Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
«OBOLIVROS tifo ItiTUftl <!H (ÔMf ASSO te MUSICA / *A EMMIWAMA, / T) MAS A SLWTI A T1WHA TON) 0 « M ^ O L A ALMA LM Siv ilAVO WMA SIWFOWIA TLMte SEA iõHÔ 0 HMO, TLM te } (OWTLR. T<fl>0 • O LIVRO DA Hl MUSICA CLÁSSICA A fNMAVERA (MOV, l COM EJA A ALLGWA T0t>AS AS AMAS l MAŴ Î AIS... SOSSWAH SOAVlMM VIVO WA HÚSKA (OHO OH fllXL WA km o Orno (Aso te AHOK ate TIVE. FOI (OH A HÓSKA AHO A ÓftRA ITALIANA - í TÂO tesnao«/ rAM... A MA í MATO COMO 0 )Ml... í HEiHOK ĈAWVO SE. IMftOVlSA AteWAHJRA MOSKA Mtl í ixEyoL̂ ievÁAiA O L I V R O DAI _ MUSICA CLÁSSICA GÍOBOLIVROS Penguin Random House DK LONDRES EDITOR D E PRO JETO Sam Kennedy EDITOR DE DE A RTE SÉNIOR Gillian Andrews EDITOR SÉNIOR Victoria Heyworth-Dunne ILUSTRAÇÕES James Graham EDITOR DE CA PA Claire Geil G EREN T E D E D ESEN V O LV IM EN TO DE DESIGN DE CA PA Sophra M TT PRODUTOR. PRÉ-PRODUÇÂO Jenniíer Murray PRODUTOR Mandy Inness G EREN T E ED ITO RIA L Gareth Jones G EREN T E ED ITO RIA L DE A RT E Lee Gnlfiths D IRETO RA A SSO CIA D A DE PUBLICAÇÕES Liz Wheeler D IRETO RA D E A RT E Karen Self DIRETOR DE D ESIG N Philip Ormerod DIRETOR DE PUBLICAÇÕES Jonathan Metcalf PRO JETO O RIG IN A L TOUCAN BOOKS GLOBO LIVROS ED I T O R RESPO N SÁ V EL Lucas de Sena Li ma A S S I S T EN T E ED I T O RI A L Lara Berruezo TRA D UÇÃ O M ana da A nunciação Rodrigues C O N S U LT O RI A Irineu Franco Perpétuo João Luiz Sampaio PREPA RA ÇÃ O D E T EX T O Estúdio Sabiá REV ISÃ O D E T EX T O Huendel V iana Erika Nogueira EDITORA ÇÃ O ELETRÔ N ICA Equatorium D esign Editora Globo S A Rua Marquês de Pombal, 25 — 20230-240 Rio de Janeiro — RJ — Brasil www.globolivros.com.br Texto fixado conforme as regras do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nf i 54, de 1995). Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia, gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a expressa autorização da editora. Publicado originalmente na Grã-Bretanha em 2019 por Dorling Kindersley Limited, 80 Strand London, WC2R ORL. Parte da Penguin Random House. Título original: The Clássica! Music Book 1-edição. 2019 Impressão e acabamento Ipsis Copyright © Dorling Kindersley Limited, 2019 Copyright da tradução © Editora Globo S A.. 2019 UM M UNDO D E IDEIA S www.dk.com CIP-BRASIL CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS. RJ C674L Collisson, Steve O livro da música clássica / Steve Collisson , ilustração James Graham ; tradução Mana da Anunciação Rodrigues. - 1 . ed. - Rio de Janeiro : Globo Livros, 2019. 352 p.: il. (As grandes ideias de todos os tempos) TYadução de: The classical music book Inclui Índice ISBN 9786580634026 1. Música - História e crítica. 2. Classicismo na música. I. Graham, James. II. Rodrigues. Mana da Anunciação III Titulo IV. Série 19-58194 CDD: 780.9033 CDU: 78.0302 Vanessa Mafra Xavier Salgado - Bibliotecária - CRB-7/6644 http://www.globolivros.com.br http://www.dk.com COLABORADORES DR. STEVE COLLISSON, CONSULTOR Violoncelista, palestrante e examinador britânico, o dr. Steve Collisson foi professor do Royai Birmingham Conservatoire, da Universidade de Birmingham e da Open University. Integrou o júri de muitos festivais e concursos, entre eles a competição BBC Young Musician. LEVON CHILINGIRIAN Fundador, com o pianista Clifford Benson, do Quarteto Chilmgirian, o renomado violinista Levon Chilingirian se apresenta no mundo todo e dá aulas na Royai Academy of M usic e na Guildhall School of Music & Drama de Londres. MATTHEW 0'DONOVAN Diretor de Música A cadémica no Eton College, no Reino Unido, Matthew 0'Donovan escreve amplamente sobre música. É também membro fundador do grupo vocal Stile Antico e arranjador com trabalho publicado. GEORGE HALL Ex-editor da Decca e dos BBC Proms, George Hall é crítico musical em período integral. Ele escreve para várias publicações de música do Reino Unido, como Music Magazine, da BBC, The Stage e Opera. MALCOLM HAYES Compositor, escritor e radialista, Malcolm Hayes escreveu biografias de Anton Webern e Franz Liszt e editou The Selected Letters of William Walton. Seu Concerto para violino estreou nos BBC Proms em 2016. MICHAEL LANKESTER Formado no Royai College of Music, Michael Lankester fez carreira internacional como regente É diretor musical da Hartford Symphony Orchestra de Connecticut e regente-residente da Pittsburgh Symphony Orchestra. KARL LUTCHMAYER Pianista de concertos internacional, Karl Lutchmayer é professor no Trinity Laban Conservatoire de Londres e palestrante convidado de várias escolas de música, como a Juilliard e a Manhattan School. KEITH MGGOWAN Grande conhecedor de música, Keith M cG owan tem trabalhado com a maioria dos principais grupos de música tradicionais de Londres e foi mestre de música de várias produções no Shakespeare's Globe, em Londres. KUMI0GAN0 Professora associada adjunta de música no Connecticut College, Kumi Ogano é instrumentista abalizada da obra dos compositores japoneses Toru Takemitsu e A kira Miyoshi. SOPHIE RASHBR00K Sophie Rashbrook compõe e apresenta música clássica na Sinfonia Cymru. de Gales, e no Royai College of Music, de Londres. DRA, CHRISTINA L. REITZ Professora associada de música na Western Carolina University, na Carolina do Norte, a dra. Chnstina L. Reitz ministra cursos de história da música e de música americana. TIM RUTHERFORD-JOHNSON Professor do Goldsmiths College, na Universidade de Londres, Tim Rutherford-Johnson escreve na internet sobre música contemporânea e é autor de Music after the Fali: Modern Composition and Culture since 1989. HUGO SHIRLEY Jornalista e critico de música estabelecido em Berlim, Hugo Shirley é colaborador regular das revistas Gramophone e Opera. KATIE DERHAM, APRESENTAÇÃO Apresentadora dos programas Sound of Dance e In Tune da BBC Radio 3, Katie Derham é uma das vozes mais conhecidas da estação. É o rosto dos BBC Proms desde 2010 e apresenta o programa semanal de notícias Proms Extra durante a temporada. Katie também está à frente de documentários de televisão como The Girl from Ipanema: Brazil, Bossa Nova, and the Beach, da BBC, e dos programas AH Together Now: The Great Orchestra Challenge e Fine Tuned. Em 2015 foi finalista de Strictly Come Dancing e, em 2017, venceu o Christmas Special. 6 SUMÁRIO 12 INTRODUÇÃO MÚSICA ANTIGA 1000-1400 22 A sal modia é a arma do monge Canto chão , anó nimo 24 Ut, ré, mi , fá, sol , lá Micrologus, Guid o d 'A rezzo 26 D eví amos entoar sal mos com u m saltério de dez cordas Ordo virtutum, Hild eg ard a de Bing en 28 Cantar é orar duas vez es Magnus líber organi, Léo nin 32 Tandaradei , cantou doce o rouxinol Le Jeu de Robin et de Marion, A d a m de la Halle 36 A músi ca é u m conhecimento que faz rir, cantar e dançar Missa de Notre-Dame. Guil laume de M achaut RENASCIMENTO 1400-1600 42 N em u m a só composi ção anterior aos úl timos quarenta anos [...] merece ser ouvida M i ssa LHomme armé, Guil laume Dufay 43 Língua, proclame o mistério do corpo glorioso M i ssa Pange língua, Jo sq u in Desprez 44 O uça a voz e a oração Spem in alium, Tho m as Tal l is 46 O eterno pai da músi ca ital iana Canticum Canticorum, Gio v anni d a Palestrina 52 Es s a é a natureza dos hinos - eles nos f azem querer repeti- los Great Service, W il l iam By rd 54 Todas as árias e madrigais [...] sussurram suavidade O Care, Thou Wilt Despatch Me, Tho m as Weelkes 55 O f estim [...] maravi l hou e assombrou todos aqueles estranhos, que nunca ouviram algo igual Sonata piarí e forte, Gio v anni Gabriel i 56 A corde, meu alaúde! Lachrimae,Jo hn Do w land BARROCO 1600-1750 62 U m a das diversões mai s magníf icas e caras Eurídice, Jaco p o Peri 64 A músi ca deve emocionar todo o ser Vésperas, Cláudio Mo ntev erd i 70 Lul l y é merecidamente digno do título de príncipe dos músi cos f ranceses O burguês fidalgo, Jean-Bap tiste Lul ly 72 El e tinha u m talento especial para expressar a energia das pal avras inglesas Dido and Aeneas, Henry Purcell 78 O sentido das igrejas não é o vocif erar dos coralistas Ein feste Burg ist unser Gott, Dieterich Buxtehud e 7 80 O novo O rf eu de nosso tempo Concerti grossi, op. 6, A rcâng elo Co relli 82 A uni ão dos esti los f rancês e i tal iano deve l evar à perf ei ção mus i cal Pièces de clavecin, Franço is Co u p erin 84 O s ingl eses gostam de algo e m que p o s s am marcar o tempo Water Music, Geo rg Fri e d ri c h Hánd el 90 N ão espere i ntenção prof unda, mas u m gracejo engenhoso com arte So nata em ré meno r, K. 9 "Pasto ral" , Do mênico Sc arlatti 92 A p ri mav era chegou, e com el a a al egria As quatro estações, A nto nio V i v al d i 98 O objetivo de toda mús i ca deveri a ser apenas a gl ória de D eus A Paixão segundo São Mateus, Jo h an n Seb astian Bac h 106 T e l e m an n es tá aci ma de todo elogio Musique de tabie, Geo rg Phi l ip p Te l e m ann 107 T i n h a todo o co ração e a al m a e m seu cravo Hippolyte et Aricie, Jean- Phi l ip p e Ram e au 108 Bach é como u m astrónomo que [...] descobre as estrelas mais maravilhosas A arte da fuga, Jo hann Sebastian Bach CLASSICISMO 1750-1820 116 Seu forte é como u m trovão, o crescendo é como u m a catarata Sinfo nia em m i bemo l maior, op. 11, n 2 3 , Jo hann Stamitz 118 O ato mai s comovente de toda a ópera Orfeu e Eurídice, Christo p h W ill ibald Gluck 120 D evemos tocar com a al ma, não como pássaros treinados Co ncerto p ara flauta em lá maior, W q 168, Carl Philip p Em anu e l Bac h 122 Fu i f orçado a me tornar original Quarteto de co rd as em dó maior, op. 54, n 2 2, Ho bo ken m:57, Jo sep h H ay d n 128 Seu enorme génio elevou M ozart aci ma de todos os mestres Sinfo nia n 2 40 em so l menor, K550, Wo lfgang A m ad eu s Mo z art 132 O objetivo do piano é substituir toda u m a orquestra por u m artista So nata p ara p iano em fá sustenid o menor, op. 25, n 2 5, Muz io Clementi 134 Pelo poder da música, andamos alegres através da noite escura da morte A flauta mágica, Wo lfgang A m ad eu s Mo z art 138 V i vo somente em mi nhas notas Sinfo nia n 2 3 em m i bemo l maior, "Ero ica", op. 55, Lu d w i g v an Beetho v en ROMANTISMO 1810-1920 146 O viol inista é aquele f enómeno pecul iarmente humano [...] meio tigre, meio poeta 24 cap richo s p ara v io lino solo, op. 1, Nicco lò Pag anini 148 D ê- me a l ista da l avanderia e eu a musicarei O barbeiro de Sevilha, Gio achino Ro ssini 149 A músi ca na verdade é o próprio amor Der Freischútz, Carl M aria v o n Weber 8 150 N i nguém sente a dor de outro. N i nguém entende a alegria de outro Die schòne Múllerin, Franz Schubert 156 A músi ca é como u m sonho. U m que não consigo ouvir Quarteto de co rd as n'J 14 em dó sustenid o menor, op. 131, Lu d w i g v an Beetho v en 162 A i nstrumentação é o que conduz a marcha Sinfonia fantástica, Hecto r Berlio z 164 A simpl icidade é a conquista def initiva Prelúdios, Frédéric Cho p in 166 M i nhas sinf onias teriam chegado ao opus 100 se eu as tivesse escrito Sinfo nia n Q 1, a sinfo nia "Primav era", Ro bert Sc hu m ann 170 A úl tima nota foi afogada numa torrente de aplausos Elias, Felix Mend elsso hn 174 A mo a ópera i tal iana - é tão despreocupada. . . La traviata, Giusep p e Verd i 176 A quel e que segura o diabo, que o segure b em Sinfonia Fausto, Franz Li sz t 178 E os dançari nos rodavam alegres nos labirintos vertiginosos da val sa Danúbio azul, Jo hann Strauss n 179 V i vo na músi ca como u m peixe na água Co ncerto p ara p iano n° 2 em so l menor, Camil le Saint-Saèns 180 A ópera deve f azer as pessoas chorar, sentir horror, morrer O ciclo do anel, Ric hard Wagner 188 El e [...] v e m como se enviado direto por D eus Sinfo nia n° 1, Jo hannes Brahm s 190 A s notas d ançam lá em ci ma no palco O quebra-nozes, Pio tr Ilitch Tc haiko v ski 192 U m a sinf onia tem de ser como o mundo, tem de conter tudo Assim falou Zaratustra Ric hard Strauss 194 A arte emocional é u m tipo de doença Tosca, Giaco mo Pu c c in i 198 Se u m compositor pudess dizer o que quer em palavras, não se incomodaria em dizer em músi ca Das Lied von der Erde, Gustav Mahler NACIONALISMO 1830-1920 206 M i nha pátria signif ica mai s para m i m que qual quer outra coisa A noiva vendida, Bed f i c h Smetana 207 M ússorgski tipif ica o génio na Rússia Quadros de uma exposição, Mo d est Petróvitch Músso rgski 208 Tenho certeza que em mi nha músi ca há u m sabor de bacal hau Peer Gynt, Ed v ard Grieg 210 Eu queria f azer algo diferente Péquiem, Gabriel Fauré 212 A músi ca do povo é como uma flor rara e adorável Sinfo nia n e 9, A nto nin Dvorák 216 Sinto u m a f orça indómita O guarani, A ntô nio Carlo s Go mes 218 A arte da música, mai s que todas as outras, é a expressão da al ma The Dream of Gerontius, Ed w ard Elg ar 220 Sou u m escravo de meus temas, e me submeto a suas exi gênci as Finlândia, Jean Sibelius 9 222 M úsica espanhol a com sotaque uni versal Ibéria, Isaac A lbéniz 223 U m labirinto maravi l hoso de habil idade rí tmica El sombrero de tres picos, M anuel de Falia MODERNISMO 1900-1950 228 V o u ver a somb ra que v o cê se tornou Prélude à laprès-midi d'un faune, Claud e D eb ussy 232 Q uero que as mul heres vol tem a mente para obras grandes e dif íceis The Wreckers, Ethe l Sm y th 240 O público não deveria ter ouvidos compl acentes Pierrot lunaire, op. 21, A rno ld Scho enberg 246 N ão entendi u m compasso de músi ca em m i n h a vi da, mas a senti A sagração da primavera, Igor Strav insky 252 E voando cada vez mai s alto, nosso val e é seu cál ice dourado The Lark Ascending, Ralp h V au g han W i l l iam s 254 Levante- se e as s uma sua di ssonânci a como u m ho mem Sinfo nia n a 4, Charles Ed w ar d Iv es 256 N unca escrevi u m a nota s em i ntenção Parade, Eri k Satie 258 A vi da é muito como o jazz [...] é melhor quando se improvisa Rhapsody in Blue, Geo rge G e rshw i n 262 U m a extravaganza louca na beira do abismo Les Biches, Franc is Po ulenc 263 Trago o espírito j uveni l de m i n h a terra, com músi ca j ovem Sinfonieta, Leo s Janácek 264 M usical mente, não há u m centro único de gravidade nesta obra Symphonie, op. 21, A nto n v o n Webern 266 O único caso de amor que tive foi com a músi ca Concerto para piano para a mão esquerda, M auric e Rav el 268 Só a ciência pode inf undir vigor j uveni l à músi ca Ionisation, Ed g ard Varèse 270 U ma nação cria músi ca. O compositor só a arranja Quarteto de co rd as n° 5, Béla Vikto r Jáno s Bartó k 272 Detesto imitação. D etesto recursos banais Pomeu e Julieta, Serguei Prokófiev 273 A música bal inesa manteve a vitalidade rítmica primitiva e jubilosa Tabuh-Tabuhan, Co lin M c Phee 274 A verdadeira músi ca sempre é revol ucionária Sinfo nia n" 5 em ré menor, op. 47, Dmítri Cho stakó v itch 280 M i nha músi ca é natural , como u m a queda- d' água Bachianas brasileiras, Heitor Villa-Lo bo s 282 N unca f ui ouvido com tão enl evada atenção e compreensão Quarteto para o Bm do tempo, Oliv ier M essiaen 284 D evo criar ordem a partir do caos A Child oí Our Time, Michael Tip p ett 286 A músi ca é tão b em tecida [...] que l eva com mão muito forte a seu próprio mundo Appalachian Spring, A aro n Co p land 288 Compor é como dirigir numa estrada com nebl ina Peter Grimes, Benjamin Britten10 MÚSICA CONTEMPORÂNEA 298 O s sons são o vocabul ário da natureza Symphonie pour un homme seul, Pierre Schaeffer/ Pierre Henry 302 N ão entendo por que tê m medo de ideias novas. Eu tenho medo das vel has 4'33", Jo hn Cag e 306 El e mudou nossa visão de tempo e f orma musicais Gruppen, Karlheinz Sto ckhausen 316 E m música [...] as coisas não melhoram nem pioram: evoluem e se transf ormam Sinfonia, Luc iano Berio 318 Se me contar u m a mentira, que seja u m a mentira pra val er Eight Songs for a Mad King, Peter M ax w e l l Dav ies 320 O processo de trocar pausas por batidas Six Pianos, Stev e Reich 321 N ós es táv amo s tão adiante [...] porque todos os outros f icaram tão atrás Einstein on the Beach, Phil ip Glass [ 324 V ul cânico, expansivo, deslumbrante - e obsessivo Études, Gyò rgy Lig eti 325 M i nha músi ca é escrita para ouvidos LAmour de loin, Kaija Saariaho 326 A z u l [...] como o céu. O nde se el evam todas as possibil idades blue cathedral, Jennifer Hig d o n 328 A músi ca usa blocos de construção simpl es e cresce organicamente a partir deles In Seven Days, Tho m as A d ès 308 O papel do músi co [...] é a eterna experi mentação Pithoprakta, Iannis Xenakis 309 A co munhão íntima com as pessoas é o al imento natural de todo o meu trabalho Spartacus, A r a m Khatc haturian 310 Fu i atingido pela carga emocional da obra Trenodia para as vítimas de Hiroxima, Krzysz to f Pend erecki 312 Se você se torna u m ismo, o que faz está morto In C, Terry Riley 314 Q uero entalhar [...] u m tom doloroso único tão intenso como o próprio silêncio November Steps, To ru Takem itsu 322 Es s e deve ser o primeiro f im da arte [...] transf ormar- nos Apocalypsis, R. Murray Schafer 323 Eu poderia co meçar do caos e criar ordem nele Q uarta sinfo nia, Wito ld Lu to slaw ski 329 Es s e é o âmag o de q uem somos e do que precisamos ser AUeluia, Er i c W hitacre 330 OUTROS COMPOSITORES 340 GLOSSÁRIO 344 ÍNDICE 351 CRÉDITOS DAS CITAÇÕES 352 AGRADECIMENTOS 11 APRESENTAÇÃO A música tem certa magia. Pode transportar-nos a u m mundo diferente, fazer-nos dançar ou lembrar pesso as queridas que perdemos. Um simples acorde pode nos levar às lágrimas. Lo nge de ser reserva exclusiva da elite, a música hoje comumente chamad a de clássica, que propiciou prazer e inspiração no mundo ocidental durante a maior parte dos últimos mi l anos, co ntinua a deliciar os ouvintes. Ela desperta emo çõ es em nossos filmes favoritos; sua massa sinfónica aumenta a dramaticidade da ação em jogos de computador; e ela se esconde na estrutura e nas melodias das músicas populares do d ia a d ia. Sua magia é de u m tipo muito especial, e cresceu e evo luiu ao longo dos séculos, moldada pela política, geografia, religião - e pelo génio particular de uma profusão de grandes compositores. À s vezes basta ouvir e d eixar a música envolver-nos sem perguntar por quê, quando , ou onde ela se originou. Porém o conjunto de obras d a música clássica pode parecer intimid ad o ramente vasto , abrangendo muito s estilo s e género s d iferentes. Por exemplo , a música antiga d a Igreja med iev al - canto chão e canto - é u m mundo sô nico d istante d as cataratas de so m criad as pelas o rquestras sinfó nicas do século xix, usad as por compositores românticos como Tchaikóvski e Brahms, ou do exp erimentalismo atonal de Schoenberg, no início do século xx. Por vezes, explorar universo s sonoros novos pode causar estranhamento ou mesmo um pouco de desconforto , pretendido pelo próprio compositor. Co m este livro você descobrirá o contexto das grandes obras musicais dos últimos mil anos. Entender quem eram os compositores e por que eles co mpunham pode ser revelador e acrescentar uma nova camad a ao desfrute e compreensão do ato de ouvir. Um a obra familiar como As quatro estações, de Viv ald i, ganha nova resso nância quando se aprende que Viv ald i demonstrou pela primeira vez o verdadeiro potencial d a forma concerto e que sua fama correu d a Itália à A lemanha, onde inspiro u u m jovem organista chamado Jo hann Sebastian Bach. Talv ez você saiba que Beetho ven ficou surdo no fim d a v id a, mas co nhecer quais de suas obras ele co mpô s sem nunca ouvi-las dá u m sentido pro fundo à experiência d a audição , aumentando o deslumbre. Perceber que Mo zart era realmente u m pop star do século xvm pode convencê-lo a dar uma no va chance a O casamento de Fígaro. Poder, patrocínio e censura d esemp enharam cad a u m seu papel na génese de alg umas d as mais amad as obras musicais. Como vo cê descobrirá, os d ramas e escând alo s d a v id a real muitas vezes aco mp anhav am a d ramaturg ia musical no palco e nas partituras. Esses são os mundos que o livro que você está prestes a ler o convida a explorar. Ele será um companheiro inestimável numa jornada por diferentes períodos da história musical, aprofundando seu conhecimento e sua apreciação de algumas das maiores obras de música c lássica. Ele deliciará aqueles que já am am a música c lássica mas talv ez nu nc a tenham, até hoje, tido acesso aos elemento s que co mp õ em o vo cabulário e a teo ria music ais. E, melhor que tudo , irá, espero , estimular horas infindáveis de novas audições. A música clássica, como toda música, tem a paixão em seu cerne. É por isso que as grandes obras do passado perduram há século s, os compositores atuais aind a lutam para igualar sua beleza, e milhõ es de nós, hoje, amamo s to cá-las, o uvi-las e ser transpo rtado s por elas. Há tanta música marav ilho sa e apaixo nante lá fora - d eixe que este livro abra seus olhos e seus ouvidos para ela. 14 INTRODUÇÃO Parte v ital d a cultura humana desde pelo menos o Neolítico, a música tem sido u m traço de todas as civilizações, como mostram as pinturas rupestres, os afrescos e a arqueologia. O que é genericamente referido como "música clássica" é a música da civilização ocidental que evoluiu d a época medieval até o presente. Em sentido amplo, cobre u m vasto espectro e não só a música orquestral ou de piano, como muitos imaginam. Este livro mostra seu desenvolvimento como parte essencial da cultura europeia, espalhando-se pelo mundo, deliciando, surpreendendo e por vezes desconcertando o público, ao evoluir com os séculos. Saltos ousados O desenvo lvimento de uma tradição musical da música de Igreja med ieval e dos trovadores da corte à vanguard a do século xxi, foi muitas vezes gradual, mas também pontuado por inovações empolgantes. A s primeiras óperas, montadas no fim do século xv i, por exemplo, revo lucionaram a música sagrada e também a profana; a sinfo nia "Ero ica" de Beetho ven chocou as plateias do início do século xix co m sua estrutura inovadora e o descaso pelas convenções clássicas; já A sagração da primavera, de Igor Strav insky, atordoou os que assistiram à sua estreia em Paris cem anos depois. Esses saltos definiram os principais períodos da música clássica - Música A ntiga, Renascimento , Barroco, Classicismo , Romantismo, Nacionalismo, Modernismo e Música Contemporânea - , embora essas sejam distinções amplas, com estilos diferentes dentro de cada uma, e as fronteiras não sejam nítidas. O papel da Igreja Como outras formas de arte, a música foi moldada por influências externas, além de indivíduos brilhantes. A primeira delas foi a éé A música é o ato social de comunicação entre pessoas, um gesto de amizade, o mais forte que existe. M alcolm Arnold f f Igreja. A música clássica ocidental nasceu numa Euro pa dominada pela Igreja. Além de deter considerável poder político, o clero supria a única fonte de aprendizado da sociedade. Para os instruídos, a música era parte do culto, e não diversão. Era entoada por monges sem acompanhamento instrumental. A Arte Nova Por centenas de anos, a Igreja resistiu a mudar o canto simples de textossagrados, com subid as e descidas representadas em manuscrito s por neumas (marcas inclinadas). Por fim, novas ideias abriram caminho . Co m a invenção de um sistema de notação por Guido d A rezzo , monge italiano do século ix, os co ralistas co meçaram a cantar harmo nias simples nas músicas. Mais tarde, eles as embelezaram co m outras melodias, criando a polifonia, u m novo som que, no século xiv, foi saudado como a A rs Nova, a "A rte Nova". Os compositores logo intro duziram outras inovações, como o aco mpanhamento de órgão. A Igreja começou a perder o controle sobre a música e a cultura em geral, um processo favorecido pelo nascimento de um novo movimento cultural, o Renascimento . Conforme desaparecia o tabu d a música INTRODUÇÃO 15 profana, a expressão dos compositores se tornava mais livre e sua música se espalhou pela Europa, em especial após a invenção de um método de impressão e, portanto, de distribuição da música. Não mais controlados pela Igreja, os músicos buscaram trabalho nas cortes aristocráticas da Itália, França, Inglaterra e Países Baixo s, onde alcançaram ganhar a v id a oferecendo entretenimento. Os religiosos, porém, ainda detinham poder, e após a Reforma um estilo musical mais austero se impôs nas igrejas protestantes do norte europeu, e mesmo as autoridades católicas buscaram moderar a complexidade da polifonia. Os compositores desenvolveram então um estilo harmónico mais simples, porém mais expressivo . A s Vésperas (1610), de Monteverdi, abriram novo campo para a música sacra incorporando elementos desse emocionante novo estilo. Explosão musical Pela mesma época, em Florença, um grupo de intelectuais chamado Camerata de' Bardi apresentou um novo entretenimento que combinava música e teatro, criando a ópera. Foi um sucesso nas cortes aristocráticas, que continuavam a patrocinar compositores e artistas, e a demanda crescente também do público por ópera e música em geral levou ao investimento em casas de ópera, salas de concertos e teatros públicos. Conforme o Barroco evoluía, compositores como J. S. Bach e Georg Fried rich Hándel criaram obras de complexidade crescente, aproveitando as orquestras fornecidas por seus mecenas aristocráticos. A música do A lto Barroco foi especialmente expressiva, muitas vezes embelezada co m trinados e outros ornamentos, às vezes de u m v irtuo sismo deslumbrante. Por algum tempo o público afluiu aos concertos para ouvir as últimas peças para orquestra, óperas e obras corais, mas co m o surgimento do Iluminismo , a Idade da Razão, as tendências mudaram. Subitamente houve uma demanda por música mais elegante, que enfatizasse o equilíbrio e a clareza, levando ao período clássico , de onde a "música clássica" derivou seu nome. Em pouco tempo, os compositores clássicos, como Mozart, Hayd n e Beethoven, fixaram as formas musicais que são a base dos repertórios de concerto modernos, como a sinfo nia de quatro movimentos, o concerto solo e o quarteto de cordas. A música também se tornou popular nos lares à med id a que a crescente classe méd ia obtinha tempo de lazer e os instrumento s musicais, como o piano, se to rnavam mais acessíveis. O período romântico A pesar de sua influência duradoura, o período clássico deu lugar a u m novo movimento cultural quase ao nascer. O Romantismo, co m sua ênfase no indivíduo, varreu a Europa, e a expressão ganhou precedência sobre a clareza. Os compositores levaram as formas clássicas ao limite na pesquisa por novos sons. Eles buscavam fontes de inspiração extramusicais, na arte, na literatura, nas paisagens e na experiência humana. O Ro mantismo foi em essência u m movimento alemão, embora a ênfase no indivíduo tenha levado a uma onda de compositores » Que paixão não pode a música despertar e sufocar... John Dryden 16 INTRODUÇÃO f L +j£ nacio nalistas, que buscav am d istanciar-se do domínio austro - -húngaro do ancien régime musical e defend iam a música de cada nação . Compositores russos e tchecos p assaram a integrar temas e elementos de música folclórica nas obras, tendência explorada depois por compositores de outras partes da Euro pa. No fim do século xix, os excessos do Romantismo alemão precipitaram uma ruptura nas próprias fundações da música ocidental, baseada nas harmonias das escalas maiores e menores. No século seguinte, os compositores passaram a buscar não só um estilo original mas uma linguagem musical totalmente nova. Duas das muitas tendências que emergiram foram especialmente influentes: o serialismo de doze notas, sistematizado por Arnold Schoenberg e aperfeiçoado por Pierre Boulez, e a aleatoriedade - em que o acaso tinha papel na composição ou execução da música. Novas influências Esses experimento s musicais co incid iram co m a evolução do jazz e mais tarde a explosão da música pop e do rock, cuja batida rítmica tinha apelo instantâneo , fazendo as plateias se afastarem dos sons estranhos d a nova música clássica e mesmo da música clássica em geral. A p esar disso , a música popular também influenciou e inspiro u os compositores clássicos, produzindo uma fertilização cruzada de ideias que deu nova v id a às formas clássicas, ao lado do aproveitamento da tecno logia moderna. Compositores como Karlheinz Sto ckhausen exploraram o po tencial do estúdio eletrônico e dos enormes avanços dos equipamentos de gravação . Hoje, alguns compositores, mais conscientes do gosto do público , escrevem num estilo mais acessível que cinquenta anos atrás, mas co ntinuam a experimentar, produzindo música que incorpora vídeo, teatro e influências globais. Os elementos da música Para entender as ideias e inovações descritas neste livro , é útil familiarizar-se co m os elementos de construção d a música clássica ocidental, muitos dos quais foram idealizados por monges med ievais, a partir de conceitos formulados pelos gregos antigos. A s notas são o material fundamental de toda música, cantada ou tocada. A altura de uma nota individual, mais grave ou mais aguda, em especial em relação a outras, é representada por uma letra (A para indicar o lá, B para o si, C para o dó e assim por diante), às vezes modificada por "acidentes" (sustenido ou bemol) que sobem ou descem a nota em um semitom. Na maior parte da história da música clássica, as melodias (padrões de notas) foram compostas com notas das escalas maior e menor, que ajudam a determinar o espírito de uma peça musical. A escala também rege a harmonia, em que duas ou mais notas são tocadas juntas. Certas combinações de notas - acordes - são consoantes, ou harmoniosas, e outras mais dissonantes, ásperas; os acordes maiores tendem a soar mais luminosos, enquanto os menores são mais tristes. Uma característica dos períodos barroco, clássico e romântico era o éé O ritmo e a harmonia abrem caminho para os lugares internos da alma. Platão f f INTRODUÇÃO 17 sistema de tonalidade maior-menor, em que uma nota principal, chamad a tónica, é o centro gravitacio nal ao redor da qual a composição gira - d istanciando -se da tónica para criar tensão e aproximando -se para resolvê-la. Formas musicais Diferentes estilos de música enfatizam aspecto s particulares de sua estrutura. A lg uns se co ncentram na melodia, talvez co m aco mpanhamento harmónico , como foi co mum no início do Barroco ; outros empregam o contraponto - o entrelaçamento de duas ou mais melodias numa forma complexa de polifonia que é uma das características definidoras d a música clássica ocidental. A forma de uma peça também é importante: ela pode compreender partes diferentes reconhecíveis, talvez em escalas contrastantes. Por exemplo, numa forma simples ABA, uma ideia musical é apresentada, seguida de uma segunda, e então a ideia de abertura é repetida. A s formas musicais vão de cançõ es simples, como os Lieder, popularizadospor Franz Schubert e Robert Schumann, à complexidade de uma sinfonia de vários movimentos. Para os ouvintes, a diferença mais notável entre uma música renascentista e uma sinfonia totalmente desenvolvida do século xix é o som da voz e/ ou dos instrumentos. A o longo da história, novos instrumentos foram inventados e os antigos aperfeiçoados, dando aos compositores e músicos novos sons com que trabalhar. Cada instrumento tem um timbre distintivo, e diferentes combinações de instrumentos e vozes se desenvolveram com o tempo. Elas vão da cappella (voz sem acompanhamento), passando por instrumentos solo, como o piano, e pequenos grupos de câmara, como o quarteto de cordas, à orquestra de concerto completa, com mais de setenta instrumentistas de cordas, madeiras, metais e percussão, e - desde os anos 1950 - tecnologia eletrônica. éé Foi-se o tempo em que a música era escrita para meia-dúzia de estetas. Sergei Prokofiev f f Este livro Co mo os compositores juntaram esses elementos para desenvo lver d iferentes géneros de música clássica, quais os fatores que os influenciaram? É o que este livro exp lica, apresentando marco s d a histó ria d a música clássica o cidental: não só os grandes compositores e suas obras, mas alg umas d as figuras menos co nhecid as cuja música exemplifica um estilo ou período. Eles estão arranjados em ordem cronológica, situando -o s num co ntexto histórico mais amplo para mostrar como refletem a so ciedade e a cultura. Cad a capítulo enfoca uma obra que ilustra um desenvo lvimento particular d a música, d iscutindo seus traços mais destacados e sua significação em relação a outras p eças do mesmo compositor ou estilo . A co luna lateral " Em contexto" e a seção "Ver também" trazem referências cruzad as a outras obras musicais relevantes para a que está em d iscussão . Como nem todos os maiores compositores, sem falar em todas as grandes obras, po d iam ser apresentados, a seção "Outros artistas", no fim do vo lume, traz detalhes sobre outros nomes importantes e suas obras. 20 INTRODUÇÃO O papa Gregório i reúne as tradições de cantochão de toda a Igreja na tentativa de unificá-las. A O rei dos francos Carlos Magno instrui seus músicos a usar as nuances dos cantores romanos, liderando o desenvolvimento da notação neumática A Publicada a obra anónima Musica enchiríadis, a primeira a nomear notas (ou alturas) musicais com as letras A a G. A A peça musical O/ do virtutum, de Hildegarda de Bingen, representa uma guerra entre as Virtudes e o Demónio pela alma humana. c. 600 c. 800 c. 875 c. 1151 c. 750 I O canto gregoriano, síntese dos cantos romano e galicano, é encomendado pelos regentes carolíngios franceses. c. 850 O desenvolvimento da sequência, texto associado a uma melodia cantada particular da missa latina, redefine a música litúrgica. c. 1026 i Guido d'Arezzo escreve o tratado Micrologus, dedicando-o a Tedaldo, bispo de Arezzo, na Toscana, Itália. A música que chamamo s hoje de clássica ocidental evo luiu a partir d a praticada na Igreja med ieval europeia, que por sua vez tem raízes na música religiosa judaica e na das antigas Ro ma e Grécia. Nosso conhecimento d essa fase inic ial é, porém, limitado , já que era uma tradição oral, passad a por músicos de geração em geração . O pouco que se sabe ao certo v em de relatos da época, que quase exclusivamente descrevem a música sacra, já que a Igreja efetivamente tinha o monopólio da alfabetização . O papel da Igreja A história da música clássica co meça com textos sagrados em latim cantados por monges como partes do culto . A execução era simples - apenas voz, sem acompanhamento , co m só uma linha de música, a monodia, que poderia ser cantada por u m a pessoa ou um coro em uníssono . Esse tipo de música recebeu o nome de "cantochão", e cad a região tinha sua própria co leção de cantos. No início do século xvn, porém, o papa Gregório tentou reunir, classificar e padronizar essas variações regionais, como parte de seu empenho em unificar a prática litúrgica. Para garantir que a apresentação do canto chão fosse pad ro nizad a em to da a cristand ad e, u m a no tação music al foi d esenvo lv id a, co m símbo lo s chamad o s "neumas" escrito s sobre o texto para dar u m a ind icação gráfica d a fo rma d a melo d ia. Então , em alg um mo mento do século ix, o ritmo d as mud anças se acelero u: u m a fo rma p ad ro nizad a de culto , a missa, foi fixada, co m canto chão s específ ico s p ara suas várias partes. A no tação também se so fistico u, co m u m a l inha ho rizo ntal p ara esclarecer a altura d as no tas, mo strando quão agud as ou grav es são . Mais significante musicalmente foi a introdução do organum, uma forma simples de harmo nia. Enquanto no canto chão só hav ia uma linha de música, o organum tinha duas, e mais tarde três, ou até quatro. Um a voz cantava o canto chão e outra uma linha paralela de música algumas notas ac ima ou abaixo . Conforme a música se tornou mais complexa co m os anos, os meios de registrá-la também evoluíram, e no século xi MÚSICA ANTIGA 1000-1400 21 Le Jeu de Robin et de Maríon, de Adam de la Halle considerada a primeira obra profana francesa, estreia em Nápoles. c. 1280-1283 A Missa de Tournai, composta por vários autores anónimos, é o primeiro arranjo polifônico de uma missa transcrito num manuscrito. A c. 1320 E composta a polifônica Missa de Notie-Dame, do francês Guillaume de Machaut A c. 1360-1365 c. 1170 Em Paris, Léonin liga o cantochão à polifonia em seu Magnus líber organi. c. 1300 De mensurabiii musica, do teórico musical Johannes de Garlandia. explica os sistemas rítmicos modais. c. 1350 i A Missa de Toulouse reúne movimentos polifônicos de missa adaptados de motetos existentes para três vozes. estabeleceu-se u m sistema de pontos co m formas d iversas escritos numa pauta de quatro ou mais linhas horizontais - o precursor de nosso padrão moderno de no tação musical. A música se difunde A notação não só ajudou a padronizar a execução como permitiu que se escrevessem no vas músicas, o que ocorreu do século xn em diante, marcando o início da música clássica como é co nhecida hoje. A música não era mais anónima e passad a oralmente, e isso levou ao surgimento de compositores que go stavam de testar técnicas inovadoras. A harmo nia simples do organum, co m vozes cantando em paralelo co m a melodia do cantochão , foi suced id a por u m estilo mais complexo - a polifonia - , em que cad a voz tem sua própria melodia. Essa nova técnica se inicio u com Léonin e Pérotin, em Paris, e logo se espalhou pela Euro pa. A o mesmo tempo, a música pro fana também florescia, na forma de menestréis v iajantes que entretinham as co rtes aristo cráticas e as pesso as nas ruas. Chamad o s de trovadores, eles eram poetas, além de compositores e artistas, e, à d iferença dos músico s de igreja, cantav am co m aco mpanhamento instrumental. É provável que também to cassem música apenas instrumental para dança, mas como tal música pro fana aind a era uma tradição oral, nad a se co nservo u dela. Em meados do século xiv a música polifônica co m linhas vo cais entrelaçadas se tornou co nhecida como A rs Nova, a 'A rte Nova", e os compositores que d o minav am a técnica foram encarregados de escrever missas para as catedrais. O novo estilo não foi desenvolvido apenas para a missa cristã. Os compositores também escrev iam arranjos menores de palavras em estilo polifônico chamado s "motetos". A lg uns eram arranjos de textos sagrados, mas vários compositores "sérios" também escreveram motetos polifônicos sobre poemas laicos. Co m o fim do período med ieval e o início do Renascimento , o monopólio da Igreja sobre a música declinou. A música sagradae a profana estav am prestes a florescer lado a lado. • 22 EM CO N TEXTO FO C O Cantochão A N T E S c. 1400 a.C. Um a tabuleta de arg ila d a antiga cid ad e de Ugarit, no norte d a Síria, reg istra o hino de u m culto religioso , co m no tação musical fragmentária. c. 200 a.C- 100 d.C. A chad a num túmulo perto de Éfeso, na Túrquia, a "canção de Sícilo" é a mais antiga composição musical co mpleta co m no taçõ es. D EPO IS 1562-1563 O Concílio de Trento , d a Igreja Católica, proíbe cantar os ornamentos med ievais do canto chão med ieval conhecidos como "sequências". 1896 O s mo nges d a A b ad ia Bened itina de So lesmes p ublicam o Libei usualis, tentativa de devo lver ao canto gregoriano , d isto rcido por século s de uso , u m texto mais puro e padronizado . A SALMODIA É A ARMA DO MONGE CANTOCHÃO (SÉCULOS VI a IX), ANÓNIMO A Igreja Cristã se inicio u como seita judaica, e assim a nascente liturgia (as formas de serviço) d a nova fé co mpartilhava muitos traços do culto judaico , como a repetição falada ou cantada da escritura e das orações. Especif icamente, os cristãos enfo caram alguns tipos de observância, como a recriação da Última Ceia (que mais tarde se to rnaria a missa), o canto de salmos e a leitura de escrituras e orações para marcar os d ias santos e as festas da nova Igreja. Co m o tempo, esses ritos evoluíram para o Ofício Div ino ou Liturg ia das Horas - a base do culto católico . O canto de ritos O cristianismo se espalhou a partir da Terra Santa, e co m ele seus ritos e cerimónias, celebrados em línguas d iversas nas comunidades onde se enraizou, como o aramaico na Palestina e o grego em Roma. Em resultado, diferentes estilos de canto se desenvolveram, como o mo çárabe na península Ibérica, o galicano na Gália Ro mana e o ambrosiano, a partir de santo Ambrósio , um bispo de Milão do século iv. Dessas primeiras liturgias, só os cantos da romana e da ambrosiana sobreviveram de forma reconhecível. Eles se tornaram conhecidos como "cantochão" (em latim cantus planus), pela simplicidade de suas melodias sem acompanhamento, cantadas num ritmo livre, semelhante à fala, refletindo a prosa não metrificada das orações, salmos e escrituras. Essa música, embora sem estrutura, seguia em grande parte o antigo Esta escultura de madeira (o 1500) mostra santo Ambrósio em seu estúdio. O bispo de Milão defendia o hino, ou "canção sagrada", como parte central do culto na igreja. MÚSICA ANTIGA 1000-1400 23 Ver também: Micrologus 24-25 « Magnus libei organi 28-31 • Missa de Notie-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Gieat Service 52-53 o r n e CAM f • * ^ >7 * tf - • z ' o b i / *p u e r *q u e m g i g sistema modal grego de oitavas de sete notas, com cinco tons e dois semitons, e consistia em dois tipos de canto: o responsorial e o antifonal. O primeiro envolvia cantos solo mais elaborados, com uma resposta do coro. Os cantos antifonais, em que o coro e a congregação alternavam o canto, consistiam em melodias mais simples. Essas formas eram co mpartilhadas pelo canto chão romano e ambrosiano , mas o ambrosiano tinha progressão de notas mais suave e era mais dramático que o romano. Ele também fazia uso maior do melisma, em que uma série de notas era cantad a co m uma sílaba - estilo aind a presente na canção do Oriente Médio e d a Á sia. Em meados do primeiro milénio, hav ia milhares de cantos para os diferentes ritos. A questão d a variedade de estilos e tradições foi enfrentada por Gregório i (papa de 590 a 604 d .C) , que queria unificar a prática litúrgica. Ele consolidou a Este canto gregoriano, Hodie canlandus (Hoje precisamos cantar), de São Trotilo, monge irlandês do século x, tem neumas nas linhas superiores e texto em latim embaixo. música do rito romano e d iz-se que incentivo u a schola cantoium (escola de coro) papal, para fazer justiça ao repertório que se desenvo lveu. Repertório ampliado Sob a regência de Carlos Magno (742-814), o primeiro sacro imperador romano, os canto s romanos foram co mbinado s a elementos do estilo galicano , também de uso co mum. Essa co leção exp and id a crio u a base do canto gregoriano , que se mantém no âmago d a música d a Igreja Cató lica. O canto chão também foi o alicerce d a música med iev al e renascentista e de sua no tação , basead a em pautas e neumas, ou notas, de canto s escrito s. • A missa Fo i so mente no século xi , ou aind a depo is, que a m issa alcanço u sua fo rma final. Sua música se to rno u co nhecid a como o Grad ual, u m livro d iv id ido em Ordinário (os elemento s que se mantêm iguais to d a semana) e Próprio (as partes que são específ icas d a épo ca e do d ia no calendário d a Igreja). O Ordinário d a m issa tem cinco p artes. A p rimeira, Kyrie eieison (Senhor, tende piedade), é u m texto antigo em grego (a língua dos serv iço s ro mano s até cerca do século iv); a segund a, Gloria in excelsis Deo (Glória a Deus nas alturas), fo i intro d uz id a no século vn; a terceira, o Credo ( Eu creio ), fo i ad o tad a em 1014 (embo ra se acred ite que date do século iv); e a quarta, o Sanctus (Sagrado ), enraizad a na liturg ia jud aica, to rnou-se p arte do rito cató lico antes d as refo rmas do p ap a Gregório i . A quinta seção , Agnus Dei (Cordeiro de Deus), foi acrescentad a à m issa ro mana a p artir de u m rito sírio no século vn. O ritual da missa se baseia na Última Ceia de Cristo e seus discípulos - aqui em detalhe de manuscrito do século vi. EM CO N TEXTO A N T E S 500 d.C. Bo écio , senador e filósofo romano, escreve De institutione musica, que aind a estaria em uso co mo manual de música no século xv i. 935 d.C. Enchiiidion musices, de Odo de Cluny, se to rna o primeiro livro a no mear as no tas musicais co m as letras A a G na França. D EPO IS 1260 O teórico musical alemão Franco de Colónia escreve Ais cantus mensurabilis, que aperfeiçoa a no tação de Guid o . 1300 E m Paris, Jo hannes de Garlândia escreve De mensurabili musica, descrevendo os seis modos rítmicos. UT, RE, Ml, FA, SOL. LÁ MICR0L0GUS (0,1026), GUIDO D'AREZZ0 A notação musical o cidental moderna teve origem nos mosteiros europeus, no fim do primeiro milénio . Os símbolos musicais mais antigos, os neumas, eram traços simples de pena feitos para ajudar o canto , lembrando aos monges se a música subia, d escia ou p ermanecia no mesmo tom. Neumas d iastemáticos, ou "aumentados", d av am maior clareza à notação do canto, formalizando as figuras d as notas e imaginando uma linha horizontal cruzando a página. Isso criava u m "horizonte" contra o qual o cantor pod ia descobrir o tom. A p esar d isso , neumas aumentados estav am sujeitos a mal-entendidos e era necessária mais precisão . Invenção da pauta A solução, cred itada a Guido d A rezzo , monge e teórico musical italiano (embora talvez só tenha formalizado o que já era prática corrente), foi desenhar quatro linhas na página, permitindo ao cantor estimar co m precisão o movimento da melodia. A notação de Guido às vezes tinha uma d as linhas em tinta amarela para mostrar a nota dó, e uma em vermelho para ind icar o fá, de modo que não só o tom A Mão Guidoniana foi um sistema inventado para ensinar aos monges o modo mais fácil de referir-se às vinte notas da música litúrgica medieval. fosse fixado de nota a nota, mas o cantor so ubesse num olhar em que nota começar. O tratado Miciologus (c. 1026), de Guido , descreve o recurso pelo qual hoje ele é mais conhecido , a Mão Guid o niana. Se u m cantor moderno tiver de se referir a uma nota, poderá figurar a série contínua de dó a si, repetida nas sete o itavas do piano. Para especificar u m dó em particular, ele poderá dizer "dó médio " (no meio do MÚSICA ANTIGA 1000-1400 25 Ver também: Cantochão 22-23 • Orcto virtutum 26-27 • Le Jeu de Robin et deMaríon 32-35 • Great Service 52-53 « Vésperas, Monteverdi 64-69 • A Paixão segundo São Mateus 98-105 éé Decidi colocar notações nesta antífona, para que qualquer pessoa inteligente e aplicada possa aprender um canto. Guido d'Arezzo 99 teclado). Porém, se essa não for a nota que tinha em mente, poderá dizer, por exemplo, "dó, na o itava ac ima do dó médio". Guido , que só precisava de duas o itavas e meia (vinte notas) para cobrir a amplitude vo cal dos cantos, usou as letras A a G para as sete notas, em seu sistema. O noviço ind icava a ponta do dedão esquerdo e cantava u m G (sol) grave. Deslizando o dedo para a junta média do dedão, sua voz ascenderia a A (lá) e assim por d iante subindo na escala, espiralando o dedo ao redor das juntas e pontas dos dedos, para ind icar todas as v inte notas (entrando no falsete conforme a espiral se estreitava e as o itavas subiam). Sílabas da solmização Guido apoiou essas setes letras em seis sílabas de "so lmização" - ut, ré, mi, fá, sol, lá - , um sistema para se referir a melodias de modo abstrato . Fo i o precursor do atual, mais familiar, sol-fá (dó, ré, mi, fá, sol, lá, si), mas as sílabas de Guido diferem porque a so lmização não usav a a nota si, de modo que só tem seis notas - um hexacorde. Conforme se ia além d as seis notas, o hexacorde tinha de ser repetido em padrões superpostos na extensão d as v inte notas d a Mão Guid o niana. Cad a nota terminava então co m um nome de letra básico e uma coordenada secundária, derivada d a posição única da nota na mão, para designar a o itava. O "dó médio " moderno se traduz em "C sol-fá-ut" na Mão Guid o niana O monge e teórico musical italiano Guido d'Arezzo usa coroa de louros no retrato pintado por Antonio Maria Crespi no início do século xvi, cerca de quinhentos anos após a morte de Guido. e o sol mais grave, usando o nome grego da letra, era "gama ut" - daí a expressão aind a em uso hoje, "percorrer toda a gama". O monge po d ia então facilmente especificar qualquer d as v inte no tas numa co nversa, por escrito ou simplesmente apontando sua mão . • Os modos D E F G A B C D A música o cidental herd o u u m a base teó rica fund amentad a nas práticas musicais d a Igreja inic ial, na Grécia, Síria e Bizâncio . Em alg um mo mento no século x, desenvo lveu-se o princípio dos "mo d o s" musicais (grupo s ou "escalas" de no tas), a p artir dos quais as várias melo d ias do canto chão (base do canto "gregoriano ", que logo surg iria) fo ram classif icad as. Os modos ajud av am os mo nges a lembrar as muitas obras litúrgicas. Os modos po d em ser to cados usand o só as no tas brancas do piano . Se vo cê to car seis escalas co mpletas de sete no tas, co meçand o a cad a vez u m a no ta depo is, isso lhe dará u m a id eia de como cad a modo básico d a Igreja so aria: em dó (modo jônio , que co rrespo nde à escala maior), ré (dórico), m i (frígio), fá (lídio), so l (mixolídio) e lá (eólio, co rrespo ndente à escala menor natural) . (O modo em "si " , às v ez es chamad o "lócrio", não era usad o na música o cidental na Id ad e Méd ia por ser d isso nante d emais.) A música fo i o rganizad a segund o essa teo ria mo d al até que, na épo ca dos compositores barro co s do século xvm, como Bac h e Hándel, o princípio "maio r" e "meno r" d a harmo nia to nal red uz iu o número de escalas, em essência, a apenas d uas. Dali em d iante, a música p asso u a ser c lassif icad a numa , "escala" p articular e não num dado "modo". DEVÍAMOS ENTOAR SALMOS COM UM SALTÉRIO DE DEZ CORDAS ORDO VIRTUTUM (c. 1151), HILDEGARDA DE BINGEN EM CO N TEXTO FO C O Compositoras antigas A N T E S c. 920 A s duas estrofes que se co nserv aram de Sendibíti (Uma mensagem mordaz), de Jó runn Skáldmaer, representam o mais longo po ema escáld ico (tipo de po esia no rueguesa possivelmente cantada) de u m a mulher. 1150 E m Paris, a abad essa Hélo ise talvez tenha composto o d rama musical de Pásco a Ortolanus e a sequência p ascal Epithalamica, atribuídos ao teó logo Pierre A bélard . D EPO IS 1180 Beatriz , co nd essa de Dia, escreve u m a co letânea de c inco trovas. A chantar m'er de so qu'eu no volria, c o m no taçõ es, se co nservo u. 1210 Ju l iana de Liège pode ter escrito u m a música para a festa de Co rp us Christi que se d iz ter v ind o a ela nu m a visão . Uma d as vozes mais o riginais d a música sacra do início d a Idade Média foi a d a monja santa Hildegarda de Bingen, na A lemanha. Sua produção musical é d as maiores entre os compositores med ievais identificáveis. A co letânea Symphonia armonie celestium reveiationum (Sinfonia d a harmo nia da revelação celeste), por exemplo, inclui mais de setenta co mpo siçõ es de canto chão . Hildegarda tem uma visão divina. numa imagem de manuscrito do século xm. Ela está ao lado de Volmar de Disibodenberg (esq.) e sua confidente, Richardis von Stade. Santa Hild egard a teve como tutora uma jo vem visionária, Jutta de Spo nheim. Co m o apoio de Jutta e do monge Vo lmar, na A b ad ia de Disibo denberg, ela estudou os salmo s e pratico u o repertório de canto do ano MÚSICA ANTIGA 1000-1400 27 Ver também: Le Jeu de Robin et de Marion 32-35 • Missa de Notre-Dame 36-37 • Missa LHomme armé 42 • The Wreckers 232-239 • Mie cathedrai 326 litúrgico , aprendeu a tocar saltério ( instrumento de cordas) e a escrever latim. Co mo Jutta, Hild egard a af irmava ter inspiração d iv ina, alegando nunca ter "aprendido neumas nem qualquer outra parte da música". Não se sabe quanto há de verdade nisso , mas Hild egard a po d ia estar tentando d isso ciar a si própria e a Jutta de uma ed ucação em geral indisponível a mulheres. Se no século XI I uma mulher d issesse co nhecer o trívium (artes retóricas) ou o quadiivium (ciências e teo ria d a música) ou fizesse uma interpretação d a Bíblia pod ia ser co nsiderada uma ameaça d ireta à autoridade masculina. Magnum opus A obra mais famo sa de Hild egard a, Ordo virtutum (A ordem d as v irtud es) , é a mais antiga p eça de mo ralid ad e remanescente e u m dos primeiro s d ramas music ais reg istrad o s. A obra co ntém mais de o itenta melo d ias e é provável que fosse representada pelas monjas d a ordem de Hild egard a. Co m mais de v inte papéis cantantes, trata d a luta entre d ezessete "V irtud es" (cuja rainha é a Humild ad e) e seu adversário , Diabo lus (o Demónio ), por u m a alm a (Anima). Diabo lus, talvez interpretado na o rigem pelo amigo e co p ista de Hild egard a, Vo lmar, carece de harmo nia e articula interjeiçõ es falad as. A s melodias que aco mpanham o manuscrito ind icam quando as Virtud es cantam como coro e dá música mais floreada às vozes solo. Quando as Virtud es se ad iantam para se apresentar, a música se torna mais expressiva e animad a, e as arrebatadoras linhas vo cais da éé O céu se abriu e uma luz de brilho extraordinário veio e permeou todo o meu cérebro [...] e de imediato eu soube o sentido da exposição das Escrituras. Hildegarda de Bingen t f Humilitas (Humildade), da Fed e (Fé) e da Spes (Esperança) insp iram as Virtud es irmãs a responder com ardor. Porém a notação o riginal v ai pouco além do essencial: a interpretação moderna desse esbo ço são gravações co m vio linos, flauta e aco mpanhamento s em harmo nia. Textos e divindade A s cartas de Hild eg ard a rev elam sua co nd ição de "v id ente e mística", que lhe d av a não só liberdade p ara aco nselhar (até o papa) como o po rtunid ad es de expressão musical . El a sempre enfatizav a a o rigem transcend ente de suas obras. A música a co nectav a a u m Éden perdido , antes de A dão e Ev a p recip itarem a Qued a d a humanid ad e ao comer o fruto pro ibido . Ela imag inav a seus texto s a serv iço d a música, de modo que "os que o uv em p o ssam aprender sobre co isas internas". • Hildegardade Bingen Fi lha mais no v a de u m a grande família d a p equena nobreza, Hild egard a, nascid a em 1098, passo u a primeira infância em Bermersheim, ao su l de Mainz , na A lemanha. Ti nha po uca saúde e já antes dos cinco ano s co meço u a ter visões, chamand o atenção d a família ao prever co m precisão a cor de u m bezerro que ia nascer. Co m oito anos foi entregue aos cuidado s de Jutta de Spo nheim, visionária que v iv ia como reclusa num eremitério perto d a A b ad ia de Disibo denberg. O eremitério de mulheres foi depois aberto a asp irantes a freiras, e aos catorze anos Hild egard a devotou a v id a a Deus como monja bened itina. Co m a morte de Jutta em 1136, Hild egard a, aos 38 anos, fo i eleita d ireto ra d a co munidade religiosa. Desempenho u o papel até a morte, em 1179, mas também encontrou tempo p ara escrever três vo lumes de obras científicas e de teo logia visionária, e po emas religiosos. O utra obra importante c. an o s 1150 Symphonia armonie celestium revelationum 28 CANTAR E ORAR DUAS VEZES MAGNUS LÍBER ORGANI (C. 1170), LÉONIN EM CO N TEXTO FO C O Surgimento da harmonia vocal A N T E S c. 1000 M ais de 160 organa, pro vavelmente escrito s por Wulfstan, chantre d a Cated ral de Winchester, são co ligidos no Winchester Troper. c. 1140 O Codex caiixtinus mencio na certo Mag ister A lbertus Parisiensis co mo compositor d a p rimeira obra p ara três vo zes co m no taçõ es. D EPO IS c. 1200 Pérotin aperfeiçoa e exp and e a obra de Léonin em Magnus líber organi. O desenvo lvimento da polifonia (música co m muitas camad as, para d iversas vozes) no século xu está intimamente ligado a Notre-Dame de Paris, a impressionante catedral que Maurice de Sully fez co nstruir quando se tornou bispo da cidade em 1160. Nessa época, Léonin, u m compositor francês, criava ornamentos inusitados a duas vozes para realçar o canto chão tradicional. Co m o patrocínio d a catedral, Léonin e vários outros compositores inovadores fo rmaram o que depois ficou conhecido como Esco la de Notre-Dame. Composição de organa Não há registros sobre Léonin até quase u m século após sua v id a, quando u m inglês que estud ava em Paris (conhecido na musico lo gia como A nónimo iv) escreveu sobre Master Léoninus. Ele o descreveu MÚSICA ANTIGA 1000-1400 29 Ver também: Cantochão 22-23 • Miciologus 24-25 • Missa de Notre-Dame 36-37 • Canticum Canticorum 46-51 • Vésperas, Monteverdi 64-69 • Ein feste Burg ist unser Gott 78-79 como o optimus organista (melhor compositor de organa, ou harmonizações vo cais) e autor do Magnus líber organi (Grande livro de organum), uma anto logia de música usad a pela catedral para so lenizar a liturgia. A nónimo iv escreve que o Magnus líber de Léonin foi usado até a época de Pérotin (o 1160-1205), tido como o melhor compositor de discantus - um organum co m contramelodias sobre o canto chão . Pérotin abreviou e melhorou os organa de Léonin, escreveu melhores clausuiae (episódios musicais inseridos no canto) e também compôs organa para três e quatro vozes. Segundo A nónimo iv, a música de Pérotin aind a era usada em Notre-Dame em sua épo ca (c. 1280). Harmonia antiga A ntes de Léonin, as harmo nias vo cais eram muito mais simples. Os teóricos chamam a atenção para a prática de cantar em partes a A nave de Notre-Dame de Paris foi concluída pouco após a morte de Maurice de Sully, em 1196. Léonin e Pérotin criaram suas obras dentro ou perto da nova catedral. partir da segund a metade do século ix, mas as etapas da evolução do canto harmónico não são claras. A Schola cantorum (coro) papal do século vn mantinha u m total de sete cantores: três scholae (académicos), um archiparaphonista (cantor de quarta ordem) e três paraphonistae, termo grego que significa "aquele que canta junto co m o cantochão". A lg uns musicó logos acred itam que isso ind ique u m cantor especializado em um papel harmonizador. A técnica mais simples de harmo nização era o cantor sustentar a finalis (nota principal) do modo da p eça de forma contínua sob o canto chão . El a seria cantad a co m o so m de uma vo gal aberta, talvez mud and o às vezes para um tom v iz inho , para criar uma relação mais agradável co m o canto chão antes de voltar à finalis. A s tradições que envo lvem aco mpanhamento co m nota fixa aind a são o uvidas hoje na música qawwali sufi muçulmana da índia e do Paquistão , e na de gaita de foles. Um som pecaminoso A mudança para a polifonia não foi bem recebida por todos. Na Igreja, alguns objetaram aos novos métodos - em especial o cardeal Robert de Courçon, que critico u os escritores de organum alegando que essa nova música era efeminada. Em Summa, ele escreveu que, "se um prelado licencioso dá benefícios a tais cantores licenciosos para que esse » Monges cistercienses na Abadia Zwettl, na Áustria, praticam canto coral nesta miniatura com notações do Graduale cisterciense (c. 1268). Um graduale é um canto ou hino litúrgico. 30 EVOLUÇÃO DA HARMONIA VOCAL A AJIeJuia nativitas, de Pérotin, foi escrita para três vozes. Como se vê aqui, na época o número de linhas na pauta não era fixo: elas davam apenas ideia aproximada da "altura" das notas. tipo de música licencio sa e de menestréis seja o uvida em sua igreja, creio que se co ntamina da doença de simonia". A titud es como a de Courçon, que asso c iav a o entrelaçamento de vozes masculinas d a po lifonia à so do mia, buscaram desacred itar o novo estilo musical ligando-o ao pecado . Dois manuais A s primeiras obras que tentaram exp licar a harmo nia v o cal foram Musica enchiríadis (Manual de música), de c. 900, e seu par Scholia enchiríadis. O método de harmo nização mais simples ilustrado por seu autor era cantar em o itavas. Essa técnica era co nhecid a como magadis na Grécia antiga e ocorre naturalmente quando ho mens e menino s cantam em uníssono . O uso de uma harmo nia básica paralela ao canto o rig inal se chamav a "organum simp les" nos do is manuais. Scholia enchiríadis é é Mestres do organum [...] apresentam coisas efeminadas e de menestréis a pessoas jovens e ignorantes. Robert de Courçon Cardeal inglês (c. 1160-1219) f f também ind ica u m método híbrido, em que a vox organalis (voz de aco mpanhamento ) ou sustenta um tom ou se mo ve em harmo nia paralela co m a vox principalis (voz principal), antes de voltar ao unísso no co m o canto chão no fim d as frases. Embo ra o organum simples envo lva mais de u m a voz, esse canto em o itavas não é em geral descrito por autores modernos como "polifonia", porque as duas partes não são independentes. Criar harmo nia apenas seguindo a melod ia em outra o itava (ou outro intervalo harmónico ) escrav iza a parte harmo nizado ra à fo rma e ao mo vimento do canto chão . O objetivo é enriquecer o so m do canto chão , mas a técnica tem po uca sutileza. Os musicó logos preferem descrevê-la como uma versão d a "hetero fonia" (o rnamentação de uma linha). Exemplos dispersos Uma peça breve de organum para duas vozes independentes (Sancte Bonifati Martyr, São Bonifácio Mártir) veio a luz em 2014 na parte de trás de u m manuscrito da Biblio teca Britânica que pode datar de c. 900. Ela parece demonstrar que alguns cantores no noroeste da A lemanha já tinham aderido a esse estilo híbrido de organum no fim do século ix. Embo ra seja u m exemplo isolado, concluiu-se que é a mais antiga p eça co m no taçõ es de música polifônica para execução remanescente. O Winchester Troper (c. 1000), manuscrito em dois livros na Catedral de Winchester, copiado de fontes francesas algumas d écad as MÚSICA ANTIGA 1000-1400 31 Evolução da harmonia vocal Cantochão: Uma só linha vocal, sem aco mpanhamento , em ritmo livre, como a fala. Organum: Adição de uma segunda voz numa oitava diferente, paralela à primeira voz. TContraponto: O entrel açamento de tocar ou de cantar simultaneamente. Harmonia: Três ou mais notas musicais cantadas simultaneamente, criando um acorde. após o Sancte Bonifati Martyr, dá um retrato d a v id a musical mo nástica na Inglaterra antes d a co nquista normanda. Embo ra o segundo vo lume contenha 174 organa (perfazendo o primeiro corpus substancial de co mpo siçõ es polifônicas), a notação assume que o cantor já co nheça o repertório. Os neumas sozinhos não dão uma indicação precisa d a altura do tom, tanto d a melodia do canto chão original como da vox organalis harmonizante, tornando difícil a transcrição acurad a dessas peças. Um século após o Winchester Troper, a Esco la de São Marçal de Limo ges explorou a polifonia de quatro manuscrito s franceses com noventa p eças (c. 1120-1180) e do Codex calixtinus (c. 1140), de Santiago de Compostela, no noroeste espanho l. A no tação d essa "polifonia aquitânica" era menos ambígua em tom que o Troper e ind ica que a maior parte do repertório era cantada co m u m ritmo. A s p eças são em geral para dois cantores, em estilo mais melismático , em que a voz mais aguda às vezes tem muitas notas, cantadas sobre uma voz mais grave menos ativa. O Codex calixtinus contém o que pode ser a primeira composição para três vozes com notações, a Congaudeant catholici. A Escola de Notre-Dame Co m a co nstrução d a Cated ral de No tre-Dame na lie de la Cité, em Paris, surg iu o estilo do descante, dando mais liberdade à voz mais aguda dos organa. Os do is cantores se separaram em u m so lista floreado e uma voz de aco mpanhamento que sustentav a longas notas. Essa d istinção se refletiu nos novos nomes de tenor (o que mantém) e duplum (segund a voz). Nessa época, Léonin introduziu um grau maior de organização rítmica em suas composições, regulando o fluxo do metro numa forma antiga de "ritmo modal". Em sua versão madura, o ritmo modal punha em marcha a melod ia Acredita-se que Pérotin, chamado por Anónimo ív de Pérotin Magister (Pérotin, o Mestre), viveu de c. 1160 a 1230. Ele é representado aqui com os sinos da catedral Notre-Dame de Paris. éé [Pérotin] punha notações em seus livros seguindo fielmente o uso e o costume de seu mestre, e ainda melhor. Anónimo ív segundo u m de seis padrões métricos (troqueu, iambo e assim por d iante, relacionados à métrica poética clássica), ind icados por duas formas de nota, longa e brevis. A duração da nota dependia do contexto . O desenvo lvimento por Léonin do organum em descante deve muito a essa inovação . Pérotin, o sucessor de Léonin no estilo parisiense de descante, foi um pouco além, compondo organum triplo e até quádruplo, para três e quatro vozes respectivamente. Proclamando sua glória, o bispo de Paris decretou em 1198 que as obras para quatro vozes Viderunt omnes e Sederunt príncipes, de Pérotin, fossem executadas no Natal, no d ia de santo Estêvão (26 de dezembro) e no d ia de A no -Novo . • 32 TANDARADEI, CANTOU DOCE O ROUXINOL LE JEU DE ROBIN ET DE MARION (1280-1283), ADAM DE LA HALLE EM CO N TEXTO FO C O M úsica medieval profana A N T E S c. 1160 Surge em Paris e Beauv ais a Festum stultorum (Festa dos Tolos), como u m a oportunidade, no Natal, p ara que os clérigos se p ermitam u m a paródia d a liturg ia. c. 1230 Lu d u s Danielis (A p eça de Daniel) é escrita em Beauv ais co mo u m d rama litúrgico em latim. D EPO IS Fi m do século xiv Co meça em York e Wakefield , na Inglaterra, o ciclo anual d as Peças de Mistério - representaçõ es de cenas bíblicas co m música. Sabe-se que d iversas tradições musicais floresceram nas cidades e v ilas da Idade Média, assim como nas cortes nobres, mas quase nad a da notação dessas músicas populares se conservou. Embo ra a Igreja usasse escribas para controlar e registrar seu próprio repertório para a posteridade, a maior parte da música profana era passada oralmente. A falta de fontes escritas entre as pessoas comuns, porém, não é só consequência do analfabetismo. Para muitos músicos de dança e cantores de obras épicas, um texto escrito não refletiria a natureza improvisatória e hábil de sua profissão, aperfeiçoada por gerações de artistas hereditários. Mais ainda, ao registrar suas obras num manuscrito eles se arriscav am a entregar seu precioso repertório a rivais. A s fontes da música profana MUSICA ANTIGA 1000-1400 33 Le Jeu de Robin et de Marion foi ao palco em São Petersburgo, na Rússia, em 1907. O cenário foi feito em aquarela por Mstislav Dobujínski. europeia tendem a ser encontradas onde os estilos populares despertaram o interesse da Igreja ou da nobreza. Os cruzados do sul da França acharam os estilos altamente desenvolvidos de música instrumental e vo cal que encontraram na Terra Santa especialmente atraentes, e esse foi um período de grande troca cultural, além de conflitos e hostilidade. Línguas e influências A música profana med ieval apresenta identidades poéticas d istintas, ligadas a línguas regionais. Duas línguas francesas med ievais surg iram do latim: a langue doe ou occitano no sul da França e norte da Esp anha (onde oc quer dizer "sim") e a langue doil, ao norte do Lo ire (onde oil quer dizer "sim"). Cad a uma delas tinha sua tradição bárdica: o sul tinha a música do trobador e da trobairítz (feminino), enquanto o norte usav a a palavra trouvère, palavras que devem ter derivado do antigo francês trobai, "encontrar" ou "inventar" (uma música). Uma raiz alternativa pode ser a palavra árabe tarab, "fonte de alegria". Diz -se que u m dos primeiros trovadores, Guilherme ix, duque da A quitânia, cantou "em verso co m melodias agradáveis" sobre a experiência de liderar a assim chamad a Cruzad a do Temeroso para a Anató lia (hoje Turquia) em 1101. Suas cançõ es são claramente influenciadas pelas co nvençõ es poéticas árabes, em particular as formas musicais populares d a mo achaha e do zajal. Uma peça com música A d am de la Halle, músico do século xm, tem sido descrito como trouvère. Halle provavelmente escreveu Le Jeu de Robin et de Marion (A peça A dam de la Halle O músico francês A d am de la Halle nasceu na cidade tecelã de A rras em 1222 e cresceu aprendendo música como parte de sua ed ucação teo ló gica na A b ad ia de Vaucelles, fund ad a só u m século antes. Seu p ai esp erav a que entrasse p ara a Igreja, mas ele esco lheu u m caminho d iverso . A pó s u m breve casamento , inscreveu-se na Univ ersid ad e de Paris, onde, entre o utras co isas, aprend eu as técnicas po lifônicas que ap licaria depo is a género s musicais po pulares. A princípio Halle uso u sua po esia p ara criticar a ad ministração co rrupta de A rras, mas depo is entro u a serviço d a no breza. Fo i trabalhand o p ara Carlo s de A njo u, o q ual se to rno u rei de Nápoles, que ele escrev eu Le Jeu de Robin et de Marion. Mo rreu po uco s ano s depo is, entre 1285 e 1288. Outras obras importantes Data desconhecida Mout me fu grief/Robin m'aime/Portare (Grand e fo i m inha tristeza/ Ro bin me ama/ Po rtare) Data desconhecida A Jointes Mains vous proi (Pegue minha mão , suplico ) de Robin e de Marion) para seus amigo s franceses como parte de uma celebração de Natal em Nápoles em 1284. Nobres franceses tinham se refugiado lá após a Sicília ter destronado Carlos i de A njo u (mecenas de A d am) num golpe sangrento na Páscoa. A p eça conta a história de uma donzela do campo que é cortejada por um cavalheiro libidinoso , mas permanece fiel a seu amado Robin. » 34 MÚSICA SECULAR MEDIEVAL Os personagens-título desempenham a parte principal d a música, em cançõ es monofônicas que Halle criou ajustando suas próprias letras a cançõ es de estilo popular. A lguns a chamaram de "primeira ópera-cômica", embora plateias modernas po ssam Henrique de Meissen se apresenta na corte no Codex Manesse(1300). Ele era chamado de Frauenlob (louvor das mulheres) por suas canções de cavalaria. identificá-la mais a uma panto mima (peça de texto falado com músicas). A comédia de Halle não conhecia limites - ele zombava d a Igreja e de seus clérigos corruptos, do povo de A rras, onde v iv ia e trabalhava, e mesmo de sua própria família e v id a. Contos de cavalaria A s músicas dos trobadors e dos trouvères se enraízam na cultura medieval do fín d'amor (amor cortesão) - o código de etiqueta entre um cavaleiro e uma dama idealizada, baseado nos princípios de lealdade e fidelidade que definiam a v id a nobre. O Robin e a Marion de Halle jogam com essa ideia ao representar um cavaleiro tentando cortejar seu amor, mas também mostram a influência da tradição pastoral francesa da contação de histórias. A poesia do trobador sobreviveu bem: mais de 2 mil poemas se conservaram, compostos por mais de 450 poetas conhecidos. Porém a informação sobre o acompanhamento musical dessas obras é irregular, e meros 10% dos poemas têm notações de melodias associadas. A atividade trouvère no norte da França começou com o poeta Chrétien de Troyes, no século xm, cerca de setenta anos após o primeiro trobador no sul. O número de músicas trouvère remanescentes é similar ao corpus do sul, porém mais de 60% das obras trouvère têm música - ainda que sem informação precisa sobre o ritmo. Sul da Europa Enquanto os trobadors e trouvères eram um grupo distinto de poetas cortesãos que escreviam em géneros específicos, havia grande número de artistas menores com atividades variadas. No sul da Europa um músico podia receber o nome de Quando vejo a cotovia Voar em direção ao sol [...] E um assombro que o coração Não derreta de anseio com a visão. Bernart de Ventadorn f f MÚSICA ANTIGA 1000-1400 35 joglar ou joglaresa. enquanto seus colegas do norte eram chamados de jongleurs. As habilidades desses músicos abrangiam façanhas de destreza, fluência em qualquer instrumento para acompanhar a dança, interpretação de canções de amor e heróis ou simplesmente fazer o papel do bobo. No entanto, apesar da alegria que traziam, os artistas itinerantes não só ocupavam o degrau mais baixo da escala social como eram excluídos da proteção da lei. Um exemplo de música de joglar é a obra de Martin Co dax (c. 1250), escrita no estilo de cantiga de amigo, género que contava histórias do ponto de v ista feminino . Codax, por exemplo, evoca as emo çõ es de uma mulher numa praia em Vigo (centro pesqueiro da Galícia, na Espanha), esperando que seu amado volte do mar. Jogadores de taverna Outro tipo de músico medieval da época, os goliardos, tinha muito em co mum co m os músicos itinerantes, mas eram, na verdade, clérigos desempregados conhecidos por tocar em tavernas cançõ es obscenas que satirizavam a sociedade em todos os níveis. O manuscrito de Carmina Burana (c. 1200-1300) é a principal fonte remanescente de música goliarda. Já o nome "menestrel" designa u m "pequeno ministro " em serviço talvez na corte ou numa cidade. Contando com habilidades musicais muito aprimoradas e podendo solicitar a proteção de um mecenas, um menestrel talvez escapasse um pouco da humilhação que era muitas vezes d irigida a um jongleur. No século xiv, porém, o termo "menestrel" foi usado cada vez mais na França para descrever todos os músicos urbanos - muitos dos quais to cavam em tavernas ou nas ruas. Na Alemanha O género de amor cortesão se d ifundiu da Euro pa latina para os povos falantes de alemão, onde o Minnesinger entoava cançõ es sobre romances de cavalaria. Como seu correspondente francês, ele era bem- -vindo em casas nobres como um igual social e exemplos de antigos Minnelieder (canções de amor) ind icam que músicas de trouvère eram conhecidas na A lemanha. Por volta de 1200, o estilo assegurou uma identidade mais forte - retratada na obra de Walther von Vogelweide - , mas, comparados às obras das tradições francesa e italiana, poucos Minnelieder com suas melodias se mantiveram. • Instrumentos medievais Muito s dos instrumento s d a música med iev al euro peia têm raízes no norte d a Á frica, Á sia central e Bálcãs. Eles incluem o alaúde ( instrumento de co rdas co m a parte de trás semelhante ao casco de u m a tartaruga) , o rebeque ( instrumento co m arco , em fo rma de co lher) e a charamela (precurso ra do oboé). O tambo ril euro peu lembra a tabla ind iana, e o nacara se relacio na ao naqqara (timbale) asiático . É provável que a p alav ra " fanfarra" d erive do árabe anfar, "tro mpetes". Os po etas antigo s muitas v ez es se ac o mp anhav am d a v iela, instrumento de co rd as co m arco que se p o usa na clav ícula. Um a v iela p o d ia ter de três a seis co rd as que p assav am sobre u m a ponte (apoio de co rd as) p lana. Isso p ro p ic iav a u m estilo harmó nico de execução , co m muitas co rd as so ando juntas - d iv ersamente d a ponte do v io lino mo derno , que p ermite fazer soar co rd as ind iv id uais, favo recend o assim a melo d ia. Músicos laicos europeus H av i a categori as distintas de músicos, definidos por condição social e público típico. Trovadores Poetas o compositores que apresentavam canções para a nobreza inspiradas na cultura do amor cortesão. Jo ng l eurs Contadores de histórias, malabaristas e acrobatas itinerantes de baixa origem, que também dançavam e cantavam. G ol i ardos Cantores itinerantes que antes eram clérigos. Cantavam muitas vezes músicas obscenas e poemas satíricos a cappella. M e n e s t ré i s M úsicos que de início se apresentavam para a nobreza e depois em esquinas e tavernas. EM CO N TEXTO FO C O Polifonia e revolução da notação A N T E S c. 1320 A Missa de Toumai é a p rimeira a usar a po lifonia ("muitos sons"). c. 1350 A Missa de Toulouse junta mo v imento s po lifônicos de m issa arranjados a partir de antigo s motetos (p eças co rais curtas sem aco mpanhamento ). D EPO IS 1415-1421 O OldHall Manuscript c o ntém vário s arranjo s po lifô nico s do Kyhe, à mo d a ing lesa de elabo ração d essa p arte d a m i ssa. anos 1440 A Caput é u m a antiga missa de u m compositor inglês que usa u m cantus Brmus (música fixa) ao redor do qual outras melod ias se baseiam. Inclui u m a voz grave abaixo d a do tenor - u m a d as primeiras co mpo siçõ es co m u m a parte para baixo . A MÚSICA E UM CONHECIMENTO QUE FAZ RIR, CANTAR E DANÇAR MISSA DE NOTRE-DAME (c l 360-1365), GUILLAUME DE MACHAUT O século xiv foi um dos períodos mais turbulentos d a história med ieval. A Pequena Era do Gelo , iniciad a por vo lta de 1300, resultou em co lheitas frustradas e fome, inclusive a Grande Fome de 1312-1317, e a Peste Negra matou até 60% d a população da Euro pa. A extrema turbulência so cial, eco nó mica e ambiental imp acto u as certezas relig io sas. Erud ito s como o clérigo e c ientista francês Nico le Oresme (c. 1320-1382) co meçaram a imag inar u m univ erso m ais co mplexo que a visão basead a na fé do mund o natural. A música, que já aceitav a a po lifonia, também foi inf luenciad a por esse modo de pensar e exp lo d iu numa no va co mplexid ad e métrica quand o u m co lega francês de Oresme, o composito r e matemático Philip p e de Vitry (1291-1361), crio u u m méto do preciso de no tação do ritmo . Uma nova ordem de ritmo O novo estilo se to rnou co nhecid o como A rs No va. a p artir do tratado A r s nova notandi (A no va arte de no tação ), de Vitry , publicado em 1322. Vitry co mpô s p eças vo cais para demonstrar a nova notação na forma de motetos (composições polifônicas baseadas em uma melodia e um texto , com outras vozes trazendo diferentes palavras e melodias). Cad a u m dos motetos de Vitry, dos quais só doze se co nservaram, mostrava aspecto s d iversos da técnica co nhecida hoje Músicos em iluminura úc manuscrito
Compartilhar