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0 0 4 5 3 II 17 e O d e T f a d o - a | | | 10 4 q | Õ » | 15$M 97 ? 9 - E P. 08 O MAGNATA DOS GENOMAS DA COVID. BAIA Adri Xi tri tecnologia, espiritualidade. E estão dentro de nós. EE E EUR! POR BRUNO GARATTONI O aparelho de realidade virtual da Apple é o primeiro capaz de gerar imagens perfeitas. Trata-se de um salto tecnológico, protegido por 5 mil patentes. Mas ele tem um dilema crucial a enfrentar. Saiba qual - e veja como é a experiência de usar o headset. P.20 P. 54 P. 40 P. 46 DA TERRA A ETIMOLOGIA UMA ARMA À XÍCARA: DA TABELA INUSITADA CONTRA O GUIA DO CAFÉ. PERIÓDICA. SUPERBACTÉRIAS. Não há tempo perdido. O que vale é seu tempo. De tempos em tempos, o mundo muda o ritmo. E, a cada mudança, parece que tudo corre mais rápido. Tentar seguir esse tempo faz parecer que estamos sempre perdendo algo. Por isso, a Vivo convida você a olhar para o tempo de uma nova forma: HTemTempoPraTudo. Para criar um equilíbrio loud EPA IM RI a A =| 4] Re Tola Roo (ig MR Te ATOR aço que torne de lado outras foi (E) ar - EIS eae] 2 ARDAPID -— JULHO DE 2023 ego Epis reescrevem Tosca Re es [oe pe q E 20 Capa TESTAMOS O VISION PRO O aparelho da Apple representa um salto quântico no mundo da RV: é o primeiro a gerar imagens indiscerníveis da realidade. Saiba como é a experiência de utilizá-lo, e veja qual é seu calcanhar de Aquiles. 28 Sofisticação neandertal Eles não eram brutamontes: tinham um gene associado à linguagem, vida espiritual e até um princípio de indústria química. 40 Elementar, meu caro Watson Explicamos a origem dos nomes dos 118 elementos da tabela periódica - que vão de deuses gregos a demônios alemães. 46 Virus bacteriófagos Uma tecnologia de 1920 mantida viva pelos soviéticos por cem anos é a nova esperança contra bactérias resistentes a antibióticos. 54 O almanaque da cafeina A história, as espécies, as torras, os dados de comércio exterior e os métodos de pre- paro da bebida que faz o mundo acordar. 5 CARTA AO LEITOR E ESSENCIAL Duma IMAGEM... Agricultores chineses colhem soja protegidos por sombrinhas coloridas. 8 ... uma oPINIÃO O magnata fantas- ma que guarda a história da Covid. [o T SUPERNOVAS 10 suicívio DE suício IAs como o ChatGPT podem dar bug se lerem de- mais seus próprios textos. Capa | Foto Divulgação/Apple Tirrês não É DEMAIS DNA tripla-hélice, que existe na natureza, foi feito de ma- neira inédita em laboratório. Vs / , 16 | AM BECOME DEATH Entrevistamos Christopher Nolan sobre Oppenheimer. Spoiler: a explosão da bom- ba atômica não é CGI. 18 ABRAÇO AURICULAR Os fones da Logitech que se moldam ao formato da sua orelha em um minuto. 12 ENQUANTO ISSO... 14 3 NOTÍCIAS SOBRE 16 PÉROLAS DO STREAMING 19 VOCÊ DECIDE NUMERO INCRIVEL 200 qnd litros FOI A QUANTIDA- DE DE VÍRUS EM BACTERIÓFAGOS QUE A URSS USOU COMO ANTIBIÓTICO DURANTE A 2* GUERRA. P.46 ORÁCULO Bl Lisas ou FELPUDAS Por que jogadores de tênis ficam escolhendo bolinha? 65 MANUAL Como ler poesia (não, não precisa ser chato). 61 pá pum 63 só acreDITO VENDO 64 conexões 64 Lost in TRANSLATION 63 QUE VIAGEM Os aeroportos mais dis- tantes de suas cidades. ÚLTIMA PÁGINA 66 CAÇA-CLIQUES Os 25 sites mais acessados da internet. ARTA AO LEITOR — EDITORIAL Realidade virtual: do paleolítico até 2023 À FORÇA DA MORDIDA de um leão equivale a ço quilos por centímetro quadrado. Um guepardo perseguin- do uma presa chega a 130 km/h. Já um atlatl, artefato manual asteca, propele uma lança a 150 km/h. No alvo, a pressão chega a 75 quilos por centimetro quadrado. Trata-se de uma estrutura simples, mas que mesmo assim transforma seu porta- dor em algo mais letal que um leão, e mais veloz que um guepardo. À cultura asteca floresceu há rela- tivamente pouco tempo. Mas essa arma existe desde a Idade da Pedra. O atlatl mais antigo, encontrado na França, tem 17,5 mil anos. Ele pode ser feito de madeira ou osso, e serve para encaixar a parte traseira de uma lança. Na hora do arremesso, a coisa dá um impulso brutal ao pro- jétil. Graças a essa ferramenta, o Homo sapiens se tornou o maior pre- dador da Terra. Mas não foi esse status que nos fez humanos de fato. Foi outra cria- ção do paleolítico: a realidade virtu- al. Não na acepção moderna do termo, lógico, mas no significado es- sencial: a capacidade de criar am- bientes que não existem na natureza. Às pinturas rupestres já eram isso. Ao “decorar” paredes de cavernas com imagens de bichos, nossos an- cestrais traziam um pouco do cená- rio externo para dentro de um espaço inóspito. A música cumpre um papel semelhante. O que é um instrumento, afinal, se não um arte- fato capaz de dar vida a sons que, an- tes de ganhar forma, só existiam nas nossas cabeças? Por volta de 3.500 a.C. surgiria a forma mais poderosa de realidade virtual: a escrita, que transformava o registro oral, fugidio, em algo con- creto, capaz de durar para sempre — que o digam as histórias de Homero e do Velho Testamento; elas foram para o papiro há quase 3 mil anos e seguem firmes no pool cultural da hu- manidade. Muito mais tarde, o cinema uniria todas as pontas, adicionando imagens e sons às histórias. Em 1957, veio a primeira tentativa de criar uma realidade virtual no sentido contemporâneo da coisa. Não por aca- so, foi pelas mãos de um cineasta: O americano Morton Heilig. Ele criou uma espécie de capacete de RV. Na ver- dade, era uma caixa na qual você colo- cava a cabeça dentro. Mas a intenção ali era a mesma dos dispositivos que vi- riam mais tarde: apresentar conteúdo audiovisual de forma completamente imersiva, indiscernível da realidade. De lá para cá, porém, nenhum equi- pamento de RV atingiu esse objetivo. Mas isso está mudando a passos lar- gos. O Vision Pro, apresentado pela Apple em junho, dá um salto quântico na realidade virtual. Nas palavras do editor Bruno Garattoni, que testou o headset na Califórnia e narra a experi- ência de forma brilhante nesta edição: “Surge uma borboleta, que voa lenta e delicadamente pelo recinto. Estendo o braço, e ela pousa nas costas da mi- nha mão. Não sinto seu toque, pois ela não existe; fora isso, é uma borboleta de verdade”. À real é que ainda somos os mes- mos, e vivemos como nossos ances- trais. Nos deleitamos com imitações da vida. A diferença é que agora elas começam a ficar maiores que a vida. Boa leitura. Alexandre Versignassi DIRETOR DE REDAÇÃO ALEXANDRE .VERSIGNASSIGABRIL.COM.BR eDITORA À Abril Fundada em 1950 VICTOR CIVITA ROBERTO CIVITA (1907-1990) (1956-2013) Publisher: Fábio Carvalho Diretor de Redação: Alexandre Versignassi Editores: Bruno Garattoni, Bruno Vaiano Editora de arte: Juliana Krauss Repórteres: Maria Clara Rossini. Rafael Baltaglia Designers: Luana Pilimann, Caroline Aranha Estagiários: Leonardo Caparroz (Lexto), Cristielle Luisi Rodrigues (arte) Colaboração: Lia Fugita (revisão) www.superinteressante.com.br / superteitorGabril.com.br DIRETORIA EXECUTIVA DE PUBLICIDADE Jack Blanc DIRETORIA EXECUTIVA DE DESENVOLVIMENTO EDITORIAL E AUDIÊNCIA Andrea Abelleira DIRETORIA EXECUTIVA DE OPERAÇÕES Guilherme Valente DIRETORIA EXECUTIVA DE TECNOLOGIA Guilherme Valente DIRETORIA DE MONETIZAÇÃO E RELACIONAMENTO COM CLIENTES Erik Carvalho Redação e Correspondêenda: Rua Cerro Corá, 2175, Vila Romana CEP 05061-450. São Paulo, SP Publicidade São Paulo e Informações sobre representantes de publicidade no Brasil e no exterior: publiabril.com.br Licendamento de conteúdo: Para adquirir os direitos de reprodução de textos e imagens de SUPERINTERESSANTEe MUNDO ESTRANHO: (11) 3990- 1529 4 (1) 3900-2059 / atendimentoconteadoabriliiabel com.br / abeilcontentitabril.com.be “ abrilconteudo com.br SUPERINTERESSANTE edição nº 453 (ISSN 0104-1789), ano 37. nº7, é uma publicação da Editora Abril 1987 G+] Espafia S.A. “Muy Interesante” (“Muito Interessante”). Espanha Edições anteriores: Venda exclusiva em bancas, pelo preço da última edição em banca. Solicite ao seu jornaleiro. Distribuida em todo o pais pela Dimap S.A. Distribuidora Nacional de Publicações, São Paulo SUPERINTERESSANTE não admite publicidade redacional Para assinar a revista: www.assineabril.com.br Wihatsapp: (11) 3584-9200 t Telefone: SAC (11) 3584-9200 De segunda a sexta feira, das 09 às 17:20hs Vendas Corporativas, Projetos Espedals e Vendas em lote E-malk: assinaturacorporativaGabril.com.br SAC — Serviço de atendimento ao diente Abril Autoatendimento: minhaabril. com.br (11) 2584-9200 Telefones: SAC (11) 2584-9200 / Renovação 0800 7752112 De segunda a sexta feira, das 09 às 17:20hs REA EEE Para balxar sua revista digital: www.revistasdigitalsabril.com.br Bico IMPRESSA NA PLURAL INDÚSTRIA GRÁFICA LTDA Av. Marcos Penteado de Olhõa Rodingues. 700 CEP: 06543-001 - Tamboré - Santana de Parnaíba - SP IVC “SIP cruro À Abril wrvnw.grupoabril.com.br a ES de De A? SP DA 2 ay TES Pre ARNS PN qua se) to Ria as a k a ago E Da RV PERA EE rm ds SMP TOS O Tt RGE À AM a ARA esa es efe renmemecnar VR seia Ei ço rt rt Ni E sds A E qnd E 8 E) j ETA E) as a º Ne as Es AGE a; EE =" 6 + No A et e = Ea te e E META w ERES =: ENO e A , dE EG AY a EE hos É Ep te Ra E E a O Sm EO E a o vz a ie aa E SA E Ag É sá % NO io De, ARS? o”, Tp . se OR TA PR 4 Neo 7 af Gus CS Fe E ” k nº E na" no o ps Ra E a DR x A o rã e a aa Es dE vs Fa ” Ra , o A » nd 4 à É +, ed o o dada "e de E E ns re fer E É É e Rea AR E ma “ A do bis Seo aaa ed: e Ee a Po , x És E] Sa E da Ra a E tes o 1 Ep oa aa o Ao a mA a ma a SER PA Da Pio Mu, asda E (% eis PER Rossa E Y a E Ro neste ENE EE a, o q E E 4 a o “e ago EPE RR dg E o Vo uia PACO. ES 2 1 E) Re» A a A E A Sr 7 alo 64 o 4“. NA . l C A R O e e ESSENCIAL - NA PÁGINA ANTERIOR: Agricultores chineses colhem edamame - grãos de soja ainda verdes, vendidos dentro ou fora de suas vagens, usados em receitas do leste da Ásia. Os pequenos círculos coloridos são sombrinhas para protegê-los do sol. Apesar da produção local, a China é a maior compradora da soja brasileira. Nossa produção, em 2023, será recorde, mas as importações chinesas estão em níveis historicamente baixos com a desaceleração econômica do país, o que preocupa os produtores. — ...UMA OPINIÃO O Gisaid, um banco O magnata ss: sem fins lucrativos, armazena 15 milhões de genomas de coronavirus e foi essencial na pandemia. Mas seu futuro está ameaçado pelo que guarda =: filantropo alemão de passado obscuro a F ) que costuma bloquear, sem a historia Pr de pesquisadores à plataforma. da Covid a e l POR BRUNO VAIANO EM JANEIRO DE 2004, UMa mutação do virus da gripe aviária HgN1 se espalhou por dez países asiáticos a partir de granjas no Vietnã e na Tailândia. O patógeno, especialista em galinhas e afins, raramente salta para humanos. Mas, quando consegue, mata 60% dos infecta- dos (dos 861 pacientes registrados pela OMS entre 2003 e 2020, 455 morreram). Pode haver uma grande subnotificação, o que reduziria a taxa. De qualquer forma, há o risco de que ele desenvolva, por seleção natural, a capacidade de se transmitir de pessoa para pessoa — o que renderia uma pandemia potencialmente mais letal que a de Covid. Na época, a colaboração internacional para estudar o HçN1 em- pacou. Os biólogos de alguns países no epicentro da epidemia, que tinham acesso privilegiado ao vírus, estavam com medo de divulgar 8 SUPER JULHO 2023 o material genético do HsN1 em estado bruto — já que laboratórios europeus e americanos, com equipes e verbas maio- res, conseguiriam analisar as sequências de RNA muito mais rápido e publicar suas conclusões na frente. Esse tipo de preocupação rola por cau- sa do seguinte: a ciência contemporânea é um ambiente competitivo. Agências de fomento concedem bolsas para pes- quisadores com base em métricas como o número de artigos que eles publicam, a quantidade de vezes que esses artigos são citados e a relevância dos periódi- cos em que os textos saem. O problema, óbvio, é que blindar sua carreira não é a coisa mais ética a se fazer durante uma emergência sanitária global. “A maioria de nós é paga para prote- ger a saúde humana e animal”, disse, na época, a bióloga italiana Ilaria Capua. “Se publicar mais um paper for mais impor- tante do que isso, estamos confundindo nossas prioridades.” Ela se tornou uma ativista pró-acesso aberto, e denunciou um grupo de quinze laboratórios que compartilhavam genomas virais em um banco de dados fechado com senha. Seu ativismo atraiu o interesse de um per- sonagem que não tinha envolvimento prévio com o mundo científico: um ricaço alemão chamado Peter Bogner. Em 2008, esse filantropo misterioso investiu milhões na criação da Iniciativa Global de Compartilhamento de Dados de Gripe Aviária — conhecida pela sigla em inglês Gisaid. Essa plataforma online mediava as relações entre os cientistas e impunha condições razoáveis (como dar os devidos créditos) a quem quisesse usar sequências de DNA e RNA dispo- nibilizadas em sua base de dados. O site foi um caso de amor à primei- ra vista com a comunidade acadêmica: até hoje, laboratórios de todo o mundo fizeram o upload de 400 mil genomas de influenza no Gisaid. Em 2010, Bogner percebeu que podia expandir o monopó- lio para outros virus — e trocou o avian (“aviário”) da sigla por all (“todos”), pronto para pescar uma oportunidade. Ela veio dez anos depois. Quando a Covid-19 estourou, o Gisaid se tornou o grande hub de compartilhamento de dados sobre coronavirus. 15 milhões de genomas de Sars-CoV-2 apareceram na O alemão Peter Bogner não tem data de nascimento ou historico acadêmico comprovados - e repe- le críticas em tom combativo. plataforma em três anos — mais de trinta vezes todo o material sobre gripe publi- cado lá em quase duas décadas. Passado o auge da pandemia, porém, alguns cientistas começaram a perder acesso (parcial ou totalmente) à plata- forma, aparentemente como retaliação silenciosa por fazerem críticas constru- tivas ao Gisaid ou desmentirem publica- mente informações erradas fornecidas por Bogner e sua pequena equipe. Por exemplo: um grupo do renomado Instituto Scripps, na Califórnia, levou block após escrever — corretamente — que a primeiro RNA de coronavírus da pan- demia, em 2020, não havia sido postado no Gisaid, e sim em um outro fórum online de virologia. Bogner reivindica para si esse crédito simbólico. Em 2020, Duncan McCannel, um figu- rão do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos EUA, pediu aos funcionários do órgão que subissem os genomas não só no Gisaid, mas também em uma ba- se alternativa chamada GenBank. Em agosto, recebeu um e-mail anônimo dramático: “Uma rápida olhada em suas mídias sociais é tudo que é preciso para observar seus esforços desmedidos para perpetuar alegações infundadas que bus- cam destruir a credibilidade do Gisaid.” A polêmica mais grave foi a remo- ção temporária, em março, de dados sobre a possível origem da pandemia no mercado de animais vivos da cidade de Wuhan. Os genomas de vários ma- miferos, coletados no mercado após a eclosão da pandemia, saíram do ar pouco após a publicação, sob o pretexto de que os cientistas responsáveispelo upload haviam violado as condições de uso da plataforma (agora, já estão de volta no ar). Currículo? Que currículo? Em abril deste ano, motivados por rela- tos como esses, dois repórteres da revista Science tentaram investigar a biografia de Bogner. Eles entrevistaram mais de 70 pessoas que tiveram algum problema para acessar a plataforma, leram centenas de e-mails e mensagens (algumas em que Bogner e outras pessoas ameaçavam cientistas abertamente), foram atrás do currículo do magnata e descobriram que, bem: não há nada para descobrir. Seus documentos mostram datas de nascimento diferentes, entre 1957 e 1964. A Universidade de Nova Gales do Sul, na Austrália, não tem registro de um aluno com seu nome, ainda que ele afirme ter estudado psicologia e feito um mestrado em administração por lá. Ele se mudou para os EUA, supostamente com 22 anos, para trabalhar na produção de um programa de auditório gravado em Los Angeles — e passou dois meses na cadeia por crimes contra o mercado financeiro. Os maiores doadores da plataforma são bem conhecidos (a Fundação Rocke- feller e até a União Europeia já puseram grana lá), mas as contas de Bogner são uma caixa preta: ninguém sabe quanto dinheiro entra nem como ele é gasto. E uma história ainda sem desfecho, com muitas morais para o ecossistema da ciência. Os filantropos aprenderam que é uma boa analisar melhor o back- ground das iniciativas que ajudam. As agências de fomento recebem o lembre- te de sempre: é preciso pensar critérios de distribuição de verba que estimulem mais a colaboração do que a competição. E todos os envolvidos nos esforços contra a Covid-19 precisam repensar se a praticidade do Gisaid justifica ter subido o set de dados genômicos mais relevante do século 21 majoritariamente em uma plataforma privada, ainda que sem fins lucrativos. Essa reflexão não era viável durante a emergência sanitária. Mas é fundamental para que a humanidade lide melhor com as próximas. & JULHO 2023 SUPER Q PER JULH O 2023 Sh. 20h É O ALARGAMENTO máximo dos ventri- culos cerebrais em astronautas (trata-se de cavidades que armazenam fluido cefalorraquidiano, um líquido que serve para nutrir e limpar o cére- bro). A descoberta é de cientistas da Uni- versidade da Flórida, que escanearam(?) os cérebros de 30 deles. A mudança, que é causada pela micro- gravidade do espaço, persiste por pelo menos 3 anos após a volta à Terra. As consequências disso, se houver, ainda não são conhecidas. (BG) Voos estão ficando mais turbulentos A CHAMADA "turbu- lência de ar claro", que se manifesta quando não está chovendo e o céu parece limpo, ficou 55% mais frequente nas últimas quatro décadas, segundo um estudo(3) publicado por pesquisadores da Universidade de Reading (Reino Unido), que analisaram dados atmosféricos e de satélite. A região mais afetada é o Atlântico norte, entre os EUA e a Europa. Acredita-se que a mudança seja causada pelo aquecimento global. (BG) EDIÇÃO BRUNO GARATTONI CIENTISTAS SINTETIZAM DNA GOM TRÊS HÉLICES Ele existe naturalmente — mas, agora, também pode ser feito em laboratório. CADA CÉLULA DO SEU CORPO contém apro- ximadamente dois metros de DNA: são du- as longas fileiras de nucleotídeos (as “letras genéticas”). Elas são chamadas de “hélices” porque juntas desenham um formato espi- ral, que lembra uma hélice. As duas ficam enroladas, ocupando pouquíssimo espaço, e são complementares — uma serve como backup natural da outra. Mas o organismo também tem outro tipo de fita: o DNA de hélice tripla. Ele surge quando pequenas ca- deias de nucleotídeos se acoplam ao DNA normal, que naquele trecho passa a ter três fileiras — e não apenas duas. A ação do DNA triplo ainda não é plenamente compreen- dida, mas ele parece controlar a atividade de certos genes. À novidade é que, agora, a ciência também é capaz de gerá-lo artificial- mente: pesquisadores da Universidade de Aarhus, na Dinamarca, anunciaram a cria- ção de um método para fazer isso. Ele foi batizado de triplex origami, e consiste em dobrar pedaços de DNA para gerar hélices com três fitas. Os cientistas conseguiram gerar segmentos de DNA triplo com até 9.000 “letras”. Segundo eles, a técnica po- derá ajudar na criação de tratamentos contra doenças genéticas. (BG) “A Amazon batizou o processo de “Iliada”, DIZ UM RELATÓRIO DA FEDERAL TRADE COMMISSION (FTC), Órgão do governo dos EUA, que acusa a empresa de dificultar o cancelamento do serviço Amazon Prime. Segundo a FTC, que cita documentos internos da companhia, ela teria nomeado seu fluxo de cancelamento em referência à Ilíada: um poema extremamente longo, com quase 16 milversos, que foi escrito pelo grego Homero e narra as durezas da Guerra de Troia. (BG) Ilustrações (A) Mariana Andrello £ Leticia Kamioka. (8) Yasmin Ayumi. Fonte (1) The curse of recursion: training on generated data makes modeis forget. | Shumailov e outras, 2023. (D Impacts of spaceflight experience on human brain structure RD Seidier e outros, 2023. (3) Evidence for Large Increases in Clear-Air Turbulence Over the Past Four Decades. M Prosser e outros, 2023. (4) Folding Double-Stranded DNA into Designed Shapes with Triplex-Forming Oligonucieotides. K Cothelf e outros, 2023. JULHO 2023 SUPER 11 Sn. Em julho, a Terra passou pelos três dias mais quentes já registra- dos, com a temperatura média no planeta alcançando 17,23 *€. do Yy “tu, a + Veterinários dos EUA criaram uma injeção que permite castrar gatas sem cirurgia (8. Em experiências com ratos, cientistas chineses identificaram qual região do cérebro está relacionada ao medo de altura (B). Uma espada de bronze com 3 milanos foi encontrada na Ale- manha - e ela ainda brilha (0). Fontes (A) Zoológico de Cincinnati. * (8) East China Normal University. (€) Bavarian State Office for Monument Protection. 12 SUPER JULHO 2023 EMPRESA CRIA CARNE GENETIGAMENTE MODIFICADA Método promete baratear a produção em laboratório desse alimento. O CULTIVO DE “CARNE DE LABORATÓRIO” existe desde 2013. Cientistas coletam cé- lulas de boi ou de frango e as multiplicam em biorreatores (grandes tanques cheios de aminoácidos e nutrientes) para gerar pedaços de carne — sem precisar matar nenhum animal. Mas esse processo é ine- ficiente, usa reagentes especificos, e por isso é caro: mesmo após uma década de aperfeiçoamentos, a carne sintética ainda custa 10 vezes mais do que a natural (e isso na melhor das hipóteses, supondo uma produção em grande escala(5); nas quanti- dades fabricadas hoje, o custo é ainda mais alto). Ela é comercialmente inviável. Mas a companhia americana SciFi Foods diz ter a solução: ela modificou o DNA da carne bovina com a técnica CRISPR (que usa enzimas de bactéria para cortar e alterar sequências genéticas de forma precisa, e tem sido bastante explorada em pesqui- sas da indústria farmacêutica). A Super conversou com a bióloga Kasia Gora, co- fundadora e diretora técnica da empresa. Qual é a diferença da carne editada geneticamente? Essa abordagem nos permite cultivar cé- lulas em laboratório sem a necessidade de microtransportadores [materiais que funcio- nam como estruturas de suporte, permitindo a multiplicação das células nos biorreatores]. Isso eliminou o uso de ingredientes caros, e reduziu nossos custos de produção em mil vezes. O maior desafio das carnes cul- tivadas é o custo. Achamos que será difícil baratear esse tipo de produto sem o uso da técnica CRISPR. Por que usar o CRISPR e não outro método? À técnica CRISPR nos permitiu fazer edições precisas e de pequena escala em células animais. Nós somos capazes de de- senvolver centenas de linhagens celulares todos os meses. Existem outros métodos de edição genética, mas o CRISPR nos oferece precisão, rapidez e custo-benefício. Não revelamos quaisgenes [do DNA bovi- no/ nós alteramos. No entanto, podemos revelar que as modificações geralmente envolvem pequenos ajustes, para aumen- tar a eficiência do crescimento de células dentro do biorreator. A carne já está pronta para lançamento? Não. No momento, Singapura é o único pais que legalizou totalmente a venda de carne cultivada. Nos Estados Unidos, a FDA [agência reguladora americana] já deu essa permissão a duas empresas, e nós estamos buscando o mesmo. Acreditamos que deverá haver mais algumas etapas regulatórias antes que o nosso produto seja introduzido no mercado, o que deve ocorrer no final do ano que vem. (Maria Clara Rossini e Bruno Garattoni) Fontes (5) How much will large-scale production of cell-culturad meat cost? BW Brorsen e outros, 2022. (6) Drift of Earth's Pole Confirms Croundwater Depletion as a Significant Contributor to Global Sea Level Rise 1993-2070. K Seo e outros, 2023. Faturamento da soja dispara no Brasil Vendas quase dobraram em 4 anos - e ela já responde por 42% da agricultura. VALOR DA PRODUÇÃO, EM BILHÕES DE REAIS: TOTAL DO AGRONEGÓCIO: R$ 1,2 TRILHÃO TOTAL AGRÍCOLA: au R$ 868,9 bi MILHO () ez CANA-DE- “AÇÚCAR O sa O ess CAFÉ O 29,9 O 42,8 TOTAL PECUÁRIO: R$ 347,9 bi ALGODÃO 025,7 Q 277 LARANJA 9204 q 18,2 CARNE :10/a: | BOVINA 133,4 (ns) 1561 151,5 140,6 O Mato Grosso: Ro O"; R$ 202,9 bl ço : Vo | : OQ Paraná: O / CARNE : la 288 0337 331 18 344 | R$AST OI dd ; Q São Paulo: O Mato Grosso do Sul: | FRANGO 852 E) 839 98,3 = 89,2 R$ 145,9 bl R$ 73,2 bl | OQ Minas Gerais: OQ Santa Catarina: R$ 129,8 bi R$ 48,6 bi LEITE 5 (Ds 53 57,7 811 Q Goiás: Q Bahia: R$ 101,6 bl R$ 48,5 bi ovos 18 19,8 18,5 201 22,7 mem | Q RioGrande do Sul: q Pará: : R$ 99,3 bi R$ 28,2 bl *Projeção baseada nos dados de janeiro a abril aa É Fonte Valor Bruto da Produção (VBP) Abril/2023. Ministério da Agricultura e Pecuária. FOI QUANTO A HUMANIDADE deslocou o eixo rotacional da Terra entre 1993 e 2010, segundo um novo estudo(6) publicado por cientistas da Uni- versidade Nacional de Seul (Coreia do Sul). Segundo eles, isso aconteceu por causa da extração de água do subsolo. Nas duas décadas analisadas, a humanidade extraiu 2,1 trilhões de toneladas de água, e a maior parte dela foi parar nos oceanos — o que redistribuiu a massa do planeta, e ) empurrou o eixo da Terra 80 cm na direção leste. (BG) Ilustração Yasmin Ayumi. JULHO 2023 SUPER 13 Sh. | Substância causa dano reprodutivo em ratas Em um estudo publicado por Ee pe ço [pas o Ee] aca Bol ije co ua) A pi TCE ee Ap Tod q pede De TS A tipo de célula do útero) e dila- tação do corpo lúteo, estrutura uterina que fabrica progestero- GRE ee re Mec doses bem pequenas, de 0,0003 a 0,03 miligrama, ministradas Ee A ur pe ES mente curto (28 dias). (BG) 3 NOTÍCIAS SOBRE Site ae go po CR ORE DSR Doo OR TS Ce OD Bayer é acusada de propaganda enganosa Pat is RE RO ge TRA Do go de ata Te Tn fez acordo com o governo do estado de Nova York e irá pagar uma multa de US$ 6,9 milhões. atas AS ESA pos e RE Tiro ie e ERC LS E rei Roundup, cujo ingrediente ativo é o glifosato, como se ele fosse Dois aro CER Eu O menos nocivo para o meio am- biente que sabão ou de lavar louça(S). (BG) gs ERR n res do gosto Pra Tr seo Tecido Via o diga e od ge [Epa Ee) ee gi RE Dog o 2023 (ele só poderia ser usado em agricultura profissional). Isso ainda não ocorreu. Mas a empresa começou a oferecer uma nova versão, o Roundup NL, Cep see puro Bali pe (ro a feito de ácido pelargônico, natu- E TC ES Feridas pres (O) Estresse aumenta desejo por Junk food E não é um efeito puramente psico- lógico: também há um mecanismo neurológico envol- vido. A descoberta é de cientistas australianos(D), que submeteram ratos de labora- tório a situações estressantes - e constataram que nesses animais a habênula lateral, uma região do cé- rebro que também existe em humanos e tem a função de controlar a "busca por recompensas”, simplesmente não funcionava (não freava o apetite de- pois que o animal já havia comido o suficiente). A habênula era de- sativada por uma substância, chama- da neuropeptideo Y (NPY), que o cérebro produz sob estresse. (BG) Inglês O O RT - E 4% 49% 1% 1% domina a pp a : DENT AE io metade da ini es is internet rr i á ç pc pana EE ope Re DA Idioma é 10 vezes 48%. 2,9% à ÉS us mais usado do Afaste que na vida offline. 55,6% 3,8 % E X da mtemet que é gti.) 14 SUPER JULHO 2023 Fonte RestofWorld.org, sobre dados Ethnologue e W3Techs. O GLIOBLASTOMA é um tumor que surge nas células gliais, responsáveis por fornecer nutrientes e suporte aos neurônios. Ele é especialmente terrível: a média de sobre- vivência pós-diagnóstico se resume a oito meses(9 (cinco anos mais tarde, só 6,9% dos pacientes estão vivos). Mas, agora, um novo estudo revelou uma possível explicação pa- ra essa agressividade: o glioblastoma altera a estrutura do cérebro, para se conectar a redes neuraisú)D. Cientistas da Universidade da Califórnia em São Francisco analisaram o. CÂNCER AFETA AS CONEXÕES ENTRE NEURÔNIOS Tumor cerebral consegue se conectar a células distantes, mostra estudo. a atividade cerebral de 19 pacientes que têm esse tipo de câncer. Exibiram figuras para os pacientes, que deveriam dizer os nomes dos objetos. Isso ativou áreas relacionadas ao processamento de linguagem, como seria normal — mas também acionou os tumores, que estavam em regiões distantes do cére- bro, demonstrando que havia uma conexão elétrica com eles. Os cientistas acreditam que o tumor se conecte a neurônios sau- dáveis por necessitar de alguma substância produzida por eles. (BG) Polvo parece ter pesadelos com predador O POLVO COSTELLO, que foi capturado na Flórida e desde 2021 é estudado por pesquisadores da Universidade Rockefeller, em Nova York, teve um passado traumático: um predador arrancou um de seus tentáculos quando ele vivia no mar. Agora, OS cientistas dizem ter presenciado um fenômeno intrigante. Eles flagraram quatro episódios, com duração entre 44 e 290 segundos, em que Costello aparentemente teve pesadelos(3: o polvo, que dormia em seu tanque, subitamente assumiu um com- portamento antipredador, soltando tinta e tentando parecer maior. Em 2021, um estudo brasileiro(3 encontrou outro indício de que os polvos talvez sonhem: eles mudam de cor enquanto dormem. (BG) A NOTÍCIA Exercício é mais eficaz que antidepressivos, diz estudo O QUE ELA DIZIA Fazer atividades físicas regularmente é até 50% mais eficaz contra a depressão do que os medicamentos, afirma um estudo que avaliou 128 mil pessoas. A VERDADE O trabalho (9, que foi publicado por cientistas da Universidade do Sul da Austrália, é um “metaestudo”": ele juntou e analisou os resultados de 1.039 testes clínicos. Con- cluiu que a prática de exercícios pode ser benéfica, sim, contra ansiedade e depres- são. Só que o estudo, eis aqui o pulo do gato, não comparou o efeito da atividade física com o de remédios antide- pressivos. Os autores decidiram não incluir testes que fizessem essa comparação, e explicaram o motivo no próprio estudo: “isso limitaria nossa capacidade de avaliar a efetividade dos exercícios em si”. (BG) Ilustrações Yzsmin Ayumi. Fontes (7) Subacute exposure to Roundup* changes steroidogenesis and gene expression of the glutathione-giutaredoxin system in rat ovaries. L Zanatta e outros, 2023. (8) Attomey General james Secures 36.5 Million from Bayer and Monsanto for False Advertising. Neve York State Attomey Ceneral, 15/6/2023. (9) Critical role of lateral habenula circuits in the control of stress-induced palatable food consumption. K Ip e outros, 2023. National BrainTumor Society, 2023. S Hervey-Jumper e outros, 2023. (3 Abnormai behavioral episodes associated vath sleep and quiescence in Octopus insularis. M Magnasco 2 outros, 2023. active sleep states in the octopus. S Ribeiro e outros, 2021. (9 Efectiveness of physical activity interventions for improving depression, anxiety and distress. E Singh e outros, 2023. Clioblastoma remodeiling of human neural circufts decreases survival. (3 Cyeiic aitemation of quiet and JULHO 2023 SUPER 15 SN. | PLAYLIST Essa é a visão de Christopher Nolan sobre o pai da bomba atômica, personagem central de seu novo fime. Batemos um papo com o diretor de Oppenheimer, que estreia dia 20 de julho. Texto “O homem mais importante de todos” Maria Clora Rossini « Design Cristielle Luise [6 E E ES” Para você, o que é mais fascinante sobre a história de Oppenheimer? P rimeiramente, eu sempre estou procurando por uma história dramática, algo que realmente te envolve. já faz alguns anos que eu conheço a história de Oppenheimer. E o que mais me fisgou foi o momento em que ele e outros cientistas do Projeto Manhattan imaginaram a possibilidade de que a primeira bomba atômica causasse uma reação em cadeia com a atmosfera - O que destruiria o mundo. Mesmo assim, eles foram lá e apertaram o botão. Esse me pareceu um momento singular e dramático da história da humanidade que IL 16 SUPER JULHO 2022 merecia ser explorado em um filme. E =" Qualéa relevância do filme no momento presente? uando se trata de armas O nucleares, há momentos na história em que esquecemos da ameaça delas. Elas não foram em- bora, elas não se tornaram menos perigosas. Essa é uma das razões pelas quais eu fiz esse filme. É algo que me toca emocionalmente, e quetorna a história tão poderosa. CcaNaL Great Art Explained YouTube Você sabia que em O Grito, de Edvard Munch, na verdade a pessoa não está gritando? Que as bolinhas vermelhas, marca da japonesa Yayoi Kusama, vêm de uma alucinação? Que a estátua O Pensador, de Rodin, tem 28 cópias - todas originais? Veja essas e outras curiosidades sobre grandes obras (canalem inglês; ative as legendas). (BG) a 7 ” ms” Você escolheu não usar computação gráfica na cena de detonação da primeira bomba atômica. Como ela foi gravada? segunda pessoa para quem mostrei o roteiro do filme [depois da produtora Emma Tho- mas] foi Andrew Jackson, meu supervisor de efeitos visuais - que também fez Tenet e Dunkirk comigo. Eu disse logo que não queria usar imagens geradas por computador (CGI). Apesar de ser uma técnica versátil e flexível, ela parece mais segura. Para o espectador, é difícil sentir a ameaça real na imagem. Então, começamos a experimentar com técnicas analógicas [Nolan não revela quais, para não comprome- ter a experiência os espectadores]. Além disso, acho que muito da ten- são dessa cena está no rigor dos detalhes - a maneira que a bomba foi montada e transportada. Cons- truímos esse clímax baseado em precauções da vida real. Foto Divulgação. Ícones Getty Images. DOCUMENTÁRIO = Fantasmas do Abismo (2003) Netflix Vinte anos antes da tra- gédia do OceanGate, o cineasta James Cameron visitou os destroços do Titanic. A bordo dos submersíveis russos MIR-1 e MIR-2, ele e sua equipe desceram 4 mil metros - e aí usaram dois rovers aquáticos, de controle remoto, para explorar os destroços por dentro e capturar imagens incríveis. (BG) Imagens Reprodução/Divulgação. ROGER PENROSE A mente “ nova do imperador rd CNM TARA deEsIrS A sa GE4S DA FINA Os limites da IA O INGLÊS ROGER PENROSE é um físico importante, vencedor do Prêmio Nobel de 2020 por suas pesquisas sobre buracos negros. Tam- bém é um pensador ousado, famoso por uma teoria nada ortodoxa sobre a consciên- cia (que, para ele, deriva de um fenômeno quântico dentro dos neurônios). Neste livro, Penrose junta matemática e filosofia para investigar a inteligência humana - e suas diferenças, incluindo algumas que ele considera intransponíveis, em relação à artificial. (BG) A Mente Nova do Imperador. R$ 108,80. FILME UMA MENINA E OS ALIENS O PLANETA FOI INVADIDO, só resta fugir. A única arma de Lana é a inteligência, que ela usa para resolver puzzles e atravessar o mundo sem ser notada. E que mundo: este game, do estúdio sueco Wishfully, foi totalmente pintado à mão, com resultados belíssimos. Ele é para Xbox e PC, mas também pode ser jogado em smartphone ou Mac, por meio do serviço de nuvem Xbox Game Pass. (BG) Planet of Lana. R$ 75 (grátis para assinantes do Game Pass). Mixed by Erry (2023) Netflix A história real de Enrico Frattasio, garoto pobre que trabalhava varrendo o chão de uma loja de discos em Nápoles, no sul da Itália. Ele amava música e sonhava em ser DJ. Acabou virando um magnata: dono da maior gravadora do país, com mais de 180 milhões de fitase CDs vendidos. Todos falsificados. (BG) Estratégia no jardim Os PIKMIN SÃO BICHINHOS estranhos, com cabeça de planta e pernas de inseto. Neste jogo, criado pelo japonês Shigeru Miyamoto (o genial autor das franquias Mario e Zelda), você deve ajudá-los a realizar tare- fas, levando em conta as características e limitações de cada um. Ou seja: sob a aparência fofinha, há um sofisticado game de lógica - que está ganhando seu quarto episódio. (BC) Pikmin 4. Lançamento dia 21, para Nintendo Switch. R$ 299. FILME O Canto do Cisne (2021) Apple TV+ Cameron tem uma doença terminal, mas não conta para a família. Vai a uma clínica que gera um clone idêntico, incluindo suas memórias. A ideia é que o clone assuma a vida dele. Mas isso levanta questões filosóficas - que o protagonista Mahershala Ali desenvolve numa atuação espetacular. (BG) | EDIÇÃO BRUNO GARATTONI CONTA KRISTIN, pacien- te do médico americano Dale Bredesen - que diz ter criado um tratamen- to capaz de reverter o Alzheimer. O método ainda foi pouco testado, e está longe de ser um consenso científico. Mas o livro vale pelas histó- rias impressionantes, de Kristin e seis outras pessoas que dizem ter superado a doença. (BG) Os Primeiros Sobrevi- ventes do Alzheimer. R$ 55.90. AS RAÍZES DO MUNDO O SuL DA EUROPA é mais machista que o Norte. É que as terras do Sul exigiam o uso de arado puxado por animais, que só homens tinham força para controlar. Já no Norte, a agricultura usava enxada e rastelo, mais leves - e por isso as mulheres participavam em pé de igualdade. Essa é uma das teorias desenvolvidas pelo isra- elense Oded Galor neste ambicioso livro, que tenta explicar a história humana através de seus fatores econômicos. (BG) AJornada da Humanidade. RS 56,60. JULHO 2023 SUPER 17 cejefjnag/ce3nposday soj03 ETOT OHTINÍ VadNS 8r Epp RU Na era do lítio EM 2021, um executivo da Duracellinsinuou que o controle do Xbox ainda usa pilhas devido a um acordo comercial com a Microsoft - que negou. Seja como for, agora finalmente a empresa está lançando um controle com bateria de lítio: ele se chama Remix, e é feito de plástico parcialmente reciclado. Sua bateria dura até 30h, o dobro das pilhas comuns (e quase o triplo das recarregáveis de NiMH, que muitos donos de Xbox usam hoje). O porém é que o Remix custa R$ 800 - quase o dobro do controle normal. CAFÉ COADO ESTÁ NA MODA E À MÁQUINA XBLOOM promete torná-lo quase tão fácil de fazer quanto os cafés em cápsula. Ela usa xPods, que são minicoadores descartáveis com café dentro (o fabricante oferece dezenas de opções, com grãos de várias partes do mundo). A máquina mói os grãos e aí passa o café - girando o jato d'água e dando batidinhas nocoador, como um barista faria. O aparelho é vendido por US$ 800, e cada xPod (que rende duas xicrinhas de café) sai por USS 2. 99,965% da luz EssE É O COEFICIENTE de absorção do Vantablack, que foi criado em 2014 pela empresa inglesa Surrey NanoSystems - e é o material mais preto que existe. Ele já foi usado para pintar paredes e carros, eagora está presente numa TV: a Philips OLED+908, que tem uma camada de Vantablack dentro. A película deixa passar os raios luminosos emitidos pela TV, mas absorve toda a luz vinda do ambiente - o que torna a tela imune a reflexos. Ela será lançada na Europa nos próximos meses, a partir de 2.300 euros (para a versão de ss polegadas). Astronomia urbana NAS CIDADES GRANDES, e até nas médias, está cada vez mais dificilver estrelas e corpos celestes. Consequência da vida moderna e sua abundância de luz, mesmo de madrugada. Mas o telescópio Unistellar eQuinox 2 (US$ 2.500) promete resolver: ele captura várias imagens, com vários graus de exposição, e aí combina numa só, perfeita (que é exibida na tela do seu smartphone ou tablet). O teles- cópio gira automaticamente para encontrar os pontos de interesse no céu, e explica - por meio de um app - o que é cada um deles. | EDIÇÃO BRUNO GARATTONI Un gUán: OT CU SID UE interessantes (e surpreendentes) do mundo do crowdfunding Xó, aproximação iIndiegogo.com Projeto VoidScan 2.0 O que é Um cartão que prote- ge os seus outros cartões. Nos últimos anos, surgiram cartei- ras que prometem resguardar os cartões contra tentativas não-autorizadas de leitura por aproximação. Este cartão adiciona a proteção a qualquer carteira: basta colocá-lo dentro da sua. Ao detectar tentativas de leitura, ele envia um sinalembaralhado, im- pedindo a captura dos dados. Não usa bateria (é alimentado pela própria energia do leitor). Quanto já arrecadou USS zo mil Chance de rolar 66660 Sem desviar o olhar kickstarter.com Projeto Motoeye E6 O que é Um gadget que pro- jeta informações, como rotas de GPS, no campo de visão do motociclista - evitando que ele tenha de olhar para a tela do celular enquanto pilota. É um microprojetor, de 2 cm, que fica dentro do capacete. O produto precisará de permissão das autoridades de trânsito. Quanto já arrecadou Uss so mil Chance 66000 JULHO 2023 SUPER 19 ZO SUPER JULHO 2023 O Vision Pro projeta pontos UFA nie a ES TS os olhos. Você não os vê, mas [odor 6 Loo RS E ele para rastrear, com precisão, os ESTAIS Eee a TFT ÇIA + rt estamos o ANT a 4 " O aparelho de realidade virtual da Apple é o primeiro capaz de gerar imagens perfeitas, que realmente parecem de verdade. Ele é um salto ecnológico impressionante, protegido ” rd DER RS [RR ER =] ES EE pela frente um dilema crucial, que até Cie hoje ninguém conseguiu resolver. Saiba - “AM o “AT r J 8" 4 o EMA " qual - e veja como é a experiência A a . , a CARTE RED " . a" 4 o R Texto Bruno Garattoni, de Cupertino (Califórnia) E a Design Juliana Krauss JULHO 2023 SUPER 21 O PRÉDIO DA APPLE é um pouco maior do que o Pentágono: sua circun- ferência externa, com 1,6 km, comportaria todo o centro militar dos EUA. Mas nem parece. Enquan- to o Pentágono é uma presença dominante em Washington DC (a cida- de tem até um bairro cha- mado Pentagon City), o quartel-general da Apple é surpreendentemente pou- co visível para quem anda por Cupertino, a 1h30 de carro de São Francisco. Porque ele, que se chama Apple Park, é cercado por verde: são ao todo mais de 9.000 árvores e plantas, de 309 espécies nativas. Do lado de fora, você só enxerga pedaços do teto e um aviso dizendo que ali é proibido voar com drones. Mas estamos do la- do de dentro. É meu segundo dia no Apple Park, e chegou a hora de experimentar o Vision Pro — aquele headset de realidade virtual, do qual você deve ter ouvido fa- lar, que vai custar US$ 3.500 e será lançado nos EUA ano que vem. O cli- ma aqui é bem diferente da véspera, quando o CEO Tim Cook revelou o produto a uma multidão de funcionários, jorna- listas e programadores. À apresentação foi no anel interno da sede, aonde você chega depois de passar por fileiras de escritórios, atravessar O refeitório com capacida- de para 4.000 pessoas, e cruzar dois grandes por- tais de vidro, com incri- veis 16 metros de altura — eles pesam 180 toneladas cada, e foram fabricados pela empresa alemã Seele. Nos corredores, um avi- so curioso: “Cuidado ao abrir as portas externas: vida selvagem presente”, e o desenho de uma fa- mília de patinhos. Hoje os visitantes já foram embora e está tu- do tranquilo, com fun- cionários trabalhando e circulando (não todos; a imprensa dos EUA tem noticiado que os empre- gados da Apple relutam a voltar ao trabalho pre- sencial). Restaram alguns poucos jornalistas, convi- dados para testar o Vision Pro. Com certo atraso, um funcionário aparece dirigindo um carrinho de golfe. Embarco, atra- vesso o parque e começo a subir uma leve colina, deixando o prédio cen- tral para trás. Passo por quadras de basquete e um enorme gramado. Chego a uma construção retan- gular, erguida para as demonstrações do Vision Pro. Daqui para a frente, não é permitido fotogra- far nem filmar. Se você já viu algum vídeo das apresentações de produtos da Apple, talvez tenha reparado no seguinte: a aparência dos funcionários, que não têm um fio de cabelo fo- ra do lugar. Suas roupas, gestos, pronúncia, tudo parece minuciosamente ajustado — tanto quanto o design dos produtos. Aqui no local da demo também é assim, só que elevado à décima po- tência: as pessoas falam baixinho e devagar, com os olhos brilhando e uma vibe propositalmente zen — só faltava vestirem ba- tas brancas. Na hora me lembro do “campo de distorção da realidade”: expressão criada em 1981 pelo engenheiro Bud Tribble, um dos pais do Macintosh, para definir de forma bem humorada a enorme capacidade de persuasão de Steve Jobs. Me entregam um iPhone para que eu esca- neie meu rosto e orelhas. Essas informações serão usadas para medir a dis- tância entre meus olhos, e ajustar automaticamente a posição das lentes do Vision Pro (o que em outros headsets precisa ser feito manualmente, girando um botão), e também para algo bem impressionante — mais sobre isso daqui a pouco. Depois do escanea- mento, que leva poucos segundos, entro numa salinha para falar com a optometrista de plantão. Ela me pergunta se tenho miopia ou astigmatismo. Não. Mas, para quem tem, o Vision Pro será vendido com lentes personaliza- das, que “grudam” mag- neticamente no headset e serão fabricadas pela empresa alemã Zeiss. Volto ao ambiente principal, onde há dois Vision Pro expostos — e ninguém mexendo ne- les. A parede do fundo, com uns 20 metros de largura e o símbolo da Apple no meio, é fei- ta de um material bem estranho, entre o metal e o cimento queimado. O que será? Assim que penso nisso, alguém me chama; e numa das late- rais, que pareciam placas inteiriças de madeira, vejo uma fresta se abrir. Do outro lado, está o gadget mais sofisticado de todos os tempos — cujo desenvolvimento, segun- do a Apple, rendeu mais de 5 mil patentes. Imagine a sala de uma casa, só que desenhada pela Apple. Tem sofá, plantas, quadros, objetos de decoração, foi monta- da para parecer casual e realista - mas também dá para perceber que foi projetada com exatidão, com iluminação calcu- lada e posições precisas. O Vision Pro está na mesinha de centro. En- quanto uma funcionária me apresenta o aparelho, e antes que me autorize a pegá-lo, fico pensando se a Apple teria consegui- do fazer um milagre de engenharia e criar o pri- meiro headset de RV que não seja nada pesado. Um minuto depois,descubro. O Vision Pro é bem menor do que aparenta nas fotos, e muito mais compacto do que qual- quer outro capacete de realidade virtual — tanto que nem seria adequado chamá-lo de “capacete”. Mas não é exatamente le- ve. Para mantê-lo preso e estável, tenho que apertar /——————— câmeraslaterals —————+ Rag =— câmeras Inferiores — Headset tem dois processadores, qua- tro tipos de câmera, sensor laser e telas com resolução de 23 megapixels. —————— FR = , l câmeras oculares — câmeras 3D (TrueDepth) —— e LEDs Infravermelhos externos — [EPs cap EA IE Last REA) São doze: oito do lado externo, para capturar imagens do ambiente e das suas mãos, e quatro internas, para monitorar os seus olhos. Um sensor LIDAR (light detection and ranging), como o presente em carros autônomos, usa feixes de luz São do tipo micro-OLED (ou OLEDoS), esculpi- das em silício. São produzidas com as mesmas técnicas usadas em chips de computador; por isso, comportam muito mais pixels do que as telas OLED comuns, de plástico. Somadas, as duas têm 23 milhões de pontos - quase O headset tem um processador M2, o mesmo usado nos Macs, e o novo chip R1, que processa os sinais das câmeras e do sensor LIDAR. Eles geram um certo calor: o Vision Pro esquenta um pouco durante o uso, e solta ar morno por duas aberturas, para escanear a sala. o triplo da resolução dos headsets comuns. na parte de baixo. ada héli É gerado por dois micro- calcula as reflexões que “ falantes, um decadalado. as ondas sonoras fazem Ossons parecem emanar ao bater nelas. Aí ele si- cimba de pontos específicos do mula isso, gerando sons cruz ambiente, inclusive atrás “pré-reverberados” que trago de você. O Vision Pro es- enganam o cérebro (leia caneia as suas orelhas e ENS Basta girar esse botão para apertar ou afrou- xar a banda que prende o Vision Pro à sua cabeça. O headset do teste tinha também uma segunda fita, que passa por cima da cabeça (e não aparece nas fotos). A banda e a peça da frente, que se encaixa ao rosto, são de tecido — e removiveis para limpeza. E: /o pi) São dois: o Top, à esquerda, que é usado para tirar fotos e capturar vídeos 3D usando o headset, e o Digital Crown, que tem duas funções. Se você apertá-lo, volta para a tela inicial do Vision Pro (e, se girá-lo, dá zoom nas telas flutuantes e nos ambientes virtuais mostrados pelo headset). mais na pág. 26). concha lóbulo Menor e mais grossa que um iPhone, fica conectada ao headset por um cabo.Promete autonomia de 2 horas. O Vision Pro também pode ser utilizado por tempo ilimitado, ligado à tomada - mas isso sempre é feito através da bateria (ela tem uma entrada USB-C, à qual você pluga um carregador Apple). RS Ni D Reúne os ícones dos principais aplicativos e da App Store. Quando você olha para um dos ícones, ele Eur lap EE bico ÃO demais elementos da interface, como os botões, também respon- dem: adquirem um tom de cinza DS LE ns pita Efesa gafe TE eia) você fixa o olhar neles. LER Flutuam na sua frente e projetam sombras, como se fossem telas de verdade. Você pode ter várias ES ge of p oRrS ps rei ça Ce on pie pr AE go (Li Ed ou mover cada uma para qualquer ponto da sala, usando as mãos. Dá para navegar na web, ler mensa- gens etrabalhar em documentos. EA TA O headset roda o aplicativo FaceTime, do iPhone. A outra pes- soa aparece numa janela flutuante. Seo interlocutor também estiver usando um Vision Pro, o sistema operacional reconstrói a cabeça eo tronco dele - que aparecem em 3D. O resultado não é perfeito (lembra um game), mas surpreende. PERES Dá para filmar ou fotografar cenas do dia a dia usando o Vision Pro e depois assistir, em 3D, com o headset. Os vídeos são quadrados e têm resolução limitada, não preenchem todo o campo de LEE TO RE Ee Ra fo profis Ce PR AT Se TS pp MET pro registrar momentos familiares. : Duplo Clique clique Segurar Arrastar PSTU E Depois de olhar para algum ele- mento da interface, você usa as mãos para selecioná-lo ou fazer eltia e eo nfs p= (MO RTIET o OS reconhece seis gestos - mas, na maior parte do tempo, você usa apenas o clique simples e o arrastar. É bemintuitivo: parece uma versão “aérea” dos gestos que todo mundo OS OBJETOS O REI co Re] re RS diria objetos tridimensionais integrados ao ambiente. Eles têm profundida- de, relevo e sombras realísticas, e reagem aos seus gestos. Podem ser estáticos ou em movimento, e também aparecer combinados a telas virtuais (2D ou 3D). OS VÍDEOS O Vision Pro reproduz conteúdo de três formas: em um telão que flutua na sua sala, num ambiente virtual que simula um cinema, ou no modo de realidade virtual, que ocupa todo o seu campo de visão. Isso depende do formato em que cada vídeo foi gravado. a rodinha de ajuste, o que coloca certa pressão na testa. Ele também tem uma tira superior, que passa pela parte de cima da cabeça (e não aparece nas imagens divulgadas pela Apple). Então não, o Vision Pro não é milagro- samente confortável. Mas é muito melhor do que os headsets tradicionais — inclusive porque a parte que fica apoiada na testa não é de borracha, como neles, mas de tecido. Essa peça veda bem a luz ambiente: assim que coloco o Vision Pro, tu- do fica completamente escuro. Aperto o botão da direita para ligá-lo e a sala novamente “se acen- de”: agora, nas telinhas do headset. Aí, algo extraor- dinário acontece. Quando são ligados pela primeira vez, os pro- dutos da Apple exibem a mesma mensagem: hello, em letras manuscritas. O Vision Pro também — sÓ que essa palavra é um objeto, com aproxi- madamente 1,5 metro de largura. A palavra vai se formando, como se escri- ta por uma mão invisível, e fica flutuando na sala. E ela, eis a parte incrível, realmente parece um ob- jeto real: reflete perfeita- mente a luz do ambiente, que revela seu volume e textura (um plástico liso) e projeta sua sombra no chão. O objeto é estável, sólido, “analógico” — não parece algo gerado por computador. E tão realista que causa certa dissonân- cia cognitiva: numa fração de segundo, meu cérebro me pergunta como um objeto de plástico duro e opaco, que parece pesado, pode flutuar no ar. À palavra some e inicio o processo de calibração do Vision Pro, movendo os olhos e estendendo as mãos à frente do corpo. É rápido. Assim que ele termina, aparecem os ico- nes dos apps — e começo a explorá-los. Vejo algumas fotos, exibidas numa te- la virtual cujo tamanho e posição posso ajustar com as mãos. Abro uma imagem panorâmica, de um bosque, que se ex- pande até preencher todo o meu campo de visão. Acesso dois “vídeos es- paciais”, que foram grava- dos com o próprio Vision Pro, em 3D. Eles têm uma limitação de tamanho, e só ocupam o centro do campo de visão (o Vision Pro escurece automati- camente o entorno pa- ra destacá-los). Os dois vídeos — uma cena de jovens acampando e uma festinha infantil - revelam uma imperfeição curiosa. Movimentos rápidos, co- mo as chamas da fogueira Aperto um botão e a sala se acende, agora nas telas do headset. E algo extraordinário acontece. e as mãos das crianças, têm flicker: vibram um pouco, como se o vídeo não con- seguisse acompanhar sua velocidade. Mas o efeito é discreto — e o resultado geral impressiona. Começo a explorar as funções de trabalho. Para selecionar alguma coisa, simplesmente olho para ela; para clicar, toco o po- legar e o indicador. Posso aumentar ou diminuir as janelas, ou colocá-las em qualquer ponto da sala, com gestos das mãos [ve- ja no infográfico ao lado]. Todos os elementos, não importa onde estejam, sempre têm foco perfei- to. Isso pode parecer um detalhe banal, mas é uma proeza tecnológica: os ou- tros headsets de realidade virtual só conseguem dar foco total bem no meio do campo de visão (tudo em voltafica meio borrado). Abro o navegador Sa- fari, que flutua na minha frente. A imagem é impe- cável. Mesmo mexendo a cabeça e a tela virtual, os contornos das letrinhas dos textos continuam perfeitos, sem nenhum “serrilhamento” (aliasing): um efeito que é causado pela falta de resolução, e afeta todos os headsets comuns. É que eles têm O headset SR ro qt gp Rio exibe os olhos Fe RT T ET g o ERA não quis mos- trá-la no teste. 7a 8 megapixels — muito aquém dos 23 megapixels do Vision Pro. Clico no app Mensa- gens e, enquanto leio al- gumas, recebo uma cha- mada de vídeo. Aparece a cabeça de uma moça, renderizada em 3D de um jeito estranho: parece um personagem de videoga- me, só que um pouco mais real. Deve ser uma demo gravada, penso. Mas ela começa a conversar co- migo: é uma pessoa da Apple, que está ligando de outro Vision Pro. Sua cabeça aparece em 3D porque foi escaneada, e recriada em tempo real, pelo aparelho. Simulamos uma chamada de traba- lho, em que a funcioná- ria me mostra a maquete 3D de um apartamento. O Vision Pro roda sozi- nho, mas também pode ser conectado sem fios a um Mac (com mouse e teclado, se você quiser). Faço uma sessão de meditação. O Vision Pro escurece a imagem da sa- la e no meio dela aparece um objeto colorido, que vai crescendo conforme respiro, até se desfazer em pétalas coloridas. E legal, mas menos im- pressionante que a pala- vra hello (talvez porque ele seja desenhado “no escu- ro”, e não interaja com a luz da sala). Vejo um clipe de Avatar 2 em uma tela 3D, que flutua na minha frente. Com um clique, a sala desaparece e agora estou vendo o filme num cinema virtual, num te- lão com 30 m de largura. O tamanho, a distância e o ângulo da tela são con- vincentes — o Vision Pro só não desenha as cadei- ras e as pessoas da plateia. Os sons do filme vêm de todas as direções, e consigo discernir com clareza cada uma. Mas como o Vision Pro ge- ra sons que parecem estar atrás de mim, por exemplo, se os alto-fa- lantes dele [veja no info- gráfico na pág. 23] ficam na frente das orelhas? Na natureza, quando algum som chega até você, as ondas sonoras reverberam nas estrutu- ras das suas orelhas an- tes de entrar no ouvido. Dependendo do ângulo de que cada onda veio, ela descreve uma trajetória diferente na “concha” das orelhas. Com isso, sua frequência sonora sofre uma alteração precisa — que o cérebro reconhece, e usa para determinar de qual direção aquele som veio. Um mecanismo ge- nial, resultado de milhões de anos de evolução — e que o Vision Pro ex- plora com inteligência. Ele gera ondas sonoras “pré-reverberadas”, que enganam o cérebro. Por ISSO precisei escanear minhas orelhas — é pa- ra que o headset saiba como as ondas sonoras refletem dentro delas, e consiga simular isso. O resultado é convin- cente, porque o Vision Pro também leva em conta o formato e os objetos da sala. Ele ana- lisa o ambiente, usando suas câmeras e o sensor LiDAR [veja no infogrdfi- co|, e simula as reflexões que sons “reais” teriam ao se propagar pelo recinto. Abro um clipe com cenas de realidade virtu- al gravadas em primeira pessoa: estou escalando uma montanha, assistindo a uma cerimônia religiosa, vendo um jogo de bas- quete a beira da quadra. Às cenas, gravadas com câmeras profissionais, impressionam: numa de- las, que se passa em um estúdio, a cantora Alicia Keys parece estar sentada a apenas 20 cm de mim. Fecho o app de vídeos, ea sala reaparece. Abro o último aplicativo, com o icone de um dinossauro. À parede da sala se trans- forma numa tela, perfeita, Com um clique, a sala some - e agora o filme roda num cinema virtual, em um telão com 30 m de largura. do) [o TRSR tao et g geo A resposta da Meta A empresa de Mark Zuckerberg correu para apresentar seu novo headset, o Quest 3, na antevéspera do anúncio da Apple. Mas o produto, cuja data de lançamento ainda não foi divulgada, não é um rival para o Vision Pro - sua resolução, 9 megapixels, é muito menor (e o preço, US$ 499, também). Só que além da linha Quest, que lidera o mercado de capacetes de realidade virtual nos EUA, a empresa também está desenvolvendo modelos muito mais avançados. Um deles, que ainda está na fase de protótipo (veja na foto acima), promete “resolução retinal”: seria capaz de exibir gráficos totalmente realistas, como o Vision Pro. E ir além. O headset, que deverá ser mostrado na feira de computação Siggraph 2023, marcada para agosto em Los Angeles, poderá ser o primeiro com lentes de “plano focal variável”, que ajustam o foco dos objetos virtuais de acordo com a distância em que eles estão. Isso reproduz o funcionamento normalda visão humana (que desfoca naturalmente os elementos mais distantes), e promete um grau de imersão ainda maior. Foto Divulgação/Meta OA [Saci e acesso aos serviços Pr ANE no Polos a MRE Do ço og área na Ste o [CR DRE ato vem falar com você durante um conteúdo imersivo, a imagem se abre automaticamente para mostrar a pes- soa (abaixo); na hora Cia E AT iE usar teclado real ou virtual (abaixo). Os objetos virtuais são sólidos, estáveis, “analógicos”. Não parecem criados em computador. e nela aparece um dino. Após alguns segundos, o bicho sai da tela e dá dois passos para dentro da sa- la. Levanto e vou até ele: que bate na altura do meu ombro e é perfeitamente sólido e real, de todos os ângulos. Volto para o sofá, e o dinossauro se vai. Sur- ge uma borboleta, que voa lenta e delicadamente pelo recinto. Estendo o braço, e ela pousa nas costas da minha mão. Não sinto seu toque, pois ela não existe; fora isso, é uma borboleta de verdade. Fim da demo. Usar o Vision Pro é uma experiência trans- formadora. O equivalente moderno ao que a plateia dos irmãos Lumiêre deve ter sentido ao ver a pri- meira projeção de cine- ma, na Paris de 1895. Mas, além de um dinossauro, o headset também tem um “elefante na sala” — um porém. E não é só seu preço. E o conteúdo. A Apple anunciou uma parceria com a Disney, que irá fazer produções para o Vision Pro (quais, ainda não se sabe). Ele Vai precisar de bastante conteúdo para que as pessoas se disponham a comprá-lo. Só os filmes dos serviços Apple TV+ e Disney+, e os games do Apple Arcade (títulos 2D, mais simples), talvez não sejam suficientes. A Apple está apostando nos desenvolvedores de aplicativos, uma parceria que deu muito certo no iOS (a App Store movi- menta US$ 1,1 trilhão por ano, o equivalente à meta- de do PIB brasileiro). Mas fazer conteúdo de reali- dade virtual é bem mais difícil e caro do que criar apps de celular. Além dis- so, nos primeiros anos, a criação de apps e “expe- riências” para o Vision Pro deverá dar prejuízo, porque pouca gente terá o headset. Mas, se ninguém topar fazer, não haverá conteúdo - e a base de usuários não crescerá. Trata-se de um ciclo que se realimenta há tempos no mundo da realida- de virtual, impedindo a popularização dessa tecnologia; um proble- ma que a indústria nunca conseguiu superar. Meio século atrás, o escritor inglês Arthur Clarke (autor de 2001) cunhou uma frase lendá- ria: “Qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia”. O Vision Pro tem mo- mentos assim. Mas seus truques virtuais não eli- minam um fato concreto: até a magia mais encanta- dora precisa de mágicos para executá-la. O JULHO 2023 SUPER 27 UR Texto Reinaldo José Lopes Ilustração Vinicius Capiotti e Bruno Garattoni Design Luana Pillmann Eles inventaram as próprias técnicas e ferramentas. Sabiam cozinhar, tinham rituais sociais, eram capazes de criatividade artística. Trocaram conosco genes importantes; e não foram extintos pelas nossas mãos. Conheça as descobertas cientificas que estão mudando a imagem dos neandertais— e revelando que eles não foram os brutamontes que se imagina. PAR JA ER IE o o E) a o [o] N Q ps pr, E POR QUASE UM SÉCULO, quando al- guém pronunciava a palavra “neandertal”, a imagem que vinha à cabeça da maio- ria das pessoas era muito semelhante à que apareceu pela primeira vez em um desenho publicado em 1909, no sema- nário francês LIlustration. Assinada pelo pintor tcheco Frantisek Kupka, que rece- beu consultoria do paleontólogo francês Marcelin Boule para o trabalho, a gravura mostra uma criatura que mais parece um chimpanzé bipede. As pernas curtas es- tão arqueadas; os dentes, arreganhados; um dos punhos está cerrado, enquanto a outra mão segura uma espécie de por- rete. Dá para ver um crânio no chão de pedra, a poucos metros do neandertal. Não há quase nada de humano nesse su- jeito. Boule e Kupka provavelmente iriam querer arrancar os cabelos se soubessem, como a ciência descobriria muito tempo depois, que a grande maioria das pessoas carrega um pouco de DNA desse trucu- lento homem-macaco. E a grande questão, claro, é que de homem-macaco os neandertais não ti- nham nada. Depois de passarem tanto tempo levando fama de brutamontes das cavernas, os membros da espécie Homo neanderthalensis finalmente estão sendo retratados com um pouco mais de empatia e consideração. Isso graças a uma avalanche de novas pesquisas, que têm encurtado cada vez mais o suposto abismo que separaria os seres humanos atuais dessa população da Era do Gelo. Está cada vez mais claro que, em mui- tos aspectos de seu comportamento e capacidades mentais, os neandertais eram basicamente gente como a gente, Ei SUPER JULHO 2023 Mais Inte- ligentes e dotados de armas melhores, os saplens terlam var- rido os ne- andertals da Europa e da Ásia. Registros fósseis, eas primelras análises de DNA, pareciam confirmar Isso. eo apesar de uma separação evolutiva de algumas cen- tenas de milhares de anos. Foram alguns detalhes sutis (não um extermínio, como se acreditava) que os fizeram desaparecer. E não sem antes que acon- tecessem diversos epi- sódios de miscigenação entre as espécies, fazendo com que fragmentos do genoma deles continuem se multiplicando nos cor- pos humanos até hoje. A À primeira coisa que você precisa saber para entender a trajetória dos neandertais é que, no contexto geral da evolução humana, a sepa- ração entre o nosso ramo da árvore genealógica e o deles é muito recente. Tu- do indica que os primeiros hominínios surgiram entre 6 e7 milhões de anos atrás (o termo hominídeos, mais tradicional, engloba tam- bém chimpanzés e outros grandes macacos). Durante a maior parte do tempo, os hominínios viveram na Africa. Há menos de 2 milhões de anos, quando já existia o gênero Homo, ao qual pertence a nossa espécie, alguns desses ancestrais começaram a se espalhar para fora do continente africano, colonizando boa parte do Velho Mundo, chegando à Europa e à Ásia. Esse processo iria se repetir pelo menos mais duas vezes. Na segunda grande on- da migratória dos homini- nios, uma espécie que os especialistas chamam de Homo heidelbergensis se dividiu em dois grandes ramos, um africano e outro “imigrante”. A hi- pótese mais aceita hoje é que os H. heidelbergensis que ficaram na Africa acabariam dando origem ao chamado Homo sapiens anatomicamente moder- no (ou seja, nós), enquanto os que se multiplicaram na Europa seriam os ta- taravôs dos neandertais. Estimativas feitas com base em fósseis e no padrão de mutações das “letras” químicas do DNA indicam que essa bifurcação (ou “di- vergência”, como dizem os biólogos) dos ramos da árvore genealógica teria acontecido entre Soo mil e 800 mil anos atrás. Em escala evoluti- va, é bem pouco tempo. E não é só isso que nos aproxima dos ne- andertais. Antes da se- paração das linhagens, o ancestral comum entre as duas espécies já tinha desenvolvido um cérebro quase tão grande quan- to o que temos hoje. Já havia dominado o uso do fogo, a confecção de instrumentos de pedra relativamente complexos e provavelmente alguma forma de fabricação de vestuário, levando em conta que o H. heidelber- gensis já tinha colonizado regiões de clima tempera- do. (Isso porque esses ho- minínios também já não eram mais peludos como os chimpanzés. Descul- pa aí, seu Kupka.) Não é pouca coisa — e tanto os primeiros H. sapiens quan- to os neandertais mais antigos carregavam essa mesma bagagem quan- do começaram a trilhar caminhos separados. Mas, se a separação é assim tão recente, e se as pesquisas sobre o nosso genoma demons- traram que neandertais e H. sapiens podiam ge- rar descendentes férteis (algo que normalmente não é possível em cru- zamentos interespécies), por que diabos se con- solidou a ideia de que são duas espécies dife- rentes? Grosso modo, porque a separação foi longa o suficiente para criar diferenças genéti- cas marcantes entre es- sas duas populações de — Tudo apontava para uma substituição abrupta - cm que Os sapiens teriam dizi- mado os neandertais. JULHO 2023 SUPER 31 AR IT PA RPA TT Pa gr E usura due TS Ts Td E E a DT ee ri E Te TEIA o A SUBSTÂNCIA Sa a a AD TA ME TR analisaram resíduos químicos encontrados em dois fragmentos de ferramentas neandertais. Detectaram 4 miligramas de piche - ele era usado como cola, para Eee pira diogo up cair fo ape e Es Te Pros aee de Amostra 2 er OS TESTES E Os pesquisadores analisaram quimicamente as amostras de piche. Em seguida, testaram cinco métodos de produzir esse material (veja abaixo). Descobriram que os neandertais usaram a mais complexa e eficiente, em que a madeira é parcialmente enterrada antes da queima - a restrição de oxigênio deixa o piche mais concentrado. a TT A P | mm an folhas TS Pia q AF, Dan RED Madeira enterrada Fonts Production eo doce ssa for De A a cego TE Sc 3ZSUPERJULHO2023 hominínios, e também houve um isolamento reprodutivo conside- rável, com centenas de milhares de anos sem cruzamentos entre elas. Coisas assim aconte- cem o tempo todo na na- tureza. Veja, por exemplo, o caso dos ursos-polares e dos ursos-pardos. Ba- tendo o olho, eles pare- cem bem diferentes. São duas espécies separadas. Mas podem cruzar entre si e gerar descendentes férteis, ainda que isso não seja comum. E tudo indica que, assim como os neandertais e o H. sapiens, essas duas espécies de ur- so se separaram há rela- tivamente pouco tempo (cerca de çoo mil anos). Ou seja: duas popula- ções de animais podem ser de espécies separadas, e mesmo assim manter algum grau de vínculo genético — em certos ca- sos, O suficiente para ge- rar descendentes férteis. Vários elementos ex- plicam por que a repu- tação dos neandertais só começou a melhorar para valer nos últimos anos. O primeiro é a visão um tanto distorcida sobre a origem do próprio H. sapiens que prevaleceu até pouco tempo atrás. E isso não dependia só do preconceito do começo do século 20. Alguns estudos bem mais modernos tam- bém pareciam retratar o H. neanderthalensis como uma espécie “obsoleta”: muito inferior aos seres humanos de anatomia moderna no que diz respeito a inteligência e complexidade do com- portamento. Por um lon- go período, os neandertais Os neandertais criaram uma téeni- ca sofistie ada para produzir piche - que usavam na confecção de ferramentas. foram considerados an- cestrais dos sapiens. Mas a partir dos anos 1980, quando os estudos sobre o genoma humano começaram a decolar, ga- nhou força a hipótese de que a nossa espécie teria tido uma origem recente, na África. Os dados de DNA foram combinados com análises defósseis, que mostraram duas coi- sas: 1) era fácil diferenciar esqueletos antigos de ne- andertais e de H. sapiens, pois eles tinham anatomia bem diferente um do ou- tro; 2) não havia qualquer indício de que, na Europa e na Ásia, os neandertais tivessem dado origem aos humanos modernos. Em vez disso, parecia ter acontecido uma substitui- ção meio abrupta de um grupo pelo outro. Tudo indicava que nos- sos ancestrais basicamente tinham varrido os nean- dertais do Velho Mun- do, sem deixar vestígios. Quando pesquisadores como o sueco Svante Pããbo começaram a do- minar técnicas para obter fragmentos de DNA nean- dertal, nos anos 1990, es- sa tese ganhou mais força. Pããbo, que hoje trabalha no Instituto Max Planck de Antropologia Evolutiva, na Alemanha, conseguiu “ler” trechos do mtD- NA (DNA mitocondrial) dos neandertais. Esse tipo de material genético só está presen- te nas mitocôndrias, as usinas de energia das células, e é transmitido apenas pelo lado materno. Ou seja, o seu mtDNA é igual (ou quase igual, caso venha a sofrer mutações) ao da sua mãe. Acontece que o mtDNA tipicamen- te neandertal não apare- cia em nenhuma pessoa A clência acreditava que os ne- andertals tivessem uma dieta bem menos varlada que a dos saplens. Mas novos estudos revelaram que a all- mentação deles era quase tão rica quanto a nossa. viva hoje — um dado que ainda se mantém. Aí o especialista sueco e seus colegas propuseram, com base nisso, que os nean- dertais não tinham deixa- do nenhum descendente. Além de todos esses dados, os estudos sobre a cultura dos primeiros H. sapiens europeus pa- reciam indicar que eles estavam anos-luz à fren- te dos neandertais em quase todos os aspectos. Enquanto os neandertais pareciam ser estritamen- te carnívoros caçadores de grandes animais, os primeiros humanos mo- dernos teriam uma dieta muito mais diversificada, capturando pequenos mamiferos, aves, peixes, coletando ovos e vegetais. As ferramentas dos H. sapiens seriam bem mais sofisticadas, incor- porando várias peque- nas lâminas de pedra e também aproveitando matérias-primas como osso, marfim, conchas e madeira. E, o que talvez fosse o mais importante, só os humanos de anato- mia moderna teriam de- senvolvido formas de arte e simbolismo, fazendo pinturas deslumbrantes em cavernas, esculpin- do pequenas estatuetas, marcando a rocha com o contorno de suas mãos, enfeitando-se com pin- tura corporal e colares e criando algo muito parecido com os rituais xamânicos dos povos indígenas de hoje. Surgiu a hipótese de que tudo isso teria aparecido de forma re- lativamente rápida na linhagem da nossa espé- cie, numa espécie de “Big Bang cognitivo” há cerca de ço mil anos. Segundo iai JULHO 2023 SUPER 33 34 SUPER JULHO 2023 essa ideia, algum tipo de alteração ge- nética teria reorganizado o cérebro dos H. sapiens — enquanto os neandertais, sem um salto evolutivo similar, teriam ficado para trás. Muito mais criativos e versáteis, os H. sapiens teriam empurrado os neander- tais rumo à extinção, competindo por recursos com eles ou mesmo por meio do confronto direto. E isso, de acordo com a tese, explicaria a total ausência de mtDNA neandertal nas pessoas de hoje. No fundo, diziam os defensores da ideia, os neandertais seriam só uma espécie particularmente versátil e habilidosa de primata — e apenas os H. sapiens poderiam ser considerados plenamente humanos. M Mas alguns pesquisadores nunca en- goliram esse contraste tão forte entre as duas espécies. E, ironicamente, o jogo começou a virar graças, em parte, aos estudos sobre paleogenética — os mesmos que, de início, pareciam ter lançado uma pá de cal sobre a repu- tação dos neandertais. Ocorre que o DNA mitocondrial é, na verdade, um pedaço minúsculo de material genético perto do tamanho do genoma humano propriamente dito, que fica armazenado no núcleo das células. O genoma inteiro tem 3 bilhões de pares de “letras” de DNA, enquanto o mtDNA soma apenas 16.500 pares (mais ou menos o equi- valente, em caracteres, a uma matéria de capa da Super). Isso significa que a informação presente no mtDNA conta uma parte muito pequena da história evolutiva de uma espécie. Com o avanço da tecnologia de obtenção e análise de DNA antigo, a equipe de Svante Pãábo, ao lado de co- legas americanos, finalmente conseguiu montar o primeiro rascunho O do ge- noma neandertal completo em 2010. E aí Veio a surpresa: a herança genética neandertal estava presente, de forma significativa, nas populações moder- nas de origem não africana — ou seja, todos os europeus, asiáticos, nativos da Oceania e das Américas carregam um pouco de DNA neandertal. Às estimativas mais recentes indicam que essa contribuição gire em torno de Um saplens que viveu há 40 mil anos tinha 19% de DNA neandertal (cinco ve- zes mais do que hoje). Ou seja, o legado genético da espécie fol se diluindo ao longo do tempo. Mas ele ainda é perceptível. 2% do DNA humano mo- derno, com alguma varia- ção entre grupos — acredi- ta-se que a “porcentagem neandertal” seja um tiqui- nho maior nos povos do leste da Ásia, por exemplo. Outro estudo, feito em 2020, também mostrou que mesmo grupos africa- nos atuais, de países como Quênia, Gâmbia e Nigéria, carregam cerca de 0,5% de DNA neandertal O. Provavelmente, devido a fatores como migrações “de retorno”, com grupos da Eurásia que voltaram para a África, ao longo das últimas dezenas de milhares de anos. À análise genética dos neandertais e sua com- paração com o DNA dos humanos modernos suge- rem que as duas espécies cruzaram diversas vezes, mas nem sempre com os mesmos resultados. Os encontros mais antigos teriam ocorrido cerca de 70 mil anos atrás, no atual Oriente Médio — antes de o Homo sapiens começar sua grande dispersão pe- lo mundo. E por isso que tantas etnias humanas carregam um pouco de DNA neandertal: ele foi inserido no nosso geno- ma antes mesmo que os grupos de sapiens se se- parassem e começassem a formar povos distintos. Os restos mortais de um Homo sapiens que viveu há cerca de 40 mil anos, na atual Romênia, revelaram que ele tinha 10% de sequências gené- ticas vindas dos neander- tais. É bem mais do que hoje, e compativel com um “evento de hibridi- zação” de quatro a seis gerações antes — ou seja, o sujeito pode ter tido um bisavô ou tataravô que era H. neanderthalensis. Fontes (1) A draft sequence of the Neandertal genome. S Paabo e outros, 2010. O Identifying and big : Ancestry in African individuals. ) Akey e outros, 2020. Cerca de 2% do DNA humano PEDE Ti LEEDS tais. Isso Es TEC T: EUR TE caracte- Esc to OTA e negativas. A herança genética DEST AE TEA TS oa Ti TD Te TT TO influenciam mais de 20 características do organismo. ra RU SE Os humanos modernos possuem um pouquinho de DNA neandertal: 2% do genoma, em média (os povos asiáticos e europeus são os que mais têm genes neandertais; os africanos são os que têm menos, cerca de 0,5%). Esses genes estão distribuídos por todos os cromossomos, e têm relação com certas características físicas. b) o li gp» PARA AU - 4 De a do “red abcabeiÀ 0008 PERU a 2 e Ao pe ET SE CE ed de "hibridação - cruzamentos entre nós e eles, a partir de 70 mil anos atrás. Isso turbinou nosso sistema imunológico, mas também gerou propensão a certas doenças. [es ao CR DS SAR Caracteristica correspondente Propensão à anemia NI Rosistôncio natural q viru PIC! e: Autodostruição celula ZNF778 Relacionado co autismo = | A Altura e nível de laquetas no sangue Rs TER RG bactérias e fungo oo. FCGRZA Regulação imunológica (a mutação pode causar artrite) ET E Arte aa a Da AAA Ae SE EE Receptors. ] Keiso e outros, 2016. RISE Os “minicérebros” neandertais
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