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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE ARQUITETURA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARQUITETURA E URBANISMO MESTRADO EM ARQUITETURA E URBANISMO ALINE OLIVEIRA TOSTA A DIMENSÃO ESPACIAL DO DIREITO À CIDADE: ACESSO À EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E INFRAESTRUTURA NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR (2009 - 2015) Salvador/BA 2016 2 ALINE OLIVEIRA TOSTA A DIMENSÃO ESPACIAL DO DIREITO À CIDADE: ACESSO À EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E INFRAESTRUTURA NO PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR (2009 - 2015) Dissertação apresentada ao Programa de Pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Área de concentração: Urbanismo. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso Pereira. Salvador/BA 2016 3 T716 Tosta, Aline Oliveira. A dimensão espacial do direito à cidade: acesso à equipamentos públicos e infraestrutura no Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Salvador (2009 - 2015) / Aline Oliveira Tosta. 2016. 142 f. : il. Orientador: Prof. Dr. Gilberto Corso Pereira. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Arquitetura, Salvador, 2016. 1. Política habitacional - Salvador, BA. 2. Casa própria - Compra - Salvador, BA. I. Pereira, Gilberto Corso. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Arquitetura. III. Título. CDU: 728(813.8) 4 Dedico este trabalho ao meu querido filho Yan Tosta, meu principal motivo para ser e dar o meu melhor em tudo. Dedico também a minha querida e bondosa avó Maria e ao meu pai (ambos in memoriam). 5 AGRADECIMENTOS Feliz por poder ser grata! Caminhada longa até a conclusão deste trabalho e este momento não seria possível sem a ajuda de algumas pessoas especiais. Tentarei não cometer nenhuma falta grave nesta parte, e ciente deste risco seguirei. Obedecendo ao jargão, agradeço a Deus. Tenho certeza que contei com uma dose extra de força e inspiração divina para não desistir. A minha família, em especial a minha mãe, pela educação e valores ensinados, ao meu filho, fonte maior de inspiração, e as minhas irmãs Ane, Lívia e Elane, pelo carinho e amor de sempre. Um muito obrigado mais que especial ao meu companheiro Eduardo, pela dedicação, infinita paciência e compreensão ao longo desses anos, esse título também é seu. A meu orientador, professor Gilberto, pela atenção, confiança, direcionamentos e correções nesse processo de construção, indispensáveis para concretização desta pesquisa. Minha eterna gratidão aos professores Juan e Clarissa, pelo carinho, disponibilidade e atenção, e pelas intervenções necessárias ao meu desenvolvimento e consolidação do trabalho. Agradeço ao PPGAU e todos os seus funcionários, aos colegas de turma, em especial Manolo, Maurício, Ana Cristina, Gabriel e João. A vivência desse mestrado não seria possível sem o apoio de Eleonora Mascia e Adalva Tonhá, antiga e atual Superintende de Habitação do Estado, muito obrigada pelo voto de confiança. Aos colegas de trabalho, Cleiton, Wagner, Edísio, Júnior, Elisângela, Ione, Flora, Cléber e Lucas Duarte, o meu muito obrigada pela ajuda e pelas palavras de conforto nos momentos difíceis. Ao apoio indispensável da colega Roberta pelo suporte no processo de formatação e adequação da pesquisa as normas acadêmicas. Aos amigos da vida, que me alimentam de alegria e esperança: Tia Cida, exemplo de força, mais uma vez agradeço todo seu apoio, carinho e preocupação comigo. A minha parceira Merissa, sinto suas vibrações positivas mesmo de longe. Jouse, Lívia e Geisa pela eterna torcida e companheirismo. A Lucas Guedes e Rafael pela preocupação diária e pelo carinho de sempre. A minha eterna professora Rosali por todo apoio, atenção e carinho comigo. Durante este período fortaleci novas amizades, e reservada suas particularidades, cada um contribuiu de forma significativa nessa caminhada. Ranieri, Rodrigo, Carlos e Rivelle, deixo aqui documentado o meu muito obrigada a todos vocês. Harlan, sua ajuda foi de vital importância nesse processo, muito obrigada por tudo. 6 Por fim, agradeço a minha amiga Alana, pelos conselhos, incentivos e abraços nos momentos de turbulência. A minha chefa, amiga e coach, Gabriela, sua ajuda foi crucial ao longo desses anos, essa conquista também é sua, divido com você este título, e a minha amiga-irmã Sandra, pela parceria, força, companheirismo e por sempre acreditar que eu conseguiria, sua presença trás serenidade ao meu caminhar. Por fim, agradeço a todos que direta ou indiretamente colaboraram para a realização deste trabalho que representa o início de um novo ciclo para minha vida. 7 Muitas coisas são necessárias para mudar o mundo: Raiva e tenacidade. Ciência e indignação. A iniciativa rápida, a reflexão longa, A paciência fria e a infinita perseverança, A compreensão do caso particular e a compreensão do conjunto, Apenas as lições da realidade podem nos ensinar como transformar a realidade. (Bertolt Brecht) 8 TOSTA, Aline Oliveira. A dimensão espacial do direito à cidade: Acesso à equipamentos públicos e infraestrutura no Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Salvador (2009 - 2015). Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) – Faculdade de Arquitetura, Universidade Federal da Bahia, Salvador, 142 f., 2016. RESUMO A história das cidades brasileiras é marcada por um intenso processo de urbanização impulsionado principalmente pelas atividades industriais. A precariedade do morar é uma das principais consequências desse processo. A política habitacional do país pode ser caracterizada pelos inúmeros programas habitacionais lançados, pela dificuldade de integração entre as políticas públicas e por ignorar a questão espacial no processo de gestão e planejamento das cidades. O resultado é a produção de moradias desconectadas da vida urbana, segregadas espacialmente e manutenção da negação do direito à cidade. O problema habitacional brasileiro e a negação do direito à cidade são temas amplos e complexos que refletem uma dimensão espacial que precisa ser aprofundada. Sendo assim, a presente pesquisa trás como contribuição para a discussão desse tema, a análise de um desses aspectos. Trata-se da atuação do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Salvador (2009 - 2015), com um enfoque na sua dimensão espacial e no atendimento do direito à cidade, utilizando como ferramenta de representação espacial o Sistema de Informações Geográficas - SIG. Palavras-chave: Direito à cidade. Dialética socioespacial. Minha Casa Minha Vida. Região Metropolitana de Salvador. Sistema de Informações Geográficas. ABSTRACT The history of Brazilian cities is marked by an intense urbanization process mainly driven by industrial activities; and the precariousness of living is one of the main consequences of this process. The housing policy of the country can be characterized by the existence of many housing programs, by the difficulty of integration between public policies and by ignoring the spatial dilemma in the process ofmanagement and planning of cities. The result is a housing production detached from urban life, spatially segregated, keeping the denial of the right to the city. The housing problem in Brazil and the denial to the city are wide, complex themes which reflect a spatial dimension in need of a deeper thought. Thus, the purpose of this research is to bring an analysis of one of these aspects as a contribution to the topic. This research aims to study the performance of Programa Minha Casa, Minha Vida in the metropolitan area of Salvador de Bahia (2009-2015), with an emphasis on its spatial dimension and the fulfillment of right to the city, using GIS (Geographic Information System) as a tool for spatial representation. Keywords: Right to the City. Socio-spatial dialectic. Minha Casa Minha Vida. Metropolitan area of Salvador. Geographic Information System. 9 LISTA DE FIGURAS Figura 1: Tópicos centrais da pesquisa ..................................................................................... 19 Figura 2: Importância do banco de dados ................................................................................. 40 Figura 3: Pró-moradia, empreendimento Pilar I - Salvador ..................................................... 54 Figura 4: PSH - Mortugaba e Morro do Chapéu ...................................................................... 57 Figura 5: FNHIS - Senhor do Bonfim e Casa Nova ................................................................. 59 Figura 6: Moradia Digna - Alto do Cabrito e Saboeiro - Salvador .......................................... 61 Figura 7: PAC - Águas Claras e Jardim das Mangabeiras - Salvador ...................................... 62 Figura 8: Subdivisão PMCMV ................................................................................................. 65 Figura 9: Trâmite de contratação de projetos – MCMV FAR .................................................. 67 Figura 10: : Bosque das Bromélias - Salvador ......................................................................... 83 Figura 11: Bosque das Bromélias - Salvador ........................................................................... 83 Figura 12: Jardim Cajazeiras – Salvador .................................................................................. 84 Figura 13: Recanto dos Cajueiros – Salvador. ......................................................................... 84 Figura 14: Lagoa da Paixão – Salvador. .................................................................................. 85 Figura 15: Residencial das Margaridas – Salvador. ............................................................... 85 Figura 16: Recanto do Luar - Salvador .................................................................................... 86 Figura 17: Colina Solar - Salvador ........................................................................................... 86 Figura 18: Abandono de unidades do PMCMV em Feira de Santana / BA ............................. 88 Figura 19: Abandono de unidades do PMCMV em Amapá ..................................................... 88 Figura 20: Abandono de unidades do PMCMV em Macapá / AP ........................................... 89 Figura 21: Ciclo de tratamento dos dados ................................................................................ 93 Figura 22: Vetores de expansão de Salvador ......................................................................... 117 Figura 23: Tipologia socioespacial de Salvador - 2010 ......................................................... 118 Figura 24: Valor do solo urbano para efeitos de pagamento do IPTU - Salvador - 2006 ...... 119 Figura 25:Concentração dos serviços na cidade de Salvador ................................................. 119 Figura 26: Empregos por zona de tráfego na RMS - 2012 ..................................................... 120 Figura 27: Vetores metropolitanos, centralidades - RMS ...................................................... 120 Figura 28: Deslocamento Bosque das Bromélias x Iguatemi - Salvador ............................... 122 Figura 29: Deslocamento Residencial Rainha da Paz x Iguatemi - Salvador ........................ 123 Figura 30: Deslocamento Residencial Lagoa da Paixão x Iguatemi - Salvador ..................... 124 Figura 31: Exemplo da aplicação do raio de 2,5km em Pojuca / BA ..................................... 139 10 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Resumo de alguns programas habitacionais – 1993 à 2007 ..................................... 62 Tabela 2: Dados gerais MCMV I e II ....................................................................................... 75 Tabela 3: Dados gerais MCMV RMS ...................................................................................... 76 Tabela 4: Déficit habitacional RMS ......................................................................................... 81 Tabela 5: Vagas de estacionamento – PMCMV RMS ........................................................... 115 Tabela 6: Empreendimentos PMCMV FAR na RMS ............................................................ 149 LISTA DE QUADROS Quadro 1: Membros responsáveis pelo MCMV ....................................................................... 68 Quadro 2: Período de Aprovação dos Planos Diretores ........................................................... 92 Quadro 3: Cruzamento equipamentos x infraestrutura ........................................................... 125 11 LISTA DE MAPAS Mapa 1: Municípios da Bahia com obras habitacionais paralisadas ou não iniciadas - 2016 .. 42 Mapa 2 : Municípios da Bahia com produção habitacional da URBIS – 1965 à 1998 ............ 48 Mapa 3: Conjuntos habitacionais da URBIS em Salvador – 1965 à 1998 ............................... 49 Mapa 4: Municípios contemplados com o Programa Resolução 460/518 na Bahia – 2003 à 2011 .......................................................................................................................................... 56 Mapa 5: Municípios contemplados com o Programa PSH na Bahia – 2006 à 2009 ................ 58 Mapa 6: Municípios contemplados pelo PMCMV FAR e PNHR na Bahia - 2009 à 2015 ..... 73 Mapa 7: Municípios contemplados pelo PMCMV SUB 50 e Entidades na Bahia - 2009 à 2015 .................................................................................................................................................. 74 Mapa 8: Empreendimentos de Salvador em terrenos do governo do Estado - 2009 à 2015 .... 78 Mapa 9: Contratações do PMCMV na RMS por ano - 2009 à 2015 ........................................ 79 Mapa 10: Investimentos por unidade do MCMV na RMS - 2009 à 2015 ............................... 81 Mapa 11: Percentual da obra por unidade do MCMV na RMS - 2009 à 2015 ........................ 82 Mapa 12: Infraestrutura: Acesso a rede de água de setores censitários da RMS - 2010 .......... 95 Mapa 13: Infraestrutura: Coleta de lixo nos setores censitários da RMS - 2010 ..................... 96 Mapa 14: Infraestrutura: Saneamento nos setores censitários da RMS - 2010 ........................ 97 Mapa 15: Infraestrutura: Pavimentação nos setores censitários da RMS - 2010 .................... 98 Mapa 16: Infraestrutura: Calçada / Passeio nos setores censitários da RMS - 2010 ................ 99 Mapa 17: Infraestrutura: Meio-fio / Guia nos setores censitários da RMS - 2010 ................. 100 Mapa 18: Infraestrutura: Rampa de acesso nos setores censitários da RMS - 2010 .............. 101 Mapa 19: Setores censitários urbanos e rurais, RMS - 2010 .................................................. 102 Mapa 20: Unidades de conservação ambiental e localização dos empreendimentos na RMS - 2009 à 2015 ............................................................................................................................103 Mapa 21: Empreendimentos do PMCMV e acesso a equipamentos de educação na RMS - 2015 ........................................................................................................................................ 106 Mapa 22: Empreendimentos do PMCMV e o acesso a equipamentos de saúde na RMS - 2015 ................................................................................................................................................ 107 Mapa 23: Empreendimentos do PMCMV e acesso a equipamentos de assistência social na RMS - 2015 ............................................................................................................................ 108 Mapa 24: Empreendimentos do PMCMV na RMS: Acesso a serviços básicos - 2015 ......... 109 Mapa 25: Distribuição de equipamentos – Caminho do Mar e Caminho do Rio / Camaçari 110 12 Mapa 26: Distribuição de equipamentos – Coração de Maria e Ceasa / Salvador ................. 112 Mapa 27: Distribuição de equipamentos – Parque Bela Vista / Simões Filho ....................... 113 Mapa 28: Distribuição de equipamentos – Rainha da Paz / Salvador .................................... 114 Mapa 29: Empreendimentos do PMCMV: Sistema de Transporte em Salvador - 2015 ....... 116 Mapa 30: Equipamentos x Infraestrutura - Salvador .............................................................. 127 Mapa 31: Equipamentos x Infraestrutura – Camaçari e Dias D’ Ávila .................................. 128 Mapa 32: Equipamentos x Infraestrutura – São Francisco do Conde, São Sebastião do Passé e Candeias ................................................................................................................................. 129 Mapa 33: Equipamentos x Infraestrutura – Lauro de Freitas e Simões Filho ........................ 130 Mapa 34: Equipamentos x Infraestrutura – Mata de São João e Pojuca ................................ 131 Mapa 35: Equipamentos públicos num raio de 400 e 800m dos empreendimentos do PMCMV - Salvador ................................................................................................................................ 133 Mapa 36: Empreendimentos contratados na Estrada CIA – Aeroporto / Salvador ................ 135 13 SUMÁRIO ABREVIATURA E SIGLAS ...................................................................................... ...14 INTRODUÇÃO .............................................................................................................. 16 1 - REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À CIDADE ..................................................... 24 1.1 Caracterização do direito.......................................................................................24 1.2 Habitação social no Brasil e o direito à cidade......................................................26 2 - IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO ESPACIAL PARA A POLÍTICA URBANA . 33 2.1 Reflexões sobre a dialética socioespacial..............................................................33 2.2 O SIG como ferramenta de representação do espaço............................................36 3 - HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL NA BAHIA ........................................... 45 3.1 Panorama habitacional na Bahia que antecede o PMCMV...................................45 3.2 Principais programas habitacionais do estado.......................................................52 4 - PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA BAHIA E RMS – ASPECTOS JURÍDICOS, INSTITUCIONAIS E OPERACIONAIS ................................................ 64 4.1 Legislações e funcionamento.................................................................................64 4.2 Breve panorama do PMCMV na Bahia.................................................................71 4.3 Programa Minha Casa Minha Vida na RMS.........................................................75 5 - PROGRAMA MINHA CASA MINHA VIDA NA REGIÃO METROPOLITANA DE SALVADOR – ANÁLISES DOS IMPACTOS ESPACIAIS ................................. 90 5.1 Pesquisa de campo.................................................................................................90 5.2 Qualidade e adequação dos dados..........................................................................92 5.3 Análises de infraestrutura.......................................................................................94 5.4 Análises de equipamentos públicos......................................................................104 5.5 Sínteses: Equipamentos X Infraestrutura..............................................................125 6 - CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 136 7 - REFERÊNCIAS ...................................................................................................... 142 8 - APÊNDICE ............................................................................................................. 149 14 ABREVIATURA E SIGLAS APA - Área de Proteção Ambiental BB - Banco do Brasil BIRD - Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento BNH - Banco Nacional de Habitação CAIXA ou CEF - Caixa Econômica Federal CAR - Cia de Ação de Desenvolvimento Regional CCFDS - Conselho Curador do Fundo de Desenvolvimento Social CHESF - Companhia Hidroelétrica do São Francisco CIA - Centro Industrial de Aratu COHAB - Companhia Municipal de Habitação CONCIDADES - Conselho Nacional das Cidades CONDER - Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia COPEC - Pólo Petroquímico de Camaçari CRAS - Centro de Referência e Assistência Social CREAS - Centro de Referência Especializados em Assistência Social FAR - Fundo de Arrendamento Residencial FCP - Fundação Casa Popular FDS - Fundo de Desenvolvimento Social FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço FNHIS - Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social FUNCEP - Fundo Estadual de Erradicação e Combate à Pobreza IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IAPI - Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Industriários IAPC - Instituto de Aposentadoria e Previdência dos Comerciários INEMA - Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos INOCOOP - Instituto de Orientação às Cooperativas Habitacionais MCMV FAR OU OVER 50 - Programa Minha Casa Minha Vida para municípios acima de 50 mil habitantes e regiões metropolitanas MCMV SUB 50 - Programa Minha Casa Minha Vida para municípios abaixo de 50 mil habitantes MCMV FDS - Programa Minha Casa Minha Vida Entidades 15 MNRU - Movimento Nacional de Reforma Urbana PAC - Programa de Aceleração do Crescimento PAR - Programa de Arrendamento Residencial PAIH - Plano de Ação Imediata para Habitação PEHIS - Política Estadual de Habitação de Interesse Social PLANEHAB - Plano Estadual de Habitação de Interesse Social e de Regularização Fundiária PLANHAB - Plano Nacional de Habitação PLANHAP - Plano Nacional de Habitação Popular PMCMV - Programa Minha Casa Minha Vida PND – Plano Nacional de Desenvolvimento PNDU – Política Nacional de Desenvolvimento Urbano PNHU - Programa Nacional de Habitação Urbana PNHR - Programa Nacional de Habitação Rural PROFILURB - Programa de Lotes Urbanizados PROMORAR - Programa de Erradicação de Sub-habitações PSH - Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social RDD - Relatório de diagnóstico de demanda por equipamentos e serviços públicos e urbanos RMS - Região Metropolitana de Salvador SAEB - Secretaria de Saúde do Estado da Bahia SEC - Secretaria de Educação do Estado da Bahia SEDES - Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza do Estado da Bahia SEI - Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia SFH - Sistema Financeiro da Habitação SIG - Sistemas de Informações Geográficas SNHIS - Sistema Nacional de Habitaçãode Interesse Social URBIS - Habitação e Urbanização S.A. 16 INTRODUÇÃO Nessa primeira aproximação utilizarei uma observação feita por Jane Jacobs (2000) no livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, escrito em 1961, no qual ela faz a seguinte afirmação: “Mas veja só o que construímos com os primeiros bilhões: conjuntos habitacionais de baixa renda que se tornaram núcleos de delinquência, vandalismo e desesperança social generalizada, piores do que os cortiços que pretendiam substituir; conjuntos habitacionais de renda média que são verdadeiros monumentos à monotonia e à padronização, fechados a qualquer tipo de exuberância ou vivacidade da vida urbana; conjuntos habitacionais de luxo que atenuam sua vacuidade, ou tentam atenuá-la, com uma vulgaridade insípida; centros culturais incapazes de comportar uma boa livraria; centros cívicos evitados por todos, exceto desocupados, que têm menos opções de lazer do que as outras pessoas; centros comerciais que são fracas imitações das lojas de rede suburbanas padronizadas; passeios públicos que vão do nada a lugar nenhum e nos quais não há gente passeando; vias expressas que evisceram as grandes cidades. Isso não é reurbanizar as cidades, é saqueá-las”. O olhar crítico sobre as ações e políticas implantadas no setor habitacional precisa ser feito permanentemente, é incômodo ler uma afirmação feita em 1961 e 55 anos depois ainda enxergar em muitos aspectos o atual contexto habitacional do país. A história da habitação brasileira é marcada pela ineficiência das políticas públicas habitacionais. A industrialização acelerou o processo de urbanização acarretando problemas fundiários e gerando inúmeros cenários de segregação espacial. As décadas de 80 e 90 são marcadas pela perda progressiva de capacidade de intervenção, da retração e fragilidade das políticas federais, desarticulação institucional e descentralização das ações. Segundo (LEFEBVRE, 2001, p. 96), a crise da cidade, cujas condições e modalidades são pouco a pouco descobertas, não deixa de se fazer acompanhar por uma crise das instituições na escala da cidade, da jurisdição e da administração urbanas. A política habitacional brasileira sempre foi alvo de importantes discussões, com 84% população em ambiente urbano (IBGE, 2010), a maioria das cidades do país possuem ocupações irregulares, planejamento urbano ineficiente, infraestrutura deficiente e moradias sem condição de habitabilidade. A existência das favelas e invasões é o produto real de uma gestão seletiva, onde os interesses políticos e de mercado estão acima do bem estar da população. A produção informal de moradias em assentamentos ilegais tem sido a forma hegemônica de “solução” adotada pela população de baixa renda, diante da falta de opção 17 para obtenção de moradia, e revela também o baixo nível de alcance das políticas públicas implantadas ao longo de décadas em que o déficit habitacional vem se avolumando. O problema habitacional do país é extenso e complexo, uma vez que a habitação não pode se resumir apenas a disponibilização de um imóvel. Uma moradia sustentável requer também investimento e atenção sobre as outras políticas públicas que precisam caminhar de forma integrada. O morar com qualidade se desdobra também no acesso a serviços sociais básicos como a educação, saúde, lazer, transporte, comércio, cultura, para a população. A pesquisa entende que esses equipamentos precisam estar próximos aos moradores, disponíveis em sua vizinhança, de modo que sejam facilmente acessados, principalmente a pé. Sendo assim, a pesquisa utiliza o termo "acesso" enquanto circulação, uma vez que as análises se debruçam principalmente sobre uma escala de vizinhança, onde todos possam ter acesso a equipamentos públicos de qualidade, caracterizando assim o direito à cidade. Segundo (LEFEBVRE, 2001) esse direito à cidade está diretamente ligado à apropriação dela, é garantir ao cidadão a possibilidade de viver a cidade, a vida urbana, seus significados e valores. O direito a cidade sobrepõe o simples direito à moradia, assim sendo, esse direito refere-se à reconquista coletiva do sentido de cidade como obra, resultado de relações sociais e não do produto, como mercadoria. Estamos diante de um grave cenário onde o problema habitacional do país e a negação do direito à cidade são refletidos em uma dimensão espacial que precisa ser aprofundada. Um espaço organizado de forma desigual terá como produto uma sociedade igualmente desigual. De acordo com Soja (1993), a estrutura do espaço organizado não é uma estrutura separada, com suas leis autônomas de construção e transformação, nem tampouco é simplesmente uma expressão da estrutura de classes que emerge das relações sociais (e, por isso, a-espaciais?) de produção. Ela representa, ao contrário, um componente dialeticamente definido das relações de produção gerais, relações estas que são simultaneamente sociais e espaciais. A dimensão espacial influencia diretamente a organização da própria cidade, da sociedade, da nossa estrutura, da rotina diária, é importante ressaltar "o papel do espaço urbano no processo de dominação" (VILLAÇA, 2011, p. 38). Todos os elementos presentes no arranjo espacial tem atuação direta sobre a dinâmica urbana e a sociedade nela inserida, exigindo um olhar mais crítico sobre essa questão. Quando buscamos analisar a dimensão espacial do problema habitacional urbano encontramos como principal empecilho uma carência e ausência de dados espaciais, reflexo da falta de importância que é dada dimensão espacial, esse cenário precisa ser combatido, 18 uma vez que as discussões políticas muitas vezes desconsideram a questão, sendo assim, a presente pesquisa trás como forma de contribuição, uma melhor compreensão desse problema ao analisar um de seus aspectos, trata-se do programa habitacional Minha Casa Minha Vida - PMCMV, lançado em 2009 pelo Governo Federal. O programa tinha como papel principal aquecer a economia brasileira, numa medida anticíclica diante da crise financeira internacional de 2008 que atingiu a economia de diversos países capitalistas e combater o déficit habitacional. Seu público está distribuído em diferentes faixas de renda, com um enfoque nas famílias com baixo poder aquisitivo. Seu funcionamento se dá através da parceria com estados, municípios e entidades sem fins lucrativos. Ao longo desses quase 6 anos (2009 – 2015) o programa já contratou mais de 4 milhões de unidades habitacionais, destas mais de 2,8 milhões entregues em todo o Brasil. Na Bahia o programa possui números expressivos, na Região Metropolitana de Salvador - RMS ele atua em dez dos treze municípios, são 108 empreendimentos construídos ou em construção (BAHIA, 2016). É importante ressaltar que os problemas existentes nas cidades brasileiras com relação à forma de produção das cidades e as medidas adotadas para o enfrentamento do problema de acesso a habitação está acima de qualquer programa habitacional implantado, trata-se de um problema histórico, que se perpetua diante do modelo de gestão adotado pelos governantes, que se apoia em mecanismos de mercado na tentativa de minimizar a carência de moradias, esse cenário vêm se agravando à medida que a sua dimensão espacial não é priorizada. Diante deste contexto, e como forma de contribuição, a pesquisa tem por objetivo geral analisar a atuação do Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Salvador (2009 - 2015) com um enfoque na sua dimensão espacial e no atendimento do direito à cidade, utilizando como ferramentas de suporte a legislação do programa e ferramentas de geoprocessamento como o Sistema de Informações Geográficas - SIG para espacialização e cruzamento de informações. A figura 01 a seguir apresenta os principais tópicos da pesquisa. 19Fonte: Elaboração própria. Para execução do objetivo proposto faz-se necessário o cumprimento de alguns objetivos específicos, tais como: caracterizar o conceito de direito à cidade, estabelecendo relações com episódios da história da habitação brasileira, buscando um melhor entendimento entre esse direito, o acesso a equipamentos públicos sociais e à moradia de qualidade. Aprofundar a importância da dimensão espacial para a política urbana, através de reflexões sobre a dialética socioespacial e a utilização do SIG como ferramenta de representação do espaço. A operacionalização do direito à cidade se dará através de um aprofundamento da sua dimensão espacial, através da espacialização e análises de dados de infraestrutura, equipamentos públicos e empreendimentos habitacionais do PMCMV. Para uma melhor compreensão do cenário estadual será realizado um levantamento dos principais programas habitacionais existentes na Bahia antes do PMCMV. A pesquisa aprofundará o estudo de leis, portarias, instruções normativas, diretrizes e manuais que regem o PMCMV, para um melhor entendimento de suas ações, e para uma melhor assimilação de seu funcionamento, das obrigações dos agentes envolvidos, da sua proposta, formato de atuação e de suas metas. Será necessária ainda uma contextualização sobre a RMS, onde serão executadas análises, classificações e cruzamentos de informações de infraestrutura, localização dos empreendimentos, informações ambientais e equipamentos públicos existentes nos municípios estudados afim de melhor diagnosticar a qualidade do ambiente construído. Figura 1: Tópicos centrais da pesquisa 20 A dimensão espacial do problema habitacional que também está inserido na negação do direito à cidade é um tema de grandes proporções. A pesquisa justifica-se e trás como contribuição uma melhor compreensão desse problema ao analisar um de seus aspectos, em específico a atuação do PMCMV na RMS, oferecendo maiores subsídios ao discutir a qualidade de inserção urbana do programa, fomentando os diálogos sobre a localização da produção de habitação de interesse social que vêm sendo adotada pelo governo. Fortalecendo e estreitando a relação entre habitação e ferramentas de análise espacial. Justifica-se ainda pela disponibilização de informações levantadas em campo e de análises espaciais, minimizando a carência de dados existentes nessa área. O estudo pode ser utilizado ainda como modelo para aplicação em outras regiões do país. Dentre as modalidades existentes no PMCMV a pesquisa terá como principal enfoque os empreendimentos contratados pelo Fundo de Arrendamento Residencial - FAR que é voltado especificamente para municípios acima de 50 mil habitantes e regiões metropolitanas, recorte espacial do estudo, e como parâmetro de análise serão trabalhados os empreendimentos inseridos na Faixa 1 do programa, onde se desenvolve as ações de habitação de interesse social que englobam os beneficiários de renda mais baixa, essas especificações do programa serão retomadas e melhor detalhadas ao longo da pesquisa. Para execução da proposta levantada, foram definidos alguns procedimentos metodológicos e ações, são eles: - Pesquisa indireta através de levantamento de bibliografia especializada, como artigos, dissertações, revistas, livros e teses sobre o tema do direito à cidade, sobre a dialética sócio-espacial, sobre a história da habitação social e do planejamento urbano no Brasil e seus respectivos componentes. - Levantamento bibliográfico e documental sobre a história da habitação social no estado antes do PMCMV e seus principais agentes. Visita de campo a Secretaria de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia para pesquisa direta sobre dados qualitativos e quantitativos dos principais programas habitacionais existentes no estado, sua distribuição, ações realizadas, área de atuação e levantamento de base georreferenciada dos empreendimentos do PMCMV localizados na RMS. - Pesquisa e levantamento documental de toda a legislação do PMCMV I e II e materiais complementares que possam esclarecer sua dinâmica e funcionamento. Foram realizados acessos aos sites da Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Ministério das Cidades. 21 - Levantamento de material bibliográfico especializado como artigos, dissertações, revistas, livros e teses sobre SIG e sua aplicabilidade, principais métodos e ferramentas para manipulação de dados espaciais e cruzamento de informações. - Para levantamento dos dados necessários para as análises espaciais foram realizadas visitas as prefeituras de Camaçari, Candeias, Dias D’Ávila, Lauro de Freitas, Salvador, São Sebastião do Passé, Mata de São João, São Francisco do Conde, Pojuca e Simões Filho com o intuito de obter as seguintes informações: bases georreferenciadas dos equipamentos públicos de educação, saúde, assistência social, transporte, sistema viário, limites de bairros, ortofotos ou imagens aéreas, localização dos empreendimentos e o Plano Diretor de cada município analisado. - Devido à inexistência de alguns dados que deveriam ser disponibilizados pelas prefeituras, como alternativa foram realizadas visitas a órgãos estaduais como a Secretaria de Educação - SEC, Secretaria de Saúde - SAEB, Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Pobreza – SEDES, Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia – CONDER e a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia - SEI. - Levantamento dos principais centros existentes em Salvador, caracterizando seu território, suas principais atividades, interesses e destinos da população. - Sobre as análises de infraestrutura foram utilizados dados de saneamento, coleta de lixo, rede de água, calçamento, pavimentação, meio-fio/guia, energia elétrica e rampa para cadeirantes disponíveis no Censo de 2010 realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE. - Para realização das análises de cunho ambiental foi realizada visita ao Instituto de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – INEMA. - De posse dos dados espaciais e quantitativos os mesmos foram submetidos a um processo de tratamento, adequação e classificação. Essas etapas serão detalhadas e aprofundadas na pesquisa, bem como o cenário encontrado durante as visitas as prefeituras, as dificuldades encontradas diante da precariedade e da inexistência de alguns dados e uma breve análise sobre os planos diretores disponibilizados. A pesquisa está estruturada em 5 capítulos. Para execução do objetivo proposto foi necessário um aprofundamento no conceito do direito a cidade, das leituras realizadas destaco o autor Henri Lefebvre e a obra "O Direito à Cidade", direito esse que pode ser caracterizado como o direito de viver a cidade em sua plenitude, ela que é palco e produto da ação humana, direito de inclusão da moradia num tecido urbano de qualidade, dotado de 22 infraestrutura, equipamentos básicos e lazer. O direito à cidade inclui todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais. Para garantia desse direito o pensamento urbanístico deve ser o norteador das iniciativas governamentais. Como habitação e o direito à cidade estão diretamente conectados, visando uma melhor contextualização do tema, foram estabelecidas algumas relações entre esse direito e a história da habitação social no Brasil, história essa marcada pelo descaso e acúmulo de políticas e programas descontinuados ao longo das décadas. Essas questões são discutidas no capítulo 1 desta pesquisa denominado "Reflexões sobre o direito à cidade". O capítulo 2 intitulado "A importância da dimensão espacial para a política urbana" aprofunda as discussões em torno da questão socioespacial para o planejamento urbano e como o espaço influencia a organização das cidades. O capítulo trabalha também o conceito de SIG, como ferramenta de representação do espaço, suaaplicabilidade, métodos e instrumentos para manipulação de dados espaciais e cruzamento de informações. "A maior parte das decisões tomadas por órgãos de planejamento e gestão urbana envolve um componente geográfico diretamente ou por implicação, daí a importância que as tecnologias de Geoprocessamento adquirem para a moderna gestão da cidade" (PEREIRA; SILVA, 2001, p. 105), bem como para análise urbana e regional. A pesquisa trás uma contextualização do panorama habitacional do estado antes da implantação do PMCMV, identificando os principais programas habitacionais criados, a atuação da URBIS - Habitação e Urbanização S.A e do Banco Nacional de Habitação – BNH, do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social – FNHIS e de programas como Viver Melhor, Habitar Brasil, Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social – PSH, Pró- Moradia, Crédito Solidário, Resolução 460/518, Moradia Digna, Dias Melhores, Morada de Todos Nós, Casa da Gente, dentre outros. Essas informações estão disponíveis no capítulo 3 denominado “Habitação de Interesse Social na Bahia”. O capítulo 4 denominado "O programa Minha Casa Minha Vida na Bahia e RMS - Aspectos jurídicos, institucionais e operacionais" analisa questões relacionadas a legislação e o funcionamento do programa, suas modalidades, área de atuação, agentes envolvidos, dados quantitativos. Através da utilização do SIG foi traçado um breve panorama do PMCMV na Bahia, estado com um dos maiores números de contratações do país, além de um detalhamento da atuação do programa na RMS. No capítulo 5 desta pesquisa intitulado "Programa Minha Casa Minha Vida na Região Metropolitana de Salvador - Análises dos impactos espaciais" serão encontradas 23 as informações referente ao levantamento de campo, a qualidade e processo de adequação das informações. Serão apresentados produtos das análises realizadas com algumas variáveis de infraestrutura como saneamento, coleta de lixo, rede de água, calçamento, pavimentação, meio-fio/guia, energia elétrica e rampa para cadeirantes. O aspecto ambiental também foi analisado através do cruzamento de informações com as unidades de conservação. O capítulo apresenta ainda resultado de análises feitas sobre deslocamentos em Salvador e a distribuição e disponibilização de equipamentos públicos sociais, como saúde, educação, Centros de Referência e Assistência Social – CRAS e Centros de Referência Especializados em Assistência Social – CREAS, realizando cruzamento desses dados com a localização dos empreendimentos e diretrizes legais. 24 CAPÍTULO 1 REFLEXÕES SOBRE O DIREITO À CIDADE 1.1 Caracterização do direito A cidade, criação do homem urbano, abarca suas realizações, relações, anseios, é palco também das diferenças, injustiças, das relações de poder e suas influências. A cidade está em constante processo de adaptação. Sua forma é alterada de acordo com as necessidades da população, do capital, de interesses coletivos ou individuais. Sua evolução se dá de acordo com os seus modos de produção. A transformação do ambiente rural em urbano fez da cidade tema constante nas discussões do século XX. De acordo com (MARICATO, 2005, p.1), “em 1940, o Brasil tinha 31% da população nas cidades e, em 2000, essa população chegou a 81% com quase 138 milhões de moradores urbanos caracterizando um processo rápido de urbanização". Essa urbanização acelerada potencializou o aparecimento de inúmeros problemas urbanos, a escassez e precariedade das habitações é um deles. O problema da habitação social no Brasil é amplo e complexo. Embora o acesso à moradia, a equipamentos públicos sociais, o acesso à cidade e ao que ela pode oferecer seja um direito básico de todo cidadão, não é o que notamos ao caminhar pelos grandes centros, "são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição" (BRASIL, 2001, p.10). Essa negação do direito à cidade se desdobra em uma dimensão espacial vista por todos que nela moram, mas antes de aprofundarmos esse aspecto espacial faz-se necessário um melhor entendimento sobre esse direito. Utilizaremos este primeiro capítulo para uma breve investigação sobre as principais características do direito à cidade, oferecendo subsídios para uma melhor análise do problema habitacional brasileiro. Desse modo, nossos esforços se concentrarão em pontuar aspectos desse direito e associar a alguns episódios da história da habitação brasileira. O tema do direito à cidade está diretamente vinculado à obra homônima de Henri Lefebvre (2001), segundo o autor, o direito à cidade se manifesta como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitat e ao habitar. O direito à obra (à atividade participante) e o direito à apropriação (bem distinto do direito à propriedade) estão implicados no direito à cidade, (LEFEBVRE, 2001), e complementa ao 25 afirmar que o direito não é a “cidade arcaica mas à vida urbana, à centralidade renovada, aos locais de encontro e de trocas, aos ritmos de vida e empregos do tempo que permitem o uso pleno e inteiro desses momentos e locais etc” (LEFEBVRE, 2001, p.139). O autor levantou essa problemática em 1968, diante do processo de industrialização e transformação da sociedade e do espaço urbano pelo capital, caracterizando o direito à cidade enquanto estrutura política que precisava ser construída a partir do enfrentamento da lógica e das ações capitalistas. Existem também outros aspectos do direito à cidade que se sobrepõe ao materialismo, segundo (LEFEBVRE, 2001, p.105), “trata-se da necessidade de uma atividade criadora, de obra (e não apenas de produtos e bens materiais consumíveis), necessidade de informação, de simbolismo, de imaginário, de atividades lúdicas”, a liberdade é outro item característico de sua argumentação. A discussão sobre esse direito ao longo dos anos teve como um dos produtos a “Carta Mundial pelo Direito à Cidade” criada em 2004 no Fórum Social das Américas realizado no Equador, nela o direito à cidade é definido como o usufruto equitativo das cidades dentro dos princípios de sustentabilidade, democracia, equidade e justiça social. É um direito coletivo dos habitantes das cidades, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, que lhes confere legitimidade de ação e organização, baseado em seus usos e costumes, com o objetivo de alcançar o pleno exercício do direito e um padrão de vida adequado. O Direito à Cidade é interdependente a todos os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, concebidos integralmente, e inclui, por tanto, todos os direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais que já estão regulamentados nos tratados internacionais de direitos humanos. Outra nuance com relação ao direito à cidade é ponderada por Harvey (2013), para o autor, saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionados com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade. Nesse quesito é importante frisar a luta constante contra os interesses capitalistas que ditam e modelam as cidades, conforme afirma Maricato (2013), “quem manda é o capital especulativo, é o mercado imobiliário, as empreiteiras e a indústria automobilística”. É importante o olhar crítico sobre a questão urbana para que todos possam usufruir da cidade de forma justa, priorizando a sua sustentabilidade e tendo como alicerce a democracia e a justiça 26 social, a importância desseolhar (HARVEY, 2013, p.28), já sinalizava “mas existem numerosas forças que militam contra o livre exercício de tais direitos, que querem inclusive impedir que reconheçamos, pensemos sobre ou ajamos em relação a eles”. Assegurar a utilização de todos os espaços públicos e serviços oferecidos pela cidade de forma igualitária é um desafio e exige um comprometimento e priorização do bem estar coletivo. Para (CASTELLO, 2008), os espaços abertos e outros equipamentos públicos dão, junto com os canais de circulação condições reais de interação e de socialização às pessoas. São estes elementos que complementam e qualificam a vida no espaço urbano, favorecendo o desenvolvimento de práticas sociais e o estabelecimento da vida comunitária. Lutar por uma cidade mais inclusiva é papel de todos, dos que assimilam a sua importância e daqueles que apenas sentem a sua indiferença. Harvey ressalta a importância da coletividade e da solidariedade social. O direito à cidade não pode ser concebido simplesmente como um direito individual. Ele demanda um esforço coletivo e a formação de direitos políticos coletivos ao redor de solidariedades sociais. No entanto, o neoliberalismo transformou as regras do jogo político. A governança substituiu o governo; os direitos e as liberdades tem prioridade sobre a democracia; a lei e as parcerias público-privadas, feitas sem transparência, substituíram as instituições democráticas; a anarquia do mercado e do empreendedorismo competitivo substituíram as capacidades deliberativas baseadas em solidariedades sociais”. (HARVEY, 2013, p.32). O predomínio desses interesses fomenta a negação do direito à cidade, que pode ser expressa na irregularidade fundiária, no déficit habitacional e na habitação inadequada, na precariedade e deficiência do saneamento ambiental, na baixa mobilidade e qualidade do transporte coletivo e na degradação ambiental. (MARICATO, 1996). Essa descrição é o exato contexto sócio-político do Brasil, onde a concentração de riqueza e da terra ainda ocorre de forma exacerbada, a densificação e a proliferação das favelas são constantes e a maioria da população ainda sofre com a precariedade do morar. 1.2 Habitação social no Brasil e o direito à cidade As cidades brasileiras cresceram sobre a lógica dos interesses privados, principalmente sobre o uso da terra, o que dificultou um processo de urbanização mais 27 equilibrado, uma vez que para se ter acesso a terra urbana é necessário ter renda ou o mesmo deve ser subsidiado pelo Estado no caso da população mais carente, e o Estado se mantinha a parte desta situação. O direito à cidade engloba o acesso aos elementos caracterizantes da vida urbana e também a condição habitacional, a questão da moradia é um apêndice dentro desse direito. A cidade é o local de reprodução da força de trabalho, e nela as disparidades socioespaciais estão cada vez mais latentes, principalmente com relação à habitação. Para Villaça (1986) a casa é uma mercadoria especial. Normalmente o capitalismo não tem possibilidade de oferecer a todos os membros da sociedade as mercadorias que ele tem condições de produzir e que os consumidores teriam condições de consumir. Em outras palavras, o capitalismo precisa de escassez para sobreviver. A casa própria é especial neste sentido, pelo fato do morar ser uma necessidade básica, sendo assim, o valor dos imóveis são alterados de acordo com a conveniência de mercado. A negação da habitação em si mesma é também a negação da vida, exclusão da cultura, da riqueza coletiva, do espaço público, do lazer vivido e não lazer consumível. E nesse momento é importante frisar que o direito a habitação não se resume a uma unidade imobiliária, é ter acesso aos serviços básicos, é ter acesso à educação, saúde, segurança, lazer, transporte, cultura, oportunidades de crescimento e desenvolvimento social. A relação entre habitat e violência é dada pela segregação territorial. Regiões inteiras são ocupadas ilegalmente. Ilegalidade urbanística convive com a ilegalidade na resolução de conflitos: não há lei, não á julgamentos formais, não há Estado. À dificuldade de acesso aos serviços de infra-estrutura urbana transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, difícil acesso aos serviços de saúde, educação, cultura e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desabamentos somam-se menores oportunidade de emprego, maior exposição à violência (marginal ou policial), difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer, discriminação racial. A exclusão é um todo: social, econômica, ambiental, jurídica e cultural. (MARICATO, 2003, p.78) Dentre as funções existentes nas cidades o morar sempre foi destaque, os desafios que envolvem o tema da habitação se faz presente em todas as grandes e médias cidades, o acesso à moradia digna é sem dúvida um dos grandes desafios para a vida urbana. Segundo (LEFEBVRE, 2001) a cidade é um produto histórico construído pela própria sociedade ao longo dos anos, logo, um direito daqueles que a construíram e que ainda a constroem diariamente. Inserida neste contexto a questão habitacional se destaca. A construção a cargo do Estado não transforma as orientações e concepções adotadas pela economia de mercado. Como Engels previra, a questão da moradia, ainda que agravada, politicamente desempenha um papel menor. Os grupos e partidos de esquerda contentam-se com reclamar mais "casas". Por outro lado, não é 28 um pensamento urbanístico que dirige as iniciativas dos organismos públicos e semipúblicos, é simplesmente o projeto de fornecer moradias o mais rápido possível pelo menor custo possível. (LEFEBVRE, 2001, p.26). Essa citação pontua alguns aspectos importantes que podem ser identificados no cenário brasileiro. O problema habitacional do país começou a ser discutido de forma mais efetiva após o seu processo de industrialização1, que acelerou os movimentos de migração da população desencadeando uma grave crise habitacional principalmente nos grandes núcleos urbanos. Existe uma tendência governamental de que a principal forma de combate ao problema habitacional é através da produção em massa de novas unidades. Essa preocupação com números e valores se sobrepõe a uma questão central e de extrema importância para a resolução desse problema, que é a forma de produção de habitação de interesse social que vêm sendo adotada pelos governantes, que não dialoga com as noções urbanísticas e socioespaciais. Foi na Era Vargas (1930-1945) que pela primeira vez na história da habitação brasileira "a questão habitacional é assumida pelo Estado e pela sociedade como uma questão social, dando início a uma ainda incipiente política habitacional no país." (BONDUKI, 1994, p. 712). O processo de migração do campo para a cidade se intensifica nas décadas seguintes, a população segue sem incentivo para financiar a casa própria, recorrendo em muitos casos para a autoconstrução, passando a residir em áreas periféricas aos grandes centros urbanos, ocupando terrenos públicos ou desocupados, em localidades sem infraestrutura, sem equipamentos sociais ou oferta de serviços disponíveis, intensificando o crescimento das favelas nas principais cidades do país. A postura do Estado em assumir a promoção do acesso à moradia também é analisada por (LEFEBVRE, 2001). O Estado não pode mais se contentar com regulamentar os loteamentos e as construções de conjuntos, com lutar (mal) contra a especulação imobiliária. Através de organismo interpostos, toma a seu cargo a construção de habitações. Começa o período dos novos conjuntos e das novas cidades. (LEFEBVRE, 2001, p.25). E complementa: Seria possível dizer que a função pública se encarregava daquilo que outrora entrava numa economia de mercado. Sem dúvida. Mas nem por isso a habitação se torna um1 Como sugestão de leitura complementar, a obra Las Políticas de Vivienda en Brasil de Heloísa Oliveira de Araujo e Rosali Braga Fernandes, publicado no Cuadernos Eletrónicos n°6 - Derecho a la vivienda y a la ciudad, aborda um importante histórico da habitação brasileira no período da escravidão até os primeiros anos do século XXI. 29 serviço público. Por assim dizer, o direito à moradia aflora na consciência social. Ele se faz reconhecer de fato a indignação provocada pelos casos dramáticos, no descontentamento engendrado pela crise. Entretanto, não é reconhecido formal e praticamente, a não ser como um apêndice dos direitos do homem. (LEFEBVRE, 2001, p.26). Diante da ausência do pensamento urbanístico nas iniciativas governamentais e refletindo sobre a preocupação em fornecer novas moradias no menor espaço de tempo e com menores custos, nos deparamos na história da habitação brasileira com a criação do Banco Nacional de Habitação - BNH, que ajuda a ilustrar esse cenário. A maioria dos críticos da política habitacional brasileira após 64 concorda que o verdadeiro objetivo do BHN nunca foi oferecer casa própria, especialmente à população de menor renda, mas sim o de usar a casa própria (se possível até mesmo para a população de menor renda) para promover a acumulação. Na conjuntura específica de 1964, objetivou-se também atacar os graves problemas econômicos e políticos com que se defrontava a classe dominante na época. Esses problemas estavam, na visão dessa classe, comprometendo sua dominação e o processo de acumulação no Brasil. Essa dominação precisava ser mantida, porém isso não podia ficar evidente. O populismo se exaurira e as massas populares pressionavam cada vez mais no sentido do atendimento das suas necessidades fundamentais, uma das quais era a habitação. Um governo que não respondesse, de alguma maneira, aos seus clamores, sentiria sérias dificuldades em manter se no poder. O governo se debatia então, entre, de um lado, a necessidade de dar forte amparo ao processo de acumulação e dominação burguesa e de outro, a de legitimar-se face à população dominada às custas da qual se dava essa mesma acumulação. (VILLAÇA, 1986, p.29) Mesmo após a implantação de diferentes programas, a questão habitacional não é resolvida, a população segue optando pela autoconstrução, áreas desocupadas foram aos poucos sendo preenchidas por moradias construídas sem os requisitos mínimos necessários. Na década de 1980 o país passa por graves problemas econômicos, altos índices de inflação, aumento das desigualdades sociais. Nesse período foram levantadas importantes discussões pelo Movimento Nacional de Reforma Urbana – MNRU2 brasileira. Segundo (AVRITZER, 2010), a década de 1980 se destaca pela consolidação do movimento social. A luta pela reforma urbana reúne diversas instâncias da sociedade civil, o movimento era composto por organizações não governamentais, sindicatos, associações e outros movimentos. Essa movimentação da sociedade brasileira contribuiu de forma significativa para as discussões políticas urbanas e uma das primeiras conquistas foi à inclusão dos artigos 182 e 183 na Constituição do país, onde a política de desenvolvimento urbano foi atribuída como competência da União. (LEFEBVRE, 2001) já sinalizava a importância dessas mobilizações, 2 Leitura complementar, maiores informações sobre o MNRU em: AVRITZER, Leonardo. O Estatuto da Cidade e a democratização das políticas urbanas no Brasil. In: Revista Crítica de Ciências Sociais, nº 91, 2010. 30 onde a busca do direito à cidade pode se dar através da mobilização social e da luta política/social. Apenas grupos, classes ou frações de classes sociais capazes de iniciativas revolucionárias podem se encarregar, e levar até a sua plena realização, soluções para os problemas urbanos: com essas forças sociais e políticas, a cidade renovada se tornará obra. Trata-se inicialmente de desfazer as estratégias e as ideologias dominantes da sociedade atual. (LEFEBVRE, 2001, p.113). No século XXI os debates públicos em torno da questão habitacional ganharam força após uma série de ações do governo federal, dentre elas destacam-se: a) a promulgação do Estatuto das Cidades, criado a partir da Lei 10.257 em 2001. b) a atuação do Ministério das Cidades em 2003 que iniciou debates através da Conferência Nacional das Cidades que elegeu o Concidades - Conselho Nacional das Cidades, composto por membros da sociedade civil e dos poderes públicos (federal, estadual e municipal), atuando de forma consultiva nas políticas que envolvem o desenvolvimento urbano. c) a criação do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social - SNHIS e conselho. d) a aprovação da Política Nacional de Habitação em 2004. e) a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social - FNHIS e seu conselho em 2005 e do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC em 2007 com o objetivo de aquecer a economia do país através da construção de grandes obras de infraestrutura como portos, aeroportos, rodovias, redes de esgoto, hidrovias, ferrovias e etc. f) Lançamento do Plano Nacional de Habitação - PlanHab e do Programa Minha Casa Minha Vida em 2009. O Estatuto das Cidades representou uma materialização do direito à cidade, um direito constitucional que tem como objetivo central o equilíbrio e a sustentabilidade das cidades, com foco na diminuição das desigualdades sociais, um instrumento facilitador da aplicação desse direito. A Política Nacional de Habitação lançada em 2004 tinha como discurso a busca por um desenvolvimento urbano integrado, onde a habitação incorporaria o direito à infraestrutura, saneamento ambiental, mobilidade e transporte coletivo, equipamentos e serviços urbanos e sociais, buscando garantir o direito à cidade. Desde então o Ministério das Cidades vêm realizando conferências municipais, regionais e estaduais, além da Conferência Nacional das Cidades da qual resultou a criação do Conselho das Cidades que tem representação em todas as unidades federativas do país e envolvem diversos segmentos da sociedade, ele foi concebido com a missão de estimular reflexões, formular e deliberar 31 proposições sobre os grandes dilemas urbanos que afligem o cotidiano da sociedade, buscando assegurar o direito à cidade e a apropriação do espaço urbano de forma democrática. Em 2009, foi lançado o Plano Nacional de Habitação, um instrumento para a implantação da Política Nacional de Habitação e tem como objetivo principal enfrentar os problemas habitacionais do país em paralelo ao desenvolvimento econômico. Sua ação seria voltada principalmente para a construção de novas moradias e urbanização dos assentamentos precários. De acordo com o Plano Nacional de Habitação (BRASIL, 2004), entre os princípios da política nacional destacam-se: direito à moradia enquanto direito social, moradia digna como vetor de inclusão social, função social da propriedade urbana, questão social como política de Estado, gestão democrática com participação dos diferentes segmentos da sociedade e articulação com as demais políticas sociais e ambientais. As medidas adotadas nos últimos anos ajudam a viabilizar para a população de menor renda o acesso a terra urbanizada, à habitação digna e sustentável, já que esta mesma população segundo (MARICATO, 2013) “ocupam historicamente as periferias das cidades, onde o direito à cidade é mais negligenciado, pois falta na maior parte das vezes infraestrutura e urbanização” e ainda “é uma periferia de tradição escravista, que não tem direito aos benefícios urbanos de uma coletividade e que é jogada para áreas ambientalmente frágeis”. Os novos instrumentos permitiram implantar políticas e programas de investimentos e subsídios, promovendo o acesso à moradia para a população de menor renda. A habitação passou a disporde novo embasamento jurídico, o direito a moradia foi reforçado enquanto direito social, o acesso a moradia digna passou a ser encarado enquanto vetor de inclusão social e o fortalecimento dessa visão recaiu diretamente sobre a política do Estado. Apesar dos avanços nos últimos anos, é necessário questionar o porquê do problema habitacional e a negação à cidade ainda estar tão presente em nosso país. Nessa breve caracterização do direito à cidade e dos principais eventos da história da habitação social no Brasil foi possível concluir o quanto este tema foi tratado com descaso e desinteresse por parte do poder público. Embora o Estado assuma a sua responsabilidade na provisão habitacional, a história brasileira demonstra que o mesmo vem se apoiando em mecanismos do mercado para garantir o direito à moradia. É possível notar também a ausência de uma integração nacional e até mesmo estratégias para combate das desigualdades existentes no ambiente urbano. Essa falta de diretrizes prejudicou a atuação de outras esferas de governo, da própria sociedade e outros membros do Estado. A demanda habitacional era trabalhada de forma descolada de outras 32 políticas urbanas, não havia envolvimento com as políticas de mobilidade, saneamento, planejamento e infraestrutura. Não existia uma continuidade dos programas habitacionais e os poucos criados eram fragmentados. Outro item fundamental foi à desconsideração política com relação à dimensão espacial. Para o sucesso de planejamentos e ações habitacionais é preciso que o uso e a ocupação do solo seja democratizado, que exista um alinhamento entre as políticas públicas e principalmente, que ocorra um aprofundamento dos aspectos espaciais, através do estudo e produção de dados socioespaciais e representação dessas informações. Buscar o entendimento de que a dimensão espacial tem impacto direto na organização da sociedade, que um espaço organizado de forma segregada irá refletir uma sociedade injusta e desigual, que reproduzir a falta de preocupação com o arranjo espacial urbano é reproduzir as desigualdades sociais e consequentemente o acesso ao direito à cidade. No capítulo seguinte aprofundaremos a importância da dimensão espacial para a política urbana e como forma de combate a negação do direito à cidade caracterizado neste capítulo. 33 CAPÍTULO 2 A IMPORTÂNCIA DA DIMENSÃO ESPACIAL PARA A POLÍTICA URBANA 2.1 Reflexões sobre a dialética socioespacial As cidades brasileiras tem sido alvo de um intenso processo de reorganização espacial, palco de um processo de urbanização acelerada pressionada pelo capitalismo e pela industrialização, que associada à falta de planejamento territorial produziu os diversos problemas que acompanhamos atualmente no país. O espaço, principalmente o urbano, é configurado a todo instante para atender as necessidades do homem. As atividades produtivas criam sociedades organizadas e estruturadas de acordo com suas necessidades. Todos os elementos presentes no arranjo espacial têm atuação direta sobre o homem que em paralelo o alimenta e modifica. Como a dimensão espacial influencia diretamente a organização das cidades, iremos neste capítulo aprofundar a temática espacial para que sua importância seja cada vez mais evidenciada e pensada de forma indissociável das questões urbanas. “O tempo, o espaço e a matéria estão inextricavelmente ligados, sendo a natureza dessa relação um tema central na história e na filosofia da ciência” (SOJA, 1993, p.99). Diversos autores como Henri Lefebvre, Manuel Castells, Ernest Mandel, David Harvey, Milton Santos, dentre outros, aprofundaram o conceito de espaço e seus desdobramentos e relações com o homem. Existem várias nuances do termo espaço enquanto parte do meio ambiente, um contexto físico geométrico e enquanto estrutura formada pela sociedade. Existe sim o aspecto físico e material do espaço, “mas a organização e o sentido do espaço são produtos da translação, da transformação e da experiência social” (SOJA, 1993, p.101) e não somente um aspecto da natureza. (...) o próprio espaço pode ser primordialmente dado, mas a organização, o uso e significado é um produto da tradução social, da transformação e da experiência socialmente produzida. O espaço criado é uma estrutura comparável a outras construções sociais resultantes da transformação de determinadas condições inerentes a vida na terra”. (SOJA, 1980, p.209). Uma vez que o espaço não se limita apenas a aspectos físicos, é produto da ação humana e vice-versa, as atividades produtivas do homem ganham cada vez mais destaque nesse processo de construção espacial, e a cidade é o principal produto dessa relação, é onde 34 as relações acontecem e se materializam. Segundo (SANTOS, 1997, p.51) “o espaço é formado por um conjunto indissociável, solidário e também contraditório, de sistemas de objetos e sistemas de ações, não considerados isoladamente”. Sobre as discussões que envolvem a relação espaço x homem, (SOJA, 1993) explica que a premissa básica é a de que: (...) as relações sociais e espaciais são dialeticamente inter-reativas, interdependentes; que as relações sociais de produção são formadoras do espaço e contingentes ao espaço (ao menos na medida em que, antes de mais nada, mantenhamos uma visão de espaço organizado como sendo socialmente construído) (SOJA, 1993, p.103). Então, se a dimensão espacial é tão importante, se sua materialização não se restringe a um produto da ação humana, mas, também, se caracteriza enquanto agente que atua sobre a sociedade, numa relação de troca constante, numa relação “inter-reativa”, por que seu estudo, aplicação e representação do espaço não são tratados com a devida importância pelo governo? A segmentação do espaço urbano em centros e periferias, a manutenção da especulação imobiliária, da valorização do solo e consequente acumulação do capital, acentuam cada vez mais as desigualdades entre as classes sociais, de acordo com (SOJA, 1993, p.99), “essa homologia espaço-classe pode ser verificada na divisão regionalizada do espaço organizado em centros dominantes e periferias subordinadas, em relações espaciais de produção socialmente criadas e polarizadas, captáveis com maior precisão no conceito de desenvolvimento geograficamente desigual”. Sobre o espaço urbano, segundo (VILLAÇA, 2001), ele é produzido e consumido por um mesmo e único processo. A sua estruturação interna, entretanto, se processa sob o domínio de forças que representam os interesses de consumo (condições de vida) das camadas de mais alta renda. Para o autor, a população inserida nessas camadas modelam o espaço (juntamente com outros agentes) de acordo com sua conveniência, criando e fortalecendo desigualdades espaciais. Os diferentes pontos do espaço urbano oferecem diferentes possibilidades de contato com todos os demais pontos. Assim, o espaço urbano é intrinsecamente desigual. Entretanto – e é esse o aspecto que desejamos destacar -, o tipo de desigualdade mais frequentemente considerado é a disponibilidade de equipamentos e infraestrutura e a qualidade das edificações, entre o centro e a periferia, por exemplo. (VILLAÇA, 2001, p.355) O modelo de espaço criado pela população das classes de alta renda, tem como objetivo central a priorização dos interesses de consumo, itens indispensáveis a vida urbana e 35 manutenção de deslocamentos rápidos, com fácil acesso a todos os tipos de serviços existentes na cidade. Chega-se assim à união entre espaço e tempo3. "A mais poderosa força que atua sobre a estruturação do espaço urbano é o controle do tempo de deslocamento do ser humano" (VILLAÇA, 2001, p.357). Esse modelo é mantido também pela especulação imobiliária, que prioriza determinadas localidades em busca do lucro e pelo governo quando mantém a inérciana gestão urbana e não prioriza o equilíbrio do espaço urbano. (...) a otimização dos tempos gastos no deslocamento espacial (tempo) dos moradores das cidades é o mais importante fator explicativo da organização do espaço urbano e do papel desse na dominação social que se processa por meio dele. A classe dominante manipula a produção desse espaço priorizando sempre a otimização dos seus tempos de deslocamento (VILLAÇA, 2011, p. 53). E complementa: O controle do tempo de deslocamento é a força mais poderosa que atua sobre a produção do espaço urbano como um todo, ou seja: sobre a forma de distribuição da população e seus locais de trabalho, compras, serviços, lazer, etc. Não podendo atuar diretamente sobre o tempo. Daí decorrem a grande disputa social em torno da produção do espaço urbano e a importância do sistema de transporte como elemento da estrutura urbana. (VILLAÇA, 2011, p. 56). As camadas de mais alta renda se movem por todo o território urbano, desconstruindo e construindo novos centros, priorizando o uso de seu tempo e a sua facilidade em acessar equipamentos, serviços e comércio4, é importante destacar que a gestão pública e o planejamento urbano direcionado para manutenção desse cenário aprofunda a desigualdade sócio-espacial, cria problemas habitacionais, de infraestrutura, de mobilidade urbana e perpetua a negação do direito à cidade. Os interesses capitalistas se sobrepõem aos interesses coletivos. O planejamento urbano foi criticamente examinado como ferramenta de Estado, servindo as classes dominantes através da organização e reorganização do espaço urbano em benefício da acumulação do capital e gestão de crises. (SOJA, 1980, p.213). Uma das principais ferramentas de combate a esse desequilíbrio espacial é o planejamento urbano, trabalhar com diagnósticos tentando minimizar as deficiências de uma geografia social tão desigual como a que possuímos hoje no Brasil. As discussões em torno da 3 O tema pode ser aprofundado na obra: Espaço intra-urbano no Brasil, autor Flávio Villaça, 2001. 4 A discussão sobre espaço e tempo de deslocamento será retomada no capítulo 5, através da utilização de alguns exemplos práticos. 36 questão espacial e principalmente o fomento a cultura de melhor produção, análise e tratamento de dados geográficos pelas instituições públicas precisa ser disseminada, esse é um passo fundamental para se alcançar cidades mais justas e espacialmente equilibradas. Conforme foi colocado em capítulo anterior, a persistência de alguns problemas urbanos se dá ainda pela superficialidade que a dinâmica espacial é encarada. Informações e análises espaciais são indispensáveis ao processo de planejamento urbano. É necessário o estudo e produção de informações territoriais que possam retratar de forma precisa a organização e ocupação do espaço. Exemplos desse descaso são facilmente encontrados nas prefeituras do país, onde os municípios possuem a responsabilidade de planejar e, sobretudo, gerir o espaço intra-urbano, mas muitos não possuem a estrutura mínima para pensar o planejamento territorial. É fundamental a produção e atualização dos dados municipais, em paralelo ao investimento em mão de obra técnica qualificada, assim como: (...) formar e disseminar equipes locais, sobretudo nas cidades de pequeno e médio porte, para a prática permanente do planejamento urbano, territorial e ambiental no desafio de planejar as cidades e municípios brasileiros para um novo ciclo de desenvolvimento mais sustentável para a nossa e as futuras gerações. (SCHVASBERG, 2009, p.25). Um dos objetivos da presente pesquisa é contribuir para uma melhor compreensão do problema habitacional e da negação do direito à cidade, essa dimensão espacial precisa ser representada para ser analisada, sendo assim, recorremos à cartografia, que é uma ciência antiga utilizada pelo homem ao longo dos séculos para demarcação de terras, registro de rotas de navegação, controle de caça e exploração de novos territórios. Sua evolução acompanhou o aprimoramento das tecnologias criadas pelo homem e hoje temos como produto os Sistemas de Informações Geográficas, que será aprofundado no tópico a seguir. 2.2 O SIG como ferramenta de representação do espaço Segundo (NOGUEIRA, 2008), desde as antigas civilizações até os tempos modernos, os dados espaciais são coletados por navegadores, geógrafos, agrimensores e geodesistas e representados na forma de mapas pelos cartógrafos ou pelos próprios coletores de dados. A coleta de informações sobre a distribuição geográfica de recursos minerais, propriedades, animais e plantas sempre foi uma parte importante das atividades das sociedades organizadas. Até recentemente, no entanto, isto era feito apenas em documentos e 37 mapas em papel, isto impedia uma análise que combinasse diversos mapas e dados. Com o desenvolvimento simultâneo, na segunda metade deste século, da tecnologia de informação, tornou-se possível armazenar e representar tais informações em ambiente computacional, abrindo espaço para o aparecimento do Geoprocessamento. Nesse contexto, o termo Geoprocessamento denota a disciplina do conhecimento que utiliza técnicas matemáticas e computacionais para o tratamento da informação geográfica e que vem influenciando de maneira crescente as áreas de cartografia, análise de recursos naturais, transportes, comunicações, energia e planejamento urbano e regional. Dentre as ferramentas computacionais para geoprocessamento, o Sistema de Informação Geográfica - SIG permite realizar análises complexas, ao integrar dados de diversas fontes e ao criar bancos de dados georreferenciados. Tornam ainda possível automatizar a produção de documentos cartográficos. (CÂMARA; MONTEIRO; D’ALGE, 2001) O desenvolvimento da Cartografia ou dos mapas aconteceu naturalmente com o desenvolvimento da humanidade. (SILVA, 2003) afirma que houve um aumento substancial de estudiosos e pesquisadores a partir da década de 80 e que pesquisas e programas de treinamento foram implementados em universidades e empresas em numerosos países, atendendo aos mais diversos objetivos. É costume dizer-se que Geoprocessamento é uma tecnologia interdisciplinar, que permite a convergência de diferentes disciplinas científicas para o estudo de fenômenos ambientais e urbanos (CÂMARA; MONTEIRO; D’ALGE, 2001). Com a evolução das tecnologias, o processo de captura, tratamento e reprodução dos dados ganham segurança, precisão e confiabilidade. Atualmente a necessidade de troca e a aplicação de informações têm proporções nunca antes vistas, e as ferramentas de espacialização tem ganhado cada vez mais destaque e aplicabilidade. De acordo com (SILVA, 2003), os Sistemas de Informações Geográficas (SIGs) são usualmente aceitos como sendo uma tecnologia que possui o ferramental necessário para realizar análises com dados espaciais e, portanto, oferece, ao ser implementada, alternativas para o entendimento da ocupação e utilização do meio físico, compondo o chamado universo da Geotecnologia. (...) o Sistema de Informações Geográficas (SIG), pois possui a vantagem de ilustrar as relações espaciais entre as diversas alterações no processo de urbanização, dando subsídios para um processo decisório mais democrático e transparente. Destaca-se ainda a capacidade do SIG de sobrepor espacialmente dados de diversas fontes, aumentando a compreensão dos agentes produtores da cidade a respeito do processo de urbanização. O uso do SIG impõe um custo infinitamente inferior de tempo e de recursos do que os softwares tipo CAD (Computer Aided Design), tradicionalmente utilizados por arquitetos e gestores urbanos. Os ganhos de produtividade do SIG se 38 devem basicamente por dois aspectos: o uso de sistemas de georreferenciamento e posicionamento absoluto, permitindo a sobreposição
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