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CUIDADO INTEGRAL À SAÚDE DO ADOLESCENTE Aline do Amaral Zils Costa O adolescente portador de patologia crônica Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar patologias crônicas de prevalência na adolescência. Reconhecer medidas de prevenção de ocorrência de agravos crônicos à saúde do adolescente. Descrever cuidados de enfermagem voltados ao adolescente com patologia crônica. Introdução A enfermagem tem por responsabilidade fornecer cuidados de qualidade e contextualizados para os adolescentes que vivenciam um processo de adoecimento crônico, bem como implementar medidas para a prevenção e o controle dessas patologias. Neste capítulo, você vai conhecer as patologias crônicas mais preva- lentes na adolescência e as repercussões na vida dos indivíduos nesse ciclo vital. A adolescência é um período do desenvolvimento humano marcado por extremas transformações físicas, emocionais e sociais. Ca- racteriza-se como um tempo de dinâmicas e desafiadoras transformações e, quando se trata de um adolescente portador de uma doença crônica, esse período ganha uma complexidade ainda maior. A adolescência e as patologias crônicas A adolescência é um período de transição entre a infância e a vida adulta que ocorre dos 12 aos 18 anos de idade. Nesse período, os indivíduos se desenvolvem nos aspectos físicos, psicológicos e sociais, se preparam para assumir novos papéis e para vivenciar a sua sexualidade e autonomia. Também, nesses anos, muitos hábitos são adquiridos e permanecem ao longo da vida, infl uenciando nas condições de saúde. As patologias crônicas são originadas por diversas causas, como, por exemplo: metabólicas; autoimunes; degenerativas; congênitas; hereditárias; complicações de doenças infecciosas. Essas patologias repercutem na qualidade de vida dos adolescentes de formas distintas e com intensidades variadas. Geram limitações, retardos no crescimento e no desenvolvimento, incapacidades e até mesmo a morte. Patologias crônicas são aquelas doenças de longa duração, em alguns casos, com desenvolvimento lento. Em geral, não têm cura, apenas controle. Independentemente da causa, as doenças crônicas, no geral, levam os adolescentes a dependerem de uma atenção médica especializada e do suporte de uma equipe de saúde, necessitando do uso contínuo de medicamentos, de dietas especiais, de aparelhos médicos e até de internação hospitalar. Outro fator importante a se considerar quando falamos de um adolescente com doença crônica é o início da doença. Diversas patologias são congênitas, ou seja, o recém-nascido já nasce portador da doença. Considerando o avanço nos tratamentos e nas tecnologias, muitas crianças superam a infância e chegam à adolescência portando patologias controladas, porém sem possibilidade de cura. Outros adolescentes adquirem um doença crônica durante a adolescência, seja por hábitos não saudáveis ou até mesmo pela manifestação tardia de uma doença hereditária. Saber sobre o início do adoecimento é importante para os enfermeiros e demais membros da equipe, pois é um aspecto que influencia na compreensão do estado de saúde, no prognóstico e na adesão ao tratamento. O adolescente portador de patologia crônica2 O Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) realiza a coleta de dados de todos os óbitos ocorridos no Brasil e identifica as causas registradas nessas declarações. As informações geradas pelo SIM não se restringem somente aos óbitos, mas também nos auxiliam a entender o motivo da morte das pessoas e o impacto que a morbidade (adoecimento) tem na mortalidade. O Instituto Nacional do Câncer (INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA, 2016) realizou a consolidação dos dados das dez principais causas de morte em crianças e adolescentes, no Brasil, entre 2009 e 2013. Veja, no Quadro 1, a apresentação dos dados referentes às faixas etárias de 10 a 14 anos e de 15 a 19 anos, por sexo. Cabe destacar o impacto das patologias crônicas na mortalidade nessa faixa etária. As neoplasias ocupam a segunda causa de morte nos adolescentes, sendo as mais prevalentes as leucemias, os linfomas e os tumores do sistema nervoso central. 10–14 anos 15–19 anos Masculino Feminino Masculino Feminino 1º Causas externas 8.823 Causas externas 3.450 Causas externas 64.353 Causas externas 8.881 2º Neoplasias 1.903 Neoplasias 1.535 Neoplasias 2.901 Neoplasias 1.942 3º Sistema nervoso 1.392 Sistema nervoso 1.101 Mal definidas 2.757 Aparelho circulatório 1.256 4º Aparelho respiratório 967 Aparelho respiratório 814 Aparelho circulatório 2.047 Aparelho respiratório 1.201 5º Mal definidas 912 Mal definidas 680 Sistema nervoso 1.949 Gravidez, parto e puerpério 1.192 Quadro 1. Distribuição das dez principais causas de morte, por sexo, segundo faixa etária no Brasil (2009–2013) (Continua) 3O adolescente portador de patologia crônica Fonte: Adaptado de Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (2016, documento on-line). 10–14 anos 15–19 anos Masculino Feminino Masculino Feminino 6º Infecciosas e parasitárias 880 Infecciosas e parasitárias 673 Aparelho respiratório 1.706 Sistema nervoso 1.159 7º Aparelho circulatório 816 Aparelho circulatório 621 Infecciosas e parasitárias 1.256 Mal definidas 1.134 8º Malformações congênitas 439 Malformações congênitas 455 Aparelho digestivo 640 Infecciosas e parasitárias 1.039 9º Aparelho digestivo 316 Aparelho digestivo 313 Doenças hematopoiéticas 447 Aparelho digestivo 551 10º Doenças endócrinas 301 Doenças endócrinas 259 Malformações congênitas 435 Doenças endócrinas 467 Quadro 1. Distribuição das dez principais causas de morte, por sexo, segundo faixa etária no Brasil (2009–2013) No Brasil, há escassez de dados de prevalência de doenças crônicas conside- rando a faixa etária dos adolescentes, pois, com frequência, esse perfil de doenças é considerado “doença de adulto”. Um estudo de base populacional realizado no interior de São Paulo, na cidade de Campinas, revelou que a prevalência de doenças crônicas em adolescentes foi 19,17%, na população estudada. A pato- logia crônica mais prevalente foi a asma (7,9%), seguida de hipertensão arterial (1,07%) e de diabetes (0,21%). Os adolescentes estudados também relataram algumas queixas crônicas que interferem na saúde como alergias (40,39%) e dor de cabeça (24,3%) (BRAZ; BARROS FILHO, BARROS, 2013). (Continuação) O adolescente portador de patologia crônica4 Embora as manifestações clínicas das doenças cardiovasculares (DCV) normalmente ocorram após os 40 anos de idade, nos últimos anos, muitos adolescentes já vêm manifestando os sintomas das doenças. É justamente na infância e na adolescência que começam esses problemas de saúde especialmente relacionados aos hábitos de vida. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de DCVs se relacionam à falta de atividade física (sedentarismo), aos hábitos alimentares, ao tabagismo e ao consumo de álcool (NOBRE et al., 2011). As doenças crônicas têm múltiplas causas. As patologias podem ser: congênitas — como exemplo, a espinha bífida; hereditárias — como a anemia falciforme; metabólicas — como o diabetes melito (DM) do tipo I; autoimunes — como a dermatite atópica; degenerativas — a exemplo do câncer. Todos esses tipos de doenças não são passíveis de prevenção, mas de tra- tamento e de controle para a melhora da qualidade de vida dos adolescentes. Levando isso em consideração, vamos tratar das patologias crônicas passíveis de medidas de prevenção, como a obesidade, as DCVs e o DM do tipo II. Medidas de prevenção de doenças crônicas na adolescência As DCVs constituem um grupo de doenças de desenvolvimento lento e pro- gressivo. São elas: doença isquêmica do coração — angina e infarto; doença cerebrovascular — “derrame”, acidente vascular cerebral (AVC); doença hipertensiva— hipertensão. 5O adolescente portador de patologia crônica Essas doenças constituem a principal causa de morte nos adultos e trazem grande impacto social (NOBRE et al., 2011). As DCV se desenvolvem gradualmente dependendo de alguns fatores de risco como fatores genéticos (hereditários) e estilo de vida. Os fatores here- ditários não são modificáveis, pois são a história familiar do adolescente, ou seja, a ocorrência de DCV em seus familiares. Já os fatores de estilo de vida são modificáveis, pois se referem aos hábitos de vida desenvolvidos. Dados de pesquisas recentes mostram que a prevalência da hipertensão arterial sistêmica (HAS) entre adolescentes brasileiros tem aumentado, bem como há a tendência de aumento de excesso de peso, de inatividade física e de alimentação inadequada. Considerando a população geral de adolescentes brasileiros estima-se que 8% apresentem hipertensão arterial, porém, em outras populações estudadas, a prevalência alcançou 16,5%. A HAS geralmente é assintomática na adolescência, o que dificulta o diagnóstico. Por isso, ações para detecção, tratamento e controle são fundamentais para a redução de complicações cardiovasculares na vida adulta (GONÇALVES et al., 2016). A HAS é uma doença em que os níveis de pressão arterial se mantêm elevados, o que causa sobrecarga e compromete as funções do coração, do cérebro, dos rins e dos vasos sanguíneos. O excesso de peso e a obesidade na adolescência vêm crescendo rapida- mente nos últimos anos. Segundo o Fundo Internacional de Emergência para a Infância das Nações Unidas (UNICEF) (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 2018), um em cada dois brasileiros tem excesso de peso e, entre os adolescentes, o número de pessoas obesas aumentou mais do que cinco vezes em 20 anos. Nos Estados Unidos, a taxa de obesidade em adolescentes, no ano de 2012, já atingia 20,5% da população entre 12 e 19 anos de idade. A obesidade é um fator de risco para o desenvolvimento de doenças crônicas, como as DCV, o diabetes e o câncer. Pode causar, também, dificuldades respiratórias, problemas no crescimento, alterações vasculares, distúrbios na pele, entre outros. As medidas de prevenção de doenças crônicas na adolescência devem enfocar alguns aspectos (FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA, 2018): O adolescente portador de patologia crônica6 Atividade física — praticada regularmente, em média 300 minutos por semana. É importante na prevenção da obesidade e na melhora nos níveis sanguíneos da lipoproteína de alta densidade (HDL) (colesterol bom). Alimentação saudável — consumo diário de frutas e verduras, de grãos, de leguminosas, de leite e de proteínas magras. Importante redução do consumo de açúcares e de alimentos industrializados, em geral. Redução do consumo de álcool, de tabaco e de outras drogas — são substâncias químicas que geram dependência. O abuso delas agrava as complicações de doenças crônicas. Quando se trata de medidas de prevenção de doenças crônicas em adolescentes, essas ações devem ser contextualizadas para que façam sentido no “universo do adolescente”. O ambiente escolar e comunitário devem ser explorados para a implementação de ações preventivas devido ao seu potencial de efetividade. No desenvolvimento de atividades educativas para a prevenção de DCVs nas escolas, Nobre et al. (2011) identificaram que, para muitos adolescentes, uma alimentação saudável é vista como uma obrigação imposta pelos pais. Em sua lógica, se os doces dão energia, então, não fazem mal à saúde. Outra particularidade da adolescência é a percepção de que se deve comer o que é “bom”, ou seja, o que é gostoso para o paladar. Além da alimentação, quando questionados, a maioria dos adolescentes reconhece os malefícios do uso do álcool, mas também entende que ele é importante para deixar as pessoas “alegres” e auxiliar nos relacionamentos. Cuidados de enfermagem ao adolescente portador de patologia crônica Para os adolescentes com doenças crônicas, assim como para todos os demais indivíduos, o plano de cuidados de enfermagem deve ser planejado de forma individual, ou seja, personalizado, pois adolescentes com a mesma patologia podem apresentar necessidades de cuidados distintas. O enfermeiro responsável pelo cuidado de adolescentes portadores de patologias crônicas necessita aplicar o Processo de Enfermagem (PE) como 7O adolescente portador de patologia crônica metodologia de atuação. Os dados subjetivos coletados na entrevista e com- plementados pelos dados objetivos do exame físico subsidiam o diagnóstico das necessidades. Há que se considerar o contexto familiar e comunitário em que o adolescente está inserido, a história atual da doença e o grau de incapacidade relacionada a ela. As necessidades de cuidado também variam em relação ao contexto de atuação do enfermeiro, como, por exemplo, se o atendimento é prestado no âmbito hospitalar, domiciliar, escolar ou na Atenção Primária à Saúde (APS). As etapas do PE compreendem: 1. Histórico de enfermagem (entrevista, anamnese) 2. Diagnóstico de enfermagem 3. Planejamento de enfermagem 4. Intervenção de enfermagem 5. Avaliação de enfermagem A partir da implementação do PE, é possível realizar a Sistematização da Assistência de Enfermagem (SAE). Com base nos dados coletados, emergirão as necessidades de cuidado. Segundo a taxonomia da NANDA-I para os Diagnósticos de enfermagem, alguns diagnósticos possíveis para adolescentes com doenças crônicas estão elencados a seguir (HERDMAN; KAMITSURU, 2018): Estilo de vida sedentário. Comportamento de saúde propenso a risco. Controle ineficaz da saúde. Disposição para controle da saúde melhorado. Dinâmica alimentar ineficaz do adolescente. O adolescente portador de patologia crônica8 Obesidade. Sobrepeso. Risco de glicemia instável. Risco de síndrome do desequilíbrio metabólico. Autonegligência. Disposição para o autoconceito melhorado. Desesperança. Distúrbio na identidade pessoal. Risco de baixa autoestima crônica. Ansiedade. Ansiedade relacionada à morte. Enfrentamento defensivo. Enfrentamento ineficaz. Disposição para o enfrentamento melhorado. Resiliência prejudicada. Disposição para a resiliência melhorada. Risco de infecção. Risco de suicídio. Dor crônica. Risco de desenvolvimento atrasado. A partir do diagnóstico de enfermagem, as intervenções deverão ser deta- lhadamente planejadas e implementadas, sempre monitorando os resultados esperados e os resultados de fato encontrados. Um cuidado de enfermagem fundamental é focado nas habilidades edu- cativas do profissional. É de extrema importância uma comunicação clara e objetiva, que forneça os subsídios necessários para o adolescente conhecer a sua situação clínica, os prognósticos e os tratamentos necessários. Nesse sentido, como afirmam Nobre et al. (2011), a promoção da saúde por meio de ações de educação em saúde tem por objetivo promover a autonomia das pessoas para que elas possam dirigir suas próprias vidas. 9O adolescente portador de patologia crônica BRAZ, M.; BARROS FILHO, A. A.; BARROS, M. B. A. Saúde dos adolescentes: um estudo de base populacional em Campinas, São Paulo, Brasil. Caderno Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 29, n. 9, p. 1877–1888, set. 2013. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo. php?script=sci_arttext&pid=S0102-311X2013000900026. Acesso em: 21 mar. 2019. FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARA A INFÂNCIA. Comer bem e melhor: dicas para pro- mover alimentação saudável entre crianças e adolescentes Brasil. 2018. Disponível em: http://189.28.128.100/dab/docs/portaldab/documentos/pse/Guia_Alimentacao_Sau- davel_PCU_2018.pdf. Acesso em: 21 mar. 2019. GONÇALVES, V. S. S. et al. Prevalência de hipertensão arterial entre adolescentes: revisão sistemática e metanálise. Revista de Saúde Pública, v. 50, 2016. Disponível em: http:// www.scielo.br/pdf/rsp/v50/pt_0034-8910-rsp-S1518-87872016050006236.pdf. Acesso em: 21mar. 2019. HERDMAN, T. H.; KAMITSURU, S. Diagnósticos de enfermagem da NANDA-I: definições e classificação 2018–2020. 11. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Incidência, mor- talidade e morbidade hospitalar por câncer em crianças, adolescentes e adultos jovens no Brasil: informações dos registros de câncer e do sistema de mortalidade. Rio de Janeiro: Inca, 2016. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/ files//media/document//incidencia-mortalidade-morbidade-hospitalar-por-cancer. pdf. Acesso em: 21 mar. 2019. NOBRE, M. et al. Multiplicadores do estilo de vida saudável: prevenção de doença car- diovascular na adolescência. Porto Alegre: Artmed, 2011. Leitura recomendada ORGANIZAÇÃO PAN-AMERICANA DA SAÚDE. Plano de ação para prevenção da obesidade em crianças e adolescentes. Washington: OPAS, 2015. Disponível em: http://www.paho. org/bra/images/stories/UTFGCV/planofactionchildobesity-por.pdf?ua=1. Acesso em: 21 mar. 2019. O adolescente portador de patologia crônica10
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