Buscar

InformativoABL-98-p1

Prévia do material em texto

LUTERlA NO BRASIL: QUALIDADE OU
QUANTIDADE?
É interessante verificar corno. nos dias de
hoje. a produção de instrumentos de corda da família
do violino. mesmo nos grandes centros como
Itália. França. Alemanha. entre outros. tornou feições
tão diferentes daquelas que tinha no passado.
Longe estão aqueles dias em que grandes músicos
procuravam confiantes os Mestres Lutiês
daqueles p,úses (principalmente na Itália. se
considerarnlos os séculos XVll e XVIII) para encomendar-
lhes um instrumento. Os tempos eram outros. é bem
verdade. e àqueles que encomendavanl. não importava
muito o preço c sim o resultado final. a qualidade do som.
a facilidade de execução das passagens "'dificeis" e a
beleza do no\'o violino. E isso. sem dúvida. estimulava os
construtores a pesquisar e melhorar suas obras. já que
existia o reconhecimento por parte dos músicos. ávidos de
bons instrumentos novos'
Hoje. porém. o quadro é bem diverso: naqueles
gmndes centros já não se eonstrói um instrumento com
as mesmas qualidades de há 300 anos. Lógico seria
pensar que essa qualidade tivesse aumentado (ou pelo
menos se mantido) com o tempo. afinal 3 séculos se
passaram. tudo evoluiu. a política. a tecnologia. as artes
atmvessaram tantas fases desde então. Mas e a Luteria?
Evoluiu também? E como? Ternos aqui um caso
interessante.
Os dias gloriosos da Luteria italiana. quando o
gmnde artista eremonês Srradivari fabricava suas peças
com inovações em relação ao trdbalho de seu Mestre N.
Amati. são reverenciados por todos. porém esquecem que
o maior mérito do grande lutiê lombardo foi justamente o
de promover outro(s) passo(s) na evolução do violino e.
conseqÜentemente. na dos seus primos: a viola. o
violoncelo e o contrabaixo.
O que acontece hoje nesses grandes centros é que
as pessoas e instituições que lidanl com a Luteria gastanl
muita energia pard manter (e aumentar) o prestígio dos
\'Íolinos do "século de ouro" da Luteria (séc. XVIII).
limitando (ou impedindo) os seus artistas de criarem
algo de novo. Citaria como exemplo estas duas
passagens de uma publicação do "'Consorzio Liutai &
Archetai CREMONA'. distribuido aos visitantes da
Trienal de Cremona realizado no ano passado: "...As
caracteristicas artesanais dos instrumentos e dos arcos
construidos pelos profissionais do "'consorzio" são fixadas
por um regulamento..." "convencidos de que para obter
um ótimo resultado. tanto acústico quanto estilisuco. aiÚda
hoje não existe alternativa às antigas tecnlCas de
construção...".
É certo que Amati. Stradivari e Guameri dei
Luteria - Set/Out 1998 - Pág. 1
~-
I Ç;.~i~..1I=~.:I
Gesu (só para citar os mais conhecidos) produziram
obras de arte de altíssimo nível. mas também está fora
. de dúvidas quenos mesmos '~grandescentros"(e aqui
vai com aspas). posteriornlente. operou-se um grande
crime contra essas obras de arte. ou seja: a título de
preservá-Ias funcionantes. executaram as modificações
necessárias para a modernização do violino nos
instrumentos originais! Por exemplo: mudança da barra
harmônica por uma maior e com mais altum. troca do
braço para mudar o ângulo e o tanumho da corda
vibrante. pois eram instrumentos barrocos todos os que
atualmente são considerados os melhores do mundo.
Aqui caberiam algumas perguntas: por que não
construíram violinos novos de qualidade com as
inovações necessárias') Por que isso nunca foi
seriamente fomentado nos "grandes centros''') É justo
para uma pessoa do século XX (e próximos). não poder
contemplar as obras daqueles grandes artistas em
estado original? Por que os grandes nomes da Luteria
atual são restauradores e não criadores')
Deixando um pouco de lado o exterior.
voltemos ao nosso caso. A Luteria brasileira tem I1ma
ótima oportunidade para entrdr no mercado
internacional (tão carente de criatividade e de
qualidade). basta não cometer os mesmos erros que
os nossos colegas de fora cometemm. Antes de mais
nada não participamos do "holocausto" (violência
sistemática perpetrada contra maravilhosos
instrumentos construídos nos séculos XVI. XVII e
XVIII. quando sofremm as modificações irreversiveis
acima citadas). Não devemos imitar as obras dos
mestres do passado. mas sim a responsabilidade e a
honestidade de fazer um bom tmbalho. Não devemos
perder tempo produzindo instrumentos em
quantidade. pois é impossível concorrer com povos
que têm a mentalidade da produção em massa. como os
orientais e muitos europeus. apesar destes com um
pouco mais de qualidade. Essa faixa de mercado é
deles. Não vamos acreditar que o violino é como o
viüho : "Quanto mais velho melhor". que digam isso
lá fora. Nós. aqui. o respeitamos. respeitamos a sua
história e sabemos que é hora de uma contribuição
americana consistente e válida. (portanto artística e
não industrial) à evolução desse mágico instrumento.
Será que "0 país mais musical que existe na face da
terra" - Villa-Lobos referindo-se ao Brasil - não está
em condições de aportar algo de novo ao já
estagnado e mal dircClonado mundo da Luteria?
Pensemos nisso.
Saulo Dantas-Barreto
Presidente da Associação Brasileira de Luteria

Continue navegando