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RESUMO Este artigo apresenta um estudo de avaliação direta de um dos mais importantes programas de incentivo no Brasil: os fundos constitucionais de financiamento. Para isso, explorou-se a base de dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho, de forma a endereçar dois elementos importantes na decisão de localização geográfica de novos estabelecimentos: i) a estrutura de f iliais/matriz do conglomerado empresarial (em particular, o quanto as empresas preferem posicionar novos estabelecimentos próximos à sede da empresa); ii) a heterogeneidade espacial não observável (que pode confundir os efeitos reais dos fundos constitucionais). Esses dois elementos, quando não levados em conta nas estimações, podem viesar as esti mações dos impactos dos fundos constitucionais. Os resultados mostram que a proximidade à sede da empresa é um fator extremamente forte na decisão de localização de novas empresas, sendo mais importante do que o papel dos fundos constitucionais, no caso de empresas verticalmente integradas. 1 INTRODUÇÃO As disparidades regionais em termos de performance econômica e padrões de vida são marcantes e geralmente sustentáveis em muitos países do mundo . Nesse sentido, as perspectivas das regiões mais atrasados nos países em desenvolvimento são particularmente preocupantes, dado que essas áreas não são somente caracterizadas por baixos níveis relativos de renda per capita e de padrões de vida, mas de fato podem se constituir em locais de incidência significativa de pobreza absoluta. Do ponto de vista teórico, a dinâmica de mercado em um sistema com retornos crescentes de escala geralmente favorece o surgimento de soluções de canto, implicando em uma emigração intensa das áreas pobres para as áreas mais ricas, exceto quando há restrições à mobilidade dentro do país. (Muitos governos optaram por diversas formas de intervenções para compensar a pressão da dinâmica de mercado). Isso tem criado uma tensão de política entre a dinâmica de mercado de emigração de mão-de-obra (ou seja, levar as pessoas aos empregos) e as intervenções governamentais para promover o fluxo de capitais para as regiões mais atrasadas. Em muitos países, após décadas de intervenções espaciais diretas, ainda se tem poucas evidências sobre a real efetividade dessas políticas em melhorar a performance econômica e promover o aumento de bem-estar nas regiões menos desenvolvidas. Além disso, há uma grande dificuldade em se obter evidências da eficácia das políticas regionais em promover um aumento de bem-estar ao nível nacional. Neste artigo, é desenvolvida uma estratégia de avaliação dos impactos de programas diretos de desenvolvimento espacial. Essa estratégia é empregada para dados brasileiros, entre 1993 e 2001. 1.1 DISPARIDADES REGIONAIS NO BRASIL O Brasil é marcado por uma longa história de disparidades regionais. O Nordeste brasileiro é historicamente a região mais pobre do país, com renda per capita regional sendo aproximadamente a metade da renda per capita da próspera região Sudeste (LALL; SHALIZI , 2003). A partir de dados do censo demográf ico de 1991, observou-se que, naquele período, a maior mediana de renda domiciliar per capita (US$ 79.93 por mês em Goiás) era aproximadamente quatro vezes maior do que a menor mediana de renda domiciliar per cap ita (US$ 20.49 por mês no estado do Maranhão). Oito estados reportaram uma mediana de renda domiciliar per capita de menos de US$ 1 por dia, dos quais sete são localizados na região Nordeste. Dos dez estados mais pobres do país, oito se localizam na região Nordeste e dois na região Norte (AZZONI et al., 2002). Essas diferenças acentuadas de renda per capita nas regiões do país são surpreendentemente estáveis ao longo dos anos. A renda per capita no Sudeste era 2,9 vezes a renda per capita do Nordeste em 1939, enquanto em 1992 essa relação estava em 2,8 (WORLD BANK, 1998). Além dos indicadores puramente econômicos, os indicadores sociais na região Nordeste também são consideravelmente piores do que a média nacional. • A taxa de analfabetismo no Nordeste é pelo menos três vezes mais alta do que a taxa de analfabetismo em São Paulo; • a taxa de mortalidade infantil é duas vezes mais alta do que a do Sudeste (54,4 por mil habitantes no Nordeste comparada a 26,3 por mil habitantes no Sudeste); • a expectativa de vida é quatro anos menor; • e a desigualdade de renda é bem mais acentuada no Nordeste (FERREIRA, 2004). • Em torno de 50% da população nordestina vive na pobreza. Silveira et al. (2006) mapearam a indigência no Brasil, ao nível de municípios, utilizando dados censitários e dados de consumo calórico das famílias brasileiras. Indigência nesse caso foi definida como a impossibilidade da família em conseguir consumir uma cesta alimentar que lhe garantisse uma ingestão calórica necessária mínima, já ajustando para o valor das calorias em cada localidade. A figura 1 apresenta os principais resultados. Observa-se, por exemplo, uma predominância da indigência na região Nordeste e na região Norte. Esses dados correspondem ao ano de 2003, indicando que, mesmo depois dos diversos esforços nas últimas décadas para reduzir as desigualdades regionais no Brasil, ainda há um grande caminho a ser percorrido. (IMAGEM) 1.2 POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO REGIONAL NO BRASIL As grandes disparidades regionais entre a região Nordeste e as demais regiões do país (acompanhadas da seca severa em 1958) estimularam o governo brasileiro a implementar políticas diretas de desenvolvimento para aquela região (BAER, 1995). A estratégia foi estabelecer um centro autônomo de expansão manufatureira por meio da atração de indústrias dinâmicas, com altas taxa de crescimento, tais como metalurgia, maquinaria, equipamentos elétricos e produtos de papel e papelão (WORLD BANK, 1987). O principal objetivo deste trabalho é examinar o efeito dos subsídios regionais sobre a conf iguração industrial nas regiões brasileiras menos desenvolvidas. A literatura contempla estudos que chegam à conclusão em geral que esses programas têm um efeito muito pouco significativo. Ferreira conclui que a maior parte da convergência em termos de renda per capita nas regiões brasileiras ocorreu entre 1970 e 1985, antes da institucionalização dos fundos constitucionais (ELLERY; FERREIRA, 1996). Maia Gomes (2002) conclui que, ao passo que o PIB de fato cresceu no Brasil no período de 1960 até o presente, esse crescimento ocorreu de forma menos acentuada no Nordeste (o foco da maior parte das políticas regionais) quando comparado às demais regiões no país. Ferreira encontra resultados similares ao estudar especificamente o período de 1990 a 2000 (ou seja, a primeira década dos fundos constitucionais). A pergunta relevante de fato não é saber se o Nordeste cresceu mais ou menos rápido do que as demais regiões durante os fundos constitucionais, mas sim se esse crescimento teria sido mais ou menos acentuado caso não houvesse esses programas de desenvolvimento regional. Ao tentar estudar o impacto dos programas regionais sobre a atração de novas empresas, levou-se em conta dois fatores no problema de localização de empresas, de forma a evitar possíveis vieses nas estimações. 1- foram utilizados procedimentos não-paramétricos para incorporar os efeitos de atributos regionais específ icos, como amenidades, inf raestrutura, bens públicos locais e recursos naturais 2- A análise empírica faz uso de uma estrutura de dados de painel, onde é possível identif icar a relação de parentesco entre os diversos estabelecimentos produtivos. Com isso, é possível capturar o efeito da distância entre estabelecimentos do mesmo grupo empresarial sobre a decisão de alocação de novas plantas. Caso haja uma tendência de os novos estabelecimentos serem localizados próximos a outros do mesmo grupo ou a matriz, e caso esses estabelecimentos matrizes estejam predominantemente localizados nas regiões quenão são foco dos incentivos regionais, isso pode levar o analista à conclusão viesada de que os programas regionais não tiveram efeito. Os principais resultados indicam que os subsídios creditícios oferecidos a firmas através dos fundos constitucionais têm sido efetivos em termos de incentivar a industrialização do Nordeste. Ao mesmo tempo, conclui-se que a proximidade aos estabelecimentos matrizes tem um efeito bem mais acentuado sobre a decisão de localização geográfica dos novos estabelecimentos do que os fundos constitucionais. 2 ALOCAÇÃO DE RECURSOS DOS FUNDOS CONSTITUCIONAIS NO BRASIL As políticas diretas de desenvolvimento regional no Brasil incluem três conjuntos de instrumentos, os quais visam o crescimento do setor privado por meio de vários tipos de subsídios: i) programas de incentivos f iscais, como aqueles administrados pela Sudene, Sudam e Zona Franca de Manaus; ii) créditos subsidiados canalizados por meio dos fundos constitucionais, os quais têm se constituído como um dos instrumentos mais importantes de política regional no Brasil; iii) bancos de desenvolvimento regional, como o Banco do Nordeste do Brasil (BNB). Este estudo analisa especificamente a efetividade dos subsídios creditícios canali zados por meio dos fundos constitucionais. Em 1989, o Congresso brasileiro institucionalizou três fundos constitucionais de financiamento para: o Nordeste (FNE), o Centro-Oeste (FCO) e o Norte (FNO). O principal objetivo desses fundos foi estimular o desenvolvimento econômico e social nessas regiões, por meio da extensão de crédito a empreendedores locais. Os recursos para os fundos constitucionais vêm de arrecadações do imposto de renda e do imposto sobre produtos industrializados. 3 DADOS UTILIZADOS A principal fonte de informações são os microdados da base da (Rais), fornecidos pelo Ministério do Trabalho. Foram estudados os efeitos dos fundos constitucionais sobre a entrada de novos estabelecimentos, classificados em dezoito setores de atividade (onze industriais e sete de serviços), nas 265 aglomerações urbanas ao longo dos anos 1993 a 2001. A análise foi limitada a estabelecimentos com não menos que 10 empregados. (Para evitar problemas causados por um grande número de estabelecimentos com poucos funcionários) Para desvendar a composição de cada família de estabelecimentos (estabelecimentos matrizes e f iliais), que constitui um conglomerado, foi utilizado o CNPJ de cada estabelecimento. O CNPJ tem catorze dígitos e é o identificador oficial de todas as unidades produtivas no setor formal. Os primeiros oito dígitos do CNPJ indicam a empresa (ou família) do referido estabelecimento, ou seja, o número de inscrição da empresa. Os outros quatro dígitos indicam a posição do estabelecimento no conglomerado. Por exemplo, o código “0001” é a matriz. “0002” é a primeira filial, “0003” à segunda filial e assim por diante. Os últimos dois dígitos do CNPJ (posições 13 a 14) é o setor de atividade econômica do estabelecimento (digito verificador). Portanto, foram utilizados os doze primeiros dígitos para extrair a composição de matriz e filiais para cada conglomerado econômico.
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