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1 ATUALIDADES EM NUTRIÇÃO CLÍNICA E BIOÉTICA 1 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 3 2. NUTRIÇÃO CLÍNICA ATUALIZADA ..................................................................... 6 3. CONCEITO DE BIOÉTICA ................................................................................. 14 3.1 Ciências da Nutrição e da Bioética, na Perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional e do Direito Humano à Alimentação Adequada ................................ 16 4. O PROCESSO NUTRICIONAL E A BIOÉTICA .................................................. 19 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 27 2 FACULESTE A história do Instituto FACULESTE, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a FACULESTE, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A FACULESTE tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO Dentre as diversas áreas de prática do nutricionista como profissional de saúde, destaca-se a nutrição clínica. Essa área pode ser caracterizada como aquela que se desenvolve em hospitais, clínicas, consultórios e outros, na qual o nutricionista clínico realiza atenção dietoterápica ao paciente baseada, principalmente, no seu quadro clínico e diagnóstico nutricional. No Brasil a prevalência de mortalidade por doenças do aparelho circulatório, câncer, diabetes e doenças respiratórias é cerca de 70% ao ano e não abrangem apenas os indivíduos que apresentam condições limitadas de conhecimento, renda salarial e acesso aos recursos de saúde. Dos 57 milhões de óbitos no mundo durante o ano de 2008, 63% tinham como causa as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT). Destas, aproximadamente 80% são em países de renda baixa à média, atingindo indivíduos com idade inferior a 60 anos. As DCNT foram em 2008 responsáveis por mais da metade dos óbitos no mundo, estima-se que 7,3 milhões de pessoas morrem por ano, e em até 2030 ultrapassará os 23,6 milhões. Tratando-se do perfil epidemiológico da população, o excesso de peso está cada vez mais prevalente entre os brasileiros, sendo assim, ressalta-se a importância da avaliação antropométrica como instrumento fundamental ao nutricionista clínico a fim de criar ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Pesquisas realizadas recentemente em ambulatórios, demonstram que as medidas antropométricas estão relacionadas com alterações metabólicas e podem indicar o risco do desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Considerando que a prevenção e o monitoramento da prevalência dos fatores de risco para DCNT, 4 permitem a implementação de ações com maior custo-efetividade, observa-se que a educação nutricional é fundamental nas redes básicas de saúde, proporcionando assistência principalmente aos indivíduos com excesso de peso que procuram adequar seu estado nutricional e melhorar seu estilo de vida. Contudo, os profissionais de saúde encontram diversas dificuldades em atender a demanda elevada, priorizando o tratamento das doenças. Desta forma, identificando as prevalências de patologias apresentadas em ambulatórios, é possível direcionar meios de prevenção e tratamentos dos diferentes grupos etários. Incentivando assim, o acompanhamento longitudinal destes pacientes, visando o acolhimento pelo profissional, resultando em melhor satisfação e adesão ao tratamento. Sabe-se que ainda não é obrigatória em Unidades Básicas de Saúde e Estratégias de Saúde da Família a inserção do nutricionista para atendimento de forma gratuita a população usuária do Sistema Único de Saúde (SUS). A concepção da clínica nutricional ampliada é uma temática nova para o campo da nutrição, sobretudo da nutrição clínica. Diante do processo de reformulações nos cenários de práticas em saúde no âmbito do Sistema Único de Saúde, esse tema instiga substancial interesse na produção científica, na formação e na prática clínica do nutricionista com a aplicação de competências comunicacionais e a ampliação do olhar técnico-nutricional perante o processo saúde-doença-cuidado, que podem contribuir para a reconfiguração da relação nutricionista-paciente a fim de ampliar sua humanização. Como política, a humanização deve, portanto, traduzir princípios e modos de operar no conjunto das relações entre trabalhadores e usuários, entre os diferentes trabalhadores, entre diversas unidades e serviços de saúde e entre instâncias que constituem o SUS. Observa-se a clínica nutricional como prática social e utiliza-se a concepção da clínica ampliada para discutir as possibilidades de reestruturar a nutrição clínica e ampliar seus saberes e suas técnicas para além de um modelo biomédico restrito e restritivo. Por fim, discute-se a nutrição clínica ampliada como possibilidade para repensar a relação nutricionista-paciente e propor, nesse sentido, sua humanização, a incorporação de conteúdos não biomédicos, a valorização da sabedoria prática e da escuta, a articulação de saberes e a exploração da dimensão dialógica no exercício legítimo da nutrição clínica na contemporaneidade. 5 O contexto e o momento histórico em que vivemos fazem com que a bioética se debruce sobre as transformações políticas, econômicas, sociais, culturais, ambientais, epidemiológicas e demográficas, para uma aproximação com os problemas da coletividade, principalmente em países com grandes níveis de desigualdade social, como o Brasil. 1. 6 NUTRIÇÃO CLÍNICA ATUALIZADA Área da nutrição responsável pelo tratamento de diversas enfermidades que afetam as pessoas, a nutrição clínica é aplicada aos pacientes por meio de um plano focado na alimentação adequada. Essa área também atua no combate e na prevenção do surgimento de doenças e, de forma terapêutica, no controle das doenças crônicas. O atendimento em nutrição clínica, seja em nível ambulatorial, seja no hospitalar, é feito pelo profissional nutricionista. Manter uma boa saúde e ter um corpo resistente a doenças se dá por meio de uma alimentação adequada e com todos os nutrientes necessários. Dentro do ambiente hospitalar, a nutrição clínica atua no gerenciamento e balanço energético de todos os pacientes. É ela que garante que todos recebam as quantidades necessárias de proteínas, vitaminas, minerais, lipídios e glicose. Essa ingestão acontece por meio da alimentação hospitalar — esta, quando é de alta qualidade, atende às necessidades nutricionais da maioria dos pacientes do hospital. Tendo em vista que nem todos os pacientes ingerem toda as refeições que lhes são servidas, uma maior deterioração do estado nutricional deles pode ocorrer por conta de uma ingestão dietética insuficiente. Por esse motivo, o papel do nutricionista atuando dentro da nutrição clínica é fundamentalpara a rotina hospitalar e a manutenção da saúde de seus pacientes. O profissional nutricionista que atua em nutrição clínica pode realizar seu trabalho em consultórios particulares ou públicos, clínicas, creches, asilos ou SPAs, e também em enfermarias, lactários ou bancos de leite humano. A atuação em nutrição permite que o profissional se especialize em um ou mais segmentos da profissão (figura1): nutrição no pré ou pós-operatório, nutrição em lactário, nutrição em SPAs, nutrição em banco de leite humano, nutrição em geriatria, nutrição enteral e parental e nutrição materno-infantil. 7 Figura 1 - Segmentos da Área de Atuação do Profissional Nutricionista Fonte: docplayer, 2020 Uma das doenças comuns tratadas pelo nutricionista clinico é a desnutrição. Uma doença causada por uma dieta inapropriada, carente de nutrientes essenciais para a boa manutenção do corpo humano, a desnutrição ainda assola diversos países mundo afora. Somente na Nigéria, país do continente africano, a Organização das Nações Unidas estima que até 75 mil crianças morrerão de fome no próximo ano. Isso falando apenas de crianças. No mundo inteiro, a desnutrição afeta pessoas de todas as idades. Crianças e idosos, por terem o organismo mais frágil, são os que mais sofrem. A desnutrição afeta não somente os países mais pobres e carentes de recursos, mas alas hospitalares de grandes hospitais, principalmente as relacionadas à oncologia, geriatria, cirurgia, medicina interna e gastroenterologia. O combate à desnutrição e suas consequências na vida das pessoas, como a dificuldade em cicatrização de feridas e a falência múltipla de órgãos, se dá por meio da atuação do profissional nutricionista. O nutricionista clínico identifica o estado nutricional do paciente e inicia o tratamento adequado. 8 Quando o nutricionista clínico entra em ação, ele precisa cumprir determinadas etapas para conseguir identificar o problema e buscar o tratamento necessário para cada paciente. Veja quais são as etapas de um atendimento nutricional clínico: Primeiro, avalia-se a condição nutricional do paciente; Todas as necessidades e exigências nutricionais do paciente são levantadas por meio de uma avaliação completa feita pelo profissional; Desenvolve-se uma estratégia nutricional; A energia e os nutrientes necessários para o equilíbrio nutricional do paciente são calculados; Decide-se como essa energia e nutrientes serão administrados — suplementos ou alimentação, por exemplo; A terapia nutricional é aplicada. Cabe ao nutricionista clínico monitorar rigorosamente o paciente; Durante o tratamento, o paciente pode ser submetido a adaptações para criar ou manter nova condição clínica. Diante dos problemas de saúde que a população sofre por conta da má alimentação, a nutrição clínica surge como uma via que contribui para a melhora dos resultados tanto em pacientes clínicos quanto hospitalares. A alimentação balanceada e com todos os nutrientes necessários proporciona uma série de benefícios. Vejamos como a nutrição clínica impacta na saúde das pessoas: As feridas são cicatrizadas em menor tempo; Complicações relacionadas a cirurgias, por exemplo, podem ser reduzidas; As taxas de infecções passam a ser menores; O tempo de ventilação mecânica é reduzido; Reduz o tempo de internação hospitalar; Eleva a taxa de sobrevivência. Muito se fala em crise, corte ou redução de verbas para áreas importantes, como a saúde. Falta dinheiro e pouco se pensa em soluções práticas e eficazes para hospitais, clínicas e demais centros de tratamento para a população. O fato é que a nutrição clínica melhora a qualidade de vida e a saúde dos pacientes, reduzindo assim o uso de recursos hospitalares. Isso proporciona benefícios econômicos para todas as instituições, inclusive o governo. As internações hospitalares são mais curtas e os custos, dessa forma, são reduzidos. 9 Note que a nutrição clínica é uma área que atua, principalmente, com a prevenção. É graças a essa prevenção que a população e as instituições têm a ganhar. Enquanto a população pode desfrutar de uma vida com mais saúde e disposição, as instituições conseguem economizar recursos para aplicar em outras áreas que possam precisar deles. A intervenção precoce proporcionada pelo nutricionista clínico é fundamental para que os pacientes não cheguem a um estágio grave de suas doenças, reduzindo não somente o sofrimento deles, mas de toda a família. Quando introduzida desde os estágios iniciais da desnutrição, a nutrição clínica consegue ter um papel importante nos resultados que os pacientes apresentam e na qualidade do tratamento como um todo. Percebe-se o que é nutrição clínica e por que essa é uma prática fundamental para a manutenção da saúde e do bem-estar de toda a população, além de proporcionar economia aos agentes que atuam diretamente no ramo da saúde. A complexidade inerente ao sistema de saúde e os progressos da medicina e nutrição têm suscitado discussões acerca da relação profissional de saúde-paciente na prática clínica. Por um lado, não se deve desprezar a relevância de tais progressos para o campo da saúde; por outro, constata-se que a dimensão humana, vivencial e psicossociocultural da doença bem como os padrões e as variabilidades na comunicação verbal e não verbal precisam ser considerados no processo relacional entre o profissional da saúde e os usuários. Assim, o estabelecimento de relações de confiança, respeito e reciprocidade entre nutricionista e paciente deve permear as práticas de atenção à nutrição e à saúde no intuito de ampliar a sua humanização e o vínculo terapêutico. No contexto da política de humanização das práticas em saúde, a aplicação de tecnologias do cuidado humanizado ainda esbarra em uma cultura técnica que carece de revisão sobre os marcos do poder, da verticalização das relações e da promoção de um ambiente mais favorável à criatividade e ao acolhimento. É nesse contexto que a concepção de clínica ampliada, propõe-se à tarefa de (re)pensar mecanismos que reconfigurem a relação singular profissional de saúde- usuário e de sugerir uma análise crítico-reflexiva sobre os modelos biomédico e hospitalocêntrico, que têm sustentado epistemologicamente a clínica contemporânea. 10 Nesse sentido, discute-se a possibilidade de ampliar a clínica nutricional para uma inovação da prática profissional em nutrição clínica não mais pensada somente com base em um a priori individual, mas na perspectiva da dialética entre sujeitos, perspectiva singular e coletividade: chamamento provocado pelos usuários dos serviços de saúde e de nutrição a um alargamento do olhar técnico-nutricional, da escuta e dos modos de trabalhar com as demandas e expectativas. Como a concepção de nutrição clínica ampliada pode contribuir para uma reflexão sobre a ampliação da humanização da relação nutricionista-paciente no âmbito dos serviços de saúde. Pretende-se abarcar alguns elementos dessa concepção a fim de sugerir caminhos para reformulação do modelo de clínica nutricional vigente, podendo estender-se à reflexão de outros profissionais de saúde sobre suas práticas e competência relacional com o paciente. Em vista, tem-se duas partes para explanação das ideias, a saber: ponto de partida e ponto de continuação. No ponto de partida, reúnem-se alguns apontamentos que abrangem a conjuntura sócio-histórica conformadora do modelo biomédico por meio da trajetória de construção da medicina social e da clínica, para demonstrar que o movimento contemporâneo tem suas raízes em séculos passados, e chega-se ao Relatório Flexner, com suas consequências para a prática clínica. No ponto de continuação, resgatam-se alguns aspectos históricos do surgimento do nutricionista e da nutrição clínica no Brasil e se discute em quesentido a concepção da nutrição clínica ampliada pode contribuir para dilatar a visão humanística na prática clínica nutricional. Nos últimos dois séculos, a medicina se afastou do paciente (sujeito) e de seu sofrimento como objetos de ação e legitimou seu foco na doença, na lesão e na incorporação e valorização de uma tecnologia instrumental, diagnóstica e terapêutica, que representou o que denominou de “medicina centrada no procedimento”. O paradigma cartesiano do organismo humano levou a uma abordagem tecnobiocientífica da saúde, na qual a doença é reduzida à avaria mecânica, e a terapia médica, à manipulação técnica. A tecnociência médica desenvolveu métodos altamente sofisticados para remover ou consertar diversas “peças” (partes) do corpo, com importantes êxitos. No campo do saber médico, a influência desse paradigma sobre a racionalidade médica resultou no chamado modelo biomédico, base consensual da moderna medicina 11 científica. Esse modelo concebe o corpo humano como uma máquina complexa, que obedece a leis naturais e psicologicamente “perfeitas” e que necessite constantemente de inspeção por parte de um especialista. Dentro desse modelo, os fenômenos biológicos são explicados pela química e pela física. Parece não haver espaço para os aspectos sociais, culturais, psicológicos e para as dimensões comportamentais do processo de adoecimento. Assim, as doenças são resultados ou de processo degenerativo dentro do corpo, ou de agentes químicos, físicos ou biológicos que o invadem, ou, ainda, da falha de algum mecanismo regulatório do organismo. De acordo com essa visão, as doenças podem ser identificadas somente pela ciência, e os tratamentos médicos consistem em esforços para reestruturar o funcionamento normal do corpo, para intervir nos processos degenerativos ou para eliminar invasores. Sobre o normal e o patológico torna mais complexa a abordagem da prática médica, que, impregnada de reducionismo organicista, colaborou para a fragmentação do indivíduo. A consequência mais visível dessa fragmentação foi o distanciamento médico-paciente. Sinaliza ainda que a racionalidade anatomoclínica, imanente ao modelo biomédico, revelou-se insuficiente, pois excluiu da prática clínica aspectos psicossocioculturais relacionados ao processo de adoecimento. A Associação Americana de Diabetes (ADA) define a atenção dietoterápica como um processo que vai ao encontro às diferentes necessidades nutricionais de um indivíduo, o que inclui a avaliação do seu estado nutricional, a identificação das suas necessidades ou problemas nutricionais, o planejamento de objetivos de cuidado nutricional que preencham essas necessidades, a implementação de ações dietéticas e a avaliação da atenção dietoterápica. Os aspectos sensoriais, psicológicos e socioculturais também devem estar envolvidos na atenção dietoterápica. Para a efetivação da conduta dietoterápica no âmbito hospitalar, são necessárias ações articuladas entre os setores de produção de refeições e de atendimento clínico- nutricional. Na atualidade, observa-se que a Nutrição Clínica tem se fragmentado em subáreas deatuação conforme o modelo biomédico organicista. Assim, encontram-se nutricionistas clínicos atuando por grupos biologicamente vulneráveis ou outras especializações médicas, por exemplo, nutricionista clínico atuando em Obstetrícia, Pediatria, Geriatria, Gastroenterologia, Hepatologia, Cardiologia, Endocrinologia 12 (principalmente, obesidade e diabetes), Nefrologia, Cirurgia, Oncologia e em Saúde Mental (Transtornos alimentares). Expressa-se a necessidade de um processo de humanização da nutrição, em particular da relação entre nutricionistas e pacientes, reconhecendo a necessidade de uma maior sensibilidade e densidade comunicacional diante do sofrimento do paciente portador de enfermidade. Essa proposta inspira uma nova identidade profissional, responsável pela efetiva promoção da saúde ao considerar o paciente em sua integridade física, psíquica e sociocultural, e não somente de um ponto de vista biológico. Assim, entende-se o processo de humanização da nutrição como a capacidade de oferecer cuidado nutricional de forma integral e qualificado, valorizando o diálogo e a escuta em suficiência na relação profissional-usuário e articulando o conhecimento tecnocientífico das áreas de alimentação, nutrição e saúde com princípios ético- humanísticos, com aspectos psicossocioculturais do ser humano, acolhimento, melhoria do ambiente de cuidado nutricional e das condições de trabalho dos nutricionistas. O cuidado humanizado não deve ser tratado como uma intervenção sobre o paciente: a relação não é sujeito-objeto, mas sujeito-sujeito. Experimentamos os seres como sujeitos, como valores, como símbolos. A relação do cuidado não é de domínio sobre, mas de convivência, não é pura intervenção, mas interação. O processo de mudanças de hábitos alimentares e os sentidos atribuídos ao comer diante dos problemas nutricionais. Tomando como exemplo o problema da obesidade, doença de prevalência crescente no Brasil, tem-se a complexidade atrelada ao processo de mudança de hábitos alimentares. Desse modo, a obesidade não é uma questão somente do indivíduo (do corpo biológico), mas trata-se de uma enfermidade que também comporta determinantespsicossocioculturais. O corpo obeso, originário, fundamentalmente, daformação de hábitos alimentares e estilos de vida modernos, vincula-se aos interesses da indústria e do mercado de alimentos. O contexto do indivíduo é obesogênico e, portanto, deve ser transformado. E sobre a alimentação fornecida em um hospital com proposta de atendimento humanizado, observaram que o comer bem no hospital depende do que os pacientes podem ou não se alimentar devido a sua doença, revelando ser ausente a identificação da alimentação hospitalar com sua história alimentar, preferências ou hábitos adquiridos ao longo de sua vida. 13 A prescrição dietética, traduzida sob a forma de orientação nutricional, é concebida pelo paciente como uma receita medicamentosa. Os nutrientes organizados como um receituário nutricional fazem oposição à tradição, aos hábitos e aos valores culturais do comer. A elaboração do receituário dietético na clínica sem a incorporação dos aspectos socioculturais da alimentação pode resultar no sofrimento do paciente, em desgostos e rupturas do cotidiano com seus valores e crenças culinárias. Assim, uma proposta humanizadora da relação nutricionista-paciente é a compreensão por parte do terapeuta nutricional quanto ao significado da alimentação para o paciente, a interpretação que ele faz sobre sua dieta, seu corpo em seu mundo. Sabe-se que, na concepção biomédica, os nutrientes possuem diversas funções orgânicas e atuam sinergicamente no corpo não apenas em uma célula ou órgão específico, como ocorre, por exemplo, com um fármaco que a priori possui sítio-alvo de atuação no organismo. Dessa maneira, os alimentos não devem ser tratados apenas do seu ponto de vista nutricional, nutracêutico, nutrigenômico e funcional nas especificidades patológicas, mas também na sua pluralidade de sentidos e significados que assumem. Pelo exposto, o entendimento da complexidade imanente a esses problemas remete à necessidade do nutricionista considerar também outros elementos semiológicos do paciente (emoções, sentidos, significados, valores, memória alimentar etc.) na elaboração do plano dietético. A desconsideração desses fatores por parte do profissional pode interferir negativamente na adesão ao tratamento nutricional. Nessa perspectiva, é necessário entender ainda que o ser humano não come apenas quantidades de nutrientes e calorias para manter o funcionamento do corpo em nível adequado. O comer não satisfaz apenas as necessidades nutricionais e biológicas, mas preenche também dimensões sócio-históricas,culturais e ecológicas. Se o homem “come tudo”, ele “não come de tudo”. Nem todo alimento biologicamente ingerível é culturamente comestível. O ato de se alimentar envolve seleção, escolhas, ocasiões e rituais, imbrica-se com a sociabilidade, com ideias e significados, com as interpretações de experiências e/ou interações cotidianas, não permitindo à sua abordagem visões unidimensionais. O comer, desenrola-se em consonância com regras impostas pela sociedade, influenciando a escolha alimentar. Essas regras “são representadas pelas maneiras 14 de preparo dos alimentos, pela montagem dos pratos e pelos rituais das refeições (como, por exemplo, os modos e as posições das pessoas à mesa, a divisão da comida entre os indivíduos, os horários estipulados, entre outros), contribuindo para que o homem se identifique com o alimento e por sua representação simbólica”. Nesse sentido, o nutricionista deve assumir a alimentação como resultado da pluralidade e singularidade das interações entre o sociocultural e o biológico. Tendo em vista a complexidade da abordagem em nutrição clínica e saúde, argumentam-se que os serviços de saúde estão sendo direcionados no sentido de considerar não apenas a patologia, mas também as preferências, hábitos e aversões do indivíduo no atendimento nutricional. Entretanto, reconhecem que ainda há muito que avançar nesse sentido, sobretudo no que diz respeito à formação e prática clínica do nutricionista, pautadas na humanização e interdisciplinaridade. A despeito disso, as diferentes abordagens e significados que circundam a alimentação podem permitir ao nutricionista clínico aproximação maior e conhecimento cada vez mais profundo do indivíduo hospitalizado ou acompanhado ambulatorialmente, na sua totalidade, valorizando sua essência e respeitando sua individualidade na programação da terapia nutricional. É valido ressaltar que o papel terapêutico dos alimentos tem evoluído devido ao avanço considerável dos conhecimentos relacionados à dietética e à nutrição. Dos novos pontos de vista acerca da terapia nutricional, ficando cada vez mais evidente que a nutrição pode, de fato, apresentar função importante no processo saúde- doença. CONCEITO DE BIOÉTICA SAIBA MAIS: Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=-73UBZtgbgU para saber mais sobre a Nutrição Diferente e Humanizada. 15 A bioética surge para solucionar e resolver muitas vezes os conflitos existentes das interações humanas no âmbito das ciências da saúde ou ciências da vida, em tudo aquilo que envolve questões morais e dos sistemas de valores que chamamos de ética. O termo bioética é constantemente usado nas práticas que envolvem assuntos relacionados com a medicina. Com o crescimento de pesquisas envolvendo assuntos como mapeamento de DNA (deoxyribonucleicacid, em português ácido desoxirribonucleico) e códigos genéticos, novas áreas precisaram ser inseridas neste contexto. Portanto a bioética acaba por envolver uma série de outras áreas, como a biologia, a psicologia, sociologia, filosofia, teologia, direito, antropologia e ecologia, todas analisando a bioética conforme seus valores e conhecimentos. A bioética tem a função de assegurar o bem estar das pessoas, garantindo e evitando possíveis danos que possam ocorrer aos seus interesses. O dever da bioética é proporcionar ao profissional e aos que são atendidos por ele, o direito ao respeito e a vontade, respeitado suas crenças e os valores de cada indivíduo. O início da Bioética se deu no começo da década de 1970, com a publicação de duas obras muito importantes de um pesquisador e professor norte-americano da área de oncologia, Van Rensselaer Potter (figura 2). Figura 2 - Pesquisador e professor norte-americano da área de oncologia, Van Rensselaer Potter. Fonte: JUNQUEIRA, 2012 Um dos conceitos que definem Bioética (“ética da vida”) é que esta é a ciência que tem como objetivo indicar os limites e as finalidades da intervenção do homem 16 sobre a vida, identificar os valores de referência racionalmente proponíveis, denunciar os riscos das possíveis aplicações. a. Ciências da Nutrição e da Bioética, na Perspectiva da Segurança Alimentar e Nutricional e do Direito Humano à Alimentação Adequada Há a necessidade de discutir estratégias de políticas públicas para o atendimento das necessidades alimentares especiais no ambiente escolar, à luz da interdisciplinaridade da Alimentação e Nutrição e da Bioética, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada (DHAA). A alimentação, por atender a uma das necessidades básicas do homem, a sobrevivência, sempre foi objeto de preocupação individual e coletiva. Deste modo, no Brasil, a realização do direito à alimentação – a partir da promulgação na Emenda Constitucional 64, que inclui a alimentação entre os direitos sociais, fixados no artigo 6° da Constituição Federal no dia 05 de fevereiro de 2010, foi referenciada na perspectiva de estratégias que visam à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN). Ou seja, ratifica as dimensões da concepção brasileira de SAN, que dizem respeito à “garantia do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras da saúde, que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, econômica e socialmente sustentáveis”. A SAN é uma temática de política pública que está em processo de consolidação no Brasil, trazendo bases para a inclusão da questão do DHAA na agenda política e na gestão pública mediante a realização sistemática de conferências nacionais e a estruturação dos marcos legais da política nacional que sustentam a configuração do Sistema e do Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (SISAN). SAIBA MAIS: Acesse o link: https://www.youtube.com/watch?v=XssmDpackx4 para saber mais sobre a Bioética na Área da Saúde. 17 As ações de SAN têm como um dos princípios a articulação entre o governoe a sociedade para a formulação de políticas e na definição de orientações para que o país garanta o direito humano à alimentação – a fim de fazer cumprir o dever do poder público em respeitar, proteger, promover, prover, informar, monitorar, fiscalizar e avaliar a realização do direito humano à alimentação adequada, bem como garantir os mecanismos para sua exigibilidade. Através dos princípios de abrangência, intersetorialidade, equidade, participação social e articulação entre medidas de caráter emergencial e estrutural, se conforma a Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. As diretrizes dessa política estão organizadas no sentido de atender a oito dimensões, dentre as quais se destacam as seguintes: Promoção do acesso universal à alimentação adequada e saudável, com prioridade para as famílias e pessoas em situação de insegurança alimentar e nutricional; Promoção do abastecimento e estruturação de sistemas sustentáveis e descentralizados, de base agroecológica, de produção, extração, processamento e distribuição de alimentos; Instituição de processos permanentes de educação alimentar e nutricional, pesquisa e formação nas áreas de segurança alimentar e nutricional e do direito humano à alimentação adequada; Fortalecimento das ações de alimentação e nutrição em todos os níveis da atenção à saúde, de modo articulado às demais ações de segurança alimentar e nutricional; e monitoramento da realização do direito humano à alimentação adequada. Neste sentido, há necessidade de ampliar o olhar da bioética para questões concretas existentes em nosso país, incluindo as relacionadas à qualidade da vida humana, como a alimentação adequada. Uma bioética que se oriente pelo respeitoe incentivo à liberdade individual de tomada de decisão, adicionada dos princípios dasolidariedade, da justiça, da equidade e da responsabilidade, reforçando a necessidade de proteção dos mais desfavorecidos, vulneráveis, vulnerados ou frágeis. É imperativo que a bioética e seus referenciais sejam incorporados nos processos de definição das políticas públicas, contribuindo na construção das 18 sociedades que garantam os direitos humanos, pois se fundamenta numa visão macro, ampliada e seguramente comprometida com a dimensão social. A interdisciplinaridade, condição fundamental para a Bioética, a torna um campo peculiarmente interessante de se debater as questões relacionadas aos direitos humanos, pois se não houver o enfrentamento da realidade na qual os mesmos serão aplicados, a simples adoção de princípios universais é inadequada. 19 O PROCESSO NUTRICIONAL E A BIOÉTICA O processo nutricional é aquele pelo qual as pessoas selecionam, ingerem e metabolizam alimentos; absorvendo nutrientes, excretando metabólitos, produzindo energia útil e calor, transformando-os em seu próprio corpo. Desse modo, o processo nutricional possibilita a manutenção da vida e a realização de potencialidades. Aponta-se algumas correlações entre as dimensões afetiva, ética e lógica desse processo, que se expressam de modo complementar e indissociável. Para tal, compõe-se um diagrama que apresenta a complexidade envolvida nas diversas dimensões e etapas do processo nutricional (figura 3). Deve-se considerar no diagrama, tanto a possibilidade de fenômenos auto- organizados nos processos nutricionais (processos sobre os quais não se exerce um controle ou aqueles que ocorrem sem autocontrole) quanto fenômenos nutricionais hetero-organizados (isto é, aqueles sobre os quais se exerce certo grau de controle), como é possível apontar, por exemplo, em nossa sociedade, o direcionamento do consumo alimentar por meio de propagandas veiculadas na mídia. Em contrapartida, se indica que ações educativas que se exercem de modo a correlacionar os aspectos psicobiossociais implicados na nutrição podem facilitar processos auto-organizados de mudanças de hábitos nutricionais prejudiciais à saúde das pessoas. Figura 3 - Diagrama da complexidade envolvida nas diversas dimensões e etapas do processo nutricional Fonte: CARVALHO, 2013 20 Cotidianamente fazemos escolhas alimentares e podemos perceber que não temos controle total sobre nossa conduta alimentar, sendo assim, coloca-se uma questão: pode o processo nutricional se auto-organizar no sentido de beneficiar nossa saúde? A partir da Teoria Semiótica, investiga-se acerca desta questão, adotando a seguinte hipótese: a autoorganização não se restringe à dinâmica de um dos momentos do processo nutricional (por exemplo, o autocontrole corporal), mas abrange tanto a pessoa como a sociedade em que se insere. A elaboração de um modelo semiótico do processo nutricional (indicado a seguir) nos permite investigar o processo nutricional em suas várias etapas e dimensões. Como um todo, o processo nutricional se refere aos hábitos alimentares. O hábito como uma tendência mental, apresenta uma tendência de economia energética. Por meio dos hábitos as pessoas selecionam, ingerem e metabolizam alimentos transformando-os em seu próprio corpo. Hábitos terão poder para influenciar o comportamento real do mundo exterior, especialmente se cada reiteração for acompanhada por um esforço peculiarmente forte que é geralmente comparado a emitir um autocomando para seu futuro. E, aqui está o ponto - todo o homem exerce um controle mais ou menos sobre si mesmo por meio da modificação de seus próprios hábitos. Nessa perspectiva de investigação, considera-se o instinto nutricional como o processo semiótico do qual se retiram inferências sem necessariamente acionar a consciência. Embora sejamos originalmente dotados de um instinto nutricional, devemos ressaltar que, a consciência exerce uma função real no autocontrole, pois sem ela, o exercício do mundo interior não poderia afetar as determinações reais e hábitos do mundo exterior. Podemos então, refletir por meio do diagrama, acerca de nossos limites e possibilidades no que diz respeito ao processo nutricional e ao modo como podemos ou não “afinar” nosso instinto de nutrição. A ética se estabelece num campo dual de atração exercida pelo objeto admirável querido como SummumBonum (objetivo final). É neste sentido que devemos ter em vista todas as dimensões que se entrelaçam e compõem a auto-organização do processo nutricional, considerando que a questão nutricional ética traz consigo a questão estética que move essa conduta. Nesta perspectiva surgem solicitações como as seguintes: O que vale a pena querer? Que concepção de saúde nós adotamos? Que conduta alimentar devemos 21 ter? Em muitos casos, os instintos sociais são caros ao indivíduo, até mesmo perigosos, e às vezes fatais, devemos considerar todos os aspectos psicobiossociais implicados na nutrição, como por exemplo, as formas de cultivo, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização dos alimentos, e demais etapas que influenciam diretamente as escolhas alimentares no âmbito pessoal. Neste sentido, uma conduta nutricional ética pode ser pensada em duas perspectivas correlacionadas: uma perspectiva do corpo e uma perspectiva do meio ambiente. Considerando que uma conduta corporal ética, diz respeito às conseqüências pós-ingestão dos alimentos, ela deve atender às necessidades psicofísicas, socioeconômicas e culturais e deve incluir a ingestão (equilibrada) de alimentos que possuem conteúdo nutricional. Deste modo, uma perspectiva corporal antiética envolve uma ingestão em excesso de calorias vazias e/ou de substâncias tóxicas ao organismo. Ressalta-se que uma conduta de excessos e desperdícios alimentares promove e acentua desigualdades sociais, aumentando as privações alimentares daqueles que são financeiramente mais desfavorecidos. O estímulo ao consumo exacerbado de produtos alimentícios processados industrialmente apresenta um padrão de consumo que leva ao esgotamento dos recursos naturais e, ao contrário, a redução de desperdício alimentar e o boicote a produtos poluidores e sem conteúdo nutricional poderá promover um padrão de consumo alimentar mais ético, necessário à manutenção da vida. Uma conduta nutricional ética na perspectiva do meio ambiente envolve a cadeia alimentar em todas as etapas: produção, transporte, armazenamento, distribuição, comercialização e consumo dos alimentos e, neste sentido, uma conduta nutricional ética é aquela capaz de valorizar e preservar o potencial do meio ambiente e do trabalhador (figura 4). Figura 4 - Segmentos da Área de Atuação do Profissional Nutricionista 22 Fonte: doc player, 2020 Ao contrário, uma conduta nutricional antiética é aquela que desvaloriza tanto o trabalhador e\ou o meio ambiente, ou seja, é uma conduta incapaz de promover a sustentabilidade. Deve-se dar ênfase na agricultura familiar, ao transporte regional dos produtos alimentícios (com redução de emissão de Co2), à valorização do trabalhador, a reeducação alimentar e às diretrizes de Segurança Alimentar. Do ponto de vista do controle que se pode, ou não, exercer sobre si próprio, De acordo com a teoria da Auto-organização, não há muita compatibilidade – e muito menos fusão- entre a “Filosofia do sujeito” e as Teorias da Auto-organização. Ocorre auto-organização principalmente a nível físico, químico, biológico “aquém do sujeito”, isto é, na dinâmica auto organizada o sujeito age inconsciente no “piloto automático”. Neste sentido, há uma face-sujeito que não é onipotente em relação ao resto do organismo - se fosseonipotente o resto do organismo seria objeto, pois haveria cisão entre um Ego organizador e um Ego organizado (alheio ao primeiro) - (a maximaização da Auto-organização viraria hetero-organização). Deste modo, Auto- organização só existe enquanto imperfeita e Não há o sujeito da auto-organização. mas, há “sujeitos”. 23 Devemos também notar, de acordo com os conceitos centrais da Teoria da auto-organização que: Há auto-organização cada vez que o advento ou a reestruturação de uma forma, ao longo de um processo, se deve principalmente ao próprio processo - as características nele intrínsecas -, e só em grau menor as suas condições de partida, ao intercâmbio com o ambiente ou a presença eventual de uma instância supervisora. Em resumo: das duas uma, ou o sujeito está ausente da auto-organização, havendo quando muito- a nível físico, químico ou biológico- uma subjetividade “difusa”(intersubjetividades?); ou então, o sujeito está presente, mas, apenas como elemento (principal) da auto-organização “secundária”, como primus inter pares; ou como um dos múltiplos “sujeitinhos” da auto-organização coletiva humana primária. Não encontramos na TAO o sujeito auto-transparente, formulador da lei moral (ou da negação da lei moral), doador de sentido ao mundo. Nunca encontramos, obrando na auto-organização, o sujeito da “meta física ocidental”, dono de si mesmo como do universo. Podemos dizer que na dinâmica auto-organizada há um sujeito que age de modo inconsciente, digamos, no “piloto automático”. Para ilustrar essa ideia do sujeito da auto-organização, vejamos algumas indicações de pesquisas científicas atuais: as pesquisas neurocientíficas indicam que processos cerebrais hedônicos provem um guia intrínseco de seleção de alimentos (o instinto de nutrição do qual somos dotados). Pelo fato de gorduras serem essenciais ao funcionamento celular, “temos essa ação evolucionária de reconhecer a gordura e, quando temos acesso a ela, consumi- la o máximo que podemos”. Algumas compulsões alimentares podem ter origem em sistemas biológicos sobre os quais o indivíduo não tem controle”. De acordo com dados de pesquisas temos uma vulnerabilidade às “tentações alimentares”, isto é, o esforço para tentar controlar emoções e inibir impulsos para ingerir alimentos altamente considerados “proibidos” numa dieta de controle da obesidade, por exemplo, não pode ser mantido por muito tempo, ou seja, o auto controle sofre esgotamento. No processo nutricional o domínio do nosso livre arbítrio parece ser limitado quando consideramos, que não nos cabe escolher nossos juízos perceptivos instintivos. A partir daí deve ficar claro que nossa liberdade será sempre relativa e condicionada. 24 É interessante ressaltar que o conceito de “vulnerabilidade” é um referencial importante da bioética. A vulnerabilidade é uma condição (situação, estado) sindrômica”. Metaforicamente, vulnerabilidade é uma síndrome, isto é, estado (em medicina, estado mórbido) caracterizado por um conjunto de sintomas de sinais e que pode ser produzido por diferentes causas. Vulnerabilidade é uma síndrome que pode atingir não apenas um ponto ou uma área, mas pode atingir o sistema. É uma síndrome que pode ser localizada a uma ou mais área, mas que pode também ser sistêmica e pode ter várias causas. Encarando a vulnerabilidade sob forma de síndrome e inserindo o ser humano (o paciente ou o sujeito da pesquisa) em um sistema, (sistema de saúde ou sistema de pesquisa) torna-se evidente que, sob o prisma da bioética, o referencial da vulnerabilidade deve ser analisado e avaliado de modo mais abrangente e de modo mais complexo do que habitualmente é feito. Retornando então a nossa questão inicial, consideramos que as possibilidades de autoorganização do processo nutricional, devem ser pensadas numa perspectiva de ação de 'sujeitinhos‘, isto é, seres que fazem suas tentativas de ‘controlar o controle’ de suas escolhas alimentares por meio de uma mente ‘imatura’, mais sujeita a erros que a parte instintiva de sua mente. Somos seres falíveis em processo evolucionário de constante aprendizagem. Neste aspecto, devemos ressaltar a importância da dimensão sócio-histórica-cultural do processo nutricional, pois a nutrição humana é expressão de aquisições ontogenéticas e filogenéticas de hábitos alimentares. Consideramos também importante apontar que a semiose (ação dos signos) é compreendida como diálogo, e, toda semiose tem um caráter comunicativo. Pretendemos então, explicitar a inserção da semiose no contexto da produção social de signos. Quando ocorre uma quebra de hábito, por exemplo, por meio de uma sensação de fome, se desencadeia uma consciência corporal imediata que busca de um modo lógico não-racional, agir razoavelmente por meio do instinto nutricional adquirido ao longo de processos evolutivos da nossa espécie. Desse modo, uma conduta nutricional ocorre inicialmente por meio de julgamentos perceptivos instintivos e neste processo o domínio do nosso livre arbítrio parece ser limitado quando consideramos que os juízos perceptivos, primeiro elo semiótico ao real, escapam ao livre arbítrio, ele é falível, mas indubitável, não nos cabendo escolher o nosso instinto nutricional. 25 A partir daí deve ficar claro que nossa liberdade será sempre relativa e condicionada quando venham a envolver representações. Porém, devemos notar que a ética se estabelece num campo dual de atração exercida pelo objeto admirável querido como SummumBonum e, neste sentido cabe-nos refletir acerca de nossos limites e possibilidades no que diz respeito aos instintos nutricionais e ao modo como podemos ou não “afinar” esses instintos. Podemos citar um exemplo na tentativa de fazer uma reflexão a esse respeito. Grosso modo, podemos dizer que há pessoas que se alimentam, mas que não se nutrem, porque ingerem alimentos que contém calorias vazias. Sendo assim, o alimento não pode causar saciedade quando não contem os nutrientes necessários aos processos vitais de síntese metabólica. É notável como há no mercado de consumo dos alimentos promoções exageradas de produtos alimentícios industrializados que são formulados no intuito de agradar o paladar causando sensação de prazer imediato durante a degustação (por exemplo, alimentos processados ricos em gorduras saturadas). Em muitos casos, o produto alimentício não nutre de fato, e o que é ainda pior, produz um vício de consumo ao causar maior apetite. Podemos apontar, por exemplo, em nossa sociedade, o direcionamento do consumo alimentar por meio de propagandas veiculadas na mídia, que exerce certo grau de controle externo sobre as escolhas alimentares das pessoas e, desse modo, torna o processo nutricional um fenômeno heteroorganizado. Em contrapartida, consideramos que ações educativas podem se exercer de modo a redimensionar os aspectos psicobiossociais implicados na nutrição e deste modo, facilitar processos auto-organizados de mudanças de hábitos nutricionais prejudiciais à saúde das pessoas. Resta-nos assim, a possibilidade de afinar nossos instintos nutricionais por meio de critérios de escolhas (alimentares) que valorizam não só o prazer imediato, mas igualmente, escolhas que valorizam as conseqüências pós-ingestão dos alimentos bem como aquelas que valorizam uma dimensão nutricional ética na perspectiva do meio ambiente. A partir do conceito de aprendizagem, segundo o qual, aprender é mudar de hábito, é fundamental que todo profissional da área da saúde seja um educador, isto é, deve promover mudanças de hábitos, principalmente tendo em vista que na área da saúde uma ação educativa é uma ação preventiva de doenças. 26 O esforço para afinar nosso instinto nutricional envolve correlações entre a pessoa e o coletivo. Devemos notar que o esforço pessoal é necessário, mas não suficiente para a mudança dohabito nutricional. O refinamento do nosso instinto nutricional deve ocorrer em âmbito coletivo, pois as mudanças devem ocorrer em todas as etapas da cadeia alimentar e envolvem além da pessoa, o meio ambiente (por exemplo, as formas de cultivo, armazenamento, transporte, distribuição e comercialização dos alimentos), etapas que se correlacionam a nossas escolhas alimentares de âmbito pessoal. Tendo em vista todas as dimensões que se entrelaçam e compõem a auto- organização do processo nutricional, pensamos que a busca do ideal estético que move a nossa conduta nutricional ética não se limita ao âmbito pessoal e na busca por melhores condições de vida e saúde, o esforço de “crescimento de um hábito devido ao exercício” deve ser um exercício coletivo! Por fim, ressalta-se que a auto-organização do processo nutricional deve ocorrer a partir da correlação de três dimensões, indicadas no diagrama (um modelo semiótico do Processo Nutricional): uma dimensão potencial de “feellings” nutricionais instintivos, uma dimensão energética que envolve uma consciência carnal e uma dimensão lógica que remete ao futuro e envolve uma consciência social da Nutrição. 27 2. REFERÊNCIAS Jéssica Leal Carvalho² et al. Perfil De Pacientes Atendidos Em Laboratório De Práticas Em Nutrição Clínica Na Região Central Do Rs.DisciplinarumScientia. Série: Ciências da Saúde, Santa Maria, v. 16, n. 1, p. 137-145, 2015. Maria Amélia Carvalho Carvalho. O Processo Nutricional E A Bioética: Perspectivas Da Teoria Semiótica E Teoria Da Auto-Organização.Doutora em Saúde Coletiva - Faculdade de Medicina – UNESP – Botucatu. Rev. Simbio-Logias, V. 6, n.8, Nov/2013. Portal Educação. O que significa bioética?Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/medicina/o-que-significa- bioetica/50873. Acesso em 17 set 2020. Cilene Rennó Junqueira. Bioética. UNIFESP, 2012. Disponível em: http://ares.unasus.gov.br/acervo/handle/ARES/231. Acesso em 17 set 2020. Nutri Soft Brasil. O que é nutrição clínica? Entenda de uma vez por todas! Disponível em: https://nutrisoft.com.br/o-que-e-nutricao-clinica-entenda-de-uma-vez- por- todas/#:~:text=O%20que%20%C3%A9%20nutri%C3%A7%C3%A3o%20cl%C3%AD nica%20e%20como%20ela%20funciona,energ%C3%A9tico%20de%20todos%20os %20pacientes. Acesso em 17 set 2020. Franklin DEMÉTRIO et al. A nutrição clínica ampliada e a humanização da relação nutricionista-paciente: contribuições para reflexão. Rev. Nutr., Campinas, 24(5):743-763, set./out., 2011. Cilene da Silva Gomes Ribeiro et al. Necessidades alimentares especiais em ambiente escolar: um ensaio sobre a interface entre ciências da Nutrição e Bioética. Demetra; 2014; 9(3); 633-643. 28
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