tratamento para álcool e outras drogas em serviços públicos nos EUA, revelou que os preconceitos negativos de conselheiros dirigidos a indivíduos LGBT eram mais fortes por parte dos conselheiros heterossexuais e para aqueles que tinham poucos amigos LGBT. Os resultados foram também relacionados com uma medida recentemente desenvolvida, chamada de competência cultural, para trabalhar com 123 usuários de substâncias LGBT que também revelaram que, quanto menor a competência cultural, menor é adequação da prestação dos cuidados. Diehl conduziu uma revisão da literatura cuja busca de artigos se baseou na seleção de estudos de abuso e/ou dependência de álcool e/ou drogas ilícitas na população em geral ou em amostras representativas selecionadas,na qual a orientação sexual foi relatada. Dos nove estudos incluídos na revisão, pelo menos seis mostrou claramente risco ou prevalência de maiores taxas de abuso de substâncias psicoativas, sobretudo o álcool, entre lésbicas e mulheres bissexuais. Uma revisão sistemática conduzida por Marshal e colaboradores, avaliou que os estudos sobre uso de substâncias psicoativas em jovens LGB (lésbicas, gays e bissexuais), mostraram que essa população tem taxas mais altas de uso de álcool e drogas que os jovens heterossexuais (RC = 2,89, Cohen’s d = 0,59). Em outras palavras, as taxas são 190% maiores em jovens LGB, quando comparados a jovens heterossexuais, e substancialmente mais altas em determinadas subgrupos de jovens LGB, como 340% mais altas em jovens bissexuais e 400% mais altas em lésbicas. Os estudos sobre essa temática apresentam limitações metodológicas, diversos são os fatores que corroboram para essa limitação. Um deles é o fato de a sexualidade não ser algo estático, mas sim fluido, em processo de desenvolvimento e evolução. Assim sendo, investigadores muitas vezes não concordam quanto aos critérios de definições de orientação sexual, identidade sexual ou atração sexual. Conseqüentemente, em algumas pesquisas não há uniformidade de definição de critérios e termos relacionados a questões ligadas ao grupo LGBT. Essa população apresenta certas vulnerabilidades que podem contribuir para o consumo das substancias psicoativas. Vejamos abaixo algumas: Preconceito no tratamento e na avaliação, seja focando a orientação sexual quando inapropriado seja ignorando importantes fatos ligados à sexualidade; Ignorância sobre questões LGBTQI + e desconforto em abordar assuntos sobre sexualidade; Ignorância sobre as inter-relações entre sexualidade e abuso de álcool e drogas; Há dificuldade em revelar a orientação sexual devido ao medo de ser maltratado por funcionários ou pacientes. Alguns são forçados a revelar sua orientação homoafetiva; 124 Há os que recebem alta dos locais de tratamento logo que sua sexualidade fica conhecida; Alguns temem que se sua orientação sexual for conhecida, isso acabe recebendo mais ênfase do que seus problemas com o uso de substâncias psicoativas; Alguns serviços não gostam de ter as parcerias afetivas de seus pacientes participando de programas de família ou grupos de mútua ajuda; A maioria dos programas de desintoxicação e programas de reabilitação não é sensível a questões de orientação sexual e gênero, e, portanto, não encorajam que isso seja discutido ou revelado; Não conseguir admitir a orientação sexual pode facilitar recaídas; Redes tradicionais de apoio à recuperação (família, igreja, escola, trabalho) em geral são fechadas para o público LGBTQIA+; O homossexual não “assumido” que freqüenta grupos de mútua ajuda, como alcoólicos anônimos (AA) e narcóticos anônimos (NA), pode se sentir constrangido e não retornar às reuniões por acreditar estar quebrando a chave da filosofia da sobriedade dessas irmandades, que é “ser honesto e aberto em suas relações com seus pares. A comunidade LGBT necessita de serviços específicos para tratamento de abuso e dependência de substâncias psicoativas? Nem sempre nem necessariamente. Mas, existindo preocupação com problemas relacionados ao uso abusivo de substâncias psicoativas, quanto mais ampliarmos o “menu” de opções de acesso a cuidados, prevenção e tratamento do problema, melhores chances teremos de lidar de forma efetiva com a situação. Isso pode significar a identificação de possíveis vulnerabilidades específicas de estilo de vida, padrões de uso de drogas, estigmas, preconceitos, barreiras, dificuldades. Como qualquer outra, a comunidade LGBT é formada por sua própria história, seus costumes, seus valores e suas normas comportamentais e sociais. Portanto, uma intervenção efetiva na prevenção do abuso de substâncias psicoativas, no tratamento e na recuperação desse grupo deve mobilizar e refletir sua cultura. Prevenção e tratamento que não sejam afirmativos e positivos em relação às pessoas LGBTs não só são improdutivos como podem 125 aumentar os problemas. É fundamental a formulação de ações a partir do entendimento real dos públicos-alvo os quais se quer ajudar a promover mudanças qualitativas em suas vidas. Minorias “A menor minoria na Terra é o indivíduo. Aqueles que negam os direitos individuais não podem se dizer defensores das minorias” Ayn Rande Pontos chaves Na dependência quimica das minorias é salutar evidenciar o conceito de vulnerabilidade. Tratamento voltado para a realidade e as necessidades dessa população. O termo minorias diz respeito a determinado grupo social e humano que esteja em inferioridade do ponto de vista quantitativo em relação a um grupo dominante. Minorias podem ser étnicas, religiosas, culturais ou lingüísticas. Não necessariamente indica que minorias sejam perseguidas ou exterminadas pelo grupo dominante, embora existam, na História, numerosos casos de perseguições a minorias. A noção contemporânea de minoria refere-se, portanto, à possibilidade de terem voz ativa ou intervirem nos interesses decisórios do poder aqueles setores sociais comprometidos com as várias modalidades de reivindicações assumidas pela questão social. Para falar do tema da dependência química entre minorias, é necessário abordar o conceito de vulnerabilidade, proposto por Ayres, que leva em conta três grandes eixos, representados por três planos interdependentes de determinação e conseqüentemente de apreensão da maior ou da menor vulnerabilidade do indivíduo e da coletividade: 1. Vulnerabilidades individuais: aspectos relacionados a comportamentos e trajetórias pessoais; 2. Vulnerabilidades sociais: aspectos relacionados a condições sociais e de vida (classe social, escolaridade, condições de moradia, acesso a bens de consumo, lazer e alimentação, estigmas e preconceitos sociais); 126 3. Vulnerabilidades programáticas: aspectos que dizem respeito a políticas públicas, serviços e/ou programas públicos destinados aos indivíduos. População em situação de rua População em situação de rua está inscrita em um processo social complexo. Nas últimas décadas, vem chamando atenção pela crescente visibilidade em espaços públicos, adquirindo identidade social, modos particulares de sobrevivência e subsistência, tornando-se, por conseguinte, uma preocupação e ganhando importância para o poder público. A situação de rua deve ser compreendida como parte de um processo de marginalização e desfiliação dos indivíduos, os quais podem utilizar as ruas de maneiras diversas. Em geral, três subgrupos podem ser identificados de acordo com tempo de permanência e grau de vínculos familiares: Ficar na rua – circunstancialmente; Estar na rua – recentemente; Ser da rua – permanentemente. Pessoas em situação de rua é uma população bastante heterogênea, mas apresentam algumas características em comum no que concerne às semelhanças de vivência na extrema pobreza, vínculos familiares rompidos ou prejudicados, inexistência de moradia formal, elevado uso de substâncias como álcool, tabaco e crack, presença de doenças mentais e clínicas associadas (tuberculose, HIV, sífilis), maior número de visitas a pronto-socorros, práticas sexuais sem proteção. Além disso, os baixos mecanismos de prestação de serviços em saúde fornecidos para essa população revelam que o acesso a eles ainda é deficiente e que há baixa adesão ao tratamento e pouco efeito dos tratamentos oferecidos nas doenças comórbidas. Por ser uma população estigmatizada pela sociedade, a realização de abordagem terapêutica deve ter um olhar específico para suas vulnerabilidades sociais e individuais. Assim podemos ver no quadro abaixo as principais barreiras que podem dificultar o acesso ao tratamento de pessoasem situação de rua: PRINCIPAIS BARREIRAS ENFRENTADAS POR PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA PARA 127 ACESSO A TRATAMENTO Dificuldade de locomoção por limitação física; Impossibilidade de pagar pelo transporte; Dificuldade de encontrar vagas em albergues; Necessidade de se adaptar aos horários das refeições dos albergues ou de restaurantes que oferecem comida a preço popular (“bocas de rango”); Necessidade de fazer “bicos” ou mesmo pedir dinheiro nas ruas. Assim como as pessoas em situação de rua têm de reinventar seu cotidiano para lidar com a violência, as vulnerabilidades e os recursos existentes nas ruas e criar estratégias de sobrevivência, a rede assistencial deve caminhar no mesmo sentido, procurando articular, comunicar e se solidarizar, para, juntas, construírem respostas mais efetivas e assertivas para os problemas dessa população. Deve-se possibilitar aos indivíduos em situação de rua a chance de terem instrumentos para modificar suas condições de vida, exercendo sua condição de ser humano e, com ela, seu direito de escolha, já que viver na rua só pode ser considerado uma escolha quando houver outras condições para que se possa, de fato, optar por outras. É importante destacarmos que os setores que oferecem tratamento para a dependência química intensifiquem esforços para assegurar que tanto a equipe como a competência organizacional dos serviços estejam preparadas para garantir o atendimento das múltiplas necessidades dos diversos tipos de pessoas com transtorno por uso de substâncias, em especial as pessoas em situação de rua. Populações Indígenas Os processos de colonização no mundo tiveram semelhanças importantes, sendo que os atuais problemas de saúde (incluindo transtornos psiquiátricos relacionados ao uso de substâncias) são resultados de políticas governamentais inadequadas, criação de reservas indígenas, adoção de estilos de vida sedentários, marginalização, racismo e, por fim, criação de uma autoimagem indígena negativa. Os comportamentos relacionados ao consumo de substâncias nas populações indígenas parecem estar associados com três fatores distintos: 1. Fuga do estresse crônico; 2. Forma de automedicação; 128 3. Relação inversa com o nível socioeconômico; em outras palavras, quem mais consome álcool ou drogas entre os povos indígenas são os economicamente mais desfavorecidos. O alcoolismo tem sido considerado um dos principais fatores relacionados ao aumento dessa mortalidade, com o surgimento ou a piora de doenças, como cirrose, depressão e doenças cardíacas, e com mortes relacionadas a fatores externos, como acidentes e brigas. Outras complicações encontradas nessa população devido ao consumo de álcool são aumento dos casos de suicídios, homicídios e estupros. Na população indígena infantil, o resultado do consumo de álcool pelos pais tem aumentado a ocorrência de síndrome alcoólica fetal (SAF) e desnutrição. Essa última ocorre devido aos pais estarem com freqüência intoxicada e deixarem os menores desassistidos. Quanto ao tratamento, assim como ocorre populações não indígenas, o tratamento das diferentes dependências químicas está relacionado a uma mudança do padrão de comportamento e hábitos de vida. Com isso, um dos problemas associados ao tratamento da dependência química das populações indígenas é a não valorização de seus conhecimentos relacionados ao modo de vida, saúde e bem-estar, o que resulta em baixa adesão. Há uma importante associação entre os níveis mais elevados de saúde e bem-estar nos povos que valorizam suas culturas e transmitem língua e conhecimento para as gerações mais jovens. População Carcerária Uso, abuso e dependência de substâncias psicoativas em populações carcerárias são considerados extremamente altos, trazendo grande impacto na vida de seus usuários, assim como custos elevados para a saúde pública. Associados ao uso de substâncias estão também comportamentos sexuais de risco, que aumentam chances para infecções sexualmente transmissíveis. Há uma variedade de estudos internacionais que aborda essa questão, propondo estratégias medicamentosas centradas, sobretudo no tratamento da heroína e em medidas de penas alternativas para essa população, o que de certa forma é ainda distante da realidade nacional, porque a heroína não é a principal droga de abuso no nosso país. Infelizmente no Brasil não existem estudos acerca dessa população, principalmente estudos representativos, da extensão da dependência química no sistema prisional brasileiro. Porém, não é difícil supor os 129 possíveis entraves para condução de estudos dessa magnitude, que poderiam revelar contextos de violação de legislação e corrupção. Módulo 7: Terapias Psicológicas Intervenção Breve “Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros” Carl Jung Pontos chaves A intervenção breve é eficaz em reduzir o consumo e os problemas ligados ao consumo de álcool. Ela se baseia no modelo cognitivo de dependência. Desenvolvida para atender os estágios iniciais dos transtornos por uso de substâncias. A intervenção breve (IB) faz parte de um seleto grupo de intervenções psicossociais para o tratamento de transtornos por uso de substância (TUSs) que apresentam eficácia baseada em evidência. Hoje, existe evidência de que a IB é eficaz em reduzir o consumo e os problemas ligados ao consumo de álcool. Além disso, aparece como a intervenção mais eficaz em reduzir os riscos ligados ao álcool em serviços de rede de atenção básica de saúde. Além disso, ela aparece como a intervenção mais eficaz em reduzir os riscos ligados ao álcool em serviços de atenção primária à saúde. A intervenção breve é uma intervenção desenvolvida em um curto espaço de tempo em sessões que variam de 5 a 45 minutos, raramente ultrapassando cinco encontros. Embora possa ser aplicada em vários contextos, ela é mais utilizada na atenção primária de saúde. É destinada a indivíduos que apresentam problemas ou potencial para desenvolver problemas ligados ao seu padrão de consumo de álcool, mas que não preenchem o critério diagnóstico de dependência. A IB pode ser dividida em dois passos: triagem e intervenção. Em um primeiro momento, o atendimento é focado na triagem, na qual são avaliados os possíveis riscos ligados ao álcool a partir do padrão (frequência, intensidade, contexto) de consumo de determinado indivíduo. Após essa triagem, inicia-se a fase de intervenção, que 130 tem enfoque de terapia de tempo limitado e é centrada no paciente. Ela é composta de técnicas usadas na entrevista motivacional (EM) e na terapia cognitivo-comportamental (TCC) (Silva, 2005). O objetivo desta aula é apresentar a IB de forma didática, considerando suas principais características, seu método de aplicação e as evidências científicas de sua eficácia. A Intervenção breve baseia-se no modelo cognitivo de dependência, em que fatores etiológicos (chamados de fatores predisponentes) atuam e interagem, aumentando a probabilidade de se desenvolver uma dependência. Esses fatores podem ser divididos em: 1. Fatores genéticos; 2. Fatores ambientais; 3. Fatores culturais; 4. Fatores psicológicos. Silva e Serra (2004) relatam que ao entrar em contato com determinada substância com potencial aditivo, o individuo que consome a substância poderá ou não se tornar dependente, de acordo com o número e a intensidade desses fatores predisponentes, estando congruente com os conceitos do modelo de aprendizagem social do autor Bandura. Dessa maneira, para mudar certos comportamentos, a teoria cognitiva foca em alterar fatores individuais e ambientais. Nessa perspectiva, a autoeficácia, a confiança e a capacidade que um indivíduo tem de mudar seus comportamentos, e a motivação para fazê-lo, são componentes fundamentais para alterar comportamentos tidoscomo nocivos. No processo de triagem realizado na intervenção breve, é importante realizar um rastreamento (Screening) dos padrões de consumo do indivíduo. É nessa fase que se avaliam os possíveis riscos e problemas decorrentes do padrão de consumo de álcool. Na realização dessa etapa, é possível usar o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (DSM- 5) ou a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10). Mas como é de comum conhecimento, os serviços de atenção primária à saúde são, muitas vezes, sobrecarregados, e, por isso, seus atendimentos devem ocorrer de forma breve e eficaz, o que por esta razão a utilização de rastreamento, como o AUDIT torna-se uma escolha rápida e assertiva dentro desse contexto. 131 DICA: Questionário AUDIT e CAGE encontra-se no anexo dessa apostila. Esses instrumentos são importantes na atenção primária à saúde, pois permitem que qualquer profissional do serviço faça um rastreamento rápido de pessoas que podem se beneficiar desta técnica, além de apontar aquelas com quadros mais severos, que devem ser avaliadas por processos diagnósticos mais demorados. O AUDIT consiste em 10 perguntas que analisam a quantidade e a freqüência de consumo de álcool, possíveis sintomas de abstinência e possíveis problemas ligados ao consumo de álcool. Cada resposta tem uma pontuação, sendo que o escore varia de 0 a 40. Nos casos em que a pontuação supera 8 pontos, existe o risco de problemas ligados ao consumo excessivo de álcool, e uma avaliação mais detalhada é indicada. Já o questionário CAGE é composto por quatro perguntas (todas com respostas “sim” ou “não”). Por isso, sua aplicação e sua avaliação são mais rápidas em comparação ao AUDIT. Nos casos em que duas ou mais respostas “sim” são obtidas, é indicada uma avaliação mais detalhada. Embora este instrumento seja sensível em detectar problemas ligados ao álcool, apresenta dificuldade em detectar riscos para consumidores menos graves, mulheres e adolescentes. É de suma importância ressaltar que embora esses instrumentos auxiliem na prática clínica, eles não fazem o diagnóstico de abuso ou dependência de álcool, pois são instrumentos de rastreio, mas podem apontar prováveis casos que merecem ser avaliados com mais cuidado. Mediante a esse fator uma avaliação mais detalhada é indicada. Essa avaliação deve investigar o nível de comprometimento do paciente no momento da intervenção, o grau de problemas relacionados ao consumo de álcool e possíveis complicações e/ou comorbidades associadas. Após a avaliação clínica na qual se constatou que o paciente pode se beneficiar da intervenção breve é importante avaliar a motivação para reduzir o consumo de álcool que cada paciente apresenta. A motivação é um processo dinâmico, que pode ser influenciado por vários fatores. Sabe-se que, para aumentá-lo, o profissional deve ser empático, ter paciência e ser ativo e firme nesse momento da intervenção. Um modelo interessante para entender o estado de motivação foi desenvolvido por Di Clemente e colaboradores (1999). Os estágios de modificação comportamental segundo esse modelo são: 132 Pré-contemplação: Na pré-contemplação, os pacientes apresentam pouca ou nenhuma preocupação com os problemas associados ao uso de álcool. A maioria deles não deseja modificar os próprios comportamentos, pois acha que não tem nenhum tipo de problema relacionado ao consumo excessivo de álcool. Muitas vezes, são pressionados pelos familiares a procurar tratamento. Nesse momento, é importante auxiliá-los na avaliação dos problemas. Contemplação: Na contemplação, os pacientes já se preocupam com os problemas associados ao uso de álcool, porém não apresentam um plano para modificar seu comportamento. Estão começando a ter consciência ou a se preocupar com as conseqüências adversas do consumo excessivo de álcool. Preparação: Na preparação, os pacientes se preocupam com os problemas associados ao uso de álcool, inclusive com a busca de um plano para se tratar. Nesse estágio, a decisão de modificar seu comportamento é assumida, porém ainda não foi acionado o plano de tratamento. Determinação: Na determinação, os pacientes colocam em prática o plano para modificar o comportamento-problema, engajando-se ativamente em um programa de tratamento. Ação: Na ação, os pacientes iniciam o tratamento e interrompem o uso, tomando ações eficazes para atingir a meta estabelecida. Manutenção: Na manutenção, os pacientes rediscutem seus objetivos e a mudança de comportamento, fazendo uma avaliação dos resultados. A identificação em que estágio de motivação o paciente se encontra é fundamental para o tratamento, pois o paciente precisa estar convencido e relacionando seus problemas ao uso do álcool, pois só a partir desse momento conseguirá tomar atitudes e ações que o previnam do uso. São estabelecidas metas para cada paciente, individualmente, a partir da clara identificação de seu padrão atual de consumo e dos riscos associados. Existem seis elementos que parecem contribuir substancialmente para a eficácia da intervenção breve. Eles podem ser identificados por meio do acrônimo FRAMES, originado pela composição da primeira letra das palavras inglesas Feedback, Responsibility, Advice, Menu, Empathy e Self efficacy. 133 O feedback é empregado para definir a retroalimentação do paciente por meio da comunicação dos resultados de sua avaliação, mais comumente feita pela devolutiva dos resultados obtidos na aplicação de um instrumento de rastreamento. A responsibility refere-se à ênfase na autonomia do paciente e sua responsabilidade nas decisões, o que implica o posicionamento necessário de autoproteção e cuidado e compromisso com mudança. A advice corresponde às orientações e recomendações que o profissional deve oferecer ao paciente, fundamentadas no conhecimento empírico atual, sendo essas claras, diretas e desvinculadas de juízo de valor moral ou social, devendo preservar a autonomia de decisão do paciente. O menu é o fornecimento ao paciente de um catálogo de alternativas de ações – voltadas a sua autoajuda ou a opções de tratamento disponíveis – que podem ser implementadas por ele. A empathy refere-se ao modo empático, solidário e compreensivo, postura que deve ser adotada pelo profissional diante do paciente. A self efficacy é o termo empregado para o foco que o profissional deve ter no sentido de promover e facilitar a confiança do paciente em seus recursos e em seu sucesso, correspondendo a um reforço do otimismo e da autoconfiança do paciente. Tendo em mente esses elementos são realizadas as consultas na qual existem cinco passos a serem seguidos na aplicação de uma IB. Segue os passos na tabela abaixo: PASSOS DA INTERVENÇÃO BREVE E RESPECTIVAS INTERVENÇÕES Avaliação e feedback Aplicar CAGE ou AUDIT para Screening; Ter em mente o diagnóstico de transtornos pelo uso de álcool; Dar retorno ao paciente sobre o resultado da avaliação efetuada, tanto sobre o uso de álcool como sobre outros diagnósticos (hipertensão, gastrites, neuropatias, etc.); Se o paciente estiver com sintomas de abstinência, deve-se iniciar a desintoxicação seguindo o consenso sobre síndrome de abstinência de álcool (SAA); Negociação da meta de tratamento Estabelecer uma meta de tratamento em acordo com o paciente; Se o paciente estiver fazendo uso de alto risco, o médico pode sugerir como meta o beber controlado; Se o paciente tiver uma dependência já instalada, a melhor meta é a abstinência; Técnicas de modificação de comportamento Diagnosticar o estado de motivação do paciente; Realizar balanço entre os prós e contras do uso de álcool; Realizar avaliação laboratorial e investigar áreas de vida com problemas relacionados ao consumo; Material de autoajuda Fornecer ao paciente material didáticoinformativo sobre uso de álcool; Seguimento Realizar visita mensal ao consultório ou visita domiciliar mensal ou dar um 134 telefonema. Segundo Miller (2009), hoje existe, grande evidência para a eficácia da IB no tratamento e na prevenção secundária de problemas ligados ao consumo de álcool e/ou outras substâncias. Desenvolvida para atender os estágios iniciais dos transtornos por uso de substâncias, a intervenção breve, aparece como importante estratégia para prevenir o agravamento desses transtornos e dos problemas ligados a eles. Psicoterapia de Grupo no tratamento da Dependência Quimica “Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros” Carl Jung Pontos chaves Busca resgatar a sensação de pertencimento do usuário e a identidade. Poucos estudos no cenário científico, com limitações metodológicas que confirmem a efetividade da psicoterapia grupal. Intervenção de baixo custo. A psicoterapia de grupo tem se mostrado, ao longo do tempo, um recurso com vantagens consideráveis no tratamento da dependência química, tendo sido amplamente empregada a ponto de, às vezes, ser prioritária como tratamento de escolha. Apesar do uso bastante comum, existem poucos estudos controlados ou com limitações metodológicas que confirmem a efetividade da psicoterapia grupal. No que tange a utilização da psicoterapia de grupo requer conhecimento de técnicas e aprimoramento constante, que possibilita ao especialista ser atuante no processo de mudança, dirigindo o grupo de forma a permitir que essas pessoas possam emergir na direção construtiva de suas vidas. Segundo Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019) a dependência se configura em uma condição física, psicológica e social, muitas vezes fruto da tentativa do indivíduo de lidar com seus conflitos. Muitos fatores podem representar riscos para que a pessoa trilhe o caminho da dependência, como sua constituição psíquica, somada às circunstâncias do ambiente e à sua 135 história de vida. A dependência provoca muitas conseqüências e sua causa está associada a fatores de ordem maior na estruturação do sujeito. Visto a complexidade inerente na própria dependência quimica, esta não nos permite padronização quanto a personalidade do usuário e do plano de recuperação específica para diferentes drogas, entre outros, dificultando assim as respostas genéricas. Diversos fatores tornam a escolha da psicoterapia de grupo viável, ou como forma principal de tratamento ou como forte coadjuvante em casos de maior gravidade, quando associada a recursos, como acompanhamento médico e psiquiátrico, treinamentos de inclusão social, grupos de autoajuda e a própria psicoterapia individual. A primeira e mais simples questão que viabiliza a psicoterapia de grupo é a praticidade, em atender um número maior de pessoas, o que é de grande valia, considerando a demanda e, ao mesmo tempo, as dificuldades do atendimento público. É perceptível que o usuário de drogas sofre uma estigmatização da sociedade, colocando em evidência sua exclusão em diversos contextos, acarretando sofrimento e isolamento. A escolha da terapia de grupo pode oferecer ao dependente químico, meios para que esse indivíduo se perceba como parte integrante do grupo, com o qual se identifica, vendo pelo sofrimento, pela experiência e pelos anseios da outra parte de sua própria história. A sensação de pertencimento e de experiência compartilhada com pessoas “iguais” a ele o auxilia a criar saídas para o isolamento e a solidão tão presente no usuário de drogas. O grupo tem a força de criar uma identidade, que servirá posteriormente como apoio para a construção de uma identidade própria, mais fortalecida e autêntica. A psicoterapia de grupo, com objetivos focados, bem definidos e coerentes com a realidade, tem sido uma grande contribuição para que o indivíduo atualize seus conflitos e sofrimentos em um ambiente protegido, que o auxilie a reformular sua forma de agir e reagir frente aos eventos de sua vida. No contexto grupal, o indivíduo pode encontrar maior possibilidade de perceber a si mesmo e ao outro, por meio daquilo que podemos chamar “reação espelho” (enxergar-se a partir do outro), além de poder se familiarizar com novas maneiras de sofrimento e de soluções, representadas por pessoas reais colocadas durante a terapia de grupo. A psicoterapia de grupo pode ser utilizada para diversas finalidades, desde a busca do autoconhecimento e mudanças nas relações interpessoais até grupos que se propõem a trabalhar sintomas específicos, como é o caso da dependência de álcool e outras substâncias.. 136 Além das muitas aplicabilidades, vários referenciais teóricos podem ser utilizados, dependendo da formação do especialista, do perfil do grupo, dos objetivos terapêuticos, entre outros critérios básicos. No caso da dependência química, é importante que a abordagem teórica leve em conta a amplitude da problemática e as conseqüências negativas nela inseridas, principalmente quanto ao potencial destrutivo (físico, mental e social). Geralmente, o indivíduo apresenta um quadro de perdas e limitações, o que dificulta, em primeira instância, o aprofundamento para questões mais amplas, inconscientes e angustiantes de sua vida. Mesmo o especialista tendo plena consciência do caráter sintomatológico da questão, acreditamos existir aqui a necessidade de abordar o comportamento de maneira menos angustiante. Grupos de orientação, aconselhamento ou apoio centralizam a busca de soluções mais práticas, objetivando a mudança de padrões de comportamentos destrutivos por novas atitudes para lidar com as mesmas questões conflitantes. Na dependência quimica, a terapia cognitiva comportamental vem demonstrando maior eficácia em termos de custo-benefício quando aplicada em grupo, em vez de individualmente. A terapia cognitiva atua basicamente no fortalecimento das atitudes e do pensamento, focando, de maneira mais diretiva, o comportamento em questão. Aborda os determinantes do hábito aditivo, incluindo antecedentes situacionais e ambientais, crenças e expectativas, história familiar individual e experiências anteriores com a substância psicoativa, atividades que envolvem o consumo e as conseqüências do hábito. Segundo a teoria, sendo o comportamento resultado do aprendizado, o ser humano pode, conscientemente, aprender e adquirir atitudes mais adaptadas. Já prevenção à recaída, derivada do enfoque cognitivo-comportamental, pode ser incorporada a terapia de grupo, com o objetivo auxiliar o indivíduo a aprender outras respostas para as mesmas situações, por meio da percepção de crenças errôneas ligadas ao uso, treinamento de habilidades comportamentais e modificações no estilo de vida. O psicodrama, a Gestalt e outras terapias de ação também podem ser úteis como abordagens principais ou inseridas na terapia convencional, principalmente em casos em que o grupo apresenta maiores resistências. Independentemente da linha teórica, vários autores destacam vantagens do trabalho envolvendo interações grupais. Tão importante quanto o referencial teórico do psicoterapeuta é seu preparo técnico e pessoal, bem como sua disponibilidade para flexibilizar alternativas 137 para as diversas demandas. Estando atento para quais são as situações de risco para recaída e desenvolver estratégias para evitá-las. É notório que na primeira fase do tratamento predominam sentimentos ambivalentes e poucas condições para lidar com a angústia e a frustração, o que aumenta o risco de retorno ao uso; portanto, na fase de tratamento, o preparo do terapeuta para utilização de técnicas de prevenção de recaída é bastante útil. Para manter a estrutura organizativa do grupo, é necessário estabelecer o cumprimento das regras, pois serão os norteadores do trabalho grupal. Ter regras coerentes e claras, objetivamenteexpostas a todos os participantes, permite o acompanhamento de seu cumprimento e um referencial seguro para todos. Se o contrato é dúbio ou implícito, a pessoa se sente em condições de mudar as regras de acordo com visão e desejos particulares, reproduzindo sua função desadaptativa no grupo. Para questões que apareçam no decorrer do tratamento e que não estavam previstas no contrato, é sugerido pela literatura, que primeiramente sejam pensadas pela coordenação do grupo, objetivando coerência com os objetivos do tratamento, e colocadas para o grupo, ou para serem discutidas e se chegar a um consenso entre os participantes ou apenas para colocar as regras já decididas pela coordenação, nunca esquecendo de que quem dirige o grupo são os profissionais/coordenadores; portanto, estes precisam ter a visão do todo para lidar com as decisões. Você sabia... Que para se formular um bom contrato terapêutico é necessário abordar os seguintes aspectos: Objetivo (abstinência e melhoria da qualidade de vida); Prazo mínimo de compromisso e alta; Tentativa de abstinência no dia da sessão; Evitar segredo entre os membros do grupo; Necessidade de sigilo no tocante ao conteúdo das sessões, bem como aos participantes; Horários e local das sessões; Aviso de faltas previstas; Honorários, dia de pagamento, reajustes e férias do terapeuta. 138 Segundo a literatura científica existente acerca desse tema, a interação grupal possibilita a aprendizagem social, principalmente quando a vivência se dá em grupo, uma vez que surge o suporte positivo dos pares; a sensação de isolamento e discriminação diminui; são compartilhados exemplos realistas de mudanças; é cenário de posturas assertivas de prevenção de recaídas; oferece um ambiente familiar a partir de um senso de acolhimento e pertencimento construído entre os participantes; propicia a oportunidade de treinamento de habilidades sociais; estimula a autoeficácia pelo fato de ser uma intervenção que oferece suporte e ajuda para vários participantes simultaneamente com partilha constante de informações entre os membros e os coordenadores de grupo, mediante um cenário estruturado e organizado, pautado em regras, normas e horários que mantém uma atmosfera de esperança, suporte e encorajamento necessários para a modificação do comportamento de consumo abusivo ou dependência de substâncias. Prevenção a Recaída “Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros” Carl Jung Pontos chaves Variedade de técnicas, quase todas cognitivas ou comportamentais, que objetivam a mudança do habito autodestrutivo. Baseada na aprendizagem social de Bandura. Nessa abordagem podemos compreender a recaída, não como uma catástrofe inexplicável, mas como um evento que acontece por meio de uma série de processos cognitivos, comportamentais e afetivos. O termo “prevenção de recaída” refere-se a uma ampla variedade de técnicas, quase todas cognitivas ou comportamentais, que essencialmente, busca mudar um hábito autodestrutivo e manter essa mudança, consistindo na identificação de situações de alto risco para um determinado indivíduo, no desenvolvimento de estratégias para lidar efetivamente com essas situações e em mudanças nas reações cognitivas e emocionais associadas. No entanto, convém ressaltar que a grande maioria dos programas de prevenção de recaída 139 embasa-se no modelo teórico do processo de recaída, proposto por Marlatt, em 1985, para o quais vários outros autores contribuíram após sua formulação pioneira. As intervenções nessa abordagem de tratamento focam o desenvolvimento de comportamentos positivos e saudáveis para substituir aqueles associados ao consumo abusivo de substâncias e reforçam o não uso. Portanto, o objetivo da prevenção da à recaída é bem mais amplo do que apenas ajudar o paciente a desenvolver habilidade para aprender a viver sem ter no álcool ou na droga uma prioridade. Seu comportamento de uso é apenas o ponto de partida para a modificação de todo um estilo de vida, de um jeito de ser no mundo. Esta intervenção embasa-se no modelo de aprendizagem social de Bandura proposto por Marlatt. Segundo essa teoria, o comportamento de uso ou consumo abusivo de substâncias é aprendido e sua freqüência, duração e intensidade aumentam em função dos benefícios psicológicos alcançados. Na aprendizagem social, a interação dos fatores biológicos, genéticos e psicossociais é percebida como importante, ou seja, é possível que uma vulnerabilidade genética interaja com fatores psicossociais, resultando em habilidades deficientes que requeiram treinamento e remediação. Nessa perspectiva o uso de substâncias é um mecanismo aprendido, por meio de reforço e de modelagem, que tem como finalidade reduzir o estresse. Conforme o uso da substância continua, o indivíduo poderá utilizá-la com mais freqüência e em doses maiores, para evitar os sintomas de abstinência. Quanto ao processo de recaída, presume-se que o indivíduo experiencie um senso de controle, enquanto mantém a abstinência. Quanto maior o tempo de abstinência, maior será sua percepção de controle. Esse senso de controle continuará até que a pessoa encontre uma situação de alto risco. Uma situação de alto risco é definida, de maneira ampla, como qualquer situação que represente uma ameaça ao senso de controle e aumente o potencial risco de recaída. Na iminência da situação de risco, o usuário pode apresenta ou não uma resposta de enfrentamento eficaz. Quando não há uma resposta de enfrentamento, o indivíduo tende a experimentar uma diminuição da autoeficácia (impotência e tendência a render-e passivamente). A situação de risco, de acordo com Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019) significa qualquer determinante interno (psicológico) ou externo (ambiental) que ameace a percepção de controle (autoeficácia) do indivíduo. Vejamos algumas situações de riscos iminentes para o dependente químico: 140 Estados emocionais negativos como: frustração, raiva, ansiedade, depressão ou tédio, antes ou no momento da ocorrência do primeiro lapso; Conflitos interpessoais, tal como: problemas no casamento, amizade, membros familiares ou relações de trabalho; Discussões e confrontações; Pressões sociais ocorrida de forma direta (contato interpessoal direto com persuasão verbal) ou indireta (estar na presença de outros que se engajam no mesmo comportamento-alvo, ainda que sem qualquer pressão direta). Com a situação de risco instaurada, exigirá do usuário a emissão de uma resposta de enfrentamento cognitiva ou comportamental eficaz diante da situação. Caso não ocorra a reposta eficaz a probabilidade de recaída aumenta significativamente. À medida que a autoeficácia diminui diante da situação de alto risco precipitadora, as expectativas do indivíduo para lidar eficazmente com situações problemáticas também começam a cair. A combinação da incapacidade para lidar eficazmente com uma situação de alto risco aliado com expectativas de resultado positivo para os efeitos da antiga e habitual forma de enfrentamento aumenta imensamente a probabilidade de ocorrência de um lapso inicial. Nesse ponto, a menos que ocorra uma resposta de enfrentamento ou uma súbita mudança na circunstância no último minuto, o indivíduo pode atravessar a fronteira da abstinência (ou uso controlado) para a recaída (uso descontrolado), por meio de um uso inicial ou lapso. Nessa perspectiva podemos compreender a recaída, não como uma catástrofe inexplicável pelo modelo de prevenção de recaída, mas como um evento que acontece por meio de uma série de processos cognitivos, comportamentais e afetivos. Já um lapso se refere a um escorregão, descuido ou falha, uma retomada do antigo padrão de consumo alcoólico, um retorno ao beber nos mesmos níveis anteriores à intervençãoterapêutica ou à abstinência. Observa-se no tratamento em dependência quimica que os lapsos ou escorregões durante a abstinência são inevitáveis e vistos como um ponto crítico, a partir do qual o indivíduo pode retornar à abstinência ou desenvolver um completo padrão de recaída como resposta ao efeito da violação da abstinência proposta pelo próprio indivíduo. Já que primeira etapa de prevenção a recaída é ensinar o paciente a reconhecer as situações de alto risco que podem precipitar ou desencadear uma recaída, então quais os métodos que poderiam auxiliar os pacientes a identificar as situações de alto risco? 141 Segundo os autores Figlie, Cordeiro e Laranjeira (2019) três métodos que se destacam como recurso para auxilio na identificação de uma possível recaída: Automonitoramento: paciente é encorajado a manter um registro contínuo da ocorrência do comportamento de uso da substância e das circunstâncias em que se manifestou, a fim de conscientizar o paciente cada vez mais acerca do seu comportamento de uso. Avaliações de autoeficácia: este procedimento envolve a apresentação de uma lista de várias situações de alto risco e a solicitação ao cliente para avaliar o grau de tentação que tende a experienciar e o grau de segurança que sente sobre sua capacidade de lidar efetivamente (evitar um lapso) em cada uma dessas situações. Descrições de episódios passados ou fantasias de recaída: as recaídas pelas quais o paciente já passou, ou teme passar, podem ser utilizadas como fontes de informação e aprendizado. Quais foram às circunstâncias que culminaram ou culminariam com o uso inicial? Que habilidade(s) seria(m) necessária(s) para enfrentar essas situações? De que maneira o uso inicial evolui para uma recaída? O que o paciente pensa/sente a respeito do uso inicial? A que atribui à causa? Além das intervenções específicas que consistem na identificação de situações de alto risco, há várias estratégias específicas de intervenção na prevenção a recaída, tais como podemos citar: intervenções em respostas de enfrentamento, intervenções em expectativas de resultado positivo do uso da substância, intervenções para frear o uso inicial, intervenções sobre o efeito da violação da abstinência, processo da recaída/estilo de vida desequilibrado, intervenções globais, intervenções no estilo de vida, intervenções no desejo de indulgência, intervenções sobre as compulsões e fissuras e Mindfulness ou atenção plena. Em suma, a prevenção da Recaída, desenvolvida por G. Alan Marlatt, utiliza princípios da terapia cognitivo-comportamental, e visa auxiliar o usuário de substâncias psicoativas a identificar e a lidar com situações de risco e de alto risco, que poderão levá-lo a consumir novamente sua droga de preferência ou outra qualquer, dependendo da situação. A importância em praticar o inventário proposto para lidar com situações de risco, o conhecimento teórico e básico da prevenção a recaída, auxiliam o paciente a identificar (reconhecer), evitar e a lidar na manutenção da abstinência frente aos obstáculos encontrados. Terapia de Família e Dependência Química 142 “Conhecer a sua própria escuridão é o melhor método para lidar com a escuridão dos outros” Carl Jung Pontos chaves Família é um importante sistema dentro da sociedade. A família pode ser entendida como um cenário de risco e/ou de proteção frente às complexidades do abuso de substâncias. A terapia familiar (TF) é uma modalidade que traz benefícios e contribui de maneira positiva para a mudança no padrão de abuso ou dependência quimica. A família é considerada um importante elo entre o indivíduo e a sociedade, fonte de aprendizagem e de interação social fundamental. Compreender os elementos que compõem a correlação desse sistema para o campo de tratamento e da prevenção é, conseqüentemente, uma via imperativa. Identificar sistemicamente as características do membro da família e da comunidade que apresenta algum comportamento sintomático é requisito essencial para as intervenções voltadas às famílias. Não existe um único modelo de família. Elas são definidas muito mais pelos laços afetivos do que por consangüinidade, e as mudanças sociais trouxeram várias formas de convivência e configurações. Estas configurações refletem em uma arena de negociações de papéis, de intercâmbios de gerações, de gênero e culturas, em que, muitas vezes, a na não adaptação esperada para uma convivência harmoniosa, ou na promoção de relações interdependentes entre os membros, torna possível a presença do problema do uso de substâncias dentro do sistema familiar. Hoje, a família pode ser entendida como um cenário de risco e/ou de proteção frente às complexidades do abuso de substâncias. O pressuposto básico desse entendimento explica que as pessoas que usam drogas estão inseridas em um contexto no qual seus valores, crenças, emoções e comportamentos influenciam os comportamentos dos membros da família, também sendo por eles influenciados. 143 E vidê ncias apon tam que filhos de pais dependentes tendam a ter mais chances de desenvolver problemas de uso ou dependência, é importante constatar que problemas dessa ordem podem ocorrer com qualquer família. Vertentes socioculturais, interferência da vulnerabilidade social presente nos lares, tanto para um indivíduo como para todo o núcleo família são fatores que impactam no contexto familiar altamente frágil e desprotegido. Fatores de risco e de proteção familiares, comportamentos presentes entre os membros que vão além da perspectiva da codependência e que ilustram novas formas de compreensão quanto às condições de enfrentamento familiar, características e aspectos predominantes na dinâmica familiar ou no perfil das famílias que apresentam o desafio da dependência. A terapia familiar (TF) é uma modalidade de reconhecer que traz benefícios e contribui de maneira positiva para a mudança no padrão de abuso ou dependência de Você sabia... Em 2007 o IBGE realizou uma pesquisa nacional com as familias brasileiras, que revelou as seguintes configurações familiares: • Famílias com filhos predominam (67,6%). • Crescimento da proporção de pessoas que vivem sozinhas, dos casais sem filhos, das mulheres sem cônjuge — mas com filhos — na chefia das famílias, além de uma redução da proporção dos casais com filhos. • Aumento considerável, entre 1996 e 2006, do número de mulheres indicadas como provedoras, com uma variação de 79%, enquanto, no mesmo período, o número de homens “chefes” de família aumentou 25%. • A família monoparental feminina tem expressão significativa nas áreas urbanas, sobretudo no contexto metropolitano. • Tendência de redução do tamanho da família, que passou de 3,6 pessoas, em 1996, para 3,2, em 2006. • Arranjos unipessoais representaram 10,7% do total no País. • 40% das familias tinham um membro com mais de 60 anos. 144 substâncias e para a qualidade de vida da família, com achados científicos propostos pro vários autores. Portanto as intervenções familiares precisam oferecer acolhimento e orientação; procurando conhecer a cultura da família e sua linguagem, crenças e normas; elaborando um diagnóstico diferencial para propor um plano de tratamento à família; estabelecendo, em conjunto com ela, um plano de tratamento após o diagnóstico diferencial; detectando e orientando a família em relação às suas próprias competências; detectando e valorizando as áreas “preservadas” dos vínculos familiares; orientando e motivando a família a participar do processo de tratamento; e evitando julgamentos e preconceitos. Também é esperado que o profissional identifique o padrão familiar. Quanto às modalidades de intervenções, os principais modelos de atendimento para as famílias inseridas nesse contexto, pode se verificar os seguintesmodelos: Intervenção: a ação prevê a união de familiares e pessoas importantes para o usuário com o objetivo de dar a este um ultimato quanto ao uso de drogas. Abordagem de reforço da comunidade: todo o contexto em volta do usuário se organiza para que, por meio de uma política de reforços positivos, seja possível o alcance e a manutenção da abstinência; familiares, grupo social, recreacional e ocupacional estão envolvidos na ação. Treinamento de reforço da comunidade: o profissional envolvido está à disposição em tempo integral para assistência à família, de modo a atendê-la durante os períodos mais críticos. Treinamento de família e reforço da comunidade: tem como objetivo motivar o paciente a aderir ao tratamento por meio do atendimento aos familiares. Identificação do membro mais motivado da família: objetiva facilitar a entrada do paciente no tratamento e ajudar o familiar envolvido Terapia de família unilateral: terapia feita com o cônjuge, no sentido de facilitar a entrada do paciente no tratamento. Aconselhamento cooperativo: treinamento oferecido a familiares que necessitam de ajuda em função de estarem envolvidos com dependentes químicos, recrutados pela mídia. Método de engajamento sistêmico estrutural-estratégico: tratamento focado na mudança dos padrões de interação familiar, já que enfatizam a importância desses padrões, alguns relacionados ao uso de drogas. 145 Seqüência de intervenção relacional para o engajamento: forma de intervenção mais flexível que permite à família, em conjunto com seu familiar dependente, tomar decisões relacionadas ao familiar em função de seu uso de drogas. Terapia de rede: foca a família como um grupo que atua como substrato para a mudança, ampliando o apoio para o contexto social dos pacientes (rede). No que tange a estrutura e forma de atendimento com que cada abordagem pode ser empregada, temos as opções a seguir: Psicoterapia familiar: reúnem-se a família e o dependente químico. Grupos de pares: membros da família são distribuídos em diferentes grupos de pares (dependentes químicos, pais, mães, irmãos, cônjuges, etc.). A interação entre pares é facilitadora de mudanças, uma vez que escutar “não” de um par é o mesmo que o escutar de um terapeuta. Grupo unofamiliar: conhecido como grupo de acolhimento ou de orientação. Grupo com diversas famílias. Conta-se com um membro familiar, representante de cada família, em sessões semanais, ou conforme periodicidade de cada serviço. Grupos de multifamiliares: por meio de um encontro de famílias que compartilham da mesma problemática, cria-se um novo espaço terapêutico que permite um rico intercâmbio a partir da solidariedade e da ajuda mútua, em que as famílias se convocam para ajudar a solucionar o problema de todas, gerando um efeito em rede. Todas as famílias são participantes e destinatárias de ajuda. Psicoterapia de casal: casais podem ser atendidos individualmente ou em grupos, caso o terapeuta tenha habilidade para conduzir as sessões sem expor particularidades de cada casal que não sejam adequadas ao tema focado. Grupo de educadores, grupo de outros familiares e variações: o atendimento familiar é múltiplo, e o trabalho interventivo pode ser definido pelos núcleos, como pelo gênero, ou por questões específicas a serem discutidas. Dentro das abordagens terapêuticas podemos citar algumas: Terapia familiar cognitivo-comportamental; Terapia de casal comportamental; Modelo sistêmico e seu entendimento sobre abuso e dependência de substâncias; Terapia estratégica breve para adolescentes; Terapia motivacional sistêmica. 146 A diversidade do atendimento familiar também se refere ao processo, havendo diferenças entre as famílias que recebem psicoterapia familiar e aquelas que são esporadicamente atendidas dentro do tratamento do dependente químico. Conforme a modalidade adotada, é possível conciliar sessões abertas com sessões dirigidas, tanto em grupos como em atendimentos familiares individualizados, com ou sem a presença do dependente, desde que acordado previamente entre as partes. A terapia familiar é fundamental no tratamento da dependência quimica, trazendo benefícios significativos tanto no padrão de consumo do paciente quanto na melhora das relações familiares e sociais. Os ganhos de qualquer intervenção familiar devem ser vistos no contexto de vida do paciente e de sua família, sendo analisadas dentro de um processo, o que significa que mudanças não serão imediatas, e sim construídas conforme a realidade de cada sistema familiar. Grupo de Apoio (Família e Paciente) “Só por hoje...” Pontos chaves As irmandades são conceituadas como grupos de autoajuda mútua. São conhecidas: alcoólicos anônimos (AA), narcóticos anônimos (NA) e amor exigente. As irmandades anônimas, como são conhecidos os grupos de autoajuda ou ajuda mútua são mundiais. O grupo mais conhecido e popular do mundo são os alcoólicos anônimos (AA). Os AA são definidos, de acordo com sua literatura oficial, como “uma irmandade de homens e mulheres que se ajudam mutuamente a resolver seu problema comum, isto é, o alcoolismo, e o abuso de outras drogas são conhecidos como narcóticos anônimos (NA). A filosofia dos Alcoólicos Anônimos é baseada em 12 passos que são sugeridos para a recuperação. O primeiro deles, considerado o mais difícil, é admitir a impotência perante o álcool, e a perda do domínio sobre a vida. “É o caminho para a liberdade”, relata o homem que coordena os AA em todo o Estado, e que é um alcoólico em recuperação. 147 Os outros passos tratam de temas como a importância da crença em um poder superior, a confissão de falhas cometidas, entre outros. “O AA é um programa para quem quer ter uma vida feliz, útil e significativa”, destaca um dos membros. A literatura do AA lista também as 12 tradições que devem ser respeitadas. Trata-se da Constituição Mundial da irmandade. Manter a unidade – ou seja, o bem-estar comum – é uma tradição dos Alcoólicos Anônimos, bem como divulgar a mensagem do AA, por meio de palestras em hospitais e empresas, e manter-se auto-suficiente, rejeitando qualquer tipo de doação. Alcoólicos Anônimos (AA) destaca-se como uma organização de autodenominados alcoólicos que se reúnem freqüentemente e voluntariamente para reforçar sua prática de abstinência de ingestão de bebidas alcoólicas. Os Narcóticos Anônimos (NA) destaca-se como uma organização de autodenominados narcóticos que se reúnem freqüentemente e voluntariamente para reforçar sua prática de abstinência de ingestão de outras drogas. Já os grupos de apoio para as familiares, destacam-se o Amor Exigente é um grupo cujo programa terapêutico focado na prevenção, mas também na recuperação. Ajuda não só jovens quimicamente dependentes, mas também qualquer jovem ou casal de pais com problemas, na tentativa de mudar seus comportamentos e, conseqüentemente, os comportamentos dos seus. Portanto vimos a importâncias dos grupos de ajuda no tratamento da dependência quimica, embora, a rigor, como assinala alguns autores, o modelo de autoajuda não se configure como um “ambiente de tratamento”, de qualquer maneira, é uma fonte importantíssima de ajuda a muitas pessoas com problemas com álcool e outras drogas. Os grupos de autoajuda não se autodenominam como fonte de solução para o problema da dependência química ou outro distúrbio relacionado com as compulsões. Seus membros 148 reconhecem que tiveram sucesso ao tratar de seus próprios problemas, entretanto, sob quaisquer circunstâncias não compartilham da opinião de que sua visão terapêutica deva ser adotada universalmente. Redução de Danos “Só por hoje...” Pontos chaves A redução de danos é uma estratégia que visa minimizar as conseqüências adversas do usode substâncias psicoativas. Considerada um meio, não uma finalidade no tratamento. A redução de danos (RD) é um conjunto de medidas de saúde pública voltadas a minimizar as conseqüências adversas do uso de drogas, sejam lícitas ou ilícitas, sendo compreendida como uma das possíveis estratégias de abordagem no tratamento e na prevenção do uso de drogas. É reconhecido pelo International Narcotics Control Board (INCB), órgão responsável por verificar se a comunidade mundial obedece aos ditames das convenções, como uma estratégia de prevenção indicada (prevenção terciária) que tem suas 149 ações voltadas a interromper ou diminuir as conseqüências do uso contínuo de substâncias psicoativas, destinados a atingir usuários que não poderiam ser alcançados por outros meios. Essa técnica parte das seguintes premissas: O uso de substâncias produz conseqüências negativas nas pessoas que as consomem; As conseqüências do uso de substâncias podem ser minimizadas ou evitadas com abordagens dirigidas; As abordagens de redução de danos são alternativas aos tratamentos usuais, as quais podem ser empregadas a qualquer momento do tratamento, sobretudo, quando a pessoa com problema pelo uso de substâncias não está motivada de forma suficiente para interromper o consumo. De acordo com Federal HAPCO, (2010), a prática de redução de danos abrange: A abstinência ou a redução do consumo de substâncias; A prevenção da transmissão do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e de outras doenças infectocontagiosas entre usuários de substâncias injetáveis por meio do uso de material descartável para consumo e do provimento de locais seguros e limpos para uso dessa substância; A prevenção de conseqüências da overdose da substância, como uso em locais com assistência médica, treinamento e distribuição de uso de medicamentos para paradas cardiorrespiratórias, entre outras ações; A substituição de substâncias mais danosas por outras menos prejudiciais. A prática de redução de danos é uma estratégia para estabelecer vínculo e trazer a pessoa com transtorno por uso de substâncias (TUS) para perto das equipes de saúde. Dessa forma, não se deve considerá-la uma estratégia finalística para o tratamento da pessoa com TUS, mas, sim, como parte de um tratamento integral, compreendendo as abordagens médica, psicológica, de assistência social e reinserção social, que consideram as necessidades particulares de cada indivíduo com usuário de substâncias psicoativas. Atualmente, as práticas de redução de danos são feitas em 91 países. Nos países pioneiros como Suíça, Holanda, Canadá, Austrália, Reino Unido, Espanha, Alemanha, Suécia e Nova Zelândia, tais práticas se associam a outras técnicas de tratamento e prevenção: Intervenções socioeducativas; Intervenções breves; 150 Programas de trocas de seringas; Programas de substituição de substâncias; Salas limpas para uso de substâncias; Programas de prevenção de overdose; Distribuição de naloxona; Treinamento de pares em ressuscitação cardiopulmonar; Mudanças legislativas e regulatórias. No Brasil, as medidas de redução de danos foram introduzidas em São Paulo, no ano de 1989, para a prevenção da transmissão do vírus HIV. Nessa época, a prevalência de infecção por HIV em usuários de substâncias injetáveis era próxima de 60%, sendo que 25% dos indivíduos com o vírus faziam uso de substâncias injetáveis. Na segunda metade dos anos de 1990, houve o surgimento de programas e associações de redução de danos em diversos estados, porém, somente em 2002, a estratégia de redução de danos foi incluída na Política Nacional Antissubstâncias. Mas ainda é incipiente nos países da América Latina. Ao longo dos anos, um corpo teórico foi construído e partilhado entre os grupos que realizam a prática de redução de danos. Destes, alguns princípios e valores foram considerados parte importante dessa abordagem. A redução de danos entende o fato concreto de que muitas pessoas usam substâncias e não se tornam dependentes e de que visões idealistas de uma sociedade livre dessas substâncias não têm chances de se tornar realidade. Reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita e propõe alternativas para reduzir os danos produzidos pelo consumo de substâncias. Ela oferece a possibilidade de diminuir as conseqüências negativas de comportamentos de risco aos indivíduos que não têm como objetivo inicial a abstinência completa ou não são capazes de atingi-la. A redução de danos tem como princípios básicos os seguintes aspectos: A RD é uma alternativa de saúde pública para os modelos moral, criminal e de doença; A RD reconhece a abstinência como resultado ideal, mas aceita alternativas que reduzam os danos; A RD surgiu principalmente como uma abordagem “de baixo para cima”, com base na defesa do dependente, em vez de uma política “de cima para baixo”, promovida pelos formuladores de políticas de drogas; 151 Acesso a serviços de baixa exigência como uma alternativa para abordagens tradicionais de alta exigência: como já dito; A RD se baseia nos princípios do pragmatismo empático versus idealismo moralista. Quanto custo-benefício da redução de danos nota-se que a maior efetividade é demonstrada na prevenção de doenças infectocontagiosas, principalmente HIV e hepatites virais, nos usuários de substâncias injetáveis. A estratégia de alcance também tem se mostrado efetiva para a redução de danos nos usuários de substâncias ilícitas, bem como a estratégia de alcance pode ser realizada pelos pares, substituição da heroína pela metadona, terapia de substituição da nicotina e campanhas educativas e as leis. Estudos internacionais revelam que para a redução de danos tenha um tratamento efetivo, não deve ser utilizada uma estratégia única para todos. As evidências mostram uma maior efetividade quando se individualizam as abordagens, respeitando cada sujeito. Os usuários de substâncias variam amplamente em relação às metas pessoais associadas a uso da substância, motivação e estágios de prontidão para a mudança, estado emocional e psiquiátrico, traços de personalidade, vulnerabilidades e variáveis socioeconômicas. Por fim, para que seja maximizada a efetividade da redução de danos, ela não pode ser considerada a única prática possível para a abordagem dos usuários de substâncias. Ela deve ser considerada um meio, não uma finalidade no tratamento desses indivíduos, sobretudo, quando é necessária a criação de vínculo entre o usuário e o sistema de saúde e quando o usuário não tem como objetivo inicial a abstinência completa. Módulo 8: Rede de Assistência aos usuários de substâncias psicoativas Papel das equipes multidisciplinares no tratamento da dependência química “Só por hoje...” Pontos chaves A de organização do trabalho tem sido apontado como elemento dificultador da produção de um cuidado integral em saúde. A interdisciplinaridade tem sido considerada componente essencial da organização do trabalho. 152 A assistência em saúde envolve um do tipo profissional e especializado, que tenham qualificação técnica em graus diversificados. Na modernidade, o avanço do saber produziu o isolamento das disciplinas e o surgimento de interesses corporativos que levaram a uma fragmentação do conhecimento. Esse fenômeno resultou na racionalidade técnico-científica que regula os processos de trabalho na área da saúde. Nas últimas décadas, tem-se demonstrado a insuficiência dessa racionalidade, o que coloca a interdisciplinaridade no centro das discussões acerca do desenvolvimento do conhecimento científico e das práticas sanitárias. O modo de organização do trabalho tem sido apontado como elemento dificultador da produção de um cuidado integral e de mais qualidade em saúde, tanto na perspectiva daqueles que o realizamcomo daqueles que dele usufruem. A complexidade envolvida nesse campo ultrapassa os saberes de uma única profissão ou área do conhecimento. A busca de novas formas de organização e gestão do trabalho em saúde é uma decorrência da evolução do conhecimento e uma necessidade própria da complexidade que os problemas de saúde vão assumindo na contemporaneidade. (Morin, 2000; Pires, 1999) Para dar conta dessa complexidade, que envolve um cenário no qual se reconhece a insuficiência do olhar parcelado que é proporcionado por disciplinas estanques, o trabalho em saúde deve envolver práticas em âmbito multi, pluri, inter e transdisciplinar. A interdisciplinaridade tem sido considerada componente essencial da organização do trabalho na contemporaneidade e importante facilitador na obtenção de resultados positivos e na otimização da relação custo-efetividade em vários contextos de saúde e em todos os níveis de atenção à saúde, buscando alcançar uma abordagem integral sobre os fenômenos que interferem no processo saúde-doença da população. Remete às ações conjuntas, integradas e inter-relacionadas, desenvolvidas por profissionais de diferentes procedências quanto à área básica do conhecimento. Já a multidisciplinaridade refere se ao trabalho e estudo de profissionais de diversas áreas do conhecimento ou especialidades sobre um determinado tema ou área de atuação. Desse modo, não implica a integração de ações desses diferentes profissionais tendo em vista o objetivo comum de alcançar um entendimento mais amplo do fenômeno abordado. Como ponto de partida para compreensão do tratamento da dependência química, este assunto deve ser entendido com um campo complexo e multifatorial, que exige abordar, de 153 forma integrada, as diversas dimensões implicadas. Já é considerado consenso, pela literatura, que esse tratamento seja organizado segundo um enfoque interdisciplinar, para além de uma abordagem multidisciplinar. Nesse contexto, a interdisciplinaridade exige que se pensem as questões relativas à comunicação entre as diversas áreas de conhecimento, o que exige superar os termos especializados e herméticos, criando-se uma linguagem única e acessível a todos os envolvidos no processo de trabalho para expressar os conceitos e as contribuições das várias disciplinas, o que vai possibilitar a compreensão das diversas facetas do problema e o intercâmbio de possíveis estratégias de solução. Tendo em vista a gravidade dos problemas colocados pelo uso e dependência de álcool e/ou outras drogas, o tratamento constitui um processo dinâmico, caracterizado pelas interfaces das diversas áreas implicadas. Nessa medida, o manejo dos problemas exige uma constante negociação, capacidade de articulação e integração entre os profissionais da equipe. O paciente deve ser entendido e abordado sob a ótica da totalidade, considerada na perspectiva da integralidade, que é a chave da intervenção terapêutica, a fim de atenuar o sofrimento humano, onde o sujeito assume o protagonismo de sua vida. Já as intervenções com as famílias objetivam empoderar os familiares para que compreendam o problema em suas diferentes facetas, incluindo sua repercussão no plano das interações do sistema familiar, para que a família se conscientize da necessidade de se reposicionar ante o familiar dependente. A assistência em saúde envolve um do tipo profissional e especializado, que tenham qualificação técnica em graus diversificados e que, portanto, dominam saberes e técnicas específicas para auxiliar indivíduos com problemas de saúde ou em situação de vulnerabilidade psicossocial que implica riscos para adoecimento. De acordo com a complexidade do serviço prestado, existe a necessidade de diversos profissionais na prática clinica: médicos de diversas especialidades, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, farmacêuticos, assistentes sociais, entre outros. A natureza das relações de trabalho nas equipes interdisciplinares constitui uma das barreiras mais salientes para a implementação da interdisciplinaridade. A organização taylorista-fordista, que ordena o campo das relações de trabalho na saúde, impõe uma fragmentação e hierarquização de tarefas. 154 O trabalho em equipe exige uma lógica cooperativa, diferente do modelo fragmentado de organização do trabalho, em que cada profissional realiza parcelas do trabalho sem uma integração com as demais áreas envolvidas. A abordagem interdisciplinar pressupõe novas formas de relacionamento, tanto no que diz respeito à hierarquia institucional, a gestão, a divisão e a organização do trabalho, quanto no que se refere às relações que os trabalhadores estabelecem entre si e com os usuários do serviço. As barreiras que se interpõem a um trabalho efetivo da equipe multidisciplinar compreendem: formação e capacitação profissional, definição dos objetivos e papéis, manejo dos conflitos, padrões de comunicação e fatores institucionais. Políticas públicas para dependência química e Lei Orgânica da Saúde “De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”. Michel Foucault Pontos chaves Conceito ampliado de saúde. Lei orgânica de saúde 8.080/90. Saúde como um direito constitucional. Uma das principais questões que permeiam o campo da Saúde Mental gira em torno de como a loucura e todos os tipos de “transtornos” mentais é vistos na sociedade. Desde muito tempo, essa é uma problemática discutida e questionada, principalmente em autores como Foucault (1972), que analisou as formas de manifestação e controle da loucura ao longo do tempo. Para o autor, no final do século XVIII a loucura foi alienada de si mesma a partir de um estatuto de objeto. Para compreender o conceito de saúde na contemporaneidade é fundamental atentar-se à sua historicidade, bem como compreender o processo que culminou no reconhecimento da saúde como um direito de todo cidadão. Durante muito tempo, a saúde foi entendida como ausência de doença a partir de uma perspectiva biológica que considerava, primordialmente, as características físicas dos indivíduos. Com o passar do tempo, esse conceito foi ampliado e 155 a saúde passou a ser sinônimo de um “estado de completo bem estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades” (Organização Mundial da Saúde). A partir da Constituição Federal de 1988, a saúde passou a ser um direito de todos e, em 1990, o Sistema Único de Saúde é regulamentado pela Lei Orgânica de Saúde 8.080 de 1990. A partir dessa lei fica instituído: Art. 2º: “A saúde é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício” (BRASIL, 1990). Além disso, assegura-se no § 1º: “O dever do Estado de garantir a saúde consiste na formulação e execução de políticas econômicas e sociais que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos e no estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e aos serviços para a sua promoção, proteção e recuperação”. Atualmente há a compreensão de que o conceito de saúde não é limitada a um conceito fixo, cristalizado, mas sim ligada a um conjunto de fatores delimitados pelo tempo. Isso significa que a forma de compreender a saúde está relacionada diretamente às concepções acerca do próprio homem e suas relações com a vida. A partir de tal pressuposto, é preciso analisar a historicidade da saúde no Brasil, especificamente com relação ao acesso à Saúde Pública antes da criação do Sistema Único de Saúde (SUS). A idéia de bem-estar pode ser relacionada à satisfação das necessidades (conscientes ou inconscientes), naturais ou psicossociais, ou seja, a saúde como sinônimo de bem-estar apresenta-se como um processo biológico, físico, psicológico,mental e social (MIRANDA- SÁ JR., 2004). É a partir de um olhar ampliado que a saúde é representada na contemporaneidade. O acesso igualitário e universal às ações de saúde é contemplado pelos seguintes princípios que norteiam o Sistema Único de Saúde: Universalização: que consiste no direito de cidadania de todas as pessoas sem nenhum tipo de distinção social; 156 Equidade é a tentativa de diminuição das desigualdades e na reparação de seus efeitos; Integralidade: que considera as pessoas como um todo, atendendo a todas as suas necessidades, a partir da integração de ações, e da articulação do campo da saúde com outras políticas públicas. Já os princípios Organizativos do SUS: Regionalização e Hierarquização: relaciona-se à organização dos níveis de complexidade, de acordo com a área geográfica e os critérios epidemiológicos, para conhecimento da população a ser atendida. Quanto a Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde (CNDSS), criada em 2006, define os Determinantes Sociais da Saúde (DSS) como “os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico-raciais, psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus fatores de risco na população” (BUSS e PELLEGRINI FILHO, 2007). Há uma variedade de estudos que consideram os Determinantes Sociais de Saúde, um ponto de partida para a compreensão dos indicadores de saúde de determinada população, entre eles vale destacar: a relação entre pobreza e saúde e a produção de iniqüidades e os desdobramentos no processo de saúde-doença. Este último enfoque é base para as discussões contemporâneas, que objetivam compreender o ser humano a partir de sua integralidade, pois considera toda a rede de relações produzidas no meio social que o circunda. O Ministério da Saúde adotou a estratégia da organização do SUS a partir da criação das Redes de Atenção à Saúde, com sub-redes temáticas, com a finalidade de superar a fragmentação no contexto da atenção nas Regiões de Saúde, bem como para assegurar ao usuário o conjunto de ações e serviços para responder às suas necessidades de saúde. A Rede de Atenção à Saúde é definida na legislação vigente como o conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde, sendo um conjunto de ações e serviços de saúde articulados em níveis de complexidade crescente, com a finalidade de garantir a integralidade da assistência à saúde. A partir de 2011, com a regulamentação da Portaria nº 3.088, surge um novo arranjo organizativo de serviços e estratégias, que propõe a integralidade e continuidade do cuidado. 157 No Brasil, o campo da saúde foi construído, ao longo do tempo, por diferentes modelos que culminaram num processo de luta e conquista social com base na promoção do bem-estar e no cuidado humanizado, amparado na perspectiva crítica e ampliada. Nesse sentido, o processo saúde-doença é compreendido de acordo com as multiplicidades que permeiam os sujeitos, pelos aspectos psicossociais biológicos, culturais, econômicos que, de alguma forma, interferem em seus modos de vida. A partir da década de 1970 – 1980 as mobilizações no campo da saúde ganham força e, em 1988, de acordo com a Constituição Federal, a saúde passa a ser um direito de todos os cidadãos. Essas transformações sociais e políticas contribuem, gradativamente, para a construção coletiva de um novo paradigma em torno da saúde, que deixa de ser entendida como a ausência da doença para ser considerada parte de um conjunto de fatores – biológicos, psíquicos, sociais. Essa perspectiva biopsicossocial tem como objetivo desconstruir reducionismos e priorizar a atenção integral dos sujeitos através de práticas cotidianas pautadas em saberes interdisciplinares que contemplem a complexidades da vida humana e social. Organização do serviço no tratamento da Dependência Química “De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”. Michel Foucault Pontos chaves Necessidade de uma organização de trabalho voltada para a necessidade do usuário. Não há um modelo que seja melhor, o modelo é o que for mais adequado para o sujeito. Há um grande numero de papéis profissionais no tratamento da dependência química. A organização de serviços de tratamento para dependência química tem se tornado um paradigma atual para profissionais e gerenciadores de saúde que atuam nessa área, uma vez que tal atividade se mostra uma tarefa extremamente complexa e que envolve um grande número de variáveis. Observa-se que grande parte dos programas de tratamento para abuso e dependência de substâncias psicoativas, tanto nacionais quanto internacionais, está organizada de forma empírica a partir do empenho e da experiência pessoal de seus profissionais, 158 havendo ainda uma grande lacuna entre o que tem eficácia comprovada por pesquisa e o que se faz na prática clínica. Com o novo conceito de dependência também passou a atribuir pesos semelhantes aos critérios biológicos, psicológicos e sociais que compõem o quadro diagnóstico da dependência química. A internação era o recurso terapêutico mais utilizado, porque o objetivo primordial era a busca da abstinência completa. A partir dessa nova concepção, no entanto, passou-se a pensar para além dela: o tratamento da dependência química carecia de abordagens capazes de motivar os indivíduos a ampliarem novamente seu repertório social, a buscarem novas maneiras de relacionamento com seu ambiente, novas habilidades sociais para lidar com o cotidiano, enfim, a construção de um novo estilo de vida. Desse modo, novas dimensões de tratamento foram desenvolvidas e indicadas de acordo com a gravidade dos sintomas e do contexto social dos indivíduos. Mediante a esse cenário, os serviços de atendimento foram sendo criados ou adaptados para o tratamento da dependência química: ambulatórios, centros de convivência, internações breves e longas, hospitais-dia, moradias assistidas, acompanhamento terapêutico, agentes multiplicadores, dentre outros. Para ampliar ainda mais os atendimento a esses usuários, daí nasceu a necessidade de sensibilizar a rede primária de atendimento, para fazer o diagnóstico precoce e motivar os usuários ao tratamento. Abordagens como a política de redução de danos surgiram com a finalidade de prevenir conseqüências danosas à saúde do usuário, tais como as doenças sexualmente transmissíveis (DST) e a síndrome da imunodeficiência adquirida, sem necessariamente interferir na oferta ou na demanda. A partir disto necessitou-se uma organização de um serviço, que é uma tarefa complexa, envolta por inúmeras variáveis. Um serviço de atendimento contemporâneo deve ser preferencialmente interdisciplinar, construído com base nas necessidades do paciente, considerando parceiros locais e envolvendo os familiares nos cuidados oferecidos. Há uma possibilidade ilimitada de modelos de tratamento, cada um deles tem vantagens e desvantagens na prestação de auxílio ao dependente químico, não havendo um serviço melhor do que o outro, mas sim pacientes mais indicados para cada serviço. Alguns ambientes de tratamento: Rede primária de atendimento à saúde; Unidades comunitárias de álcool e drogas; Unidade ambulatorial especializada; 159 Comunidades terapêuticas; Grupos de autoajuda; Hospitais gerais; Hospital-dia; Moradia assistida; Hospitais psiquiátricos; Sistema judiciário; Empresas. Ambientes de tratamento posicionados de acordo com o nível de atenção à saúde ao qual estão destinados. Todo o serviço deve procurar o seu lugar para apoiar com mais eficácia o paciente que o procura. Isso vai além da determinação do papel e do posicionamento do serviço: é necessário também se conectar aosdemais serviços disponíveis, para formar redes de apoio mútuo. Isso reforça e amplia as estratégias de tratamento do serviço e possibilita o encaminhamento aqueles que já concluíram o tratamento proposto, mas ainda necessitam de outras abordagens. Dentre da organização de trabalho, há um grande número de profissionais diretamente envolvidos no tratamento da dependência química. Cada ambiente (e a complexidade de sua organização) requer um tipo de equipe. Podemos citar alguns dos papéis profissionais: Medico generalista e médico especialista; Psicólogo; Assistente social; Enfermeiro; Terapeuta ocupacional; Acompanhante terapêutico; Agentes comunitários de saúde; 160 Conselheiros ex-usuários. Segundo o Instituto Nacional para a Saúde e Excelência Clínica, do Reino Unido, todo indivíduo com problemas relacionados com o consumo de substâncias psicoativas tem o direito de tomar decisões informadas sobre o seu cuidado, em parceria com a equipe que lhe assiste. Organização pan-americana de Saúde (OPAS) e a Comissão Interamericana para o Controle do Abuso de Drogas (CICAD) descrevem quatro aspectos fundamentais para caracterizar um tipo de tratamento: caráter da intervenção, estratégia terapêutica, metas terapêuticas e filosofia do tratamento. Segundo o National Institute on Drug Abuse (NIDA) considera que qualquer enquadramento terapêutico proposto deve contemplar ao menos 13 itens e propiciar ao paciente que o procura uma infraestrutura capaz de atender às suas necessidades e remover barreiras que dificultem sua adesão à proposta terapêutica: 1. Individualização da abordagem; 2. Disponibilidade de acesso; 3. Multidisciplinaridade; 4. Plano de tratamento maleável; 5. Tempo de permanência mínimo; 6. Psicoterapia individual e em grupo; 7. Farmacoterapia; 8. Tratamento integrado da comorbidade; 9. Desintoxicação apenas como primeiro passo; 10. Tratamento voluntário e involuntário; 11. Monitoramento do consumo; 12. Doenças sexualmente transmissíveis e síndrome da imunodeficiência adquirida; 13. Tratamento em longo prazo. Quanto ao planejamento, este está destinado ao desenvolvimento do conteúdo do serviço, do processo de implantação e gestão, bem como ao estabelecimento das normas de interação entre os membros da equipe e entre estes e o público-alvo. Tudo isso visa um só objetivo: produzir um atendimento de qualidade para aqueles que buscam os serviços para dependência química. A avaliação é a parte constituinte (e indissociável) do planejamento, sendo responsável pelo dinamismo que toda proposta de tratamento deve possuir. 161 Trabalhar com dependentes químicos em geral é uma atividade que exige dos profissionais envolvidos capacidade de acolher, de receber, de estar aberto para a vivência do outro. Além disso, somam-se muita capacidade de tolerar frustrações, grau elevado de reafirmação interna e externa de regras e de limites. O recurso humano para essa função é, portanto, o grande diferencial de qualquer serviço de dependência química que se deseje organizar. A combinação do conhecimento do profissional com mais anos de experiência e das vicissitudes dos profissionais mais jovens são ingredientes que podem ser facilitadores desse processo. É importante, sobretudo que haja treinamento específico e educação continuada sobre a área de atuação, por meio dos vários cursos de capacitação existentes, mas principalmente daqueles ligados a especializações em comportamentos aditivos. Dispositivos de Atenção Psicossocial “De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”. Michel Foucault Pontos chaves Níveis de atenção em saúde: primário, secundário e terceiro. A atenção primária é a porta de entrada do SUS. O CAPS tem como função acolher pessoas em sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras droga. Atenção em Saúde, no Brasil, divide-se em três níveis de complexidade: o primário, que engloba as práticas de promoção e prevenção desenvolvidas pela atenção Básica (Unidades Básicas de Saúde; Programa Saúde da Família) nos territórios; o secundário que está ligado ao tratamento especializado e curativo, como por exemplo, psiquiatria, ginecologia, neurologia, etc., e, por fim, o nível terciário marcado pela alta complexidade, que consiste nos serviços que dispõem de tecnologias para cirurgias e reabilitação, como no caso dos hospitais. Entende-se por atenção primária o nível básico da organização dos serviços de saúde, de acordo com os princípios do SUS, que atua, principalmente na promoção e proteção à 162 saúde da população. Fazem parte desta categoria as Unidades Básicas de Saúde (UBS), as iniciativas da Estratégia de Saúde da Família (ESF), assim como os consultórios de ruas, entre outros. A estratégia de Saúde da Família (ESF) busca promover a qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que colocam a saúde em risco. Sendo assim destacam cinco princípios básicos da Atenção Primária, tais como: acessibilidade, abrangência, coordenada, contínua e responsabilidade. De acordo com portal PenseSus, podemos compreender melhor o conceito de atenção básica: “atenção básica ou atenção primária em saúde é conhecida como a “porta de entrada” dos usuários nos sistemas de saúde. Ou seja, é o atendimento inicial. Seu objetivo é orientar sobre a prevenção de doenças, solucionar os possíveis casos de agravos e direcionar os mais graves para níveis de atendimento superiores em complexidade. A atenção básica funciona, portanto, como um filtro capaz de organizar o fluxo dos serviços nas redes de saúde, dos mais simples aos mais O Programa Saúde da Família tem como proposta a reestruturação do sistema de saúde no âmbito da atenção primária. A Estratégia Saúde da Família (ESF) busca promover a qualidade de vida da população brasileira e intervir nos fatores que colocam a saúde em risco, como falta de atividade física, má alimentação, uso de tabaco, dentre outros. Com atenção integral, equânime e contínua, a ESF se fortalece como a porta de entrada do Sistema Único de Saúde. Atenção Secundária à saúde está relacionada aos serviços de média complexidade que englobam as especialidades de densidade tecnológica intermediária, os tratamentos específicos de apoio diagnóstico e terapêutico, assim como atendimentos em urgência e emergência. Este nível de atenção é composto por assistências curativas, tratamento de 163 doenças e prevenção do agravamento, ou seja, na atenção secundária, já existe um processo de adoecimento em curso que precisa ser tratado adequadamente. De forma geral, o nível secundário de atenção à saúde é composto pelos seguintes serviços: Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Policlínicas, Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), Centro Especializado de Odontologia (CEO) e o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU). Na atenção secundária podemos destacar os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) são unidades que prestam serviços de saúde de caráter aberto e comunitário, constituído por equipe multiprofissional e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas sejam em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial. CAPS tem como papel acolher as demandas em saúde mental em substituição ao modelo psiquiátrico centrado no hospital e na forma de encarar os mais variados tipos de sofrimento psíquico como um mal a ser excluído. Para YASUÍ (2006, p.107), o CAPS é uma estratégia de transformação que faz parte de uma ampla rede de cuidados e “não se limita ou se esgota na implantação de um serviço. O CAPS é meio, é caminho, não fim”. De acordo com a Portaria nº 336 (BRASIL, 2002),os CAPS são divididos em modalidades, conforme Art.1º:CAPS I, CAPS II e CAPS III, definidos por ordem crescente de porte/complexidade e abrangência populacional. Ficando estabelecido da seguinte maneira: CAPS I - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população entre 20.000 e 70.000 habitantes; CAPS II - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população entre 70.000 e 200.000 habitantes; 164 CAPS III - Serviço de atenção psicossocial com capacidade operacional para atendimento em municípios com população acima de 200.000 habitantes; CAPS i II - Serviço de atenção psicossocial para atendimentos a crianças e adolescentes, constituindo-se na referência para uma população de cerca de 200.000 habitantes, ou outro parâmetro populacional a ser definido pelo gestor; CAPS ad II - Serviço de atenção psicossocial para atendimento de pacientes com transtornos decorrentes do uso e dependência de substâncias psicoativas, com capacidade operacional para atendimento em municípios com população superior a 70.000. A partir da Portaria nº 130, de 26 de janeiro de 2012, há uma redefinição do Centro de Atenção Psicossocial de Álcool e outras Drogas 24 h (CAPS AD III) e os respectivos incentivos financeiros. No terceiro nível de atenção à saúde, este tem como base os hospitais e ambulatórios de procedimentos especializados. A assistência hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) é organizada a partir das necessidades da população, a fim de garantir o atendimento aos usuários, com apoio de uma equipe multiprofissional, que atua no cuidado e na regulação do acesso, na qualidade da assistência prestada e na segurança do paciente. Dentro dos dispositivos de atenção psicossocial temos o programa de Volta para Casa, que foi instituído pela Lei Federal 10.708 de 31 de julho de 2003 e dispõe sobre a regulamentação do auxílio-reabilitação psicossocial a pacientes que tenham permanecido em longas internações psiquiátricas. O objetivo deste programa é contribuir efetivamente para o processo de inserção social dessas pessoas, incentivando a organização de uma rede ampla e diversificada de recursos assistenciais e de cuidados, facilitadora do convívio social, capaz de assegurar o bem-estar global e estimular o exercício pleno de seus direitos civis, políticos e de cidadania. Além disso, o De Volta para Casa atende ao disposto na Lei 10.216 (Lei Paulo Delgado) que determina que os pacientes longamente internados ou para os quais se caracteriza a situação de grave dependência institucional, sejam objeto de política específica de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida. Comunidades Terapêuticas e Residências assistidas “De homem a homem verdadeiro, o caminho passa pelo homem louco”. 165 Michel Foucault Pontos chaves Comunidades terapêuticas são dispositivos de internação especializada. As comunidades terapêuticas trabalham com a proposta de abstinência, baseadas nos 12 passos e espiritualidade. As residências terapêuticas por sua vez, são locais para pacientes com necessidades decorrentes do uso de álcool e outras droga destinadas e com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas. As comunidades terapêuticas (CT) são ambientes de internação especializados, presentes em mais de 60 países, que oferecem programas de tratamento estruturados e intensivos, visando ao alcance e manutenção da abstinência, inicialmente em ambiente protegido, com encaminhamento posterior para internação parcial e/ou seguimento ambulatorial, conforme as necessidades do paciente. Esta abordagem de autoajuda acontece por intermédio da convivência entre os pares, provocando e promovendo mudanças e desenvolvimento de hábitos e valores importantes para uma vida saudável, manteve sua característica essencial e diversificou-se, englobando e combinando com eficácia outros modelos psicossociais, tais como a prevenção da recaída e técnicas motivacionais, além de inúmeros serviços adicionais relacionados com a família, a educação ou o trabalho e com a saúde física e mental. Que visa tratar o transtorno do indivíduo como um todo, objetivando para sua recuperação, a médio e longo prazo, transformar positivamente seu estilo de vida e a identidade pessoal. Para isso, uma série de programas e metas é oferecida aos pacientes em recuperação As mudanças multidimensionais que os dependentes químicos necessitam para que o tratamento surta efeito e, assim, entrem em recuperação, acontecem por meio de um processo que pode ser descrito dinamicamente na rotina da comunidade terapêutica e nas intervenções planejadas e não planejadas que o dia a dia proporciona. As mudanças, inicialmente observadas nos comportamentos, percepções e experiências, evoluem gradualmente para mudanças de estilo de vida. Vejamos alguns dos objetivos: 1. Proporcionar a abstinência de álcool e drogas psicoativas na comunidade terapêutica e na etapa da reinserção social; 2. Convivência e estabelecimento de relacionamentos saudáveis entre o grupo e outros dependentes de álcool e drogas; 166 3. Fortalecer o senso de responsabilidade individual, entre os companheiros e na equipe; 4. Aconselhamento utilizando técnicas motivacionais e prevenção de recaída; 5. Acompanhamento individual, auxílio no processo de educação e reeducação, treinamento profissional por meio de experiência e cursos; 6. Atenção aos cuidados com sua estadia na comunidade e desenvolvimento psicossocial do residente; 7. Acompanhamento pós-alta. A comunidade terapêutica considera o uso de drogas um sintoma do comprometimento daquele que faz uso nocivo ou é dependente, incapaz de manter-se abstinente, sendo gravemente disfuncional do ponto de vista social e interpessoal, tomando atitudes e condutas anti-sociais. As comunidades terapêuticas funcionam como agente chave do processo de mudança, sendo o seu método e diferencial maior em relação às demais modalidades de tratamento. Os Doze Passos e as Doze Tradições dos Alcoólicos Anônimos (AA) e/ou Narcóticos Anônimos (NA) são à base dos programas de recuperação oferecidos pelas comunidades terapêuticas em grande parte do mundo e na maioria das comunidades no Brasil. Programas com referencial na espiritualidade e/ou na religião também podem compor as abordagens nesse ambiente de tratamento, em graus variados de combinação entre si e com outros modelos. No que concernem os serviços de Residências Terapêuticas, também conhecidos como Residências Terapêuticas, são casas, locais de moradia, destinadas a pessoas com transtornos mentais que permaneceram em longas internações psiquiátricas e impossibilitadas de retornar às suas famílias de origem. As Residências Terapêuticas foram instituídas pela Portaria/GM nº 106 de fevereiro de 2000 e são parte integrante da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. Esses dispositivos, inseridos no âmbito do Sistema Único de Saúde/SUS, são centrais no processo de desinstitucionalização e reinserção social dos egressos dos hospitais psiquiátricos. Tais casas são mantidas com recursos financeiros anteriormente destinados aos leitos psiquiátricos. Assim, para cada morador de hospital psiquiátrico transferido para a residência terapêutica, igual número de leitos psiquiátricos deve ser descredenciado do SUS e os recursos financeiros que os mantinham devem ser realocados para os fundos financeiros do estado ou do município para fins de manutenção dos Serviços Residenciais Terapêuticos. 167 Suicídio e Dependência Química “Os suicidas, mesmo os que planejam a morte, não querem se matar, mas matar a sua dor.” Augusto Cury Pontos chaves Suicídio associado a vários transtornos psiquiatrios, no qual são passíveis de tratamento. Mandamento da preservação a vida: proteja a vida, não minimize a tentativa de suicídio, seja empático sempre e avalie os fatores de risco e proteção. Desenvolvimento de programas mais efetivos na prevenção do comportamento suicida. O termo suicídio é derivado do latim a partir das palavras sui (si mesmo) e caedes (ação de matar). É um fenômeno descrito como existente desde a Pré-história e que evoluiu com significados conceituais diferentes ao longo da história humana. Evoluindo com significados conceituais diferentes ao longo da história humana. Em 400 a.C., por exemplo, Hipócrates atribuía o suicídio à melancolia como uma conseqüência da depressão. Já Santo Agostinho (354- -430) entendia o suicídio como algo relacionado ao pecado baseado no mandamento não matarás – Santo Agostinho interpretou “não matarás nem a ti próprio” e daí a conotação de pecado. Em 967, na Inglaterra, o suicídio torna-se, então, um crime. Somente em 1827, com quirol, o fenômeno adquire a conotação de um problema psiquiátrico, e apenas recentemente, em 1976, o suicídio passou a ser compreendido em uma abordagem mais biológica. Compreende-se por comportamento suicida o ato pelo qual o indivíduo se agride, independentemente de quão letal seja esse ato ou mesmo sem reconhecimento genuíno dessa atitude. Assim, o comportamento suicida é compreendido fazendo parte de um continuum que Você sabia... Que em todo o território nacional existem mais de 470 residências terapêuticas. 168 engloba pensamentos, gestos e atitudes autodestrutivos e o suicídio em si. Esse último corresponde a um ato deliberado de autoagressão realizado na expectativa de ser fatal. O suicídio tem sido associado de forma consistente a uma doença psiquiátrica em evolução via de regra tratável. Entre os principais diagnósticos envolvidos estão os transtornos psicóticos primários, os afetivos e os relacionados ao uso de substâncias psicoativas. É considerada uma questão de saúde pública, sendo imperativo preveni-lo. Mas, para bem prevenir, é necessário compreender. Pesquisa realizada pela UNIAD (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas) da UNIFESP (Universidade Federal de São Paulo) No entanto, parece ainda discreta a compreensão cultural do suicídio como uma manifestação de uma doença psiquiátrica. Prevalece muitas vezes o sentimento de desprezo e o conceito cultural de que o suicida se conduz dessa forma “porque quer”. Além disso, percebe-se que as equipes de saúde em geral encontram muitas dificuldades para enfrentar, interpretar, resolver e acolher as tentativas de suicídio e o suicídio. O impacto social e psicológico do suicídio em uma família e na sociedade em geral é algo imensurável. Atualmente, esse fenômeno é considerado um problema de saúde pública mundial. Inúmeros fatores podem se tornar fatores de risco para o suicídio, podemos estabelecer alguns: depressão grave (sobretudo no início do curso da doença); história familiar ou pessoal prévia de depressão ou tentativas de suicídio; psicose; agitação; homofobia internalizada; ansiedade grave; luto; insônia; doença física ou dor crônica; traumas; abuso sexual; identidade sexual masculina; idosos (de modo especial em associação com doenças clínicas); adolescência; falta ou perda de apoio social; encarceramento; crise pessoal; falta de um tratamento psiquiátrico ativo e mantido; e abuso e dependência de álcool ou outras drogas. 169 Existe uma carência de estudos nacionais, em especial em prontos-socorros e salas de emergência, avaliando o uso agudo e a dependência de álcool e outras drogas em tentativas de suicídio e suicídios. Por isso, é importante o desenvolvimento de mais pesquisas nessa área e, sobretudo de outros desenhos de pesquisas a fim de melhor examinar o papel do álcool e das drogas em suicídio e tentativas de suicídio. A maioria dos casos de suicídio envolve um transtorno psiquiátrico em evolução passível de tratamento adequado. Talvez, em metade desses casos, haja um transtorno maior do humor (p. ex., depressão maior, transtorno bipolar) isolado ou complicado por uma Dependência química e comorbidade como o abuso do álcool e/ou de outras substâncias psicoativas. Diehl, Cordeiro e Laranjeira (2019) relatam que existe evidência científica mostrando a importância da associação entre álcool e suicídio, tanto no que diz respeito a seu consumo crônico (dependência) quanto ao agudo (p. ex., intoxicação aguda). Foram encontrado estudos mostrando que 2 a 3,4% dos dependentes de álcool se suicidam. Outros dados de metanálise elevam esse risco a 7%. Porém, os estudos publicados até o momento não distinguem com clareza se o risco é maior sob abuso ou sob dependência de substâncias psicoativas. Pesquisas com foco nos adolescentes e suicídios recebem menos atenção nos tipos de comportamento suicida, como ideação e tentativas, os quais são mais comuns entre mulheres. Algumas pesquisas têm associado o suicídio em mulheres principalmente a beber em binge, experiência de uma infância adversa, problemas de relacionamento, depressão e comportamento suicida precoce. Com certa freqüência há características em comum entre indivíduos com problemas relacionados a abuso ou dependência de álcool que cometem suicídio, vejamos elas: 1. Iniciaram o uso de bebidas muito jovens; 2. Pertencem ao gênero masculino; 3. Tendem a ser brancos, de meia-idade, solteiros, sem amigos e socialmente isolados; 4. Consumiram álcool compulsivamente durante vários anos de forma pesada e têm história familiar de dependência de álcool; 5. Apresentam saúde física comprometida, sentimentos depressivos, vida pessoal perturbada e caótica, sofreram uma grande perda interpessoal recente, como luto ou separação conjugal, e têm baixo rendimento no trabalho ou estão desempregados. É muito provável que as perdas interpessoais e os outros eventos indesejáveis sejam conseqüência da própria síndrome de dependência de álcool e que tenham contribuído 170 para o desenvolvimento de um transtorno do humor, que muitas vezes está presente nas semanas que antecederam o suicídio. O suicídio entre dependentes de álcool pode ocorrer em três situações principais: 1. Casos de suicídio ocorridos sob o efeito do álcool, ou seja, o indivíduo se intoxica para realizá-lo; 2. Casos de suicídio que ocorrem durante o Delirium tremens (DT) ou quadros agudos semelhantes; 3. Casos de suicídio de dependentes de álcool crônicos. Quanto ao manejo clinico frente à ideação suicida devemos sempre seguir os 4 mandamentos de proteção ao paciente: 1º mandamento: Proteja a vida; 2º mandamento: Não minimize a tentativa de suicídio; 3º mandamento: Demonstre empatia sempre; 4º mandamento: Avalie fatores de risco e de proteção. Observa-se no cenário mundial que mesmo com o aumento na oferta de tratamento não houve diminuição significativa em relação a pensamentos suicidas, planos, atos ou tentativas. Algo semelhante também pode estar ocorrendo no Brasil. São necessários esforços continuados para aumentar a busca de indivíduos sem tratamento, com ideação suicida, antes da ocorrência de tentativas, e melhorar a efetividade do tratamento para tais casos. É também importante desenvolver esforços para determinar melhor compreensão e atendimento das tentativas de suicídio, objetivando o desenvolvimento de programas efetivos de prevenção do comportamento suicida, bem como o papel de meios altamente letais de suicídio, incluindo, entre outros, álcool e drogas. Fatores de proteção e risco na dependência química “Sempre existe um caminho para a recuperação”. Anônimo 171 Pontos chaves Estratégias de prevenção visam evitar problemas de saúde. Fatores de risco são condições internas ou externas que podem afetar recuperação do paciente. A participação nas estratégias de prevenção auxilia a melhora da autopercepção e dos própriosconhecimentos a respeito de substâncias. Na área da saúde, é possível pensar as estratégias de prevenção como sendo aquelas capazes de oferecer à comunidade a oportunidade de evitar o surgimento de problemas de saúde. Procuram antecipar ações que venham a fortalecer o indivíduo, ante a necessidade de enfrentamento de eventuais obstáculos que possam provocar danos a sua saúde. Em relação a álcool, tabaco e outras drogas (ATOD) de maneira geral, as estratégias de prevenção têm como objetivos impedir ou retardar o início do uso e/ou diminuir a gravidade e a intensidade das conseqüências decorrentes dele. Os programas de prevenção ao uso nocivo de substâncias psicoativas podem partir de perspectivas distintas. Alguns visam reforçar a determinação do indivíduo para recusar o uso (enfoque da guerra às drogas). Outros procuram contribuir para a inibição de comportamentos autodestrutivos, diminuindo os riscos de exposição da pessoa a situações que perpetuem o uso (enfoque da redução de riscos). Fator de risco (FR) pode ser determinado pela combinação de características ou atributos de uma pessoa, grupo ou comunidade à qual pertence e da probabilidade da ocorrência do uso de substância em algum momento da vida. Os fatores de proteção (FP) visam reforçar a determinação das pessoas para negar o uso ou evitar a progressão dos riscos causados por ele, inibindo comportamentos autodestrutivos e minimizando a influência de possíveis fatores de risco presentes. Existem vários FRs para o uso de substâncias. Cada um representa um desafio ao desenvolvimento psicológico e social do indivíduo, causando impactos diferentes em cada fase de seu desenvolvimento. É importante notar que os FPs não são simplesmente o oposto dos FRs. Eles variam ao longo do processo de desenvolvimento, podendo ser mais ou menos relevantes, de acordo com um momento específico. Basicamente, os modelos de prevenção focados no indivíduo visam oferecer condições intrapessoais que reforcem a determinação da pessoa para a recusa de ATOD ou para evitar a 172 progressão dos riscos causados por um consumo já existente, seja pela modificação de comportamentos tidos como autodestrutivos, seja pelo enfraquecimento de possíveis fatores de risco presentes. A importância da participação dos pais em programas de prevenção se evidencia na melhora da autopercepção destes sobre os próprios conhecimentos a respeito de substâncias psicoativas, acarretando maior confiança para dialogar com seus filhos. Além disso, outros dois pontos se mostram bastante significativos: a melhora na comunicação entre pais e filhos, tanto em assuntos diversos quanto acerca daqueles específicos sobre drogas; e a capacidade de influência sobre seus filhos, possibilitada pela melhoria dos conhecimentos e das habilidades de comunicação, particularmente relevantes para essa mudança. É possível considerar as intervenções preventivas economicamente benéficas quando a condição a ser prevenida é prevalente, quando a condição ou doença tem um custo elevado, quando as intervenções preventivas são consideradas efetivas e quando os custos das intervenções são baixos. O que se percebe é que as intervenções preventivas relacionadas ao uso de ATOD preenchem, para não dizer todas, várias dessas condições. Além disso, os valores investidos na prevenção ao uso de substâncias retornam à sociedade na forma de redução dos agravos de saúde e do custo social relacionado. 173 Por muito tempo, a saúde mental vem sendo negligenciada. Várias causas defendidas pelos profissionais da área recebem forte oposição de setores do governo, da indústria, de grupos religiosos, comunitários e outros. Essa oposição pode ocorrer devido a interesses implícitos ou simplesmente por serem as causas consideradas irrelevantes. DICAS DE FILME Querido menino David Sheff (Steve Carell) é um conceituado jornalista e escritor que vive com a segunda esposa e os filhos. Nic Sheff (Timothée Chalamet), seu filho do primeiro casamento, é viciado “Buscar ajuda é muito importante. Você pode ter uma vida infinitamente melhor se aceitar seu problema e buscar tratamento. Sempre existe um caminho para a recuperação. Muitos conseguiram você pode conseguir também”. 174 em metanfetamina e abala completamente a vida de toda a família. David tenta entender o que acontece com o filho, que teve uma infância saudável, e sempre recebeu todo o seu amor, assim como da mãe, sua ex-esposa, e da madrasta. Ao mesmo tempo, David estuda a droga e sua dependência. Nic, por sua vez, passa por diversos ciclos da vida de um dependente químico, lutando para se recuperar, mas volta e meia se entregando ao vício. O bicho de 7 cabeças. Conta a história de Neto (Rodrigo Santoro) e como o seu vício em maconha o levou a ruína mental. Isso porque sues pais o internaram em um manicômio que não tratava sua situação de maneira adequada, fazendo com que o jovem sofresse torturas físicas, com choques, e psicológicas, com confinamento e uso de diversos remédios. Réquiem para um sonho O drama de Réquiem retrata como os sonhos de pessoas que se viciam em drogas podem desmoronar do dia para a noite. Harry Goldfarb (Jared Leto), Marion Silver (Jennifer Connely) e Sara Goldfarb (Ellen Burstyn) tinham grandes aspirações para o futuro. Harry e Marion desejavam abrir o próprio negócio e viverem felizes e Sara queria emagrecer para ficar bela em seu vestido favorito para aparecer na televisão. No entanto, as drogas atrapalharam os sonhos dessas três personagens de uma maneira surpreendente. 28 dias Gwen Cummings (Sandra Bullock) é uma escritora que não enxerga limites quando o assunto é bebida alcoólica. A princípio, tudo parece festa e diversão, mas quando o consumo está fazendo com que ela passe dos limites, algo deve ser feito. Portanto, esse drama discorre sobre o período em que Gwen se vê internada, durante 28 dias, em uma clínica de reabilitação. Lá, ela precisa lidar com os próprios sentimentos e conviver 175 com outras pessoas que vivem a mesma situação que ela. Esse contato muda sua perspectiva sobre as coisas. O diário de um adolescente Baseado na história real do escritor e cantor Jim Carroll, interpretado por Leonardo DiCaprio, O Diário de um Adolescente retrata como o jovem Jim deixou de ser o astro de um time de basquete e se inseriu no submundo das drogas e da prostituição. Desse modo, todos os dramas e medos são colocados de uma forma tocante e impactante nesse longa-metragem que rendeu uma indicação ao Oscar de melhor ator para DiCaprio. Eu, Christiane F. Christiane F. é uma menina de somente 13 anos de idade, que começa a freqüentar uma boate nova na Alemanha. Sendo assim, a partir das influencias que ela tem, a menina passa a ver a sua vida se deteriorando aos poucos, com o uso excessivo de heroína, entre outras drogas, alem de cair na prostituição. É, portanto, um drama comovente, que mostra todas as nuances desse submundo. No link abaixo, você pode assistir a uma conversa sobre “Medicalização da Saúde”, com Naomar Almeida Filho. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=kF58rMxir2I REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION. (2014). Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. 5 º edição. Porto Alegre: Artmed. BAHRKE, M. S., YESALIS, C. E., BROWER, K. J. (1998). Anabolic-androgenic steroid abuse and performance-enhancing drugs among adolescents. Child Adolesc Psychiatr Clinic. Oct;7(4):821–38. 176 Cordeiro DC. Tratamento farmacológico da intoxicação aguda por Opióides. In: Diehl A, Cordeiro DC, Laranjeira R. Tratamentos farmacológicos para dependência química: da evidência científica à prática clínica. 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