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Tática_Mente_A_História_Das_Copas_Explicada_Pelas_Cabeças_e_Pranchetas

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Sumário
Prefácio
Apresentação
Revolução!
A bola é total
Perder como em 1982 ou...
... Ganhar como em 1994?
O outro lado
O pai do 4-2-4
O nascimento do 4-2-4
Ideias demais, futebol de menos
A formiga e a cigarra
A volta dos pontas
A experiência da derrota
Os menottistas
Silêncio sobre o 3-5-2
Os Onze da Breslávia
O Milagre de Berna
Ganhar assim é melhor
O reino do toque de bola
A África existe
A bola laranja
Ferguson e a Copa do Mundo
Tiki-taka
O centro-médio
Os bilardistas
Socorro! Um líbero?!
O WM torto
O lado A... Azul
O nascimento do 4-4-2
Três zagueiros
Quadrado trágico
A maldição do bi
Referências bibliográficas
C
Prefácio
onheci o PVC nem sei quanto tempo atrás. Ele diz que me entrevistou
pela primeira vez no vestiário do estádio Olímpico, na véspera da
decisão da Copa do Brasil de 1995, aquela que perdemos para o
Corinthians.
Ele não deu boa sorte, então.
Mais tarde, quando fui para o Palmeiras, ele me perseguiu de novo.
Vamos dizer que, daquela vez, ele trouxe mais sorte. Mais do que no
Olímpico. Estava em toda a campanha da Libertadores de 1999, que
conquistamos contra o Deportivo Cali.
Também foi ao Japão.
Às vezes ele me enchia um pouco com aquela mania de desenhar as
jogadas do meu time. A prancheta, como ele diz.
Ficamos mais próximos. É um dos jornalistas desse meio que respeito.
Meu negócio sempre foi o futebol, mas nunca essa coisa de ler livros e
tal. Futebol pra mim é trabalhado, no campo. Já o PVC gosta da prancheta e
dos livros. E ele leu para escrever este Tática mente que está em suas mãos.
Leu um bocado!
Leu, por exemplo, para dizer que a nossa Seleção, que tive o prazer de
dirigir em 2002, é a única na história das Copas a ser campeã mundial
vencendo todos os sete jogos. O time do Zagallo em 1970 venceu seis. Mas
só a nossa Seleção ganhou sete vezes para levantar a taça.
Leu também para afirmar que posso ser o segundo técnico na história a
ganhar duas Copas do Mundo. Poxa vida. Tem o italiano, nos anos 1930. E
só!
Claro que este Tática mente tem muitas outras coisas, muitas histórias da
formação das grandes seleções, as vitoriosas e as que não ganharam
também. Por isso fiquei muito feliz com o convite para apresentar este
livro.
 
Espero que você goste.
Luiz Felipe Scolari
A
APRESENTAÇÃO
tática mente. Não explica totalmente a vitória de um time em um jogo
ou em uma Copa do Mundo. Normalmente, é responsável por uma
parcela da vitória. Há quem diga que quem superestima a parte tática
subestima o acaso. Não é assim. Veja o último gol, marcado por Carlos
Alberto, na vitória por 4 X 1 contra a Itália, na final da Copa de 1970.
Tostão estava lá atrás, desarmando, o que significa que o time trabalhou
para todos participarem das ações defensivas. É parte do desenho do time.
Então, Tostão rouba a bola na lateral esquerda e recua-a para Clodoaldo,
que dá três passadas do pé sobre a bola. Perder o domínio seria um perigo.
Dali para Rivellino e o lançamento para Jairzinho na ponta esquerda.
A Itália marcava homem a homem e isso mantinha o lateral esquerdo,
Facchetti, deslocado para acompanhar Jair do lado oposto do campo,
deixando espaço para Carlos Alberto finalizar.
Pelé recebe de Jairzinho e rola a bola macia. E ela, caprichosa, bate num
morrinho e sobe um centímetro, o suficiente para Carlos Alberto acertar
uma bomba.
O desenho da jogada foi fundamental. Mas e a bola ter resvalado num
morrinho?
É o acaso. E como analisá-lo? Impossível!
Ninguém desconsidera essas possibilidades. Times históricos foram
formados por pensar nas características dos jogadores, nos estilos de cada
época e também no acaso.
Eu sempre colecionei camisas de futebol. Um dia, além delas, comecei a
aproveitar as viagens profissionais para comprar livros da área, que estão
repletos de casos assim. Colecionei também histórias que explicam as
montagens das seleções nacionais. Como a Brauslen Elf, a Seleção Alemã
dos anos 1930, formada quando Hitler mandou encostar o técnico Otto
Nerz, porque a partida a que foi assistir, pelo torneio olímpico de futebol
das Olimpíadas de 1936, terminou com uma derrota alemã para os
noruegueses.
E justamente dois dias depois de o norte-americano Jesse Owens ganhar
a prova dos cem metros no estádio Olímpico de Berlim. Foi por isso que
Sepp Herberger assumiu a Seleção Alemã e iniciou a equipe campeã
mundial 16 anos depois.
Este livro tem tudo junto. O acaso, a tática, as histórias. Tem um pouco
do que você talvez tenha aprendido a ler às segundas-feiras – e antes às
quintas – na coluna chamada “Prancheta do PVC”, criada no diário Lance!,
já publicada nos jornais O Estado de S. Paulo e Folha de S.Paulo.
O critério, às vezes, é nenhum critério. Ou escolher histórias curiosas,
inusitadas e desconhecidas. Ou discutir se os sistemas mais conhecidos
nasceram onde você pensa que nasceram – como o 3-5-2, usado pela Itália
timidamente na vitória sobre o Brasil em 1982.
A ideia é ter uma história para contar. Uma história apurada, com uma
pauta que saia da cabeça e contenha uma visão tática sobre o jogo de
futebol.
Tática mente.
Mas nem sempre.
Tática e mente!
As duas coisas juntas, a cabeça e o campo, contam bastante da história
das Copas.
E é isso o que este livro procura mostrar.
Divirta-se!
Paulo Vinicius Coelho (PVC)
D
Revolução!
A dramática epopeia do tricampeonato
Brasil na Copa de 1970
e tudo o que se escreveu sobre a campanha do terceiro título brasileiro,
só o texto escrito por João Máximo e publicado na edição 833 da
revista Placar, em 12 de maio de 1986, contém este adjetivo:
“dramática!”.
Mas como pode ter sido dramática, se o Brasil venceu todas as seis
partidas que disputou e no final ergueu a taça Jules Rimet? Mas como, se a
seleção de Zagallo, Pelé e Jairzinho foi eleita em enquete da revista inglesa
World Soccer a melhor de todas as Copas do Mundo?
“Topo!”
As quatro letras poderiam servir para explicar o significado de quem
aceita explicar o inexplicável. Mas são as quatro letras com que João
Máximo começa a descrever a campanha do tri, no México.
“Topo!” foi como João Saldanha aceitou assumir a Seleção Brasileira
depois do fracasso no Mundial da Inglaterra. O supervisor da Seleção,
Antônio do Passo, fez-lhe o convite. Saldanha respondeu ao seu estilo:
“Topo!”
Saldanha estava afastado do futebol havia dez anos, desde 1960, quando
foi dispensado do cargo de técnico do Botafogo. Voltou à função de
conselheiro e no ano seguinte assumiria um cargo de comentarista esportivo
na Rádio Guanabara.
Muita gente pensa que João Saldanha foi um jornalista que se
transformou em técnico. Não aconteceu assim. Saldanha era dirigente do
Botafogo numa excursão pelo Brasil em 1957. O técnico Geninho,
empossado no lugar de Zezé Moreira para um período de experiência meses
antes, julgou que poderia pedir muito e renovar contrato. Faltavam dois
meses para o início do Campeonato Carioca, dias para a excursão começar,
e o presidente Paulo Azeredo respondeu a Geninho, o ídolo da torcida,
campeão carioca de 1948: “Não!”.
Saldanha saltou de diretor para técnico num piscar de olhos e apenas três
contos de réis por mês.
Pretendia permanecer apenas durante o Campeonato Carioca de 1957,
mas uma incrível goleada por 6 X 2 sobre o Fluminense, com cinco gols de
Paulinho Valentim, rendeu-lhe o título estadual e o convite para
permanecer. Ficou até 1960.
Quando deixou o time, sua mulher na época, Ruth, conseguiu com o
irmão jornalista Ruy Viotti um emprego na Rádio Guanabara. De
comentarista ao reinício como treinador, dez anos mais tarde, não seria
fácil. Os amigos lhe abriram os braços e os inimigos torceram o nariz.
Saldanha nunca foi unânime e não apenas por ser comunista. Também
por seu estilo e pelas suas convicções como treinador, algumas
ultrapassadas para o início da década de 1970.
Segundo João Havelange:
"João Saldanha foi um grande jornalista e um excelente analista de futebol, mas não tinha
as mesmas excepcionais qualidades como técnico, e isso foi comprovado durante a
preparação da Seleção com vistas à Copa do Mundo de 1970."
Que Havelangetenha tido interesses escusos na demissão é de se
considerar. Mas e se Saldanha tivesse permanecido? A Seleção ganhou
todas as seis partidas das eliminatórias da Copa do Mundo, marcou 23 gols
e sofreu dois. Então, perdeu um amistoso contra o Atlético Mineiro. E
outro, em março de 1970, contra a Argentina, em Buenos Aires.
E caiu depois de um empate num jogo-treino contra o Bangu. Esqueça as
questões políticas, seu relacionamento diferente com comunistas e
militares. Pelos resultados, pela lógica do século XXI, não se pode dizer
que a demissão foi justa. Não foi!
Zagallo assumiu a Seleção.
“Observamos a maneira como a equipe estava jogando e percebemos que
naquele 4-2-4 não dava”, disse Zagallo ao programa Bola da vez, da ESPN
Brasil, em setembro de 1998.
Também é injusto dizer que Zagallo não fez nada para montar a equipe
tricampeã mundial. Fez.
Transformou Piazza em quarto-zagueiro para fixar Clodoaldo como
volante; escalou Everaldo no lugar de Marco Antônio, um mérito mesmo
considerando os conselhos dos jogadores mais veteranos – saber ouvir é
para poucos; deu a camisa 11 a Rivellino e montou um 4-3-3.
Acima de tudo, convenceu todos os jogadores a voltarem para marcar,
exceção feita a Tostão, o centroavante que não precisava voltar ao campo de
defesa.
Também fez sua equipe jogar no contra-ataque. Não era um time que
atraía o adversário apenas para contra-atacar. Mas dos 19 gols da Seleção de
1970, 15 nasceram de bolas rápidas saindo da defesa para o ataque.
Todos marcavam e quase todos atacavam. O volante Clodoaldo, autor do
primeiro gol contra o Uruguai, invertia com Gérson em situações especiais.
Carlos Alberto, o lateral-direito, autor do gol da taça, nos 4 X 1 sobre a
Itália, via a bola correr por todo o campo, finalizava e sempre aparecia no
ataque.
Pelé disputou a melhor de suas quatro Copas do Mundo, infinitamente
melhor do que a de 1958, melhor até do que na de quatro anos antes. Seu
mérito: correr o campo inteiro.
Se o torcedor comparar com a Holanda de quatro anos mais tarde, verá
com certeza absoluta: o Brasil de Zagallo teve responsabilidade sobre o
estilo da Laranja Mecânica.
 
Sistema: 4-3-3
Técnico: Mário Jorge Lobo Zagallo
O
A bola é total
Holanda na Copa de 1974
trabalho de dois técnicos marca a história da Holanda: Jack Reynolds,
que atuou na década de 1940, e Vic Buckingham, nos anos 1960.
Não se pode dizer que Reynolds tenha sido um pioneiro do Futebol
Total. Mas foi um dos primeiros a incentivar a posse de bola como
princípio para o controle da partida. Reynolds passou 32 anos de sua vida,
entre 1915 e 1947, ensinando aos holandeses como se movimentar em
campo e preservar a bola.
Já o técnico inglês Vic Buckingham fez mais do que lançar Johan Cruyff
aos 17 anos na equipe principal do Ajax, em 1964. Em sua primeira
passagem pelo clube de Amsterdã, Buckingham ajudou os holandeses a
conhecerem uma palavrinha com a qual se identificariam no futebol:
“tática”.
Apesar das inovações de Reynolds e Buckingham, a Holanda insistia em
jogar no velho e surrado 2-3-5, aposentado em vários países desde os anos
1930.
Buckingham chegou a Amsterdã em 1959, um ano depois de o Brasil ter
conquistado o planeta com o sistema 4-2-4. Mas ainda mantinha o seu velho
esquema e, ainda assim, o Ajax conquistou o campeonato de 1960, com 3,2
gols por partida, em média – não se pode dizer que se praticava futebol de
alto nível em território holandês naquela época.
Antes, sob o mesmo conceito, Jack Reynolds usava frases que seriam
mais tarde atribuídas a Carlos Alberto Parreira, nos anos 1990, ou a Pep
Guardiola, nos 2010: “Se você tem a bola, eles não podem fazer gols”.
O britânico Buckingham, mais jovem, era um sujeito fechado,
fleumático, sisudo. Seus times, não. Prezavam o toque de bola, muito mais
do que o histórico estilo kick and rush – de lançamentos longos para correr
atrás da bola, praticado na Inglaterra. Ele deixou o Ajax em 1961, passou
duas temporadas no Sheffield Wednesday e retornou para mais um ano.
Passou mais metade de um turno jogando no arcaico WM e, com o Ajax
brigando para não ser rebaixado, foi demitido.
Rinus Michels abdicou de sua carreira de centroavante, em 1958, e foram
os times de Vic Buckingham que serviram de referência para ele quando se
assumiu como técnico do Ajax.
Michels mudou o sistema tático e o estilo do time. “Era o mais
disciplinador que já vi. Até do assistente técnico ele pegava no pé”, conta o
atacante Swart. Foi no 4-2-4, já um pouco ultrapassado depois da vitória da
Seleção Brasileira na Copa do Mundo do Chile inaugurando o 4-3-3, que o
Ajax estreou na Copa dos Campeões da temporada 1966/67. No ataque:
Swart, Cruyff, Keizer e Nuninga.
O Liverpool, campeão inglês duas vezes em três temporadas após o
retorno à primeira divisão em 1964, viajou com discurso arrogante para
Amsterdã, para a segunda fase da Copa dos Campeões. Falou mesmo em
trucidar o Ajax marcando pelo menos sete gols. O jogo teve seis. Cinco dos
holandeses. Em quarenta minutos, o Ajax vencia por 4 X 0. O jogo
terminou com 5 X 1.
A confirmação da classificação para a terceira fase com um empate na
Inglaterra por 2 X 2 deu aos holandeses um confronto contra o forte Dukla
Praga, da Tchecoslováquia. Não passaram de um empate por 1 X 1 em
Amsterdã e perderam a vaga com uma derrota por 2 X 1 fora de casa, gol
contra de Soetekouw a três minutos do apito final.
Michels percebeu nesse momento que já não fazia sentido jogar com
quatro atacantes. Nasceu então o 4-3-3 holandês.
Nos anos 1980, contava-se que o Futebol Total da Copa de 1974 teria
nascido de uma conversa de Cruyff e Michels à beira da piscina. Relaxados
debaixo do sol, os dois teriam percebido como o vento produzia ondas na
água, e cada ondinha percorria todo o espaço da piscina. Ideal seria repetir
esse movimento em campo. Michels tinha um conceito semelhante ao de
outros treinadores, como Vic Buckingham, de que os jogadores deveriam
saber executar todas as funções.
Depois da eliminação em Praga, o Ajax classificou-se para a decisão da
Copa dos Campeões contra o Milan, em 1969, não disputou o torneio
seguinte por não ter sido campeão nacional no ano anterior e completou a
última temporada de Michels no comando com o título europeu.
No ano seguinte, Stefan Kovacs assumiu o comando e manteve a
movimentação constante e o sistema 4-3-3. Rinus Michels transferiu-se
para o Barcelona em 1971 e levou Johan Cruyff para a Catalunha duas
temporadas mais tarde. Kovacs levou o Ajax ao tricampeonato europeu,
Michels e Cruyff juntos tiraram o Barça de uma fila de 14 anos sem taças.
Também ensinaram os espanhóis a jogar com posse de bola e
movimentação; fundamentos da escola holandesa.
Quando assumiu a seleção da Holanda, apenas três meses e três
amistosos antes da Copa do Mundo da Alemanha de 1974, bastava manter a
base do Ajax, trazer Cruyff, do Barcelona, e torcer para ter química.
Deu certo!
Um empate contra a Áustria por 1 X 1, uma goleada de 4 X 1 sobre a
Argentina e um empate em 0 X 0 com a Romênia.
Quando a Holanda estreou no Mundial trucidando o Uruguai, mas
vencendo por apenas 2 X 0, Kovacs já estava demitido, acusado de ser
bonzinho demais com os jogadores do Ajax. Michels era duro, sério, tático
e profissional. Kovacs nunca mais teve sucesso no futebol. Michels foi
campeão espanhol pelo Barcelona, voltou a vencer pelo Ajax e conquistou
o vice-campeonato mundial pela Holanda em 1974 e a Europa em 1988.
Do suposto encontro na piscina para discutir tática, Cruyff passou a ser
acusado de uma festa privada na piscina do hotel. Os jogadores teriam
levado prostitutas para o setor reservado à equipe e isso, durante anos,
serviu de acusação depois da derrota da Holanda para a Alemanha. Mais
fácil dizer que os alemães entenderam como os holandeses jogavam.
A Holanda sofreu pênalti antes de a Alemanha tocar a bola na final do
Mundial de Munique. “Queríamos brincar em cima dos alemães”,
confidencia o ponta Rep no livro Brillant orange [Laranja brilhante], de
David Wimmer. O time holandês perdeu a chance de marcaro segundo e
em pouco tempo Cruyff estava controlado pela marcação do lateral Berti
Vogts, escalado como zagueiro.
Em seguida, o ponta-esquerda da Alemanha, Hölzenbein, avançou e
sofreu pênalti de Jansen. A Alemanha empatou e seguiu marcando forte. A
Holanda estava paralisada. Não se movia, não era o Futebol Total, não era
nem sequer o 4-3-3 do princípio de Rinus Michels no Ajax. Neeskens
poderia ajudar, mas Bonhof o aniquilava na marcação.
E não apenas isso. Dois minutos antes do final do primeiro tempo,
Bonhof avançou pela direita e fez o cruzamento para Müller marcar.
Bonhof marcava e avançava.
Por um período de 45 minutos que valeu a vitória na Copa do Mundo,
isso foi Futebol Total para os alemães.
A Holanda ficou na história, nos livros e passou a figurar no mapa do
futebol mundial. Antes, os holandeses só haviam jogado Copas do Mundo
em 1934 e 1938. Ainda estavam crus para serem os vencedores.
 
Sistema: 4-3-3
Técnico: Rinus Michels
O
Perder como em 1982 ou...
Brasil na Copa de 1982
dilema perder como em 1982 ou ganhar como em 1994 tem variáveis
mundo afora. Os argentinos, por exemplo, perguntam se é melhor
jogar no ataque como Menotti, o técnico campeão mundial em 1978
ou, pragmaticamente, como com Carlos Bilardo, do título de 1986.
Mas o dilema 1982 ou 1994 no futebol brasileiro é falso. E o que
confirma isso é a contratação de Telê Santana para técnico da Seleção, em
fevereiro de 1980.
O Brasil vinha de duas Copas do Mundo péssimas. Nada como o fiasco
de 1966, na Inglaterra; campanhas com um futebol sem graça, insosso e
defensivo.
“Desculpe, seu Zagallo, mexe nesse time que tá muito fraco...”, cantava
Luiz Américo, em 1974.
Em 1978, o título moral comemorado por Cláudio Coutinho foi ironizado
no Brasil. Um ano e meio depois, num jogo de quartas de final do
Brasileirão, o Flamengo, dirigido por Coutinho – que acumulava o cargo na
Seleção – enfrentou o Palmeiras, treinado por Telê Santana.
O Flamengo tinha Zico, Adílio, Júnior, Cláudio Adão... mas não era visto
como um time espetacular naquele período. O Palmeiras tinha Beto Fuscão,
Pedrinho, Mococa, Jorginho e Jorge Mendonça. Sem estrelas, aniquilava
um adversário após o outro com goleadas incríveis. Em um mês, o
Palmeiras fez 5 X 1 no Santos, 4 X 0 na Portuguesa, 5 X 1 no Comercial e
no São Bento, antes de enfrentar o Fla, no Maracanã, em 9 de dezembro de
1979.
Quarenta dias antes, a Seleção havia sido eliminada da Copa América no
Maracanã com um empate por 2 X 2 com o Paraguai. O ódio a Coutinho
estava quente e mais acentuado entre os paulistas que alimentaram o duelo
Coutinho X Telê.
A goleada palmeirense por 4 X 1 definiu a contratação de Telê. Seria a
volta do futebol-arte contra o jogo baseado no preparo físico que se atribuía
a Coutinho.
Telê estreou em junho do mesmo ano de 1979 com vitória por 2 X 0
sobre o México e uma semana depois sofreu seu primeiro revés, derrota por
1 X 2 para a União Soviética no Maracanã. Houve críticas e perdão. A
Seleção iniciava um trabalho diferente. Chamava-se seleção permanente, ou
seja, o time se reuniria uma vez por mês, em média, como as principais
seleções da Europa. Diferente do período em que o time só se encontrava
antes de competições oficiais ou excursões, disputava meia dúzia de
partidas, dissolvia-se e voltava a se encontrar um ano depois. Pela lógica
anterior, era um time de momento. Numa seleção dita permanente, era
importante a continuidade.
A nova direção da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), do
presidente Giulite Coutinho, também fez a Seleção rodar o país. Vitória
sobre o Chile em Belo Horizonte, empate com a Polônia em São Paulo, 1 X
0 na Espanha em Salvador. Em um ano e meio, o time só perdeu uma vez
depois da União Soviética, para o Uruguai na final do Mundialito – torneio
comemorativo dos cinquenta anos da Copa do Mundo, disputado no
Uruguai em 1981. Invariavelmente, Telê jogava no ataque. O plantel era
elogiado pela maior parte dos críticos, embora João Saldanha fizesse
restrições a questões táticas e o personagem Zé da Galera, criado por Jô
Soares, “cornetasse” a ausência do ponta-direita: “Bota ponta, Telê!”.
A excursão foi um marco para vários titulares de Telê Santana. O Brasil
venceu pela primeira vez em Wembley por 1 X 0 contra a Inglaterra, com
gol de Zico. Ganhou da França no Parc des Princes, virou o jogo contra a
Alemanha com gols de Júnior e Toninho Cerezo – e dois pênaltis
defendidos por Valdir Peres contra Paul Breitner, invicto em cobranças até
então.
Aqui começa a discussão entre o time imaginário, perfeito, e os
problemas que levaram à derrota para a Itália na segunda fase. Paulo Isidoro
vestiu a camisa 7, antes de Tita, durante praticamente todos os amistosos
entre a estreia contra a mesma União Soviética, no Maracanã em 1980 e a
vitoriosa excursão à Europa, em maio de 1981.
O time que venceu ingleses e alemães tinha só duas mudanças em
comparação com a base montada inicialmente por Telê Santana. Leandro
ganharia, em outubro de 1981, a posição de Edevaldo, lateral de enorme
força física do Fluminense. Reinaldo perderia o lugar para Serginho
Chulapa.
O centroavante foi um problema até o fim da preparação. O ponta-direita,
não. Reinaldo não convencia Telê pelas questões de sua vida pessoal e pela
sequência de lesões. A Seleção testou Roberto, do Sport, César e Roberto
Dinamite, do Vasco, Serginho Chulapa, do São Paulo, Baltazar, do Grêmio.
No amistoso contra a Alemanha, no Maracanã, em março de 1982, escalou
Careca pela primeira vez. Convenceu-se de que esse era o nome ideal, mas
o centroavante do Guarani sofreu uma lesão na fase final de preparação, em
Portugal. Serginho vestiu a camisa 9. Não combinava com o time técnico de
Zico, Sócrates, Toninho Cerezo, Falcão...
Falcão?
Pela primeira vez na história da Seleção, um jogador de clube estrangeiro
era convocado para uma Copa do Mundo. Falcão estava na Roma desde
1980 e só se juntou ao time na temporada em Portugal. Dirceu, do Atlético
de Madrid, também se uniu ao grupo. O time era técnico, cadenciava o
jogo, tinha posse de bola, mas não ocupava todos os espaços. Paulo Isidoro
tinha de ocupar a ponta direita. Mas nem sempre o fazia.
Então, Telê tomou a pior decisão. Trocou Paulo Isidoro por Dirceu no
jogo de estreia contra os soviéticos. Não funcionou e o Brasil perdeu o
primeiro tempo por 1 X 0. No segundo, voltou com Paulo Isidoro, virou
com gols de Sócrates e Éder. Com o retorno de Toninho Cerezo, suspenso
no primeiro jogo, o quadrado de meio de campo mudou de novo. Ficou
mais técnico, mas também mais centralizado.
Faltava alguém pela direita.
O time rodava a bola, mas não tinha velocidade em alguns momentos.
Era lindo quando funcionava. Pouca gente percebia os defeitos. Mas eles
existiam e João Saldanha escrevia sobre eles.
Em três das quatro primeiras partidas da Copa, o Brasil sofreu gols – a
exceção foi contra a Nova Zelândia. Das quatro primeiras partidas, os
italianos empataram três e ganharam uma. Eram fortes e jogavam de um
modo diferente da maior parte das equipes do mundo.
Cabrini subia forte pela esquerda, no espaço vazio do lado direito de
Telê. Ninguém o acompanhava e ele marcava quem chegasse por ali. Com
cinco minutos, foi ao ataque livre e cruzou para Paolo Rossi marcar 1 X 0.
A Itália conhecia os erros brasileiros.
Oriali ficava pela direita marcando Éder, Gentile, o lateral-direito fechava
como volante para acompanhar Zico. Tardelli pegava Sócrates, Collovati
pegava Serginho, Bruno Conti esperava Falcão, Antognoni organizava, mas
também marcava Cerezo. Nenhum jogador brasileiro tinha liberdade para
armar uma jogada.
Naquele tempo, futebol já era marcação e a Itália mostrava isso. O Brasil
apresentava posse de bola, belos passes, lindos gols, mas pouca
competitividade. Não foi a melhor seleção que já tivemos, embora seja uma
das mais bonitas de se ver jogar.
Antes do início da Copa, um menino de 13 anos comprou a camisa da
Seleção vendida nas lojas da Caderneta de Poupança Continental. Tinha o
símbolo da Topper no braço esquerdo, um ramo decafé do patrocinador do
lado direito do peito e o escudo da CBF com a taça Jules Rimet no lado
esquerdo, com três estrelas acima. No dia em que o garoto comprou a
camisa, disse a seu pai: “Pena que depois da Copa haverá quatro estrelas”.
Sábio, seu pai o advertiu: “era preciso jogar antes de festejar”. No dia 5 de
julho, por volta de 12h30, o mesmo garoto foi ao banheiro e rezou pela
vitória brasileira. Ela não veio. O garoto aprendeu que o jogo se ganha com
trabalho, estudo e também talento. A Itália tinha tudo isso.
O garoto era eu.
 
Sistema: 4-2-2-2
Técnico: Telê Santana
C
... Ganhar como em 1994?
Brasil na Copa de 1994
arlos Alberto Parreira, impassível, mantinha o corpo ereto enquanto se
sentava numa cadeira desconfortável, num hotel da cidade de
Fullerton, nos arredores de Los Angeles, nos Estados Unidos. Já era a
reta final da Copa do Mundo, mas a fleuma de Parreira esteve intacta
durante os 45 dias anteriores. Respondia a cada pergunta com a mesma
elegância. Em Fullerton, eram mais amenas. No início da preparação, na
Universidade de Santa Clara, perto de São Francisco, a fúria dos
inquisidores era maior.
O futebol da Seleção era europeizado, questionavam. Parreira respondia
com cuidado. Argumentava que a defesa com quatro jogadores em linha, a
bola no chão, a troca de passes, tudo isso era tradição do futebol brasileiro.
A crítica justa poderia dizer que o Brasil de 1994 não era espetacular.
Não era mesmo. Mas europeu?
Incrível notar que vinte anos atrás, às vésperas da Copa do Mundo de
1994, a maior ressalva que se faz ao jogo brasileiro é não ser atualizado
com tudo o que se faz na Europa. O estilo da Seleção passou a ser pouco
europeu...
Naquela época, não era nada. Nadinha!
Parreira era o inverso de Telê. Mas nem tanto. Se a Seleção de 1982
trocava passes insistentemente, tinha posse de bola e sabia a hora certa de
se infiltrar na defesa rival, o Brasil de 1994 fazia o mesmo. A inspiração de
Parreira era Sepp Herberger, o lendário técnico campeão mundial pela
Alemanha em 1954. “Futebol é um jogo de imposição de estilos.” O Brasil
só queria impor seu estilo. Trocava passes quando possuía a bola, recuava
para marcar quando não a tinha.
Diferente do Barcelona dos anos 2010 e do Flamengo de 1981, faltava à
equipe apenas a marcação por pressão. Daí a impressão de o jogo ser chato.
Toca, toca, toca, toca... e não sai do lugar.
"Lembro-me de um jogo do Bragantino dirigido por Parreira contra o Fluminense, nas
Laranjeiras. Tínhamos de empatar e ele disse: ‘Agora você vai ver: vamos trocar passes e
eles não vão tocar na bola’. Aconteceu exatamente isso e Parreira ria sem parar. Divertia-
se."
Recorda Marco Aurélio Cunha, médico do Bragantino na campanha do
vice-campeonato brasileiro de 1991. A derrota daquele Bragantino veio só
na final contra o São Paulo, de Telê Santana.
Aquela Seleção foi formada com o intuito de ter a bola desde o primeiro
jogo, em outubro de 1991, contra a Iugoslávia, em Varginha (MG). Vitória
por 3 X 1 que teve Elivélton como destaque e apenas três titulares que
jogariam a final de três anos mais tarde: Márcio Santos, Mauro Silva e
Bebeto. O time tocava a bola e marcava.
Aquele time foi formado na adversidade, com o registro da primeira
derrota da história num jogo de eliminatórias. O Brasil perdeu por 2 X 0
para a Bolívia, em La Paz. Segurou o empate até os minutos finais, quando
Taffarel engoliu um peru. O goleiro treinava como zagueiro nessa época,
pois o Parma tinha quatro estrangeiros e só podia escalar três, pelas regras
do Campeonato Italiano da temporada 1992/93. O técnico Nevio Scala
preferia os jogadores de linha, o zagueiro Grun, os atacantes Brolin e
Asprilla. Na hora do jogo de competição, Taffarel não tinha ritmo, seus pés
falhavam, suas mãos estavam destreinadas. Deixou a bola passar entre as
pernas na altitude de La Paz. O alívio só veio contra o Uruguai, no
Maracanã, com atuação impecável de Romário, convocado depois da lesão
de Müller na partida contra a Venezuela, duas semanas antes.
Romário fora afastado do trabalho em dezembro de 1992, dez meses
antes de realizar uma das partidas mais espetaculares na passagem pela
Seleção. Rebelou-se por ser convocado como reserva num amistoso contra
a Alemanha, em Porto Alegre. Ficou no banco depois de ter dito não aceitar
tal decisão. Zagallo prometeu não convocá-lo mais.
Parreira convocou no aperto e Romário não desapontou nem nas
eliminatórias nem na Copa do Mundo. O primeiro gol da campanha nos
Estados Unidos foi dele. Escanteio cobrado por Bebeto no estádio Stanford,
em Palo Alto, próximo a São Francisco. Desvio com a ponta do pé direito
de Romário. O segundo foi de Raí, de pênalti.
Raí era um capítulo à parte. Em junho de 1991, declarou à revista Placar
que tinha tomado a decisão no início daquele ano de se transformar no
maior jogador em atividade no Brasil. Foi artilheiro do São Paulo campeão
brasileiro em 1991, goleador do Campeonato Paulista daquele ano e
terminou a temporada com o prestígio que antes parecia destinado a Neto,
do Corinthians. Seria Raí, e não Neto, a referência da equipe de Parreira.
E assim foi. No meio de 1992, vitória sobre a França no Parc des Princes,
com gol de Raí. Mas quando a Copa se aproximou, Raí já tinha se
transferido do São Paulo para o Paris Saint-Germain (PSG), depois de se
sagrar campeão mundial em 1992 pelo Tricolor. Seu futebol já não brilhava
tanto quanto antes no PSG, apesar de ter ajudado a equipe a ser campeã
francesa depois de oito anos.
Na Seleção não era assim. O Brasil da posse de bola e dos recuos
estrategicamente pensados, o Brasil criticado por seu jogo chato era
também brilhante quando a bola caía nos pés de Romário e Bebeto. Contra
os Estados Unidos nas oitavas de final, Romário pegou a bola na
intermediária e levou toda a defesa americana. Não foi egoísta. Rolou de
leve e deixou Bebeto frente a frente com o goleiro Meola. O tiro certeiro
encostou caprichosamente na trave direita e entrou. Gol do Brasil! Bebeto
correu em direção a Romário, com o dedo indicador apontando para o
craque do time e soltou a frase traduzida a olho nu pelos jornalistas
brasileiros, antes do tempo da leitura labial: “Eu te amo, Romário!”.
Raí não era mais titular.
Foi nesse jogo, em São Francisco, que Müller saiu reclamando com
Carlos Alberto Parreira, flagrado pelas câmeras das emissoras de televisão
do Brasil. A vitória seguinte, sobre a Holanda, foi construída com a falta
sofrida e cobrada por Branco, cometida por Overmars. Os dias anteriores à
partida foram de perguntas sobre Branco. Ele voltava a ser titular naquela
partida, pois Leonardo foi expulso contra os Estados Unidos. Teria de
marcar Overmars, o ponta-direita da Holanda.
Não era bem assim. Overmars era ala, no sistema 3-5-2 do técnico Dick
Advocaat. Ponta no Ajax, teria também de marcar Branco. Não conseguiu.
Em Dallas, Brasil 3 X 2 Holanda. Minutos depois do jogo, Zagallo deu seu
depoimento mais marcante: “Só faltam dois! Só faltam dois! Só faltam dois
jogos! E nós vamos ser tetra!”.
Semifinal em Pasadena, estádio Rose Bowl, perto de Los Angeles.
Paciência era indispensável contra a Suécia, adversário contra o qual o
Brasil já havia empatado em Detroit, na primeira fase. Toca, toca, tiki-taka,
e nada do gol sair. Até os 39 do segundo tempo, quando Jorginho cruzou na
medida e Romário deslocou de cabeça. A fotografia de Nelson Coelho, da
Placar, mostra o zagueiro Björklund caído, enquanto Romário abre os
braços e agradece os aplausos, como se fosse um maestro terminando o
espetáculo.
Faltava só a Itália na decisão e no primeiro encontro entre duas das
melhores escolas do futebol mundial depois da vitória da Azzurra no Sarriá,
em 1982.
Tudo diferente da Copa da Espanha. O Brasil controlou a partida por
mais tempo, teve a chance mais clara de gol e Romário desperdiçou
embaixo da trave. Foi ameaçado numa bola de Massaro, bem defendida por
Taffarel.
O calor de Los Angeles para uma partida iniciada ao meio-dia ajudou a
tornar o jogo modorrento, arrastando-se para a prorrogação e na sequênciapara os pênaltis.
Baresi iniciou a sequência chutando por cima. Márcio Santos bateu mal.
Albertini, Romário, Evani e Branco converteram. Massaro cobrou para
defesa de Taffarel. Dunga marcou e Roberto Baggio chutou por cima.
De todo o time de 1994, Dunga sempre foi o mais crítico em relação ao
culto ao time de 1982. Foi dele o gol do título, do último pênalti convertido.
O placar final da disputa depois do tempo normal, da prorrogação e da
disputa por pênaltis? Brasil 3 X 2 Itália!
 
 
Sistema: 4-4-2
Técnico: Carlos Alberto Parreira
A
O outro lado
Itália na Copa de 1994
Europa inteira começou a jogar com o líbero atrás dos zagueiros a
partir do sucesso do Milan do técnico Nereo Rocco, campeão da Copa
dos Campeões em 1963. E começou a abandonar o líbero depois de ver
o Milan de Arrigo Sacchi ser bicampeão europeu nas temporadas
1988/89, 1989/90.
No final dos anos 1980, era comum ouvir repórteres e comentaristas
brasileiros referindo-se a Franco Baresi como o melhor líbero do planeta.
Na Seleção Italiana de 1990, dirigida por Azeglio Vicini e escalada num 3-
5-2, Baresi era líbero. No Milan, não.
Desde o retorno do treinador Nils Liedholm, campeão como jogador em
1951, 1955, 1957 e 1959 e como técnico em 1979, Baresi já atuava numa
linha de quatro beques. Não era líbero, porque o Milan não jogava assim.
Era quarto-zagueiro.
Arrigo Sacchi chegou em 1987, contratado pelo presidente Silvio
Berlusconi, um ano depois de o magnata das comunicações da Itália – mais
tarde primeiro-ministro – ter adquirido a maior parte das ações do clube.
Sacchi ficou famoso ao eliminar o Milan da Copa Itália na temporada
1986/87 como técnico do Parma e, por isso, foi chamado por Berlusconi. O
presidente queria cativar novos torcedores, figurar nas primeiras páginas
dos jornais e entendeu a melhor maneira de fazer tudo isso: jogar bonito;
contradizendo a tradição de marcação forte e individual do futebol italiano.
Com Sacchi, o Milan se tornou uma equipe revolucionária. Marcava por
zona, o que dava horror aos italianos. Jogava no ataque, um escândalo para
os conservadores. Usava linha de quatro jogadores na defesa. Mas,
principalmente, marcava por pressão e fazia linha de impedimento,
repetindo um pouco do que fez a Holanda na Copa de 1974. Além disso, no
final dos anos 1980, a preparação física já era muito mais apropriada. Dizia-
se que os jogadores percorriam 12 quilômetros por partida, cinco a mais do
que a média dos que jogavam no início dos anos 1970.
Mas o que o Milan espetacular, bicampeão europeu em 1989 e 1990, tem
a ver com a Copa do Mundo de 1994? Tem Arrigo Sacchi.
No final da temporada 1990/91, eliminado nas quartas de final da Liga
dos Campeões pelo Olympique de Marseille e desgastado por problemas
políticos com Silvio Berlusconi, Arrigo Sacchi pediu demissão do Milan,
cedendo o seu lugar para Fabio Capello e rumou para a Seleção Italiana.
O desgaste com Silvio Berlusconi começou antes até da conquista da
primeira Liga dos Campeões. O presidente queria aproveitar a terceira vaga
de estrangeiro para escalar o argentino Claudio Borghi. Berlusconi se
encantou com Borghi desde a final do Mundial de Clubes de 1985. Jogando
pelo Argentinos Juniors, Borghi destruiu a Juventus, mas foi derrotado nos
pênaltis.
Em 1988, Berlusconi queria o jogador. Sacchi preferia Frank Rijkaard –
já contava com Marco van Basten e Ruud Gullit. A história deu razão a
Sacchi e Rijkaard marcou o gol do bicampeonato europeu contra o Benfica.
A derrota tirou a razão de Berlusconi.
Sacchi seguiu para a Seleção Italiana, o que não era comum naquele
período. O técnico mais respeitado da Itália, e o mais caro, assumia a
Squadra Azzurra. E levava à Seleção o jeito de jogar do Milan. Moderno,
ousado, com linha de quatro homens na defesa, diminuição do espaço para
os adversários, marcação por pressão, linha de impedimento.
A Itália de Sacchi nunca foi tão forte quanto seu Milan. Mas viveu
momentos gloriosos durante a campanha da Copa do Mundo dos Estados
Unidos.
Estreia em Nova York diante da enorme comunidade italiana da cidade. E
com derrota, para festa da também gigante comunidade irlandesa nova-
iorquina. Irlanda 1 X 0 Itália.
Na segunda rodada, vitória insossa por 1 X 0 sobre a Noruega. O empate
por 1 X 1 contra o México deu a classificação, mas também o vexatório
terceiro lugar na chave, à frente apenas da Noruega, eliminada.
Bateu na trave também a classificação nas oitavas de final. O gol de
empate contra a Nigéria aconteceu apenas aos 44 minutos do segundo
tempo, marcado por Roberto Baggio. Aos 13 minutos do primeiro tempo da
prorrogação, Roberto Baggio marcou o segundo e iniciou seu show
particular.
Daí até a final da Copa, Baggio foi o craque. Ele era o jogador mais caro
do planeta, vendido pela Fiorentina à Juventus por 20 milhões de dólares.
Jogava à frente de uma linha de quatro homens de meio de campo, pouco
atrás de Massaro, o outro atacante. Na prática, Arrigo Sacchi não tinha um
centroavante, mas dois pontas de lança de movimentação constante. A
semifinal contra a Bulgária foi um espetáculo à parte de Roberto Baggio.
Em 25 minutos já tinha marcado dois gols, um em arrancada fulminante,
outro em tiro da meia-direita depois de receber passe preciso de Demetrio
Albertini. Saiu de campo machucado aos 26 minutos do segundo tempo,
substituído por Giuseppe Signori.
O 4-4-2 de Arrigo Sacchi não era tão perfeito quanto no Milan, mas tinha
um craque: Roberto Baggio. Aliás, dois. Franco Baresi operou o joelho
depois do segundo jogo contra a Noruega, recuperou-se em inacreditáveis
vinte dias e foi escalado para a decisão contra o Brasil. Foi o melhor em
campo disparado!!!
Os dois craques do time italiano, Baresi na defesa e Baggio no ataque,
perderam os pênaltis e decidiram a final da Copa a favor do Brasil.
Na entrevista coletiva, vinte minutos depois da decisão, Franco Baresi
vestia uma camiseta polo de cor salmão, levemente avermelhada. Seus
olhos marejados pelo choro combinavam com o tom da camiseta.
 
 
Sistema: 4-4-2
Técnico: Arrigo Sacchi
A
O pai do 4-2-4
Brasil na Copa de 1958/1962
história conta que o Brasil de 1958 e de 1962 tinham exatamente a
mesma formação. O time era quase o mesmo, com pequenas sutilezas
no posicionamento. Zagallo estava ainda mais habituado a fazer o
papel do meio-campista, voltando desde a ponta esquerda. O 4-3-3
estava mais sólido. Então, pode-se dizer que a formação do Chile foi a
continuação do que se fez na Suécia, quatro anos antes.
“Os brasileiros adoram dizer que são os pais do 4-2-4, mas a história não
é bem assim”, dizia o goleiro húngaro Grosics, titular da fantástica Seleção
Húngara vice-campeã mundial de 1954.
Atribui-se internacionalmente à seleção de Vicente Feola, no Mundial da
Suécia, a criação do 4-2-4. Ocorre que Feola foi assistente-técnico no São
Paulo campeão paulista de 1957, período em que trabalhou com o treinador
Béla Guttmann. Húngaro!
Guttmann foi um cigano, que deixou seu país em 1956 junto com uma
legião de craques descontentes com a dependência à União Soviética por
parte do governo de Budapeste. Na verdade, Guttmann deixou Budapeste
muito antes, mas retornou para se tornar o último técnico do histórico
Honved, time no qual jogou Ferenc Puskás, base da Seleção Húngara.
Antes, foi jogador e deixou seu país em 1921 para atuar na Áustria, por
causa da perseguição aos judeus na Hungria. Foi a primeira mudança de
endereço. Até o final da vida, atravessaria 23 fronteiras e viveria em 23
países diferentes, sempre trabalhando com futebol. Foi técnico do Milan, da
Itália, entre 1953 e 1955, dirigiu o Benfica, de Portugal, e foi campeão da
Copa dos Campeões da Europa em 1961 e 1962.
Fez uma escala no Brasil, antes de seu breve segundo retorno a
Budapeste. O primeiro aconteceu no final dos anos 1940, quando assumiu o
cargo de treinador do Kispest, clube que depois se chamaria Honved.
Chegou logo depois do final da Segunda Guerra Mundial para assumir o
lugar que era do pai e homônimo de Ferenc Puskás.
Isso mesmo, o pai do craque da Copado Mundo de 1954 era o técnico do
filho famoso no Kispest, no final dos anos 1940. Béla Guttmann assumiu o
posto depois da demissão do pai de Puskás e teve problemas com o filho,
tratado como príncipe enquanto o pai estava no comando.
Guttmann discutiu com Puskás, o filho, logo depois de uma derrota por 4
X 0 para o Gyor, sobre a permanência do zagueiro Pathy na partida.
Guttmann avisou ao beque que estava substituído no intervalo da partida.
Puskás informou-o que continuaria.
A briga entre Puskás e Guttmann só se resolveu depois do levante de
outubro de 1956, na Hungria. Em novembro, o Honved partiu para uma
excursão à Europa, passou pela Espanha para amistoso contra o Athletic
Bilbao e anunciou que não retornaria a Budapeste até o final da crise.
Em janeiro de 1957, a delegação chegou ao Brasil para continuar a
excursão. No comando técnico da equipe, Béla Guttmann, que havia feito
as pazes com Puskás depois do incidente com Páthy.
O Honved jogou no Rio de Janeiro contra o Botafogo, o Flamengo e
contra um combinado das duas equipes. Ao retornar à Europa Ocidental, a
delegação do time tinha um desfalque: o técnico Béla Guttmann ficou no
Brasil e foi contratado pelo São Paulo.
“Foi o grande treinador do clube”, dizia o historiador Agnelo Di Lorenzo.
Guttmann dirigiu o São Paulo por pouco menos de um ano, mas montou
uma equipe inesquecível. O Tricolor Paulista contratou Zizinho do Bangu e
este passou a vestir a camisa 10, a mesma de Puskás no Honved, mas com
papel diferente. Pela idade, jogava mais recuado. Em vez de ser o atacante,
dono da camisa 8 dos tempos da Copa do Mundo de 1950, Zizinho recuava
e lançava. Também se aproximava da área para finalizar, mas já sem a
potência do passado. Assim, Maurinho e Canhoteiro eram pontas
avançados. Gino, o centroavante, e Amauri formavam a dupla de atacantes.
Zizinho armava o time inteiro.
Foi o primeiro passo do 4-2-4 no Brasil, mesmo que se possa afirmar que
o Villa Nova já atuava dessa forma em 1951. Foi também a grande
novidade aprendida por Vicente Feola, que já havia sido treiandor da equipe
em que brilhava Leônidas da Silva, bicampeã entre 1948 e 1949. Nessa
época aprendeu a não desrespeitar um talento.
A eleição da Confederação Brasileira de Desportos (CBD) no início de
1958, com a vitória de João Havelange para presidente e do dirigente são-
paulino Paulo Machado de Carvalho na direção de futebol, serviu para levar
Feola à Seleção Brasileira, dessa vez, como chefe de uma comissão técnica
que teria várias vozes importantes e na qual palavra final seria a dele: o
assistente de Béla Guttmann.
A influência húngara no futebol brasileiro veio desde a adoção do WM,
introduzido aqui por Dori Krüschner – nascido na Hungria – técnico do
Flamengo em 1937. Guttmann ensinou os princípios teóricos do 4-2-4.
Não era como na Seleção Húngara de 1954, quando o recuo era feito pelo
centroavante que se tornava amador. Feola ouviu os psicólogos antes de
definir Garrincha na ponta-direita – e apenas no terceiro jogo, contra os
soviéticos. Didi retornava para armar o jogo.
O que decidiu a Copa do Mundo de 1958 foi o talento. Especialmente a
partir das entradas de Garrincha e Pelé, na terceira partida, contra a União
Soviética. Mas organizar os talentos foi mérito de Feola.
E do húngaro que nos ensinou o 4-2-4: Béla Guttmann.
 
Sistema: 4-2-4
Técnico: Vicente Feola
N
O nascimento do 4-2-4
Hungria na Copa de 1954
ándor Hidegkuti não era um centroavante comum. Verdade que vestia
a camisa 9, mas até esse detalhe perde um pouco a relevância com a
lembrança de que 1954 foi apenas a segunda Copa do Mundo com
números nas camisas. E a primeira com números fixos, entre 1 e 22.
Então, ser ou não o número 9 não significava necessariamente ser um
homem gol. Na Seleção Húngara de 1954 os artilheiros eram Kocsis, o
camisa 8, e Puskás, o 10. Nas Olimpíadas de Helsinque, em 1952, a
Hungria recebeu a medalha de ouro graças aos gols da dupla. Kocsis
marcou seis vezes, Puskás anotou outras quatro.
Hidegkuti era o operário da camisa 9. Dos cinco atacantes, era quem
mais recuava para formar uma dupla de armadores com o volante Bozsik.
Os pontas Budai e Czibor tinham a missão de abrir as defesas rivais; Kocsis
e Puskás entravam em diagonal.
É possível atribuir o sucesso da Hungria, o maior time do planeta no
início da década de 1950, ao trabalho tático e à novidade. Há quem diga que
o 4-2-4 nasceu no interior de Minas Gerais, com o técnico Martim
Francisco, no Villa Nova. É impossível determinar se não apareceu num
outro modesto clube do interior da Hungria, ou da Inglaterra. Sabe-se
apenas que os húngaros dominavam essa técnica.
O grande time surgiu a partir de 1951, época em que o Estado húngaro
dominava praticamente sobre todos os aspectos da vida social e cultural.
Gustav Sebes foi levado ao segundo comando do Ministério dos Esportes,
mas trabalhava mais ativamente do que o ministro Gyula Hegyi. Sebes
também dirigia o Comitê Olímpico e passou a ser o homem forte da
Seleção. Lia muito e era influenciado pelo trabalho de treinadores do
passado, como o italiano Vittorio Pozzo, bicampeão mundial pela Itália, e
Hugo Meisl, comandante do histórico time da Áustria, quarta colocada na
Copa do Mundo de 1934. Sebes era o mandachuva, mas abaixo dele estava
o técnico Gyulia Mandi.
Sua estratégia foi montar a equipe com amistosos nos meios de semana
no interior do país, onde a torcida era mais paciente e era possível escalar
jovens jogadores. Assim, foram entrando na equipe talentos como Kocsis,
Hidegkuti, Czibor – Puskás já fazia parte do time.
Hidegkuti era o meia. Até os zagueiros entenderem isso, muitas vezes já
tinham saído da área e liberado espaço para as investidas em diagonal de
Kocsis e Puskás.
A estratégia também foi inspirada em outros dos que influenciaram
Gustav Sebes. O treinador Márton Bukovi, do MTK dos anos 1940.
“Quando treinávamos no meio da semana, Bukovi mudava a posição de
todos os jogadores”, contou Hidegkuti.
Assim, o escrete húngaro somou 27 vitórias e quatro empates em 31
partidas entre 1950 e 1954. Diferente do que se escreveu na maior parte da
história, houve uma derrota no meio dessa sequência: 2 X 4 para a Suíça.
Tática mente.
A Hungria marcou dois gols contra todos os adversários nos primeiros
vinte minutos em todos os jogos da Copa do Mundo, exceto na semifinal
contra o Uruguai, quando fez 1 X 0 aos 12 minutos e 2 X 0 aos dois
minutos da segunda etapa. A conta inclui a derrota na final por 3 X 2 para a
Alemanha, acabando com mito do escrete húngaro e com o sonho da
conquista do Mundial.
Uma parcela significativa dos massacres húngaros não era respondida por
questões táticas, mas físicas. Os jogadores brasileiros se espantavam ao
entrar em campo e perceber a Hungria se aquecendo de maneira incessante.
Imaginavam que os húngaros já começariam o jogo cansados.
Bobagem. Entravam em campo aquecidos.
Enquanto nos primeiros dez minutos os rivais procuravam o tempo certo
de cada jogada, o ritmo correto para acompanhar seus adversários, os
húngaros estavam com os músculos prontos para estraçalhar.
E não era pouco!
Dos 27 gols da campanha, nove foram marcados nos primeiros vinte
minutos.
Hidegkuti tinha uma parcela de responsabilidade, por abrir espaços para
seus colegas que chegavam pelas meias.
Em Puskás, uma lenda do futebol, Puskás dizia:
"O desenvolvimento da estratégia do centroavante recuado – o sistema 4-2-4 com
Hidegkuti no papel central – era nossa obra-prima. Ele era um grande jogador e um
maravilhoso conhecedor do jogo. Era perfeito, postado no meio de campo, fazendo os
passes certos, tirando a defesa adversária de formação."
Mas a parte tática não é responsável por todo o sucesso do escrete
húngaro. A questão física respondeu muito pelo sucesso do grande
esquadrão vice-campeão mundial na Copa da Suíça.
 
Sistema: 4-2-4
Técnico: Gyula Mandi (Gustav Sebes)
Observação: este time sempre aparece escalado no WM. Aqui, a escalação está como era no 4-2-4.
E
Ideias demais, futebol de menos
Holanda na Copa de 1990
m janeirode 1986, os técnicos dos times holandeses debateram em um
congresso em Amsterdã o futebol recém-eliminado da Copa do Mundo
do México. O debate travou-se principalmente entre Johan Cruyff,
técnico do Ajax, e a cúpula da Seleção Laranja: Rinus Michels, diretor-
técnico, e Leo Beenhakker, o treinador contratado às vésperas da
eliminação.
Sabia-se que havia uma rivalidade grande de Cruyff com Michels – e
com Beenhakker. Mas não estavam claros os motivos do debate ocorrer em
níveis tão altos.
Depois de um dia de discussões, Johan Cruyff leu nos jornais que os
técnicos do Ajax, do Groningen, do PSV Eindhoven e do Utrecht estavam
de acordo em quase tudo sobre o futuro do futebol holandês. Cruyff
surpreendeu-se: “Li que estamos todos de acordo e levei um susto. Só
estamos de acordo no fato de que não há uma maneira única de as coisas
serem feitas. Somente nisso”.
Um ponto era fundamental. Beenhakker acusava seu antecessor, Kees
Rijvers, do fracasso na classificação para a Copa do México. Ele assumira
na reta de chegada, antes da repescagem contra a Bélgica. Cruyff rebatia.
Havia também discussões conceituais e quase ideológicas. Michels e
Beenhakker afirmavam que, futuramente, o futebol holandês jogaria como o
resto do mundo, com apenas dois atacantes. Cruyff contestava: “Digam-me
dois atacantes holandeses aptos a jogar assim. É preciso que sejam ótimos
pelo ar, mas não são”.
O conceito sempre deu razão a Cruyff, muito melhor nos debates do que
seus oponentes. A prática pareceu dar razão a Rinus Michels três anos mais
tarde, quando a Holanda fez uma campanha quase impecável na Eurocopa
da Alemanha. Quase, porque começou com derrota para a União Soviética.
Mas na semifinal houve uma virada por 2 X 1 sobre a Alemanha em
Hamburgo. Parece até hoje, para vários holandeses, a revanche perfeita à
derrota na final da Copa de 1974.
O time havia voltado a ser dirigido por Rinus Michels e atuava com dois
atacantes: Wim Kieft e Marco van Basten. Ou Gullit e van Basten
infiltrados na grande área. Na decisão contra os soviéticos, Ruud Gullit
inaugurou o marcador. De cabeça!
Michels voltou à função de coordenador logo depois da Eurocopa.
Problemas de saúde o tiraram do banco de reservas e, para entrar em seu
lugar, foi contratado Thijs Libregts. Outra escola, outra história. Libregts
era técnico do Feyenoord, pensava em futebol de modo antagônico a van
Basten, Gullit e a tradição do Ajax. Também, de maneira inversa ao Milan,
no qual as principais estrelas daquela geração brilhavam. Em vez de ataque,
certo pragmatismo.
Ninguém confirma, mas os jogadores derrubaram Libregts logo depois de
uma derrota da Holanda campeã europeia contra o Brasil, em Roterdã, em
dezembro de 1989. Em seu lugar assumiu Leo Beenhakker, o velho inimigo
de Johan Cruyff.
Importante dizer que durante todo o período de Libregts, os boatos de
que Johan Cruyff assumiria – emprestado temporariamente por seu clube, o
Barcelona – se desfizeram com a declaração do maior jogador que já vestiu
a camisa laranja: “Só se for tudo do jeito em que acredito”, Cruyff
afirmava.
Não seria. Não com Michels na direção de futebol da Seleção Holandesa.
O fiasco materializou-se pelas diferentes correntes, dentro e fora de
campo. Os jogadores sonhavam com Cruyff, aceitaram Beenhakker,
estrearam com empate contra o Egito, ouviram críticas cruyffistas,
desfizeram-se em campo nas oitavas de final contra a Alemanha.
“O Egito é um país pequeno e muita gente se espanta de eles
conseguirem jogar futebol. É claro que jogam. Se você der espaço a eles,
vão jogar mesmo!”, declarou Johan Cruyff.
A crítica era direta a Leo Beenhakker, seu desafeto. E ao fato de que
aquela Holanda dava espaço demais.
Mas talvez Cruyff não tenha percebido que a definição que durante anos
ele próprio usou no Barcelona servia também para definir sua relação com a
Laranja Mecânica. “O maior inimigo está aqui mesmo!”, e Cruyff era um
deles.
Sem condições físicas, Marco van Basten se preparava para a terceira de
suas seis cirurgias. Lembre-se de que a primeira aconteceu porque Cruyff
forçou a barra para ter van Basten em campo na final da Recopa da Europa,
contra o Lokomotive Leipzig. O jogador nunca mais foi o mesmo depois
daquela lesão no tornozelo.
A Holanda não podia mais ser igual ao time vencedor da Eurocopa.
 
Sistema: 3-5-2
Técnico: Leo Beenhakker
O
A formiga e a cigarra
Uruguai X Argentina na Copa de 1930
livro foi publicado em Roma e trata da Storia critica del calcio italiano
[História crítica do futebol italiano]. Mas tem uma definição
importante a respeito da decisão da Copa do Mundo de 1930, em
Montevidéu: “Os uruguaios eram as formigas e os argentinos, as
cigarras”.
A definição do livro de Gianni Brera explica em parte por que os
argentinos tiveram jogadores extraordinários, times brilhantes, mas só
chegaram a títulos intercontinentais nos anos 1970. Eram talentosos e
indisciplinados taticamente.
Os uruguaios se organizavam defensivamente, usavam as faltas como
artifícios e apoiavam o jogo ofensivo nos mais talentosos de seus jogadores.
O sistema das duas seleções era o 2-3-5.
O técnico Alberto Suppici dirigia a Seleção Uruguaia já na Olimpíada de
Amsterdã, em 1928. Tinha ligação íntima com o Nacional, clube em que
encerrou a carreira de jogador em 1923.
E foi justamente o Nacional quem sugeriu à Associação Uruguaya de
Fútbol sediar o primeiro Mundial de futebol, em 1930. A Fifa recebeu
outras candidaturas – Itália, Hungria, Suécia, Espanha e Holanda –, mas
julgou os méritos esportivos dos uruguaios – bicampeões olímpicos –
suficientes para que fossem escolhidos. Os candidatos derrotados decidiram
boicotar a Copa do Mundo. Os uruguaios se encheram de orgulho e
decidiram levantar o maior estádio de futebol da época. Argumentavam que
já havia outros maiores na Europa, mas nenhum como o estádio Centenário,
dedicado exclusivamente à prática do futebol, que foi construído em tempo
recorde – dez meses.
As tribunas homenagearam os títulos olímpicos. De um lado, a Tribuna
Amsterdã, cidade onde a Celeste conquistou sua segunda medalha de ouro.
De outro, a Tribuna Colombes, estádio francês onde o primeiro troféu
olímpico foi vencido em 1924. A terceira se chamava Tribuna Olímpica, ao
lado das cabines de rádio.
A cereja do bolo, a melhor seleção do planeta – ou melhor, uma das
melhores –, era a Argentina. Mais talentosos, contavam com o centroavante
que seria o goleador do primeiro Mundial, Guillermo Stábile. Jogador do
Huracán, disputou 119 partidas e marcou 102 gols entre 1924 e 1930,
quando se transferiu para o Genoa, da Itália.
A Argentina estreou com uma vitória magra sobre a França, por 1 X 0,
gol do centro-médio Monti. Goleou o México por 6 X 3, com os três gols
do centroavante Stábile. Fez 3 X 1 no Chile e se classificou para a decisão
com goleada de 6 X 1 sobre os Estados Unidos.
O Uruguai debutou contra o Peru no estádio Centenário, ainda com a
Tribuna Colombes incompleta e em obras. O melhor jogador em campo foi
o goleiro peruano Pardón. O técnico Suppici escalou cinco jogadores do
Nacional: o médio-direito Andrade, o ponta-direita Urdinarán, o meia
Manco Castro, o centroavante Petrone e o meia-esquerda Cea.
Dos jogadores históricos do Nacional que disputaram o bicampeonato
olímpico, faltava o goleiro Andrés Mazali, afastado do grupo por ter
escapado da concentração com uma garota e ter sido descoberto pelo
técnico Suppici.
Houve quatro mudanças para o segundo jogo, dia 21 de junho, contra a
Romênia. Saíram Tejera, Urdinarán, Castro e Petrone, entraram Dorado,
Scarone, Anselmo e Mascheroni – os três primeiros marcaram e a goleada
por 4 X 0 completou-se com gol de Cea.
O mesmo time goleou a Iugoslávia por 6 X 1 nas semifinais. Na final,
apenas Manco Castro entrou no lugar de Anselmo.
Com isso, Castro se tornava o meia e Cea virava o centroavante.
Mudança sutil, porque naquele 2-3-5, os dois meias e o centroavante se
aproximavam em busca da grande área e do gol.
Castro foi o grande personagem daquela final. O apelido Manco vinha da
perda do antebraçodireito na adolescência. Mas jogava com as pernas. E
jogava muito. Participou de todos os gols e marcou o último, da vitória por
4 X 2 do Uruguai sobre a Argentina. A Celeste Olímpica, apelido oferecido
pelas duas medalhas de ouro, agora era Celeste Mundial.
Além de Castro, houve um outro destaque, o árbitro belga Langenus, que
expressou a tensão da partida no livro Historia de Nacional [História do
Nacional]. Ele relatou que, por questão de segurança, foram vendidos
apenas 90 mil ingressos, apesar de a capacidade do estádio ser de 100 mil
pessoas, e que os dirigentes europeus discutiam medidas para proteger os
árbitros, por isso só ao meio-dia Langenus recebera autorização para
arbitrar. Além disso, cada time havia levado a sua bola e sustentavam que
só jogariam se usassem a própria bola, portanto a decisão foi levada à
sorteio.
O jogo também teve um clima tenso. Segundo Lagenus, no primeiro
tempo, com 2 X 1 para a Argentina, os uruguaios defendiam que o segundo
gol argentino havia sido feito com o jogador impedido. “[...] Se o espírito
da multidão tivesse sido belicoso, ali haveria acontecido muitos mais
incidentes. Nada disso ocorreu, embora os donos da casa estivessem tristes
[...].”
Contudo, no segundo tempo, os uruguaios viraram o jogo e fecharam em
4 X 2. “Houve aplausos da multidão, as tropas se alinharam e quando a
bandeira uruguaia começou a se elevar lentamente no mastro, começaram a
cantar o hino.”
O árbitro então partiu rapidamente para o vestiário e descreveu que os
argentinos o acusavam de ter escapado com a ajuda da polícia, adicionando
que só não puderam jogar livremente por risco de receberem tiros – para
ele, nada disso era verdade.
Langenus termina seu relato descrevendo a repercussão do jogo nos dois
países: enquanto o Uruguai estava envolvido na comemoração, a derrota
sacudiu a Argentina, e os dirigentes, que haviam prometido a vitória,
renunciaram. Ao saber que a Argentina começara uma revolução e que o
presidente Hipólito Yrigoyen havia sido deposto, Langenus não teve
dúvida: “[...] a derrota no Mundial não foi a causa da revolução, mas sem
dúvida ajudou para que ela não fosse evitada”.
 
URUGUAI
Sistema: 2-3-5
Técnico: Alberto Suppici
 
ARGENTINA
Sistema: 2-3-5
Técnico: Francisco Olazar
D
A volta dos pontas
França na Copa de 1998
esde que Renato Gaúcho foi cortado da Seleção Brasileira, antes da
Copa do Mundo de 1986, não se ouvia mais falar em pontas. A não ser
quando a referência era a lembrança do personagem Zé da Galera, de
Jô Soares, cobrando de Telê Santana pelo telefone a inclusão dos
jogadores que atuam pela borda do campo, carregam até a linha de fundo e
cruzam na medida para o centroavante.
A Copa do Mundo de 1998 tornou visível o sistema 4-2-3-1 e marcou o
retorno do 4-4-2 com duas linhas de quatro homens e com jogadores bem
abertos pela direita. No estádio Trois Sapins, na cidade de Ozoir La
Ferrière, onde treinava a Seleção Brasileira num 4-3-1-2 sem pontas, havia
quem dissesse que os pontas tinham voltado em seleções como a da
Holanda e a da França. Outros discordavam. Diziam não serem pontas, mas
jogadores de meio de campo ocupando a lateral.
O jornalista Alberto Helena Jr. tinha a observação mais justa sobre a
utilização dos jogadores pelos lados do gramado: “Vocês acham que pontas
são só os que vão à linha de fundo, mas houve pontas de todos os estilos”.
Referia-se a Telê Santana e Zagallo, em parte das carreiras, pontas que
recuavam para auxiliar o meio de campo.
A seleção da França era a maior representante do 4-2-3-1, sistema que
tomou conta do futebol mundial na década de 2000. Mas não a inventora.
Na temporada 1996/97, o clube que jogava assim era o Barcelona,
dirigido pelo técnico inglês Bobby Robson, com o brasileiro Ronaldo, o
Fenômeno, como maior destaque.
Robson escalava Figo na ponta direita, um atacante. Do lado oposto,
fechava um pouco mais o meio de campo com Luis Enrique, um meia. Duas
características distintas exerciam funções parecidas. O Barcelona atacava
com Figo, bloqueava com Luis Enrique, mas os dois precisavam
acompanhar os laterais adversários e criar por seus setores. O Barcelona foi
sensação do Campeonato Espanhol até a reta de chegada, quando o Real
Madrid o ultrapassou e ganhou o título. Fabio Capello, apontado por muitos
como retranqueiro e demitido do Real depois de ganhar a taça, usava um
sistema parecido, mas com um volante só e dois centroavantes. Redondo
fazia a cabeça de área, Seedorf ocupava o lado direito, Raúl jogava
centralizado, Amavisca, um ponta, avançava pela esquerda. Na frente,
Suker e Mijatovic. O Real era mais combativo do que o Barcelona, mas
tinha mais atacantes. Fechava pela direita com Seedorf, um meia, avançava
pela esquerda com Amavista, um ponta.
O Real Madrid ganhou o Campeonato Espanhol. O Barcelona foi
campeão da Recopa Europeia.
Aimé Jacquet fazia o mesmo já nessa época.
O meia Djorkaeff fechava pelo lado direito e se aproximava de Zidane,
meia revelado no Cannes, brilhante na campanha do Bordeaux, vice-
campeão da Copa da UEFA em 1996. O Bordeaux eliminou o Milan nas
quartas de final. O clube italiano se encantou por uma das duas estrelas do
time francês. Entre Zidane e Dugarry, escolheu Dugarry.
Quebrou a cara.
Do lado esquerdo da Seleção Francesa jogava Henry, garoto que disputou
o Mundial sub-20 em 1997 e foi negociado pelo Monaco com a Juventus,
da Itália, em 1998. A França armava pela direita com Djorkaeff e avançava
pela esquerda com Henry, mas não tinha um bom centroavante.
Dugarry e Guivarc’h revezavam-se e nenhum dos dois convencia. A
terceira opção era David Trezeguet, argentino de nascimento, francês por
opção, também titular da seleção do Mundial sub-20 de 1997. Não estava
maduro.
Nem tanto quanto Henry, titular nos quatro primeiros jogos, até a França
chegar às semifinais contra a Itália. A dureza do adversário fez o técnico
Aimé Jacquet escolher o volante Karembeu e mudar a cara da equipe. Do 4-
2-3-1 com Henry na ponta esquerda, a equipe passou a formar num 4-3-2-1,
com Zidane e Djorkaeff atrás do centroavante Guivarc’h.
A essa altura, Henry já havia marcado três vezes, uma na estreia contra a
África do Sul, duas na goleada por 4 X 0 sobre a Arábia Saudita, resultado
responsável pela demissão do técnico brasileiro Carlos Alberto Parreira do
time árabe, em meio à primeira fase do Mundial.
Jacquet era um treinador experiente e conservador. Havia atingido o
ápice no Bordeaux, campeão francês da temporada 1986/87, equipe onde
orientava os selecionáveis da Copa do México como o zagueiro Battistton e
o meia Jean Tigana. Aquele Bordeaux registrou o melhor ataque e a melhor
defesa da França, terminou quatro pontos acima do Olympique de
Marseille, o segundo colocado.
A experiência daquela campanha balizaria suas decisões na reta de
chegada da Copa do Mundo.
Daí o time mais fechado e marcador, em comparação com o que fez as
quatro primeiras partidas do Mundial. Os três gols de Thierry Henry fariam
dele o artilheiro da campanha do título, mesmo sem jogar no 11 inicial nas
três últimas rodadas.
A Itália dirigida por Cesare Maldini utilizava duas linhas de quatro
marcadores cada uma – Moriero pela direita e o lateral improvisado
Pessotto ocupavam as pontas. Liberava Del Piero para a criação e confiava
em Vieri para fazer os gols. Foi pouco para vencer o duelo das quartas de
final, mas o bastante para parar os franceses em Marselha. A vitória dos
comandados de Aimé Jacquet veio apenas nos pênaltis, no travessão com o
volante Di Biagio chutando por cima a última cobrança.
A semifinal foi contra a estreante seleção da Croácia, herdeira da tradição
da Iugoslávia, país do qual havia se separado havia apenas sete anos.
O centroavante Suker – do Real Madrid – fez 1 X 0 no primeiro minuto
do segundo tempo e obrigou os franceses a uma virada que só seria possível
por uma jornada inspiradíssima do lateral Thuram. Taticamente, Djorkaeff
se enfiava em diagonal e deixava o corredor direito livre para o lateral
Thuram se infiltrar.
A França sofria e isso aumentavaa ideia de favoritismo do Brasil, apesar
de a seleção dirigida por Zagallo também ser inconsistente. Perdeu da
Noruega a terceira partida de sua campanha, empatou a semifinal contra a
Holanda e jogou mal a maior parte do jogo, apesar de uma prorrogação
espetacular. Chegou à decisão por mérito do goleiro Taffarel, nos pênaltis
cobrados por Phillip Cocu e Ronald de Boer.
Um pouco do aparente favoritismo brasileiro vinha do fato de a seleção
de Zagallo ter o melhor jogador do planeta, eleito no ano anterior: Ronaldo.
O mesmo que seria o alvo de todas as análises pelos anos seguintes:
Ronaldo teria sido vítima de uma convulsão, levado ao hospital e liberado
para jogar.
Às 19h48 no horário parisiense, as escalações foram divulgadas com o
número 21, Edmundo. Ronaldo, o 9, estava no banco. Às 20h18, a
escalação corrigida tinha Ronaldo, número 9, entre os titulares.
Ronaldo jogou. Ou melhor, entrou em campo. A França marcou 3 X 0,
dois gols de cabeça de Zidane, seus únicos naquele Mundial.
O Brasil estava apático, mas o capitão Dunga foi mais pragmático em sua
entrevista coletiva depois da partida: “Trabalhamos o suficiente para ser
vice-campeões do mundo!”.
A França trabalhou o bastante para ganhar a Copa.
O primeiro campeão num 4-2-3-1.
 
Sistema: 4-2-3-1 (4-3-2-1)
Técnico: Aimé Jacquet
O
A experiência da derrota
Alemanha na Copa de 1974
melhor momento da história da Seleção Alemã aconteceu dois anos
antes de decidir a Copa do Mundo contra a Holanda. Na Eurocopa da
Bélgica, em 1972, um time extraordinário, com Beckenbauer como
líbero e o meia Netzer como cérebro do meio de campo, a Alemanha
venceu a Bélgica por 2 X 1 na semifinal, e por 3 X 0 sobre a União
Soviética, na finalíssima.
A atuação contra a Bélgica foi razoável apenas. O jogo contra os
soviéticos chamou a atenção de toda a imprensa internacional como o
melhor momento do futebol alemão desde 1937. O britânico Times chamou
o jogo germânico de elegante e inventivo. O italiano Corriere dello Sport
definiu como brilhante e genial. O belga La Libre chamou o time alemão de
“o novo Wunderteam”, referência à Áustria, quarta colocada na Copa do
Mundo de 1934.
Pensar num confronto entre o Futebol Total e o antifutebol na decisão de
Munique dois anos depois é um exercício de incompreensão do que foram
os seis primeiros anos da década de 1970.
A Holanda venceu com seus clubes as quatro primeiras edições da Copa
dos Campeões da Europa daquela década – Feyenoord em 1970, Ajax em
1971, 1972 e 1973.
Em seguida, o Bayern tomou conta e ganhou o tri até 1976. Gerd Müller,
artilheiro do futebol mundial em 1973 e da Copa de 1970, foi destaque nas
duas finalíssimas. Fez dois gols na Eurocopa contra a União Soviética,
marcou mais um, o da taça, contra a Holanda em 1974.
Aquela Alemanha dirigida por Helmut Schön aprendeu a vencer
perdendo. A Seleção vinha se formando e se fortalecendo desde a Copa do
Mundo de 1966, a primeira competição disputada com o treinador –
assistente de Sepp Herberger, o campeão mundial de 1954 – e a primeira
disputa dos alemães depois da adoção do profissionalismo, em 1963.
A Alemanha esteve muito perto de ganhar as duas Copas sucessivas à
adoção do profissionalismo. Na final de 1966, houve o gol de Geoff Hurst,
sem a convicção de que o lance validado pelo árbitro suíço Gottfried Dienst
tenha de fato ultrapassado a linha fatal.
Houve outras questões envolvidas naquela decisão.
Helmut Schön, em seu primeiro Mundial, foi indeciso e agiu
provavelmente de maneira equivocada em duas decisões preliminares ao
jogo final. Uma delas, quem seria o goleiro. Tilkowski, titular durante toda
a campanha, machucou o ombro gravemente na semifinal contra a União
Soviética. Schön tinha duas alternativas. Poderia escalar o goleiro Günther
Bernard, do Werder Bremen, ou o novato e talentoso Sepp Maier, do
Bayern. Como nenhum deles tinha mais de quatro partidas internacionais no
currículo, Schön decidiu manter Tilkowski, mesmo lesionado.
A outra dúvida era sobre como marcar o armador inglês, Bobby Charlton.
O craque poderia ser seguido por qualquer jogador. Franz Beckenbauer, no
Mundial inglês, não era líbero, mas volante. Chegava ao ataque, fazia gols,
criava. Schön decidiu usar seu poder na marcação de Bobby Charlton. Não
anulou o principal articulador da Inglaterra e ainda perdeu a criatividade de
seu jogador mais talentoso.
O assistente Dettmar Cramer, mais tarde treinador de Beckenbauer no
Bayern campeão europeu, ponderou que os alemães perderiam seu jogador
mais criativo. Anos mais tarde, o meia Overtath concordou que foi um erro,
mas ponderou: “Houve outras decisões equivocadas. Schnellinger foi
marcar Alan Ball e seria mais útil acompanhando de perto Geoff Hurst, o
autor de três gols”.
Nas quartas de final de 1970, a Alemanha venceu a Inglaterra, e o técnico
Helmut Schön, quatro anos mais experiente, pediu outra vez a Beckenbauer
para acompanhar Bobby Charlton. Mas alertou: “Mas faça seu jogo desta
vez. Faça-o precisar marcar você!”. A Inglaterra fez dois gols e sofreu a
virada.
Os alemães reclamam da sorte e do árbitro na semifinal contra a Itália,
mas o cansaço também os derrotou. Questionam decisões do árbitro em
pênaltis sobre Beckenbauer e Seeler nos últimos minutos, quando perdiam
para a Itália por 1 X 0. Então, empataram o jogo por 1 X 1 com
Schnellinger, ídolo do Milan, atrapalhando a caminhada italiana para a final
contra o Brasil.
E então a prorrogação fatal com vitória dos italianos por 4 X 3 alijou os
alemães, que só seriam campeões europeus com Helmut Schön no comando
dois anos depois.
Esse time espetacular, muito bem treinado, organizado e com a
experiência de duas derrotas nas prorrogações, entrou na disputa da Copa
do Mundo dentro de casa.
A equipe cuidou de cada detalhe. Das vitórias com gols de longa
distância, como os de Breitner contra o Chile, na primeira fase. Da derrota
nunca comprovadamente proposital contra a Alemanha Oriental, gol de
Sparwasser, que colocou os alemães ocidentais num grupo teoricamente
mais simples, contra suecos, poloneses e iugoslavos, enquanto holandeses e
brasileiros se matavam do outro lado. Os alemães ocidentais nunca
admitiram por algumas razões: os jogadores dizem que sabiam do interesse
de Schön em vencer, acima de tudo por mostrar imparcialidade – Schön
nasceu em Dresden, em território alemão oriental; e em segundo lugar,
argumentam que os orientais estavam absolutamente relaxados pelo fato de
não serem favoritos. E os ocidentais sabiam que ninguém esperava deles
menos do que uma goleada. Com dez minutos, Schwarzenbeck tinha errado
duas bolas e Sparwasser não marcou por incompetência.
De qualquer maneira, ou o nervosismo ou o acaso ou a estratégia levou a
Alemanha Ocidental ao grupo teoricamente mais simples.
Teoricamente, porque foi um parto a vitória por 4 X 2 sobre a Sué cia,
com gols de Grabowski aos 32 do segundo tempo e de Hoeness, de pênalti,
no último minuto. Também não foi fácil a vitória por 1 X 0 sobre a Polônia,
campeã olímpica em 1972. O timaço de Lato e Deyna vendeu caro a derrota
no alagado gramado de Frankfurt.
Choveu tanto a ponto de obrigar funcionários do estádio a tirar o excesso
de água do gramado com rodos. Gerd Müller fez 1 X 0, gol da classificação
para a final aos 31 minutos do segundo tempo. Aos oito minutos da segunda
etapa, o goleiro polonês Tomaszewski defendeu um pênalti cobrado por
Hoeness.
O drama contrasta com a facilidade da classificação dos holandeses,
vencedores contra o Brasil por 2 X 0 – correram riscos – e por 4 X 0 sobre a
Argentina – com lições de Futebol Total.
A Holanda era um timaço.
A Alemanha, também.
E as lições da derrota fizeram Schön escolher estratégias mais vitoriosas.
Como deixar o lateral Berti Vogts encarregado da marcação a Johan Cruyff.
Beckenbauer, o líbero, ficou na sobra e deu sempre o primeiro passe, a
primeira organização de jogo.
A Holanda confiante fez 1 X 0 de pênalti cobrado por Neeskens sem que
a Alemanha tocasse a bola, ainda no primeiro minuto. Os alemães
corrigiram seu jogo e avançaram. Controlaramo meio de campo,
avançaram seu lateral-esquerdo Paul Breitner como se fosse um meia,
enquanto Vogts marcava Cruyff e o zagueiro Schwarzenbeck se ocupava de
Rep.
Chegaram ao empate com Paul Breitner, que jamais havia perdido um
mísero pênalti e cobrou com perfeição aos 25 minutos do primeiro tempo.
E usaram o lado mais frágil da Holanda, o esquerdo da defesa, para que
Banhof construísse a jogada consolidada por Gerd Müller no final do
primeiro tempo.
É possível dizer que a Alemanha era mais pragmática do que a Holanda.
Mas dizer que o antifutebol perdeu é desconhecer a construção de um time
sólido, eficiente, que não foi superado nem pela fantástica equipe
holandesa.
 
Sistema: 4-3-3
Técnico: Helmut Schön
N
Os menottistas
Argentina na Copa de 1978
o dia 30 de junho de 1974, a Argentina perdeu para o Brasil por 2 X 1
e foi eliminada da Copa do Mundo da Alemanha. No dia seguinte, o
noticiário em Buenos Aires não tratava da derrota. No dia 1o de julho,
morreu Juan Domingo Perón.
Do pesadelo ao planejamento.
Ao final da Copa do Mundo de 1974, David Bracuto assumiu a
presidência da Associación de Fútbol Argentino (AFA) e iniciou o trabalho
de reconstrução da Seleção.
Ou melhor, de construção.
Nunca antes uma Seleção Argentina tinha se formado com começo, meio
e fim. Acreditavam no talento dos jogadores, trocavam de técnicos como de
camiseta e colecionavam derrotas em fases finais de Mundiais.
Bracuto definiu a contratação de Cesar Luis Menotti e um trabalho em
sequência até a Copa do Mundo de 1978, que disputaria em casa.
Cesar Luis Menotti teve chance de assumir o posto dois anos antes de
começar o trabalho, antes mesmo da Copa do Mundo da Alemanha. Era o
treinador do Huracán, campeão metropolitano em 1973. Jogava futebol
ofensivo e fazendo com que a alta qualidade técnica de seus jogadores
representasse ofensividade.
Jogavam Roganti; Chabay, Cantú, Basile e Carrascosa; Leone, Russo e
Quiroga; Houseman, Del Valle e Larrosa. Naquele mesmo ano, a direção da
AFA procurou o treinador. Menotti afirmou que não conversaria, enquanto
o treinador titular, Omar Sivori, estivesse no posto. Não foi à Copa.
Mas Bracuto definiu sua presença no Mundial seguinte. E Menotti
decidiu o que queria: organização.
Começou criando os seus mandamentos:
Terminarei com um vício: o jogador brasileiro quando corre não pensa e
quando pensa não corre. Não me interessa ganhar por 1 X 0 com gol de
falta. Quero vencer por superar futebolisticamente o nosso rival.
Tenho nomes que certamente chegarão ao Mundial. Não os conto nem ao
meu pai.
Escolherei jogadores hábeis, com inteligência e bom gosto e como único
argumento a busca do gol. Isso no aspecto esportivo. E com sentido de
solidariedade aos companheiros.
Não terei nenhuma trava para convocar os jogadores quando for
necessário. A ideia é hierarquizar a seleção.
Nesse ponto, queria o time nacional acima dos clubes. Se um dirigente ou
treinador contestasse a convocação, num tempo em que não havia datas pré-
estabelecidas pela Fifa e os clubes podiam contestar as convocações,
Menotti clamou por um sentimento de prioridade à Seleção, que poderia
ganhar a Copa e mudar o panorama do futebol doméstico depois do torneio.
A prioridade à seleção foi verdadeira em relação aos clubes, não em
comparação com a política. Em 24 de março de 1976, um golpe de Estado
derrubou a presidente Isabelita Perón, viúva e sucessora de Juan Domingo
Perón, primeira mulher chefe de Estado de um país da América Latina. Na
mesma noite, a Argentina faria um amistoso na Polônia. Os jogadores
quiseram adiar o jogo, preocupados com seus familiares. A ditadura não
permitiu nem deixou a televisão de Buenos Aires apresentar a partida ao
vivo. A Polônia venceu por 2 X 1.
Havia problemas em relação a alguns jogadores. Menotti não pôde contar
com Norberto Alonso durante a excursão, por um pedido de dispensa em
função da gravidez de sua esposa. E Fillol, goleiro do River Plate, não
aceitava a reserva de Hugo Gatti.
Mas Menotti contornou os problemas e montou uma equipe ofensiva,
sempre em busca do gol. O time jogaria um futebol vistoso, alegre, o
futebol-arte. Importava o ataque e o sistema adotado foi o 4-3-3. Verdade
que houve opções táticas. O ponta-esquerda Ortiz, de passagem pelo
Grêmio, era mais defensivo do que Houseman, titular do histórico Huracán.
Mas não tinha fama de levar sua vida pessoal tão a sério.
Com Ortiz, Menotti liberava Mario Kempes como terceiro atacante para
fazer gols, como gostava e sabia.
Kempes foi revelado pelo Istituto de Córdoba, sua cidade natal,
transferido para o Rosário Central em 1974 e vendido ao Valencia, da
Espanha, em 1976. Não fez parte das primeiras listas de Menotti, mas já
tinha a experiência na fracassada campanha do Mundial de 1974, o que
ajudava ainda mais no time principal.
Naquele período, diferente do Brasil, a Argentina já exportava jogadores
para os quatro cantos do planeta.
No Mundial, a Seleção praticou seu melhor futebol na primeira fase.
Sempre de virada. Na partida contra a França, começou sofrendo um gol de
Lacombe. Virou para 2 X 1. Fez o mesmo contra a Hungria, mas sofreu no
clássico contra a Itália. Uma bola lançada entre os dois zagueiros
surpreendeu a defesa e o atacante Roberto Bettega fez 1 X 0 para os
italianos.
Isso jogou os argentinos para o grupo contra o Brasil.
Venceu a Polônia por 2 X 0, vingança do amistoso de dois anos antes, do
golpe de Isabelita Perón. Empatou com o Brasil em 0 X 0 numa partida que
até hoje merece uma definição cruel dos analistas do país: “A pior
apresentação da Argentina de Menotti naquele Mundial”.
E então veio o jogo da grande polêmica contra o Peru.
“Não houve nada de anormal naquele jogo, tanto que mandamos na
partida nos primeiros dez minutos e chutamos uma bola na trave”, disse o
zagueiro peruano Héctor Chumpitaz ao programa Bate Bola da ESPN
Brasil em 2007, às vésperas do jogo Peru X Brasil pelas eliminatórias da
Copa do Mundo de 2010.
Mas houve quem dissesse que o goleiro Quiroga, peruano por adoção,
argentino de nascimento, teria participado do complô e favorecido seu país
de origem.
Diga-se, Quiroga já tinha fama de frangueiro mesmo antes dos 6 X 0. A
tradição dos goleiros peruanos era de fragilidade embaixo das traves, desde
Rubiños, o número 1 na Copa do Mundo de 1970, que falhou feio num gol
de Tostão, em Guadalajara.
A Argentina tinha de fazer 4 X 0 para superar o Brasil no saldo de gols –
a Seleção Brasileira venceu a Polônia por 3 X 1 e o Peru por 3 X 0. Com
dois de Kempes, dois de Luque, um de Tarantini e outro de Houseman, a
Argentina classificou-se para a decisão.
O 4-3-3 de Menotti contra o 4-3-3 da Holanda, mais pragmática, do
treinador austríaco Ernst Happel, em comparação com a equipe de 1974.
A terceira decisão com prorrogação na história das Copas demonstra o
equilíbrio, desmentido apenas pela qualidade individual de Mario Kempes,
o principal jogador daquele Mundial. Ou pelo planejamento do trabalho de
Menotti, desde 1974.
No último minuto do tempo normal, um chute do ponta-esquerda
Rensenbrink, da Holanda, tocou caprichosamente na trave do goleiro
Ubaldo Fillol.
Em outros momentos, sem plano, no improviso, a bola batia na trave e
tornava inevitável o fracasso.
Desta vez, garantiu o sucesso.
 
Sistema: 4-3-3
Técnico: Cesar Luis Menotti
J
Silêncio sobre o 3-5-2
Itália na Copa de 1982
ogava-se com quatro zagueiros em linha ou com um líbero, atrás de
outros três homens. E havia poucas variantes para esses sistemas
defensivos, com marcação por pressão, ou por zona, dependendo do
país, do estilo, do continente.
Era assim, antes de o alemão Sepp Piontek inaugurar o 3-5-2.
Oficialmente a Eurocopa de 1984 apresentou ao mundo o novo sistema, que
tinha por princípio básico manter apenas um homem na sobra.
Se todos os times jogavam com dois atacantes apenas – e havia
pouquíssimas exceções naquele início dos anos 1980 – por que ter quatro
homens na defesa?
Verdade que nesse caso havia outras variáveis, como o futebol brasileiro
com seus laterais subindo ao