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Microbiologia Básica e Ambiental Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Jorge Henrique da Silva Revisão Textual: Prof. Ms. Luciano Vieira Francisco 5 Para que você tenha um excelente rendimento nos estudos, é de extrema importância que, além de ler atentamente o conteúdo desta Unidade, você consulte, ainda, os materiais complementares e assista ao vídeo sugerido. Recomenda-se também que você busque outras fontes que possam contribuir ao seu aprendizado. Seja um(a) gestor(a) ambiental diferenciado(a), aprofunde-se no tema e enriqueça, ainda mais, seus conhecimentos! “O segredo de um grande sucesso está no trabalho e no contínuo estudo”. Nesta Unidade será apresentado o conceito de biorremediação, assim como o papel de diversos microrganismos nesse processo natural de remediação de sistemas contaminados. Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos • Introdução • O uso de microrganismos para remediar sistemas naturais • Fatores que interferem na biorremediação • Degradação de poluentes organoclorados em efluentes industriais 6 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Contextualização Para atender a atual demanda por diversos produtos e alimentos, as indústrias vêm, cada vez mais, utilizando compostos sintéticos em seus processos produtivos. Esses compostos, principalmente os biocidas (agrotóxicos), que na sua maioria são xenobióticos e recalcitrantes, quando atingem os sistemas naturais (solo, biota, água e atmosfera) podem causar sua contaminação. Nesta Unidade você verá o importante papel que alguns microrganismos desempenham, degradando esses compostos poluentes e remediando, assim, os ambientes naturais contaminados. Explore Para tanto, inicie este aprendizado assistindo ao vídeo Biorremediação de agrotóxicos, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y036RArXIvg. 7 Introdução No final do século XIX os resultados das pesquisas dos microbiologistas Beijerinck e Winogradsky evidenciaram que microrganismos (neste caso, as bactérias) poderiam contribuir com a reciclagem da matéria (elementos químicos). Estes estudos deram origem ao ramo das Ciências Biológicas, a ecologia microbiana, que passou a estudar a relação entre os microrganismos e o meio em que vivem. Os elementos químicos como o oxigênio (O), o carbono (C), o nitrogênio (N), o fósforo (P), entre outros, são indispensáveis à manutenção da vida. Entretanto, na forma como esses elementos se encontram distribuídos (naturalmente) nos diversos sistemas naturais (solo, ar, água), os organismos mais complexos como as plantas e os animais não conseguem absorver tais elementos. Assim, para que esses organismos possam “utilizar” tais elementos, o papel de “transformação”, desempenhado pelos microrganismos, é imprescindível. Neste contexto surge a Biotecnologia, Ciência que pode ser conceituada como o conjunto de diversas técnicas que utilizam “agentes” biológicos (organismos, células, organelas, moléculas, enzimas) para obter bens (produtos), ou mesmo desempenhar processos de remediação de sistemas naturais contaminados por poluentes, ou tratamento de efluentes (esgotos). Entre as diversas técnicas que a Biotecnologia faz uso, a Engenharia Genética se destaca como uma tecnologia inovadora, que nos permite substituir métodos tradicionais de produção (moléculas, enzimas ou hormônios), assim como possibilita obter produtos inteiramente novos, como por exemplo os Organismos Geneticamente Modificados (OGM). Na área de saneamento e remediação ambiental, avanços na ecologia microbiana têm permitido um maior conhecimento das interações entre os microrganismos como a matéria e os seres vivos, além de suas contribuições nos processos de remediação ambiental. O uso de microrganismos para remediar sistemas naturais No final da década de 1980, os cientistas aperfeiçoaram alguns processos onde microrganismos utilizavam substâncias poluentes como fonte de energia, ou mesmo, através de suas enzimas, conseguiam degradar (“quebrar”) substâncias poluentes originais em outras pequenas, de menor potencial poluente (ou inertes). Após os resultados desses estudos e pesquisas, os cientistas passaram a utilizar com maior frequência os microrganismos (ou suas enzimas) para “limpar” (remediar) sistemas naturais contaminados. Esses processos são chamados de biorremediação. Importante Ressalta-se que outros organismos, além dos microrganismos, também apresentam potencial para remediar ambientes contaminados, como por exemplo, as algas e as plantas. 8 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Alguns microrganismos que mostraram, em escalas laboratoriais, grande eficiência nos processos de remoção de poluentes, começaram a ser utilizados para remediar ambientes contaminados, como por exemplo, poços subterrâneos contaminados e em locais onde ocorrem acidentes com derramamentos de compostos químicos. Neste aspecto, no desastre com o petroleiro Exxon Valdez, ocorrido em 1989 no Golfo do Alaska (Figura 1), uma das técnicas para remediar (despoluir) as áreas contaminadas pelo petróleo derramado foi a utilização de microrganismos com potencial de degradar esse tipo de óleo. Figura 1 – Derramamento de petróleo no golfo do Alaska em 1989 – processos de contenção do óleo e de remediação. Fonte: cwu.edu - PH2 POCHE/ Wikimedia Commons A partir das evidências de sua eficiência, tanto em pesquisas como em campo, o processo de biorremediação é recomendado pelos cientistas como uma técnica viável à remediação (descontaminação) de sistemas (solo e água) poluídos, assim como para decompor resíduos especiais e efluentes industriais. Embora figurem outras técnicas de engenharia que, por meio de processos físicos e/ ou químicos recuperam ambientes poluídos, a técnica de biorremediação é natural, além de mais adequada e eficaz para restaurar sistemas naturais contaminados por substâncias xenobióticas recalcitrantes. Xenobióticos são compostos químicos não naturais, sintetizados pelo homem, que os microrganismos não degradam – esses compostos são “estranhos” para tais! Recalcitrantes são compostos químicos que não sofrem degradação e, assim, perduram por longo período nos sistemas naturais. Entre essas substâncias (tóxicos estranhos e persistentes) que vêm sendo lançadas nos sistemas ambientais há mais de cem anos, encontram-se os pesticidas, metais pesados, fármacos, corantes. Ressaltasse que muitos desses compostos ou de seus produtos de degradação causam danos enormes à saúde ambiental e humana. Algumas substâncias são potencialmente mutagênicas, de teratogênicas e carcinogênicas, consequências que vêm modificando a estrutura ecológica e funcional das comunidades biológicas, inclusive humana. 9 Mutagênico se refere ao agente que pode causar mutação, ou seja, dano no material genético (DNA) de um ser vivo. Esse dano no DNA pode ser transmitido às gerações seguintes. Teratogênico diz respeito ao agente capaz de causar malformações no feto ainda em desenvolvimento. Carcinogênico é o agente com potencial cancerígeno, isto é, com poder de iniciar o desenvolvimento de um câncer em um ser vivo. Nos processos de biorremediação, utilizam-se microrganismos autóctones ou introduzidos (modificados ou não geneticamente) com capacidade de degradar essas substâncias xenobióticas recalcitrantes, transformando-as em moléculas com menor potencial poluidor, ou ainda transformando-as em compostos químicos mais simples, como por exemplo: ( ) ( ) ( ) ( ) ( )2 22 2 3 4 4 , , , , .H O água CO gás carbônico NH amônia SO sulfato PO fosfato− − Microrganismos autóctones são seres que vivem no mesmo ambiente que é objeto da pesquisa ou intervenção. Entende-se por compostos químicosmais simples nesse processo a transformação de uma substância complexa em outra mais elementar (como água e gás carbônico), cuja operação é chamada de mineralização. Devido à combinação genética individual das diferentes espécies microbianas, ao longo das gerações, suas vias metabólicas evoluíram, assim como a capacidade de degradar compostos xenobióticos. Estudos sobre a adaptação dos microrganismos à exposição a esses compostos e aumento da eficiência dos processos de degradação estão cada vez mais desenvolvidos. Nesse sentido, ressalta-se que técnicas moleculares atuais têm contribuído para o avanço das pesquisas sobre adaptação na evolução dos microrganismos. Fatores que interferem na biorremediação Diversos fatores podem influenciar a capacidade de qualquer sistema microbiológico de degradação, entre os quais pode-se citar: o físico, o químico e o biológico. Fatores físicos Entre os fatores físicos destacam-se a luminosidade, a temperatura e o sistema onde ocorre o processo (água, solo, sedimento). Quando os compostos xenobióticos alcançam o solo, as partículas que compõem esse substrato (ou matriz), através da atração de cargas opostas, conseguem adsorver os compostos xenobióticos, processo que diminui a disponibilidade de substâncias poluentes (compostos xenobióticos) para que os microrganismos possam degradá- las. A taxa da atividade metabólica dos microrganismos pode ser reduzida quando o processo ocorre em ambientes que apresentam temperaturas baixas; como consequência, a taxa de degradação dos compostos xenobióticos também é reduzida. 10 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Fatores químicos Diversos fatores químicos também podem influenciar na taxa de degradação de um composto xenobiótico, entre esses fatores destacam-se: a composição química e o pH da matriz (água ou solo), a concentração de oxigênio ( )2O , o potencial redox da matriz, a umidade e a estrutura molecular do composto xenobiótico (poluente). pH significa potencial hidrogeniônico, grandeza físico-química que indica (em uma escala de 0 a 14) a acidez (de 0 a 6,9), neutralidade (7) ou alcalinidade (de 7,1 a 14) de uma solução. As reduções-oxidações – ou redox – são reações de transferência de elétrons. Para que ocorra uma “reação redox”, deve haver um agente que perderá elétrons (redutor) e outro que os receberá (oxidante) Em relação à estrutura molecular do poluente, pode-se citar a alta persistência de compostos nitroaromáticos nos sistemas naturais, como os agrotóxicos e o Trinitrotolueno (TNT), por exemplo na Figura 2. Apesar de avanços nas pesquisas, os cientistas ainda se empenham para conseguir isolar microrganismos que possam degradar esses complexos compostos xenobióticos. Ainda há alguns metais, classificados como “pesados”, que podem inibir a atividade das enzimas (produzidas pelos microrganismos), e por conseguinte, reduzir também a capacidade de degradação de compostos xenobióticos. Por outro lado, em algumas condições os elementos químicos do tipo metais podem melhorar a capacidade de degradação do composto xenobiótico, atuando como cofatores enzimáticos. Atenção Os metais pesados apresentam massa entre 63,5 e 200,5 e densidade superior a 4,0 g/cm3 e estão situados na tabela periódica entre o cobre (Cu) e o chumbo (Pb). Para a manutenção de suas funções vitais, os organismos precisam (em pequenas quantidades) de alguns desses metais. Entretanto, em quantidades elevadas esses elementos podem se tornar tóxicos. Os metais pesados como chumbo (Pb), cádmio (Cd) e mercúrio (Hg) não possuem nenhuma bioquímica e a acumulação de qualquer um desses no organismo pode provocar doenças graves. Importante O processo de adsorção ocorre quando moléculas de um composto/substância (adsorvidas) aderem (fixam-se) a uma superfície sólida (adsorvente). Fonte: brasilescola.com Figura 2 – Estrutura molecular do TNT. 11 Se na matriz (água ou solo) estiverem presentes outros compostos xenobióticos quimicamente menos complexos, esses podem dificultar a degradação dos compostos xenobióticos mais complexos, pois no processo de degradação os microrganismos “darão preferência” a esses compostos de menor complexidade. Os compostos hidrocarbonetos alifáticos predominam como contaminantes de águas subterrâneas. Esses compostos estão presentes na composição do petróleo cru e também em seus produtos combustíveis. Muitos desses compostos apresentam-se ainda como clorados ou alcanos e alquenos bromados, contendo de um a três elementos de carbono (C), como por exemplo: os haloalcanos, o etileno dibrometo (EDB), o tricloroetano (FCA) e o tricloroetileno (FCE). O composto hidrocarboneto alifático é constituído apenas por átomos de carbono (C) e de hidrogênio (H). Sua estrutura molecular não forma anel aromático, dado que é aberta. Haloalcanos são compostos químicos originados dos alcanos. Onde neste último ocorre a substituição de um ou mais átomos de hidrogênio (H) por igual número de átomos de halogênio (Cl, F, Br ou I). A degradação desses compostos pela ação de microrganismos é amplamente estudada, assim como os resultados dessas pesquisas têm servido como base para diversas tecnologias de biorremediação. Essas pesquisas têm sinalizado que no processo de biodegradação desses compostos a atividade de enzimas do tipo mono-oxigenases e a oxidação química são imprescindíveis. Os estudos afirmam ainda que compostos de cadeia longa são degradados de forma mais lenta se comparados aos de cadeia curta; compostos saturados são degradados mais rápido que seus análogos insaturados; a velocidade de degradação de uma molécula é inversamente proporcional ao grau de ramificação que essa apresenta. Importante Na estrutura molecular de compostos saturados são encontradas apenas ligações químicas do tipo simples. Fatores biológicos A presença e a disponibilidade de microrganismos que apresentam a capacidade de degradar os compostos xenobióticos (poluentes) é o primeiro passo para que o processo de biorremediação possa ocorrer. Fonte: guidechem.com Figura 3 – Exemplo de alguns hidrocarbonetos alifáticos. 12 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Não se pode afirmar que na natureza não figurem microrganismos (ou enzimas) que consigam degradar toda e qualquer molécula (composto químico) sintetizada por processos artificiais. Porém, os cientistas já sabem que vários compostos xenobióticos recalcitrantes podem ser degradados pela ação de microrganismos que apresentam enzimas com capacidade de decompor moléculas complexas. Às vezes o processo de degradação desses compostos ocorre através da atividade conjunta (consorciada) de microrganismos onde cada um pode atuar sobre diferentes fases do processo. Conforme já ressaltado, a degradação biológica (por microrganismos) pode ocorrer com maiores chances quando a estrutura molecular do composto xenobiótico é “parecida” à estrutura de compostos naturais, como a lignina, por exemplo. Quando isso ocorre é possível que, ao final do processo de biodegradação, produtos minerais e/ou nutritivos sejam aproveitados pelo próprio microrganismo (energia ou biomassa), ou mesmo disponibilizados no ambiente. No processo de biodegradação é possível também que a molécula do composto seja degradada apenas parcialmente, sem que os produtos resultantes venham contribuir à “nutrição” do microrganismo. Essa degradação (parcial) metabólica chamamos de cometabolismo. É possível que os produtos do processo cometabólico venham sofrer as ações de enzimas de outros microrganismos, o que poderá contribuir à completa degradação do composto xenobiótico, ou seja, sua mineralização (mineralização). Nas técnicas de biorremediação de sistemas (solo ou água) contaminados, considerar acontribuição de diversos tipos de microrganismos (cometetabolismo) nas variadas etapas do processo é necessário, pois é grande a dificuldade de se conseguir apenas um tipo de microrganismo que apresente todas as enzimas que serão necessárias para que ocorra a degradação total (mineralização) do composto xenobiótico. Ainda no ambiente, os microrganismos podem trocar material genético entre si, fator que contribui para aumentar o “potencial degradador” de uma microbiota. Mesmo que determinada microbiota apresente todos os requisitos (genéticos e bioquímicos) necessários à degradação de um composto xenobiótico, ressalta-se que se as características físicas e químicas do meio não estiverem de acordo com as necessidades nutricionais do microrganismo, o processo de degradação pode não ocorrer. Fica claro, portanto, que em qualquer sistema (solo ou água) todos os parâmetros físico- químicos (do meio e do composto xenobiótico), assim como os microbiológicos, devem ser considerados “conjuntamente” para que se possa conseguir que o processo de biodegradação seja bem-sucedido. Desafios da biorremediação Porém, devido à alta complexidade que essa biotecnologia apresenta, diversos desafios podem surgir no desenvolvimento de um processo de biorremediação. Entre os quais, destacam-se: baixa produção de enzimas necessárias no processo – frequentemente quando as concentrações dos compostos poluentes são significativamente pequenas ou elevadas; presença de diversos compostos poluentes, ao mesmo tempo, em uma matriz contaminada – o que demanda a seleção de diferentes microrganismos com metabolismos específicos para os diversos tipos de compostos poluentes; rápida adsorção dos compostos poluentes em partículas que constituem a matriz (solo ou água) – ficando assim, não acessíveis aos microrganismos (ou enzimas) para a degradação. 13 Frise-se que os resultados obtidos em escalas e condições controladas em laboratórios não asseguram a mesma eficiência em campo. Nesse aspecto, algumas questões merecem importância, tais como: os microrganismos sobreviverão e se reproduzirão nas condições naturais (em campo – in situ)? O processo terá impacto negativo (danos) ao ambiente? Etapas do processo de biorremediação Para se desenvolver um processo de biorremediação, alguns passos devem ser seguidos. Primeiro, deve-se caracterizar o tipo de matriz (solo ou água) que será remediada, descrevendo suas propriedades físico-químicas; na sequência, identificar os compostos poluentes e suas propriedades físico-químicas; após, selecionar e isolar microrganismos (preferencialmente os “nativos” – autóctones) com alto potencial para degradar os poluentes; após serem selecionados, através do “enriquecimento” das condições favoráveis à reprodução, a população de microrganismos deve ser aumentada, (bioaumentação) e estimulada (bioestimulação) para produzir enzimas degradadoras; em seguida, os microrganismos devem ser aplicados/inseridos na matriz a ser remediada, seguido do monitoramento do processo (Quadro 1). Os resultados do monitoramento poderão evidenciar que as condições físicas e químicas do substrato (matriz) não estejam mais tão favoráveis como no princípio do processo. Nesses casos, far-se-á necessário a “correção” dessas variáveis para que durante todo o processo a bioestimulação e bioaumentação sejam contínuas. Pesquisas mostram que essas “correções” são comuns nos processos de remediação de águas e solos contaminados com hidrocarbonetos aromáticos, solventes (como benzeno, tolueno e xileno), entre outros poluentes. Caracterização/ Diagnóstico da Mzatriz Contaminada (Solo/Água) Caracterização do composto popuente Monitoramento/ Ajustes De�nição/ Planejamento da Biorremediação Introdução dos Microrganismos sobre o subtrato Seleção/ Isolamento dos Microrganismos degradadores (Bioaumentação/ Bioestimulação) Fonte: Adaptado de Rosa, Fraceto e Moschini-Carlos (2012) Quadro 1 – Etapas do processo de biorremediação. 14 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Processos de biorremediação Geralmente diversos métodos de biorremediação são utilizados apenas em áreas não muito extensas. Entretanto, alguns métodos podem ser empregados à remediação de grandes áreas agrícolas contaminadas. Para tanto, nessas extensas áreas, como alternativa mais viável (praticidade e eficácia), recomenda-se a utilização de rizobactérias ou de plantas (fitorremediação). Os processos de biorremediação podem ser do tipo in situ, onde os poluentes são degradados no próprio local (site ou sítio), ou do tipo ex situ, quando as matrizes (solo, água ou resíduos) são retirados do local de origem e tratados em locais ou estruturas especializadas, como por exemplo reatores (Figura 4). Figura 4 – Exemplo de reatores anaeróbios. Fonte: esagua.com.br Reatores fase lama (bioslurry) Nesse processo o solo contaminado com o composto xenobiótico (poluente) é retirado do local e transportado até os reatores (bioslurry). Antes de ser colocado no reator, são retiradas as partículas maiores através de um processo de peneiramento. No reator, ao solo é adicionada água e, através de agitadores, o solo se tornará uma lama. A essa lama é adicionado ar e nutrientes para manter o sistema em condições de aerobiose. Permitindo, assim, um aumento da comunidade microbiana aeróbia que utilizará, também, como fonte de recursos (nutrientes e energia) os compostos poluentes. Após o solo ser tratado, novamente seco poderá retornar ao local de origem, ou ser utilizado em outro local ou processo (Figura 5). 15 Figura 5 – Processo fase lama (bioslurry). Lodo/ Solo Descontaminado Lodo/ Solo Contaminado DescargaAgitador Clari�cadorBioReator/Lama Fonte: alken-murray.com Esse tipo de processo é ideal para remediação de solos que apresentam alto teor de argila, o que dificulta o tratamento in situ, devido a sua baixa permeabilidade. Esse sistema de remediação apresenta com vantagem o controle de diversos fatores, tais como: nutrientes; temperatura; pH; população microbiana; coleta e recuperação de possíveis gases emitidos. Landfarming Nesse processo de biorremediação a matriz (resíduos industriais) é transferida da área de origem e acondicionada em locais chamados de “células de confinamento” (pilhas). Ressalta-se que essa técnica de biorremediação é comumente utilizada para remediar matrizes poluídas com hidrocarbonetos e poluentes derivados das indústrias ou processos petroquímicos. Para se iniciar o processo de biorremediação utilizando-se essa técnica, a superfície que receberá a matriz poluída deve ser previamente preparada (com manta impermeabilizante e microrganismos). Após se colocar a matriz poluída na superfície, de forma esparrada e formando pilhas, os microrganismos poderão atuar sobre os compostos poluentes, degredando-os. De tempos em tempos, será necessário o revolvimento dos compostos, para inserir oxigênio no sistema. Pode-se também, e ainda, adicionar mais nutrientes para que a bioaumentação possa ocorrer, contribuindo para o aumento da eficiência do processo (Figura 6). Diversos estudos têm mostrado que essa técnica é eficaz para remediar esses tipos de poluentes, sendo que em alguns casos a redução da concentração dos poluentes chega a cerca de 100%, isso em apenas alguns meses. 16 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Figura 6 – Processo de landfarming. Essa técnica, de baixo custo e de alta eficiência, entretanto, apresenta algumas desvantagens, tais como: aumento da poluição do ar devido a volatilização de compostos orgânicos; contaminação de áreas (solos e águas) ao entorno devido aos possíveis escorrimentos superficiais de poluentes. Ressalta-se que para se evitar esses fatores desfavoráveis, estudos na área de Engenharia Ambiental já mostram resultadospositivos. Fonte: envirotech-inc.com Compostagem A utilização dessa técnica (compostagem) para degradar compostos orgânicos poluentes vem mostrando significativos resultados. Pesquisas têm mostrado a eficiência do processo de compostagem para se remediar matrizes (solos ou resíduos sólidos orgânicos) contendo poluentes como agrotóxicos, hidrocarbonetos derivados do petróleo, clorofenóis e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos. Nesse processo de biorremediação, utilizam- se microrganismos (aeróbios) para degradar resíduos de matéria orgânica. Ao final do processo, resultam como produtos compostos orgânicos de menor massa molecular e, também, compostos inorgânicos. O processo de compostagem pode ser dividido em duas etapas, onde a atividade metabólica microbiológica, a temperatura e o pH sofrem alterações, propiciando mudanças significativas na estrutura do composto que é degradado (transformado). A primeira etapa é chamada de termofílica. Nessa, a temperatura se eleva devido a alta (e intensa) atividade microbiana; e a segunda é a mesofílica. Nessa última etapa a atividade microbiana já se encontra reduzida e, consequentemente, a temperatura do sistema abaixa consideravelmente, o pH se eleva, ocorrendo, ao final, a maturação do composto orgânico – rico em nutrientes (Figura 7). 17 Figura 7 – Etapas da compostagem. Fonte: Fundação Demócrito Rocha/ fdr.com.br O sucesso da compostagem estará condicionado ao monitoramento e controle das condições físicas e químicas, oferecendo as melhores condições à máxima atividade microbiana. Assim, durante o processo se faz necessário monitorar e controlar nas leiras (montes de compostos orgânicos) em processo de degradação, as seguintes variáveis: temperatura ( )ot C , taxa de oxigênio ( )2O , umidade, relação carbono e nitrogênio (C/N). O processo de compostagem tem se mostrado como uma alternativa viável (técnica, econômica e ambiental) para solucionar o problema gerado pela alta produção de resíduos orgânicos (nos diversos processos antrópicos). Pois, além de reduzir o volume dos resíduos, esses são transformados em compostos fertilizantes (adubo) de qualidade e que podem substituir produtos agroquímicos nos sistemas produtivos agroindustriais (Figura 8). Figura 8 – Manejo das leiras no processo de compostagem e composto orgânico final. Fonte: breakitdown.com.au, normanack/ Wikimedia Commons Processo de compostagem Fase termofílica Degradação e “higienização”S ól id os v ol át ei s (1 % ) Te m pe ra tu ra (o C) Fase 1 - 12 a 24 horas (aquecimento) Fase 2 - 70 a 90 dias (degradação ativa) Fase 3 - 2 a 5 dias (resfriamento) Fase 4 - 30 a 60 dias (maturação) Fase 1 Tempo de compostagem (dias) Fase 2 Fase 3 Fase 4 Formação de ácidos húmicos (produção do composto) Temp. sem controle80 70 60 50 9 8 7 6 5 4 40 30 20 10 0 Temperatura Sólidos voláteis PH PH Temp. sob controle Fase mesofílica 18 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Ressalta-se que as indústrias produtoras de papel e celulose utilizam o processo de compostagem para tratar seus resíduos orgânicos, utilizando, ainda, o produto final (composto orgânico) como adubo em seus processos produtivos florestais. Destaca-se que a compostagem é considerada como referencial por organismos governamentais e de pesquisa à elaboração de novas propostas que simulem processos naturais na gestão de resíduos, garantindo assim a sustentabilidade. Compostos poluentes organoclorados são frequentemente encontrados em águas residuárias (efluentes) de processos industriais. Como os processos atuais (usuais) de tratamentos dos efluentes não foram desenvolvidos para eliminar (degradar) compostos poluentes complexos, e muito menos diversos desses poluentes na mesma matriz (esgoto) ao mesmo tempo, faz-se necessário que pesquisas em Engenharia de Saneamento sejam, cada vez mais, desenvolvidas. De forma geral, tem-se buscado uma alternativa que permita não apenas a remoção desses compostos poluentes, mas também sua completa degradação (mineralização). As principais técnicas de tratamento de efluentes industriais são apresentadas na Figura 9. Figura 9 – Processos de tratamento de efluentes. Fonte: scielo.br Por permitirem o tratamento de grande volume de efluentes, degradando e transformando compostos poluentes orgânicos em água ( )2H O e gás carbônico ( )2CO com baixos investimentos, os processos biológicos são os mais utilizados. O tratamento biológico de efluentes tem como fundamento o uso de compostos poluentes como fonte de energia e de nutrientes para que os microrganismos possam se desenvolver e se reproduzir. Degradação de poluentes organoclorados em efluentes industriais Tratamento de e�uentes industriais Biológico Aeróbio POA*Anaeróbio Anaeróbio Incineração Fotocatálise Ozonização Fenton EletroquímicoDecantação Enzimático Adsorção Físico Químico 19 Nos processos biológicos do tipo aeróbios, o aceptor de elétrons ( )e− é gás oxigênio ( )2O . Ao final desse processo tem-se a formação de água ( )2H O e gás carbônico ( )2CO . Por outro lado, nos processos biológicos do tipo anaeróbios, o gás oxigênio ( )2O não está presente. Nesse contexto, participaram como agentes aceptores de elétrons ( )e− algumas formas de nitrogênio (N), enxofre (S) e carbono (C), como por exemplo: 3 2, 4NO SO− − e 2CO . Os compostos poluentes serão degradados até gás carbônico ( )2CO e gás metano ( )4CH . O principal objetivo do processo biológico de tratamento de efluentes é reduzir a carga de matéria orgânica presente. Como indicadores de eficiência de um processo de tratamento de efluente, utilizam-se: Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO); Demanda Química de Oxigênio (DQO), ou Carbono Orgânico Total (COT). Processo aeróbio Esse processo conta com a contribuição de bactérias e fungos que requerem o gás oxigênio ( )2O para sobreviverem. As duas técnicas mais usuais para o tratamento de efluentes industriais são as de lagoas aeradas e de sistemas de lodos ativados. Na primeira técnica (lagoas aeradas) o efluente é submetido à ação de diversos microrganismos que, de maneira consorciada, degradam os compostos presentes no efluente durante alguns dias. A técnica dos lodos ativados apresenta-se como o processo de biorremediação mais eficiente e versátil. Esse método foi desenvolvido no início do século XX, na Inglaterra, e é usado para tratar os mais diversos tipos de efluentes industriais, assim como efluentes domésticos. A operação de um sistema de lodos ativados exige pouco substrato auxiliar e, devido à existência de um grande número de microrganismos (bactérias, fungos e protozoários) presentes no lodo e que contribuirão com a degradação de diversos tipos de compostos poluentes, é possível ainda se remover a toxicidade crônica e aguda, em um tempo bem menor que no processo de aeração. O esquema de uma Estação de Tratamento de Efluente (ETE) que utiliza a técnica de lodo ativado é apresentado na Figura 10. Após o efluente chegar (no estado bruto) à ETE, esse é lançado no tanque de aeração, onde o processo de oxidação da matéria orgânica ocorrerá. Ainda nesse tanque, ao efluente é introduzida e misturada uma cultura microbiológica na forma de flocos (o chamado lodo ativado). Demanda Bioquímica de Oxigênio (DBO) é o indicador mais utilizado para medir a poluição dos corpos hídricos por despejos orgânicos. A DBO indica a quantidade necessária de gás oxigênio (O2) para degradar determinada carga de matéria orgânica em meio hídrico. Sua unidade de medida é mg/L. Demanda Química de Oxigênio (DQO) é a quantidade de oxigênio (O2) necessária para oxidar a matéria orgânica presente em um corpo hídrico. Nessa técnica utiliza-se o agente químicodicromato de potássio (K2Cr2O7). O aumento da DQO deve-se principalmente à efluentes, principalmente os industrias. Sua unidade de medida é mg/L. 20 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Em seguida, já no tanque de sedimentação, devido à diminuição da concentração de oxigênio ( )2O , os flocos formados por agregados de microrganismos e partículas de compostos orgânicos (presentes no efluente), irão ao fundo, formando os sedimentos (sedimentação). Ressalta-se que, devido à baixa concentração de oxigênio ( )2O , é favorecido o desenvolvimento de microrganismos anaeróbios como as bactérias metanogênicas. Dessa maneira, o processo de tratamento de efluentes por lodo ativado se apresenta como uma técnica mais apurada, combinando processos de degradação aeróbios e anaeróbios. Ressalta-se que nesse processo a recirculação de grande parte da biomassa microbiana é uma importante característica do método que permitirá que os microrganismos permaneçam por mais tempo no sistema, aumentando, assim, a oxidação dos poluentes orgânicos, diminuindo o tempo de tratamento do efluente. Figura 10 – Processos de tratamento de efluentes por lodo ativado. E�uente industrial bruto Tanque de Aeração I Recirculação do lodo E�uente + Lodo Tanque de sedimentação II Descarte do excesso de lodo E�uente tratado Fonte: scielo.br O alto custo de implantação, assim como a formação de grandes quantidades de lodo (resíduo), podem ser considerados os principais inconvenientes dessa técnica. Por exemplo, não se pode utilizar esse lodo (biomassa rica em nutrientes) para fertilizar culturas na agroindústria, pois diversos estudos têm evidenciado que esse substrato possui uma grande capacidade para adsorver diferentes compostos poluentes orgânicos. Alguns estudos mostraram que aproximadamente 50% do poluente pentaclorofenol, presente em um efluente, pode ser retido nos lodos ativados pelo processo de adsorção. Outro fator que é considerado como negativo nesse processo é a liberação de poluentes na atmosfera devido à volatilização. Para resolver esse inconveniente, algumas ETE apresentam sistemas de biorreatores. Processo anaeróbio Devido ao fato de certos microrganismos, do tipo anaeróbio, mostrarem-se capazes de degradar grande número de poluentes clorados, transformando-os em moléculas não poluentes, a técnica de tratamento de efluentes por anaerobiose vem tendo grande destaque. Pesquisas têm evidenciado que compostos xenobióticos recalcitrantes com organoclorado (Figura 11) podem ser degradados por microrganismos em condições de anaerobiose. 21 Figura 11 – Processos de tratamento de efluentes por lodo ativado. Fonte: Instituto Nacional de Ecologia/ inecc.gob.mx Atualmente, pode-se considerar que os processos mais eficientes de biorremediação de efluentes utilizam, de maneira alternada (e complementar), a fase anaeróbia e anaeróbia. Processos enzimáticos Os processos enzimáticos, aliados com as técnicas de melhoramento genético, podem ser considerados com uma das mais atuais tecnologias à biorremediação de efluentes. As enzimas capazes de degradar a lignina, coma manganês peroxidase e a lignina peroxidase, destacam-se nesse cenário por conseguirem degradar diversos compostos poluentes (xenobióticos recalcitrantes). Lignina é uma macromolécula associada à celulose das plantas, que confere impermeabilidade, rigidez e resistência a ataques mecânicos microbiológicos e aos tecidos dos vegetais. Ressalta-se que a utilização dos processos enzimáticos, em larga escala, somente passou a apresentar viabilidade a partir do momento em que os cientistas conseguiram imobilizar as enzimas em uma matriz adequada. Pesquisas têm evidenciado que os processos enzimáticos têm enorme potencial à degradação de compostos poluentes presentes nos efluentes das indústrias de papel e celulose. Entre os resultados, destaca-se a degradação de efluentes provenientes do processo de branqueamento de polpa de celulose, onde é empregada a enzima lignina peroxidase, produzida pelo fungo Phanerochaete chrysosporium. Ressalta-se que essas enzimas são imobilizadas em matrizes da alginato e de troca iônica (compostas de resina). 22 Unidade: Biorremediação: A Contribuição dos Microrganismos Material Complementar Diálogo com o Autor Aumente seus conhecimentos... Leia! “Nenhum obstáculo é tão grande se a sua vontade de vencer for maior.” BAIRD, C. Química ambiental. Porto Alegre, RS: Bookman, 2005. BIORREMEDIAÇÃO de agrotóxicos. 21 jan. 2014. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=Y036RArXIvg. BIOTECNOLOGIA, disponível em: http://www.biotecnologia.com. BIOTECNOLOGIA: ensino e divulgação. Disponível em: http://www.bteduc.bio.br. CONSELHO de informações sobre Biotecnologia. Disponível em: http://cib.org.br. EMBRAPA. Disponível em: https://www.embrapa.br. FREIRE, R. S. et al. 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