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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI FUNDAMENTOS DA LÍNGUA PORTUGUESA GUARULHOS – SP SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................... 4 2 A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL ...................... 5 2.1 Estratégias de leitura – texto e contexto .................................................................................. 5 2.1.1 Contexto: conceituando ........................................................................................................ 5 2.2 Contexto e compreensão ......................................................................................................... 6 2.3 Contexto na Escrita .................................................................................................................. 7 3 LEITURA: UMA PERSPECTIVA DA ESCOLA PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ . 10 4 O PRAZER EM LER ........................................................................................... 12 4.1 A Imaginação, a Fantasia e a Literatura Infantil..................................................................... 13 4.2 O trabalho com os textos literários ......................................................................................... 16 5 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS: ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS DO MEIO 18 5.1 Alargando os repertórios de letramento dos nossos alunos .................................................. 18 5.2 O trabalho com os gêneros do discurso ................................................................................ 19 5.3 Planejando tarefas com textos ............................................................................................... 21 5.4 Produção de texto e reflexão linguística ................................................................................ 23 6 NOÇÃO DE TEXTO, TIPOLOGIA TEXTUAL E GÊNERO TEXTUAL ................. 25 6.1 Circuito Fechado .................................................................................................................... 25 6.1.1 Texto oral versus texto escrito ........................................................................................... 27 6.1.2 Texto literário versus texto não literário ............................................................................. 27 6.1.3 Texto verbal versus texto não verbal ................................................................................. 29 6.2 Tipologia Textual .................................................................................................................... 29 6.2.1 Texto narrativo.................................................................................................................... 30 6.2.2 Texto descritivo .................................................................................................................. 33 6.2.3 Texto dissertativo (expositivo e argumentativo) ................................................................. 35 6.2.4 Texto explicativo (injuntivo e prescritivo) ........................................................................... 39 7 GÊNERO TEXTUAL ........................................................................................... 41 8 PRODUÇÃO DE TEXTO – CONCEITOS DE COESÃO E COERÊNCIA ........... 46 8.1 Conceitos de coesão e coerência .......................................................................................... 46 8.2 Recursos coesivos em textos................................................................................................. 50 8.3 Diferentes gêneros textuais e sua forma de comunicar ......................................................... 57 9 PARÁGRAFOS E SUA ESTRUTURA ................................................................ 61 9.1 Qualidades essenciais de um parágrafo ................................................................................ 61 9.2 A coerência na construção de parágrafos ............................................................................. 64 9.3 Elaborando parágrafos com coesão e coerência................................................................... 68 10 AS RELAÇÕES ENTRE LINGUAGEM ORAL E ESCRITA ................................ 72 10.1 A oralidade e a escrita ............................................................................................................ 72 10.2 Oralidade e performance ........................................................................................................ 75 10.3 As fórmulas orais na escrita ................................................................................................... 78 10.3.1 Literatura exclusivamente oral ....................................................................................... 78 10.3.2 Literatura oral com registro escrito ................................................................................. 78 11 A FALA, A LEITURA E A ESCRITA .................................................................... 80 11.1 A relação entre a escrita e a leitura ....................................................................................... 80 11.2 Estruturação ........................................................................................................................... 81 11.3 Léxico ..................................................................................................................................... 83 11.4 Hábito e desenvolvimento ...................................................................................................... 86 12 A IMPORTÂNCIA DA ADEQUAÇÃO NA PRODUÇÃO TEXTUAL ..................... 87 12.1 Adequação discursiva e linguística ........................................................................................ 88 13 REVISÃO TÉCNICA ........................................................................................... 90 13.1 A importância da revisão textual ............................................................................................ 90 13.2 Roteiro para revisão textual ................................................................................................... 91 13.3 A importância da reescrita ...................................................................................................... 92 14 ADEQUAÇÃO VOCABULAR .............................................................................. 93 14.1 Adequação aos interlocutores ................................................................................................ 93 14.2 Inadequações e sinônimos ..................................................................................................... 94 15 GÊNEROS TEXTUAIS ACADÊMICO-CIENTÍFICOS ......................................... 95 15.1 Como escrever ....................................................................................................................... 98 15.1.1 Resumo .......................................................................................................................... 99 15.1.2 Resenha ....................................................................................................................... 100 15.1.3 Artigo ............................................................................................................................ 101 15.1.4 Monografia .................................................................................................................... 102 15.2 Para que escrever ................................................................................................................ 103 16 REFERÊNCIAS ................................................................................................ 105 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno! O Grupo Educacional FAVENI, esclarece queo material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 5 2 A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NO CONTEXTO EDUCACIONAL 2.1 Estratégias de leitura – texto e contexto 2.1.1 Contexto: conceituando A leitura é uma atividade complexa de produção de sentidos. Ela ocorre com base em elementos linguísticos que estão presentes na superfície e na forma de organização do texto. Contudo, requer a mobilização de um conjunto de saberes diverso e vasto. Um texto é construído na interação entre sujeito e texto. Para a produção de sentido, é necessário considerar o contexto. Para Solé (1998), a leitura é o processo pelo qual a linguagem escrita é compreendida. Esse processo envolve o texto, o leitor e ainda suas expectativas e conhecimentos prévios. Isso porque, para ler, é necessário ter o domínio das habilidades de decodificação, a definição do objetivo da leitura e a ativação de ideias e experiências prévias. Todos esses conhecimentos constituem diferentes tipos de contextos subsumidos por um contexto mais abrangente, o contexto sociossignificativo. É importante levar em conta quais significados devem se tornar explícitos. Isso vai depender do uso que o produtor do texto fizer dos fatores contextuais. Dessa forma, a explicitude do texto escrito em contraposição à parte implícita do texto falado não passa de um mito. Tanto na fala quanto na escrita, os produtores fazem uso de uma multiplicidade de recursos, muito além das simples palavras que compõem as estruturas (KOCH; ELIAS, 2006). Na leitura, o contexto linguístico, chamado pelas autoras de cotexto, orienta o leitor na construção da imagem do que ele lê. Porém, além da questão linguística, a leitura do texto também demanda a reativação de outros conhecimentos armazenados na memória. “A produção de sentido se realiza à medida que o leitor considera aspectos contextuais que dizem respeito ao conhecimento da língua, do mundo, da situação comunicativa, enfim.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 59). 6 De acordo com as autoras, o contexto é um dos conceitos centrais nos estudos em linguística textual. Elas citam como exemplo a metáfora do iceberg: ele possui uma pequena superfície à flor da água (o que é explícito) e uma imensa superfície subjacente, que é o fundamento da interpretação (o implícito). Você pode considerar que o contexto é o iceberg como um todo, sendo tudo aquilo que contribui para (ou determina a) construção do sentido de alguma forma. 2.2 Contexto e compreensão Como se pode ver, para que haja compreensão do texto e para a construção da coerência textual, é imprescindível que se considere o contexto. Ele engloba não apenas o cotexto, mas também a situação de interação imediata, a situação mediata (entorno sociopolítico e cultural) e o contexto cognitivo dos interlocutores. De acordo com Koch e Elias (2006), o contexto cognitivo dos interlocutores subsome os demais. Isso ocorre pois ele reúne todos os tipos de conhecimento arquivados na memória dos atores sociais que precisam ser mobilizados por ocasião do intercâmbio verbal. São eles: O conhecimento linguístico propriamente dito; O conhecimento enciclopédico, que pode ser declarativo (que se recebe pronto e é introjetado na memória “por ouvir falar”) ou episódico (adquirido por meio da convivência social e armazenado em “bloco” sobre as diversas situações e eventos da vida cotidiana); 7 O conhecimento da situação comunicativa e de suas “regras” (situacionalidade); O conhecimento superestrutural ou tipológico (gêneros e tipos textuais); O conhecimento estilístico (registros, variedades da língua e sua adequação às situações comunicativas); O conhecimento de outros textos que permeiam a cultura (intertextualidade). Nesse sentido, Koch e Elias apontam que o contexto é constitutivo da própria ocorrência linguística. Nessa esteira, afirmam “[...] que se pode dizer que certos enunciados são gramaticalmente ambíguos, mas o discurso se encarrega de fornecer condições para sua interpretação unívoca.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 64). Assim, o contexto é, de acordo com as autoras, um conjunto de suposições que tem por base os saberes dos interlocutores, mobilizados para a interpretação de um texto. Koch e Elias (2006, p. 66-67) afirmam que um estudo de texto sem a consideração do contexto é altamente insuficiente, pois: Certos enunciados são ambíguos, mas o contexto permite fazer uma interpretação unívoca; O contexto permite preencher as lacunas do texto, isto é, estabelecer os “elos faltantes”, por meio de interferências-ponte; Os fatores contextuais podem alterar o que se diz; Tais fatores se incluem entre aqueles que explicam ou justificam por que se disse isso e não aquilo (o contexto justifica). 2.3 Contexto na Escrita Koch e Elias (2006) afirmam que é preciso distinguir entre contexto de produção e contexto de uso. No que concerne à interação face a face, esses contextos coincidem. Mas, quando se trata da escrita, não, pois nessa o contexto de uso é o mais importante para a interpretação. Conforme as autoras (2006), independentemente da situação comunicativa, o sentido de um texto não se relaciona apenas com a estrutura textual em si mesma. Grande parte dos objetos de discurso a que o texto faz referência é apresentada de forma incompleta. Desse modo, muita coisa permanece implícita na mensagem. 8 Quem produz o texto pressupõe que o leitor/ouvinte possui conhecimentos textuais, situacionais e enciclopédicos. Então, não deixa explícitas as informações que considera redundantes ou desnecessárias. É preciso fazer um “balanceamento” do que necessita ser explicitado e do que pode permanecer implícito. Isso supondo que o interlocutor poderá recuperar essa informação por meio de inferências. Nas palavras das estudiosas: “O leitor/ouvinte espera sempre um texto dotado de sentido e procura, a partir da informação contextualmente dada, construir uma representação coerente, por meio da ativação de seu conhecimento de mundo e/ou deduções que o levam a estabelecer relações de temporalidade, causalidade, oposição, etc.” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 72). Desse modo, o leitor/ouvinte usa todos os componentes e estratégias cognitivas que tem à disposição para dar ao texto uma interpretação dotada de sentido. Assim, as estudiosas afirmam que, para que duas ou mais pessoas possam se compreender mutuamente, é imprescindível que seus contextos sociocognitivos sejam semelhantes, nem que seja parcialmente. Nas Figuras 1 e 2, você pode ver alguns exemplos em que o contexto é importante para a compreensão da mensagem. 9 Ambas as charges, feitas por Laerte e Latuff, possuem conotação política e estão ligadas a um contexto. Para alguém que não sabe o que aconteceu, fica difícil compreender o que as imagens estão ironizando. A primeira, por exemplo, trata de um capítulo polêmico da história brasileira, em que deputados propuseram que a concepção de família,por lei, fosse considerada apenas a tradicional: homem, mulher e filhos. Já a segunda está relacionada a um episódio em que o governador eleito em 2014 no estado do Rio Grande do Sul fez uma piada, dizendo que, se os professores quisessem piso (no caso, eles reivindicavam o piso salarial de professor), deveriam procurar na Tumelero (uma loja de produtos para construção civil). Agora, leia a crônica a seguir (CARPINEJAR, 2016): E quando uma cidade inteira morre? Uma cidade para no ar? Quando uma cidade some e o sangue se transforma em vento? Quando os relâmpagos emudecem. Quando as estrelas ficam envergonhadas de brilhar e o sol de aparecer. Quando uma cidade perde as suas residências dentro de um avião? Porque cada homem era uma casa, uma família, uma esperança. A queda da aeronave na Colômbia que levava o time do Chapecoense matou toda Chapecó na madrugada desta terça- 10 feira (29/11). Porque Chapecó era o Chapecoense. Nunca vi uma torcida como aquela: pais, mães e filhos levantando bandeiras na Arena Condá. As ruas se esvaziavam para ouvir melhor o coração do estádio. Uma equipe movida pela alegria dos moradores que incentivaram com a loucura infantil do bairrismo e da gincana. Um viveiro de vozes, uma caixa de ressonância de gritos. Uma equipe que veio de baixo, da mais simples e monocromática chuteira, da pobreza da grama em 43 anos de história, que subiu da série D para A em apenas seis anos em 2013, campeão catarinense por cinco vezes, que se manteve com prestígio na elite do futebol brasileiro e que disputaria a final da Copa Sul-Americana na próxima quarta, o que seria seu maior título. Novatos no triunfo, mas veteranos na resiliência. 22 mil pessoas nas arquibancadas eram 210 mil pessoas na cidade. 74 mortos são 210 mil chapecoenses. Não duvido que um país inteiro não tenha definhado junto em Rionegro, perto de Medellín, na Colômbia. Jamais contaremos os mortos da tragédia. Jamais saberemos ao certo o número de mortos. Somos hoje todos desaparecidos. Esse texto, intitulado “Somos todos Chapecoense”, de Fabrício Carpinejar, é do dia 29 de novembro de 2016 e fala sobre a tragédia que o time de futebol Chapeconse, da cidade de Chapecó (SC), sofreu quando viajava para um disputa importante: a final da Copa Sul-Americana, na Colômbia. O avião em que o time estava caiu, matando 74 pessoas. Nessa crônica, o reconhecimento dos fatos é um pouco mais fácil do que nos exemplos anteriores, pois há certa contextualização das informações no texto. 3 LEITURA: UMA PERSPECTIVA DA ESCOLA PARA A FORMAÇÃO CIDADÃ Paulo Freire (2011), em sua obra A Importância do Ato de Ler, afirma a relevância de formar cidadãos críticos para o mundo. Uma vez que a interpretação está associada à vida na sociedade e àquilo que se vive constantemente, ele afirma o quanto é necessário que o leitor seja primeiro um leitor de mundo. Afinal, a leitura do mundo vem antes da leitura do texto. Ao ler o mundo e entender como ele funciona, os sujeitos estão aptos a ler um texto. E, ao ler esse texto, eles voltam para o seu próprio mundo com uma leitura totalmente diferente. Eles aprendem novos sentidos e os aplicam na sua realidade. Dessa forma, se constroem leitores críticos e conscientes do contexto social em que vivem, bem como do que realmente é importante fazer para melhorar essa situação. Por meio desse ciclo, o que ocorre no leitor é o que Freire (2011) chama de transformação: ele se torna um sujeito crítico. 11 Com esses questionamentos propostos, os alunos terão que pensar sobre as partes que constituem os textos, as imagens e os vídeos. Assim, segundo Mary Kato (1985), a leitura é um processo estratégico de compreensão do texto. Por meio de métodos de análise e síntese, pode-se obter fluência e acuidade em uma leitura. Para que você seja um leitor ou uma leitora competente, precisa saber o ritmo de cada leitura a que é exposto: às vezes top-down, às vezes bottom-up. Sendo assim, fica clara a importância dada pelos autores à interpretação de imagens e textos, além da relevância da relação existente entre o aluno, sua realidade e os livros. Como efeito de finalização dos conceitos sobre o tema central - leitura, não podemos deixar de sinalizar aos professores o que se entende e como se trabalha a pré-leitura e a pós-leitura. Para realizar uma atividade de leitura, temos que realizar um aquecimento dos alunos, uma espécie de ativação do conhecimento prévio deles e também uma sinalização do que virá adiante. Logo após uma atividade de pré-leitura, se apresenta a leitura proposta para o aluno; no entanto, a leitura não se finaliza nela mesma, ela exige que haja um fechamento pontual, e esse encerramento se faz através da pós-leitura. A pós-leitura é o momento e o espaço dado à transformação, à intervenção social, à voz do aluno sobre o que lhe foi exposto desde a pré-leitura. Essa intervenção do aluno pode corroborar ou refutar os elementos provocadores da pré-leitura e da pós-leitura (MARY KATO, 1985). Este texto tem como objetivo ajudar a formar e a alimentar o repertório dos alunos, com o intuito de que eles tenham criticidade ao ler o (seu) mundo. É importante que eles entendam que até leitores proficientes se utilizam de leituras lineares devido ao grau de complexidade e novidade que um texto pode ter. Isso vem com as experiências de leitura de cada um, já que as pessoas dominam esferas distintas em alguns momentos da sua vida. Com atividades de leitura, formação e contação de histórias, o imaginário se reforça e se dá sustentação à criatividade. Você deve ter em mente, portanto, que despertar o interesse pela leitura, em todas as suas esferas possíveis (mundo, mídia, livro, imagens), é fundamental para que cada vez mais se possa dialogar com o outro. Dessa forma, você deve buscar saber como e com o que o outro completou esses furos constitutivos. Nesse sentido, pode ajudar na proficiência da leitura dos alunos, processo em que eles buscarão as 12 implicaturas de um texto, fazendo inferências e constatações. A leitura solicita uma competência: essa competência é mais que interpretar um texto, é compreendê-lo (JOUVE, 2002, p. 19). 4 O PRAZER EM LER A partir do domínio da leitura, os sujeitos se habilitam para participar ativamente do contexto social em que estão inseridos, transformando a realidade. Ou seja, a leitura é essencial para o exercício pleno da cidadania. Dessa forma, a escola, assim como a família, é responsável por criar situações de vivência e de experiência de leitura. A escola, portanto, desempenha o papel de oportunizar, para todos, o interesse pela leitura. A aproximação entre aluno e escola se dá por meio do educador, responsável direto por realizar o intermédio entre o texto e o educando, tendo como base a sua própria formação. Tal formação deve ser pautada no trabalho com o texto e focar o desenvolvimento de sujeitos leitores. Isso se inicia nas séries iniciais e deve ser realizado ao longo de toda a trajetória escolar. Logo, a capacitação do educador para o trabalho com a literatura infantil nas séries iniciais é fundamental. Afinal, a leitura deve ser uma prática estabelecida em sala de aula, e o professor é responsável por viabilizá-la. Portanto, para a formação de leitores, é fundamental que o professor esteja preparado. Ele servirá como exemplo para os seus alunos e será responsável por motivar a leitura. Veja o que afirma Solé (1998, p. 116): O processo de leitura deve garantir que o leitor compreenda os diversos textos que se propõe a ler. É um processo interno, porém deve ser ensinado. Uma primeira condição para aprender é que os alunos possam ver e entender como faz o professor para elaborar uma interpretação do texto: quais as suas expectativas, que perguntas formula, que dúvidas surgem, como chega à conclusão do que é fundamental para os objetivos que oguiam, que elementos toma ou não do texto, o que aprendeu e o que ainda tem de aprender... em suma, os alunos têm de assistir a um processo/modelo de leitura, que lhes permita ver as “estratégias em ação” em uma situação significativa e funcional. 13 Como se pode ver, Solé (1998) explica que os alunos devem assistir a um modelo de leitura para que entendam as dinâmicas postas em uso no processo de leitura. Há codificação, decodificação, interpretação e ação em relação ao texto. Essas práticas podem ser demonstradas pelo professor, que as exemplifica para que os alunos, como leitores, compreendam os diversos textos e saibam agir conforme as solicitações de cada tipo de texto. A formação docente deve fazer com que os professores sejam multiplicadores da consciência da importância do ato de ler. Veja o que afirma Nóvoa (1992, p. 27): A formação pode estimular o desenvolvimento profissional dos professores, no quadro de uma autonomia contextualizada da profissão docente. Importa valorizar paradigmas de formação que promovam a preparação de professores reflexivos, que assumam a responsabilidade do seu próprio desenvolvimento profissional e que participem como protagonistas na implementação das políticas educativas. Nesse contexto, é necessária uma formação de professores articulada com a leitura. Ou seja, é básico que, na formação do professor, a leitura esteja presente; mas, mais do que isso, a leitura deve ser estudada de forma atenta. Ou seja, a perspectiva metodológica dessa atividade deve ser abordada na formação docente. Apenas com essa reflexão é possível perceber a leitura como significativa. Mas o que significa uma abordagem metodológica da leitura? Significa que, no processo de formação docente, os indivíduos devem ser expostos à diversidade oferecida pelas literaturas e que também devem conhecer as possibilidades de trabalho em sala de aula com cada uma delas. Em se tratando das séries iniciais, por exemplo, o docente em formação deve conhecer as leituras indicadas para essa etapa e as metodologias adequadas para a formação de leitores. Conforme reforçam Farias e Bortolanza (2012, p. 36), “[...] o professor é o agente organizador das práticas educativas em sala de aula, é a ele que se atribui o sucesso ou o fracasso da aprendizagem da leitura [...]”. 4.1 A Imaginação, a Fantasia e a Literatura Infantil A imaginação e a fantasia são elementos importantes na formação da criança. Mas você sabe por quê? Em que sentido esses elementos contribuem para a 14 formação e para o desenvolvimento infantil? E como é possível estimular a imaginação e a fantasia no mundo da criança? Essas perguntas devem ser trabalhadas na formação docente para que o futuro professor, responsável por formar leitores, tenha em mente a importância desses elementos e busque estratégias diversificadas para utilizar em sala de aula, a fim de motivar nos alunos a imaginação, a fantasia e a criatividade. Uma aliada nessa tarefa é a literatura. O indivíduo estabelece contato com a atividade de criar já na primeira infância, embora isso varie de acordo com o contexto em que a criança está inserida. Mas, independentemente das condições oferecidas, a criança desenvolve a sua criatividade — da forma que for possível e com os recursos disponíveis. A atividade de criar é mais intensa na fase que se estende dos 2 aos 7 anos. Nessa fase, a criação está relacionada com a imaginação e a fantasia. De acordo com a proposta de Piaget (1994) para o desenvolvimento da criança, existem fases que são observáveis. A segunda delas, que interessa especialmente aqui, compreende a passagem do período sensório-motor para o que Piaget (1999) denomina de “período pré-operatório”. Ou seja, é nessa etapa que se identifica o surgimento da função simbólica ou semiótica. Ou seja, é a etapa emergente da linguagem. É na fase pré-operatória que os estímulos ao desenvolvimento da linguagem devem ser intensos. Ao professor, por exemplo, cabe oferecer o contato com os mais diversos textos para motivar a criança, pois o desenvolvimento da linguagem promove modificações importantes no próprio processo cognitivo dela. Além disso, o trabalho com a linguagem se relaciona ao desenvolvimento afetivo e social, pois a linguagem possibilita mais intensidade nas interações entre os indivíduos. Nessa fase, é importante trabalhar com representações para que a criança seja motivada a atribuir significados à realidade que a cerca. É nessa fase, sobretudo, que a criança desenvolve a imaginação e a memória. Dessa forma, torna-se evidente que o trabalho com a literatura é imprescindível nessa etapa. Nesse estágio simbólico em que a criança se encontra, há egocentrismo, pois ela não percebe o mundo para além dela mesma; tudo no mundo é dela: “meu papai”, “minha mamãe”, “meu livro”, “meu carro da minha mamãe”, etc. Portanto, com a inserção da literatura, do mundo da imaginação e da 15 fantasia, o professor estimula o desenvolvimento da linguagem e também amplia a capacidade de socialização da criança pelo uso da linguagem; isso deve ser praticado por meio da contação de histórias, dos desenhos e das dramatizações. Na fase pré-operatória, a criança já é capaz de simbolizar e de evocar objetos que estão ausentes; ou seja, ela maximiza a sua habilidade de diferenciar significante e significado. Assim, a criança começa a distanciar o sujeito do objeto, criando imagens mentais, isto é, a criança consegue imitar gestos e situações, mesmo que não esteja na presença de modelos. E isso significa imaginar, fantasiar e criar. Por isso é tão importante utilizar os textos infantis para motivar a imaginação e a fantasia, considerando que nesse período a criança desenvolve a linguagem e passa progressivamente de uma fase egocêntrica (pré-operatória) para uma fase em que tem a inteligência concreta e é capaz de realizar ações interiorizadas. Ou seja, com a inserção da literatura, com o incentivo ao desenvolvimento da imaginação e da fantasia, a criança desenvolve a capacidade de estabelecer relações com os outros e com o mundo a partir da observação de diferentes pontos de vista. O mundo dos textos infantis é importante para que a criança consiga raciocinar de forma mais coerente. No seu desenvolvimento inicial, ela entende tanto os esquemas conceituais como as ações que executa mentalmente, mas na fase pré-operatória é preciso que a criança seja estimulada para compreender que é possível executar ações mentalmente. Por exemplo, é possível apresentar a ela dois palitos de tamanhos diferentes e pedir que indique qual é o maior. Na fase pré- operatória, ela vai manipular os dois palitos para indicar a resposta correta; na fase operatória, ela vai desenvolver esse raciocínio mentalmente, pois “imagina” os dois palitos e realiza a comparação sem precisar manuseá-los. Portanto, quanto mais a criança tiver contato com os textos infantis, mais imagens mentais, a partir da imaginação e da fantasia, ela vai criar; consequentemente, vai observar mais atentamente o mundo que a cerca. Nesse contexto, então, está em jogo, por exemplo, a capacidade de uma criança de pegar uma espiga de milho, transformá-la em uma boneca e (re)contar uma história. A imaginação e a fantasia são as atividades criadoras dessa fase. Os personagens, os contextos e o mundo dos textos infantis são importantes para motivar o desenvolvimento da fase de criação. A imaginação e a fantasia estão ligadas à criação de imagens mentais; é por isso que objetos comuns, como uma 16 vassoura ou uma espiga de milho, podem ser interpretados e transformados pela imaginação, pela fantasia e pela criatividade da criança. O professor deve saber valorizar a imaginação infantil, pois ela é aliada da criatividade. 4.2 O trabalho com os textos literários Como vimos anteriormente, a escola deve possibilitarque a criança entre em contato com os textos literários desde o início do seu ingresso nesse ambiente. Isso significa que a escola e o professor devem oportunizar o manuseio de diferentes textos, a escuta de diferentes histórias e a possibilidade de as crianças (re)contarem as histórias que manipulam. Os livros e as histórias mostram para as crianças a amplitude do mundo da fantasia e da imaginação, algo que elas trazem para a escola, pois faz parte da etapa do seu desenvolvimento. Logo, a escola deve ampliar o contato com esses elementos para incentivar nos alunos o interesse pela leitura, consequentemente incentivando a formação de sujeitos leitores. Para trabalhar com os textos literários, é importante valorizar as situações em que as crianças, mesmo aquelas com dificuldades para aprender a ler ou que ainda não estejam alfabetizadas, narrem as histórias a partir da sua imaginação. As figuras representativas nas histórias (desenhos, ilustrações, etc.) possibilitam que a criança conte histórias infinitas para além daquela apresentada pelas palavras do autor. Essa é uma atividade que desperta o interesse por descobrir o desconhecido, por desvendar o que as letras podem estar contando sobre as ilustrações observadas. Isso motiva a criança a aprender a ler para saber o que está escrito naquelas linhas. O professor, como intermediário entre o texto e a criança, deve considerar o seguinte: [...] para formar um leitor é imprescindível que entre a pessoa que lê e o texto se estabeleça uma espécie de comunhão baseada no prazer, na identificação, no interesse e na liberdade de interpretação. É necessário também que haja esforço, e este se justifica e se legitima justamente através dessa comunhão estabelecida (AZEVEDO, 2004, p. 39). Dessa forma, o professor serve como modelo para a formação de leitores. Ele lê e demonstra o interesse, a beleza, os elementos, a palavra, a emoção, entre 17 outros atrativos, a partir da leitura oral, da escrita e da contação de histórias. Considere o seguinte: Ao ler uma história, a criança também desenvolve todo potencial crítico. A partir daí, ela pode pensar, dividir, perguntar, questionar [...] Pode se sentir inquieta, cutucada, querendo saber mais e melhor ou percebendo que se pode mudar de opinião [...] E isso não sendo feito uma vez ao ano [...] Mas fazendo parte da rotina escolar, sendo sistematizado, sempre presente — o que não significa trabalhar em cima dum esquema rígido e apenas repetitivo (ABRAMOVICH, 1999, p. 143). Para isso, o professor deve utilizar a maior variedade possível de textos, sempre adequados a cada uma das etapas de ensino. Veja a seguir alguns exemplos de textos adequados às séries iniciais. Marcelo, Marmelo, Martelo (2011): escrito por Ruth Rocha e ilustrado por Adalberto Cornavaca, reúne três contos que contam histórias do cotidiano a partir da inserção de personagens infantis que enfrentam impasses de forma criativa e com muita imaginação. A Borboleta Azul (2008): escrito e ilustrado por Nicolas Van Pallandt e traduzido por Gilda de Aquino, o livro conta a história de um urso que avista uma linda borboleta e que a acompanha em diferentes cenários. A Galinha que Sabia Nadar (2008): escrito e ilustrado por Paul Adshead e traduzido por Gilda de Aquino, essa obra conta a história de uma pata que foi criada por uma galinha. Ao longo da trajetória da personagem, ela percebe as diferenças e busca autoconhecimento. O objetivo da história é trabalhar com temas como: adoção, autoconhecimento e aceitação das diferenças. Os Três Lobinhos e o Porco Mau (2011): escrito por Eugene Trivizas, ilustrado por Helen Oxenbury e traduzido por Gilda de Aquino, esse é um excelente livro para trabalhar em paralelo com outro: Os Três Porquinhos (MACHADO, 2004). O autor inverte os papéis do lobo mau e dos porquinhos: quem era caçador vira caça e vice-versa. Contudo, é mantida a separação entre os personagens bons e maus, bobos e espertos, mas com outro ponto de vista. É a reinvenção de uma história para gerar muita conversa em sala de aula. 18 Essas são apenas algumas sugestões de leitura, pois o mundo dos textos literários é vasto. É importante que o professor observe os seus alunos a cada ano que receber a regência de uma turma nova. Afinal, as necessidades são diferentes e os textos não podem ser sempre os mesmos; o trabalho com o texto não pode ser mecânico e uniforme. O professor deve considerar que as histórias ampliam o diálogo; portanto, sempre que surgir alguma situação que precisa ser trabalhada em sala de aula, ele deve recorrer a textos que ofereçam aos alunos diferentes pontos de vista, motivando debates e promovendo a formação de leitores. 5 LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS: ASPECTOS SOCIAIS E CULTURAIS DO MEIO 5.1 Alargando os repertórios de letramento dos nossos alunos Acreditamos que ao ler e posicionar-se de maneira analítica, crítica e responsiva diante do texto, o aluno desenvolva as competências necessárias para participar das práticas sociais na linguagem. Porém, é importante frisar que “[...] um texto só encontra unidade significativa ao ser vinculado ao contexto efetivo de interlocução, desde sua produção e recepção até o retorno dos seus efeitos de sentido sobre os envolvidos [...]” (SIMÕES et al., 2012, p. 138). Por isso, é fundamental escolher textos autênticos, pois eles materializam as práticas de uso da linguagem, apresentando os propósitos sociais veiculados aos seus reais participantes. Quando pensamos em práticas sociais, as possibilidades de uso da língua se expandem e tomam uma dimensão que vai muito além do que inicialmente pensava- se como escopo do trabalho para dentro da sala de aula. Como maneira de motivar os alunos e instigar uma reflexão sobre as diferenças de práticas na língua portuguesa, faz sentido retornar aos textos que já lhes são familiares, porém, com o objetivo de incitá-los para que olhem para o texto por outro viés. Os alunos já estão posicionados como participantes ativos dessas práticas – leitores dos textos, debatedores entre outros fãs em mídias sociais e rodas de amigos, críticos em sites de compra e resenhas. Portanto, é necessário retornar aos textos para promover 19 uma análise: o que eu faço quando, por exemplo, escrevo uma postagem no Facebook sobre o meu fim de semana? Qual é o propósito desse texto? Quem eu estou buscando atingir com a mensagem? O que motiva as minhas escolhas quando uso determinado vocabulário ou expressão? Ao incentivar os alunos a se posicionarem de maneira mais crítica com relação ao uso que eles já fazem da língua em determinados contextos, é preciso, como professores, fazer outras perguntas para guiar nossas escolhas: em quais outros contextos os meus alunos querem/podem/devem circular? Quais outras práticas sociais farão do meu aluno um participante efetivo e ativo da comunidade? Quais textos são importantes que ele conheça – como leitor e/ ou autor – para que possa criticamente pensar sobre a sociedade? É fundamental expor os alunos a diferentes gêneros do discurso e preparar unidades didáticas que promovam a oportunidade de perceber a diversidade de situações que constituem as interações. Ao ter consciência dessa diversidade e ser capaz de refletir sobre os usos de cada gênero, o ideal seria que, após ler e produzir diversos gêneros, o aluno contasse com autonomia suficiente para que escolha de quais práticas quer fazer parte, ou seja, quais textos ele vai ler e produzir. Conhecer bem os nossos alunos nos ajuda a perceber não só suas práticas de letramento habituais, mas em quais esferas de letramento eles gostariam de participar e como podemos ajudá-los a ampliar a sua participação em diferentes comunidades de prática (SIMÕES et al., 2012). 5.2 O trabalho com os gêneros do discurso Todos os momentos em que usamosa língua para agir em conjunto com outras pessoas em diferentes situações de convívio social são pautados por um modo de organizar a linguagem. Todos nós aprendemos esses modos de organizar a linguagem ao longo da vida, aprendemos a associar certas situações a certos modos de usar a língua. Essa aprendizagem contribui para o entendimento que temos do que está acontecendo na interação. Os modos de organizar as ações da linguagem são os gêneros do discurso. Estamos constantemente decidindo qual gênero é mais apropriado para determinada situação social. 20 Não é possível compreendermos a concepção de gênero do discurso e seu papel central na aula de Língua Portuguesa se não entendermos a linguagem como ação dialógica. Os gêneros do discurso estão relacionados a algumas perguntas que fazemos diante de uma situação de interação: para quê, quem, para quem, onde e quando? Adaptamos nossos discursos de acordo com as respostas que damos a essas perguntas. Como já comentado, os gêneros do discurso são modos de organizar o uso da língua, passíveis de escolha em determinada situação. Eles têm uma forma reconhecível que se repete de um texto para outro. Existem duas questões importantes para levarmos em consideração quando pensamos nos gêneros do discurso: os elementos da situação de interação a que os textos pertencem e os elementos formais do texto. Essa concepção de gênero do discurso é entendida a partir da obra do autor russo Mikhail Bakhtin (2011), que faz uma reflexão a partir de textos literários e situações sociais cotidianas. Bakhtin (2011) define os gêneros como tipos relativamente estáveis de enunciados. O autor afirma também que os gêneros, assim como as atividades humanas, são infinitos. Para Bakhtin (2011), os três aspectos que darão estabilidade ao gênero são o seu conteúdo temático, a sua composição e o seu estilo. Se considerarmos o contexto da aula de Língua Portuguesa, podemos pensar em gêneros que possam ser recriados no contexto da escola, por meio da leitura significativa e da produção de textos. No momento em que os gêneros do discurso tornam-se centrais no nosso planejamento, estamos permeando o trabalho escolar com esferas de vida, além de criar condições para que os conhecimentos adquiridos na escola afetem a participação dos alunos nessas esferas da vida. Um bom ponto 21 de partida é pensar nas práticas sociais em que os alunos se envolvem e, a partir delas, nas práticas em que poderiam passar a se envolver com a mediação da escola. Na abordagem de ensino de línguas através dos gêneros do discurso, acredita-se que a aprendizagem se dá pela interação, pela participação social e aprofundamento da nossa compreensão do nosso lugar no mundo (SIMÕES et al., 2012). 5.3 Planejando tarefas com textos Ao lermos, nossa reação diante de um texto não é a procura pelo presente do indicativo ou conjunções subordinadas, mas sim uma postura crítica e responsiva. Podemos responder a um texto de diferentes formas: falando, refletindo, escrevendo sobre ele, etc. Se leitura é interação, não podemos evitar o diálogo existente entre leitor e autor que precisa ser reiterado na nossa aula. No processo de didatização do texto, o entendimento de leitura como diálogo entre sujeitos não pode perder-se no caminho. Uma sequência comum nas nossas tarefas de leitura é: tarefa de pré-leitura, de leitura e compreensão do texto, de estudo do texto e de resposta ao texto, esta última estando relacionada à prática de produção de novos textos. A tarefa de pré-leitura facilita a aproximação do aluno com o texto. Por exemplo, se os alunos irão ler um artigo de um professor de história sobre a situação do impeachment no Brasil, é importante discutir quais são as experiências e conhecimentos prévios que os alunos têm sobre essa temática: já leram/ouviram outros textos sobre isso? O que esperam que um professor de história diga sobre o assunto? Qual o suporte desse texto? Outra oportunidade interessante aqui é a conversa com os alunos sobre as suas experiências com o gênero em foco: já leram outros artigos desse tipo? A próxima etapa da sequência parte então da comparação entre as expectativas e a realidade do texto. Nesse contexto, podemos dizer que a tarefa central da sequência é a leitura e compreensão do texto, tarefa na qual o professor dá encomendas específicas de leitura aos alunos. Note-se, no entanto, que o aluno é preparado para desempenhar essa tarefa central, e não recebe a encomenda sem uma preparação prévia, daí a 22 importância tanto de se pensar a escolha do texto quanto de planejar as tarefas de pré-leitura. Partindo então para a leitura de um texto escrito, por exemplo, o professor pode optar por diferentes práticas de leitura: leitura em voz alta, leitura silenciosa ou, no caso de textos mais longos, a leitura feita como tarefa de casa. Independentemente de como o texto será lido, as encomendas específicas devem levar o aluno a focar sua atenção em elementos que o ajudem a ler o texto de forma global. A próxima etapa da nossa sequência, o estudo do texto, leva-nos a uma maior didatização do texto, saindo do global e entrando no mais específico: relação entre as partes do texto, estruturas gramaticais, vocabulário, etc. Após a tarefa de estudo do texto, os alunos trabalham na produção de uma resposta, que novamente pode apresentar-se em diferentes gêneros textuais, orais ou escritos. Apesar de os alunos já terem respondido criticamente ao texto no momento da leitura e compreensão do texto, é nessa etapa que essa atitude responsiva torna-se um texto a ser publicado. Reiteramos que assim como os textos trabalhados em aula, os textos produzidos pelos alunos não podem tornar-se apenas instrumentos para correções gramaticais, dos quais o único “interlocutor” é o professor e a única atitude responsiva do professor é marcar os usos incorretos de estruturas. Para mantermos a característica dialógica do texto, os textos de nossos alunos precisam ter diferentes interlocutores que respondam de maneiras diferentes. 23 5.4 Produção de texto e reflexão linguística Parte importante do trabalho com o texto é a reflexão sobre sua estrutura, principalmente quando estamos pensando na reescrita dos textos produzidos pelos alunos. Esses momentos dedicados à reflexão linguística, as aulas de gramática, são importantes na construção de competências de escrita e de leitura. Essas aulas de gramática que estamos descrevendo aqui são muito diferentes das aulas tradicionais de gramática normativa, nas quais o ensino da gramática se dava de forma descontextualizada e pouco significativa, com foco na estrutura da palavra e da frase, sem pensar no texto e no contexto. Ao usarmos a expressão reflexão linguística, estamos afirmando que o conhecimento sobre a língua não se define como conhecimento sobre a nomenclatura e a estrutura de um modelo gramatical. O planejamento das aulas de reflexão linguística pode se basear na análise das produções iniciais do aluno e, partindo das dificuldades diagnosticadas pelo professor, podemos pensar em um trabalho mais sistemático sobre elementos linguísticos específicos. É fundamental que esse trabalho seja realizado antes da solicitação da reescrita do texto para que os alunos possam revisar e melhorar seus textos a partir dessas reflexões feitas conjuntamente em aula. Simões et al. (2012) trazem algumas perguntas que o professor deve se fazer antes do planejamento dessas aulas: 1. A julgar pela produção inicial dos alunos, que conhecimento(s) linguístico(s) específico(s) aprimoraria(m) significativamente boa parte dos textos desta turma? Quais deles vou selecionar para preparar aulas de reflexão linguística? 2. De que forma os recursos linguísticos (palavras, expressões, classes ou estruturas gramaticais, etc.) autorizamdeterminadas atribuições de sentido (e não outras) aos textos que serão lidos? Que tarefas posso propor para criar oportunidades de reflexão sobre isso? 3. Considerando o gênero do discurso estruturante, que recursos linguísticos podem/devem ser trabalhados? 4. De que forma o conhecimento da gramática pode auxiliar na produção/ reescrita deste gênero específico? 5. É preciso introduzir terminologia gramatical para que o aluno alcance uso mais refletido e eficaz dos recursos implicados? É desejável? Até onde quero chegar? 6. Como vou auxiliar os alunos a construírem seus conceitos sobre o funcionamento semântico/sintático/morfológico das categorias ou conjuntos de palavras sob estudo? 7. Que recados as aulas de reflexão linguística dão sobre língua e linguagem? 24 O professor que segue essa sequência de perguntas na hora do seu planejamento é capaz de desenvolver uma aula na qual a gramática faz sentido para os alunos. É importante lembrar, ao selecionar os conteúdos a serem trabalhados na aula de reflexão linguística, que a variedade padrão é uma entre diversas variedades que podem ser trabalhadas em aula. O trabalho com a variedade padrão é muito importante porque ela é a variedade mais adequada em muitas situações de uso e é preciso preparar nossos alunos para circularem nesses contextos. Após realizar o trabalho de reflexão linguística, os alunos poderão reescrever seus textos, preparando-os para uma versão final. É fundamental que eles recebam feedbacks pontuais que os auxiliem nesse processo de melhoramento do texto. Caso o professor não consiga agendar conversas individuais de atendimento aos alunos, uma boa estratégia é o uso de bilhetes orientadores – mensagens individuais que guiem os alunos no processo da reescrita do texto. Por fim, é importante lembrar os alunos de que a linguagem estudada será avaliada nas produções finais, que isso estará presente na grade de avaliação dos textos, assim como as questões de função e forma dos gêneros. 25 6 NOÇÃO DE TEXTO, TIPOLOGIA TEXTUAL E GÊNERO TEXTUAL 6.1 Circuito Fechado Chinelos, vaso, descarga. Pia, sabonete. Água. Escova, creme dental, água, espuma, creme de barbear, pincel, espuma, gilete, água, cortina, sabonete, água fria, água quente, toalha. Creme para cabelo, pente. Cueca, camisa, abotoaduras, calça, meias, sapatos, gravata, paletó. Carteira, ní queis, documentos, caneta, chaves, lenço, relógio, maço de cigarros, caixa de fósforos. Jornal. Mesa, cadeiras, xícara e pires, prato, bule, talheres, guardanapo. Quadros. Pasta, carro. Cigarro, fósforo. Mesa e poltrona, cadeira, cinzeiro, papéis, telefone, agenda, copo com lápis, canetas, bloco de notas, espátula, pastas, caixas de entrada, de saída, vaso com plantas, quadros, papéis, cigarro, fósforo. Bandeja, xícara pequena. Cigarro e fósforo. Papéis, telefone, relatórios, cartas, notas, vales, cheques, memorandos, bilhetes, telefone, papéis. Relógio. Mesa, cavalete, cinzeiros, cadeiras, esboços de anúncios, fotos, cigarro, fósforo, bloco de papel, caneta, projetor de filmes, xícara, cartaz, lápis, cigarro, fósforo, quadro- negro, giz, papel. Mictório, pia, água. Táxi. Mesa, toalha, cadeiras, copos, pratos, talheres, garrafa, guardanapo, xícara. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Escova de dentes, pasta, água. Mesa e poltrona, papéis, telefone, revista, copo de papel, cigarro, fósforo, telefone interno, externo, papéis, prova de anúncio, caneta e papel, relógio, papel, pasta, cigarro, fósforo, papel e caneta, telefone, caneta e papel, telefone, papéis, folheto, xícara, jornal, cigarro, fósforo, papel e caneta. Carro. Maço de cigarros, caixa de fósforos. Paletó, gravata. Poltrona, copo, revista. Quadros. Mesa, cadeiras, pratos, talheres, copos, guardanapos. Xícaras. Cigarro e fósforo. Poltrona, livro. Cigarro e fósforo. Televisor, poltrona. Cigarro e fósforo. Abotoaduras, camisa, sapatos, meias, calça, cueca, pijama, chinelos. Vaso, descarga, pia, água, escova, creme dental, espuma, água. Chinelos. Coberta, cama, travesseiro (RAMOS, 1998). Você considera o segmento acima um texto? Se não, por que não? Se sim, por que sim? Afinal, o que é um texto? Para muitos, texto é apenas uma junção de palavras. Para outros, texto é uma junção de palavras desde que haja sentido entre elas e que comuniquem uma mensagem. Outros justificam que para ser texto deve existir mais de duas frases ou orações. Há, ainda, aqueles que consideram texto qualquer manifestação verbal, independentemente do seu tamanho. Alguns defendem que texto é somente uma produção escrita. Outros, que texto pode ser escrito ou oral. Repito, portanto, a pergunta: afinal, o que é um texto? 26 Podemos definir texto como uma manifestação linguística de tamanho variável (podendo ir desde uma palavra até uma composição mais extensa) que faça sentido e comunique uma mensagem em um determinado contexto. Em outras palavras, um texto não é apenas um amontoado de palavras. Para ser considerado texto, é preciso que a manifestação linguística (independentemente de seu tamanho) carregue uma mensagem que faça sentido. Para ilustrar essa ideia, vamos considerar três situações diferentes: 1. Você está folheando uma revista e de dentro dela cai uma folha com apenas a palavra “fogo”. 2. Você está em uma aula de tiro e o instrutor grita “fogo”. 3. Você está em uma floresta e alguém passa correndo e gritando “fogo”. Em qual situação (ou em quais delas) a palavra “fogo” pode ser considerada texto? Resposta: Nas situações 2 e 3. Embora na situação 1 tenhamos um exemplo de manifestação linguística escrita que, para muitos, poderia ser classificada como texto só por isso, ela não comunica nenhuma mensagem naquele contexto. Obviamente, um papel escrito “fogo” poderia exercer uma função comunicativa em outra situação, mas naquela especificamente, não pode ser considerada texto por não fazer sentido. Já nas situações 2 e 3, a palavra “fogo” possui um sentido e carrega uma mensagem. No caso 2, a palavra usada é uma instrução para que os alunos da aula de tiro atirem. Já no caso 3, a palavra serve como um aviso de que em certo local da floresta começou um incêndio. Com base nesses exemplos, podemos tirar as seguintes conclusões: um texto não precisa ser apenas escrito, ele também pode ser oral; para ser considerado texto, a extensão da manifestação linguística é variável, pois uma palavra pode ser considerada um texto; texto não é qualquer palavra ou aglomerado de palavras aleatórias, ele precisa fazer sentido e comunicar uma mensagem. algumas vezes, a mesma manifestação linguística pode ser considerada como texto em um contexto e não ser considerada em outro. 27 Vamos retornar, agora, ao “Circuito Fechado”, apresentado como exemplo para abrir esta seção. Baseando-se nos preceitos acima, você diria que “Circuito Fechado” é um texto? Em um primeiro momento, a composição parece ser apenas um aglomerado de palavras. Parece não haver um sentido entre elas e temos a sensação de que, possivelmente, elas não transmitem mensagem alguma. Dessa forma, descreditamos a produção como texto. Contudo, e se eu lhe disser que todas as palavras apresentadas representam a descrição da rotina de um homem em ordem sequencial? Assim, observamos a produção como, de fato, um texto. Observe que ele começa com “Chinelos, vaso, descarga” e termina com “Coberta, cama, travesseiro”. Ao lermos os substantivos mantendo em mente o contexto situacional, conseguimos entender de forma bastante clara a mensagem que o texto tenta transmitir. Portanto, a produção deixa de ser apenas um aglomerado de palavras e se torna um texto. O que aconteceria se todas as palavras do mesmo texto fossem apresentadas de uma forma diferente, de um modo totalmente aleatório? Será que ainda assim poderia ser considerado comotexto? Muito possivelmente não, porque um texto não se caracteriza apenas pelo seu conteúdo de palavras, mas também pela sua estrutura e forma de organização. Existem diferentes formas de classificar um texto, além das tipologias e dos gêneros textuais. Eles podem ser classificados em: 6.1.1 Texto oral versus texto escrito Texto oral é aquele manifesto oralmente, sem que haja registro escrito. Texto escrito, por sua vez, é aquele que se manifesta de forma escrita. Alguns teóricos consideram texto somente a forma escrita, mas para a linguística, um texto pode ser uma manifestação oral, escrita ou visual. 6.1.2 Texto literário versus texto não literário Texto literário é o tipo de texto que tem por objetivo emocionar ou engajar o leitor em uma determinada trama, como poemas, narrativas, contos, etc. Textos não 28 literários são considerados textos “verídicos”, pois têm por objetivo informar o leitor, tais como receitas, artigos de jornal, bula de remédio, etc. Na Figura 1, podemos observar um trecho do livro A Moreninha, de Joaquim Manuel de Macedo, considerado um texto literário. Na Figura 2, temos o exemplo de uma notícia de jornal, considerado texto não literário. 29 6.1.3 Texto verbal versus texto não verbal Embora, para muitas áreas da linguística, um texto é apenas aquele que contém palavras (texto verbal), algumas áreas consideram que existem manifestações linguísticas não verbais que podem ser consideradas texto: são os textos não verbais. Texto não verbal é aquele que não possui palavras, apenas imagens, como placas de trânsito, tirinhas, charges, etc., como no exemplo da Figura 3. Portanto, podemos concluir que para ser considerado um texto, é preciso que ele comunique uma mensagem em um determinado contexto. A dimensão de um texto é variável, podendo, algumas vezes, sequer conter palavras (como no caso dos textos não verbais). Por outro lado, quando um texto contém palavras, só pode ser considerado texto o tipo de manifestação linguística que faça sentido e que comunique algo, independente de ser composto de uma palavra ou de milhares. Além do conteúdo, textos respeitam estruturas e formas que os classificam de acordo com seus objetivos e com seus leitores, podendo ser classificados em diferentes tipologias textuais e diferentes gêneros que, embora se confundam algumas vezes, são duas ideias distintas (CORTINA, 2018). 6.2 Tipologia Textual Tipologia textual (tipos de texto) se refere às diferentes formas que um texto pode se apresentar. Elas se caracterizam e diferenciam não só pelo conteúdo, mas também – e principalmente ─ por suas formas e objetivos. Cada tipo textual se 30 apresenta de uma determinada maneira, seguindo regras de estruturas e apresentações que diferem um tipo do outro. Em outras palavras, a tipologia textual é responsável por apresentar modelos que delimitam tanto a estrutura quanto os aspectos linguísticos de um texto. Existem diferentes tipos de texto que divergem de acordo com a finalidade e propósito de cada um, sendo que cada tipo apresenta distinções no que diz respeito à estrutura, linguagem, vocabulário, organização sintática, relações lógicas, interações com o leitor, etc. As principais tipologias textuais são quatro, e cada uma delas possui características próprias. 6.2.1 Texto narrativo O texto narrativo tem por objetivo contar um fato, acontecimento ou história por meio de um desencadeamento sequencial. Essa narrativa pode ser real ou fictícia. Dentre os componentes principais de um texto narrativo, segundo Brasileiro (2016), estão: Personagens: são entidades (pessoas, animais, objetos, sentimentos, ideias, entre outros.) que “atuam” na história ou sobre quem a história é contada. Os personagens podem ser caracterizados de forma direta (contada pelo narrador ou por outros personagens durante o enredo) ou indireta (deduzidos com base em seus comportamentos e no que acontece durante a história). Eles podem ser principais, aqueles que são essenciais para a história, como 31 os protagonistas ou antagonistas (que se opõem ao protagonista), ou secundários que colaboram para o enredo da história e apoiam (ou atrapalham) os personagens principais durante o desenvolver da narrativa. Tempo: em uma narrativa, o tempo pode ser entendido como a época em que a narrativa ocorre (passado, presente, futuro) e também como o tempo em que a história se desencadeia: de forma cronológica, com flashbacks (voltando ao passado), etc. O tempo cronológico se refere à passagem natural do tempo, com os acontecimentos ocorrendo de forma sucessiva. O tempo psicológico diz respeito às lembranças e impressões dos personagens, sendo bastante subjetivos e influenciados pela personalidade e pelo estado de cada personagem. Espaço: se refere ao local onde acontece a narrativa, podendo ser físico (como em uma cidade, hospital, etc.) ou psicológico (nos pensamentos ou lembranças de um personagem ou narrador, por exemplo). Enredo: são os acontecimentos que se desencadeiam durante a história. Narrador: é quem conta a história, podendo assumir diferentes perspectivas de acordo com sua posição na narrativa. Podem ser: Narrador onisciente e onipresente: o que conhece todos os detalhes de todas as partes da história, geralmente representado por uma narrativa em terceira pessoa (embora, algumas vezes, utilize-se de primeira pessoa e se confunda com um personagem). Narrador personagem: o que faz parte da história e conta o enredo em primeira pessoa. Geralmente, tem conhecimento limitado sobre os outros personagens e sobre o desencadeamento dos fatos e participa do enredo de modo a demonstrar suas impressões sobre o desenrolar da história (opiniões, emoções, sensações, entre outros). Narrador observador: o tipo que conta uma história sem se envolver nela, mantendo-se imparcial e desconhecendo os detalhes de cada personagem e do enredo. No que diz respeito à estrutura de um texto narrativo, eles geralmente são estruturados em: 32 Introdução: onde personagens são apresentados, o tempo é definido e o tipo de narrador é observado. Serve como uma abertura para a narrativa, de forma que o leitor possa se situar a respeito do que irá ler. Desenvolvimento: onde o enredo se desenvolve. Conclusão: finalização da narrativa, que pode apresentar um final conclusivo ou deixar a trama em aberto para futuras continuações ou para a imaginação do leitor. Observemos agora um exemplo de texto narrativo em fragmentos do primeiro capítulo do livro Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Nesses parágrafos, podemos perceber a definição de tempo (“Era no tempo do rei”), a definição de espaço (“O canto dos meirinhos”, “Rio de Janeiro”) e o tipo de narrador que iremos encontrar na história. Além desses elementos, o narrador também nos apresenta uma definição de “meirinho”, do qual ele continua discorrendo ao longo dos próximos parágrafos e que será fundamental para o 33 entendimento da história. Adiante, o autor nos apresenta Leonardo-Pataca, que podemos identificar como um personagem da história que se desencadeará. Esse capítulo serve como introdução ao texto, definindo, para o leitor, os elementos constituintes do enredo necessários para que ele possa se situar. A tipologia de texto narrativo se constitui e se caracteriza por apresentar não só uma linguagem específica para se comunicar com o leitor, mas também uma estrutura padrão que a distingue das outras. Entre os exemplos de textos narrativos, estão: romances, novelas, fábulas, depoimentos, entre outros. 6.2.2 Texto descritivo O principal objetivo de um texto descritivo, como o nome já diz, é apresentar uma descrição de algo (seja uma pessoa, umobjeto, ou até mesmo, um conceito), de forma que o leitor possa formar uma imagem mental do que está sendo descrito e relacioná-la à realidade ou criar uma figura imaginária. A descrição pode ser feita em diferentes níveis e por meio de diferentes recortes, podendo ser mais objetiva ou mais subjetiva de acordo com os objetivos do texto e do escritor. Embora a estrutura do texto descritivo seja similar à do texto narrativo (introdução, desenvolvimento e conclusão), os componentes dessa estrutura podem ser entendidos de forma um pouco distinta, de modo que a introdução sirva como uma identificação (ou apresentação) daquilo que será descrito e o desenvolvimento, a descrição em si. A conclusão, por sua vez, pode ser entendida não como um componente, mas como um processo. A conclusão ocorre quando o autor do texto está satisfeito com a descrição pretendida (CORTINA, 2018). Diferente do texto narrativo, o texto descritivo está isento de limitação temporal ou espacial. Ele se estrutura como uma descrição estática, independente de uma cronologia ou de um espaço temporal específico. Geralmente, textos descritivos são cheios de substantivos, adjetivos e advérbios. Os verbos utilizados para esses textos geralmente são mais restritos do que os utilizados em narrativas, sendo, em sua maioria, verbos de estado (ser, estar, parecer, etc.). 34 A linguagem utilizada em textos descritivos se caracteriza por ser bastante rica, a fim de fornecer uma descrição detalhada, fazendo uso, portanto, de figuras de linguagem, comparações, enumerações, de forma que a linguagem se torne dinâmica e interessante para o leitor (CORTINA, 2018). Existem diferentes tipos de descrições, de acordo com o objetivo de cada texto, podendo ser caracterizadas em: Descrição objetiva: é o tipo de descrição precisa e exata do objeto a ser descrito, tentando eliminar ambiguidades e objetivando evocar na mente do leitor uma imagem mais próxima e verossímil da realidade. Utiliza linguagem clara e precisa, tentando tornar o texto verídico, e apoia-se na linguagem denotativa. Descrição subjetiva: é o tipo de descrição que leva em consideração um aspecto pessoal ao que está sendo descrito, de forma que não precise ser completamente verossímil e realístico, considerando emoções e sentimentos. A linguagem utilizada pode ser bastante simbólica e metafórica e se apoia na linguagem conotativa. Descrição sensorial: é o tipo de descrição que tem por objetivo provocar sensações no leitor, sejam elas auditivas, visuais, olfativas, táteis ou gustativas. Observe, a seguir, um exemplo de texto descritivo que tem por objetivo descrever uma cidade: 35 No texto acima, podemos observar que o autor teve por objetivo descrever a cidade Wisconsin Dells de forma que o leitor pudesse criar uma imagem mental a respeito do lugar e entender o que é possível encontrar lá. Exemplos de textos descritivos são: cardápios, classificados, folhetos turísticos, informações técnicas de produtos, etc. 6.2.3 Texto dissertativo (expositivo e argumentativo) Um texto dissertativo se caracteriza por ter como objetivo informar o leitor a respeito de um determinado assunto de forma rica, rigorosa e detalhada. Essa tipologia textual se divide em dois tipos: expositivo e argumentativo. Dissertativo-expositivo: expõe conhecimentos, detalhes e ideias. Esse tipo de texto não tem por objetivo convencer o leitor, apenas relatar fatos sobre um determinado tema, servindo como transmissor de conhecimento e escrito de forma que tente evitar qualquer tipo de erro ou informação não verídica ou não confirmada (CORTINA, 2018). Textos dissertativos-expositivos devem ser elaborados de forma clara e organizada, de modo que possam ser entendidos por diversos leitores. 36 Geralmente, textos expositivos trazem um grande número de informações relacionadas ao assunto sobre o qual dissertam, a menos que o autor tenha por objetivo fazer apenas um recorte específico. Nesse tipo de texto, encontramos definições, clarificações, características, comparações, enumerações e exemplos que abordam de maneira correta e eficaz o assunto a ser exposto. Observe, a seguir, um exemplo de texto dissertativo-expositivo, representado por um fragmento de um texto enciclopédico sobre o Simbolismo. Repare que o texto acima não tem por objetivo convencer o leitor a respeito de nada, apenas abordar o assunto de forma extensiva, tentando explicitar o significado, o surgimento e outros detalhes que o autor considerou importante a respeito do Simbolismo. 37 Como exemplo de textos dissertativos-expositivos, podemos citar: enciclopédias, entradas de dicionários, textos informativos escolares, etc. Dissertativo-argumentativo: tem por objetivo convencer e persuadir o leitor por meio de sua dissertação. Nesse tipo de texto, o autor utiliza não somente fatos, mas também suas crenças, opiniões, valores e ideias para tentar convencer o leitor de algo ou fazê-lo concordar com seus pressupostos e teses. Embora o texto dissertativo-argumentativo possa apresentar a opinião do autor, ele deve ser composto de forma clara e objetiva, com base em dados verídicos e concretos, tais como estatísticas, comparações, depoimentos, entre outros (CORTINA, 2018). Um dos objetivos desse tipo de texto é despertar uma reflexão que leve o leitor a seguir uma linha de raciocínio e ser convencido pelo autor a respeito de sua lógica, hipóteses ou argumentos. Observe, a seguir, um exemplo de texto dissertativo-argumentativo no qual o autor tenta convencer os leitores a respeito de seu pensamento sobre a sociedade e seu futuro. O texto apresentado é composto de fragmentos do manifesto chamado “A Sociedade Industrial e seu Futuro”, escrito por Theodore Kaczynski, um terrorista americano conhecido como Unabomber que, nos anos 1990, exigiu que os jornais americanos divulgassem seu texto, garantindo, em troca, que os atentados realizados por ele cessariam no momento que seu manifesto fosse publicado. 38 39 Por mais que não concordemos com algumas ideias apresentadas pelo autor, sua composição textual é formada por definições, exemplos e comparações que além de dissertar sobre um determinado ponto, também servem como fundamentos e bases para as premissas que serão dispostas ao longo do texto. Esse manifesto é um exemplo bastante claro de texto dissertativo- argumentativo por trazer não apenas fatos, mas também a opinião do autor como uma tentativa de convencer o leitor sobre seu ponto de vista. Entre os exemplos de textos dissertativo-argumentativos, estão: manifestos, textos introdutórios de abaixo-assinados, artigos de opinião, sermões, entre outros. 6.2.4 Texto explicativo (injuntivo e prescritivo) O texto explicativo é aquele que tem como principal objetivo instruir o leitor a respeito de algum processo ou procedimento. Esses textos se caracterizam por linguagens que instruam e incentivem a ação, direcionando o comportamento do leitor. O tipo de linguagem empregada por esse tipo de texto é, geralmente, objetiva e clara, com um grande número de verbos no imperativo, no infinitivo ou no presente do indicativo. Embora muitas vezes possam ser entendidos como sinônimos, existe uma distinção entre texto explicativo-injuntivo e explicativo-prescritivo, que se diferem pelo grau de obrigação ao seguir as instruções dadas. Os textos explicativos- injuntivos informam, aconselham, ajudam e recomendam, de forma que o leitor tenha um certo grau de liberdade, e os textos explicativos-prescritivos exigem, demandam e obrigam, sem que o leitor tenha liberdade (CORTINA, 2018). Observe, a seguir, um texto que se caracteriza como explicativo-injuntivo. 40 Nas instruções acima, observamos um tipo de texto que orienta o leitora fazer pão de queijo. Os procedimentos dados servem como conselhos de qual a melhor maneira de proceder (de acordo com o autor) para que a receita seja bem- sucedida. Contudo, podemos observar que o texto dá um certo grau de liberdade para que o leitor tome ações diferentes do que é instruído (como ferver os ingredientes em uma leiteira em vez de uma panela ou fazer bolinhas de 3 cm em vez de 2 cm). Observe, agora, um exemplo de texto explicativo-prescritivo: No texto acima, que é um exemplo de contrato de compra e venda, podemos observar que a linguagem é bastante objetiva e que o leitor (que seria o vendedor ou o comprador no caso do exemplo) não tem liberdade alguma de agir de forma diferente do que diz o texto. 41 Diferentemente do texto explicativo-injuntivo – que orienta e aconselha o leitor ─, o texto explicativo-prescritivo obriga o leitor a agir da forma determinada por ele. Entre os exemplos de textos explicativos-injuntivos estão os manuais de instrução, os livros de autoajuda, as receitas culinárias, etc. Como exemplos de textos explicativos-prescritivos, podemos mencionar contratos, leis de trânsito, edital de concursos, entre outros. Observe que as tipologias textuais, além de utilizar linguagens diferentes, também apresentam estruturas distintas que devem ser seguidas e respeitadas para que um texto possa se enquadrar corretamente em um certo tipo, de acordo com seus objetivos. Além das tipologias textuais, textos também podem ser classificados de acordo com gêneros textuais, como veremos a seguir. 7 GÊNERO TEXTUAL Agora que aprendemos sobre as diferentes tipologias textuais, podemos estudar os diferentes gêneros textuais. Gêneros textuais são textos que apresentam características distintas e que exercem funções comunicativas específicas; ou seja, esses textos se caracterizam por compartilhar os mesmos traços entre textos do mesmo gênero, por apresentar traços distintos de outros gêneros e por cumprir objetivos diferentes (CORTINA, 2018). Pense, primeiramente, na diferença entre uma carta, um romance e uma lista de supermercado. A carta tem por objetivo conectar duas (ou mais) pessoas e transmitir informações, um romance tem por finalidade entreter um leitor e contar 42 uma história; já a lista de supermercado se caracteriza por conter nomes de itens que devem ser comprados. Agora, pense no formato de apresentação de cada um desses textos. Você acharia muito estranho se recebesse uma “carta” com trezentas páginas, com uma capa e um sumário, certo? Mas não acharia estranho receber um romance com esse formato. E já pensou se você recebesse uma lista de compras antes de ir ao mercado e, chegando lá, abrisse e encontrasse o próximo texto? Certamente essa não é a disposição que estamos acostumados a receber para uma lista de compras. Os gêneros textuais, além de conteúdos que sejam propícios aos seus fins comunicativos, também são caracterizados pela forma de apresentação dos textos, que está altamente relacionados ao papel que cada texto deve cumprir. Um leitor que recebesse o texto acima como uma “lista de compras” certamente perderia tempo no mercado lendo frases que não são necessárias para as compras e, ainda por cima, correria o risco de esquecer algum item por não estar facilmente indicado no corpo do texto. Um texto que deveria ter quatro palavras (farinha, ovo, leite, milho) foi disposto em setenta palavras de forma não usual para o seu objetivo. Segundo Cortina (2018), gêneros textuais devem levar em consideração todos os aspectos que proporcionem uma comunicação eficiente, como emissor, receptor, objetivo, canal, mensagem. Diferente das tipologias textuais, os gêneros textuais são de inúmeros tipos e surgem de acordo com as necessidades sociais distintas para cada ação comunicativa. 43 Entre os exemplos de gêneros textuais estão: carta (pessoal e empresarial), telefonema, notícia de jornal, artigo de revista, artigo de jornal, artigo acadêmico, piada, receita, bula de remédio, biografia, entrevista, romance, poesia, conto, monografia, aviso, lenda, fábula, lista de compras, ensaio, editorial, e-mail, abaixo- assinado, diário, currículo, entrada de dicionário, texto enciclopédico, entre outros. Os exemplos mencionados acima servem apenas para ilustrar a grande variedade de gêneros textuais existentes. Como já foi dito, cada necessidade comunicativa pode abrir espaço para o surgimento de um gênero textual diferente. Observe, na sequência, três exemplos de textos: 44 Lendo e observando os textos acima, você, leitor, consegue ver alguma diferença entre eles? Várias, correto? O texto 1 é uma bula de remédio, o texto 2 é uma parte de um diário, e o texto 3 é um poema. Talvez nem fosse necessário ler o conteúdo total dos textos para identificar a que gênero eles pertencem. Essa convenção de formatação de diferentes textos ajuda a caracterizar diferentes gêneros textuais. Além de conteúdos e linguagens diferentes, os três textos também possuem objetivos diferentes. O primeiro texto serve como informativo a respeito de um remédio, o segundo serve como registro de um dia em um diário (e também como narrativa para informar e entreter um leitor de um livro que foi baseado nesse diário) e o terceiro tem por objetivo conscientizar ou despertar emoções. 45 Esses três textos são exemplos claros de diferentes gêneros textuais, que se caracterizam não só pelo conteúdo e linguagem, mas também – e principalmente ─ por sua disposição e seus objetivos comunicativos. Agora que já conhecemos as diferentes tipologias textuais e sabemos que existem diversos gêneros textuais, vamos relacionar as duas classificações e apresentar exemplos de gêneros textuais que se enquadram em cada uma das tipologias textuais, conforme vemos em Cortina (2018): Gêneros textuais que se enquadram no tipo textual narrativo: histórias, fábulas, romances, contos, novelas, crônicas, histórias curtas, dramas, teatro. Gêneros textuais que se enquadram no tipo textual descritivo: classificados, menus de restaurante, páginas de diários, informativos turísticos, informações técnicas de produtos. Gêneros textuais que se enquadram no tipo textual dissertativo: enciclopédias, artigos acadêmicos, artigos de opinião, manifestos, sermões. Gêneros textuais que se enquadram no tipo textual explicativo: receitas, manuais de instrução, editais, contratos, livros de autoajuda. Neste capítulo, aprendemos que texto não é apenas um aglomerado de palavras, mas sim uma manifestação linguística que comunica e carrega algum significado dentro de um contexto, apresentando sentido. Aprendemos, também, que um texto se manifesta de diferentes formas e que pode ser composto em diferentes extensões. Ademais, observamos a diferença entre tipologias textuais (que se caracterizam por sua forma e objetivos) e gêneros textuais (que se definem pela sua função comunicacional e social), identificando que, embora as tipologias textuais sejam limitadas e definidas, os gêneros textuais se classificam e se manifestam de diferentes formas, surgindo de diferentes situações e necessidades comunicacionais. Voltando ao exemplo que iniciou o capítulo (Circuito Fechado), podemos concluir que ele é, de fato, um texto, cuja tipologia textual é narrativa e cujo gênero textual pode ser entendido como um conto. 46 8 PRODUÇÃO DE TEXTO – CONCEITOS DE COESÃO E COERÊNCIA 8.1 Conceitos de coesão e coerência A produção de um texto exige a formação de tramas entre cada ponto tratado, ou seja, um texto se forma com várias palavras, orações e ideias amarradas umas às outras. Nesse sentido, a elaboração de um texto costuma estar associada à arte de tecer: quando se tece, um fio pode ser conduzido para lugares diferentes, mas sempre
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