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Sociologia e Antropologia Karen Michelly Moraes e Sasaki Luana da Cruz Portella Oliveira Presidente Prudente Unoeste - Universidade do Oeste Paulista 2016 Sasaki, Karen Michelly Moraes e. Sociologia e Antropologia. / Karen Michelly Moraes e Sasaki, Luana da Cruz Portella Oliveira. – Presidente Prudente: Unoeste - Universidade do Oeste Paulista, 2016. 144 p.: il. Bibliografia. ISBN: 978-85-88755-21-5 1. Sociologia. 2. Antropologia I. Oliveira, Luana da Cruz Portella. II. Título. CDD\22ª. ed. © Copyright 2016 Unoeste - Todos os direitos reservados Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer outro tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito, da Universidade do Oeste Paulista. Sociologia e Antropologia Karen Michelly Moraes e Sasaki Luana da Cruz Portela Oliveira Reitora: Ana Cristina de Oliveira Lima Vice-Reitor: Brunno de Oliveira Lima Aneas Pró-Reitor Acadêmico: José Eduardo Creste Pró-Reitor Administrativo: Guilherme de Oliveira Lima Carapeba Pró-Reitor de Pesquisa, Pós-Graduação e Extensão: Adilson Eduardo Guelfi Diretor Geral: Augusto Cesar de Oliveira Lima Núcleo de Educação a Distância: Dayene Miralha de Carvalho Sano, Marcelo Vinícius Creres Rosa, Maria Eliza Nigro Jorge, Mário Augusto Pazoti e Sonia Sanae Sato Coordenação Tecnológica e de Produção: Mário Augusto Pazoti Projeto Gráfico: Luciana da Mata Crema Diagramação: Aline Miyamura Takehana e Luciana da Mata Crema Ilustração e Arte: Antônio Sérgio Alves de Oliveira, Fernanda Sutkus de Oliveira Mello e Luciana da Mata Crema Revisão: Renata Rodrigues dos Santos Colaboração: Vanessa Nogueira Bocal Direitos exclusivos cedidos à Associação Prudentina de Educação e Cultura (APEC), mantenerora da Universidade do Oeste Paulista Rua José Bongiovani, 700 - Cidade Universitária CEP: 19050-920 - Presidente Prudente - SP (18) 3229-1000 | www.unoeste.br/ead 301 S252s Catalogação na fonte: Rede de Bibliotecas Unoeste Karen Michelly Moraes e Sasaki Doutora em Desenvolvimento Regional e Urbano pela Universidade Salvador (UNIFACS). Mestre em Análise Regional (UNIFACS). Graduada em Ciências Sociais pela mesma Uni- versidade. Docente de cursos de graduação e pós-graduação lato e stricto sensu. Possui experiência na gestão acadêmica de cursos presenciais e a distância. Autora de conteú- dos didáticos de nível superior para cursos ofertados na modalidade a distância. Luana da Cruz Portella Oliveira Mestranda em Desenvolvimento Humano e Responsabilidade Social pela Fundação Vis- conde de Cairu (FVC). Graduada em Pedagogia pelo Instituto Superior de Educação Ocidemnte (ISEO). Docente do 5º ano do Ensino Fundamental I e docente da disciplina Iniciação à Consciência do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental II. Coordena o Núcleo de Conscienciologia de uma escola privada da cidade de Salvador. Autora de conteúdos didáticos de nível superior para cursos ofertados na modalidade a distância. Sobre as autoras Carta ao aluno O ensino passa por diversas e constantes transformações. São mudanças importantes e necessárias frente aos avanços da sociedade na qual está inserido. A Educação a Distância (EAD) é uma das alternativas de estudo, que ganha cada vez mais espaço, por comprovadamente garantir bons referenciais de qualidade na formação pro- fissional. Nesse processo, o aluno também é agente, pois organiza o seu tempo confor- me suas atividades e disponibilidade. Maior universidade do oeste paulista, a Unoeste forma milhares de profissio- nais todos os anos, nas várias áreas do conhecimento. São 40 anos de história, sendo responsável pelo amadurecimento e crescimento de diferentes gerações. É com esse mesmo compromisso e seriedade que a instituição iniciou seus trabalhos na EAD em 2000, primeiramente com a oferta de cursos de extensão. Hoje, a estrutura do Nead (Núcleo de Educação a Distância) disponibiliza totais condições para você obter os co- nhecimentos na sua área de interesse. Toda a infraestrutura, corpo docente titulado e materiais disponibilizados nessa modalidade favorecem a formação em plenitude. E o mercado precisa e busca sempre profissionais capacitados e que estejam antenados às novas tecnologias. Agradecemos a confiança e escolha pela Unoeste e estamos certos de que suas expectativas serão atendidas, pois você está em uma universidade reconhecida pelo MEC, que oportuniza o desenvolvimento constante de Ensino, Pesquisa e Extensão. Aqui, além de graduação, existe pós-graduação lato e stricto sensu, com mestrados e doutorado recomendados pela Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), prêmios conquistados em âmbito nacional por suas ações extensivas e pesquisas que colaboram com o desenvolvimento da cidade, região, estado e país; en- fim, são inúmeros os referenciais de qualidade. Com o fortalecimento da EAD, a Unoeste reforça ainda mais a sua missão que é “desenvolver a educação num ambiente inovador e crítico-reflexivo, pelo exercício das atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão nas diversas áreas do conhecimento cien- tífico, humanístico e tecnológico, contribuindo para a formação de profissionais cidadãos comprometidos com a responsabilidade social e ambiental”. Seja bem-vindo e tenha bons estudos! Reitoria Sumário Capítulo 1 Processo sócio-Histórico de Formação da sociologia Sociologia Pré-Científica e a Busca da Razão ..................................................................12 Modernidade ...............................................................................................................16 Repensando a Modernidade ......................................................................................27 Sociologia como Ciência ...............................................................................................34 Revolução Industrial ................................................................................................36 Revolução Francesa .................................................................................................39 Capítulo 2 teóricos da sociologia clássica A Sociologia e o seu Campo de Atuação .........................................................................44 As Primeiras Formas do Pensamento Social ....................................................................46 O Positivismo ...........................................................................................................46 O Darwinismo Social ................................................................................................47 Grandes Pensadores da Sociologia .................................................................................49 Auguste Comte ........................................................................................................49 Émile Durkheim .......................................................................................................53 Karl Marx ................................................................................................................57 Max Weber ..............................................................................................................62 Capítulo 3 o indivíduo e o mundo do trabalHo O Indivíduo e o Trabalho ..............................................................................................68 A História do Trabalho ..............................................................................................68 Surgimento das Fábricas ..........................................................................................71 O Trabalho e o Tempo ..................................................................................................74 O Taylorismo – Mais Trabalho em Menos Tempo .........................................................75 O Fordismo –A Aplicação do Taylorismo ....................................................................79 A Flexibilização do Trabalho ..........................................................................................81 O Ser Humano e a Máquina ..........................................................................................86 Capítulo 4 bases teóricas da antroPologia cultural Antropologia – A Observação Humana sobre o Ser Humano ............................................92 Os Pioneiros da Antropologia ........................................................................................96 A Etnografia de Boas, Malinowski e Radcliffe-Brown ...................................................99 O Estruturalismo ........................................................................................................ 103 A Cultura ................................................................................................................... 104 Etnocentrismo ....................................................................................................... 111 Relativismo Cultural ............................................................................................... 112 Reflexões Finais ..................................................................................................... 113 Capítulo 5 análise social da contemPoraneidade Uma Visão Histórica da Desigualdade Social ................................................................. 118 Desigualdade e Pobreza.............................................................................................. 122 Desigualdade e Violência ........................................................................................ 126 Desigualdade de Gênero – A Luta da Mulher ............................................................ 127 A Sociologia e a Contemporaneidade ........................................................................... 129 Referências................................................................................................................ 134 Estudos Complementares ........................................................................................... 141 9 Apresentação As relações humanas e sociais são permeadas por processos sociais dinâmicos por meio dos quais a conduta do indivíduo se lapida, se desenvolve e se relaciona com a sociedade. O convívio em sociedade requer a incorporação de algumas atitudes e compor- tamentos estabelecidos que começam a ser aprendidos desde a infância. Ao chegar à idade adulta, o indivíduo já tem percepção que os grupos sociais que participa possuem suas re- gras próprias, as quais foram estabelecidas previamente, e que precisam ser seguidas para que ele seja inserido. Assim, o estudo sobre a Sociologia e Antropologia convida o leitor à reflexão sobre os processos sociais e culturais das sociedades, destacando o referencial teórico que se propõe aprofundar a discussão. Afinal, a preocupação com a cultura é um fato perma- nente da humanidade. Todos querem entender os caminhos que levaram as civilizações a se constituírem, bem como entender as perspectivas futuras de relacionamento entre elas. O livro “Sociologia e Antropologia” propõe-se a levantar essa discussão perpas- sando, inclusive, por discussões contemporâneas que permeiam a realidade brasileira. Para responder essa demanda, o livro estrutura-se em cinco capítulos, iniciando com a apresen- tação do contexto histórico da sociologia pré-científica e a busca pela análise dos fatos com base no uso da razão. O segundo capítulo possui um caráter teórico com a contextualização dos prin- cipais pensadores que embasaram a constituição da sociologia, explicitando seu objeto de estudo e campo de atuação. Uma discussão mais pragmática sobre processo de racionaliza- ção do trabalho, com base científica, é realizada no terceiro capítulo. O processo de observação humana sobre o próprio ser humano é apresentado no quarto capítulo, o qual se dedica aos conceitos e teóricos da antropologia. A discussão cultural é central nesse capítulo. Por fim, as questões urbanas e sociais são problematizadas no quinto capítulo. É fundamental que o leitor tenha a possibilidade de ampliar sua visão so- bre a questão social, as discussões sobre igualdade de gênero e a sociologia contemporânea. Enfim, espera-se que este livro atenda a estudantes de graduação que estão em busca de novas lentes de observação para a dinâmica social contemporânea, sem esquece- rem o processo histórico de constituição social que já foi profundamente analisado. Boa leitura! 11 Processo sócio-Histórico de Formação da sociologia Capítulo 1 12 As explicações sobre os fenômenos naturais sempre estiveram pautadas no conhecimento científico? De que maneira o ser humano enxergava o mundo antes da legitimação da ciência? A leitura deste capítulo nos permite mergulhar na consciência mítica que predominou no pensamento humano por muito tempo e acompanhar sinte- ticamente os acontecimentos que contribuíram para a ascensão da razão como única conselheira das decisões humanas e exclusiva base das teorias valorizadas no mundo do conhecimento. Para tanto, visitaremos a Grécia antiga, nascente da filosofia, as transforma- ções da modernidade, a dualidade entre a fé e a ciência e as consequências desta dua- lidade para a contemporaneidade. Renascimento, Iluminismo e marcos históricos, como a Revolução Industrial e a Revolução Francesa, também farão parte deste capítulo. Tudo isso com o intuito de compreendermos as características da sociologia pré-científica, assim como o cenário social que fez emergir a sociologia como uma ciência. Introdução Sociologia Pré-Científica e a Busca da Razão Na sociedade do século XXI, as explicações e compreensões sobre a reali- dade circundante valem-se do conhecimento científico. Por mais que a nossa percepção possa indicar, por exemplo, que o Sol se mova enquanto a Terra permanece estática, sa- bemos que é o nosso planeta que gira em torno de si mesmo e do Sol. Não costumamos contestar esse conhecimento, porquanto ele é embasado em comprovações científicas. Agora vamos imaginar: Como os fenômenos eram interpretados quando a ciência ainda não tinha alcançado tamanha legitimidade? Com o fim de encontrar essa resposta, investiguemos o período da nossa história conhecido por pré-história. As sociedades tribais pré-históricas eram: predominantemente míticas e de tradição oral. Para esses povos a natu- reza está ‘carregada de deuses’, e o sobrenatural penetra em todas as de- pendências da realidade vivida e não apenas no campo religioso, isto é, na ligação entre o indivíduo e o divino. O sagrado se manifesta na explicação da origem divina da técnica, da agricultura, dos males, na natureza mágica dos instrumentos, das danças e dos desenhos (ARANHA, 2006, p. 34). 13 Pré-história é uma terminologia utilizada para um período em que os povos ainda não registravam os acontecimentos por meio da escrita. Os instrumentos utilizados para a sobrevivência humana se transformavam muito lentamente, a terra pertencia a todos, o trabalho e seus produtos eram coletivos, definindo um regime de proprie- dade coletiva dos meios de produção e refletindo uma sociedade homogênea. Carl Jung define arquétipos como sendo as estruturas de pensamento e de experi- ências incorporadas na estrutura da psique, ou, então, como referentes à experiência herdada e se apresentam como um modelo a partir do qual a nossa compreensão do mundo é organizada. Destes arquétipos depende o modo pelo qual nós “tomamos conhecimento de nós mesmos” nos nossos encontros com o mundo exterior e são cruciais para compreender as ligações entre os aspectos conscientes e inconscientes da psique (MORGAN, 1995). A consciência mítica esteve presente na mentalidade dos indivíduos por mui- to tempo e em diversas civilizações. Alguns autores dedicam aos gregos o mérito por trazerem à tona o pensamento racional efilosófico que, aos poucos, passou a ter maior prestígio na sociedade. Vejamos como isso ocorreu. Há 25 séculos, o mundo helênico produziu um extraordinário florescimento cultural que marcou a aurora da Civilização Ocidental. Eles, os gregos, tendiam a diver- sificar a interpretação do mundo em princípios arquetípicos. Em sua base, havia uma visão de mundo do Cosmo como expressão ordenada de determinadas concepções primordiais ou primeiros princípios transcendentais, diversa- mente concebidos como ideias, universos, absolutos imutáveis, divindades imortais. FIGURA 1 – O Parthenon, na Acrópole de Atenas, um dos monumentos mais emblemáticos do auge do período conhecido como “Grécia Antiga”. Fonte: Wikimedia Commons (2012). 14 Filósofos expoentes como Sócrates, Platão, Aristóteles, Homero, Hesíodo e Sófocles expressaram uma espécie de visão comum, que refletia a propensão tipicamen- te grega de encontrar decodificadores universais para o caos da vida. Nas palavras de Tarnas (2001, p. 18): O universo grego era ordenado por uma pluralidade de conceitos atem- porais que sustentavam a realidade concreta, proporcionando-lhe for- ma e significado. Entre esses princípios arquetípicos estavam as formas matemáticas da geometria e da aritmética; opostos cósmicos, como a luz e a escuridão, homem e mulher, amor e ódio, unidade e multiplicida- de; as formas do homem e outras criaturas vivas; as ideias do bem, do belo, do justo e de outros valores absolutos, morais e estéticos. A civilização grega, destacando-se dos povos antigos, criou as diversas disci- plinas e a filosofia. Disciplinas como geometria, aritmética e astronomia representaram uma ruptura significativa com o mundo mítico, no qual as explicações jamais poderiam ser alcançadas por intermédio dos conhecimentos específicos, mas sim pela intervenção dos deuses ou das forças sobrenaturais. A filosofia, ‘o amor pelo conhecimento’, surgia como a sistematização das informa- ções adquiridas pelas diversas disciplinas organizadas de modo a explicar o mundo e a sua relação com o homem. Assim, surgia uma nova maneira de pensar ‘o porquê’ e o ‘para que’ das coisas. Surgiu um saber mais desligado das atividades religiosas, ao qual se dedicavam homens não necessariamente responsáveis pelos cultos religio- sos. Surgiram os sábios, homens cuja atividade era desvendar os segredos do mundo e do universo (COSTA, 1997, p. 6). O desenvolvimento intelectual da civilização grega atingiu seu ápice na cida- de de Atenas, que unificou as diversas correntes da arte e do pensamento grego durante todo o século V a.C. e influenciou, com sua criatividade intelectual e seu prestígio polí- tico, toda a Grécia. Posteriormente, Atenas viria a se transformar na primeira metrópole grega e no símbolo da expansão marítima, com ambições imperialistas, fazendo com que as atividades desenvolvidas na cidade proporcionassem aos cidadãos atenienses um contato cada vez maior com outras culturas. FIGURA 2 – Escola de Atenas. Fonte: Wikimedia Commons (2012). A tela de Jacques-Louis David representa o triun- fo da razão como expressão da sabedoria. 15 A cultura helênica demonstrou ter alcançado um equilíbrio entre o pensa- mento mitológico e a racionalidade, à medida que, durante o século V, apresentou a construção de templos que deveriam refletir a grandiosidade olímpica dos deuses. O principal objetivo consistia em estabelecer uma relação de aliança entre a racionalidade humana e a ordem mítica. Segundo Costa (1997, p. 6), deu-se o nome de milagre grego ao: salto do conhecimento humano sobre si e a natureza, em que se aban- donou a explicação mítica e o princípio da interferência das forças so- brenaturais nos destinos do homem, para dirigir-se à obtenção do sa- ber por meio da abstração dirigida pela razão. Os principais elementos da concepção grega da realidade, especialmente aqueles que influenciaram o pensamento ocidental desde a Antiguidade, podem ser des- critos por dois conjuntos de pressupostos ou princípios que o Ocidente herdou dos gre- gos. É possível sintetizarmos a ideia de cada um desses conjuntos da seguinte maneira: QUADRO 1 - Síntese dos pressupostos gregos que influenciaram o Ocidente. Pressupostos herdados dos gregos para o Ocidente Pensamento religioso/racional Pensamento científico O Cosmo expressa uma inteligência que per- meia e dá à Natureza seu propósito e desíg- nio, inteligência essa diretamente acessível à consciência humana, mas, somente, se esta estiver desenvolvida num alto grau. O legítimo conhecimento humano é relativo, exigindo ser constantemente revisado à luz de novas evidências e análises empíricas, por meio da razão humana. A análise intelectual, por sua vez, em sua maior intensidade, revela uma ordem atem- poral como se o mundo visível tivesse dentro de si um significado mais profundo, com um caráter, ao mesmo tempo, racional e mítico, refletido na ordem empírica e emanado de uma dimensão eterna, que é, ao mesmo tem- po, a origem e a meta de toda a existência. O conhecimento deve estar embasado sobre os alicerces da verdade, devendo ser procu- rado no mundo da experiência humana e não na realidade abstrata de outro mundo. Por meio do conhecimento do significado e da estrutura subjacente deste mundo, o exercício de uma pluralidade de faculdades cognitivas humanas (racionais, empíricas, intuitivas e morais) é movimentado, fazendo com que a apreensão direta da realidade mais profunda do mundo não sacie apenas a mente, mas também, agora, a alma. A única verdade humanamente acessível e útil é imanente e não transcendental. As causas dos fenômenos naturais são impesso- ais e físicas, e devem ser buscadas no reino da natureza observável, excluindo-se todos os elementos mitológicos e sobrenaturais das explicações causais. Fonte: Elaboração própria (2012). O pensamento dos grandes filósofos gregos foi a culminância intelectual de todas as mais importantes expressões culturais da era helênica, adotando uma perspec- tiva metafísica global, concentrada no conjunto da realidade e nos múltiplos aspectos da sensibilidade humana. Eles buscavam, acima de tudo, o saber. Os gregos destacaram-se por uma postura indagativa diante da vida. Mo- tivados pela compreensão das incertezas dos fenômenos, buscavam a verdade mais 16 profunda naquilo com o qual se relacionavam. A cultura ocidental é fruto da tradição grega caracterizada pelo pensamento crítico. Esta tradição foi a responsável pelo primei- ro passo rumo ao culto à razão. Texto Complementar Sobre a sociologia pré-científica A sociologia, como modo de explicação científica do comportamento social e das condições sociais de existência dos seres vivos, representa um produto recente do pensamento moderno. Alguns especialistas procuram traçar as suas origens a partir da filosofia clássica da Grécia, da China ou da Índia. Isso faz tanto sentido quanto ligá-las às formas pré-filosóficas do pensamento. Na verdade, toda cultura dispõe de técnicas de explicação do mundo, cujas aplicações são muito variadas. Entre as aplicações que elas podem receber estão as que dizem respeito ao próprio homem, às suas relações com a natureza, com os animais ou com outros seres humanos, às instituições sociais, ao sagrado e ao destino humano. O mito, a religião e a filosofia constituem as principais formas pré-científi- cas de consciência e de explicação das condições de existência social. Tais modalidades de representação da vida social nada têm em comum com a sociologia. Elas surpreen- dem, às vezes com espírito sistemático e com profundidade crítica, facetas complexas da vida social. Também desempenharam ou desempenham, em seus contextos culturais, funções intelectuais similares às que cabem à sociologia na civilização industrial moderna; pois todas servem aos mesmos propósitos e às mesmas necessidades de explicação da po- sição do homem no cosmo. Entretanto, nenhum desses pontos de contato oferece base à suposição de que essas formaspré-científicas de consciência ou da explicação da vida social tenham contribuído para a formação e o desenvolvimento da sociologia. Em particular, elas en- volvem tipos de raciocínio fundamentalmente distintos e opostos ao raciocínio científico. Mesmo as filosofias greco-romanas e medievais, que deram relevo espe- cial à reflexão sistemática sobre a natureza humana e a organização das sociedades, contrastam singularmente com a explicação sociológica. É que, como notou Durkheim, “elas tinham, com efeito, por objeto não explicar as sociedades tais ou quais elas são ou tais ou quais elas foram, mas indagar o que as sociedades devem ser, como elas devem organizar-se, para serem tão perfeitas quanto possível”. Fonte: Fernandes (1986, p. 30-31). Modernidade Sob a ótica da modernidade, a ciência levou o pensamento ocidental à matu- ridade independente. Do Renascimento em diante, a cultura moderna evoluiu e deixou para trás as visões de mundo antiga e medieval, que passaram a serem consideradas primitivas, supersticiosas, infantis, nada científicas e opressoras. 17 Assim, a cultura ocidental conquistou uma nova maneira de adquirir conheci- mento e uma nova cosmologia, por meio do uso de métodos precisos e da exatidão das deduções lógicas, ou seja, o uso da razão. Segundo Costa, o Renascimento foi um movimento filosófico e artístico do século XV que promoveu uma ruptura entre o mundo medieval, caracterizado por uma so- ciedade agrária e teocrática, e o mundo moderno urbano, burguês e comercial. Esse período marcou a história da humanidade por fomentar uma nova postura do ser humano perante o conhecimento, sua natureza e formas de investigação. “O conhe- cimento deixa de ser revelado como resultado de uma atividade de contemplação e fé, para voltar a ser o que era antes entre gregos e romanos: o resultado de uma bem conduzida atividade mental.” (COSTA, 1997, p. 19). Didaticamente, podemos associar o Renascimento ao divisor de águas loca- lizado entre o mundo medieval ou a Idade das Trevas e o período que, posteriormente, será denominado Século das Luzes. Embora esta transformação não tenha ocorrido de maneira pontual, é possível destacar quando o pensamento científico ganhou prioridade na interpretação humana sobre a realidade revelada e experimentada. Observe: QUADRO 2 – Período de predominância do pensamento religioso e do pensamento científico na sociedade. Religião, fé e tradição Abordagem científica Predominam até meados do século XV. Utilizam elementos não científicos. A partir do século XVI, com o Renascimento, e do século XVIII, com o Iluminismo. Baseada na observação da realidade. Fonte: Paixão (2010, p. 23). Dica Um exemplo da perspectiva renascentista sobre a sociedade está na obra de Nicolau Maquiavel (1469-1527), intitulada O príncipe, em que procura inves- tigar a realidade de forma realista, mais especificamente as relações de poder. A obra de Maquiavel (1973) afirma que “para o governante conquistar e man- ter o poder precisa ter uma conduta racional tendo em vista o fim que preten- de, mesmo que para isso tenha que usar métodos não aceitos pela Igreja [...]” (PAIXÃO, 2010, p. 21). 18 FIGURA 3 – Maquiavel Fonte: Wikimedia Commons (2012). A reforma no pensamento humano, proporcionada por acontecimentos his- tóricos como o Renascimento, foi base para a construção dos alicerces do que, posterior- mente, ficou conhecido por modernidade. Para Touraine (1998, p. 9): A ideia de modernidade, na sua forma mais ambiciosa, foi a afirmação de que o homem é o que ele faz, e que, portanto, deve existir uma correspondência cada vez mais estreita entre a produção, tornada mais eficaz pela ciência, a tecnologia ou a administração, a organização da sociedade, regulada pela lei e a vida pessoal, animada pelo interesse, mas também pela vontade de se liberar de todas as opressões. Sobre o que repousa essa correspondência de uma cultura científica, de uma sociedade ordenada e de indivíduos livres, senão sobre o triunfo da razão? Somente ela estabelece uma correspondência entre a ação hu- mana e a ordem do mundo, o que já buscavam pensadores religiosos, mas que foram paralisados pelo finalismo próprio às religiões monote- ístas baseadas numa revelação. É a razão que anima a ciência e suas aplicações; é ela também que comanda a adaptação da vida social às necessidades individuais ou coletivas; é ela, finalmente, que substitui a arbitrariedade e a violência pelo Estado de direito e pelo mercado. A humanidade, agindo segundo suas leis, avança simultaneamente em direção à abundância, à liberdade e à felicidade. Assim, o ser humano, por meio do poder físico e intelectual, foi o principal responsável pela expansão do mundo e da emergência de teorias científicas passíveis de comprovação e reprodução em qualquer contexto mundial. Entretanto, a mais espantosa de todas as mudanças globais foi a conclusão, alcançada por Galileu, a qual descrevia que a Terra se movimentava. As ideias teológicas sobre o universo estavam sendo supe- radas pelo raciocínio crítico, cálculos matemáticos e, fundamentalmente, pela observa- ção tecnicamente aperfeiçoada. 19 Fonte: Wikimedia Commons (2012). Com o telescópio de Galileu, a teoria heliocêntrica já não poderia ser considerada um conjunto de cálculos simples. Agora, estava provida de materialização física visível. Além do mais, o telescópio revelava os céus em sua materialidade grosseira – não os transcendentais pontos de luz celestial, mas substâncias concretas, apropriadas para a investi- gação empírica, exatamente como os fenômenos naturais da Terra. A prática acadêmica consagrada pela observação e pela argumentação exclusivamente a partir dos limites do pensamento aristotélico come- çou a dar lugar a um novo exame crítico dos fenômenos empíricos. Muitos indivíduos anteriormente não envolvidos em estudos científicos agora tomavam o telescópio e constatavam por si mesmos a natureza do novo Universo copernicano. Em virtude do telescópio e dos convin- centes textos de Galileu, a Astronomia passou a interessar não apenas os especialistas. Sucessivas gerações de europeus do final do Renasci- mento e pós-renascentistas, cada vez mais ansiosos para pôr em dúvi- da a autoridade absoluta de doutrinas antigas e eclesiásticas, achavam a teoria copernicana muito plausível e, sobretudo, libertadora. Um novo mundo celestial se abria para a cultura ocidental, assim como um novo mundo terrestre se abria para os exploradores do Globo. Embora as consequências culturais das descobertas de Kepler e Galileu fossem graduais e cumulativas, o Universo medieval recebera seu golpe mortal. O triunfo épico da revolução copernicana sobre o pensamento ocidental havia começado (TARNAS, 2001, p. 281). FIGURA 4 – Galileu Galilei Desse modo, não apenas a Terra, mas o próprio Homem se movimentava como nunca: ele saía do universo aristotélico, finito e estático, e en- trava em novos e desconhecidos territórios altamen- te velozes e mutáveis. A natureza da realidade fora alterada de maneira fundamental para o Homem do Ocidente, que agora percebia e habitava um cosmo de proporções, estrutura e significado existencial in- teiramente novos. Com os dogmas da Igreja postos em xe- que, estava aberto o caminho para a visualização e o estabelecimento de uma nova sociedade baseada em princípios claros de racionalidade e liberdade individuais. Enfim, a ciência mostrou que suas estratégias e princípios pode- riam ser úteis tanto para ela mesma, quanto para a sociedade. 20 Dica O Nome da Rosa. Direção: Jean Jacques Annaud. Itália/Alemanha/França, 1986. 130 min. A história se desenvolve tendo como cenário um mosteiro da Idade Média, nos tempos da inquisição. Um monge franciscano hospeda-se no mosteiro europeu para investigar uma série de mortes misteriosas. Esta obra torna possível a percepção do momento em que as explicações baseadas na fé e na religião cedem lugar às explicações científicas e racionais. A contestação do conhecimentoaté então transmitido pela Igreja e a sua substituição pelos resultados das investigações racionais acerca do universo possibilita- ram mudanças nas estruturas sociais. Assim, o poder monárquico e absolutista, o privi- légio de uma classe social em detrimento de outras e atitudes de opressão e imposição eram alvos fáceis da criticidade do novo ser social que se construía. Este ser, possivel- mente, não se contentaria com a utilização da figura divina ou da tradição da herança para justificar a centralização do poder, assim como lutaria por novas formas de governo, que respeitam os direitos individuais, acordados por meio de contratos sociais. Deus agora havia sido afastado para grande distância do universo físi- co, como criador e arquiteto, e já não era tanto um Deus de amor, mila- gre, redenção ou intervenção histórica, mas uma suprema inteligência e causa primeira, que estabelecera o Universo e suas leis imutáveis e depois abandonara a atuação direta. [...] Embora o cosmo medieval sempre estivesse na dependência de Deus, o moderno sustentava-se mais por si mesmo, com sua própria realidade ontológica maior e uma redução de qualquer realidade divina, fosse esta transcendental ou imanente (TARNAS, 2001, p. 308). Mais tarde, pelo uso da razão, a realidade divina ora evidenciada foi gradu- almente desaparecendo, pois começou a perder o apoio da investigação científica do mundo visível. A ordem encontrada no mundo natural, inicialmente atribuída e garantida pela vontade de Deus, foi depois entendida como resultante de regularidades mecânicas inatas geradas pela Natureza, sem nenhum objetivo superior ou sublime. As Leis Natu- rais que regem o universo começaram a ser investigadas pelo uso da razão e da expe- riência científica, haja vista os estudos dos grandes físicos desta época como Newton, Copérnico, Kepler e outros. Foi por este período que a lei de ação e reação, por exemplo, foi explicitada para toda a humanidade como um código imutável que não poderia ser contestado. Ou melhor, se na visão de mundo cristã da Idade Média a mente humana talvez não compreendesse a ordem do Universo sem a ajuda de instâncias superiores, como a revelação divina, que era, em última análise, sobrenatural; na visão moderna de mundo, passaria a entender a ordem do Universo pelas suas próprias faculdades racio- nais e a consideraria inteiramente natural. 21 Dessa forma, a ciência substituía a religião como autoridade intelectual proe- minente, sendo agora definidora, juíza e guardiã da visão cultural e, além de tudo, cientí- fica do mundo, ou seja, a razão e a observação empírica substituíam a doutrina teológica e a Revelação da Escritura como principal meio para a compreensão do Universo. Estava implantado o dualismo. FIGURA 5 – Representação da diferenciação das esferas de valores. Fonte: Elaboração própria (2012). Sob a ótica da modernidade, esta diferenciação entre fé e ciência foi de subs- tancial importância para o aprofundamento dos estudos científicos, à medida que, agora, a ciência estaria livre para especular e investigar tudo o que quisesse, desde os eventos da natureza ao corpo humano: esta é a parte que chamamos de dignidade. A dualista ênfase cristã na supremacia do espiritual e transcendental sobre o material e concreto agora se invertia; o mundo físico se tornara o foco predominante da atividade humana. A aceitação entusiástica desse mundo e dessa vida como palco de todo o drama humano subs- tituía então a tradicional renúncia religiosa à existência mundana como infeliz provação temporária de preparação para a vida eterna. Agora a aspiração humana estava cada vez mais centrada na realização secular. O dualismo cristão entre espírito e matéria, Deus e o mundo, gradu- almente transformava-se no moderno dualismo de espírito e matéria, Homem e Cosmo: uma consciência pessoal e subjetiva em oposição a um mundo material impessoal e objetivo (TARNAS, 2001, p. 309). 22 Aprofunde seus estudos com a Leitura Complementar 1 – “Relançado tratado que inaugurou anatomia moderna”, de Adriana Melo. O conteúdo está disponível na Bi- blioteca da Disciplina. Todavia, em contrapartida, foi essa mesma liberdade que escravizou o homem. Como veremos mais detalhadamente adiante, foi a diferenciação das esferas de conheci- mento (ciência, filosofia e religião) que acarretou parte do que denominamos desastre da modernidade: a radical dissociação entre ambas, promovendo o distanciamento e a nega- ção de uma para com a outra. Agora, cada uma seguiu um caminho diferente no percurso da vida, sendo que esses caminhos, até hoje, na contemporaneidade, não foram cruzados nem ao menos tem-se a pretensão de um encontro. Em outras palavras, era como se os domínios da religião e da metafísica estivessem compartimentalizados. [...] A Fé e a Razão estavam agora definitivamente cindidas. Concepções que envolviam uma realidade transcendental eram cada vez mais consideradas além da competência do conhecimento humano; eram paliativos úteis para a natureza emocional do Homem; criações inventivas esteticamente satisfatórias; pressupostos heurísticos poten- cialmente valiosos; baluartes necessários para a coesão moral ou so- cial; propaganda político-econômica; projeções psicologicamente moti- vadas; eram ilusões que empobreciam a vida, superstições... coisas sem importância, desprovidas de significado. [...] Os corpos celestes movimentavam-se agora pelas mesmas forças naturais e mecânicas e se compunham das mesmas substâncias materiais encontradas na Terra. Com o fim do cosmo geocêntrico e a ascensão do paradigma me- canicista, a Astronomia foi, enfim, separada da Astrologia. Ao contrário das visões de mundo da Antiguidade e da Idade Média, os corpos celes- tiais do Universo moderno não possuíam nenhum significado numinoso ou simbólico; eles não existiam para iluminar o caminho do Homem ou para dar significado à sua vida. Eram claramente entidades materiais, cujo caráter e movimentos eram produtos de simples princípios me- cânicos, sem nenhuma relação especial com a existência humana em si ou com qualquer realidade divina. [...] Admita-se agora que todas as características especificamente humanas ou pessoais anteriormente atribuídas ao mundo físico exterior eram ingênuas projeções antro- pomórficas, a serem eliminadas da percepção científica objetiva; e que todos os atributos divinos eram igualmente influência de supersti- ções primitivas e da racionalização de desejos, também eliminadas do discurso científico sério (TARNAS, 2001, p. 310-12, grifo nosso). Agora, ao contrário da explicação religiosa ou metafísica, as duas bases da epistemologia moderna, o racionalismo e o empirismo, acabaram produzindo suas apa- rentes decorrências metafísicas: enquanto o moderno racionalismo indicava, depois afir- mava e se baseava na concepção do Homem como a suprema ou maior inteligência, o Biblioteca da Disciplina 23 moderno empirismo fazia o mesmo com a concepção do mundo material, como realidade essencial ou única, ou seja, humanismo secular e materialismo científico, respectivamente. A diferenciação das esferas de valores começou, de fato, nos séculos XVI e XVII. Lá pelo final do século XVIII e início do XIX, a diferenciação já estava transfor- mando-se em dissociação patológica. Nesse momento, a ciência, a filosofia e a religião, passaram, pouco a pouco, a não mais dialogar. Isso montou o cenário para um forte domínio da ciência empírica – razão instrumental – sobre as outras esferas, esta que dominaria completamente o discurso cognitivo no mundo ocidental. A ciência passava a ser monológica, ou seja, uma ciência que não dialoga com as outras esferas de valores (filosofia e religião ou arte e moral) em razão da convicção de que não existia realidade, a não ser aquela revelada pelos instrumentos empíricos que contribuíam para a descri- ção (monólogo) de comportamentos objetivos observáveis. Segundo Rouanet (1999, p. 15, grifo nosso), Adorno e Foucault criticavam a razãomonológica como dominadora e invasora do início da modernidade: [...] essa razão monológica é a do sujeito que observa, esquadrinha e normaliza, na linguagem de Foucault; é a do sujeito que calcula, classi- fica e subjuga, na linguagem de Adorno. É uma razão parcial e usurpa- dora, que precisa efetivamente ser criticada, mas só pode ser criticada, se quisermos evitar o paradoxo e o irracionalismo, por outra razão, mais rica, incrustada nas estruturas da intersubjetividade comunicativa. [...] a verdadeira razão é consciente dos seus limites, percebe o espaço irracional em que se move e pode, portanto, libertar-se do irracional. Touraine (1998, p. 12) ainda nos diz que: A modernidade rompeu o mundo sagrado que era ao mesmo tempo natural e divino, transparente à razão e criado. Ela não o substituiu pelo mundo da razão e da secularização devolvendo os fins últimos para um mundo que o homem não pudesse mais atingir; ela impôs a separação de um Sujeito descido do céu à terra, humanizado, do mundo dos obje- tos, manipulados pelas técnicas. Ela substituiu, a unidade de um mun- do criado pela vontade divina, a Razão ou a História, pela dualidade da racionalização e da subjetivação. A ciência monológica dividiu o pensamento e o mundo em instâncias que estabeleceram entre si uma relação de oposição: corpo/espírito; pensamento/sentimen- to; ciência/religião; objetividade/subjetividade. Tal dualidade resultou no desequilíbrio cultural que vivemos até os dias atuais, principalmente porque o ser humano dissociou o seu comportamento da sociedade, tornando-se competitivo e inobservando o compor- tamento cooperativo. O cientificismo se apresentou como o pano de fundo da fragmentação con- temporânea cuja separatividade entre raças, credos, nações e classes sociais denuncia. Assistimos à conduta egóica de indivíduos preocupados unicamente com a satisfação de seus desejos e pouco sensibilizados quanto às consequências disso para as pessoas que 24 as cercam. Sujeitos que se comportam como se fossem os únicos viventes do planeta, o que compromete a qualidade de vida dos demais seres. Por outro lado, não podemos negar que, no mundo contemporâneo, a ciên- cia e a tecnologia vêm trazendo alguns benefícios para a humanidade, mas, ao mesmo tempo, separadas da filosofia, da ética, da arte e da espiritualidade, vêm acentuando, ainda mais, a visão dualista da realidade e do ser humano, uma vez que perderam o referencial do significado da sua existência: o bem-estar da humanidade. Dica O livro “Ciência com Consciência”, do autor Edgar Morin (Editora: Bertrand Brasil, ano: 1997), aponta problemas éticos e morais da ciência contemporânea, à medida que ques- tiona a necessidade epistemológica de um novo paradigma científico que rompa os limites do determinismo e da simplificação, incorporando o acaso, a probabilidade e a incerteza como parâmetros necessários para a compreensão da realidade. Vale a pena conferir! Assim, constatou-se que o universo moderno possui uma ordem própria, embora não seja emanada de uma inteligência superior, metafísica e transcendental, na qual o espírito humano participa diretamente. Agora, esta ordem é empiricamente deri- vada dos padrões de investigação da Natureza “realisticamente”, por meio dos próprios recursos da mente humana subjacente ao domínio intelectual e ao aperfeiçoamento material, não sendo, simultânea e inerentemente compartilhada pela Natureza e pelo espírito humano, como pensavam os gregos. A ordem moderna não era uma ordem unitária, transcendental e difusa que informasse tanto ao espírito quanto ao mundo exterior, na qual o reconhecimento de uma, necessariamente, significasse o conhecimento da outra. Como já dissemos, esses dois reinos, espírito subjetivo e mundo objetivo, estavam, agora, fundamentalmente separados e funcionavam segundo diferentes princípios. Saiba Mais Atual Tentativa de Unir Ciência e Espiritualidade Professor de física na Universidade do Oregon “Institute of The Oretical Science”, por mais de 30 anos, Dr. Goswami é um revolucionário no campo da ciência e, nos últimos anos, aventurou-se no domínio do espiritual em uma tentativa tanto para interpretar os resulta- dos aparentemente inexplicáveis de suas experiências, quanto para validar as suas intui- ções sobre a existência de uma dimensão espiritual da vida. 25 Famoso por sua participação no documentário “Quem somos nós”?, defende a conciliação entre Ciência e Espiritualidade, alegando inclusive que Deus ainda será objeto de estudo da ciência, não mais da religião. Entre seus livros já traduzidos para o português estão: - Deus Não Está Morto – Evidências científicas da existência divina (Editora Aleph). - O Universo Autoconsciente – Como a consciência cria o mundo material (Editora Aleph). - A Física da Alma – A explicação científica para a reencarnação, a imortalidade e experi- ências de quase morte (Editora Aleph). - Criatividade Quântica (Editora Aleph). - O Médico Quântico (Editora Cultrix). - A Janela Visionária (Editora Cultrix). - Evolução Criativa das Espécies (Editora Aleph). Fonte: Disponível em: <www.amitgoswami.org/>. Acesso em: 01 fev. 2011. O Universo Moderno passava a ser um fenômeno inteiramente secular. Além do mais, era um fenômeno secular ainda em mutação e criando a si mesmo; não um ob- jetivo divinamente construído com uma estrutura estática eterna, mas um processo que se desdobrava sem nenhum objetivo absoluto e sem nenhuma base absoluta, a não ser a matéria e suas permutações. A Natureza passava a ser a única origem da orientação evolucionária e o Homem o único ser racional consciente na Natureza, seu futuro estava enfaticamente em suas próprias mãos. Segundo Touraine (1998), o Ocidente substituiu, aos poucos, a visão racio- nalista do Universo e da ação humana por uma concepção mais modesta, puramente instrumental da racionalidade, colocando-a, cada vez mais, ao serviço de demandas, à medida que nos aprofundamos numa sociedade de consumo de massa, sob as re- gras opressoras de um racionalismo que só corresponde a uma sociedade de produção centrada mais sobre a acumulação do que sobre o consumo da maioria. Na realidade, esta sociedade está dominada pelo consumo e mais recentemente pela comunicação de massa/mídia. Dica Acesse o site do Instituto Alana (www.institutoalana.org.br) e confira todos os detalhes do documentário Criança, a alma do negócio. O Instituto Alana investe em projetos que atendem às demandas da sociedade atual e faz um trabalho de muita relevância no que tange à relação das crianças com o consumo. No documentário em questão, destaca-se a influência da mídia na formação dos consumistas mirins, que reproduzem o contexto social em que vivem. Acompanhe o trabalho do Instituto acessando o site. 26 Finalmente, ao contrário da visão de mundo grega e cristã medieval, a inde- pendência intelectual, psicológica e espiritual do homem moderno estava radicalmente afirmada. Havia uma depreciação crescente de qualquer fé ou estrutura institucional religiosa que inibisse o direito natural e potencial do homem à autonomia existencial e à expressão individual. Recuavam, agora, a impressão cristã do pecado, a queda e a culpa coletiva em benefício de uma afirmação otimista da autorrealização humana e de um eventual triunfo da Razão e da Ciência sobre os males sociais, a ignorância e o sofrimento hu- mano. O homem moderno pôs-se a caminho por conta própria, decidido a encontrar os princípios do funcionamento do novo Universo, a explorar e a ampliar suas novas dimen- sões e a cumprir seu destino secular. Texto Complementar Ciência e Religião: a grande separação Na lógica formal, uma contradição é sinal de fracasso; entretanto, na evolu- ção do verdadeiro conhecimento, a contradição assinala o primeiro passo no progresso em direção à vitória. Alfred North Whitehead O espírito e a ciência são as duas grandes abordagens pelas quais a huma- nidade busca a verdade. Ambas estão procurando a verdade sobre nós e nossouniver- so; ambas estão buscando respostas para as grandes perguntas. Elas são dois lados da mesma moeda. [...] René Descartes, filósofo e matemático francês do século XVII, ampliou o fosso entre ciência e espírito: “Nada que se inclua no conceito de corpo pertence à men- te e nada no conceito de mente pertence ao corpo”, afirmou. E assim foi batido o martelo. A moeda (a realidade) foi dividida ao meio. Se o espírito e a ciência estavam em litígio, Descartes foi o advogado que tornou palatável essa separação. Embora acreditasse que a mente e a matéria eram criação de Deus, Descar- tes as considerava completamente distintas e isoladas. A mente humana era um centro de inteligência e razão, projetada para analisar e compreender. O domínio da ciência era o universo material – a natureza – que ele via como uma máquina cujo funcionamento obedecia a leis que podiam ser formuladas matematicamente. [...] Ao considerar que o mundo fora de nossas mentes nada mais é que matéria sem vida funcionando de acordo com leis previsíveis e mecânicas e desprovida de qual- quer qualidade espiritual, essa regra nos distanciou da natureza viva que nos sustenta. 27 E forneceu à humanidade a desculpa perfeita para explorar todos os “recursos naturais” com a finalidade de atender aos próprios objetivos imediatos e egoístas, sem qualquer preocupação com outros seres vivos ou o futuro do planeta. Fonte: Arntz; Chasse; Vicente (2007, p. 12, 15, 19). Repensando a Modernidade O mundo moderno que se apresenta como o triunfo do racionalismo apare- ce, ao contrário, como o lugar do seu declínio, culminando no irracionalismo. Contudo, são nas origens, no pensamento grego e no pensamento cristão, alimentados por Aris- tóteles, que triunfou a ideia da razão objetiva/instrumental, tão discutida pelos represen- tantes da teoria crítica da Escola de Frankfurt, tendo Horkheimer, Adorno, Habermas e Marcuse como seus expoentes. Nas palavras de Freitag (1988, p. 35) vemos que: A razão que hoje se manifesta na ciência e na técnica é uma razão ins- trumental, repressiva. Enquanto o mito original se transformava em Ilu- minismo, a natureza se convertia em cega objetividade. Horkheimer denuncia o caráter alienado da ciência e técnica positivista, cujo subs- trato comum é a razão instrumental. Inicialmente esta razão tinha sido parte integrante da razão iluminista, mas no decorrer do tempo ela se autonomizou, voltando-se inclusive contra as suas tendências emancipatórias. Saiba Mais A Escola de Frankfurt Fundada em 1923, sob o nome de Instituto para a Pesquisa Social, a Escola de Frankfurt tem uma filosofia também conhecida como Teoria Crítica. “Os frankfurtianos sabem que não se adere à razão inocentemente. Concluem que a razão não ilumina, não revela a natureza que se emancipa do mito por meio da ciência. Afastam-se do cientificismo materialista, da crença na ciência e na técnica como condições de emancipação social, pois o progresso se paga com o desaparecimento do sujeito autônomo [...]” (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 62). Assim, do período helênico para a atualidade, passamos por dois fortes pa- radigmas: o grego e o newtoniano-cartesiano. Com a sua máxima “Cogito ergo sum” (Penso, logo existo), Descartes, desde então, concebeu o sujeito racional, pensante e consciente situado no centro do conhecimento. Descartes é considerado o fundador da modernidade, por sua ruptura com o universo medieval que concebia o homem dependente de Deus e subalterno a Ele. Descartes subverteu o sistema de perfeição da Idade Média, colocando como ponto de partida o pensamento, única experiência capaz de resistir às ilusões dos sentidos, aos 28 erros da ciência, ao delírio e à alucinação. Para ele, nossa mente é uma folha em branco que vai sendo preenchida com borrões desordenados e, na idade adulta, não sabemos mais discernir entre o verdadeiro e o falso. Não se pode confiar nos sentidos. Segundo Descartes, nos sentidos há instabilidade e volatilidade, ou seja, eles estão em constante metamorfose. Por outro lado, a emergência dessa nova concepção foi reforçada por movi- mentos ocorridos na cultura ocidental, a saber: a Reforma e o Protestantismo (aproxima- ram o ser humano e Deus, à medida que questionaram o intermédio da Igreja nessa re- lação); o Humanismo Renascentista (reposicionou o ser humano, considerando-o como o centro do universo); as Revoluções Científicas (desenvolveram no ser humano o senso investigativo para o domínio da Natureza); e o Iluminismo (valorizou a imagem do ser humano, baseado na razão e no senso científico, libertando do dogma inquestionável). Antes de prosseguirmos, vale fazer uma pequena diferenciação conceitual. Para alguns autores, como Touraine (1998) e Rouanet (1999), os termos Iluminismo e Ilustração são diferentes entre si. Por Ilustração entende-se, exclusivamente, o período que abarcou o século XVIII, que teve a participação dos Enciclopedistas. Por Iluminismo, o período não é limitado a uma data específica, mas que em qualquer período combate o mito e o poder embasado na razão. Nesse sentido, Rouanet (1999, p. 28) nos diz que: O Iluminismo é uma tendência transepocal, que cruza transversalmente a história e que se atualizou na Ilustração, mas não começou com ela, nem se extinguiu no século XVIII. A Ilustração aparece assim como uma importantíssima realização histórica do Iluminismo, certamente a mais prestigiosa, mas não a primeira, nem a última. Antes da Ilus- tração, houve autores iluministas, como Luciano, Lucrécio e Erasmo; depois dela, autores igualmente iluministas, com Marx, Freud e Adorno. Prosseguindo com as palavras de Rouanet (1999) fica claro que o Iluminis- mo foi, por sua vez, um movimento cultural europeu que marcou a modernidade por se constituir de forma plena no século XVIII com os enciclopedistas franceses Voltaire, Di- derot, Rousseau e outros. Na Inglaterra e na Alemanha, Locke e Kant, respectivamente, foram os representantes mais expressivos deste movimento. 29 Texto Complementar Homem, Moral e Desigualdade Mesmo desconhecendo o que seja o bem, o homem age moralmente quan- do, movido pelos princípios da moral natural – O amor de si e a piedade –, faz o bem para toda a espécie. Dentre as obras deixadas por Jean-Jacques Rousseau, encontra-se o Dis- curso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens. Nela, pro- curamos situar o ser humano em termos de moralidade. Mas, não se trata de pensá-lo conforme o conhecemos hoje, no mundo da civilização. Rousseau, com este Discurso, quis responder à seguinte pergunta: “Qual é a origem da desigualdade entre homens, e é ela autorizada pela lei natural?”. Esta pergunta foi apresentada por uma Academia Francesa, conhecida como Academia de Dijon, que lançara um concurso de ensaio, em 1753, tendo como tema a desigualdade. E, Rousseau, ao responder a questão, tomou como referência o ser humano em sua origem. Assim, buscando comparar o que se sabe hoje do homem em sociedade com o que foi em um estado de natureza, ele pôde refletir sobre um ser humano desvestido de todos os preconceitos e vícios, próprios do homem contemporâ- neo, que vive em meio à corrupção humana que conhecemos. [...] Trata-se aqui de pensar no que ocorreu com este ser humano ao sair de um estado de natureza, em que vivia isento de toda e qualquer maldade, mesmo desco- nhecendo a bondade ou a virtude, para um estado civil, onde está mergulhado nas mais diferentes formas de corrupção. Esse mergulho nas corrupções colocou o ser humano muito distante daquilo que ele foi em sua origem, tornando-se assim quase impossível reconhecê-lo conforme a natureza [...] Fonte: Dionísio Neto (2010, p. 64,73). A partir da valorização da “luz natural” ou “razão”, nasceu a Ilustração. A razão da ilustração prometeu conhecimento da natureza por meio da ciência, do aper- feiçoamento moral e da emancipação política. A consciência coletiva daquela época re- conhecia a metáfora da luz, pois para eles nada podia ficarobscuro, como ocorreu na Idade das Trevas (Idade Média), nada deveria ficar velado ou coberto. Por isso, o conhe- cimento da natureza se emancipou do mito e o conhecimento da sociedade fundou-se com a razão. Agora, a razão esclarecida é uma razão emancipada e como seres humanos dotados de razão devemos nos valer de nosso próprio entendimento, sem a tutela de outro. Todavia, a razão também demonstrou a sua fragilidade: a confiança cega na ciência. A promessa de libertar a humanidade da dominação caiu por terra a partir do momento em que a racionalidade estimulou a destrutividade e criou maneiras diversas 30 de domínio. A razão, o instrumento com que a Ilustração queria combater as trevas da superstição e do obscurantismo, foi denunciada como o principal agente de dominação, ensejando o advento do sujeito egoísta/individualista preocupado somente com o ga- nho e, sobretudo, com a acumulação. Além disso, a razão fez desse mesmo sujeito um ente solitário, desprovido de crenças em valores humanos universais e perdido entre os arranha-céus do mundo contemporâneo. Enfim, segundo Rouanet (1999), diante desses aspectos apresentados, a razão do novo Iluminismo, na contemporaneidade, não pode mais ser a do século XVIII, que desconhecia os limites internos e externos da racionalidade e não sabia distinguir entre razão e ideologia. Caberia a ela assumir características atribuídas à razão sábia, ou seja, ser capaz de autocriticar-se, analisando suas limitações e ultrapassando-as. Observe a definição de Marilena Chaui para ideologia: A ideologia é um conjunto lógico, sistemático e coerente de representações (ideias e valores) e de normas ou regras (de conduta) que indicam e prescrevem aos membros da sociedade o que devem pensar, o que devem valorizar e como devem valorizar, o que devem sentir, o que devem fazer e como devem fazer [...] a função da ideologia é a de apagar as diferenças, como as de classes, e de fornecer aos membros da socieda- de o sentimento da identidade social, encontrando certos referenciais identificadores de todos e para todos, como, por exemplo, a Humanidade, a Liberdade, a Igualdade, a Nação, ou o Estado (apud ARANHA; MARTINS, 2003, p. 62). É preciso, pois, descrever que esta concepção da modernidade e da moder- nização é criação de uma sociedade em constante metamorfose, buscando, essencial- mente, a racionalização. É sob a luz dessas mudanças que podemos inferir que a moder- nidade não é mais pura mudança ou sucessão de acontecimentos, mas sim o resultado dos produtos da atividade racional, científica e tecnológica. Por isso, ela implicou, além da crescente diferenciação dos diversos setores da vida social: arte, moral e ciência, a completa dissociação e negação de uma para com as outras, ou seja, a imposição da racionalidade instrumental (ciência) coloca em detrimento as outras esferas de valores (arte e moral). Assim, além da modernidade substituir Deus no centro da sociedade pela ci- ência, deixando as crenças religiosas e superstições para a vida privada, ela lançou-se a querer proteger as pessoas contra o nepotismo, o clientelismo e a corrupção, pois acre- ditava que as administrações públicas e privadas não eram os instrumentos de um poder pessoal. A vida pública e a vida privada devem ficar separadas, bem como as fortunas privadas do orçamento do Estado ou das empresas. Touraine (1998, p. 20) nos diz que: [...] a ideologia ocidental da modernidade, que podemos chamar de mo- dernismo, substituiu a ideia de Sujeito e a de Deus à qual ela se prendia, da mesma forma que as meditações sobre a alma foram substituídas pela dissecação dos cadáveres ou o estudo das sinapses do cérebro. 31 Égide: o que protege, ampara. Por isso mesmo, nem a sociedade, nem a história, nem a vida individual, dizem os modernistas, estão submetidas à vontade de um Ser Supremo, a qual devem se submeter ou sobre a qual se pode agir pela magia. O indivíduo só está submetido às leis naturais. Enfim, a ideia de modernidade está, portanto, estreitamente associada à da racionalização, pois a singularidade desta associação está no fato de que a razão ultra- passa o seu papel essencial e alcança a ideia de uma sociedade racional, na qual a razão domina, além da tecnologia, a administração dos indivíduos e de tudo que os cerca. Nas palavras de Touraine (1998, p. 18) vemos que: Às vezes, ela [a modernidade] imaginou a sociedade como uma ordem, uma arquitetura baseada sobre o cálculo; às vezes ela fez da razão um instrumento ao serviço dos interesses e do prazer dos indivíduos; e às vezes, finalmente, ela a utilizou como uma arma crítica contra todos os poderes, para libertar uma ‘natureza humana’ que havia esmagado a autoridade religiosa. Em todas essas situações citadas por Touraine (1998), a modernidade fez da racionalização o seu único princípio de organização da vida pessoal e coletiva. Assim, além da razão se tornar um indispensável mecanismo necessário para a modernização, ela não se limita a um campo circunscrito da vida pessoal, mas abrange a totalidade da dinâmica social. O espírito do Iluminismo, que vivificava a era moderna, assim como a Re- volução Francesa, quis destruir o despotismo, fazendo com que a sociedade fosse tão transparente quanto o pensamento científico. Esta ideia ficou muito presente nos ideais franceses de república e na convicção de que as “luzes da razão” deveriam ser, antes de tudo, portadoras dos ideais universalistas: a liberdade, a igualdade e a fraternidade. Todavia, este “novo ideal” conduziria os revolucionários a criar uma sociedade nova e um homem novo, aos quais imporiam, em nome da razão, obrigações maiores que as das monarquias absolutas. Entretanto, sob a égide da filosofia iluminista, no século XVIII, além de um homem novo, seria preciso substituir a arbitrariedade da moral religiosa pelo conheci- mento das leis da natureza; e para que o homem não tivesse que renunciar a si mesmo, ao viver de acordo com a natureza, não bastaria, somente, apelar para a sua razão. Seria necessário, portanto, mostrar que a sujeição à ordem natural das coisas era inconteste e, sobretudo, dentro dela tudo seria bem, mas fora dela nada seria definitivo ou seguro. O grande sonho do século seria o de uma humanidade reconciliada consigo mesma e com o mundo e que se harmonizaria, espontaneamente, com a ordem universal. Vale ressalvar que a concepção de natureza, na época do Iluminismo, tinha um sentido mais amplo do que hoje. Touraine, pelas palavras de Cassirer (1994, p. 325), a define como sendo: 32 [...] não apenas o domínio da existência ‘física’, a realidade (material) da qual se teria de distinguir a ‘intelectual’ ou a ‘espiritual’. O termo não se refere ao ser das coisas, mas à origem e ao fundamento das verdades. Pertencem à natureza, sem prejuízo do seu conteúdo, todas as verdades que são susceptíveis de um fundamento puramente ima- nente, não exigindo qualquer revelação transcendente, que são em si mesmas certas e evidentes. Tais são as verdades que buscamos, não apenas no mundo físico, mas também no intelectual e moral. Porque são essas as verdades que fazem do nosso mundo um único ‘mundo’, um cosmos assentado sobre si mesmo, possuindo em si mesmo seu próprio centro de gravidade. Esclarecido por esse conceito de natureza, o ser humano está apto para in- tegrar-se ao mundo, pensando e agindo sobre essa natureza, por meio do conhecimento e do respeito a suas leis, de forma autônoma, sem a interferência dos ensinamentos da Igreja. As leis da natureza estariam à disposição e acessíveis para quaisquer pessoas que quisessem ter acesso. Contudo, a grande decepção dos modernistas, que até podemos considerar como ingênua, foi confiar no próprio ser humano. A ideia de levar “luz às trevas”, confiar na bondade e na vontade inata do homem, com uma capacidade de criar instituições racionais e, sobretudo, para seu interesse, distante da autofagia e da autodestruição humana, sendo tolerante e tendo respeitoà liberdade de cada um, sem que o poder o cegasse, foi uma ilusão! Dica O documentário “Uma verdade inconveniente” (EUA, 2006. Duração: 100 min.) nos faz en- veredar em uma profunda reflexão sobre a atual relação entre ser humano e natureza, pau- tada, cada dia mais, no poder e na dominação de um sobre o outro, respectivamente. A obra retrata a citada decepção da modernidade. O ser humano que outrora aprendeu a desvendar a natureza para aproximar-se da realidade, sem interferências míticas, não é o mesmo que hoje devasta o meio em que vive, com o intuito de satisfazer o desejo do poder. Esta tentativa de concepção de uma sociedade racionalizada não deu certo, porque a Ilustração esqueceu-se, por ingenuidade ou não, de que a intolerância, os fanatismos religiosos, etc. não se originam da manipulação consciente do clero e dos déspotas tiranos, como julgavam, mas sim da ação de mecanismos sociais e psíquicos de cada ser humano, em particular, muito mais profundo do que podemos imaginar. Foi como se o próprio remédio ofertado para curar as mazelas da humanidade a tivesse asfixiado. 33 Pare e Reflita O surgimento da ciência foi considerado um avanço para a sociedade moderna. O abandono da concepção mítica para o uso da razão na busca pelo conhecimento do mundo foi determinado como um progresso. De repente, nos vimos em uma situação em que este mesmo avanço culmina em caos, separatividade e sofrimento. O que hou- ve com o ser humano no percurso da história da humanidade? Qual a gênese dos maio- res problemas sociais da modernidade? Por isso, embora a Ilustração erguesse a bandeira da transparência, eles se fechavam sobre si mesmos, como uma redoma, protegidos de tudo que pudesse per- turbá-los e, por consequência, da razão universal que proclamavam e a ordem natural das coisas. Eles, por si próprios, foram à ruína. Nas palavras de Touraine (1998, p. 39): a ideia de uma administração racional das coisas que substituiria o go- verno dos homens é dramaticamente falsa e porque a vida social que se imaginava transparente e governada por escolhas racionais revelou- se repleta de poderes e de conflitos, enquanto que a modernização aparecia cada vez menos endógena, cada vez mais estimulada por uma vontade nacional ou por revoluções sociais. A sociedade civil separou- se do Estado: mas se o nascimento da sociedade industrial marcou o triunfo da primeira, foi o Estado que, no século XIX, revelou-se o cava- leiro armado da modernização nacional. A distância que dessa forma foi cavada entre modernidade e modernização, entre capitalismo e na- cionalismo, levou o sonho de uma sociedade moderna à ruína, definida pelo triunfo da razão. Ela preparou a invasão da ordem clássica da mo- dernidade pela violência do poder e pela diversidade das necessidades. Embora o modernismo tenha seu lado bom, trazendo a ideia de que o ho- mem é apenas um cidadão; que a caridade torna-se solidariedade; que a consciência passa a ser o respeito às leis naturais; que os juristas e os administradores substituem os profetas, hoje, resta-nos uma ideologia modernista, uma crítica da modernidade, um desencantamento do mundo como nos diria Weber. Olhemos ao nosso redor. Não foram corrigidas as imensas desigualdades so- ciais de alcance planetário, tampouco foram reparadas as injustiças históricas. Na reali- dade, observamos como o “fosso”, que separa os países, foi aumentando a dependência e a subordinação dos países do terceiro mundo aos do primeiro. As ideias tradicionais conservadoras foram consolidadas: o individualismo institucionalizado foi considerado como uma liberdade individual, esquecendo que a li- berdade de cada um não conhece outro limite, que é a liberdade dos demais. Não é o indivíduo que deve ser orientado ou dirigido, é a sociedade que deve ser civilizada; a desregulamentação comercial, a privatização, a omissão do Estado ao impor sua função social, a comercialização do ensino, etc., nos faz desanimar. 34 Pare e Reflita O quadro ora apresentado faz parte da realidade em que vivemos, o desastre da moderni- dade. No entanto, por ser uma realidade deve ser aceita comodamente? Desejamos este mundo quando idealizamos a vida de nossos filhos, netos, bisnetos e todas as outras gera- ções que virão? O que podemos fazer enquanto parte integrante desta teia social? Sociologia como Ciência De forma reducionista, pode-se conceituar a sociologia como a ciência da so- ciedade. No entanto, essa definição não esclarece a dimensão e a complexidade de uma ciência que se propõe a analisar os processos mais íntimos da dinâmica social. Afinal, entende-se como ciência um “conjunto de atitudes e de atividades racionais dirigidas ao sistemático conhecimento com objeto limitado, capaz de ser submetido à verificação.” (LAKATOS, 1996, p.19). Segundo Trujillo Ferrari (apud LAKATOS, 1996, p. 15), a lógica da ciência desenvolve-se por meio de procedimentos que: • possibilitam a observação racional e controlam os fatos; • permitem a interpretação e a explicação adequada dos fenômenos; • contribuem para a verificação dos fenômenos, positivados pela expe- rimentação ou pela observação; • fundamentam os princípios da generalização ou o estabelecimento dos princípios e das leis. Dessa forma, a evolução da ciência relaciona-se diretamente à necessidade humana de controlar, mensurar e compreender a dinâmica da natureza, uma vez que o conhecimento científico caracteriza-se por especificidades listadas a seguir: 1) é racional, pois é constituído por conceitos, juízos e raciocínios, ao con- trário do senso comum; 2) não é valorativo, pois permite que as ideias que o compõe possam combi- nar-se segundo um conjunto de regras lógicas, que organizadas e sistematizadas cons- tituem as teorias; 3) é objetivo, isto é, ele procura concordar com seu objeto, busca alcançar a verdade factual, adequando as suas hipóteses por meio da observação, da investigação e da experimentação; 35 4) é transcendente aos fatos, ou seja, este conhecimento não se prende às aparências observáveis, ele tenta conhecer a realidade dos fatos além das aparências, fazendo correlações com outros níveis da realidade e explicando-os por meio de hipóteses; 5) é analítico, pois tende a decompor o todo dos fatos e desvendar as suas interligações, ou melhor, analisa até chegar às conclusões ou síntese; 6) é claro e preciso, pois o cientista esforça-se para ser exato e para que não haja ambiguidades em suas conclusões. Por isso, ele trabalha com conceitos e, se houver necessidade, cria uma linguagem própria, embora com significado; 7) é verificável, ou seja, para ser aceito como válido deve passar pela prova da experiência. FIGURA 6 – Características do conhecimento científico. Fonte: Elaboração própria (2012). 36 Saiba Mais Conheça um pouco sobre Karl Popper, um influente filósofo da modernidade, que teorizou sobre o conceito de ciência. Karl Popper (2000) afirma que o que prova uma teoria como científica é o fato dela ser falí- vel e aceitar ser refutada; porquanto o conhecimento científico é: dependente de investiga- ção metódica, ou seja, o cientista não age por acaso, ele planeja seu trabalho, baseia-se em conhecimento anterior e obedece a um método pré-estabelecido; é acumulativo à medida que seu desenvolvimento atual é produto de um acúmulo de conhecimentos anteriores, mesmo que os novos possam substituir os antigos; é explicativo em virtude de tentar res- ponder todos os “porquês” que afligem a condição humana, ele explica os fatos em termos de leis e as leis em princípios gerais; por fim, é aberto, ou seja, não conhece barreiras que o limite, não é um sistema dogmático, é flexível às novas descobertas, e está ligado às cir- cunstâncias de sua época. Na tentativa de compreensão dos turbulentos fenômenos sociais do século XVIII, especialmente marcados pela transição do sistema feudal para um sistema ba- seado no capital, no qual a Revolução Industrial assumiu a grande responsabilidade, os pensadoresdebruçaram-se sobre a possibilidade de adequação de métodos e procedi- mentos das ciências da natureza aos estudos das questões humanas e sociais. Assim, os fenômenos sociais poderiam ser classificados e medidos. Atenção Acreditava-se que se as ciências naturais tinham um método científico, as ciências so- ciais, como um elemento da natureza, também poderiam ter. Evidentemente, as leis sociais científicas não puderam ser implantadas, haja vista a dinâmica de mudanças constantes dos seres humanos e da sociedade. Martins (1998, p. 7) sustenta que: “A sociologia constitui um projeto intelectual tenso e contradi- tório. Para alguns ela representa uma poderosa arma a serviço dos interesses dominan- tes, para outros ela é a expressão teórica dos movimentos revolucionários”. Por isso, é importante conhecer os dois marcos históricos do surgimento da sociologia: Revolução Industrial e Revolução Francesa. Revolução Industrial O século XVIII teve fundamental importância para o surgimento da sociologia e a construção da história do pensamento ocidental. No ocidente europeu, a sociedade experimentava transformações econômicas, políticas e culturais que se intensificavam, 37 trazendo problemáticas até então inéditas para o cenário social. Este século testemu- nhou uma dupla revolução que direcionou os acontecimentos para um único rumo: a instalação do capitalismo. Capitalismo: Estatuto jurídico e regime econômico de uma sociedade humana ca- racterizada pelo grande desenvolvimento dos meios de produção e sua operação por trabalhadores que não são proprietários dos mesmos: capitalismo de Estado, capita- lismo privado. Sistema de produção cujos fundamentos são a empresa privada e a liberdade do mercado. Fonte: Dicionário on-line de português (2011). A Inglaterra foi o palco de uma grande explosão representada pela Revo- lução Industrial. As transformações acarretadas a partir deste fato histórico não foram somente de ordem econômica, relacionadas às inovações tecnológicas, mas também de ordem social, interferindo na maneira como se organizava o trabalho e no modo de vida das pessoas em geral. O artesão sofreu grandes modificações no seu ritmo de vida e de trabalho, conforme apresenta o quadro abaixo. QUADRO 3 - As modificações no ritmo de trabalho e de vida dos artesãos com o surgimento da Revolução Industrial. Antes da Revolução Industrial Após a Revolução Industrial Produziam no lar, com ferramentas próprias. Trabalhavam nas fábricas, sob as ordens do empresário capitalista. Tinham o controle do tempo de trabalho e da produção. Estavam submetidos à imposição de longas jornadas de trabalho e à organização da pro- dução por um patrão. Eram responsáveis pela fabricação do produto todo. Eram responsáveis apenas por uma parte da elaboração do produto. Eram mestres em seu ofício. Transformaram-se em funcionários que ape-nas operavam máquinas. Fonte: Elaboração própria (2012). O empresário capitalista foi, em ritmo acelerado, concentrando máquinas, terras e ferramentas sob seu controle e transformando os trabalhadores em simples des- possuídos. Ao passo que a consolidação da sociedade capitalista avançava, a sociedade via a desintegração de costumes e instituições que não condiziam com os fundamentos da nova ordem que organizaria a vida social. A Inglaterra passou de país de pequenas cidades à nação de nascentes in- dustriais que exportavam produtos mundialmente. Aos poucos, características da antiga sociedade feudal ocultavam-se para dar espaço ao ritmo acelerado do capitalismo. A sociedade rural se reordenava, a servidão se destruía e uma maciça emigração do campo para a cidade ocorria. 38 Foi nesse contexto que mulheres e crianças se engajaram em jornadas de trabalho absurdas, sem benefícios como férias e feriados, ganhando um salário de sub- sistência, o que era vantagem para a indústria inglesa. Dica O filme “Tempos modernos” (EUA, 1936, do cineasta Charles Chaplin. Duração: 87 min.) apresenta o famoso personagem “O vagabundo” (The Tramp) tentando sobreviver em meio ao mundo moderno e industrializado. O filme retrata o processo de substituição dos homens pelas máquinas, as facilidades que levaram à criminalidade, à escravidão, às péssi- mas condições de trabalho nas fábricas, dentre outros temas. Vale a pena conferir! As cidades que se formavam não tinham uma estrutura de moradias, de serviços sanitários e de saúde para suportar o grande número de pes- soas que emigravam do campo. Imagine inúmeras pessoas chegando a uma cidade onde não existem casas para morar, nem médicos, nem escolas suficientes; e, apesar das indústrias, não existia emprego para todo mundo. Novos problemas apareceram, como o aumento da prosti- tuição, do alcoolismo, do suicídio e da criminalidade, e surgiram surtos epidêmicos de tifo e cólera (PAIXÃO, 2010, p. 29). Industrialização, crescimento das cidades, êxodo rural e demais transforma- ções assistidas pela sociedade inglesa foram ingredientes importantes para o surgimento de uma nova classe social: o proletariado. A inexistência de leis que protegessem os trabalhadores e assegurassem seus direitos, dava vazão para que vivessem em precárias condições de trabalho. A resposta do proletariado a esta situação deu-se por meio de manifestações descontroladas, com a destruição de máquinas, sabotagem no trabalho, roubos e iniciativas como o movimento cartista e a trade unions. Movimento cartista – movimento organizado pela Associação dos Operários da Inglaterra, entre os anos de 1837 e 1848, que exigia melhores condições de traba- lho, tais como: limitação da jornada de trabalho e do trabalho feminino, extinção do trabalho infantil, salário mínimo. Recebeu essa denominação porque suas rei- vindicações eram feitas em forma de cartas às autoridades (PAIXÃO, 2010, p. 31). Trade unions – organizações dos operários das fábricas inglesas durante a segun- da metade do século XIX, que mais tarde evoluíram para os sindicatos (PAIXÃO, 2010, p. 31). 39 Saiba Mais O principal motivo pelo qual a população não contestava a autoridade do rei consistia na expressão “direito divino”. Segundo essa expressão, os reis eram os representantes de Deus na terra, tendo, assim, o direito de governar como quisessem. Utilizando da “palavra sagrada”, o rei não encontrava nenhum empecilho para exercer sua autoridade. A burguesia, diante do absolutismo, deparava-se com inúmeras limitações impostas, por meio de taxas, restrições e proibições, em contraste com os inúmeros privilégios dedicados à nobreza. A Revolução Francesa significou um basta a esses privi- légios, a destruição do Antigo Regime e a ascensão da burguesia ao poder. Valendo-se do lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, a revolução afetou o clero, à medida que confiscou suas terras e transferiu para o Estado algumas de suas funções como a educação e a cultura. QUADRO 4 – Desdobramento das “duas grandes revoluções”. Revolução Francesa (1789) Revolução Industrial (final do século XVIII) • Fim do feudalismo e do Antigo Regime. • Ascensão da burguesia ao poder. • Fim dos privilégios da nobreza. • Abalo no poder da Igreja. • Novas tecnologias e mudanças nas formas de organizar o trabalho. • Industrialização. • Êxodo rural e urbanização. • Surgimento do proletariado. • Condições precárias de vida dos trabalhadores. Fonte: Paixão (2010, p. 23). Dica O vídeo “Danton, o processo da revolução” (França, 1982. Direção de Andrej Wajda. Duração: 136 min.) retrata a segunda fase da Revolução Francesa, o período do terror; marca o debate entre os jacobinos Danton e Robespierre, fortemente comprometido com as razões do Estado. Revolução Francesa Em 1789, a França testemunhou a ascensão de uma nova classe ao poder: a burguesia. O cenário francês se resumia a uma sociedade feudal que privilegiava a nobreza e o clero (cerca de 500 mil pessoas) em detrimento do chamado terceiro Estado (cerca de 23 milhões de pessoas), que pagava os impostos e os tributos feudais usados para manter
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