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Criminologia Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Cássio Vinicius Dal Castel Veronezzi Lazzari Prestes Revisão Técnica: Prof. Dr. Reinaldo Zychan Revisão Textual: Prof.ª Me. Sandra Regina Fonseca Moreira Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal • Tecer análise teórica e prática sobre a criminologia de cunho marxista visando compreender os movimentos de intervenção mínima do Direito Penal contrários à sociedade capitalista; • Estudar a estigmatização provocada pelo sistema carcerário e suas influências na formação da personalidade do delinquente. OBJETIVOS DE APRENDIZADO • Rememorando a Origem da Sociologia Criminal; • As Vertentes da Teoria do Conflito. UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Rememorando a Origem da Sociologia Criminal Como visto anteriormente, durante a transição do século XIX até meados do sé- culo XX, eclodem novas formas de pensar o fenômeno da criminalidade, dentre as quais, naquela oportunidade, destacamos a Escola Eclética e a Sociologia Criminal. Retomaremos como ponto de partida dos nossos estudos a Sociologia Criminal. A Sociologia Criminal Trata-se de linha criminológica que vem à tona após os embates doutrinários pro- duzidos pelos extremismos e antagonismos teóricos gerados entre os postulados da Escola Clássica e da Escola Positiva procedendo a verdadeira mudança de paradigma. É um conjunto de teorias que passa a enxergar o crime como fato social normal tendo em vista que o próprio meio social opera como agente fomentador da prática delitiva. Seus desdobramentos reportam a análises da criminalidade em contexto co- letivo, ao invés de pessoal e individualizado, no qual a sociedade em geral é, de per se, causa e meio da conduta delitiva. Em Síntese O meio social origina a conduta criminosa e, ao mesmo tempo, é por ela vitimizado, sofrendo suas nocivas consequências! Premissas da Sociologia Crime é fato comumente praticado no cotidiano Variedade de condições e situações como causa do delito (Multifatoriedade) In�uência de fatores socioeconômicos e ambientais na gênese delitiva Delinquente é pessoa normal Figura 1 Divide-se em duas vertentes: As teorias do consenso exaustivamente analisadas anteriormente e as Teorias do Conflito, a partir deste ponto desenvolvidas. 8 9 As Vertentes da Teoria do Conflito Noções Introdutórias Parte da premissa que a diversidade é inerente à qualquer sociedade, a qual é composta por etnias, culturas, crenças religiosas, princípios morais e interesses dis- tintos diuturnamente conflitantes. Em consequência dessa heterogeneidade, criam- -se, naturalmente, grupos e classes sociais com valores antagônicos e divergentes. Figura 2 Fonte: Getty Images Contrariamente às já estudadas Teorias do Consenso, suas vertentes entendiam inexistir convívio social harmônico, e que as diversas facetas desse contraste, em potencial, ocasionariam confrontos entre as camadas sociais. Importante! Sob esta ótica, o crime seria decorrência lógica dessa conflituosidade (MOLINA; GOMES, 2002, p. 356). O gênero Teorias do Conflito divide-se em duas espécies: Teorias conflituais não marxistas e Marxistas. As primeiras (não marxistas) são subdivididas em teorias do conflito cultural e teo- rias do conflito social e aqui serão brevemente analisadas, pois, em nossa opinião, não trazem muitas inovações teóricas. As segundas (marxistas) serão estudadas a fundo! Desenvolvidas durante as décadas de 1940/50, as teorias do conflito cultural, como o próprio nome diz, aduzem que as contradições culturais são a gênese do delito. As diferentes etnias, nacionalidades, culturas e religiões causam vários conflitos 9 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal e, por conseguinte, geram a criminalidade. As Teorias do conflito social, por sua vez, realçam a relação de causalidade entre a diversidade social, inerente a qualquer comunidade, e a criminalidade. Por seu turno, as Teorias do Conflito Marxista são produtos de movimento crimi- nológico enraizado no pensamento filosófico de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895). Figura 3 Fonte: Getty Images Marx e Engels desenvolveram raciocínio crítico sobre a sociedade capitalista e, no que tange à Criminologia, elevaram referido modo de vida ao patamar de principal fator de combustão da criminalidade praticada pelas classes sociais que se localizam nos estratos inferiores da pirâmide social (proletariado e minorias sociais economi- camente desfavorecidos). Pesquise sobre a crítica de Karl Marx sobre o capitalismo. Resumidamente, podemos afirmar que a premissa básica é a luta entre classes sociais. De um lado, a chamada classe dominante, economicamente abastada, de- tentora do poder político e do modo de produção; do outro, a classe trabalhadora, financeiramente explorada e empobrecida, sem qualquer possibilidade de ascender na pirâmide social e politicamente compelida a aceitar as premissas da primeira. 10 11 Sob a ótica marxista, em uma sociedade capitalista, o fato de o proletariado não corroborar os princípios e valores difundidos pela classe dominante não lhe dá qual- quer chance de mobilidade político-social. Deste modo, vislumbra a submissão de um grupo de indivíduos a outro, sendo que aqueles se sujeitam a estes, não em razão de sua vontade, mas por força da coação política, econômica e social a que são subjugados. Sendo assim, entende ser inerente a toda e qualquer sociedade capitalista a ocor- rência, entre os estratos sociais, de contendas acerca dos valores, princípios e regras vigentes. Tais embates políticos, religiosos, econômicos, e até mesmo por questões pontuais como, por exemplo, questões armamentistas, ambientais, descriminaliza- ção da maconha, aborto, políticas econômicas ou educacionais, dentre outros, por se encontrarem arraigados no seio social, desvelam um invariável duelo classista e ideológico pelo poder. Em Síntese Toda a organização política e socioeconômica revela que um estrato social subordina os demais a seus ditames e regras! Em outras palavras, significa que os grupos sociais menos favorecidos divergem das normas e valores propagados na sociedade, mas são impelidos a acatá-los. Podem ser mencionadas como suas vertentes o Labelling Approach e a Crimino- logia Crítica ou Radical, que, como dito, serão aqui analisadas. O Labelling Approach (Teoria do Etiquetamento, da Rotulação, da Reação Social ou Interacionismo Simbólico) Originária nos idos de 1960, tem como expoente o sociólogo norte-americano Howard Saul Becker (nascido em 1928), podendo também ser citado o antropólogo, cientista social e sociólogo canadense Erwin Goffman (1922-1982). Becker, em 1963, escreveu Outsiders, considerada sua principal obra literária. 11 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Figura 4 Fonte: Getty Images Não abrangeu os diversos motivos e razões de variadas ordens e natureza, (bioló- gicas, socioeconômicas, patológicas) presentes no momento de ingresso do indivíduo no mundo do crime, a chamada criminalização primária. Nem mesmo se ocupou, de forma aprofundada, do delito enquanto fato social ou da vítima, deixando de lado análise desses objetos da Criminologia (BARATTA, 2002). Sobre a origem da denominada criminalidade primária, a Teoria da Rotulação Social se limita a afirmar que é produzida por uma diversidade de fatores psicológicos, sociais, econômicos ou culturais, excluindo de seu objeto a análise deles. Em defesa da linha ideológica em tela, se afirma que a proposta é de ampliação do rol das causas originárias do delito, nele incluin- do uma nova hipótese, qual seja, a reação estatal a um primeiro comportamento desviante (SHECAIRA, 2004, p. 306). O epicentro dos estudosfoi a estigmatização gerada pela prisão, cuja atuação atribui ao indivíduo a pecha de criminoso, marcando-o, indelevelmente, com referida desqualificação, chegando à conclusão que o sistema penitenciário desenha o este- reótipo do criminoso solidificando seu ingresso e permanência na delinquência. Em decorrência, e em evidente postura xenofóbica, as portas da sociedade se fecham, impulsionando-o à reincidência (criminalização secundária) (SANTOS, 1984, p. 55)1. Aduziu que o desfecho do devido processo legal (processo-crime) culminando com sentença condenatória transitada em julgado e consequente aplicação e cum- primento da pena, mormente a privativa de liberdade, atribui ao condenado o rótulo social da marginalização, que o acompanhará durante toda sua tentativa de retorno ao meio social. Sob esta ótica, é a intervenção carcerária que determina, peremptoriamente, o arquétipo de delinquente. Assim sendo, todo o procedimento oficial de persecução 1 SANTOS, Juarez Cirino dos. As Raízes do Crime. Um estudo sobre as estruturas e as instituições da violência. Ed.Forense, Rio de Janeiro, 1984, p.55. 12 13 criminal (polícias, justiça criminal, Ministério Público e sistema penitenciário) atua em prol do aprofundamento do indivíduo em uma novel carreira criminosa (MOLINA; GOMES, 2002, p. 387) Em sua opinião, é possível afirmar que essa linha de raciocínio coloca em dúvida a eficácia ressocializadora da pena, a qual, inversamente ao esperado, atuaria como gatilho para o ingresso e solidificação na carreira criminosa? Efetivamente, o estigma decorrente da execução da pena de prisão produz efeito absolutamente inverso à pretendida ressocialização: a rotulagem de criminoso! A imagem gerada perante toda a comunidade, de condenado, de “cadeieiro”, no jargão popular, é a força motriz que impulsiona o egresso a reincidir, acentuando ainda mais o efeito deletério da reprovação social que agora, diariamente, o aflige, dificultando, em demasia, o processo de reinserção na sociedade e no mercado de trabalho. Importante! Para a Teoria do Etiquetamento, a resposta carcerária desvela a espúria relação de causa e efeito entre cárcere e reiteração criminosa. A ideia central gira em torno da sensação de falta de oportunidade na vida pós cárcere que afeta ao egresso. Realmente, este se vê impedido de retornar ao convívio social para levar uma vida normal novamente, pois o estereótipo que carrega re- presenta, socialmente falando, uma barreira insuperável. Trata-se, resumidamente, do preconceito que viverá na comunidade (mercado de trabalho, bairro, ex-amigos, família, etc.). Egresso é o indivíduo que se retirou, não pertencendo mais a um grupo. Em Direito Penal, descreve o indivíduo que cumpriu definitivamente sua pena privativa de liberdade e que retorna ao convívio em sociedade. Neste sentido, leciona Nestor Sampaio Penteado Fiho : A teoria da rotulação de criminosos cria um processo de estigma para os condenados, funcionando a pena como geradora de desigualdades. O sujeito acaba sofrendo reação da família, amigos, conhecidos, colegas, o que acarreta a marginalização no trabalho, na escola. (PENTEADO FILHO, 2020, p. 91) Figuradamente falando, podemos afirmar que o encarceramento produz o efeito de uma tatuagem social marcando, negativamente, o condenado como marginal, um ser antissocial demonizado perante os demais, fator este que o impede de superar as agruras do erro anteriormente cometido. 13 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Nesse diapasão, vendo-se alijado do regresso ao meio social em que anteriormen- te vivia, o indivíduo veste a roupagem de delinquente, agregando esse novel estilo de vida desviante em seu cotidiano, em suas condutas, amizades, locais que frequenta, vestimenta e linguajar, e, ao mesmo passo, o afasta das pessoas que não pertencem a este submundo. Baseados no magistério de Juarez Cirino dos Santos, elencamos, em estu- do esquemático e resumido, as consequências resultantes do estereótipo gerado pelo encarceramento2: Decorrências da estigmatização Ingresso na subcultura criminal e perpetuação na carreira criminosa Assimilação de suas características Expectativa social da prática de condutas conforme o rótulo assumido Figura 5 Fonte: Getty Images A Criminologia Crítica, Radical ou Eclética A National Deviancy conference (1968) é normalmente citada como o evento que apresentou essa forma de pensar a criminalidade, assim como a obra The New criminology (1973), dos sociólogos britânicos Ian Taylor, Paul Walton e Jock Young, que é considerada a obra inaugural desse movimento criminológico. Podem ainda ser citados os sociólogos e criminólogos norte-americanos Richard Quinney (nascido me 1934) e William Joseph Chambliss (1933-2014). Influenciada pelo marxismo, discorre sobre a criminalidade comum enquanto fato social usual em uma sociedade regida pelo modo de produção capitalista. Destarte, a pedra de toque é compreender a relação de causa e efeito entre a desigualdade social inerente à estrutura socioeconômica e política do capitalismo e a origem da criminalidade cotidianamente praticada pelas classes desprivilegiadas. Para melhor entendimento sobre o tema, indispensável a leitura de GARCIA-PABLOS DE MOLINA. A.; GOMES, L. Fl. CRIMINOLOGIA: introdução a seus fundamentos teóricos: intro- dução às bases criminológicas da Lei 9099/95, lei dos juizados especiais criminais. 4ª Ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, p. 361-363. 2 Op. cit., p.57. 14 15 Figura 6 Fonte: Wikimedia Commons Figura 7 Fonte: Adaptado de Getty Images Como dito acima, a Criminologia Crítica fundamenta-se no pensamento desen- volvido por Marx e Engels, os quais teceram severas críticas à sociedade capitalista elevando esse estilo de vida ao patamar de causa primordial da criminalidade comum à classe trabalhadora (SHECAIRA, 2004, p. 332-333). De maneira perfunctória, a sociedade é ordenada em estratos sociais, sendo que um deles se sobrepõe e explora o outro em clara relação de domínio. Essa forma de disposição social evidencia-se quando da análise da sistematização socioeconô- mica da sociedade capitalista, na qual se verifica que uma classe social, detentora do poder político e dos meios de produção (classe dominante), se sobrepõe à outra (classe trabalhadora). 15 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Na ótica da Criminologia Crítica, o capitalismo padroniza um modelo piramidal e hierarquizado cuja ordenação, propositalmente, ecoa os valores, princípios e modo de vida das camadas mais altas da sociedade (classe dominante). Ao proletariado, impelido pelo próprio modo capitalista de vida e em patente desvantagem social sob todo e qualquer aspecto da vida em sociedade, somente resta submeter-se ou não aos ditames daquela. À vista disso, aduz que a classe trabalhadora e os grupos menos favorecidos encontram-se de mãos atadas, não detendo nenhum poder político para influenciar as decisões políticas e alterar essa dinâmica. Imagem: https://bit.ly/2EHteSE Para melhor compreensão da ótica marxista sobre a divisão das classes sociais em uma so- ciedade capitalista, recomenda-se a leitura de SABADELL, Ana Lucia. Manual de Sociologia Jurídica. Introdução a uma leitura externa do Direito. 2a. edição, Ed. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2002, p. 176-177. Trocando Idéias... Para a Criminologia Radical, no capitalismo, a legislação penal vigente e o efetivo esta- tal disposto para repressão da criminalidade são intencionalmente organizados, apa- relhados e distribuídos para reprimir condutas habituais à classe trabalhadora e, desta maneira, sustentar o império de toda a ideologia da classe dominante, a qual, em razão da força política e poderio econômico-financeiro que detém, sujeita os demais grupos sociais a acatar a organização social que lhe aprouver. O Direito Penal Mínimo Desenvolvidodurante as décadas de 1970/80, este braço da Criminologia Crítica, também sob o manto da ideologia marxista, aduz que há desigualdade na incidência do Direito Penal. Sugere a remodelação do Direito Penal e da estrutura da Justiça penal como um todo, apresentando como principal proposta de política criminal a gradual altera- ção de foco do Direito Penal, o qual deverá atender à diminuição da sua órbita no tocante à chamada criminalidade de rua, praticada no cotidiano das classes menos favorecidas e, ao mesmo passo, a uma atuação mais incisiva no tocante à chamada criminalidade de colarinho branco, como fraudes fiscais e a processos licitatórios, contra o sistema financeiro, como evasão de divisas, corrupção, defraudação do erário público, dentre outros. A proposição é a retração da órbita da legislação penal externando política de enfrentamento à criminalidade alinhavada com os postulados fundamentais de um Estado Democrático de Direito e em direção da real tutela dos direitos fundamentais 16 17 das camadas menos favorecidas da sociedade. E, para consecução de tal desiderato, postula por medidas despenalizadoras, almejando até mesmo a descriminalização de alguns tipos penais que descrevem delitos de ínfima ofensividade, praticados de maneira ordinária e corriqueira pelo proletariado, como consumo pessoal de drogas, pequenos furtos e roubos, ofensas à honra como injúrias, difamações, calúnias e de- sacatos, estelionatos, agressões leves, pichações e outras formas de depredação do patrimônio público, perturbações do sossego alheio e toda sorte de contravenções penais, dentre outros (SHECAIRA, 2004, p. 342-343). Pesquise sobre o princípio da insignificância ou da bagatela como atual e concreta aplicação do Direito Penal Mínimo pela jurisprudência pátria. Defende, outrossim, a alteração da retribuição punitiva dada pelas agências for- mais de controle do crime opinando por atuação fragmentária e subsidiária do siste- ma prisional. Pesquise sobre os Princípios da Fragmentariedade e Subsidiariedade do Direito Penal. Critica veementemente a ausência de eficácia ressocializadora da pena. Com efeito, por se apresentar como mero castigo, a pena privativa de liberdade somente deveria ser ativada nas hipóteses em que fosse aferida grave lesividade a direitos fundamen- tais da vítima ou à sociedade como um todo. Assim, no que toca à quase totalidade dos crimes comuns e em razão das impro- dutivas mazelas do cárcere, opina pela substituição da pena privativa de liberdade por outras formas de incidência da sanção penal propugnando pela aplicação de medidas de natureza não-prisional como suspensão condicional da pena (sursis), livramento condicional, penas restritivas de direitos ou de multa. A legislação pátria vigente traz diversos dispositivos que exteriorizam a adoção de uma política criminal minimalista, citando-se como exemplos, dentre outros: os artigos 43 a 48 e 54 a 57 (penas restritivas de direito); 49 a 52 e 58 (penal de multa); 77 a 82 (suspensão condicional da pena); 83 a 90 (livramento condicional), todos do Código Penal, e ainda os artigos 74 (composição civil dos danos); 78 (transação penal) e 89 (suspensão condicional do processo) da Lei 9099/95, que versa sobre os Juizados Penais Especiais (JECRIM). O Direito Penal vigente no Brasil é eficaz no que diz respeito à redução das taxas da crimina- lidade dita comum acima mencionada? 17 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Abolicionismo Penal Movimento criminológico originário das décadas 1970/80, cujos expoentes foram os sociólogos e criminólogos noruegueses Nils Christie (1928-2015) e Thomas Mathiesen (nascido em 1933) e o criminólogo holandês Louk Henri Christiaan Hulsman (1923-2009), os quais, também sob influência do pensamento marxista, com maior ou menor intensidade, desenvolvem análise crítica da sociedade capitalista fundados no seguinte tripé: Desigualdade socioeconômica inerente a toda sociedade capitalista Ine�cácia e seletividade da Justiça Penal e do sistema penitenciário no controle do crime Estratos sociais menos favorecidos como alvo da incriminação seletiva e discriminatória da legislação penal Figura 8 Enquanto desdobramento da Criminologia Crítica, assevera que a injusta e de- sigual divisão das classes sociais (dominante/trabalhadora) é apontada como fator crucial na marginalização da classe operária, induzindo-a aos caminhos da chamada criminalidade de rua, dia a dia, perpetrada pelos menos favorecidos. É possível perceber que a premissa criminológica é a mesma do Direito Penal Mínimo, a crítica marxista à sociedade capitalista. A diferença está na intensidade de reação a este modelo sócio, político e econômico! No Minimalismo penal, a proposta é de retração deste ramo do Direito, o qual ainda seria presente, todavia, com intervenção menos incisiva. Aqui, a meta seria a extinção da incidência do direito Penal como ramo voltado à solução do fe- nômeno social da criminalidade. De modo geral, critica toda a atuação do sistema de Justiça criminal disposto pelo Estado no combate ao crime. A reflexão incide sobre a absoluta ausência de instru- mentos aptos a evitar o ingresso no submundo do crime asseverando que o Direito Penal e respectiva sanção privativa de liberdade figurariam como meros paliativos perante a complexidade social do fenômeno do crime. Ademais, nem se fala em luta contra o crime (terminologia veementemente rejei- tada por seus adeptos), mesmo porque o entendimento é pela inadequação e inutili- dade da prisão, vista como mero castigo. O pleito é por medidas de natureza preven- tiva que evitem o ingresso na criminalidade e, na eventualidade de sua ocorrência, a aplicação, na linha da justiça restaurativa, de meios extrapenais de conciliação entre 18 19 os envolvidos, aliadas a outras de caráter indenizatório à vítima, prestando-se, esta forma, maior atenção às mazelas por ela sofridas. Importante! A tônica para melhor compreensão é que a intervenção do sistema penal, pelo estigma que produz, demonstra-se muito mais prejudicial do que benéfica tanto para a socie- dade como um todo, quanto para o autor do fato, ambos por ausência das finalidades preventiva e ressocializadora da pena, inclusive, até mesmo para a vítima, que não terá reparação do dano em razão da atuação da Justiça Penal que, por sua vez, só visa punir o infrator (GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2002, p. 275). Apresenta proposta de afastamento da política criminal tradicional investindo em políticas públicas de natureza não-penal e viés social que efetivamente visem dimi- nuir a desigualdade socioeconômica, evitando, desta feita, o recurso à criminalidade. Em Síntese A solução para a problemática social da criminalidade não se encontra no Direito Penal! Didaticamente, ramificamos o movimento abolicionista em três linhas de pesquisa, desde uma linhagem mais branda até outra mais radical. Nada obstante, a demanda pela descriminalização de comportamentos corriquei- ramente praticados pela classe proletária é uma constante (porte de drogas para con- sumo próprio, pequenos furtos, estelionatos e roubos, perturbações da ordem em geral, pichações, perturbações do sossego alheio, xingamentos e ofensas, agressões leves, dentre outros). O fundamento seria que a descriminalização de certas condu- tas diminuiria os índices de criminalidade, pois o Direito Penal, ao tipificá-las como crime, automaticamente e sem qualquer levantamento sobre as causas socioeconô- micas que levaram a tal prática, as transforma em ilícito penal, o qual, por sua vez, será contabilizado nas estatísticas oficiais (FERRAJOLI, 2002, p. 203). Uma linha mais branda centralizou sua análise na atuação subsidiária do tradicio- nal sistema de Justiça Criminal, o qual somente deveria intervir nas hipóteses em que os meios sociais preventivos (associações civis, família, religião, escola etc.) ou outros ramos do Direito não apresentem desfechoexitoso da contenda. Ante o exposto, preconizou que deveria haver um escalonamento na resposta estatal/social a ser dada perante a denominada criminalidade comum engendrada pelos grupos sociais economicamente menos favorecidos. 19 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Atuação preventiva dos meios informais de controle do crime Métodos extrapenais de solução Justiça restaurativa, indenização à vítima, etc. Sanção penal privativa de liberdade Figura 9 Pesquise o significado da expressão Justiça Restaurativa. Outra linha de raciocínio enfocou sua análise na impropriedade do sistema prisio- nal, tecendo críticas ferrenhas às penas privativas de liberdade (superlotação, inefeti- vidade ressocializadora e ineficácia para evitar o crime e a reincidência). Considera a prisão também pelo estigma que perpetua verdadeiro obstáculo à reintegração do ex-condenado à sociedade. Desta forma, na mesma linha de raciocínio do Labeling Approach, entende que a intervenção do sistema carcerário atola o egresso na subcultura criminal, contri- buindo sobremaneira para que o agente reincida na prática desviante. Em outras pa- lavras, o cumprimento da pena de prisão não evita que o agente reitere novamente qualquer comportamento criminoso, ou seja, o aprisionamento gera a reincidência (GOMES; MOLINA; BIANCHINI, 2002, p. 273). Em Síntese Não há evidências convincentes que o sistema prisional efetivamente reduza a criminalidade! Por último, em posicionamento ideológico radical, considera a absoluta impro- priedade de todo o arcabouço penal, desde a legislação vigente, passando pela atuação da polícia e de todo o sistema de justiça penal (magistratura e Ministério Público), culminando com o cumprimento da pena. Propôs, assim, a desconfigura- ção e desuso total do aparato estatal empregado no trato à criminalidade, sugerindo sua total substituição por meios alternativos de natureza não penal, viés preventivo e ressocializador. O sistema penal como um todo não evita tal prática e nem mesmo conduz à real diminuição dos índices de criminalidade, haja vista seu alcance diminuto face toda 20 21 a complexidade da vida em sociedade e a magnitude das relações sociais. O que se quer dizer é que a adoção de um sistema criminal que culmine com a pena de prisão não reduz as taxas de criminalidade. Para aprofundamento dos conceitos criminológicos, pesquise o sentido jurídico-penal da expressão cifra obscura. GOMES, L. F. MOLINA, A. G-P. de.; BIANCHINI, A. Direito Penal vol.1 Introdução e princípios fundamentais: São Paulo. Ed Revista dos Tribunais, 2002, p. 272 a 275. Com primazia, leciona Eduardo Viana que se trata de corrente criminológica que assevera pela ilegitimidade do poder punitivo do Estado, substituindo-o por diversas medidas não mais gerenciadas pelo Estado, mas pelas agências informais de controle da criminalidade que visem evitar a prática desviante, acautelar a vítima e fomentar a reinserção social do delinquente ao seio social (VIANA, 2018, p. 275). Face o evidente descrédito do “universo do Direito Penal”, propugna por uma nova política para o enfrentamento do fenômeno social do crime pautada por medi- das descriminalizadoras e por soluções alheias à órbita do Direito Penal, citando-se como exemplos a justiça restaurativa e medidas indenizatórias à vítima como com- posição civil dos danos. Figura 10 Fonte: Getty Images Trocando Idéias ... Em sua opinião, você acha plausível adotar o abolicionismo penal diante da realidade brasileira? Você acha possível o Estado abandonar a atual política criminal e carcerária 21 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal para investir em métodos alternativos para solução dos conflitos, bem como em polí- ticas sociais que busquem evitar a prática delitiva? Você acredita que diante de nossa cultura as soluções não prisionais para a criminalidade comum passariam à população o sentimento de que a justiça foi feita? Para o Abolicionismo Penal, o instrumental penitenciário se apresenta como pseudosolução de baixo custo para o Estado, se comparado com o alto dispêndio que reformas sociais de- mandam (educação, habitação, saneamento, reestruturação do mercado de empregos etc.). Você concorda com tal afirmação? 22 23 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Livros Criminologia VIANA, E. Criminologia. 6ª. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018 Direito, Sociedade e Economia Leitura para melhor entendimento sobre Karl Marx. ALVES, A. C.; SOARES, A. R.; BITTAR, E. C. B.; BERCOVICI, G.; NAVE, M. B. Direito, Sociedade e Economia. Leituras Marxistas. Ed. Manole, São Paulo, 2005. A Criminologia Radical Indispensável leitura para melhor entendimento sobre a diferenciação entre a iniciação na prática delitiva e a criminalidade secundária. SANTOS, J. C. dos. A Criminologia Radical. Ed. Forense, Rio de Janeiro, 1981 Punir os Pobres WACQUANT, L. Punir os Pobres. A nova gestão da miséria nos Estados Unidos. 2a. edição, Tradução Eliana Aguiar, Coleção Pensamento Criminológico, Ed. Revan, Rio de Janeiro, 2003. A Intervenção Mínima como Princípio no Direito Penal Brasileiro ROBERTI, M. A Intervenção Mínima como Princípio no Direito Penal Brasileiro. Sergio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 2001. 23 UNIDADE Labeling Approach, Criminologia Crítica, o Direito Penal Mínimo e o Abolicionismo Penal Referências BARATTA, A. Criminologia Crítica e crítica ao Direito Penal. Introdução à so- ciologia do Direito Penal. Coleção pensamento criminológico. Tradução Juarez Ciri- no dos Santos. 3. Ed. Rio de Janeiro Ed. Revan: Instituto carioca de Criminologia, 2002. GARCIA-PABLOS DE MOLINA. A.; GOMES, L. F. CRIMINOLOGIA: introdução a seus fundamentos teóricos: introdução às bases criminológicas da Lei 9099/95, lei dos juizados especiais criminais. 4. Ed. ver e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002. GOMES, L. F.; MOLINA, A. G-P. de.; BIANCHINI, A. Direito Penal. vol.1 Introdu- ção e princípios fundamentais. São Paulo: Ed Revista dos Tribunais, 2007. GONZAGA, C. Manual de criminologia. São Paulo: Saraiva Educação, 2018. PENTEADO FILHO, N. S. Manual esquemático de criminologia. 10. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020. SÁ, A. A. de. Criminologia clínica e execução penal: proposta de um modelo de terceira geração. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. (e-book) SANTOS, J. C. Criminologia Radical. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1981. SHECAIRA, S. S. Criminologia. São Paulo: Ed RT, 2004. VIANA, Eduardo. Criminologia. 6. ed. ver. Atual e ampl. Salvador: JusPODIVM, 2018. 24
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