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As contribuições de Paulo Freire para a Educação de Jovens e Adultos (EJA)

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DESCRIÇÃO
A educação na perspectiva de Paulo Freire, destacando sua educação de adultos popular crítica e voltada à transformação social, sua
metodologia e suas formas pedagógicas, em especial, a da esperança e da autonomia.
PROPÓSITO
Compreender o pensamento freireano, suas características, intencionalidades e possibilidades de aplicação à educação de jovens e adultos
(EJA), além dos processos históricos e sociais que envolveram a produção da obra do autor, bem como sua atualidade.
OBJETIVOS
MÓDULO 1
Definir a proposta de uma educação de adultos popular formulada por Paulo Freire
MÓDULO 2
Reconhecer as principais características do “método Paulo Freire”
MÓDULO 3
Identificar características das proposições pedagógicas de Paulo Freire nas obras: Pedagogia da esperança: um reencontro com a
Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia
INTRODUÇÃO
Paulo Freire? Por que estudar sobre Paulo Freire? Você provavelmente já deve ter ouvido falar do autor, bem e mal, mas infelizmente
poucos conhecem, de modo efetivo, seu trabalho e suas contribuições. Paulo Freire é uma referência mundial para a área de Educação.
Pouquíssimos teóricos brasileiros alcançaram em sua área a notoriedade atingida por ele!
Além de um teórico fundamental, desenvolveu projetos em que buscou efetivamente testar, provar e realinhar suas linhas pedagógicas. Seu
compromisso fundamental: educação para todos e educação que servisse para a emancipação do sujeito. Essas perspectivas parecem
recorrentes, mas até aquele momento, na década de 1960, não eram.
Paulo Freire, reconhecendo o campo teórico-prático que se notabiliza na Pedagogia, funda um conjunto de concepções fundamentais no
desenvolvimento da Pedagogia. E é da compreensão dessas proposições que passaremos a tratar.
Foto: Slobodan Dimitrov / Sdimitrov / CC BY-AS 3.0
 Paulo Freire
MÓDULO 1
 Definir a proposta de uma educação de adultos popular formulada por Paulo Freire
A VIDA DE PAULO FREIRE
BIOGRAFIA
Paulo Reglus Neves Freire (1921-1997) nasceu na cidade do Recife, Pernambuco, e faleceu em São Paulo. Foi educador, escritor e
filósofo, e é considerado um dos pensadores mais notáveis na história da Pedagogia mundial, tendo influenciado o movimento chamado
Pedagogia crítica.
Imagem: AJC1 / CC Search / CC BY-SA 2.0 adaptada por Alan Gadelha
 Edição internacional comemorativa de Pedagogia do Oprimido (Pedagogy of the Oppressed)
Pela importância de sua obra, foi designado como Patrono da Educação Brasileira, em 13 de abril de 2012, quando foi sancionada a Lei nº
12.612, que o declara como tal. Ainda no campo da relevância do autor, em pesquisa mundial sobre os pensadores mais lidos nas Ciências
Humanas e Sociais, Paulo Freire é o único brasileiro na lista dos cem principais. Segundo levantamento feito, em 2016, por Elliot Green,
pesquisador especialista em estudos sobre desenvolvimento e aprendizagem da London School of Economics, a obra Pedagogia do
oprimido, de Paulo Freire, é o terceiro livro mais citado em trabalhos da área de Humanidades no mundo.
Em todo o mundo, cerca de 350 escolas e instituições, como bibliotecas e universidades, levam o seu nome como forma de homenagem. No
Brasil, há numerosas escolas públicas “Paulo Freire” espalhadas por diferentes estados e municípios.
Foto: Nael Reis / Governo do Maranhão / CC Atribuição 4.0 Internacional
 Escola no Maranhão.
Embora sua relevância não se restrinja ao campo da educação de jovens e adultos (EJA), foi nele que Freire atuou mais fortemente no início
de sua carreira, em função de suas preocupações políticas e sociais com a população pobre e analfabeta, abundante no Nordeste do país na
época em que começou a atuar como educador, após uma graduação em Direito que não o levou ao caminho da advocacia.
 ATENÇÃO
Paulo Freire desenvolveu seu método de alfabetização em suas experiências pioneiras relacionadas com os círculos populares de cultura,
que não eram salas de aula comuns, mas espaços de discussão de temas sociais de interesse dos trabalhadores e ponto de partida para a
alfabetização nos moldes do que depois ficou conhecido como método Paulo Freire.
EDUCAÇÃO POPULAR PARA A CONSCIÊNCIA CRÍTICA E A
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL
O trabalho de Paulo Freire como educador sempre foi baseado em suas convicções filosóficas e políticas, inscritas em uma fé cristã que ele
nunca abandonou. A marca do catolicismo em suas preocupações está fortemente presente. Por sua atuação nesse campo, foi nomeado, em
1970, como consultor e coordenador emérito do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), com sede em Genebra, na Suíça, para onde se mudou.
Durante esse tempo, atuou como consultor em reforma educacional em colônias portuguesas na África, particularmente na Guiné-Bissau, em
Moçambique, na Zâmbia e no Cabo Verde, tendo visitado esses países em inúmeras ocasiões.
Até o seu retorno ao Brasil, em 1980, Freire fez viagens a mais de trinta países pelo CMI, prestando consultoria educacional e
implementando projetos voltados para a alfabetização, a redução da desigualdade social e a garantia de direitos. Foi nesse período que o
pensador brasileiro implementou importantes projetos educativos em diferentes países.
A atuação pedagógica de Freire, como podemos perceber, não dissociava os processos de aprendizagem da luta pela igualdade social e pela
garantia dos direitos cidadãos daqueles com quem trabalhava – as populações pobres do Brasil, do restante da América Latina e da África.
Assim, para estudarmos o pensador e sua importância na educação brasileira e mundial, precisamos abordar:
O tema da conscientização e da humanização, que caminham juntos.
Os chamados saberes de experiência feitos, ponto de partida de sua educação conscientizadora.
A noção de diálogo e a oposição que formula entre educação bancária e educação dialógica.
A compreensão dos processos de transformação social que Freire formula desenvolvendo a noção de inédito-viável.
É O QUE ESTUDAREMOS NESTE PRIMEIRO MÓDULO.
Em suas primeiras obras, Freire enuncia suas preocupações com clareza. Quando se refere à educação como prática de liberdade, ele
mostra sua preocupação com a superação da educação que domestica, que submete e não liberta. Assim, neste primeiro livro, Educação
como prática da liberdade, Paulo Freire já torna evidente que seu pensamento educacional não é apenas pedagógico, mas também social e
tem direção definida: a da busca de superação das desigualdades sociais, o que significa dizer que seu pensamento e sua proposta visam à
transformação social.
 SAIBA MAIS
Educação como prática da liberdade foi escrito por Paulo Freire no exílio, em 1965, em que descreve sua experiência de alfabetização no
Nordeste.
É importante notar que o filósofo não pensava em transformação a partir de algumas consciências supostamente esclarecidas que libertariam
outras. Quando fala em liberdade e em sua prática, ou mesmo em seu segundo livro, o famoso Pedagogia do oprimido, sua preocupação é
com o desenvolvimento da consciência crítica de todos, para que, compreendendo melhor o mundo, seja possível intervir nele e transformá-lo
em um mundo melhor, como menos desigualdades sociais.
Foto: CulturaGovBr / CC Search / CC BY-SA 2.0
 Manuscrito da obra Pedagogia do Oprimido de Paulo Freire.
É nesse sentido que devemos compreender uma de suas mais conhecidas frases:
NINGUÉM EDUCA NINGUÉM, NINGUÉM SE EDUCA A SI MESMO, OS HOMENS SE
EDUCAM ENTRE SI, MEDIATIZADOS PELO MUNDO.
(FREIRE, 2017)
Essa afirmação evidencia o caráter horizontalizado que inspirou sempre suas propostas e práticas educacionais e a preocupação com uma
transformação social tecida coletivamente, por sujeitos de consciências autônomas, sem imposições. Podemos sem dúvida identificar Paulo
Freire como um democrata, que respeitava todos em seus diferentes conhecimentos, que também fazem com que os homens se eduquem
entre si, pelas trocas que estabelecem nos processos sociais de aprendizagens.
CONHECENDO UM POUCO MAIS DE PAULO FREIRE
Nessecontexto temos, também, outra construção famosa do pensador, na qual ele afirma que “ ninguém ignora tudo, ninguém sabe tudo.
Por isso aprendemos sempre”. Defendia, com isso, a ideia de que “não há saber mais ou saber menos: há saberes diferentes”. Isto é,
podemos entender que, na perspectiva de Paulo Freire, o diálogo entre os diferentes conhecimentos é necessário ao processo educativo,
mais do que a imposição dos conhecimentos formais, escolares, sobre os alunos. Sem descuidar da preocupação política e pedagógica com
os conteúdos de ensino, que defendia serem necessários e um direito de todos, o autor entendia a importância de valorizar os conhecimentos
populares e dialogar com eles.
Imagem: Rawpixel.com / Shutterstock.com
QUESTÃO DA CONSCIÊNCIA CRÍTICA
O tema da consciência crítica habita boa parte da obra freireana e se relaciona estreitamente com a compreensão de que, para o seu
desenvolvimento, é preciso que os dominados ou oprimidos assumam sua própria palavra, pronunciem por si próprios seu mundo e a
compreensão que dele possuem. Daí a importância da alfabetização e do diálogo na educação. A busca da conscientização esbarra, para
Freire, no medo da liberdade que está disseminado na sociedade e, também, nos fatalismos a respeito das más condições de vida em que
essas populações se encontram, que ele classifica como processos de desumanização.
Em sua defesa do direito ao acesso aos conhecimentos formais, Paulo Freire argumentava que essa aprendizagem contribuiria para munir as
classes populares de conhecimentos hegemônicos, valorizados, capazes, portanto, de se tornar arma de luta contra a desigualdade social.
Imagem: Caio Pederneiras/Shutterstock.com
 Representação da desigualdade social em São Paulo, a maior cidade do Brasil: a Favela Paraisópolis e os edifícios de luxo, lado a lado.
Atualmente sabemos que ele tinha razão, uma vez que as políticas de universalização do acesso à escola e à universidade trouxeram maior
mobilidade social aos trabalhadores e permitiram a muitos uma vida melhor do que as das gerações anteriores de suas famílias. Podemos,
também, confirmar a ideia de que o diálogo entre diferentes conhecimentos potencializa a aprendizagem e a formação da consciência cidadã,
visto que incontáveis experiências escolares realizadas no Brasil e no mundo, baseadas em perspectivas educacionais dialógicas, foram e
são bem-sucedidas.
Educar é, para Freire, uma luta pela humanização, ou (re)humanização, do homem de quem se extraiu a humanidade por meio da opressão
social. Em luta, também, contra o fatalismo que entende essa desumanização como “destino”, Freire (2014) diz:
A LUTA PELA HUMANIZAÇÃO, PELO TRABALHO LIVRE, PELA DESALIENAÇÃO,
PELA AFIRMAÇÃO DOS HOMENS COMO PESSOAS, COMO ‘SERES PARA SI’ (...)
SOMENTE É POSSÍVEL PORQUE A DESUMANIZAÇÃO, MESMO QUE UM FATO
CONCRETO NA HISTÓRIA, NÃO É, PORÉM, UM DESTINO DADO, MAS
RESULTADO DE UMA ‘ORDEM’ INJUSTA QUE GERA A VIOLÊNCIA DOS
OPRESSORES E ESTA, O SER MENOS.
É, portanto, acreditando no potencial da educação, para a humanização e o desenvolvimento da consciência crítica que podem levar à
transformação social, que Paulo Freire produz sua obra. É importante, no entanto, saber que ele não acreditava em efeitos automáticos nem
em independência da educação em relação a outros espaços sociais, afirmando sempre que a educação sozinha não poderia transformar o
mundo, mas acreditava que sem ela tampouco o mundo se transformaria. A educação seria, portanto, uma condição necessária aos
processos de transformação, mas não suficiente. Porém, para que possa exercer esse papel, ela precisa ser libertadora e dialógica.
Imagem: Orange Vectors/Shutterstock.com
Daí o comprometimento do primeiro livro com a liberdade na prática educativa como foco principal de uma preocupação com o povo
brasileiro. Em seu prefácio à obra de Paulo Freire, Francisco Weffort (FREIRE, 1982) traz dados assustadores sobre as condições de vida da
população brasileira nos anos 1960, esclarecendo que aquela obra faz uma sistematização teórica que:
[...] ILUMINA A URGÊNCIA DA ALFABETIZAÇÃO E DA CONSCIENTIZAÇÃO DAS
MASSAS NESTE PAÍS EM QUE OS ANALFABETOS CONSTITUEM A METADE DA
POPULAÇÃO E SÃO A MAIORIA DOS PAUPERIZADOS POR UM SISTEMA SOCIAL
MARCADO PELA DESIGUALDADE E PELA OPRESSÃO.
(FREIRE, 1982)
Weffort afirma, ainda, que o olhar de Freire defende pensar a educação pelo olhar do educando e pela sua liberdade, usando como exemplo
desse respeito o fato de ele jamais se referir aos alunos como analfabetos, mas sempre como alfabetizandos, e ao fato de propor, no
processo de alfabetização, sempre a máxima interferência possível do povo na estrutura do programa, restando ao educador apenas a tarefa
de registrar o vocabulário e selecionar as chamadas palavras-chave.
Esse respeito incondicional pelos educandos se expressa, também, no reconhecimento dos conhecimentos do trabalhador, seu “uso” como
ponto de partida da ação pedagógica e a aprendizagem que o diálogo entre esses conhecimentos e os conhecimentos formais proporciona a
mestres e alunos. Isso nos permite perceber a convicção de Paulo Freire a respeito da necessidade de não hierarquizar a priori os diferentes
conhecimentos, mas de relacioná-los de modo dialógico. Essa perspectiva é, para Freire, necessária a uma educação libertadora, capaz de
levar os oprimidos a uma consciência não só da opressão em si, mas de sua ilegitimidade, construída precisamente com base em hierarquias
entre conhecimentos, sujeitos de diferentes conhecimentos e seus modos de estar no mundo e de nele intervir. A esses conhecimentos Freire
chama de saberes de experiência feitos.
Imagem: wavebreakmedia/Shutterstock.com
SABERES DE EXPERIÊNCIA FEITOS
Para Paulo Freire, todos os educandos, ao chegarem à escola, trazem algum tipo de conhecimento. Sejam crianças, jovens ou adultos, todos
trazem seus “saberes de experiência feitos” – aquilo que aprenderam em suas vidas cotidianas – para dentro das escolas. Caberia, então, à
escolarização produzir a ascensão dos educandos a saberes escolares formais.
Essa noção cria a impressão de que, para o autor, os conhecimentos formais e os saberes de experiência feitos são opostos ou muito
distintos, e que, de um ao outro o processo é de ascensão, o que significaria uma compreensão de que existe uma hierarquia entre eles.
Contudo, numa leitura mais atenta, percebemos outras possibilidades de entendimento.
Na formulação freireana, essa diferença não vai constituir necessariamente uma desigualdade, mas uma pluralidade. São conhecimentos
distintos, mas não melhores ou superiores aos outros. Como o pensamento mais frequente entre nós é o de que saberes teóricos são
superiores aos saberes práticos, e Freire tinha consciência disso, ele fala em ascensão.
Concretamente, em diversas obras, Freire reafirma que a expressão saber de experiência feito foi cunhada exatamente para “desmistificar
a ciência”, colocando-a no seu devido lugar de ser mais um saber entre outros. Essa noção também foi formulada em defesa do que há de
conhecimento no senso comum, ou seja, do que nele há de bom senso.
Imagem: Diego Schtutman/Shutterstock.com
Em todas as obras em que aborda o tema, a preocupação é de formular algo que seja útil aos educadores, afirmando que o saber de
experiência feito traduz a leitura de mundo dos educandos e deve ser tomado como ponto de partida na relação educador-educandos, e
implica, portanto, o saber escutar por parte do educador. A importância disso também está na necessidade de compreensão da ideia de que
não existe saber em geral e ignorância em geral, mas saberes e ignorâncias.
Podemos compreender sua proposta de “ascensão” quando nos voltamos para o tema da conscientização, sempre ligada aos processos
educativos, que seria uma ascensão da consciência ingênua à criticidade. Seria a criação, por meio de reflexão coletiva e aprendizagem
sobre a sociedade e seus processos perversos de produção e reprodução de desigualdades, de uma compreensão do mundoe uma
possibilidade de dialogar com ele em bases mais firmes, em virtude do aprendido no processo de alfabetização.
Imagem: ESB Basic/Shutterstock.com
O processo educativo se desenvolveria, nessa perspectiva, por meio do diálogo, no qual o respeito aos conhecimentos anteriores dos
educandos, a escuta daquilo que trazem e a interação entre os diferentes conhecimentos sejam a tônica. É uma perspectiva que valoriza
conhecimentos não escolares reconhecendo sua validade, ao mesmo tempo que promove a aprendizagem dos conhecimentos formais, e
também a possibilidade de uso desses diferentes conhecimentos na compreensão e na solução de problemas concretos.
De modo complementar, a necessidade da dialogia no ato educativo advém da convicção de que, efetivamente, só há aprendizagem quando
se relaciona o que já se sabe dialogar com aquilo que se vai e se precisa aprender. Essa é a premissa do trabalho educativo de Freire,
presente em suas experiências de alfabetização das populações rurais do Nordeste brasileiro no final dos anos 1950 e início dos anos 1960.
QUESTÃO DO DIÁLOGO: CONTRA A EDUCAÇÃO BANCÁRIA, A
EDUCAÇÃO DIALÓGICA
O pressuposto do diálogo é sair de si mesmo e abrir-se ao outro. No diálogo, segundo Freire (2017), “não há ignorantes absolutos, nem
sábios absolutos: há homens que, em comunhão, buscam saber mais (...) A educação autêntica não se faz de A para B ou de A sobre B, mas
de A com B”. Com essa formulação, nada hierarquizante, Freire deixa claro que a noção de ascensão não é a mesma que no modo
cientificista de ver o mundo.
Para Freire, o que cada trabalhador a ser alfabetizado sabe é a primeira grande questão a ser considerada no processo educativo, porque
aquilo a que não se pode atribuir sentido não pode ser aprendido. Freire percebia, pelas experiências que tinha, pela sensibilidade que tinha
de educador, que se o aluno não estabelece relação entre o que sabe e o que deve aprender, ele não aprende. Então, para promover
aprendizagens, é preciso partir da ideia de que o aprendente/educando sabe. A instauração do diálogo só se dá, portanto, no mútuo
reconhecimento da palavra do outro como expressão de seu saber sobre o mundo. O trabalhador analfabeto sabe, e a criança diante de nós
nas escolas também. Cabe aos educadores desenvolverem seu “saber escutar”.
É com base nessa necessidade do diálogo entre sujeitos e saberes, entre educadores e educandos, nesse processo de troca e não de
imposição que Paulo Freire desenvolve sua amplamente difundida crítica à educação formal convencional, identificando-a como uma
educação bancária e a ela opõe a necessidade dessa dialogicidade nos processos educativos problematizadores. Na sua Pedagogia do
oprimido, a apresentação desses modelos educativos merece um capítulo.
É com base nessa necessidade do diálogo entre sujeitos e saberes, entre educadores e educandos, nesse processo de troca e não de
imposição que Paulo Freire desenvolve sua amplamente difundida crítica à educação formal convencional, identificando-a como uma
educação bancária e a ela opõe a necessidade dessa dialogicidade nos processos educativos problematizadores. Na sua Pedagogia do
oprimido, a apresentação desses modelos educativos merece um capítulo.
Foto: wavebreakmedia/Shutterstock.com
Freire mostra como se estruturava, nos anos 1960, a educação escolar brasileira. Em que pese a existência de muitas experiências escolares
progressistas e diferentes desse modelo, ainda é essa educação, chamada por Paulo Freire de bancária, que prevalece atualmente. Ele
inicia o capítulo criticando o caráter narrativo da educação formal, que traz consigo uma configuração que tem um sujeito narrador e “objetos
pacientes, ouvintes – os educandos”. Com isso, há uma tendência ao tratamento daquilo que se narra como algo fixo, permanente.
A escola trabalha com uma concepção de sociedade e de conhecimento compartimentados e imutáveis. O educador, único agente do
processo, tem por missão “encher” (o termo é do próprio Paulo Freire) os educandos de conteúdos. As palavras perdem vida e significação,
sendo necessário apenas decorá-las, memorizar mecanicamente aquilo que lhes foi dito.
Trata-se de um processo em que se depositam conhecimentos sobre um objeto antes vazio deles. Como bancos em que sujeitos depositam
valores, a educação, segundo esse modelo, é nomeada pelo autor como sendo uma educação bancária. Evidentemente, nem na época do
autor nem agora esse modelo existe tal qual na realidade educacional. Porém, como já dito, é ainda essa ideia – de que conteúdos devem
ser aprendidos a partir das aulas pelo educando, que não sabe – que persiste nos processos de elaboração de normas e debates educativos
e curriculares.
A hierarquia professor-aluno, intocada nos mais de cinquenta anos que nos separam do momento em que o filósofo escreveu sua obra,
evidencia que, se não estamos iguais, tampouco transformamos a escola e a compreensão dominante do que seja a educação formal.
Imagem: Lucky Business/Shutterstock.com
Depositar, transmitir, transferir conhecimentos e valores – como fazemos nos bancos – são a tônica dessa perspectiva de educação, cujas
características Paulo Freire (2017) enumera em sua obra, afirmando que nela o educador educa, sabe, pensa, diz a palavra, disciplina, opta e
prescreve sua opção, atua, escolhe o conteúdo, identifica a autoridade do saber com a sua própria e é sujeito do processo. Nesse cenário, os
educandos são educados, não sabem, são pensados (não pensam), escutam docilmente, têm a ilusão de que atuam, não são ouvidos nas
escolhas dos conteúdos, devem adaptar-se à autoridade alheia e são objetos do processo.
Desaparecem, nesse modelo, os saberes de experiência feitos e se reduzem as possibilidades de desenvolvimento da consciência crítica,
produzindo uma tendência à adaptação. Ainda assim, Paulo Freire faz um alerta aos educadores “bancários”, afirmando que os educandos
podem despertar e se insurgir contra sua domesticação e a da realidade, acionando a consciência de si e da realidade como processos
dinâmicos de mudanças permanentes que podem levá-los a buscar uma transformação e, também, do mundo que os cerca, libertando-se.
É nessa possibilidade que a educação problematizadora investe, buscando provocá-la. É assim que procura agir o educador progressista,
acreditando nos homens e no poder criador que possuem. Educar nessa perspectiva implica uma relação de companheirismo entre educador
e educandos, na qual uns saberem com os outros é tarefa maior. Não seria possível à educação problematizadora, que rompe com os
esquemas verticais característicos da educação bancária, realizar-se como prática de liberdade sem superar a contradição entre o educador
e os educandos. Também não lhe seria possível fazê-lo fora do diálogo (FREIRE, 2017).
A prática educativa problematizadora não separa nem dicotomiza educadores e educandos, considerando ambos sujeitos ativos no processo
educativo e parceiros, educando-se mutuamente enquanto educam uns aos outros, nesses encontros dialógicos que são os de que
participam. Nessa forma de educar, os educandos são investigadores críticos, sujeitos de saberes e de curiosidades, como também o
educador, aprendentes uns e outros.
No rumo dessa maneira de educar, em que a consciência crítica se forma superando as percepções mais espontâneas da realidade, o papel
do educador-problematizador é proporcionar, com os educandos, as condições para que as opiniões sejam superadas pelo conhecimento
verdadeiro.
Sempre em diálogo uns com os outros e com a realidade do mundo em que vivem, educandos e educadores, na educação problematizadora,
percebem-se como sujeitos deste mundo.
A EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DE LIBERDADE, AO CONTRÁRIO DAQUELA QUE
É PRÁTICA DE DOMINAÇÃO, IMPLICA A NEGAÇÃO DO HOMEM ABSTRATO,
ISOLADO, SOLTO, DESLIGADO DO MUNDO, ASSIM COMO TAMBÉM A NEGAÇÃO
DO MUNDO COMO UMA REALIDADE AUSENTE DOS HOMENS (FREIRE, 2017).
 RESUMINDO
E é por isso que esse modo de educar potencializa as possibilidadesde transformação do mundo. Ao aceitá-lo como realidade dinâmica, na
qual intervimos e com a qual dialogamos, essa educação é potencialmente transformadora da realidade, contrária ao conformismo fatalista.
Isto é, a alfabetização estimula o aluno a ler o mundo, ler a sua vida, ler a sua história, e não somente vivenciá-la, não somente reproduzir,
mas entender o mundo em que se vive.
A formação da consciência crítica de que a educação problematizadora promove a humanização dos homens favorece não só a consciência,
mas também estimula a reflexão e a ação crítica e verdadeira dos homens sobre a realidade, fundada na criatividade que valoriza, voltada,
como não poderia deixar de ser, à busca da transformação criadora. O importante para o sujeito crítico, educadores e educandos, é “a
transformação permanente da realidade”, para a permanente humanização dos homens.
Assim sendo, para Paulo Freire, será na realidade mediatizadora, na consciência que dela tenhamos, educadores e povo, que iremos buscar
o conteúdo programático da educação. O momento deste buscar é o que inaugura o diálogo da educação como prática de liberdade.
É O MOMENTO EM QUE SE REALIZA A INVESTIGAÇÃO DO QUE CHAMAMOS DE
UNIVERSO TEMÁTICO DO POVO OU O CONJUNTO DOS SEUS TEMAS
GERADORES.
(FREIRE, 2017)Jaeger, 1995.
ATIVIDADE
O QUE SÃO OS SABERES DE EXPERIÊNCIA FEITOS E QUAL A SUA
IMPORTÂNCIA PARA A EDUCAÇÃO LIBERTADORA?
RESPOSTA
Para Paulo Freire, todos os educandos, ao chegarem à escola, trazem algum tipo de conhecimento, seus
saberes de experiência feitos, ou seja, aquilo que aprenderam em suas vidas cotidianas, para dentro das
escolas. A diferença entre os saberes de experiência feitos e os conhecimentos escolares não constitui
necessariamente uma desigualdade, mas uma pluralidade. São conhecimentos distintos, sim, mas não são
uns melhores ou superiores aos outros.
javascript:void(0)
Freire afirma que a expressão foi cunhada para “desmistificar a ciência”, colocando-a no seu devido lugar de
ser mais um saber entre outros. Essa noção também busca defender o que há de conhecimento no senso
comum. Para ela, o saber de experiência feito traduz a leitura de mundo dos educandos e deve ser tomado
como ponto de partida na relação educador-educandos, e implica, portanto, o saber escutar por parte do
educador.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. AS IDEIAS A SEGUIR REPRESENTAM CONCEPÇÕES DE PAULO FREIRE. EM RELAÇÃO AO PROCESSO DE
ENSINO-APRENDIZAGEM, FREIRE AFIRMAVA QUE:
I. O EDUCADOR DEMOCRÁTICO NÃO PODE SE NEGAR O DEVER DE, NA SUA PRÁTICA DOCENTE,
REFORÇAR A CAPACIDADE CRÍTICA DO EDUCANDO, SUA CURIOSIDADE, SUA INSUBMISSÃO.
II. QUANDO VIVEMOS A AUTENTICIDADE EXIGIDA PELA PRÁTICA DE ENSINAR-APRENDER, DEIXAMOS DE
PARTICIPAR DE UMA EXPERIÊNCIA TOTAL, DIRETIVA, POLÍTICA, IDEOLÓGICA, GNOSIOLÓGICA,
PEDAGÓGICA, ESTÉTICA E ÉTICA EM QUE A BONITEZA DEVE SE ACHAR DE MÃOS DADAS COM A
DECÊNCIA E COM A SERIEDADE.
III. UMA DAS TAREFAS PRIMORDIAIS DO DOCENTE É TRABALHAR COM OS EDUCANDOS A RIGOROSIDADE
METÓDICA COM QUE DEVEM SE “APROXIMAR” DOS CONTEÚDOS TRAZIDOS PELO DOCENTE.
IV. ENSINAR NÃO SE ESGOTA NO “TRATAMENTO” DO OBJETO OU DO CONTEÚDO SUPERFICIALMENTE
FEITO, MAS SE ALONGA À PRODUÇÃO DAS CONDIÇÕES EM QUE APRENDER DEPENDE DO
CONHECIMENTO DE QUEM ENSINA E TRANSMITE.
ESTÃO CORRETAS AS AFIRMATIVAS:
A) I e II apenas.
B) I, III e IV apenas.
C) I, II e III apenas.
D) II, III e IV apenas.
E) II e III apenas.
2. DÉLIA LERNER (2018), EM SEU LIVRO LER E ESCREVER NA ESCOLA: O REAL, O POSSÍVEL E O
NECESSÁRIO, FAZ A SEGUINTE AFIRMATIVA: “O NECESSÁRIO É FAZER DA ESCOLA UM ÂMBITO ONDE A
LEITURA E A ESCRITA SEJAM PRÁTICAS VIVAS E VITAIS, ONDE LER E ESCREVER SEJAM INSTRUMENTOS
PODEROSOS QUE PERMITAM REPENSAR O MUNDO E REORGANIZAR O PRÓPRIO PENSAMENTO, ONDE
INTERPRETAR E PRODUZIR TEXTO SEJAM DIREITOS”. DE ACORDO COM ESSA PERSPECTIVA, TEMOS UM
OLHAR A SER DESENVOLVIDO NA PERSPECTIVA FREIREANA E A SUA PROPOSTA PARA UMA EDUCAÇÃO
POPULAR E DE ADULTOS, VOLTADA PARA A FORMAÇÃO DO SUJEITO. COM ESSE OLHAR, PODEMOS
AFIRMAR QUE:
A) O necessário é preservar na escola o sentido que a leitura e a escrita têm como práticas sociais, para conseguir que os alunos se
apropriem delas, possibilitando que se incorporem à comunidade de leitores e escritores, a fim de que consigam ser cidadãos de uma cultura
escrita.
B) As práticas de leitura e escrita são práticas sociais que, historicamente, pertenceram mais a certos grupos sociais do que a outros,
tornando o caminho a reprodução do meio para todos.
C) O necessário é fazer da escola uma comunidade de escritores externos que produzam textos e experiências sobre a realidade daquele
grupo, para informar sobre fatos que os destinatários precisam ou devem conhecer.
D) O necessário é fazer da escola uma comunidade de leitores que recorrem aos textos apenas para buscar respostas para os problemas
que precisam resolver.
E) É necessário valorizar a experiência local, mas mostrar que ela precisa ser superada por conhecimentos superiores que os grupos não
tinham.
GABARITO
1. As ideias a seguir representam concepções de Paulo Freire. Em relação ao processo de ensino-aprendizagem, Freire afirmava
que:
I. O educador democrático não pode se negar o dever de, na sua prática docente, reforçar a capacidade crítica do educando, sua
curiosidade, sua insubmissão.
II. Quando vivemos a autenticidade exigida pela prática de ensinar-aprender, deixamos de participar de uma experiência total,
diretiva, política, ideológica, gnosiológica, pedagógica, estética e ética em que a boniteza deve se achar de mãos dadas com a
decência e com a seriedade.
III. Uma das tarefas primordiais do docente é trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica com que devem se “aproximar”
dos conteúdos trazidos pelo docente.
IV. Ensinar não se esgota no “tratamento” do objeto ou do conteúdo superficialmente feito, mas se alonga à produção das
condições em que aprender depende do conhecimento de quem ensina e transmite.
Estão corretas as afirmativas:
A alternativa "A " está correta.
Um dos grandes traços de Freire é perceber o aprendizado a partir do sujeito, o que está reforçado nas afirmativas I e II. Na alternativa III,
existe uma fragilidade pelo excesso positivista, e não na IV, que centra o olhar do professor e diminui o papel do sujeito.
2. Délia Lerner (2018), em seu livro Ler e escrever na escola: o real, o possível e o necessário, faz a seguinte afirmativa: “O
necessário é fazer da escola um âmbito onde a leitura e a escrita sejam práticas vivas e vitais, onde ler e escrever sejam
instrumentos poderosos que permitam repensar o mundo e reorganizar o próprio pensamento, onde interpretar e produzir texto
sejam direitos”. De acordo com essa perspectiva, temos um olhar a ser desenvolvido na perspectiva freireana e a sua proposta para
uma educação popular e de adultos, voltada para a formação do sujeito. Com esse olhar, podemos afirmar que:
A alternativa "A " está correta.
A chave aqui é a educação como prática de liberdade, gerar valor ao conhecimento existente, reconhecendo o potencial e o desenvolvimento
daqueles que serão envolvidos no processo educacional, e por conta da formação de sujeitos comprometidos, envolvidos, e das culturas e
dos valores.
MÓDULO 2
 Reconhecer as principais características do “método Paulo Freire”
“MÉTODO PAULO FREIRE”: UMA INTRODUÇÃO
No auge da Guerra Fria, os Estados Unidos lançaram um projeto chamado Aliança para o Progresso, que visava alavancar o processo de
crescimento econômico e acabar com o que o bloco capitalista entendia como “crescente comunismo” na América Latina. No entendimento
de quem liderou o projeto, a erradicação do analfabetismo seria uma maneira de frear a ascensão socialista.
O Brasil foi um dos países contemplados pelo projeto, e no Nordeste, ainda como fase experimental, a cidade de Angicos, no Rio Grande do
Norte, foi uma das primeiras grandes tentativas de erradicação do analfabetismo. A escolha da cidade e a verba destinada ao projeto de
Angicos vieramdesse plano norte-americano. Paulo Freire elaborou o projeto, formou uma comissão de coordenadores e treinou professores
para desenvolver o plano.
Imagem: Marcelo Moryan/Shutterstock.com
 Na cidade de Angicos, em 1963, o método Paulo Freire foi testado pela primeira vez. Este teste tinha como objetivo alfabetizar alunos
adultos em 40 horas, sem cartilha.
Em um curso com duração de apenas quarenta horas, percorridas durante quase um mês, trezentos jovens e adultos foram alfabetizados
pelo método desenvolvido por Freire. O educador brasileiro criticava o modelo de “educação bancária”, baseado na visão de que o professor
é o centro do processo e detentor do conhecimento, sendo o responsável por “depositar” aquilo que sabe em seus alunos.
Assim, a leitura e, da mesma maneira, a escrita somente fariam sentido se fossem acompanhadas de uma capacidade de ler o mundo, de
perceber o mundo, de reconhecer os papéis desempenhados pelos atores do mundo e de reconhecer-se como peça naquele mundo. Por
isso, Freire agia com base nas palavras que faziam parte do cotidiano dos trabalhadores em processo de alfabetização para ensiná-los, e foi
assim que a experiência de Angicos foi bem-sucedida.
Marcos Guerra (2013), advogado e coordenador do projeto em Angicos, conta que “a alfabetização era baseada em 12 a 15 palavras apenas
que continham todos os fonemas da língua portuguesa”. Essas palavras eram pensadas junto com os educandos, dentro do universo social e
vocabular que era o deles. Com isso, era possível alfabetizar e pensar o mundo na mesma ação, alfabetizar e ampliar a consciência crítica
dos educandos, alfabetizar e contribuir para a libertação. Palavras como tijolo, barro, trabalho, labuta e telha eram as norteadoras do
método, que não foca no conteúdo ensinado, mas no processo e no desenvolvimento da consciência paralelamente ao trabalho pedagógico.
Essa característica do método freireano, de buscar promover a conscientização política e de classe dos educandos, talvez tenha sido o fator
que mais tenha despertado a ira dos setores conservadores da sociedade, responsáveis por extinguir o Plano Nacional da Alfabetização
(PNA) e por exilar o professor pernambucano após o golpe militar de 1964.
A OBRA DE PAULO FREIRE E O SEU MÉTODO SÃO PROFUNDAMENTE
MARCADOS PELA VONTADE POLÍTICA DE SOERGUER UM NOVO TIPO DE
EDUCAÇÃO, CAPAZ DE DAR AUTONOMIA ÀS CLASSES DOMINADAS POR MEIO
DO DIÁLOGO E DE UMA EDUCAÇÃO EMANCIPADORA, CAPAZ DE CONTRIBUIR
PARA A TRANSFORMAÇÃO SOCIAL.
Para ele, e muitos dos seus seguidores, essa tarefa é necessária para a criação de um novo Brasil, mais justo e igualitário.
Para seus críticos mais conservadores, as propostas de Freire abrem uma porta para o que chamam de “doutrinação marxista nas salas de
aula”. Foi com base nessa acusação que a ditadura militar suspendeu o Programa Nacional de Alfabetização de Adultos e levou Paulo Freire
ao exílio, depois de mantê-lo preso. É, ainda, com base nessa ideia que, atualmente, grupos políticos ligados à extrema direita condenam o
pensador, do mesmo modo que em 1964.
 SAIBA MAIS
O inquérito da época, comandado pelo tenente-coronel Hélio Ibiapina Lima, dizia que Paulo Freire era “um dos maiores responsáveis pela
subversão imediata dos menos favorecidos”, que “sua atuação no campo da alfabetização de adultos nada mais é que uma extraordinária
tarefa marxista de politização das mesmas” e que Freire “é um criptocomunista encapuzado sob a forma de alfabetizador” (FREIRE, 2017).
EDUCAÇÃO POPULAR COMO PONTO DE PARTIDA
FOI NA DÉCADA DE 1950 QUE SE INICIOU ESTA PROFUNDA HISTÓRIA DE
IDEIAS, PRÁTICAS E ACONTECIMENTOS NO CAMPO DA EDUCAÇÃO NA
AMÉRICA LATINA: A EDUCAÇÃO POPULAR. COMO CONCEPÇÃO DA
EDUCAÇÃO, A EDUCAÇÃO POPULAR É UMA DAS MAIS BELAS CONTRIBUIÇÕES
DA AMÉRICA LATINA AO PENSAMENTO PEDAGÓGICO UNIVERSAL. ISSO SE
DEVE, EM GRANDE PARTE, À ATUAÇÃO INTERNACIONAL DE UM DOS SEUS
MAIS IMPORTANTES REPRESENTANTES: PAULO FREIRE. ELE DEIXOU, POR
ONDE PASSOU, AS SEMENTES DE UMA CONCEPÇÃO POPULAR
EMANCIPADORA DA EDUCAÇÃO. ESSAS SEMENTES FLORESCERAM EM
NUMEROSOS GRUPOS E ORGANIZAÇÕES, NAS ÚLTIMAS DÉCADAS, UNINDO
CONSCIENTIZAÇÃO E ORGANIZAÇÃO POPULAR.
(GADOTTI, 2007)
É também Gadotti que atualiza o tema da educação popular, prevendo boas possibilidades de futuro para essa tendência educacional voltada
às classes mais pobres e pouco escolarizadas da educação, entendendo que as “intuições originais estão presentes, como a obra de Paulo
Freire, em muitas práticas educativas”, e complementa:
A EDUCAÇÃO COMO PRODUÇÃO E NÃO MERAMENTE COMO TRANSMISSÃO DO
CONHECIMENTO; A LUTA POR UMA EDUCAÇÃO EMANCIPADORA QUE SUSPEITA
DO ARBITRÁRIO CULTURAL (...) A DEFESA DE UMA EDUCAÇÃO PARA A
LIBERDADE, PRECONDIÇÃO DA VIDA DEMOCRÁTICA; A RECUSA DO
AUTORITARISMO, DA MANIPULAÇÃO, DA IDEOLOGIZAÇÃO; (...) A DEFESA DA
EDUCAÇÃO COMO UM ATO DE DIÁLOGO NO DESCOBRIMENTO RIGOROSO,
PORÉM, POR SUA VEZ, IMAGINATIVO, DA RAZÃO DE SER DAS COISAS; A
NOÇÃO DE UMA CIÊNCIA ABERTA ÀS NECESSIDADES POPULARES E UM
PLANEJAMENTO COMUNITÁRIO E PARTICIPATIVO.
(GADOTTI, 2007)
Imagem: smolaw/Shutterstock.com
Assim, com Moacir Gadotti, vamos perceber que a reafirmação da educação popular e de seus princípios, associando-a tanto a práticas
educativas contemporâneas escolares quanto às reflexões progressistas que reiteram a necessidade da democracia e da horizontalidade nas
relações entre sujeitos e entre conhecimentos, é a base para aquilo que ficou conhecido como o método Paulo Freire, que defende a
alfabetização dos adultos mediante a discussão de suas experiências de vida entre si, a partir de palavras presentes na realidade dos alunos,
decodificadas para a aquisição da palavra escrita e da compreensão do mundo.
No lugar de um aprendizado mecânico e de letras e palavras descontextualizadas da vida dos educandos, o método freireano propõe partir
da realidade dos alunos e de seu universo vocabular. A alfabetização ocorre mediante a discussão de suas experiências de vida, de seus
problemas e de questões do cotidiano.
O MÉTODO, OS FUNDAMENTOS E AS ETAPAS
Podemos dizer que, com base na crença de que a educação não deve ser bancária, mas sim formar para a consciência crítica e para a
libertação, Paulo Freire vai propor um processo de alfabetização diferente e inovador, buscando, com isso, superar os modelos formalistas e
destituídos de sentido predominantes nos programas de alfabetização que os antecederam e na própria estrutura da escola.
Imagem: marekuliasz/Shutterstock.com
A primeira grande ruptura com a estrutura tradicional das escolas é a instauração de “círculos de cultura” no lugar das salas de aula. Nesses
círculos – efetivamente os espaços eram organizados em círculos, para que todos pudessem participar da conversa em condições de
igualdade, vendo-se uns aos outros –, o diálogo deixa de ser mera metodologia e passa a ter centralidade em toda a ação educadora. São
quatro os fundamentos desses círculos, que apresentaremos resumidamente a seguir.
1º FUNDAMENTO
Cada pessoa é percebida como uma fonte única de uma forma específica de saber, que, qualquer que seja, tem um valor.
2º FUNDAMENTO
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“Cada cultura representa um modo de vida e uma forma original e autêntica de ser, de viver, de sentir e de pensar” (BRANDÃO, 2015).
3º FUNDAMENTO
É, ainda, na concepção e nas práticas desses círculos que se vai formular a ideia de que “ninguém educa ninguém, mas ninguém se educa
sozinho”.
4º FUNDAMENTO
A ideia de que alfabetizar e educar é mais do que apenas aprender a ler palavras. Significa aprender a ler criticamente o seu próprio mundo.
ATIVIDADE
Neste exercício podemos associar o grupo de palavra a um perfil específico para verificarmos nossa percepção crítica:
Camponeses
Pedreiros
Pescadores
Rede, peixe, pesca.
Cimento, peso, parede.
Enxada, plantar, colher.
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GABARITO
Pescadores: Rede, peixe, pesca.
Pedreiros: Cimento, peso, parede.
Camponeses: Enxada, plantar, colher.Brandão esclarece o alcance e o legado dos círculos de cultura que foram o principal instrumento de realização das propostas educativas,
culturais e políticas abraçadas por Freire.
Pode-se dizer que o método Paulo Freire se estrutura em três etapas, sucessivas e articuladas entre si, a saber: a etapa de pesquisa no
local e sobre o local 1 , a de processamento do material produzido 2 na primeira etapa, definindo os temas prioritários e as palavras
geradoras e a produção de material a ser utilizado no trabalho de aprendizagem da leitura da palavra e do mundo. Em seguida, na etapa de
problematização 3 , sempre organizados em círculos, os participantes são incentivados a falar sobre os temas selecionados, opinar e
debater, e a alfabetização propriamente dita seguia-se às discussões.
Esquematicamente, podemos formular essas etapas do seguinte modo:
PESQUISA OU INVESTIGAÇÃO
Educadores e educandos, em conjunto, mergulham na realidade local e no universo vocabular do grupo social voltados a compreender
melhor e mais profundamente a comunidade e extrair, desse mergulho, temas e palavras para a constituição do material-base para a
alfabetização que substituirá as cartilhas convencionais. Essa pesquisa deveria desenvolver-se pelos próprios participantes do círculo,
sempre com uma pessoa alfabetizada por perto, para a formulação do material temático e vocabular a ser usado.
Em Angicos, primeira experiência alfabetizadora de Paulo Freire, foi escolhida uma média de 410 palavras, descobertas a partir de um bate-
papo com os futuros aprendizes. Com isso, uma equipe de educadores define quais são as palavras geradoras (GUERRA, 2013).
A TEMATIZAÇÃO
Esse momento é o de processamento do material produzido de modo a obter a “matéria-prima” para aprender a “ler as palavras e ler o
mundo”. Fichas e cartazes são elaborados com a participação de todos, em um processo de codificação e decodificação dos temas,
buscando seu significado social, o que permite o desenvolvimento da consciência do mundo vivido pelos alunos. É nesse momento que os
educadores fazem associação das palavras com alguma situação cotidiana, conhecida por todos.
A PROBLEMATIZAÇÃO
É realizada nas discussões que se seguem à tematização, sempre com o espaço organizado em círculos e a partir da reflexão coletiva
baseada nas “fichas de cultura” e nos cartazes produzidos na etapa anterior. O educador ou animador do círculo assume, nesse momento, a
função de incentivar o máximo de participações nessa discussão, em que cada participante deve usar suas próprias palavras para expressar
o que sente e pensa.
O início da alfabetização propriamente dita tinha início, segundo Gadotti (2007), por meio de um “processo de substituição de elementos reais
por elementos simbólicos”, com a utilização de cartazes, projeções na parede, discussões e leitura, “sequência inversa à utilizada para
crianças, em que a leitura figura como elemento instrumental de construção e enriquecimento dos círculos de representação mentais”. Nesse
processo e no pensamento freireano, educadores e educandos transformam-se em pesquisadores críticos.
Podemos afirmar que é assim que esse método supera a ideia de que o educando é uma “lata vazia a ser enchida pelo educador”, e assume
o processo educativo – na alfabetização e muito para além dela – como um processo coletivo de reflexão-ação em que educandos são
percebidos como sujeitos de histórias, experiências, sentimentos, motivações e, portanto, de saberes.
A dialogicidade desse método é evidente. De maneira permanente, as ações realizadas envolvem o respeito mútuo, a escuta atenta e ativa, a
troca de saberes e experiências. E é assim que Freire expressa sua convicção em torno dessa necessidade em sua Pedagogia do oprimido,
quando afirma que “o diálogo começa na busca do conteúdo programático” (FREIRE, 2017).
Voltando a se dirigir à oposição entre o educador bancário e o educador-educando, o primeiro organiza seu programa enquanto o segundo
não se vê como doador ou impositor de conteúdos, percebendo-se como responsável por devolver de modo organizado, estruturado e
sistematizado aquilo que os educandos lhe entregaram de forma desestruturada. Essa ideia é fundante, não só do pensamento de Freire,
mas de muitos outros pensadores, uma vez que sua inspiração é a dialética marxiana, que prevê, no estudo da realidade social:
Um ponto de partida na concretude do contexto em que a reflexão e a ação se inscrevem, para...
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Em seguida, separar partes, temas e elementos que constituem essa realidade complexa, e estudá-las, discuti-las e compreendê-las de
modo abstrato e, só então...
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Voltar à concretude, dessa vez compreendendo-a de maneira mais sistemática, consciente e estruturada, naquilo que Karl Marx (1818-1883)
chamava de concreto pensado e Freire de percepção crítica do concreto.
Isso significa que, para Freire, a dialogicidade do processo de alfabetização envolve uma dialética do concreto vivido ao abstrato, que
permitirá voltar ao concreto com a ampliação e estruturação consciente da compreensão dos significados daquilo que se vivencia. É isso que
o educador-educando, que percebe a função libertadora da educação e atua nesse sentido, busca desenvolver.
CASO REAL
Uma professora de uma comunidade de pescadores foi dar aulas para adultos. Achava-se a velha professora – leiga – fraca e incapaz de
trazer os novos “paradigmas” da educação de adultos. Resultado: não conseguia promover o aprendizado! Utilizava livros, histórias, queira
levar outras realidades para a sala de aula, mas não conseguia despertar o interesse dos alunos.
Certo dia, uma jovem prostituta morreu. Seus alunos só falavam disso, não conseguiam se concentrar em mais nada. No auge do seu
desespero, ela perguntou:
― Vocês sabem escrever “prostituta”?
E todos pararam.
No dia seguinte, ela levou para a escola alguns jornais com notícias sobre o assassinato e disse aos alunos:
― Estão falando de vocês, e vocês não sabem o quê. Quem quer descobrir?
Esse exemplo explicita o conceito que apresentamos: liberdade para conhecer o que se deseja!
Essa busca da libertação dos homens é, no entendimento de Freire, uma tarefa de humanização e, para esse educador humanista, “a
incidência da ação é a realidade a ser transformada por ele com os outros homens e não estes”. Por isso é que não podemos, a não ser
ingenuamente, esperar resultados positivos de um programa, seja educativo num sentido mais técnico, seja de ação política, se,
desrespeitando a particular visão de mundo que tenha ou esteja tendo o povo, se constitui numa espécie de “invasão cultural”, ainda que feita
com a melhor das intenções (FREIRE, 2017).
Tentando evitar esse tipo de “invasão cultural” é que Paulo Freire desenvolve seu método de trabalho – que é mais do que um método de
alfabetização –, definindo, sempre junto com os educandos, os temas geradores e o conteúdo programático dessa educação a partir de
inquietações, conhecimentos e interesses das diferentes comunidades em que o processo se inscreve, visando à transformação social.
TRANSFORMAÇÃO SOCIAL: O INÉDITO-VIÁVEL
Paulo Freire desloca o debate sobre a questão da conscientização dentro de sua proposta de método de trabalho para a especificidade do
ser humano em relação aos animais, defendendo que o homem tem consciência de si, de sua atividade no mundo e das transformações que
opera, diferentemente dos animais.
 RESUMINDO
“A existência dos homens se dá no mundo que eles recriam e transformam incessantemente” (FREIRE, 2017). É a consciência de sua
existência histórica, num mundo que transforma e por ele é transformado, que permite ao homem tomar decisões que vão além daquilo que
condiciona sua existência, por meio do exercício da liberdade de pensamento e de ação que transcende esses condicionamentos.
Imagem: Dado Photos/Shutterstock.com
 Protesto contra o corte de verbas para a educação em São Paulo, 2019.
É com base nessa compreensão sobre as possibilidades da ação humana que Paulo Freire (FREIRE,2017) formula a ideia de que a
humanidade é capaz de ultrapassar aquilo que nomeou como sendo as situações-limite, percebidas não como barreiras intransponíveis,
mas situações que exigem o que ele chama de atos-limite – “aqueles que se dirigem à superação e à negação do dado, em lugar de
implicarem sua aceitação dócil e passiva”.
Embora não seja o criador do termo situação-limite, Paulo Freire, ao lançar mão dele e construir o raciocínio que o leva às noções de ato-
limite e de inédito-viável, reinventa suas possibilidades. Diferentemente dos primeiros criadores do termo, e de alguns daqueles que
consolidaram seu uso, Paulo Freire (2017) entende essas situações como potencialmente transformáveis, ou seja, elas seriam mais do que
algo que, atingindo o limite do possível, freiam a ação.
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SITUAÇÕES-LIMITE
Para Freire, são dimensões concretas e históricas de dada realidade, as paredes que limitam as bases. Têm a ver com as pessoas,
com a percepção que os homens tenham delas – realidades – em dado momento histórico, como um freio a eles, como algo que não
podem ultrapassar.
ATOS-LIMITE
A superação de barreiras pelo sujeito, um passo diante de uma situação limitadora, que permite a ele mudanças vitais. Os obstáculos,
aliás, não devem ser contornados, mas analisados, levados a formas, a um ato para vencê-los, para que não voltem com mais força.
INÉDITO-VIÁVEL
É o atingimento, quando o sujeito chega a uma nova realidade, que deve ser entendida como a possível, como um esforço vital, mas
que não é o fim.
Paulo Freire converte a compreensão dessas situações em uma perspectiva de transformação, concebendo atos-limite que permitiriam
“transcender as ‘situações-limite’ e descobrir ou divisar, mais além delas e em relação com elas, o inédito-viável” (FREIRE, 2017).
Evidentemente, Freire identifica entre dominantes e oprimidos um antagonismo na percepção dessas situações, uma vez que aos primeiros a
transformação social não interessa. Assim, para os dominantes, há que se evitar as situações-limite; para os oprimidos, operam como
possibilidade de transformação pelo inédito-viável.
A noção de inédito-viável tem papel importante na compreensão de Freire sobre a conscientização das classes trabalhadoras sobre a
opressão e a necessidade de ação, não centrada em lideranças supostamente esclarecidas, mas nos próprios sujeitos cuja consciência das
desigualdades e injustiças do mundo se formou em meio à sua alfabetização.
Imagem: Dado Photos/Shutterstock.com
 Protesto contra o corte de verbas para a educação em São Paulo, 2019.
Além disso, é a compreensão de que as situações-limite podem ser superadas no sentido da consolidação de inéditos-viáveis, antes
percebidos como impossibilidades. E foi com base nessa ideia que Paulo Freire defendeu, até a sua morte, a esperança ativa e o sonho
como possibilidades efetivas de transformação social, visto que, permanentemente, a formação da consciência crítica abre a possibilidade de
inéditos-viáveis “cuja viabilidade antes não era percebida” (FREIRE, 2017).
Em seu verbete sobre o termo, publicado no Dicionário Paulo Freire (STRECK; REDIN; ZITKOSKI, 2008), sua viúva, Nita Freire afirma, em
tom emocionado, e ao mesmo tempo denso, que o marido formulou a palavra considerando sua própria concepção de palavra, como uma
palavra-ação.
UMA PALAVRA QUE CARREGA NO SEU BOJO, PORTANTO, CRENÇAS, VALORES,
SONHOS, DESEJOS, ASPIRAÇÕES, MEDOS, ANSIEDADES, VONTADE E
POSSIBILIDADE DE SABER, FRAGILIDADE E GRANDEZA HUMANAS. CARREGA
INQUIETUDE E BONITEZA NA CONDIÇÃO DE SER-SE HOMEM OU MULHER. (...)
PALAVRA QUE NOS TRAZ, SOBRETUDO, A ESPERANÇA E O GERME DAS
TRANSFORMAÇÕES NECESSÁRIAS VOLTADAS PARA UM FUTURO MAIS
HUMANO E ÉTICO (...).
(FREIRE, A. M., 2017)
Nita Freire ainda esclarece o que entende por inédito-viável: seria algo inédito, como o nome diz, que antes não era percebido como possível,
mas que, quando atinge essa condição, pode se tornar realidade.
Pensar e lutar pelos inéditos-viáveis implica, nesse sentido, levar à realização de sonhos possíveis, de utopias. Mas a cada vez que um
inédito-viável se efetiva, ele amplia também o próprio campo dos possíveis e traz, com isso, “outros tantos inéditos viáveis quantos caibam
em nossos sentimentos e em nossa razão ditada pelas nossas necessidades mais autênticas” (FREIRE, A. M., 2017). Ou seja, pensar em
inéditos-viáveis implica compreender o dinamismo permanente do mundo e das sociedades, a inexistência do definitivo, e daí a necessidade
de estarmos sempre atentos às possibilidades que emergem em diferentes situações sociais.
Cabe lembrar que inéditos-viáveis nunca são individuais, são sonhos coletivos cuja finalidade não está neles mesmos, mas nas suas
possibilidades de contribuir para a melhoria das sociedades, para a sua democratização, para que a humanidade se aperfeiçoe e se torne
capaz de produzir “uma nova sociedade: mais justa, menos feia, mais democrática”, relembrando Paulo Freire.
Isto é...
O “INÉDITO-VIÁVEL” É, POIS, UMA CATEGORIA QUE ENCERRA NELA MESMA
TODA UMA CRENÇA NO SONHO E NA POSSIBILIDADE DA UTOPIA, NA
TRANSFORMAÇÃO DAS PESSOAS E DO MUNDO. É, PORTANTO, TAREFA DE
TODOS.
(FREIRE, A. M., 2017)
ATIVIDADE
VOCÊ SABERIA RESUMIR AS TRÊS ETAPAS DO MÉTODO PAULO
FREIRE?
RESPOSTA
O método Paulo Freire se estrutura em três etapas, sucessivas e articuladas entre si, a saber: a etapa de
pesquisa no local e sobre o local, a de processamento do material produzido na primeira etapa, definindo os
temas prioritários e as palavras geradoras e a produção de material a ser utilizado no trabalho de
aprendizagem da leitura da palavra e do mundo. Em seguida, na etapa de problematização, sempre
organizados em círculos, os participantes são incentivados a falar sobre os temas selecionados, opinar e
debater, e a alfabetização propriamente dita seguia-se às discussões.
EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: A HERANÇA DE PAULO
FREIRE
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VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. LEIA OS TRECHOS A SEGUIR:
AFIRMATIVA 1
“A CONSTRUÇÃO OU A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO DO OBJETO IMPLICA O EXERCÍCIO DA
CURIOSIDADE (...). ESTIMULAR A PERGUNTA, A REFLEXÃO CRÍTICA SOBRE A PRÓPRIA PERGUNTA, O QUE
SE PRETENDE COM ESTA OU COM AQUELA PERGUNTA EM LUGAR DA PASSIVIDADE EM FACE DAS
EXPLICAÇÕES DISCURSIVAS DO PROFESSOR, ESPÉCIES DE RESPOSTAS A PERGUNTAS QUE NÃO FORAM
FEITAS (...) O FUNDAMENTAL É QUE O PROFESSOR E OS ALUNOS SAIBAM QUE A POSTURA DELES, DO
PROFESSOR E DOS ALUNOS, É DIALÓGICA, ABERTA, CURIOSA, INDAGADORA E NÃO APASSIVADA,
ENQUANTO FALA OU ENQUANTO OUVE. O QUE IMPORTA É QUE PROFESSOR E ALUNOS SE ASSUMAM
EPISTEMOLOGICAMENTE CURIOSOS” (FREIRE, 1996).
AFIRMATIVA 2
“COMO TEM FICADO CLARO NA NOSSA EXPERIÊNCIA, ESSE É UM PROCESSO DE APRENDIZADO ÁRDUO
TANTO PARA ALUNOS COMO PARA PROFESSORES, PORQUE FUNDAR O ATO PEDAGÓGICO EM
PERGUNTAS, E EM PERGUNTAS QUAISQUER, NÃO SUBMETIDAS A UMA ‘PODA’ A PRIORI POR
PROGRAMAS CURRICULARES TRADICIONAIS, IMPLICA MUDAR A MATRIZ MESMA DA RELAÇÃO COM O
CONHECIMENTO” (OLIVEIRA, 2004).
COM A LEITURA DOS TEXTOS, PODEMOS AFIRMAR QUE:
A) As ideias apresentadas pelos dois autores são antagônicas.
B) A postura indagadora é fundamental para ambos autores.
C) As ideias dos autores são complementares, pois concebem o aluno como um ser passivo.
D) Os dois autores expressam ideias convergentes sobre conhecimento.
E) O aluno, para Freire e Oliveira, aprende apenas com as experiências vividas, e o trabalho é organizado para ele.
2. FREIRE (1980) DESTACA IMPORTANTES SABERES NECESSÁRIOS AO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA
COMPROMETIDA COM A AÇÃO DEMOCRÁTICA, COM A AUTONOMIA DOS ESTUDANTES E COM A
TRANSFORMAÇÃO DA SOCIEDADE, EM BUSCA DE IGUALDADE SOCIAL. LEIA ATENTAMENTE AS FRASES A
SEGUIR, COMPLETANDO AS LACUNAS COM AS SEGUINTES EXPRESSÕES:
I. EXIGE TOMADA CONSCIENTE DE DECISÕES
II. EXIGE PESQUISA
III. EXIGE APREENSÃO DA REALIDADE
IV. EXIGE COMPROMETIMENTO
V. NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO
ENSINAR (_____________): ENSINAR REQUER CRIARAS POSSIBILIDADES PARA A PRODUÇÃO OU
CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO, UMA VEZ QUE O PROFESSOR NÃO O DEPOSITA NO ALUNO.
ENSINAR (_____________): O CONHECIMENTO DA NATUREZA DO TRABALHO DO PROFESSOR SE
CONSTITUI COMO UM SABER FUNDAMENTAL PARA A AÇÃO DOCENTE, ASSIM COMO A HABILIDADE DE
APREENDER A SUBSTANTIVIDADE DO OBJETO APRENDIDO, EM SEU CONTEXTO HISTÓRICO E SOCIAL.
ENSINAR (_____________): SEGUNDO FREIRE (1980), AO ENSINAR, O PROFESSOR CONTINUA BUSCANDO,
REPROCURANDO. PENSAR CERTO, DO PONTO DE VISTA DO PROFESSOR, IMPLICA O RESPEITO AO
SENSO COMUM NO PROCESSO DE SUA SUPERAÇÃO, ASSIM COMO O RESPEITO E ESTÍMULO À
CAPACIDADE CRIADORA DO EDUCANDO.
ENSINAR (_____________): A PRESENÇA DO PROFESSOR NÃO PODE PASSAR “DESPERCEBIDA DOS
ALUNOS NA CLASSE, É UMA PRESENÇA EM SI POLÍTICA”. O PROFESSOR, ASSIM, NÃO PODE SER UM
SUJEITO DE OMISSÃO. A AÇÃO DO PROFESSOR É O SEU TESTEMUNHO.
ENSINAR (_____________): É NECESSÁRIO QUE, NA PRÁTICA DOCENTE, EXISTA A VIRTUDE DA
COERÊNCIA, A FIM DE POSSIBILITAR, AOS ENVOLVIDOS, A DECISÃO CONSCIENTE DE INTERVENÇÃO NO
MUNDO. ESSA NÃO É UMA INTERVENÇÃO QUALQUER, MAS REVELA UMA INTENCIONALIDADE, UM
QUERER FAZER, FRENTE AO SER NO MUNDO.
COM BASE EM FREIRE (1980), ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA AS PALAVRAS QUE
PREENCHEM CORRETAMENTE AS LACUNAS, NA ORDEM EM QUE APARECEM NO TEXTO:
A) I – IV – III – V – II
B) V – III – II – IV – I
C) V – II – III – I – IV
D) II – I – IV – III – V
E) III – V – I – II – IV
GABARITO
1. Leia os trechos a seguir:
Afirmativa 1
“A construção ou a produção do conhecimento do objeto implica o exercício da curiosidade (...). Estimular a pergunta, a reflexão
crítica sobre a própria pergunta, o que se pretende com esta ou com aquela pergunta em lugar da passividade em face das
explicações discursivas do professor, espécies de respostas a perguntas que não foram feitas (...) O fundamental é que o professor
e os alunos saibam que a postura deles, do professor e dos alunos, é dialógica, aberta, curiosa, indagadora e não apassivada,
enquanto fala ou enquanto ouve. O que importa é que professor e alunos se assumam epistemologicamente curiosos” (FREIRE,
1996).
Afirmativa 2
“Como tem ficado claro na nossa experiência, esse é um processo de aprendizado árduo tanto para alunos como para professores,
porque fundar o ato pedagógico em perguntas, e em perguntas quaisquer, não submetidas a uma ‘poda’ a priori por programas
curriculares tradicionais, implica mudar a matriz mesma da relação com o conhecimento” (OLIVEIRA, 2004).
Com a leitura dos textos, podemos afirmar que:
A alternativa "A " está correta.
Para Freire, as perguntas são provenientes da curiosidade dos alunos e devem ser estimuladas pelo professor. A relação entre estudantes e
professor deve ser dialógica, indagadora e sem passividade daqueles que estão falando e/ou ouvindo. Oliveira, por sua vez, considera que
nem toda pergunta é oportuna e que elas devem ser orientadas pelos programas curriculares. Portanto, em relação à postura sobre
perguntas e educação os autores são antagônicos.
2. Freire (1980) destaca importantes saberes necessários ao exercício da docência comprometida com a ação democrática, com a
autonomia dos estudantes e com a transformação da sociedade, em busca de igualdade social. Leia atentamente as frases a seguir,
completando as lacunas com as seguintes expressões:
I. Exige tomada consciente de decisões
II. Exige pesquisa
III. Exige apreensão da realidade
IV. Exige comprometimento
V. Não é transferir conhecimento
Ensinar (_____________): ensinar requer criar as possibilidades para a produção ou construção do conhecimento, uma vez que o
professor não o deposita no aluno.
Ensinar (_____________): o conhecimento da natureza do trabalho do professor se constitui como um saber fundamental para a
ação docente, assim como a habilidade de apreender a substantividade do objeto aprendido, em seu contexto histórico e social.
Ensinar (_____________): segundo Freire (1980), ao ensinar, o professor continua buscando, reprocurando. Pensar certo, do ponto
de vista do professor, implica o respeito ao senso comum no processo de sua superação, assim como o respeito e estímulo à
capacidade criadora do educando.
Ensinar (_____________): a presença do professor não pode passar “despercebida dos alunos na classe, é uma presença em si
política”. O professor, assim, não pode ser um sujeito de omissão. A ação do professor é o seu testemunho.
Ensinar (_____________): é necessário que, na prática docente, exista a virtude da coerência, a fim de possibilitar, aos envolvidos, a
decisão consciente de intervenção no mundo. Essa não é uma intervenção qualquer, mas revela uma intencionalidade, um querer
fazer, frente ao ser no mundo.
Com base em Freire (1980), assinale a alternativa que apresenta as palavras que preenchem CORRETAMENTE as lacunas, na ordem
em que aparecem no texto:
A alternativa "B " está correta.
O exercício visa garantir o reconhecimento da relação entre o método de Paulo Freire e o papel do docente. Ele amplia a dinâmica e os
procedimentos de seu método para compreensão da ação docente, e apesar de o foco ser sobre ensinar, o sentido é de gerar as
provocações necessárias para despertar, concentrando-se em especial no educando e nas suas necessidades.
MÓDULO 3
 Identificar características das proposições pedagógicas de Paulo Freire nas obras: Pedagogia da esperança: um reencontro
com a Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia
A VOZ DOS PROFESSORES E A HERANÇA DE PAULO FREIRE
PEDAGOGIAS FREIREANAS
As duas últimas obras autorais de Paulo Freire publicadas em vida foram Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do
oprimido, publicada em 1992, e Pedagogia da autonomia, em 1996. O próprio Freire define o primeiro como um livro escrito com raiva, com
amor, sem o que não há esperança. Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a conivência, da radicalidade; uma crítica ao
sectarismo, uma compreensão da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora, neoliberal (FREIRE, 1992).
Freire apresenta o livro Pedagogia da esperança em momentos em que, primeiramente, traz elementos de sua infância, mocidade e início da
maturidade, analisando-os em sua influência sobre a Pedagogia do oprimido, com a qual se reencontra na obra, sobretudo no segundo
momento. O terceiro e último momento é dedicado a uma espécie de reviver momentos de sua vida por meio de reflexões envolvendo a
Pedagogia do oprimido, não saudosamente como lembrança de algo que já foi, mas entendida como algo que está sendo.
A Pedagogia da autonomia, por sua vez, é apresentada pelo autor como uma obra cuja temática central é “a questão da formação docente ao
lado da reflexão sobre a prática educativo-progressiva em favor da autonomia do ser dos educandos”, entendendo, ainda, que “embora
diferentes entre si, quem forma se forma e re-forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado” (FREIRE, 1996).
É, de certa maneira, um livro que revisita a obra anterior de Freire, uma vez que se dedica a tratar da profissão docente, a partir de suas
ideias amplamente difundidas. O grande interesse causado pelo livro reside no fato de apresentar de modo acessível e simplificado algumas
noções fundamentais do pensamento freireano.
O falecimento do educador no ano seguinte tornou esse um livro emblemático, que tem sido amplamente usado em cursos de graduação e
pós-graduação. Trata-se, ainda, de uma obra de fácil consulta, o que a potencializa como uma espécie de “livro de cabeceira” daqueles que
estudam o pensamento de Paulo Freire.
Ele é composto de três capítulos:
1
Não há docência sem discência
2
Ensinar não é transferir conhecimento
3
Ensinar é uma especificidade humana
O livro traz em todas as suas seções a expressão “ensinar exige”, deixando claro por essa via que o que ele pretende é mostrar sua
compreensão a respeito das exigências colocadas ao exercício da profissão docente.
PEDAGOGIA DA ESPERANÇA
Pedagogia da esperança: umreencontro com a Pedagogia do oprimido é um livro de Paulo Freire com notas de Ana Maria Araújo Freire. É
uma obra constituída de quatro momentos, em um contexto relacionado a experiências, à formação e à inspiração das ideias do autor para a
construção de suas propostas de entendimento das questões envolvendo a educação.
A esperança é, nas palavras do próprio Paulo Freire, um elo entre os sonhos e a realidade. E é sobre essa base que ele assume, nesse
primeiro instante do livro, um compromisso de provar a necessidade de a esperança ter seu espaço na educação. A partir das relações
históricas, econômicas e sociais, é perceptível a real importância que a educação tem no seio de uma sociedade repleta de lutas e conflitos.
É nesse primeiro momento da obra que Paulo Freire alerta para os riscos do voluntarismo e do objetivismo mecanicista.
O primeiro é percebido como uma espécie de “idealismo brigão”, enquanto o segundo nega o papel da subjetividade no processo histórico.
Em ambos os casos, a luta pela transformação social se fragiliza e o papel da educação nela também, visto que, contrariamente ao que
pensam os voluntaristas, a educação não pode tudo, mas complementarmente, também não é completamente impotente, como creem os
objetivistas mecanicistas.
E, nessa esteira, Paulo Freire (1992) se diz “convencido da importância, da urgência da democratização da escola pública, da formação
permanente de seus educadores e de suas educadoras”. Incluindo nessa fala os profissionais não docentes das escolas, ele mostra sua face
de gestor, uma vez que o livro foi publicado logo após deixar a Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
Numa segunda tomada, o autor remonta às experiências vividas da infância à adolescência até o início de sua carreira no Serviço Social da
Indústria (SESI), onde relata que foi nessa etapa de sua vida que a Pedagogia do oprimido começou a aflorar. A partir de angústias e
saudades, Paulo Freire compreende que é preciso disciplinar as dores e os sentimentos para que a desesperança não impere sobre a vida
humana.
E é por essas e outras que ele define que ser professor é mais do que ser simplesmente um professor: ele é um alfabetizador e, acima de
tudo, um educador. Partindo do princípio de que o educando traz consigo “o saber de experiência feito”, que, segundo o autor, é um
conhecimento já adquirido da pessoa, ele defende que é fundamental que o educador estabeleça uma troca entre essas experiências. Mas
que não seja uma estagnação nessa primeira etapa, e sim que, por meio dessa abordagem, a discussão cresça através de uma elaboração
de conhecimento conjunto.
SE NÃO É POSSÍVEL DEFENDER UMA PRÁTICA EDUCATIVA QUE SE CONTENTE
EM GIRAR EM TORNO DO ‘SENSO COMUM’, TAMBÉM NÃO É POSSÍVEL ACEITAR
A PRÁTICA EDUCATIVA QUE, ZERANDO O ‘SABER DE EXPERIÊNCIA FEITO,
PARTA DO CONHECIMENTO SISTEMÁTICO DO(A) EDUCADOR(A) (...) ISSO
SIGNIFICA, EM ÚLTIMA ANÁLISE, QUE NÃO É POSSÍVEL AO (À) EDUCADOR(A)
DESCONHECER, SUBESTIMAR OU NEGAR OS ‘SABERES DE EXPERIÊNCIA
FEITOS’ COM QUE OS EDUCANDOS CHEGAM À ESCOLA.
(FREIRE, 1992)
Essa reafirmação e radicalização da necessidade do diálogo entre saberes na educação, reconhecendo a validade dos “saberes de
experiência feitos”, é uma das permanências – ao mesmo tempo que é um avanço – de ideias de uma obra à outra, e nos remete à afirmação
“ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo; os homens educam-se entre si, mediatizados pelo mundo”. Para Freire, isso coloca
aos educadores progressistas a exigência ética de que, “coerentes com seu sonho democrático, respeitem os educandos e jamais, por isso
mesmo, os manipulem” (FREIRE, 1992).
O que se percebe, nas semelhanças e renovações que a Pedagogia da esperança possui como “reencontro” com a Pedagogia do oprimido,
é que muitos de seus temas são basicamente os mesmos: a alfabetização para vida, a luta de classes, a educação crítica e para a
consciência crítica, a importância da leitura de mundo nos processos de aprendizagem da leitura da palavra e da linguagem no processo de
mudança.
Embora a esperança, motivo dessa obra, seja a mesma que o autor possuía ao escrever a Pedagogia do oprimido, ela se formula de modo
mais maduro e completo nesse livro, que também traz temas não abordados anteriormente, como a descolonização da África, que ocorreu ao
longo da década de 1970 – notadamente, o racismo, a multiculturalidade, entre outros.
Nesse reencontro com a Pedagogia do oprimido, Paulo Freire acata algumas das críticas recebidas, como o caráter machista da obra – que
fala sempre em homens, e nunca na humanidade ou nas mulheres – e radicaliza ideias, como vimos aqui. Mas se insurge contra críticas que
considera equivocadas, defendendo sua obra e esclarecendo algumas dessas “más leituras” do texto, notadamente aquelas que alegam que
o escrito é elitista. Entende que esses críticos têm uma concepção distorcida do que seja a conscientização, e ingênua em relação à prática
educativa, que não é e não pode ser neutra, como pensam, sendo sempre política.
E é assim que, sempre atento à necessidade da ação educadora política progressista, ele segue defendendo que a compreensão crítica da
realidade não basta para transformá-la, do mesmo modo que a educação sozinha não transforma o mundo, embora seja condição necessária
para isso. A favor da radicalidade da política, mas nunca do sectarismo, Paulo Freire defende nessa obra a tolerância e a união de forças
progressistas para a luta pela democracia – tema bastante atual no Brasil.
CREIO, MAIS DO QUE CREIO, ESTOU CONVENCIDO DE QUE NUNCA
NECESSITAMOS TANTO DE POSIÇÕES RADICAIS, NO SENTIDO EM QUE
ENTENDO RADICALIDADE NA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO, QUANTO HOJE. PARA
SUPERARMOS, DE UM LADO, OS SECTARISMOS FUNDADOS NAS VERDADES
UNIVERSAIS E ÚNICAS; DO OUTRO, AS ACOMODAÇÕES “PRAGMÁTICAS” AOS
FATOS, COMO SE ELES TIVESSEM VIRADO IMUTÁVEIS, TÃO AO GOSTO DE
POSIÇÕES MODERNAS, OS PRIMEIROS, E MODERNISTAS, AS SEGUNDAS,
TEMOS DE SER PÓS-MODERNAMENTE RADICAIS E UTÓPICOS.
PROGRESSISTAS.
(FREIRE, 1992)
Paulo Freire destaca, ainda, que a história não é movida só pela luta de classes, afirmando que o que dá subsídio a essas lutas é a
esperança de um futuro de igualdade plena. Sem sonhos não há futuro diferente; não havendo futuro novo, a educação torna-se um
adestramento. Freire é claro quando expõe que a esperança e a educação são interlocutoras para as ações e atitudes da sociedade,
principalmente para os oprimidos, que são reprimidos.
Finalizamos este tópico lembrando da atualidade de seus estudos para a reflexão sobre a democratização da escola e de seus conteúdos
como elemento central na possibilidade de contribuição da escola à transformação social, bem como sua luta contra práticas espontaneístas
que negam a importância dos conteúdos escolares, mais uma vez se colocando em posição de não aceitação do pragmatismo objetivista
nem do espontaneísmo/voluntarismo subjetivista. O autor ataca, ainda, o dogmatismo da esquerda e o vanguardismo que, para ele, não são
capazes de combater a alienação, ainda bastante intensa no mundo atual, mais de vinte anos após sua morte.
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA
Nessa obra, Paulo Freire (1996) deixa claro que, para ele, “ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar possibilidades para a sua
produção ou a sua construção”, e busca definir os saberes necessários à prática docente, problematizados ao longo do livro, ancorando-os
na convicção de que a educação é um processo humanizante, político, ético, estético, histórico, social e cultural. Por meio da formulação das
27 exigências elencadas ao longo dos três capítulos da obra, ele expressa essa convicção.
 RESUMINDO
Paulo Freire defende que:
O(a) educador(a) necessita assumir seu papel de um ser pensante e atuante, buscando envolver-se com sua prática e formando-se
permanentemente para ela.
Ele(a) precisa deixar fluir sua curiosidade, que duvida e faz da sua fala um aprendizado de escuta.
O(a) professor(a) precisa exercitar sua humildade, e que, emborase reconheça condicionado por circunstâncias sociais, econômicas e
culturais, o professor está inserido na sociedade, e por isso mesmo não pode ser incapaz de gestar transformações sociais.
Ainda como exigências da docência, estão a competência própria de alguém que estuda, se prepara e tem o domínio do conteúdo que
ensina, e a generosidade consigo próprio(a), para que o possa ser com o educando.
Imagem: Kaspars Grinvalds/rangizzz/Shutterstock.com
Há, ao longo dos três capítulos do livro, outras muitas exigências, todas relacionadas à ética da educação que considera a “natureza ética da
prática educativa como prática especificamente humana” (FREIRE, 1996). Assim, Freire defende ao longo da obra que “a ética do ensinar
não é decisão heterônoma, pelo contrário, a dignidade humana é um valor ético construído coletivamente por sujeitos autônomos” (PAULY,
2008).
E é tanto dessa autonomia quanto dessa consciência ética que decorre aquilo que “ensinar exige”. A condição para essa atuação no ato de
ensinar é possuir uma concepção emancipatória de educação, uma vez que só há autonomia quando há sujeitos emancipados em ação.
Nesse sentido, é fundamental perceber a dinâmica relacionada a uma educação para direitos humanos, valorizando o sujeito e sua
emancipação como um direito.
Antes mesmo das exigências, em cada um dos três capítulos, Freire traz elementos importantes das reflexões que desenvolve. No início do
capítulo 1, dedicado à discussão do tema “Não há docência sem discência”, o autor mostra, em meio à discussão sobre a “mão dupla” que
caracteriza a formação, que sua negação e não aceitação do ensino bancário, que volta a criticar, não impede a atividade aprendente do
discente.
(...) APESAR DELE [O ENSINO BANCÁRIO], O EDUCANDO A ELE SUBMETIDO
NÃO ESTÁ FADADO A FENECER; (...) O EDUCANDO PODE (...) POR CAUSA
MESMO DO PROCESSO DE APRENDER, DAR, COMO SE DIZ NA LINGUAGEM
POPULAR, A VOLTA POR CIMA E SUPERAR O AUTORITARISMO E O ERRO
EPISTEMOLÓGICO DO “BANCARISMO”.
(FREIRE, 1996)
O capítulo 2, dedicado ao debate em torno da ideia de que “Ensinar não é transferir conhecimento”, traz em seu caput a insistência nessa
afirmação como um saber indispensável à docência, que precisa não só ser aprendido por ele e pelos educandos, como também precisa ser
vivenciado, testemunhado. Defende, nesse sentido, que o discurso sobre a teoria, formulado e expresso por quem forma — aquele que
formula o discurso —, precisa também de um exemplo concreto dessa teoria.
PENSAR CERTO – E SABER QUE ENSINAR NÃO É TRANSFERIR CONHECIMENTO
É PENSAR CERTO – É UMA POSTURA EXIGENTE, DIFÍCIL, ÀS VEZES PENOSA,
QUE TEMOS DE ASSUMIR DIANTE DOS OUTROS E COM OS OUTROS, EM FACE
DO MUNDO E DOS FATOS, ANTE NÓS MESMOS.
(FREIRE, 1996)
Isso exige a vigilância constante sobre nós mesmos, atenção permanente às nossas dificuldades de fazê-lo. Cuidado para não ter raiva, para
não agir com base nela, e viver a humildade, o que ele considera cansativo, mas necessário, reconhecendo-a como “condição sine qua non
do pensar certo, que nos faz proclamar o nosso próprio equívoco, que nos faz reconhecer e anunciar a superação que sofremos” (FREIRE,
1996).
O último capítulo, “Ensinar é uma especificidade humana”, assume como qualidade essencial da docência democrática a necessidade de
“revelar em suas relações com a liberdade dos alunos a segurança em si mesma”, pois essa “segurança se expressa na firmeza com que
atua, com que decide, com que respeita as liberdades, com que discute suas próprias posições, com que aceita rever-se” (FREIRE, 1996).
Isto é, uma forma não autoritária de exercício da autoridade com sabedoria.
Podemos finalizar dizendo que a obra Pedagogia da autonomia, mesmo formulada em tom imperativo sob a forma de exigências para a
docência que a maioria de nós não está pronto para cumprir integralmente, é uma obra amorosa, como a maior parte das obras de Freire.
É UMA OBRA QUE CONVERSA COM O, FAZER-SABER DOCENTE, COM OS
PROCESSOS PERMANENTES DE SUA FORMAÇÃO E COM AQUILO QUE, DE
ALGUM MODO, BUSCAMOS SER E FAZER NAS NOSSAS PRÁTICAS.
É uma obra que busca, como foi sempre a tônica do trabalho freireano, dialogar com docentes formadores e em formação – somos todos um
pouco de cada –, buscando a efetivação de aprendizagens, reflexões e ações autonomizantes, emancipadoras, democráticas e solidárias. Ao
fim e ao cabo, é disso que trata a obra freireana.
ATIVIDADE
MAS, AFINAL, QUAL A TEMÁTICA CENTRAL DO LIVRO PEDAGOGIA DA
AUTONOMIA?
RESPOSTA
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O livro trata dos saberes necessários à prática educativa. Para Paulo Freire, a temática central desse livro é a
formação de professores, inserida numa reflexão sobre a prática educativo-progressista em favor da
AUTONOMIA dos alunos, uma vez que FORMAR é muito mais do que simplesmente EDUCAR. É pensando
criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática.
VERIFICANDO O APRENDIZADO
1. AO ANALISAR A EDUCAÇÃO, PAULO FREIRE PARTE DO SIGNIFICADO DE “SUJEITO” EXPRESSO
ATRAVÉS DE APORTES TEÓRICOS FILOSÓFICO-ANTROPOLÓGICOS, EPISTEMOLÓGICOS E ÉTICO-
POLÍTICOS. CONFIRA AS ALTERNATIVAS A SEGUIR.
I. É A “OUTREDADE” DO “NÃO EU”, OU DO TU, QUE ME FAZ ASSUMIR A RADICALIDADE DE MEU EU.
GOSTO DE SER GENTE PORQUE, INACABADO, SEI QUE SOU UM SER CONDICIONADO, MAS, CONSCIENTE
DO INACABAMENTO, SEI QUE POSSO IR MAIS ALÉM DELE. A CONSCIÊNCIA DO MUNDO E A CONSCIÊNCIA
DE SI INACABADO NECESSARIAMENTE INSCREVEM O SER CONSCIENTE DE SUA INCONCLUSÃO NUM
PERMANENTE MOVIMENTO DE BUSCA.
II. PARA MULHERES E HOMENS, ESTAR NO MUNDO NECESSARIAMENTE SIGNIFICA ESTAR COM O MUNDO
E COM OS OUTROS, SÓ EXISTEM NA OPOSIÇÃO ENTRE A CONDIÇÃO DE SER MULHER E A CONDIÇÃO DE
SER HOMEM.
III. A CURIOSIDADE COMO INQUIETAÇÃO INDAGADORA, COMO INCLINAÇÃO AO DESVELAMENTO DE
ALGO, COMO PERGUNTA VERBALIZADA OU NÃO, COMO PROCURA DE ESCLARECIMENTO, COMO SINAL
DE ATENÇÃO QUE SUGERE E ALERTA FAZ PARTE INTEGRANTE DO FENÔMENO VITAL.
IV. NÃO HAVERIA CRIATIVIDADE SEM A CURIOSIDADE QUE NOS MOVE E QUE NOS PÕE PACIENTEMENTE
IMPACIENTES DIANTE DO MUNDO QUE NÃO FIZEMOS, ACRESCENTANDO A ELE ALGO QUE FAZEMOS. A
CONSCIÊNCIA DO INACABAMENTO ENTRE NÓS, MULHERES E HOMENS, NOS FEZ SERES RESPONSÁVEIS.
AGORA, ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APRESENTA AS AFIRMAÇÕES CORRETAS SEGUNDO A
PEDAGOGIA DA AUTONOMIA FREIREANA:
A) Apenas as afirmações I e II.
B) Apenas as afirmações I, II e III.
C) Apenas as afirmações II, III e IV.
D) Apenas as afirmações I, III e IV.
E) Apenas as afirmações II e IV.
2. “SE A EDUCAÇÃO SOZINHA NÃO PODE TRANSFORMAR A SOCIEDADE, TAMPOUCO SEM ELA A
SOCIEDADE MUDA” (FREIRE, 2000). A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS É COMPREENDIDA COMO UM
PROCESSO SISTEMÁTICO E MULTIDIMENSIONAL QUE ORIENTA A FORMAÇÃO DO SUJEITO DE DIREITOS,
ARTICULANDO, SEGUNDO AS PEDAGOGIAS FREIREANAS, O/A:
I. FORTALECIMENTO DE PRÁTICAS INDIVIDUAIS E SOCIAIS QUE GEREM AÇÕES E INSTRUMENTOS EM
FAVOR DA PROMOÇÃO, DA PROTEÇÃO E DA DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS, BEM COMO DA
REPARAÇÃO DAS VIOLAÇÕES.
II. DESENVOLVIMENTO DE PROCESSOS METODOLÓGICOS DETERMINADOS POR ENTES FEDERATIVOS.
III. FORMAÇÃO DE UMA CONSCIÊNCIA CIDADÃ CAPAZ DE SE FAZER PRESENTE EM NÍVEIS COGNITIVO,
SOCIAL, ÉTICO E POLÍTICO.
IV. AFIRMAÇÃO DE VALORES, ATITUDES E PRÁTICAS SOCIAIS QUE EXPRESSEM A CULTURA UNIVERSAL
DOS POVOS E A REPRESENTAÇÃO DE UMA UNIDADE PELOS DIREITOS HUMANOS.
ESTÃO CORRETAS AS AFIRMATIVAS:
A) I e II.
B) I e III.
C) I e IV.
D) II e III.
E) III e IV.
GABARITO
1. Ao analisar a educação, Paulo Freire parte do significado de “sujeito” expresso através de aportes teóricos filosófico-
antropológicos, epistemológicos e ético-políticos. Confira as alternativas a seguir.
I. É a “outredade” do “não eu”, ou do tu, que me faz assumir a radicalidade de meu eu. Gosto de ser gente porque, inacabado, sei
que sou um ser condicionado, mas, consciente do inacabamento, sei que posso ir mais além dele. A consciência do mundo e a
consciência de si inacabado necessariamente inscrevem o ser consciente de sua inconclusão num permanente movimento

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