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AULA 2 DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS Profª Juliana Bertholdi 2 TEMA 1 – DIREITOS SOCIAIS E SUAS CARACTERÍSTICAS Como já sabemos, os direitos sociais surgem no prisma de tutela aos hipossuficientes, àqueles que estão em posição de vulnerabilidade quando vislumbradas as desigualdades sociais “assegurando-lhes situação de vantagem, direta ou indireta, a partir da realização de igualdade real [...] Visam, também, garantir a qualidade de vida” das pessoas (Bulos, 2011, p. 789). Como também restou nítido da construção histórica realizada, a declaração de igualdade formal insculpida na declaração dos direitos humanos de primeira dimensão não foi suficiente para proporcionar igualdade de condições no acesso a bens e serviços. Como bem aponta Bertramello (2013), não havia garantia expressa, prevista em Lei ou norma constitucional, a tutelar o acesso ao trabalho, lazer, moradia, saúde, segurança, previdência social, alimentação. A desigualdade econômica criou abismos entre os detentores da riqueza e os pobres; estes não ostentavam condições para desfrutar de prestações mínimas para uma vida digna Cita ainda Bertramello (2013) que: Walber de Moura Agra e Jorge Miranda convergem na identificação do resultado prático esperado dos direitos sociais, pois, o primeiro afirma que “os direitos sociais tencionam incrementar a qualidade de vida dos cidadãos, munindo-os das condições necessárias para que eles possam livremente desenvolver suas potencialidades” (Agra, 2010, p. 515) enquanto o segundo conclui que tais direitos visam “promover o aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial, das mais desfavorecidas, de operar as necessárias correções das desigualdades na distribuição da riqueza e do rendimento” (Miranda, 2000, p. 386). Vale destacar que a Constituição Federal de 1988 estabelece como objetivos fundamentais da República erradicar a pobreza e a marginalização, bem como reduzir as desigualdades sociais e regionais (art. 3º, inciso III), metas que só poderão ser alcançadas com o avanço dos direitos sociais, insculpidos no art. 6º do diploma, cujas características se passa a discutir. 1.1 Direitos de segunda geração Os direitos sociais pertencem à segunda dimensão de direitos fundamentais, que está ligada ao valor da igualdade material (a igualdade formal já havia sido consagrada na primeira geração, junto com os direitos de liberdade). Como já aduzido, não são meros poderes de agir, como o são as liberdades 3 públicas insculpidas nos direitos de primeira geração, mas sim poderes de exigir, chamados, também, de direitos de crédito: Há, sem dúvida, direitos sociais que são antes poderes de agir. É o caso do direito ao lazer. Mas assim mesmo quando a eles se referem, as constituições tendem a encará-los pelo prisma do dever do Estado, portanto, como poderes de exigir prestação concreta por parte deste (Ferreira Filho, 2009, p.50). 1.2 Normas de eficácia limitada Os direitos sociais são normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja: sua simples entrada em vigor não produz todos os seus efeitos essenciais, porque o legislador constituinte não estabeleceu uma normatividade para isso, conferindo o exercício dessa tarefa ao legislador ordinário ou a outro órgão do Estado. Em resumo: a eficácia plena depende da edição de lei; se devem cumprir exigências como prestações positivas por parte do Estado, gastos orçamentários e mediação do legislador. José Afonso da Silva (1994, p.178) explicita a sua posição dizendo que: A eficácia e aplicabilidade das normas que contêm os direitos fundamentais dependem muito de seu enunciado, pois se trata de assunto que está em função do Direito positivo. A Constituição é expressa sobre o assunto, quando estatui que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. Mas certo é que isso não resolve todas as questões, porque a Constituição mesma faz depender de legislação ulterior a aplicabilidade de algumas normas definidoras de direitos sociais, enquadrados de direitos fundamentais. Por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de eficácia contida e aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos econômicos e sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada, de princípios programáticos e de aplicabilidade indireta, mas são tão jurídicas como as outras e exercem relevante função, porque, quanto mais se aperfeiçoam e adquirem eficácia mais ampla, mais se tornam garantias de democracia e do efetivo exercício dos demais direitos fundamentais. Evidentemente, tal característica possui consequências muito próprias: todo o resultado do que objetiva o investimento nos direitos sociais está diretamente vinculado à edição de uma norma que permita o efetivo exercício dos direitos sociais. 1.3 Impõem ao Estado uma obrigação de fazer Os direitos de segunda geração, que se baseiam na ideia de justiça social, impõem ao Estado obrigação de fazer, de prestar, de dar, sendo direitos 4 prestacionais positivos: visam atingir o objetivo fundamental da igualdade real entre as pessoas. TEMA 2 – PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM OS DIREITOS SOCIAIS Passaremos a abordar alguns princípios que norteiam os direitos sociais, sendo eles: vedação ao retrocesso, reserva do possível e mínimo existencial. 2.1 Vedação do retrocesso Parcela da doutrina entende que, caso já tenham sido concretizadas pelo legislador, as normas que protegem direitos sociais restariam afetadas pela chamada proibição do retrocesso, ou seja, impedem o legislador de, retrocedendo em suas próprias ações, extinguir posições jurídicas por ele próprio criadas. Sarlet (2001, p.17) ressalta que a maior controvérsia reside na possibilidade de reconhecer um direito subjetivo à fruição da prestação, inclusive por meio judicial, em especial no que toca aos direitos originários a prestações. Entende o constitucionalista que como o assunto esbarra nas questões da disponibilidade de recursos, no princípio da reserva parlamentar em matéria orçamentária e no princípio da separação de poderes, a resposta à questão deve ter por fundamento a ponderação dos princípios incidentes, à vista das circunstâncias do caso concreto – como iremos discutir quando tratarmos do princípio da reserva do possível. Explica Moraes (2013): Utilizando-se das lições do jusfilósofo germânico Robert Alexy, Sarlet reconhece a existência de um direito subjetivo quando a) for imprescindível ao princípio da liberdade fática e 2) atingir de forma diminuta o princípio da separação de poderes e outros princípios materiais. Segundo Sarlet (2001), os parâmetros propostos por Alexy se coadunam com a natureza principiológica do art. 5º, parágrafo 1º, da Constituição, pois, se a norma impõe a otimização da eficácia de todos direitos fundamentais, não seria possível nem a realização absoluta, nem a negação completa de todos os direitos sociais a prestações como subjetivos, sob pena de sacrifício destes ou de outros direitos fundamentais colidentes. Como parâmetro para aferir o padrão mínimo de direitos sociais a ser reconhecido, o autor destaca o princípio da dignidade da pessoa humana. Elucidativa a explicação do autor: 5 Assim, em todas as situações em que o argumento da reserva de competência do legislador (assim como a separação de poderes e as demais objeções habituais aos direitos sociais a prestações como direitos subjetivos) implicar grave agressão (ou mesmo o sacrifício) do valor maior da vida e da dignidade da pessoa humana, ou nas hipóteses em que, da análise dos bens constitucionais colidentes, resultar a prevalência do direito social prestacional, poder-se-á sustentar, na esteira de Alexy e de Gomes Canotilho,que, na esfera de um padrão mínimo existencial, haverá como reconhecer um direito subjetivo definitivo a prestações, admitindo-se, onde tal mínimo for ultrapassado, tão-somente um direito subjetivo “prima facie”, já que – nesta seara – não há como resolver a problemática em termos de uma lógica do tudo ou nada. Esta solução impõe-se até mesmo em homenagem à natureza eminentemente principiológica da norma contida no art. 5º, parágrafo 1º, da CF, e das próprias normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais (Sarlet, 2009, p.37). 2.2 Reserva do possível Conforme aprofunda Moraes (2013), Canotilho demonstra o contrassenso de se solver a questão referente à efetivação de tais direitos apelando-se “para a dicotomia radical de ou se prestar todos os direitos a todos, ou de não prestar nenhum a ninguém”. Pugna, então, pela tarefa árdua de interpretar-se a Lei Fundamental para cada caso concreto, devendo ser a inaplicação dessas normas, necessariamente, motivada de modo a garantir a maior eficácia possível do preceito. O festejado constitucionalista português, precursor da constituição dirigente, analisa a efetivação dos direitos fundamentais sociais atrelada à chamada reserva do possível, ligando-os, portanto, à disponibilidade econômica da máquina estatal, atribuindo à escassez de recursos um poder limitador à prestação social por parte do Estado. A reserva do possível teve origem no julgamento do caso numerus clausus pelo Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, julgado em 1972, no qual se debatia o acesso ao curso de medicina e a compatibilidade de certas regras legais estaduais que restringiam esse acesso ao ensino superior (numerus clausus), com a Lei Fundamental, que garantia a liberdade de escolha da profissão. O Tribunal decidiu que a prestação exigida do Estado deve corresponder ao que o indivíduo pode razoavelmente exigir da sociedade, e entendeu que não seria razoável impor ao Estado a obrigação de acesso a todos os que pretendessem cursar medicina. A reserva do possível nesse caso, portanto, relacionou-se à exigência de prestações dentro do limite da razoabilidade, não da escassez de recursos, como ocorre no Brasil. 6 Moraes (2013) traz a crítica de Andreas J. Krell à importação da reserva do possível pelo sistema brasileiro, ressaltando a grande diferença socioeconômica entre os dois países: Devemos nos lembrar que os integrantes do sistema jurídico alemão não desenvolveram seus posicionamentos para com os direitos sociais num Estado de permanente crise social e milhões de cidadãos socialmente excluídos. Na Alemanha – como nos países centrais – não há um grande contingente de pessoas que não acham vagas nos hospitais mal equipados da rede pública; não há necessidade de organizar a produção e distribuição da alimentação básica a milhões de indivíduos para evitar sua subnutrição ou morte; não há altos números de crianças e jovens fora da escola; não há pessoas que não conseguem sobreviver fisicamente com o montante pecuniário de assistência social que recebem, etc. 2.3 Mínimo existencial A noção de mínimo existencial é questão relacionada ao princípio da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição como um dos fundamentos da ordem constitucional (art. 1º, III) e como uma das finalidades da ordem econômica (art. 170, caput), na medida em que representa, em linhas gerais, o mínimo necessário para a vida humana digna. Os direitos sociais estão intimamente ligados à dignidade da pessoa humana, pois é patente que direitos como o direito à saúde, à assistência social, à moradia, à educação, à previdência social têm por objetivo conferir aos cidadãos uma existência digna. As noções de mínimo existencial e dignidade da pessoa humana relacionam-se ao tema da efetividade dos direitos sociais, na medida em que são utilizados pela doutrina como parâmetro para verificar o padrão mínimo desses direitos a ser reconhecido pelo Estado (Sarlet, 2001, p. 183). Desse modo, as principais controvérsias verificadas sobre o tema giram em torno da delimitação do conceito e conteúdo do mínimo existencial, da sua relação com a subjetividade dos direitos sociais e da amplitude de sua proteção em caso de colisão, principalmente com a reserva do possível, controvérsias que serão analisadas nos itens seguintes. 7 TEMA 3 – DIREITOS SOCIAIS E O MÍNIMO VITAL: NECESSÁRIO APROFUNDAMENTO As hodiernas discussões acerca da chamada teoria dos direitos fundamentais sociais gravitam em torno do que se convencionou chamar de mínimo vital, entendido como o dever do Estado de garantir a todos uma vivência social mínima que respeite o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse sentido, destaca Nunes Junior (2017, p. 4): Pensando-se no ser humano como único ser dotado de um valor absoluto, não-relativo, a teoria do mínimo vital impõe a preservação material do ser humano, assegurando-lhe condições mínimas para a preservação da vida e para a integração na sociedade, como uma questão prejudicial às políticas públicas a serem desenvolvidas pela governança estatal. Veicula, a bem do rigor, uma espécie de comando implícito, determinando que outras ações só sejam realizadas uma vez satisfeitas as necessidades básicas de todas as pessoas que estejam integradas no elemento subjetivo daquele determinado Estado. [...] A ideia do mínimo vital aponta que a opção de forma de organização socioeconômica pode variar, mas, qualquer que seja a opção esposada, deve ela estar comprometida, em primeiro lugar, com a preservação da dignidade material de todas as pessoas. A Constituição Federal brasileira de 1988 abrigou confessadamente essa esperança de um padrão social mínimo incondicional, despontando tal seleção em várias passagens de seu texto, que serão facilmente observadas mais adiante. Narra Nunes Junior (2017, p. 4): O chamado conteúdo mínimo aponta que cada direito tem um núcleo mínimo irremissível, associado à sua própria razão de ser. Evoca, assim, uma abstração que enuncia a essência do direito cogitado, que não pode ser objeto de supressão ante qualquer panorama histórico ou ante quaisquer eventuais limites. Já o chamado mínimo vital opera com vetores quantitativos, ou seja, aponta quais as necessidades mínimas que um ser humano, só por sê-lo e exatamente para preservá-lo em sua dignidade, deve observar. Nesse sentido, Casas (2005) indica como alguns dos principais obstáculos à implementação do mínimo vital os seguintes pontos, em tradução livre: Falta de explicitação na especificação do direito ou direito; Direitos limitados a setores específicos da população; Lacunas na rede de segurança social; Falta de especificação de um limiar básico ou padrão mínimo; Condições exclusivas de acesso ou direito. 8 Desse modo, a escolha por uma Constituição com regras definidas e específicas acerca do tema envolve, certamente, uma inquietação em relação à concretização dos direitos sociais. Há quem questione se uma Constituição principiológica apresenta como virtude uma maior permeabilidade à realidade emergente, mas, sem dúvida, lhe subtrai uma maior eficácia na garantia de direitos sociais que, à míngua de maior especificação, certamente flutuarão ao sabor dos governantes e das conjunturas políticas de momento, sem abrir oportunidade para uma atividade reivindicatória mais consistente e fundamentada (Nunes Junior, 2017, p. 4). Não obstante, a noção de bem-estar social certamente estará influenciada pelo contexto político, social, cultural e econômico de cada Estado. Interessante exemplo é trazido por Nunes Junior (2017, p. 6): Nesse sentido, quer nos parecer que, face a algumas situações específicas, como a dos países africanos, há uma tendência de alojar o tema dos direitos sociais em uma escala de solidariedade internacional, compondo um arcabouço de apoio dos quais os paísesnecessitados possam se valer para a obtenção de assistência externa em matéria de direitos sociais, sob acompanhamento dos organismos internacionais de proteção dos direitos da pessoa humana. Pensando-se na questão da SIDA – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, nos países africanos, haveria a necessidade de a ideia de mínimo existencial ser ventilada para determinar ações substantivas de proteção da população vulnerável, como a flexibilização de procedimentos, os contemplados no Trade Related Aspects Of Intelectual Property Rights (Trips) em relação às patentes de medicamentos. TEMA 4 – DIREITOS SOCIAIS E POSITIVAÇÃO CONSTITUCIONAL Conforme vimos nas aulas anteriores, influenciado pelas declarações de direitos do pós-guerra, pelas Constituições mexicana de 1917 e alemã de 1919 (a de “Weimar”), o Brasil expandiu expressivamente a proteção aos direitos e garantias fundamentais desde a Constituição de 1988, ratificando importantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos. Como bem preceituam Piovesan e Vieira (2006), o texto constitucional de 1988 trouxe “a mais vasta produção normativa de direitos humanos de toda a história legislativa Brasileira”, sendo que “a maior parte das normas de proteção aos direitos humanos foi elaborada” após a Magna Carta de 1988, “em decorrência e sob a sua inspiração”. Concluem, assim, que, em 1988, surgiu “novo marco jurídico normativo brasileiro no campo da proteção dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais e econômicos”. 9 Nossa Constituição Cidadã adotou nova engenharia constitucional, assegurando nos primeiros capítulos proteção aos direitos e garantias fundamentais, elevando-os à cláusula pétrea (nos termos do art. 60, parágrafo 4º), e mais, incluiu amplo rol de direitos sociais num capítulo específico sobre o tema (Capítulo II), pela primeira vez, dentro do título dos direitos e garantias fundamentais (Título II), conferindo-lhes aplicabilidade imediata (Piovesan; Vieira 2006). TEMA 5 – DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS DESTINADOS À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS A Constituição de 1988 prevê amplo rol de direitos sociais: iniciando-se pelo Título II (Dos direitos e garantias fundamentais), que traz o art. 6º (direitos sociais básicos), art. 7º (direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, de cunho individual), art. 8º (direitos dos trabalhadores de cunho coletivo), art. 9º (direito de greve), art. 10 (participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos), e art. 11 (eleição de representante nas empresas com mais de duzentos empregados). (Brasil, 1988) A “PEC da Felicidade” (PEC n. 513/2010-CD e PEC n. 19/2010-5F), como bem registra Lenza (2014), foi apresentada, conjuntamente, tanto na Câmara (Deputada Manuela D’Ávila), quanto no Senado (Senador Cristovam Buarque), com objetivo de aperfeiçoamento do art. 6°, que passará a ter a seguinte redação: Art. 6. São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Brasil, 1988). E adverte Moraes (2013): As PECs em comentário visam proteger não a felicidade em seu aspecto subjetivo, o que significaria a busca de sentimentos muito particulares, mas, notadamente, o aspecto objetivo da felicidade que, segundo as propostas, pode ser normatizado no sentido de que a concretização dos direitos sociais leva a um estado geral (coletivo) de felicidade. Justifica-se desta forma: “há felicidade coletiva quando são adequadamente observados os itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, justamente os direitos sociais - uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, [...]”. Findo os parênteses, e voltando ao tópico, no Título VII (Da Ordem Social), inúmeros dispositivos preveem programas, diretrizes e metas a serem objetivados pelo Estado e pela sociedade como, por exemplo, os 10 arts. 194 (seguridade social), 196 (saúde), 201 (previdência social), 205 (educação), dentre outros. Fosse suficiente, o legislador constituinte ainda estatuiu os arts. 5º, parágrafo 1º, 34, inciso VII, alínea “e”, 60, parágrafo 4º, inciso IV, e 109, inciso V- A, § 5º, ora comentados com as palavras de Moraes (2013): 5.1. O art. 5º, parágrafo 1º Ao estabelecer a aplicabilidade imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais, o art. 5°, parágrafo 1º, da Carta de 1988, realça a força normativa de todos os preceitos constitucionais referentes a direitos, liberdades e garantias fundamentais. (PIOVESAN, 2013) Note-se, aqui, que o campo de incidência do § 1º do art. 5º abarca todos os direitos e garantias fundamentais do Título II, e mesmo fora dele, como entende Ferreira Filho (1988), Piovesan (1995), Grau (2002), Sarlet (2011), Marmelstein (2008) e quase a totalidade da doutrina. 5.2. O art. 34, inc. VII, “e” Tal dispositivo constitucional inovou ao trazer a “possibilidade de intervenção federal nos Estados em que não houver a observância da aplicação do mínimo exigido da receita resultante de impostos estaduais na manutenção e desenvolvimento do ensino e nas ações e serviços públicos de saúde” (PIOVESAN; VIEIRA, 2006) (grifo nosso). 5.3. O art. 60, parágrafo 4°, inciso IV A par dos posicionamentos doutrinários contrários, não mais se duvida da inclusão dos direitos sociais nas cláusulas pétreas (limites materiais ao poder de reforma constitucional), eis que pacificada a questão com a ADIN nº. 1946/DF, de relatoria do Ministro Sidney Sanches, na qual o Supremo Tribunal, mediante “interpretação conforme”, invalidou interpretação de dispositivo de emenda constitucional (art.14 da Emenda Constitucional n. 20/98), supressivo de direito social prestacional, evidenciando que tais espécies de direitos também afiguram-se cláusulas pétreas (objeto de proteção superconstitucional). 5.4. O art. 109, inciso V-A, e parágrafo 5º Antes da Reforma do Judiciário, a União não era competente para apurar, processar e julgar a grande maioria dos crimes contra direitos humanos; o que era um contrassenso, alerta a ANPR (1999), dada sua qualidade de ente federado, com personalidade jurídica na esfera internacional, que tem o poder de contrair obrigações jurídicas internacionais em matéria de direitos humanos, mediante ratificação de tratados. Daí, “adequando o funcionamento do Judiciário brasileiro ao sistema de proteção internacional de direitos humanos”, afirma Lenza (2014), a EC nº 45 estatuiu a federalização dos crimes contra direitos humanos, incluindo o inciso V-A e parágrafo 5º, no art. 109, para possibilitar o deslocamento da competência do juízo estadual para o federal, quando preenchidos determinados requisitos. 11 Saiba mais MORAES, D. P. H. Efetividade dos direitos sociais: reserva do possível, mínimo existencial e ativismo judicial. Monografia (Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Público, como requisito parcial à obtenção do grau de especialista em Direito: Direito Público com Ênfase em Magistério Superior) – Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes - REDE LFG. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&ar tigo_id=7701#_ftn1. Acesso em 4 dez. 2018. 12 REFERÊNCIAS AGRA, W. M. Tratado de direito constitucional, v. 1. São Paulo: Saraiva, 2010. BERTRAMELLO, R. Os direitos sociais: conceito, finalidade e teorias. Jusbrasil: portal eletrônico de notícias, 2013. Disponível em: <https://rafaelbertramello.jusbrasil.com.br/artigos/121943093/os-direitos-sociais- conceito-finalidade-e-teorias> Acesso em 4 dez. 2017. BRASIL. Constituiçãoda República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. BULOS, U. L. Curso de direito constitucional. 4. ed. 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