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IDADE CONTEMPORÂNEA No Brasil como vimos, a educação de surdos pode ser caracterizada por três fases: · A primeira seria caracterizada pela educação oralista que apresenta resquícios até os dias de hoje, não permite que a língua de sinais seja utilizada nem em sala de aula, nem no ambiente familiar, mesmo sendo este formado por pessoas surdas usuárias da língua de sinais. · A segunda caracteriza-se pela proposta que permitiria o uso da língua de sinais com o objetivo de desenvolver a linguagem na criança surda, porém a língua de sinais é utilizada como recurso para o ensino da língua oral, o ensino não enfatiza mais o oral exclusivamente, mas o bimodal (uso simultâneo de sinais e da fala). · A terceira fase seria a fase atual que configura um processo de transição. Ainda hoje o oralismo e o bimodalismo são desenvolvidos nas escolas brasileiras, porém tanto os profissionais quanto as comunidades de surdos estão cada vez mais percebendo a importância e o valor da sua língua de sinais, no caso do Brasil a LIBRAS. Nas escolas brasileiras é comum terem surdos com muitos anos de vida escolar nas séries iniciais sem uma produção escrita compatível com a série. Tem-se verificado que crianças surdas continuam com defasagem tanto na leitura e escrita, como no conhecimento dos conteúdos escolares, uma medida paliativa é a permanência de dois anos em uma série, tal mecanismo segundo as instituições que o utilizam, tem como justificativa as limitações do próprio surdo em ter acesso as informações. Diante deste difícil contexto, surge a proposta do bilinguismo, que é a proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível as crianças surdas duas línguas no contexto escolar, essa proposta considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita, respeitando a autonomia da língua de sinais e estruturando um plano educacional que não afete a experiência psicossocial e linguística da criança surda. Skliar et al. (1995) abordam a questão do processo de aquisição da língua natural e salientam a sua necessidade psicolinguística citando, dentre vários estudos, a declaração da UNESCO (1954) : (...) é um axioma afirmar que a língua materna-língua natural- constitui a forma ideal para ensinar uma criança (...) Obrigar um grupo a utilizar uma lingua diferente da sua, mais do que assegurar uma necessidade nacional, contribui para que esse grupo, vítima de uma proibição, segregue-se cada vez mais da vida nacional (...) (UNESCO,1994). A proposta bilíngue busca garantir o direito de uma pessoa surda a ser ensinada na língua de sinais, já que a língua de sinais é adquirida de forma sistematizada, a medida que a pessoa surda começa a entrar em contato com pessoas que usam essa língua. Por isso que o oralismo é considerado pelos estudiosos como uma imposição social de uma maioria linguística (os falantes das línguas orais) sobre uma minoria linguística sem expressão diante da comunidade ouvinte (os surdos). A necessidade de uma proposta bilíngue esta relacionada a concepção de uma gramatica universal explicada nateoria gerativista desenvolvida por Chomsky, a criança surda deve ter acesso a LIBRAS o quanto antes para acionar de forma natural o dispositivo de aquisição da linguagem que seria comum a todos. A lingua portuguesa falada não será a lingua que acionará naturalmente o dispositivo devido à falta de audição da criança, essa pode até vir a adquirie esta lingua, mas nunca de forma natural e espontânea, como ocorre com a LIBRAS. Deve-se tamb´´em atentar para as culturas nas quais a criança está inserida, a comunidade surda apresenta uma cultura própria que deve ser respeitada e cultivada, ao mesmo tempo, a comunidade ouvinte tem sua cultura. Por isso uma proposta puramente bilíngue não é viável, uma proposta educacional além de ser bilingua deve ser bicultural para permitir o acesso rápido e natural da criança surda a comunidade ouvinte e para fazer com que ela se sinta parte da comunidade surda. Os aspectos psicossociais também devem ser considerados pois a criança surda somente irá integra-se satisfatoriamente a comunidade ouvinte se tiver uma identificação bastante solida com o seu grupo, caso contrario ela terá dificuldades tanto numa comunidade como na outra, apresentando limitações sociais e linguísticas que podem ser irreversíveis. Quanto ao ensino da língua portuguesa, a proposta bilíngue para surdos concebe o seu desenvolvimento baseado emtécnicas de ensino de segundas línguas. Um grande obstáculo para o desenvolvimento psicossocial da criança surda e para o ensino eficiente da lingua portuguesa é a aquisição da lingua de sinais pelos pais ouvintes da criança surda, para que o ambiente onde vive possa favorecer o desempenho da sua primeira lingua, este obstáculo como podemos observar não é da criança por ser surda, mas é um problema social que pode gerar danos ao seu desenvolvimento, já que o acesso a aquisição de uma lingua não sra de forma natural, a criança necessita então do contato com adultos surdos. Segundo Duffy (1987) crianças surdas filhas de pais surdos apresentam melhor desempenho na escola. AQUISIÇÃO DA LINGUAGEM EM CRIANÇAS SURDAS No Brasil, a aquisição da língua de sinais brasileira começou a ser investigada nos anos 90 (Karnopp, 1994; Quadros, 1995, 1997). Vários estudos produzidos até o presente focaram em crianças surdas, filhas de pais surdos, uma vez que neste contexto a criança está exposta ao input adequado para a aquisição da linguagem acontecer de forma natural, assim como acontece com as crianças ouvintes, expostas às línguas faladas, porém ressalta-se que essas crianças representam apenas 55 a 10% das crianças surdas. Nesse contexto, as famílias geralmente levam muito tempo até conhecer a língua de sinais, o que pode implicar na aquisição tardia. Considerando a proposta bilíngue, a LIBRAS deve ser a primeira língua da criança surda brasileira, e a língua portuguesa deve ser sua segunda língua, pois qualquer língua oral exigirá procedimentos sistemáticos e formais para ser adquirida por uma pessoa surda. No entanto, os conhecimentos sobre o processo de aquisição da língua não podem ser transferidos diretamente para o ensino da língua portuguesa para surdos, isto porque as pesquisas trabalham exclusivamente com línguas em uma única modalidade, a oral-auditiva. A concepção aqui apresentada supõe que a aquisição da linguagem somente é possível em seres humanos por serem dotados de uma capacidade linguística mental geneticamente determinada (a faculdade da linguagem), o ambiente e a interação social apresentam importância inquestionável para o desenvolvimento da linguagem. a constituição da gramática da criança independe das variações das línguas e das modalidades em que as línguas se apresentam (Quadros, no prelo; Lillo-Martin e Quadros, 2007). Como diz Chomsky, seja a língua como for, a faculdade da linguagem é algo comum entre os seres humanos. A aquisição da linguagem em surdos pode ser comparada a aquisição das línguas orais em muitos sentidos, este processo pode então ser subdividido nos estágios de aquisição adotados nos estudos sobre a aquisição da linguagem: período pré-linguístico, estágio de uma palavra, estágio das primeiras combinações, estágio das múltiplas combinações: Período Pré –linguístico: Alguns estudos de Petitto e Marantette realizados em bebês surdos e bebês ouvintes, no mesmo período de desenvolvimento (desde o início do nascimento até por volta dos 14 meses de idade) mostraram que o balbucio é um fenômeno comum tanto em bebês surdos quanto os bebês ouvintes, este fenômeno seria fruto de uma capacidade inata para a linguagem, esta capacidade não se manifesta apenas através de sons, mas também através de sinais. Bebês surdos e bebês ouvintes apresentam os dois tipos de balbucio até um determinado estágio, e desenvolvem o balbucio da sua modalidade, as vocalizações são interrompidas nos bebês surdos assim como as produções manuais são interrompidas nos bebês ouvintes, pois o input favorece odesenvolvimento de um dos modos de balbuciar. Sugere-se então que há no ser humano uma capacidade linguística que sustenta a aquisição da linguagem independente da modalidade da língua: oral-auditiva ou espaço visual. Estágio de um Sinal: O estágio de um sinal se inicia por volta dos 12 meses da criança surda e ocorre por um período até por volta dos dois anos, antes deste período o bebê produz gestos que diferem dos sinais, essa produção gestual inda é parte do balbucio 9período pré-linguístico). As primeiras produções na aquisição de linguagem de surdos, incluem as formas chamadas congeladas da produção adulta, são sinais que não são flexionáveis, quando um sinal apresenta flexões no padrão adulto, a criança usa formas morfofonêmicas. As crianças surdas com menos de um ano, assim como as crianças ouvintes, apontam frequentemente para indicar objetos e pessoas. Mas quando a criança entra no estágio de um sinal, o uso da apontação desaparece, Petitto (1987) sugere que nesse período parece ocorrer uma reorganização básica em que a criança muda o conceito de apontação inicialmente gestual (pré-linguistica) para visualizá-la como elemento do sistema gramatical da língua de sinais (linguístico). Estágio das Primeiras Combinações Surgem as primeiras combinações de sinais por volta dos dois anos das crianças surdas. Fischer (1973) e Hoffmeister (1978) observaram que a ordem usada pelas crianças surdas durante esse estágio é SV, VO ou, ainda, num período subsequente, SVO. Neste estágio as crianças começam a usar o sistema pronominal, mas de forma inconsistente, os pronomes EU e TU na ASL (aquisição da língua em surdos), são identificados através da indicação propriamente dita, a si mesmo e ao outro respectivamente. Espera-se que uma criança aprenda essa regra rapidamente e a use sem cometer erros, mas não é o que acontece, o que aponta uma semelhança com o padrão de aquisição das crianças ouvintes. Petitto (1986) observou que neste período ocorrem erros de reversão pronominal, assim como ocorrem com crianças ouvintes, esse tipo de erro e a evitação do uso de pronomes são fenômenos diretamente relacionados com o processo de aquisição de linguagem. As semelhanças na aquisição do sistema pronominal entre crianças ouvintes e surdas sugerem um processo universal de aquisição de pronomes, apesar da diferença radical na modalidade. Estágio de Múltiplas Combinações: Inicia-se por volta dos dois anos e meio a três anos, é neste período que as crianças surdas apresentam uma explosão do vocabulário. Neste período a criança começa a diferenciar por exemplo CADEIRA e SENTAR, elas começam a usar formas idiossincráticas para diferenciar nomes e verbos, o domínio completo dos recursos morfológicos da língua é adquirido por volta dos cinco anos. Dos três anos em diante, as crianças começam a usar o sistema pronominal com referentes não presentes no contexto do discurso, mas ainda apresentam erros. Petitto & Bellugi (1988) observaram que, de três anos a três anos e meio, as crianças usam a concordância verbal com referentes presentes. Entretanto, elas flexionam alguns verbos cuja flexão não é aceita nas línguas de sinais. Bellugi & Klima (1990) identificam essa flexão generalizada dos verbos nesse período como supergeneralizações, considerando esse fenômeno análogo a generalizações verbais como 'fazi', 'gosti' e „sabo‟ na língua portuguesa. AQUISIÇÃO DE L2 Considerando a aquisição de uma segunda língua por crianças surdas, a aprendizagem da L2 deve ser de forma sistemática, observando a condição física da pessoa surda. A aquisição da L1(primeira língua) deve ser assegurada para que se possa realizar um trabalho sistemático com a L2, considerando a realidade do ensino formal. O processo completo de aquisição da primeira língua é concluído na puberdade por volta dos seis a doze anos, sugere-se então que antes da puberdade não é conveniente a a instrução de uma segunda língua para a criança, a escola de segunda língua é então mais eficiente para crianças entre oito e doze anos segundo Collier (1989). Scliar-Cabral observa que a não exposição a uma língua , no caso a uma língua nativa causa danos irreversíveis e irreparáveis à organização psicossocial de um indivíduo, o mesmo não ocorre com a aquisição de L2 , no caso de uma comunidade surda a L1 é essencial, (as crianças surdas precisam ter acesso a uma língua de sinais para garantir o desenvolvimento da linguagem e, consequentemente do pensamento), e a L2 é necessária, ( as crianças precisam dominar a L2 para fazer valer os seus direitos diante da sociedade ouvinte. Quanto a importância das características da interação no ambiente linguístico em que ocorre o processo de aquisição de L2 Damhuis (1993) cita três aspectos da interação verbal que podem ser distinguidos: o imput (a recepção), o output ( a produção) e o feedback. O Imput é a linguagem oferecida ao estudante por falantes nativos ou por outros estudantes. O output é a linguagem falada pelos próprios alunos, através da própria produção e o feedback é a reação oferecida diante da produção do aluno, ajuda os alunos a avaliarem suas hipóteses. O processo de aquisição de L2 não é um processo natural para a criança surda. Svartholm expressa tal ideia na transcrição a seguir: Para qualquer criança, ouvinte ou surda, a língua é alguma coisa usada e adquirida- em contextos sociais, servindo a uma necessidade imediata de comunicação, pois os fragmentos percebidos pela criança via visão e sensação auditiva, se for o caso, podem não representar a linguagem para a criança. Os movimentos dos lábios podem não ser entendidos pela criança pequena como um tipo de comportamento comunicativo, mas, certamente como um comportamento estranho e enigmático. A forma escrita por outro lado, é completamente percebida visualmente pela criança surda, mas não como linguagem real, não pela criança. Não é uma forma usada na interação social; não há relação com o contexto imediato para o entendimento de seu conteúdo. A língua escrita em si mesmo não comunica nada acriança (Svartholm, 1994, p.64).