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Prática de Leitura e Escrita 5 • Leitura • Leitura e leituras • Os entornos da leitura Em cada unidade, você encontrará, além de um aviso e esta orientação de estudos: - a contextualização, em que você terá uma grande questão respondida: “Para que servem esses temas na minha vida?” assim você verá a relação entre os temas trabalhados e a função desses temas no seu cotidiano e na vida profissional; - o texto-teórico da unidade, em que os conceitos básicos da unidade serão apresentados com a bibliografia para compreender o assunto e aprofundá-lo; - a apresentação narrada é uma apresentação em powerpoint, contendo os pontos centrais da unidade e do texto-base; - a vídeoaula da unidade; - a atividade de sistematização (AS) são atividades com as quais você poderá verificar se o que foi visto e ouvido nas seções anteriores foi apreendido. São atividades de autocorreção, seguidas sempre do gabarito e uma explicação para que você possa conferir o que errou ou acertou e confirmar os porquês; - a atividade de aprofundamento (AP), consiste em atividades de produção escrita em um Fórum de Discussão ou em uma atividade de Produção Textual. Você deverá, então, participar de uma discussão coletiva a partir de uma questão colocada no fórum ou produzir um texto sobre o tema da Unidade, a partir de uma dada proposta. Essas atividades irão compor sua avaliação no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) Blackboard (Bb). Fique bem atento às instruções! · Nesta Unidade – “O prazer de ler e o ler por prazer” – começamos a disciplina Prática de leitura e escrita na qual você encontrará, no texto teórico, alguns caminhos possíveis para realizar a leitura de um texto, identificando seu tema, gênero e a sua esfera de circulação, isto é, em que situações de comunicação e de uso esses textos circulam na sociedade. O prazer de ler e o ler por prazer • A leitura do texto escrito e as distâncias • Quem escolhe o tipo de leitura a ser feita? • Um texto, múltiplas leituras 6 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer Contextualização Como futuro professor do Ensino Fundamental e Médio, pense em como você deverá estimular os seus alunos à leitura e, principalmente, ao prazer proveniente desse ato. Para isso, torna-se necessário refletir sobre o seu papel de leitor, principalmente por ser professor. Gostar de ler e de interpretar textos já é um grande passo, porém, mais do que isso, o seu prazer pela leitura e o conhecimento que você adquire com este ato pode chamar a atenção de seus alunos e estimulá-los. Vamos pensar em uma atividade prática de leitura em sala de aula: você pode escolher um poema, como o exposto a seguir, e pedir para alguns alunos fazerem uma leitura em voz alta: A lagartixa (Álvares de Azevedo) A lagartixa ao sol ardente vive E fazendo verão o corpo espicha: O clarão de teus olhos me dá vida, Tu és o sol e eu sou a lagartixa. Amo-te como o vinho e como o sono, Tu és meu copo e amoroso leito... Mas teu néctar de amor jamais se esgota, Travesseiro não há como teu peito. Posso agora viver: para coroas Não preciso no prado colher flores; Engrinaldo melhor a minha fronte Nas rosas mais gentis de teus amores Vale todo um harém a minha bela, Em fazer-me ditoso ela capricha... Vivo ao sol de seus olhos namorados, Como ao sol de verão a lagartixa. (Disponível em http://www.jornaldepoesia.jor.br/avz.html#alagartixa,Acesso em 12.03.2013) Nessa primeira leitura em voz alta, procure orientar os seus futuros alunos a refletirem sobre os sentimentos envolvidos no poema e que a leitura deve acompanhar esses sentimentos, além de respeitar os sinais de pontuação e o encadeamento dos versos. A leitura, antes de mais nada, deve ser interpretativa e um aluno pode opinar sobre a leitura do outro, no sentido de ajustá-la e melhorá-la. 7 Leitura Vamos começar com um alongamento mental... Imagine a seguinte situação: Você vê pegadas que saem do mar, atravessam a faixa da praia, parecem parar em uma esteira, mas continuam até chegar a um carrinho de sorvete... O que você deduz? Provavelmente que a pessoa que saiu do mar, pegou o dinheiro na esteira e foi comprar um sorvete. É uma hipótese que tem grande probabilidade de ser verdade, porque sua experiência de mundo permite criar essas relações entre fatos e intencionalidades. Ou seja, é muito provável que, num dia de verão, a pessoa que está tomando banho de mar queira um sorvete, um doce muito apreciado, principalmente na praia ou nos dias quentes. Para comprar o sorvete, porém, é necessário dinheiro, então, a parada na esteira teve essa função. As esteiras são os lugares onde se deixam os objetos quando se entra no mar (chinelos, óculos etc.). Você só conseguiu entender as pegadas como um texto com início, meio e fim, ao “ler” esse texto todo, montando hipóteses que foram sendo confirmadas ou refutadas pelos elementos que você, nesse caso, encontrou no chão. Se você prestar mais atenção aos detalhes pode chegar a definir se se trata de um adulto ou uma criança, mulher ou homem. Como você fez isso? Trata-se da observação da pegada, o tamanho, a largura, a distância dos dedos etc. Essa “dedução” é um tipo de leitura como tantos outros que existem no mundo e que permitem a todos nós nos relacionarmos com as pessoas a nossa volta, obtermos informações, entendermos os fatos que acontecem ao nosso redor e muitas outras ações derivadas dessa descodificação e atribuição de sentidos a um texto. O texto que você “leu” era composto por pegadas na praia, com ponto de partida (o mar), percurso (a esteira) e ponto de chegada (o carrinho de sorvete). Leitura e leituras Há muitos tipos de leitura no mundo. Essas leituras são aprendidas no convívio familiar e social, na vida cotidiana e, tradicionalmente, como na nossa disciplina, são aprendidas na escola. Um dos objetivos da escola é ensinar a ler e a escrever em língua materna. A leitura em língua materna (na nossa disciplina, a língua portuguesa), como em outras, tem de ser aprendida, porque requer o conhecimento da língua e de formas específicas de se organizá-la para a comunicação entre as pessoas que vivem em sociedade, o que acontece por meio dos gêneros. 8 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer Os textos que lemos são escritos de acordo com os gêneros que existem em nossa sociedade. Cada gênero tem uma função social, um valor, um certo tratamento dado aos temas abordados e um estilo. Alguns gêneros existem há muitos séculos como as cartas e outros são muito novos como o e-mail, dessa forma, é possível constatar que todos os gêneros têm sua própria história, que está integrada à história do grupo social em que se insere. Existem gêneros orais e escritos. Muitos dos gêneros orais, você já domina. Aprendeu alguns deles pelo uso e pela necessidade de interação e de convivência no mundo. O telefonema é um deles. Mesmo que os aparelhos tenham mudado (fixo ou celular e afins), as conversas telefônicas se realizam todos os dias, e o famoso “alô” ainda funciona, embora os temas das conversas, a duração e as fórmulas de despedida (“até logo”, “tchau” etc.) tenham mudado, porque dependem das relações entre os participantes da conversa, grau de intimidade, local em que se encontram e tema abordado. Um casal de namorados pode demorar mais para se despedir, enquanto um chefe pode desligar o telefone depois de ter dito o que precisava informar ao seu funcionário. Pense em situações em que as características dos participantes da conversa telefônica, o tema abordado, local em que se encontram modificam o diálogo entre ambos. BRANDÃO, H.H. N. Gêneros do discurso: unidade e diversidade. Disponível em: https://bit.ly/2TuM3gk SILVA, S. da. Teoria aplicada sobre gêneros do discurso/textuais. Disponível em: https://bit.ly/38VdlqJ Objetivos de aprendizado Nas aulas de leitura, focaremos a atenção nos gêneros escritos, buscando os elementos que os compõem. Em cada texto, estudaremos, desde a esfera de circulação, autor e leitor e oestilo. Os entornos da leitura Os textos, sejam verbais ou não verbais, exigem que o leitor tenha conhecimento de mundo e dos códigos utilizados, para que assim ele possa determinar o valor de cada elemento presente nos textos. Assim, quando lemos um texto, buscamos, nessa posição de leitores, elementos – provenientes do contexto e do próprio texto – que permitam a atribuição de sentidos. É o equilíbrio entre elementos do contexto e do texto que auxiliam na decifração do texto. 9 A leitura é um processo, portanto, que coloca lado a lado autor / falante e leitor/ ouvinte intermediados pelo texto. Cada texto, como aparece no box sobre gêneros, pode ser oral ou escrito; e também verbal ou não verbal, ou ainda misto, isto é, verbal e não verbal, como nas histórias em quadrinhos. O que garante a legibilidade dos textos é a unidade de sentido, negociada na interação entre leitor / ouvinte e autor / falante. Quando estamos conversando com amigos íntimos, há uma interação que, para outras pessoas, pode parecer sem sentido. Conversamos de maneira aparentemente cifrada, pois nos entendemos com poucas palavras e muitos implícitos (informações que dependem do grau de conhecimento entre os envolvidos, da situação em que estão e não propriamente do que é dito). Por exemplo: se temos um amigo que é mais “esquentado”, o seguinte diálogo faz sentido: - O vendedor insistiu muito com o Carlos. – disse o primeiro amigo - Deu B.O.? – perguntou o segundo. - Quase... – responde rindo o primeiro. B.O. (boletim de ocorrência) aqui significa que Carlos teria brigado com o vendedor por causa da insistência. Em outra situação, o segundo amigo continuaria ouvindo a história sem esse tipo de comentário, que resulta do fato de Carlos ser bastante combativo e ter pouca paciência, daí a inferência do segundo amigo sobre uma suposta briga de Carlos com o vendedor e o consequente B.O. – boletim feito na ocasião da denúncia na delegacia. Para entender melhor como funcionam os implícitos no texto, imaginemos a seguinte fala de um diálogo: - Pedro parou de fumar! (posto) Esse é o posto. O posto está marcado linguisticamente (pelas palavras ditas) e não pode ser negado, pois está explícito. O pressuposto, um dos implícitos do texto, está marcado nos elementos linguísticos, pois se Pedro parou de fumar, o verbo “parar” implica que ele fumava antes. Assim cada leitor ou ouvinte utiliza seus conhecimentos linguísticos e de mundo para compreender o que está sendo dito. O outro implícito é o subentendido, pois, de acordo com a situação imediata que envolve os falantes (as relações entre eles – se são amigos, conhecidos, pai e filho, empregado e patrão -,e a situação ampliada em que se inserem (os participantes do diálogo podem estar no século XXI em que o hábito de fumar é combatido por questões de saúde ou estar no século XIX, em que fumar fazia parte dos hábitos de um homem elegante), há várias respostas para essa fala que dependerá dessa situação. A pessoa que responderá pode entender a frase como uma informação ou como uma forma de repreensão. Se a pessoa entender como uma informação que a outra está fornecendo, ela pode responder: - Ele disse mesmo que queria parar! Ou: – Que bom, agora os problemas respiratórios dele vão sumir. 10 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer Em outro caso, se a pessoa entender essa fala como uma forma de repreensão, a resposta será bem diferente: - Eu já disse que cada um pára quando quer. Ou: - Você sempre fica me pressionando. Toda hora vem com sermão. Eu já sei que preciso parar de fumar. A resposta está baseada no que a pessoa entendeu do fato e não do que foi dito. Trata-se do subentendido que é como o ouvinte ou o leitor compreende o que foi dito segundo suas expectativas; a situação em que ocorre a conversa ou o momento em que acontece a leitura; a relação que tem com o outro falante / o autor ou ainda com o tema apresentado. Isso resulta do fato de que não dizemos tudo, pois se o fizéssemos a comunicação seria lenta e menos eficaz. Conforme os gêneros que estamos utilizando, podemos explicitar mais ou menos informações, visões de mundo e opiniões. Os gêneros jurídicos, por exemplo, deixam menos informação implícita por trabalharem com fatos, provas e argumentos que levem ao ganho do processo (livrar um réu de uma acusação ou conseguir que ele seja considerado culpado por aquilo de que foi acusado – depende de que lado o advogado está). Já os gêneros publicitários deixam mais elementos implícitos por terem como objetivo não somente que os consumidores considerem o produto melhor, mas que tenha o desejo de comprar. Por essa razão, os gêneros publicitários criam certas imagens baseadas nas expectativas nos consumidores e não somente na leitura dos dados apresentados. O subentendido, às vezes, se refere a como um autor ou um falante entende os temas tratados nos textos. Vejam o caso dessas manchetes. “Mandinga” funciona, Luxa é expulso por agressão em gandula e Inter fatura o retorno (Folha online, 29-04-2012) Internacional vence o Grêmio e vai decidir com o Caxias (Estadão online, 29-04-2012) Ambas as manchetes tratam de um mesmo jogo entre Internacional e Grêmio pelo campeonato estadual, porém cada uma delas indica como o jornal considera a notícia da partida. A Folha destaca a partida como consequência de outros fatos apresentados durante a semana (a mandinga – colocar sal grosso no banco de reservas do Grêmio) e aponta como elementos relevantes a expulsão do técnico do Grêmio (Luxemburgo, também conhecido como Luxa) e a vitória do Internacional. Já o Estadão se atém somente ao fato principal deixando os detalhes como a preparação durante a semana e a expulsão do técnico (Luxemburgo) para outro momento. O subentendido aqui se refere ao modo como cada jornal trata o tema partida semi-final do campeonato gaúcho de futebol. Um com mais detalhes, direcionando o que o leitor deve entender dos fatos e outra que apresenta de forma mais “neutra” o que ocorreu na partida, deixando mais espaço para o leitor. Os implícitos do texto oral ou escrito dependem do conhecimento de língua, de gênero, de mundo. Os conhecimentos de língua são necessários para que todos nós possamos entender como as palavras ou as estruturas do texto se relacionam. 11 Os conhecimentos de gênero são importantes para saber as funções de cada texto; também é importante saber por onde circulam e quais intenções colocam e seus autores/falantes e quais expectativas demandam de seus leitores / ouvintes. Ou melhor, deve-se levar em conta como cada um deve se comportar ao ler o texto de determinado gênero, uma vez que é diferente ler uma notícia e uma conta de luz ou de água. Por fim, os conhecimentos de mundo são imprescindíveis para a atribuição de sentidos a um texto, porque sem eles as palavras não significam, já que o significado de um texto é marcado histórica e socialmente. FIORIN, J.L.; SAVIOLI, F.P. “Lição 20 Informações implícitas”. In: Lições de Texto: Leitura e Redação. 4ª ed. São Paulo: Ática, 2003. GOLDSTEIN, N.; LOUZADA, M. S.; IVAMOTO, R.“Capítulo 1 Linguagem, texto, gêneros textuais”. In: O Texto Sem Mistério: Leitura e Escrita na Universidade. São Paulo: Ática, 2010. A leitura do texto escrito e as distâncias A leitura do texto escrito ocorre longe do autor do texto, às vezes distante no tempo – quando lemos a carta de um avô; outras, distante no espaço – quando lemos um e-mail de um colega de outro estado ou país; há ainda os casos em que as distâncias são temporais e espaciais – quando lemos as obras de Machado de Assis ou Shakespeare. Se o texto é escrito, a dependência de elementos contextuais é um pouco menor do que as dos textos orais (sem nunca deixar de ser importante) e os elementos linguísticos ganham maior relevo, porque a negociação se dá de forma mais intensa nesses níveis. Em outra Unidade, sobre escrita, vamos tratar dessa questão com mais detalhes. Em razão da interação entre autor eleitor, podem ser feitas muitas leituras de cada texto. Essas leituras podem variar, porque os leitores têm diferentes experiências de vida e de mundo e os objetivos da leitura são múltiplos. Nesse momento, você está lendo, pois precisa das informações contidas no texto; deve finalizar a unidade; está fazendo um curso. Essa leitura se caracteriza por apresentar uma finalidade: você busca algo no texto para aplicar em outro lugar, no nosso caso, em exercícios. Há, no entanto, outros tipos de leitura. Aquela que se faz por prazer, para relaxar, como a leitura de romances, colunas sociais, páginas pessoais das redes sociais. Há ainda a leitura feita para se obter dados sem um objetivo imediato para a formação do profissional ou do indivíduo como a leitura de textos religiosos ou teóricos na área profissional. 12 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer Quem escolhe o tipo de leitura a ser feita? Certos ambientes de interação, como a escola, privilegiam a leitura como forma de obter informações para realizar tarefas. Outros ambientes como o familiar, o da roda de amigos, tem a leitura como formação ou como prazer. A leitura pode variar também em função do gênero a que se vincula o texto, e assim você aos poucos vai aprendendo a ler cada gênero de acordo com suas características. Acompanhe o caso do aluno que lê um conto ou um poema para fazer uma prova. Ele pode ser bem sucedido na avaliação da disciplina, porém os gêneros da esfera literária não são elaborados nem estruturados de modo a fornecer informações para uma prova. A circulação e a função social desses gêneros pressupõem um diálogo entre formas de entender o mundo e, consequentemente, formas de avaliar o mundo. Em outra ocasião, o aluno lê um texto teórico para fazer uma prova ou um texto didático. Nesse caso, o apoio desses textos está mais de acordo com a atividade a ser desenvolvida pelo aluno – a prova. A leitura dos gêneros é feita na tensão entre a historicidade do gênero e a atualização desse mesmo gênero na forma de texto que se encontra à sua frente. O que seria a historicidade de um gênero e a atualização desse gênero? Se você está lendo um texto do twitter, vai considerar que os caracteres permitidos são 140, que as mensagens são estímulos para discussões posteriores ou desdobramentos dessa primeira mensagem etc. No twitter, não está previsto um aprofundamento dos fatos e reflexões, mas pode-se apontar para outros gêneros ou suportes que permitam esses processos de compreensão dos fatos ou da exposição das ideias sobre o tema abordado. Ou seja, a leitura do twitter permite um recorte da situação apresentada com indicações para outros textos. Não se espera desse texto a profundidade ou o caráter panorâmico que outros gêneros trazem como a notícia ou a reportagem. Ler o twitter como o texto que resume a situação com esclarecimentos precisos e detalhados é ler de forma equivocada sem perceber a função desse texto. Assim é vital lembrar que cada gênero, na forma de texto que está na tela do computador ou que chega às suas mãos, imprime uma forma de ler, mas não pode impedir que outras leituras sejam feitas. Respeitar os limites de cada uma das formas de leitura e estabelecer objetivos para a sua leitura é uma das metas dessa disciplina, uma vez que, ao desenvolvermos os processos de leitura, bem como algumas das estratégias, você possa escolher sua forma de leitura, respeitando esses limites e buscando otimizar os objetivos relativos ao texto que está a sua frente. Outras vezes, a escolha de que tipo de leitura vai ser feita depende do ambiente em que você se encontra, em que ocorre a interação autor – texto- leitor. Na sala de aula, virtual ou presencial, muitos textos são lidos como fonte de informação. No entanto, fora do ambiente escolar são normalmente lidos com outros objetivos. Um exemplo disso, são os textos jornalísticos que fora da sala têm como objetivo informar e formar a opinião do leitor, mas que, na sala de aula, muitas vezes, são utilizados para reforçar os argumentos de um aluno ou professor com os dados que aparecem nas notícias ou reportagens. Eles servem para provar um ponto de vista. 13 O mesmo pode ser verificado com as receitas que são, em aula, utilizados para a formulação e resolução de problemas matemáticos e não como uma forma de se fazer um prato para alimentar as pessoas. Se não prestarmos atenção a esses elementos, podemos ser levados a ignorar a função de cada texto, utilizando-o como pretexto para outras atividades e funções. Observar ou seguir as funções dos textos é vital para quem como vocês utilizarão os textos (remetendo sempre ao gênero ao qual pertencem) em sala de aula para ensinar a língua e seus usos. Para a formação de repertório, no entanto, você pode escolher suas leituras e se colocar na posição de leitor de vários textos, mesmo que eles não tenham sido escritos para você. Colocar-se como leitor de um texto permite que você entenda outras realidades que esses textos veiculam. Muitas vezes, fazemos isso sem ter consciência. Isso pode ocorrer quando somos crianças e lemos textos destinados aos adultos. Boa parte do que lemos nessa época não faz sentido, pois não temos conhecimento de mundo para construir os sentidos que esses textos propõem. Imaginem uma criança de sete anos lendo um carnê com as datas de vencimento, detalhes sobre atraso do pagamento etc. Para essa criança, isso pode não fazer muito sentido. No entanto, se ela for ler o regulamento do prédio, essa leitura pode fazer mais sentido, porque ela está acostumada a regras dos jogos, por exemplo, e por sua vivência em um condomínio, sabe que existem horários para brincar no parquinho etc. Quando nos propomos a ler a Constituição Brasileira, muitos dos detalhes ou do vocabulário que lá está pode nos afastar dos sentidos presentes nos artigos das leis, porém, trata-se de uma leitura necessária para aqueles que querem conhecer seus direitos e deveres. Assim colocar-se como leitor da Constituição Brasileira (pelo menos de trechos) pode ser importante para a construção da cidadania. Aliás, essa uma das grandes tarefas da leitura e da escrita: formar o cidadão. Um texto, múltiplas leituras Ler um texto é levar todos esses elementos em conta. Depois de uma leitura sem compromisso, é importante observar alguns elementos que tornam a leitura mais aprofundada: 1. Começamos pelo gênero para identificar: 1.1 sua função (informar; persuadir; indicar prazos etc.) 1.2 elementos de sua estrutura composicional (como se organiza no espaço em branco, quais os elementos imprescindíveis para que reconheçamos o gênero, etc.; 2. Observamos o suporte em que se encontra o texto (papel; tela de computador; outdoor; televisão etc.); 3. Verificamos em qual esfera circula; 14 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer 4. Determinamos quem escreve e para quem é escrito; 5. Retornamos à leitura do texto verbal (ou não verbal ou misto, conforme o gênero). Tomemos, como exemplo, o texto de Ana Maria Machado, conhecida escritora da literatura infanto-juvenil, premiada internacionalmente por seus livros. Nessa coluna, na revista eletrônica Carta Capital, temos o texto “Apossar-se de um tesouro”, publicado em 13-02-2012. Faça uma primeira leitura, depois passaremos para a nossa lista. Carta da Ana 13.02.2012 18:33 1. Carta da Ana 2. 13.02.2012 18:33 3. Apossar-se de um tesouro 4. Precisamos fincar raízes em uma linha de continuidade e ter a segurança de certa permanência, fixada na cultura da humanidade 5. Caro professor, 6. Quando eu nasci, era filha única. Mas isso não durou muito e virei a mais velha de um monte de irmãos. Somos 11. E tínhamos uma quantidade de primos inacreditável: tanto meu pai como minha mãe tinham seis irmãos. 7. Alguns desses tios tiveram uma filharada, o que me deu 14 primos mineiros, 7 gaúchos, muitos fluminenses, outros tantos capixabas. 8. Fora os primos de segundo grau, sobretudo filhos dos primos de minha mãe, deconvívio muito próximo e laços íntimos até hoje, que se prolongam já por nossos netos, por incrível que pareça. 9. De perder a conta e o fôlego. Principalmente porque nas férias de verão convivíamos pelos mesmos quintais numa praia do Espírito Santo, por onde a família se espalha desde 1916. Hoje, meus netos e sobrinhos-netos brincam por lá, em meio às novas gerações dessa primalhada e seus amigos. 10. É com alegria que a gente vai acompanhando as transformações e vendo como a garotada continua brincando na praia, correndo pelos gramados e subindo pelos galhos de goiabeiras, mas é capaz de ficar horas em torno de games, de tablets nas mãos. Ou de livro nas mãos, um mais velho lendo para os menores, como tantas vezes fizemos ou ouvimos na nossa infância. 11. Agora (como sempre) os recém-alfabetizados andam dando sua leitura em voz alta de presente aos pequeninos, fascinados com aquela mágica de transformar papel com manchinhas de tinta em histórias que fazem sonhar. Têm à sua disposição um excelente acervo que a literatura infantil brasileira foi construindo ao longo das últimas décadas. Uma variedade de alto nível, com uma riqueza de repertório de que muito poucas culturas podem se gabar em nossos dias. 12. Ao mesmo tempo, mesmo já lendo, não querem perder a alegria de escutar com atenção uma história lida. Começam a pedir aos pais que lhes contem outras, mais compridas, sem tanta figura 15 para distrair. E vejo os pais deles, meus sobrinhos, em busca do repertório que os deliciava na infância – histórias tradicionais populares como a de Pedro Malasartes ou João Bobo, contos de fadas, a obra de Monteiro Lobato ou Cazuza, de Viriato Correia. Vivem uma experiência emocional gostosíssima, de descobertas conjuntas e encantos compartilhados. Ao mesmo tempo, têm a oportunidade de levantar dúvidas, medos, angústias e tentar aprender a conviver com as inevitáveis zonas de sombra que nos acompanham. 13. Além de todos esses aspectos positivos no terreno da afetividade, evidentes por si só, observo como esse processo vai construindo neles um embasamento humanista para o futuro, paralelo à aquisição de parte de um legado cultural milenar, que constitui um tesouro das civilizações. 14. Não vivemos apenas de tecnologia de ponta e modas passageiras. Além da inserção no contemporâneo, precisamos também fincar raízes em uma linha de continuidade e ter a segurança de certa permanência, fixada na cultura da humanidade que vem sendo construída há milênios. Sentir que coisas diferentes têm ritmos diferentes. Umas exigem resposta imediata, quase automática. Outras demandam um tempo de reflexão e entendimento - para amadurecer uma reação. Precisamos de ambas as experiências. Uma alimenta a outra. E nós nos nutrimos de todas. 15. Vários estudos demonstram que a aquisição desses repertórios na infância contribui enormemente para o desenvolvimento das capacidades próprias e estimula a imaginação tão necessária a cientistas, inventores, artistas e estadistas. Fundamental para sonhadores ou para empreendedores. Na Universidade de Cambridge, por exemplo, a professora Juliet Dusinberre pesquisou as leituras infantis de vários monstros sagrados das letras em língua inglesa no século XX e fez algumas descobertas interessantes. 16. Entre elas, a de que todos os que revolucionaram essa literatura no Modernismo, com suas experimentações radicais na linguagem ou na maneira de contar histórias (como James Joyce, Virginia -Woolf e -Ernest -Hemingway), -tinham tido intenso convívio, em criança, com a leitura de obras de autores sem condescendência com a facilitação no que escreviam, e sem preocupação em insistir em dar lições. 17. Ou seja, autores como Lewis Carroll, de Alice; Robert Louis- Stevenson, de A Ilha do Tesouro e O Médico e o Monstro; ou Mark Twain, de As Aventuras de Huck. 18. Autores que não faziam a menor concessão a um linguajar simplificado ou a uma história paternalista de heróis e vilões claramente divididos, mas pelo contrário, erigiam desafios à leitura infantil e exigiam cumplicidade na decifração de significados mais profundos. Mas, ao mesmo tempo, foram capazes de criar enredos empolgantes e personagens atraentes. 19. Naquele tempo, sem a concorrência de outras tecnologias mais visuais e eletrônicas, as crianças desenvolviam muito cedo o fôlego de leitura que lhes permitia mergulhar nessas obras, logo que se alfabetizavam. 20. Hoje, provavelmente, os primeiros passos por esse território serão mais firmes se acompanhados por um adulto que leia junto e comente – ou a partir de leituras em voz alta ou em leituras paralelas que se reúnam depois numa conversa sobre um episódio lido. Em ambos os casos, será uma experiência deliciosa e enriquecedora para as duas partes. 21. Ana Maria Machado (disponível em http://www.cartacapital.com.br/carta-fundamental/apossar-se-de-um-tesouro/ ) Acesso em 10 de agosto de 2012. 16 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer Após a leitura, você é capaz de responder a qual gênero pertence essa “carta”? Como se pode observar, o texto possui todas as características de uma carta, desde a data (13-02-2012 - 2), o endereçamento ao interlocutor (Caro professor - 5) e a despedida no fim (Ana Maria Machado - 21), porém traz outras características que não pertenceriam às cartas, como o título (Apossar-se de um tesouro – 3); a frase que se destaca (“Precisamos fincar raízes em uma linha de continuidade e ter a segurança de certa permanência, fixada na cultura da humanidade”) e o fato de ser divulgada na Revista Carta Capital, com o título da coluna (Carta da Ana – 1). As revistas têm editoriais; notícias, reportagens, ensaios, colunas entre outros gêneros. As colunas existem em cada um dos cadernos de um jornal ou em várias partes de uma revista. O nome desse gênero vem do fato de que os textos estão dispostos em colunas identificadas por um título fixo ou pelo nome do autor. Assim, temos a coluna do Zé Simão e a coluna Carta fundamental, de onde se extraiu esse texto de Ana Maria Machado. Trata-se de uma maneira de expor pontos de vista pelos quais se responsabiliza o autor da coluna e não o jornal e sua editoria. Há uma variedade enorme de colunas, uma vez que elas variam de acordo com o tipo de editoria do jornal e suas necessidades. A editoria de esportes, por exemplo, é bem diversa da de economia em objetivos, linguagem, tratamento dos temas e identificação do leitor. A linguagem nas colunas pode se apresentar de forma mais coloquial, incorporando muitas vezes dados de outras fontes para a estrutura argumentativa que propõe; ou de maneira mais formal, caracterizada pelo modo como age seu autor. No caso da Carta Capital, as colunas da Carta Fundamental (uma subdivisão da revista eletrônica) apresentam semanalmente autores que trazem um tema que julgam “fundamentais” para serem discutidos. Tomando esses elementos como base, podemos afirmar que a carta de Ana Maria Machado é uma simulação de uma carta real, pois ela utiliza o espaço da revista para mandar essa carta que deveria ir pelo correio. Além disso, ela elegeu os professores (na figura de “caro professor”) para poder, nessa carta, conversar com todos que se encaixem nessa categoria. Dessa forma, temos o gênero coluna de atualidades e para quem se dirige o texto. A esfera em que circula o texto é importante para sabermos a sua abrangência e importância. O texto de Ana Maria Machado circula na esfera jornalística que tem como uma de suas funções formar a opinião pública, assim ela utiliza esse espaço da coluna na esfera jornalística para divulgar seu ponto de vista sobre a leitura. Na apresentação do texto, destaquei alguns elementos da biografia da autora e de sua atuação. Essas informações reforçam a importância dela e situam o leitor para acatar ou pelo menos considerar o que ela está propondo em seu texto. Como se trata de um texto longo, é necessário identificar partes em que se subdivide: 1) a autora inicia o texto contando suaexperiência pessoal em relação à família e sua constituição. São os parágrafos identificados como 6, 7, 8 e 9. Aparentemente esses dados pessoais não se relacionam com o título nem com o tema do texto, porém a partir desses parágrafos ela vai tecer a segunda parte; 17 2) Nos parágrafos 11 e 12, ela revela que a nossa literatura infanto-juvenil é uma das melhores e que é possível relacionar tradição (Monteiro Lobato e Viriato Correa) e inovação. No parágrafo 12, Ana Maria Machado aponta para as inúmeras funções da literatura infanto- juvenil (“Vivem uma experiência emocional gostosíssima, de descobertas conjuntas e encantos compartilhados. Ao mesmo tempo, têm a oportunidade de levantar dúvidas, medos, angústias e tentar aprender a conviver com as inevitáveis zonas de sombra que nos acompanham.”), que serão descritas e explicadas na parte 3. 3) Nos parágrafos 12 (parte final), 13, 14, 15, 16, 17 e 18, a autora indica o que seria esse tesouro e como se apoderar dele. Para convencer o leitor, traz a voz da ciência, dos pesquisadores (“Na Universidade de Cambridge, por exemplo, a professora Juliet Dusinberre pesquisou as leituras infantis de vários monstros sagrados das letras em língua inglesa no século XX e fez algumas descobertas interessantes.”). A conclusão dessa parte é que os grandes escritores formaram seu repertório com obras que não eram facilitadas, que propunham visões de mundo complexas e, ao mesmo tempo, atraentes para as crianças. 4) Nesta última parte, ela continua ressaltando o valor da literatura como formadora de repertório e faz uma ressalva quanto ao acesso das crianças e adolescentes a esse tipo de tesouro. Nessa parte fica mais claro porque ela se dirige ao professor (“Hoje, provavelmente, os primeiros passos por esse território serão mais firmes se acompanhados por um adulto que leia junto e comente – ou a partir de leituras em voz alta ou em leituras paralelas que se reúnam depois numa conversa sobre um episódio lido.”) e, pela esfera em que circula a revista, aos pais, tios, irmãos e afins – adultos que podem se responsabilizar pela busca a apropriação desse “tesouro”. Para usufruirmos das múltiplas leituras que o texto propõe, podemos nos colocar algumas questões que ampliarão a primeira leitura. A) Qual é o tema desse texto? “A literatura forma o sujeito e o cidadão, sendo um elemento humanista em nossa formação.” B) Como é possível provar essa resposta? Esse papel da literatura se encontra enunciado pela autora nos parágrafos identificados como 12, 13 e 14 – trechos marcados em negrito. Nesses trechos, Ana Maria Machado ressalta o papel cultural da literatura como ponte entre épocas, ritmos e valores. 1. Ao mesmo tempo, mesmo já lendo, não querem perder a alegria de escutar com atenção uma história lida. Começam a pedir aos pais que lhes contem outras, mais compridas, sem tanta figura para distrair. E vejo os pais deles, meus sobrinhos, em busca do repertório que os deliciava na infância – histórias tradicionais populares como a de Pedro Malasartes ou João Bobo, contos de fadas, a obra de Monteiro Lobato ou Cazuza, de Viriato Correia. Vivem uma experiência emocional gostosíssima, de descobertas conjuntas e encantos compartilhados. Ao mesmo tempo, têm a oportunidade de levantar dúvidas, medos, angústias e tentar aprender a conviver com as inevitáveis zonas de sombra que nos acompanham. 18 Unidade: O prazer de ler e o ler por prazer C) Como explicar o título? Qual seria o tesouro? Como nos apossamos dele? Novamente voltamos aos parágrafos identificados como 13 e 14, pois contém as palavras- chave para responder a essas questões. No 13, “paralelo à aquisição de parte de um legado cultural milenar, que constitui um tesouro das civilizações”. Daí o título. No 14, “Sentir que coisas diferentes têm ritmos diferentes. Umas exigem resposta imediata, quase automática. Outras demandam um tempo de reflexão e entendimento -para amadurecer uma reação. Precisamos de ambas as experiências. Uma alimenta a outra. E nós nos nutrimos de todas.” Aponta para como a leitura dos clássicos permite nos apossar do passado vivendo o tempo presente de forma mais plena. D) E como a autora nos convence disso? Ela nos envolve em sua experiência pessoal e mostra como esse contato com a literatura é decisivo também para aqueles que são nomes consagrados na cultura. Para isso, ela se utiliza de outras fontes, como por exemplo, a pesquisadora da Universidade de Cambridge, centro de produção e difusão de conhecimentos. Em Síntese Como pudemos ver nessa unidade, a leitura é um processo amplo, que depende da observação de muitos elementos, que permite a atribuição de múltiplos sentidos e que depende tanto de aspectos linguísticos como extra-linguísticos. E como bem orienta Ana Maria Machado, para formar leitores é preciso acompanhar-lhes os primeiros passos, fazer leituras em voz alta, propor comentários e discussões a respeito do que foi lido e compartilhado pelo texto. Esperamos com essa unidade tê-lo ajudado a dar mais um passo em sua formação de leitor! 2. Além de todos esses aspectos positivos no terreno da afetividade, evidentes por si só, observo como esse processo vai construindo neles um embasamento humanista para o futuro, paralelo à aquisição de parte de um legado cultural milenar, que constitui um tesouro das civilizações. 3. Não vivemos apenas de tecnologia de ponta e modas passageiras. Além da inserção no contemporâneo, precisamos também fincar raízes em uma linha de continuidade e ter a segurança de certa permanência, fixada na cultura da humanidade que vem sendo construída há milênios. Sentir que coisas diferentes têm ritmos diferentes. Umas exigem resposta imediata, quase automática. Outras demandam um tempo de reflexão e entendimento - para amadurecer uma reação. Precisamos de ambas as experiências. Uma alimenta a outra. E nós nos nutrimos de todas. 5 • A palavra falada e a palavra escrita: comunicação e poder • A escrita e sua importância • O ato de escrever É necessário que você leia com atenção os textos disponibilizados, visite os sites sugeridos, leia obras importantes da bibliografia e procure estabelecer relação entre a teoria e a prática, já que você perceberá que os textos foram concebidos com muitos exemplos. Lembramos a você da importância de realizar todas as leituras e as atividades propostas dentro do prazo estabelecido para cada unidade, no cronograma da disciplina. Para isso, organize uma rotina de trabalho e evite acumular conteúdos e realizar atividades no último minuto. Em caso de dúvidas, utilize a ferramenta “Mensagens” ou “Fórum de dúvidas” para entrar em contato com o tutor. É muito importante que você exerça a sua autonomia de estudante e que desenvolva sua proatividade para construir novos conhecimentos. Bons estudos!! · Nesta Unidade – “A palavra escrita” – você encontrará, no texto teórico, alguns caminhos possíveis para realizar a leitura de um texto escrito, identificando seu gênero e suas características. A palavra escrita 6 Unidade: A palavra escrita Contextualização A escrita como poder de inserção social Por que aprender a escrever e a entender o funcionamento da escrita? Ao ser humano, cabe o privilégio de sonhar para além daquilo que é dado e feito. Dentro desse princípio, em um determinado momento da história humana, a linguagem falada que possibilitava a comunicação entre os seres, já não atendia totalmente as necessidades do homem. Naquele momento, faltava-lhe o domínio da linguagem escrita, essencial para a realização de sua plena interação social. Hoje, principalmente porque vivemos em uma sociedade letrada, em que as relações entre as pessoas é mediada pela palavra escrita, em boa parte do tempo, o domínio da escrita é fundamental. Destacam-se, desse modo, as diferenças de importância atribuídas ao domínio da palavra falada ou escrita em distintos períodos da história do homem. Em determinada época a oralidade era a força da comunicaçãopara a persuasão e o convencimento e menor importância era dada à escrita. Esta foi adquirindo força com a modernização da sociedade, a invenção da imprensa, o advento das novas tecnologias de informação e comunicação (TIC’s), pelo fato de o domínio da escrita ter se tornado um bem-social necessário para enfrentar o cotidiano em todo e qualquer contexto. Pela maneira como foi introduzida culturalmente na vida do homem, a escrita tornou-se um símbolo de “educação, desenvolvimento e poder” (MARCUSCHI, 2004, p.17). O caso de pessoas que, apesar de já adultas, ainda não dominam a escrita como meio de comunicação e de interação social, pode servir de ilustração para a afirmação acima. Essas pessoas percebem que só a oralidade não atende a todas as necessidades básicas nos dias de hoje e resolvem buscar o acesso à escrita meio da escola. Para exemplificar, um fragmento da história de uma mulher, 46 anos, que trabalha como diarista. Viveu anos de aflição por chegar atrasada ao emprego. Como não conseguia ler, associava os itinerários dos ônibus a cores. Isso funcionou até que uma lei municipal determinou que todos os ônibus adotassem a mesma cor. Essa foi a maior razão que a levou à escola. No seu pedido de socorro, expressou: “preciso conhecer as letras e aprender a ler para poder trabalhar”. Percebe-se que essa pessoa e outras tantas em situações semelhantes, por algum tempo, conseguiram atender às necessidades básicas de sobrevivência, comunicando-se por meio da linguagem oral e utilizando-se de suas leituras de mundo, pois trabalharam, constituíram família, puderam ter conta em bancos. Escrever, para essas pessoas, pode significar a vontade de ser “alguém na vida” como costumam dizer. Podemos, então, afirmar que o desenvolvimento das ciências e das tecnologias passou a exigir o conhecimento de outras linguagens para a execução de atividades simples do dia a dia. Os argumentos de que a posse da escrita dá certo poder liberador já são suficientes para justificar a busca por conhecimentos novos, mais amplos e elaborados. Aprender a escrever auxilia o homem a assumir sua voz e conseguir autonomia nos meios em que circula: no trabalho, nas redes sociais, na educação etc. Vamos ver como isso se dá no texto principal da Unidade. 7 A palavra falada e a palavra escrita: comunicação e poder Palavras, palavras....palavras. Elas podem nos dar a sensação de poder e de prazer como nos diz a escritora Adélia Prado. O poder e o prazer de dizer. Poder comunicar-se foi sempre uma necessidade humana. Uma necessidade suprida, inicialmente, pela palavra falada e depois por várias outras formas que, por meio de invenções e novas tecnologias, contribuíram para que as barreiras do tempo e da distância fossem rompidas. As formas podem ser aqui destacadas pelos sinais deixados pelo povo da Antiguidade: os hieróglifos dos egípcios, os ideogramas dos chineses e japoneses e o alfabeto dos fenícios. Já as invenções como o papel, a imprensa, o lápis e a caneta, usados até hoje, e atualmente, as novas tecnologias, surgiram para facilitar a comunicação escrita e marcarem a história da humanidade ao longo dos tempos. Um fato bem brasileiro que mostra a importância da escrita como registro da história é a carta de Pero Vaz de Caminha. Nela, foram retratadas características que permitem ao leitor, mais de 500 anos depois, voltar no tempo e compreender a história dessa terra e do povo que nela vivia. Cada uma das inovações tecnológicas relacionadas à escrita permitiu avanços na socialização da palavra escrita. Pode-se dizer que surgiu um novo leitor, diferente do que se tinha até então, aquele que era considerado apenas um ouvinte de leituras realizadas por outros, uma vez que o conhecimento da escrita era poder de poucos. Então, esse novo leitor passou a ter acesso à palavra que já não era mais só falada e, assim, a utilizar tanto uma quanto a outra forma de expressão e comunicação, conforme sua necessidade. Com isso, percebe-se que, em toda e qualquer situação da comunicação humana, faz-se necessário o uso da palavra, oral e/ou escrita, como forma de dizer. No entanto, é possível compreender a importância da escrita como garantia de registro da história e da evolução humanas. Ainda menina, descobri o poder e o prazer da palavra. [...] É uma coisa fantástica escrever, descobrir sua própria voz. Quem escreve sabe disso. Adélia Prado Revista Na Ponta do Lápis.dez. de 2010,pp. 2-3. 8 Unidade: A palavra escrita A escrita e sua importância A expansão social do uso da linguagem escrita foi acompanhada pelo desenvolvimento social, pelas mudanças na política, na economia e na compreensão do homem a esse respeito. Sabe-se que, há mais de três mil anos, o homem já fazia tentativas de registrar seus pensamentos, seus sentimentos e aspectos de sua vida por meio da escrita e que esse fato é justificado pelas linguagens gráficas que foram criadas ao longo da história, marcas de uma trajetória que registram a possibilidade de compreender a evolução do homem, enquanto ser social. É possível observar um exemplo das tentativas acima citadas, por meio das pinturas e das gravuras rupestres aqui do Brasil, registradas no Parque Nacional Serra da Capivara, localizado no sudeste do estado do Piauí, ocupando áreas dos municípios de São Raimundo Nonato, João Costa, Brejo do Piauí e Coronel José Dias1 .Observe a seguir. Figura 1 - Toca do Boqueirão da Pedra Furada (Escolhida como logomarca do Parque). Disponível em: commons.wikimedia.org Conforme atestam os pesquisadores e as informações arqueológicas disponíveis, essa pintura e outras do Parque teriam sido realizadas na pré-história por vários grupos étnicos que habitavam aquela região. Também chamadas de arte rupestre, feita nas paredes de cavernas ou abrigos, são marcas que se apresentam tanto como formas de expressão para externar sentimentos quanto de comunicação. No Brasil, outros registros da história chamam a atenção para um fato pouco difundido que é a familiaridade dos escravos com a escrita. Tal fato pode ser percebido em registros que tratam do “Movimento Malê” em que se faz referência aos revoltosos e às marcas trazidas no corpo e aos amuletos com papéis escritos por eles mesmos. Também chama a atenção um trecho de Casa-grande & Senzala, de Gilberto Freyre, que fala da Bahia de 1835: “nas senzalas da Bahia havia talvez maior número de gente sabendo ler e escrever do que no alto das casas-grandes” (FREYRE, 1992, p. 49). 1 As imagens fazem parte do acervo da FUMDHAM – Fundação Museu do Homem Americano no Piauí. Podem ser encontradas no site www. fumdham.org.br/parque.asp 9 Glossário Movimento Malê - Levante de escravos e libertos islâmicos na Bahia, em 1835. As pesquisas sobre tal tema buscam avaliar o poder atribuído aos negros que sabiam ler, escrever ou assinar o nome. Na época da escravidão no Brasil, quando um negro sabia assinar, já ocupava posição de certo poder numa sociedade basicamente iletrada. Confira a pesquisa de doutorado de Christianni Cardoso Morais, do Departamento de Educação da Universidade Federal de São João-del-Rei, em Minas Gerais, sobre a disseminação da escrita e os tipos de assinaturas dos negros, na época da escravidão no Brasil. A evidência da importância que era dada às pessoas que sabiam ler e escrever, no século XVIII e princípio do XIX, confirma-se em Freyre (1992) quando ele conta de como ricos fazendeiros buscavam um genro que “[...] em vez de quaisquer outros dotes apenas soubesse ler e escrever” (FREYRE, 1992, p. 5) Com o tempo, a sociedade brasileira evoluiu quanto à aquisição da escrita e os fatos aqui citados demonstram a importância dada tanto à leitura quanto à escrita, sendo que esta é ainda compreendida pelos que não a têm como um salto de inserção social, na relação sujeito/mundo. A escrita se revela como sinônimo de desenvolvimento e poder, quando é dada à escola, enquanto ‘detentora do saber’, a função de desenvolver no indivíduo ashabilidades para escrever. Por essa razão, a escrita deve ser ensinada e aprendida como “uma atividade cultural complexa [...], de forma que a leitura e a produção de textos devam ser consideradas como atividades constitutivas da vida dos sujeitos, na construção da cidadania”, conforme defende Perfeito (1999, p. 91). A concepção do que é leitura e escrita se transformou ao longo desses séculos. Antes, a escrita era vista como decodificação ou representação da linguagem oral; dava-se, por exemplo, ênfase ao método de ensino e não ao processo de aprendizagem. Percebeu-se, ao longo do tempo, que a escrita é um modo de compreender o mundo e que só dominar o código não significa que o sujeito domina a escrita e sabe fazer uso funcional dela. Percebeu-se também que a escola precisaria desenvolver as habilidades de ler e escrever a partir da alfabetização, mas priorizando a linguagem para o uso social, pois “ser um usuário competente da escrita é, cada vez mais, condição para a efetiva participação social” (BRASIL, 1997, p. 21). 10 Unidade: A palavra escrita O ato de escrever Escrever não é mole, não. Esse é um comentário que pode ser dito quando nos deparamos com o desafio de escrever. Não importa em que gênero se faz necessário a escrita. Pode ser um bilhete, uma carta, um conto, uma crônica, uma ideia para registrar. Isso porque o ato de escrever requer a organização de ideias para a intenção de dizer. Vamos ver no texto de Marinho, se é possível para o escritor descobrir qual a sensação ou o sentido do ato de escrever. Fonte do texto: Jorge Miguel Marinho – professor de literatura, ator, roteirista, escritor. In. Revista Na ponta do Lápis.n.11.ago.2009. “João escreveu três palavras, colocou as três numa garrafa e jogou tudo no mar. Não se sentiu mais conhecido nem sentiu a vida melhor. Mas o sentimento de diminuir as distâncias ou aproximar as pessoas foi lá no fundo do seu coração. Acontece o seguinte: quando João escreveu as três palavras que um dia alguém achou na garrafa e não entendeu muito bem porque elas apenas diziam “Eu estou aqui”, ele procurou com todas as mãos e todas as letras de todos os tempos o primeiro “sentido de escrever”, que é partilhar com o mundo o que existe dentro de cada um.” O partilhar com o mundo põe em cena um elemento importante da comunicação escrita: o enunciatário, aquele para quem se escreve, o leitor do nosso texto. Assim, as perguntas que devemos fazer quando nos propomos a escrever devem levar em conta para quem escrevemos: Quem é esse leitor? Qual a relação que temos com ele? Quais os temas que podemos tratar se pensarmos nele? Quais os gêneros que podemos utilizar para nos comunicarmos com ele? Fazer um recado escrito para alguém que faz parte do nosso cotidiano é um ato simples e mais fácil. Agora, quando se pensa em escrever para alguém com quem não se tem uma relação de proximidade ou para um leitor desconhecido, o desafio é maior. Precisamos identificar quem é esse leitor e como ele poderá reagir ao nosso texto, ou seja, atribuir sentidos e interagir com ele. A partir daí, precisamos determinar qual o gênero com o qual vamos trabalhar. Uma forma de identificarmos quais os gêneros que circulam no grupo em que vivemos é observarmos as formas de interação linguística. No ambiente virtual do curso, um dos gêneros que têm como função a comunicação é o e-mail. Se pensarmos nas formas de avaliação das unidades, os gêneros são os exercícios de autocorreção, os fóruns, as atividades de aprofundamento etc. Há outros gêneros no espaço virtual, os avisos, os esquemas de unidade entre outros. 11 Como podemos começar a escrever em um determinado gênero? Primeiro, é importante ter tido contato com um texto desse gênero; sabermos qual a sua função, ou seja, em quais situações e espaços ele circula e quais temas ele pode abordar. Vamos tomar como exemplo, resposta ao Fórum de Discussão. Qual o objetivo desse gênero? É a exposição de ideias, conceitos, comentários, relacionando o que você leu na unidade e o que construiu de conhecimentos sobre determinado tema a uma questão proposta. É também objetivo do fórum estabelecer uma troca de ideias, aliando a sua resposta a de outros colegas e às intervenções do tutor. Quem são os leitores desse gênero? Os seus leitores serão o tutor e seus colegas de curso quando você escrever, depois há o deslocamento de posição e você será o leitor deles até que as participações no Fórum tenham seu término. Como deve ser o nível de linguagem desse gênero? Como seus leitores estão longe de você no espaço e como não são próximos (você ainda os está conhecendo), a linguagem deve ser formal, sem gírias, expressões regionais, ou abreviações que podem confundir o leitor. A língua portuguesa como todas as línguas do mundo refletem a organização da sociedade. Assim, a língua que chamamos portuguesa apresenta muitas variantes internas. Não falamos o português da mesma maneira do Oiapoque ao Chuí; há diversas variantes regionais. Também nos diferenciamos na língua de acordo com outras características, como a idade (adultos e crianças falam de forma diversa, por exemplo); sexo (mulheres e homens têm formas próprias para falar); escolaridade (o grau de escolaridade promove diferenças na linguagem); profissão (médicos falam de uma maneira enquanto os advogados de outra); entre outros. Essas variantes conferem identidade aos falantes e aos escreventes. Para saber mais, sugerimos, neste primeiro momento, os fundamentos do Projeto Vertentes da Universidade Federal da Bahia. Lá você encontrará os suportes teóricos para compreender essas variações na língua: http://www.vertentes.ufba. br/projeto/fundamentos Como deve ser a organização do texto que você vai escrever? A estrutura do texto, sua participação no Fórum, deve ser feita de forma direta para facilitar a compreensão, ou seja, as frases na ordem direta. Os períodos não devem ser longos. Além disso, o seu texto precisa manter uma relação com a pergunta proposta e, depois, você necessita relacionar seu comentário com os dos outros participantes. Não se esqueça de que sua escrita é sua imagem para os outros participantes, assim, é importante verificar a ortografia das palavras (consulte um dicionário); a concordância verbal e nominal (por exemplo: 2% não gostam de revisar o texto – concordância verbal); a regência dos verbos e dos nomes (exemplos: quem gosta, gosta de algo; a referência ao fato). Verifique também se as ideias não se contradizem, quer dizer, se você não afirmou que era a favor de algo e depois escreveu ser parcialmente contrário. Outro ponto a ser evitado é a repetição, que não faz o texto progredir e dispersa a atenção do leitor. Esses cuidados são chamados de revisão de texto e esses avisos servem para todos os gêneros escritos. 12 Unidade: A palavra escrita Vamos imaginar que você devia responder a uma questão como essa: Leia a citação e escreva no Fórum se você concorda ou não com Fernando Sabino. Escrevo sobre aquilo que não sei para ficar sabendo. Tenho a impressão de que tudo que a gente escreve, consciente ou inconscientemente, é sempre uma catarse. É uma forma de recuperação do sentido da vida. Fernando Sabino (1923 – 2004), escritor e jornalista Para poder responder à questão, você precisa entender o que Sabino escreveu. Há duas questões-chave para entender a fala de Fernando Sabino: a primeira se refere ao fato de que, para ele, escrever é construir o conhecimento sobre algo desconhecido; e a segunda é saber o que é catarse. Glossário Catarse é uma palavra de origem grega. Segundo o Dicionário Houaiss eletrônico, Acepções substantivo feminino 1. na religião, medicina e filosofia da Antiguidade grega, libertação, expulsão ou purgação daquilo que é estranho à essência ou à natureza de um ser e que, por esta razão, o corrompe (...) 1.2 Rubrica: estética. No aristotelismo, descarga de desordens emocionais ou afetos desmedidos a partir da experiência estéticaoferecida pelo teatro, música e poesia 1.2.1 Derivação: por extensão de sentido. Rubrica: estética, teatro. purificação do espírito do espectador através da purgação de suas paixões, esp. dos sentimentos de terror ou de piedade vivenciados na contemplação do espetáculo trágico O verbete indica que o ato de escrever leva Sabino a uma purificação e a um estado de compreensão de seus sentimentos de sua natureza. Com esses dois pontos principais, observe duas participações possíveis nesse Fórum: 1 Acho que se a gente for escrever sobre o que não conhece, a escrita fica muito estranha. Como é que posso escrever sobre algo que ainda não sei? Não concordo com Sabino. Preciso saber sobre o que vou escrever, porque, se não souber, não consigo escrever. 13 2 Se a escrita for catarse, concordo com Sabino, porque, enquanto escrevo, posso descobrir novas ideias, elas são resultado dessa minha elaboração, como se eu fosse ao mesmo tempo o escritor e o leitor. A participação 1 tem como ponto positivo se opor a ideia de Sabino, no entanto, está confusa por repetir a mesma ideia muitas vezes (não se pode escrever sobre o que não se sabe). Já a participação 2 é mais clara. Começa retomando o texto de Sabino, e continua exemplificando o que acontece com o romancista: ser escritor e o primeiro leitor do texto. As duas tomadas de posição pelos alunos são possíveis, pois os participantes podiam concordar ou discordar contanto que apresentassem boas razões para uma ou outra posição. No entanto, a participação 1 não satisfez o que se esperava por apresentar um discurso circular (repetir sem necessidade, sem acrescentar); enquanto a segunda soube trazer um argumento que concordava e exemplificava o que o Sabino havia proposto. Vamos agora a mais dois exemplos. 3 Gente, Sabino é o cara, né? Concordo que ele diz que quando a gente escreve rola uma sintonia com o mundo, num é? Eu mesmo estou maluco com esse papo de sintonia aqui. 4 Não concordo com o Sarbino. Quando a gente escreve alguma coisa tem que ter na cabeça. A gente escreve porque quer diser muito alguma coisa para os outros. No caso das participações 3 e 4, as participações são superficiais, não mostram porque concordam ou discordam da posição de Sabino.Nesse caso, os tutores estimulam os alunos a fazer novas participações. O que se sobressai em ambas é a concordância e a discordância com a citação de Sabino. Quanto à forma como essas participações ocorreram, os comentários que o tutor poderia fazer para os alunos envolvidos são: 1) Na participação 3, foram utilizadas a) expressões da gíria (“rola uma sintonia” e “estou maluco com esse papo de sintonia”) que indicam uma proximidade que esse aluno não têm com os colegas no espaço virtual; b) uma concordância que poderia passar despercebida na fala, mas na escrita, fica clara a inadequação, “concordo que ele diz”. O verbo concordar exige a preposição “com”. O adequado seria “concordo com o que ele diz”. 2) Na participação 4, algumas coisas precisam ser adequadas, tais como a grafia errada do nome do autor e do verbo dizer; e a ausência de pontuação que pode levar a uma leitura equivocada do texto. A grafia errada pode dar a impressão de que a escrita não foi pensada 14 Unidade: A palavra escrita e de que não houve revisão. Já o caso do uso da vírgula evitaria uma leitura errada do que se pretendeu escrever. No período, “Quando a gente escreve alguma coisa tem que ter na cabeça.”, seria necessária uma vírgula separando a oração que indica a ocorrência do fato de escrever e a afirmação sobre esse fato. Do modo como está é possível ler “Quando a gente escreve alguma coisa”, e então a outra frase fica sem sentido “tem de ter na cabeça”. A vírgula separaria as orações e o resultado seria “Quando a gente escreve, alguma coisa tem de ter na cabeça.” Uma outra forma de evitar essa leitura equivocada seria o uso da ordem direta da segunda oração: “quando a gente escreve tem de ter alguma coisa na cabeça.” Glossário Período é formado por uma ou mais orações. Os limites do período são a letra maiúscula até a pontuação que indica o fim do período (ponto final; ponto de exclamação; ponto de interrogação; e reticências). Como vocês observaram nas participações, a escrita exige preparação e planejamento. Como se planeja a escrita? Começamos por observar as especificidades do gênero o qual vamos utilizar para escrever. A partir daí, vamos identificar as funções do gênero; os temas que podem ser objeto desse gênero; qual o nível de linguagem utilizado; quais as características composicionais presentes. Glossário Gêneros “são textos que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sociocomunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica.” Por isso, para trabalhar com gêneros é necessário saber quais as funções que eles assumem nas várias esferas em que vivemos socialmente (política, comercial, jornalística, privada etc.) e qual a relação entre o escritor/falante e leitor/ouvinte nesses textos no nosso tempo e no espaço em que vivemos. É necessário também conhecer sua estrutura e temas que aborda. Há vários gêneros que utilizamos para viver em sociedade: o requerimento de matrícula é um deles; outro é o anúncio de revista, entre tantos outros. Explore BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Gêneros do discurso: unidade e diversidade. Disponível em: https://goo.gl/biso9A Explore BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Gêneros do discurso: unidade e diversidade. 15 A linguista apresenta o conceito de gênero tendo como base dois autores: Bakhtin e Marcuschi. Com esses dados, podemos começar. Escrevemos uma primeira versão e, depois, relemos verificando o que pode não estar adequado aos nossos objetivos; daí reescrevemos e, então, colocamos o texto em circulação. Vamos observar outro exemplo? O e-mail é um gênero que pode utilizar variados níveis de linguagem e pode ter vários objetivos. Imaginemos um e-mail para um amigo e outro para seu chefe. Nos dois, você vai informar os leitores (em um o seu amigo e em outro, seu chefe) que você está cursando a licenciatura em Letras Online. Você já deve ter entendido que esses e-mails serão diferentes, porque as pessoas que vão ler o e-mail estabelecem uma relação diferente com você. No caso do seu chefe, informar sobre o curso pode ser necessário porque há provas no fim dos módulos que você precisa fazer ou porque você quer acessar o site para estudar durante o horário de almoço. Já para o seu amigo, você pode querer contar para compartilhar algo que você acha interessante fazer, e os amigos são pessoas que ficam contentes com nossa felicidade, não é isso? Afinal, escrever é entender, como dissemos anteriormente, as relações diversas entre as pessoas de um grupo social, e encurtar espaços e, às vezes, ultrapassar as distâncias temporais. É uma forma de projetar você e o que você quer ou precisa dizer, informar, apresentar, partilhar, desenvolver... Dessa forma, quando for escrever, não se esqueça de planejar começando por identificar em qual gênero você deve escrever, para quem, com qual objetivo e como dizer. Vamos pensar agora o que fazer como professores na escola ao ensinarmos a escrever... Escrever é um processo complexo, mas que pode ser ensinado e aprendido. Sabendo que a escola tem obrigação de ensinar a ler e a escrever, a maneira como o desenvolvimento desse processo acontece, dará o tom ao ato de escrever do aluno. É isso que faz com que cada um tenha uma relação diferente com o ato de escrever. É preciso saber para quem dizer, o que se quer dizer e qual a melhor forma de fazê-lo. Eis a razão de focar a quem se destina a produção escrita. Daí entra a situação do aluno que escreve para que o professor leia. Este último, na condição de autoridade, tem o “domínio do ato de escrever”. O aluno não pode ter medo de escrever, ele precisa ser estimulado e orientado a fazê-lo. O escritor e jornalistaJosé Castello2 conta que, quando ainda jovem, escreveu um conto e o enviou a Clarice Lispector. Um dia, já passado certo tempo, ela lhe disse por telefone: “você é um homem muito medroso e com medo ninguém escreve”. Para ele, esse foi o conselho literário mais importante e que ainda marca a sua vida. 2 Em entrevista dada a Revista Língua Portuguesa n. 74, dez. de 2011 16 Unidade: A palavra escrita Então, é preciso perder o medo e se aventurar neste mundo de descobertas do prazer que nos dão as palavras; as palavras faladas e as palavras escritas. Assim, fica o convite para essa aventura. Como estímulo, fragmentos de entrevistas realizadas com duas conhecidas escritoras para que o mote inicial dessa unidade possa ser transformado: escrever é mole, sim. Quando não estou escrevendo, eu simplesmente não sei como se escreve. Se não soasse infantil e falsa a pergunta das mais sinceras, eu escolheria um amigo escritor e lhe perguntaria:como é que se escreve? Por que, realmente, como é que se escreve? que é que se diz? e como dizer? e como que se começa? e que é que se faz com o papel em branco nos defrontando tranquilo? Sei que a resposta, por mais que intrigue é a única: escrevendo. Clarice Lispector. “Como é que se escreve”. In. A descoberta do mundo. Rio de Janeiro: Rocco, 1999,pp.156-157. Faço diário. Sobre tudo e sobre nada. Vou escrevendo como passarinho canta. Mas sempre gostei de escrever. Escrevo o tempo todo, não só quando estou diante do papel ou do computador – esse é só o momento final, em que as palavras saem de mim e tomam forma exterior. Ana Maria Machado Revista Na Ponta do Lápis. Julho de 2010, p. 2 5 • Introdução • Narração • Descrição · Nesta Unidade – “Tipos Textuais: narração, descrição e disser- tação”– você encontrará, no texto teórico, as características e exemplos de três tipos textuais que podem aparecer em gêne- ros textuais distintos ou no mesmo gênero. Você aprenderá a identificá-los e terá dicas de como deve produzir um texto de cada tipo apresentado. Tipos Textuais: Narração, Descrição e Dissertação Atenção Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as ativi- dades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. • Dissertação 6 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação Contextualização Você, como futuro licenciado em Letras, portanto, tendo recebido a formação para ser professor, deve ter o texto como instrumento de trabalho no cotidiano escolar, pois a leitura e a escrita são fatores fundamentais para a inclusão social e inserção do aluno no mundo letrado. Saiba que o conteúdo estudado nesta unidade mostra que em qualquer situação de comunicação, oral ou escrita, você utilizará os tipos textuais estudados e, como professor, deverá dominá-los. Ainda, você deve ter percebido que cada texto se insere em atividades sociais estruturadas, criando para o leitor um fato social que é realizado através de formas textuais padronizadas que são os gêneros. Isso significa que, em uma atividade em sala de aula, você, enquanto professor, escolherá qual o gênero textual a ser trabalhado com os seus alunos, de acordo com o tema da aula e a situação. Lembre-se de que os tipos textuais estudados estarão presentes nos diferentes gêneros textuais que escolher ou até mesmo no mesmo gênero. Por exemplo, pense na seguinte situação: você observa que muitos de seus alunos possuem blogs pessoais e esta é uma ótima oportunidade de trabalhar esse gênero, que pode abrigar vários outros gêneros e tipos textuais. Você pode mostrar que um blog, como um diário online, pode apresentar sequências narrativas e descritivas do autor que visa narrar os acontecimentos de sua vida, bem como sequências dissertativas, na medida em que o blogueiro também expõe a sua opinião, bem como a dos usuários sobre determinado assunto. Caso queira colocar em prática essa ideia, consulte os textos a seguir e bom trabalho! GENTILE, Paola. “Blog: diário (de aprendizagem) na rede”. Nova escola, jun./jul. 2004. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/2562/blog-diario-de-aprendizagem-na-rede. Acesso em 15 de janeiro de 2013. KOMESU, Fabiana Cristina. “Blogs e as práticas de escrita sobre si na Internet”. In: MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. Hipertexto e gêneros digitais. Rio de Janeiro: Lucerna, 2004. 7 Introdução Antes de analisarmos os diferentes tipos textuais, o que nos propomos fazer nessa unidade, é importante que você saiba diferenciar esses dois conceitos distintos e interdependentes: tipo textual e gênero textual. Vamos observar como o linguista Luiz Antonio Marcuschi (2003, p.20) os diferencia: Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção... (Disponível em http://www. letraviva.net/arquivos/Generos_textuais_definicoes_funcionalidade.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2013). Diferente do conceito “tipo textual” que vamos estudar nessa unidade de nossa disciplina, o gênero textual se utiliza dos diferentes tipos textuais citados por Marcuschi, como narração, argumentação, exposição1 , descrição e injunção2 , porém, os gêneros textuais são inúmeros. Na definição do linguista, Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos, propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem jornalística, aula expositiva, reunião de condomínio, notícia jornalística, horóscopo, receita culinária, bula de remédio, lista de compras, cardápio de restaurante, instruções de uso, outdoor, inquérito policial, resenha, edital de concurso, piada, conversação espontânea, conferência, carta eletrônica, bate-papo por computador, aulas virtuais e assim por diante. (Disponível em https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/133018/mod_resource/content/3/ Art_Marcuschi_G%C3%AAneros_textuais_defini%C3%A7%C3%B5es_ funcionalidade.pdf. Acesso em 10 de janeiro de 2013). Você deve ter notado que toda vez que nos comunicamos oralmente ou por escrito utilizamos um gênero textual, que possui propriedades funcionais e características próprias o qual apropria- se de tipos textuais específicos. Sendo assim, nessa unidade vamos analisar alguns tipos textuais, começando pela narração. 1 Esse tipo textual será estudado em outra disciplina do curso. 2 Esse tipo textual será estudado em outra disciplina do curso 8 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação Narração Em algum momento de sua vida, sobretudo na infância, você teve contato com fábulas e contos de fadas. Normalmente, são as primeiras leituras que fazemos e ouvimos quando nossos pais, tios e professores contavam histórias para a gente. Essas histórias que lemos e ouvimos são gêneros textuais caracterizados, predominantemente, pelo tipo textual narrativo ou narração. Vamos deixar isso mais claro com um exemplo? É provável que você conheça a famosa fábula de Esopo “A cigarra e a formiga”. Agora, observe bem o que esse texto nos apresenta: As fábulas são gêneros antigos que incluem um título; animais que se relacionam como os humanos; uma situação que é representação das ações humanas; uma narrativa em terceira pessoa (observador); a moral que localiza os valores e a imagem que o fabulista quis criar. Note que nessa fábula de Esopo, além de ela apresentar os itens básicos que caracterizamesse gênero, temos a predominância da narração. Observe que a fábula narra fatos fictícios, no caso, a relação e o comportamento humanos da cigarra e da formiga; além disso, notamos a presença dos verbos de ação no passado, como: botaram, molhara, pediu, disseram, armazenaste, cantava etc. E não é só isso que marca esse texto narrativo, há, também, a presença de marcadores temporais, como as indicações das estações inverno e verão, além da presença de um conflito que se estabelece entre a cigarra, que só cantou durante o verão e não se preparou para o inverno, e as formigas, que só trabalharam. Esse conflito, o momento em que as formigas negam ajuda à cigarra, é um acontecimento que complica a situação inicial da narrativa, criando uma tensão entre essas personagens. Dessa forma, o tipo textual narração apresenta essas características básicas apontadas nessa fábula de Esopo e você poderá observá-las em outros gêneros também, como: anedota, diário, romance, conto, crônica, notícia, lenda, fábula, conto de fadas, relato pessoal, relato histórico, biografia, autobiografia etc. As narrativas biográficas se assemelham ao gênero memorialístico, já que os dois tipos de escrita buscam conservar viva a memória ou a lembrança. Embora tratem de relatos supostamente verdadeiros, que contam a história do sujeito como realmente foi, não se pode negar que aí esteja também presente um pouco de subjetividade. Ou seja, características assinaladas pelos próprios autores, já que eles têm a liberdade de usar a ficção a partir do modo peculiar de cada um perceber o mundo. Milo Winter, A cigarra e a formiga, 1919 9 Isso significa que, muitas vezes, o biógrafo, mesmo se baseando em fatos reais, ao contar a história do biografado, pode fazer interpretações pessoais, que podem inserir certo grau de ficcionalidade ao texto. Vejamos um exemplo. Leia os fragmentos a seguir, da biografia do escritor Manuel Bandeira, publicada no site da Academia Brasileira de Letras: Terceiro ocupante da Cadeira 24, eleito em 29 de agosto de 1940, na sucessão de Luís Guimarães e recebido pelo Acadêmico Ribeiro Couto em 30 de novembro de 1940. Recebeu os Acadêmicos Peregrino Júnior e Afonso Arinos de Melo Franco. Manuel Bandeira (M. Carneiro de Sousa B. Filho), professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário, nasceu em Recife, PE, em 19 de abril de 1886, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 13 de outubro de 1968. Filho do engenheiro civil Manuel Carneiro de Sousa Bandeira e de Francelina Ribeiro de Sousa Bandeira. Transferiu-se aos 10 anos para o Rio de Janeiro, onde cursou o secundário no Externato do Ginásio Nacional, hoje Colégio Pedro II, de 1897 a 1902, bacharelando- se em letras. Em 1903 matriculou-se na Escola Politécnica de São Paulo para fazer o curso de engenheiro-arquiteto. No ano seguinte abandonou os estudos por motivo de doença e fez estações de cura em Campanha, MG, Teresópolis e Petrópolis, RJ, e por fim Clavadel, Suíça, onde se demorou de junho de 1913 a outubro de 1914. Ali teve como companheiro de sanatório o poeta Paul Eluard. Sua vida poderia ter sido breve, face à doença. Viveu até os 82 anos, construindo uma das maiores obras poéticas da moderna literatura brasileira. De volta ao Brasil, Manuel Bandeira iniciou a sua produção literária em periódicos. Em 1917, publicou A cinza das horas, onde reuniu poemas compostos durante a doença. Em 1919 publicou o segundo livro de poemas, Carnaval. Enquanto o anterior evidenciava as raízes tradicionais de sua cultura e, formalmente, sugeria uma busca da simplicidade, esse segundo livro caracterizava-se por uma deliberada liberdade de composição rítmica. Ao lado de “sonetos que não passam de pastiches parnasianos”, segundo o próprio Bandeira, nele figura o famoso poema “Os sapos”, sátira ao Parnasianismo, que veio a ser declamado, três anos depois, durante a Semana de Arte Moderna, por Ronald de Carvalho. Antecipador de um novo espírito na poesia brasileira, Bandeira foi cognominado, por Mário de Andrade, de “São João Batista do Modernismo”. Por intermédio do amigo Ribeiro Couto, Manuel Bandeira conheceu os escritores paulistas que, em 1922, lançaram o movimento modernista. Não participou diretamente da Semana, mas colaborou na revista Klaxon e também na Revista Antropofagia, Lanterna Verde, Terra Roxa e A Revista. Em 1927, viajou ao Norte do Brasil, até Belém, parando em Salvador, Recife, Paraíba, Natal, Fortaleza e São Luís do Maranhão. De 1928 a 1929 permaneceu no Recife como fiscal de bancas examinadoras de preparatórios. Em 1935, foi nomeado inspetor de ensino secundário; em 1938, professor de Literatura Universal no Externato do Colégio Pedro II; em 1942, professor de Literaturas Hispano-Americanas na Faculdade Nacional de Filosofia, sendo aposentado por lei especial do Congresso em 1956. Desde 1938, era membro do Conselho Consultivo do Departamento do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. 10 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação Recebeu o prêmio da Sociedade Felipe d’Oliveira por conjunto de obra (1937) e o prêmio de poesia do Instituto Brasileiro de Educação e Cultura, também por conjunto de obra (1946). (...) (Disponível em: https://goo.gl/j3rqtZ. Acesso em 10 de janeiro de 2013). Diferente da fábula de Esopo, “A cigarra e as formigas”, a biografia é uma narrativa que se pauta em fatos reais. Você deve ter observado que parte da vida de Manual Bandeira é relatada no texto anterior, desde o nascimento do escritor. Note que, como na fábula, os fatos são narrados com verbos de ação no passado, como: nasceu, faleceu, transferiu-se, cursou, bacharelou-se, matriculou, abandonou, publicou, colaborou etc. Os marcadores temporais são indicados por datas, anos e por expressões como ano seguinte. Outra característica a ser destacada desse texto narrativo, é a presença de um acontecimento que complica a situação inicial e que, no caso do escritor Manuel Bandeira, instaurou-se como uma temática recorrente em sua obra: trata-se da tuberculose, doença que o condenaria à morte, ainda muito jovem. Note que devido a essa doença, Bandeira teve que abandonar os seus estudos no curso de Engenharia e Arquitetura, mas a tuberculose não o impediu de construir uma obra sólida e percorrer uma longa e sólida trajetória na literatura brasileira, falecendo aos 82 anos. Mas não é só o tipo narrativo ou narração que caracteriza os gêneros textuais exemplificados, a fábula e a biografia, a descrição ou sequências descritivas também podem aparecer nesses gêneros, com o uso das adjetivações, que é uma das características da descrição, como nos exemplos: “cigarra faminta”, na fábula; e, na biografia, as qualificações atribuídas a Manuel Bandeira, professor, poeta, cronista, crítico e historiador literário. No próximo item, estudaremos mais detalhadamente a descrição. Vamos conhecer um pouco mais sobre esse tipo textual. Descrição O tipo textual descritivo se caracteriza por mostrar características dos seres (objetos, lugares, animais ou pessoas) e dos conceitos de que trata um determinado gênero. As características descritas não indicam relações de anterioridade ou causalidade, mas sim propriedades e aspectos presentes numa situação. Esse comprometimento com a simultaneidade faz com que as formais verbais estejam, em sua maioria, no presente ou no imperfeito, que são tempos verbais mais neutros com relação à cronologia. Também é comum o uso de verbos de estado – ser, estar, parecer – e formas nominais do verbo: particípio, gerúndio. Ao mesmo tempo, há uma quantidade de palavras e expressões indicadoras de propriedades, como adjetivos, locuções adjetivas e comparações. Você, provavelmente, já se deparou com textos descritivos típicos, como cardápios, anúncios classificados e laudos técnicos. Deve ter percebido que esses gêneros textuais utilizam, sobretudo, a descrição. Vamos ver o exemplo a seguir, de um anúncio classificado da Folha de São Paulo: 11 Casa,condomínio fechado Saint Jaimes, 3 quartos, 3 banheiros, uma suite, cozinha ameri- cana planejada, armário planejado em todos os quartos com closet na suíte, rack planejado na sala, quintal com churrasqueira e jardim ilumina- do. Localizado ao lado do Carrefour, Habbibs, +- 5 minutos do Extra Anchieta, +- 10 minutos do Shopping São Caetano, +- 1,5 km Anchieta. Estru- tura do condomínio: guarita 24 horas câmeras de segurança, playground, quadra de futebol, pisci- na, sauna, salão de festas com banheiro feminino, masculino, fraldário, churrasqueira, academia, brin- quedoteca. (Disponível em https://goo.gl/s2YTVf Acesso em 11 de janeiro de 2013). Observe que o anúncio anterior apresenta as características do objeto casa e do lugar onde ela se localiza. Como a estrutura desse gênero deve ser enxuta, não temos a presença de formas verbais, mas as propriedades do imóvel que são expostas sem uma relação de anterioridade e causalidade. Os adjetivos presentes no texto, como “planejado”, referindo-se aos móveis e “iluminado”, qualificando o jardim da casa, ressaltam os itens positivos desse imóvel, além de ele ser espaçoso e bem localizado, segundo suas características. O tipo descritivo também é comum em textos predominantemente narrativos, como contos e romances. Veja este bom exemplo de sequência descritiva no conto “A chinela turca”, de Machado de Assis: Note que nesse fragmento do conto encontramos praticamente todas as características do A chinela turca (...) Era loura; tinha os olhos azuis, como os de Cecília, extáticos, uns olhos que buscavam o céu ou pareciam viver dele. Os cabelos, deleixadamente penteados, faziam-lhe em volta da cabeça um como resplendor de santa; santa somente, não mártir, porque o sorriso que lhe desabrochava os lábios, era um sorriso de bem-aventurança, como raras vezes há de ter tido a terra. Um vestido branco, de finíssima cambraia, envolvia-lhe castamente o corpo, cujas formas aliás desenhava, pouco para os olhos, mas muito para a imaginação. (...) (Disponível em: https://bit.ly/3rpGn8c, Acesso em 11 de janeiro de 2013). Fonte: Thinkstock.com 12 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação tipo descritivo. Para descrever a personagem feminina, Machado de Assis se utiliza de formas verbais no pretérito imperfeito, como: Era, tinha, buscavam, pareciam, faziam, desabrochava etc. O uso de verbos de estado, como era, pareciam. Há ainda o uso de palavras e expressões indicadoras das propriedades e das características da personagem como adjetivações e advérbios: loura, olhos azuis, extáticos, os cabelos são desleixadamente penteados, o vestido branco, um sorriso de bem-aventurança etc. Além disso, encontramos a comparação dos olhos da personagem com “os de Cecília” e do cabelo envolvendo a cabeça como “resplendor de santa”, o que caracteriza a descrição. Você deve ter notado que a constante caracterização física da personagem do conto constrói uma imagem, uma espécie de retrato que vai se tornando cada vez mais nítido em cada período do texto. Os detalhes dessa descrição que utiliza as comparações destaca a individualidade dessa mulher, que a distingue do tipo comum, na medida em que o narrador parece mais imaginar essa caracterização que descreve diante de seus olhos. Além de narrar e descrever, um texto pode apresentar a defesa de um ponto de vista do autor, expressando um parecer a respeito de um fato, um acontecimento, uma pessoa. Esse tipo de texto é chamado de dissertativo ou argumentativo. Vamos a ele! Dissertação Você já tentou persuadir o leitor de seu texto, tentando convencê-lo de seu ponto de vista? Quando você lê ou escreve um texto dissertativo, observe que este tipo textual se caracteriza pela progressão lógica de ideias e requer uma linguagem mais sóbria, objetiva, denotativa. Além disso, dissertar é refletir, debater, discutir, questionar a respeito de um determinado tema, emitindo opiniões de maneira convincente. Isso só acontece quando suas opiniões estão bem fundamentadas, comprovadas, explicadas e argumentadas. Para escrever um texto dissertativo, é importante que você considere os seguintes elementos que caracterizam esse tipo textual: 1) O texto deve ser impessoal. Para isso, utilize verbos e pronomes na terceira pessoa. 2) O texto dissertativo é composto por três partes coerentes e coesas, são elas: introdução, desenvolvimento e conclusão. 3) A introdução é a parte em que se dá a apresentação do tema, por meio de um conceito ou questionamento que o tema pode sugerir com um argumento principal; o desenvolvimento apresenta argumentos auxiliares e exemplos (reconhecidos publicamente) que reforçam o argumento principal; por último, a conclusão deve resumir as ideias do texto no sentido de fixar estabelecer o ponto de vista do autor como verdadeiro, irrefutável. 4) Para que você consiga sucesso em seu texto dissertativo, os seus argumentos devem ser 13 convincentes, bem como as ideias devem ser apresentadas de forma coesa e coerente, fazendo uso dos conectivos (conjunções) apropriadamente. Agora você deve se perguntar quais os gêneros textuais que utilizam o tipo textual dissertação? Eis alguns exemplos de gêneros em que predominam a sequência dissertativa (argumentativa): sermão, ensaio, editorial de jornal ou revista, crítica, monografia, redações dissertativas, carta de leitor, carta de reclamação, carta de solicitação, deliberação informal, debate regrado, assembleia, discurso de defesa, discurso de acusação, resenha crítica etc. Veja como a resenha crítica a seguir apresenta as características típicas do texto dissertativo: Um gramático contra a gramática Gilberto Scarton Língua e Liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu ensino (L&PM, 1995, 112 páginas) do gramático Celso Pedro Luft traz um conjunto de ideias que subverte a ordem estabelecida no ensino da língua materna, por combater, veemente, o ensino da gramática em sala de aula. Nos 6 pequenos capítulos que integram a obra, o gramático bate, intencionalmente, sempre na mesma tecla - uma variação sobre o mesmo tema: a maneira tradicional e errada de ensinar a língua materna, as noções falsas de língua e gramática, a obsessão gramaticalista, inutilidade do ensino da teoria gramatical, a visão distorcida de que se ensinar a língua é se ensinar a escrever certo, o esquecimento a que se relega a prática lingüística, a postura prescritiva, purista e alienada - tão comum nas “aulas de português”. O velho pesquisador apaixonado pelos problemas da língua, teórico de espírito lúcido e de larga formação lingüística e professor de longa experiência leva o leitor a discernir com rigor gramática e comunicação: gramática natural e gramática artificial; gramática tradicional e lingüística; o relativismo e o absolutismo gramatical; o saber dos falantes e o saber dos gramáticos, dos lingüistas, dos professores; o ensino útil, do ensino inútil; o essencial, do irrelevante. Essa fundamentação lingüística de que lança mão - traduzida de forma simples com fim de difundir assunto tão especializado para o público em geral - sustenta a tese do Mestre, e o leitor facilmente se convence de que aprender uma língua não é tão complicado como faz ver o ensino gramaticalista tradicional. É, antes de tudo, um fato natural, imanente ao ser humano; um processo espontâneo, automático, natural, inevitável, como crescer. Consciente desse poder intrínseco, dessa propensão inata pela linguagem, liberto de preconceitos e do artificialismo do ensino definitório, nomenclaturista e alienante, o aluno poderá ter a palavra, para desenvolver seu espírito crítico e para falar por si. Embora Língua e Liberdade do professor Celso Pedro Luft não seja tão original quanto pareça ser para o grande público (pois as mesmas concepções aparecem em muitos teóricos ao longo da história), tem o mérito de reunir, numa mesma obra, convincente fundamentação que lhe sustenta a tese e atenua o choque que os leitores- vítimas do ensino tradicional - e os professores de português - teóricos, gramatiqueiros, puristas - têm ao se depararem com uma obra de um autor de gramáticas que escreve contra a gramática na sala de aula. 14 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação Embora Língua e Liberdade do professor Celso Pedro Luft não seja tão original quanto pareça ser para o grande público (pois as mesmas concepções aparecem em muitos teóricos ao longo da história), tem o mérito de reunir, numa mesma obra, convincente fundamentação que lhe sustenta a tese e atenua o choque que os leitores - vítimas do ensino tradicional - e os professores de português - teóricos, gramatiqueiros, puristas - têm ao se depararem com uma obra de um autor de gramáticas que escreve contra a gramática na sala de aula. (Disponível em: http://www.ufrgs.br/textecc/porlexbras/oficinaescrita/escrevendoresenhas.php. Acesso em 12 de janeiro de 2013. O autor da resenha crítica, Gilberto Scarton, apresenta o livro Língua e Liberdade, de Celso Pedro Luft. Veja como ele organiza seu texto: nos dois primeiros parágrafos, apresenta o tema, expondo um argumento principal de Luft em sua defesa contra o ensino tradicional da gramática; nos terceiro e quarto parágrafos, observe que Scarton reforça o posicionamento do linguista sobre o ensino da gramática e avalia, positivamente, o livro, que pode convencer o leitor de que “aprender uma língua não é tão complicado como faz ver o ensino gramaticalista tradicional”; e finalmente, no quinto e último parágrafo, você deve observar que o autor encaminhando a resenha crítica para a conclusão. Scarton, apesar de ressaltar que as concepções apresentadas no livro já apareceram em outros teóricos, fixa a sua defesa de que a leitura de Língua e Liberdade é fundamental, pois consegue reunir a fundamentação necessária para convencer o leitor a rever o ensino da gramática em sala de aula. Note, também, como a resenha crítica que acabou de ler apresenta uma linguagem objetiva, denotativa e como Scarton é impessoal ao utilizar verbos e pronomes na terceira pessoa ao se referir ao linguista (ele), à gramática (ela), ao livro (ele) e às discussões que envolvem o ensino e o uso da língua materna. Ao ler o texto até aqui, você deve ter-se deparado com a seguinte pergunta: cada gênero textual possui apenas um tipo textual, como a resenha crítica apresenta o tipo dissertativo? A resposta é não, pois você pode ler uma carta pessoal que poderá apresentar, ao mesmo tempo, os tipos narrativo, descritivo e dissertativo, que acabamos de estudar. Marcuschi (2003) destaca que em todos os gêneros os tipos se realizam, ocorrendo, muitas vezes, que um mesmo gênero seja realizado em dois ou mais tipos. Ele chama essa miscelânea de tipos presentes em um gênero de heterogeneidade tipológica. A crônica, a seguir, de Machado de Assis, é um bom exemplo dessa mistura de tipos textuais. Procure fazer a leitura atentamente e identifique os tipos presentes. Carnívoros e vegetarianos, de Machado de Assis 05 de março de 1893 Quando os jornais anunciaram para o dia 10 deste mês uma parede de açougueiros, a sensação que tive foi mui diversa da de todos os meus concidadãos. Vós ficastes aterrados; eu agradeci o acontecimento ao céu. Boa ocasião para converter esta cidade ao vegetarismo. 15 Não sei se sabem que eu era carnívoro por educação e vegetariano por princípio. Criaram-me a carne, mais carne, ainda carne, sempre carne. Quando cheguei ao uso da razão e organizei o meu código de princípios, incluí nele o vegetarismo; mas era tarde para a execução. Fiquei carnívoro. Era a sorte humana; foi a minha. Certo, a arte disfarça a hediondez da matéria. O cozinheiro corrige o talho. Pelo que respeita ao boi, a ausência do vulto inteiro faz esquecer que a gente come um pedaço de animal. Não importa, o homem é carnívoro. Deus, ao contrário, é vegetariano. Para mim, a questão do paraíso terrestre explica-se clara e singelamente pelo vegetarismo. Deus criou o homem para os vegetais, e os vegetais para o homem; fez o paraíso cheio de amores e frutos, e pôs o homem nele. Comei de tudo, disse- lhe, menos do fruto desta árvore. Ora, essa chamada árvore era simplesmente carne, um pedaço de boi, talvez um boi inteiro. Se eu soubesse hebraico, explicaria isto muito melhor. Vede o nobre cavalo! O paciente burro! O incomparável jumento! Vede o próprio boi! Contentam-se todos com a erva e o milho. A carne, tão saborosa à onça, — e ao gato, seu parente pobre, — não diz cousa nenhuma aos animais amigos do homem, salvo o cão, exceção misteriosa, que não chego a entender. Talvez, por mais amigo que todos, come-se o resto do primeiro almoço de Adão, de onde lhe veio igual castigo. Enfim, chegou o dia 10 de março; quase todos os açougues amanheceram sem carne. Chamei a família; com um discurso mostrei-lhe que a superioridade do vegetal sobre o animal era tão grande, que devíamos aproveitar a ocasião e adotar o são e fecundo princípio vegetariano. Nada de ovos, nem leite, que fediam a carne. Ervas, ervas santas, puras, em que não há sangue, todas as variedades das plantas, que não berram nem esperneiam, quando lhes tiram a vida. Convenci a todos; não tivemos almoço nem jantar, mas dous banquetes. Nos outros dias a mesma cousa. Não desmaies, retalhistas, nesta forte empresa. Dizia um grande filósofo que era preciso recomeçar o entendimento humano. Eu creio que o estômago também, porque não há bom raciocínio sem boa digestão, e não há boa digestão com a maldição da carne. Morre-se de porco. Quem já morreu de alface? Retalhistas, meus amigos, por amor daquele filósofo, por amor de mim, continuei a resistência. Os vegetarianos vos serão gratos. Tereis morte gloriosa e sepultura honrada, com ervas e arbustos. Não é preciso pedir, como o poeta, que vos plantem um salgueiro no cemitério; plantar é conosco; nós cercaremos as vossas campas de salgueiros tristes e saudosos. Que é nossa vida? Nada. A vossa morte, porém, será a grande reconstituição da humanidade. Que o Senhor vo-la dê suave e pronta. Compreende-se que, ocupado com esta passagem de doutrina à prática, pouco haja atendido aos sucessos de outra espécie, que, aliás, são filhos da carne. Sim, o vegetarismo é pai dos simples. Os vegetarianos não se batem; têm horror ao sangue. Gostei, por exemplo, de saber que a multidão, na noite do desastre do Liceu de Artes e Ofícios, atirou-se ao interior do edifício para salvar o que pudesse; é ação própria da carne, que avigora o ânimo e a cega diante dos grandes perigos. Mas, quando li que, de envolta com ela, entraram alguns homens, não para despejar a casa, mas para despejar as algibeiras dos que despejavam a casa, reconheci também aí o sinal do carnívoro. Porque o vegetariano não cobiça as causas alheias; mal chega a amar as próprias. Reconstituindo segundo o plano divino, anterior à desobediência, ele torna às idéias simples e desambiciosas que o Criador incutiu no primeiro homem. 16 Unidade: Tipos Textuais: narração, descrição e dissertação Se não pratica o furto, é claro que o vegetariano detesta a fraude e não conhece a vaidade. Daí um elogio a mim mesmo. Eu não me dou por apóstolo único desta grande doutrina. Creio até que os temos aqui, anteriores a mim, e, — singular aproximação! — no próprio conselho municipal. Só assim explico a nota jovial que entra em alguns debates sobre assuntos graves e gravíssimos. Suponhamos a instrução pública. Aqui está um discurso, saído esta semana, mas proferido muito antes do dia 11 de março; discurso meditado, estudado, cheio de circunspeção (que o vegetariano não repele, ao contrário) e de muitas pontuações alegres, que são da essência da nossa doutrina. Tratava-se dos jardins da infância. O Sr. Capelli notava que tais e tantos são os dotes exigidos nas jardineiras, beleza, carinho, idade inferior a trinta anos, boa voz, canto, que dificilmente se poderão achar neste país moças em quantidade precisa. Nãoconheço o Sr. Maia Lacerda, mas conheço o mundo e os seus sentimentos de justiça, para me não admirar do cordial não apoiado com que ele repeliu a asseveração do Sr. Capelli. Não contava com o orador, que aparou o golpe galhardamente: “Vou responder ao se não apoiado, disse ele. As que encontramos, remetendo-as para lá, receio, que, bonitas como soem ser as brasileiras, corram o risco de não voltar mais, e sejam apreendidas como belos espécimes do tipo americano”. Outro ponto alegre do discurso é o que trata da necessidade de ensinar a língua italiana, fundando-se em que a colônia italiana aqui é numerosa e crescente, e espalha-se por todo o interior. Parece que a conclusão devia ser o contrário; não ensinar italiano ao povo, ante ensinar a nossa língua aos italianos. Mas, posto que isto não tenha nada com o vegetarismo, desde que faz com que o povo possa ouvir as óperas sem libreto na mão, é um progresso. (Disponível em: https://goo.gl/U177Gp Acesso em 13 de janeiro de 2013) Você deve ter notado que a crônica de Machado de Assis, no primeiro parágrafo, narra a forma como o escritor vivencia um momento de greve no país e fica sabendo, por meio dos jornais diários, da greve dos açougueiros. A narração dos fatos não se desenvolve, pois, em seguida se apresenta a tese de que a cidade deveria se converter ao vegetarismo. Os próximos parágrafos revelam uma reflexão do escritor sobre os carnívoros e vegetarianos e sua opção pelo vegetarismo, além de construir, entre seus argumentos, a associação do vegetal ao paraíso e da carne ao pecado original. A visão bíblica, metaforicamente, torna-se um bom argumento para o narrador convencer o leitor a tornar-se vegetariano. Observe que no quinto parágrafo o episódio da greve é retomado e vira um pretexto para construir uma série de argumentos a favor do vegetarismo. Nesse sentido, a crônica assume também características do tipo dissertativo, na medida em que apresenta uma tese, um argumento inicial, que se liga a outros argumentos no desenvolvimento do texto que levam o escritor a sugerir outra reflexão: uma mudança na organização do país. 5 • Estrutura do parágrafo • A coesão e a coerência no parágrafo · Nesta unidade – “Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais”– você encontrará, no texto teórico, as características do parágrafo: a estrutura do parágrafo padrão, além de tipos de tópicos frasais e tipos de desenvolvimento do parágrafo. Além disso, estudaremos nessa unidade quais os mecanismos de coesão e de coerência devemos utilizar para que um parágrafo tenha unidade de sentido e, portanto, maior clareza em sua expressão. Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais Atenção Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as ativi- dades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. 6 Unidade: Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais Contextualização Você, como futuro licenciado em Letras, portanto, tendo recebido a formação para ser professor, deve ter o texto como instrumento de trabalho no cotidiano escolar, pois a leitura e a escrita são fatores fundamentais para a inclusão social e inserção do aluno no mundo letrado. Saiba que o conteúdo estudado nesta unidade mostra que em qualquer situação de comunicação escrita em prosa você utilizará a estrutura básica do parágrafo, e como professor, deverá dominá-la. Em uma atividade de produção de texto em prosa, em sala de aula, você, como professor, poderá orientar a seguinte atividade: propor um determinado tema, por exemplo, “o uso abusivo do celular” e dividir a sala em três grandes grupos para que produzam, cada um, um tipo de parágrafo sobre esse tema: narrativo, descritivo e dissertativo. Ao final da produção, você pode escolher dois parágrafos de cada tipo e apresentar aos alunos a estrutura de cada parágrafo, analisando com eles se os mecanismos de coesão estão sendo utilizados corretamente, se há coerência e, principalmente, como podemos produzir tipos de parágrafos diferentes a partir de um mesmo tema, ressaltando as diferenças entre o narrativo, o descritivo e o dissertativo. Mostre aos seus alunos que uma boa redação começa com um bom parágrafo escrito! 7 Estrutura do parágrafo No processo da escrita, alguns elementos e mecanismos são essenciais para dar unidade ao texto, configurando sua completude e clareza na expressão. Nessa unidade, veremos que tanto a organização do texto em parágrafos quanto a coerência e a coesão textuais permitem estabelecer uma lógica interna do texto. As duas últimas criam elos pontuais entre as partes do texto, conforme veremos a seguir. Você já deve ter se perguntado: qual a importância de se usar o parágrafo? A paragrafação é “um recurso que permite organizar as ideias apresentadas em um texto, agrupando-as em parágrafos ou blocos textuais que reúnam as frases que vão compô-lo” (GOLDSTEIN; LOUZADA; IVAMOTO, 2009, p. 31). Como recurso visual e gráfico, sabemos que toda vez que se escreve um parágrafo é feito um recuo junto à margem esquerda do texto e que a tendência é que não se escrevam parágrafos muito longos. Essas informações elementares parecem ser de domínio de quem escreve, porém, para que você possa entender melhor a importância de um parágrafo bem estruturado, é preciso perceber que cada parágrafo carrrega um tema ou ideia central. Além disso, o parágrafo deve apresentar as seguintes características: Unidade: cada parágrafo deve ter apenas uma ideia central à qual as demais ideias devem estar relacionadas, sem desvios que possam quebrar a unidade; Coerência: a ideia principal do parágrafo deve ficar evidente, bem como a relação de sentido entre ela e as demais informações presentes no mesmo parágrafo; Clareza: o parágrafo deve apresentar com clareza as informações necessárias para a compreensão do assunto tratado. (GOLDSTEIN; LOUZADA; IVAMOTO, 2009, p. 32). Pensando nessas características apontadas pelas escritoras, em destaque no quadro, você pode notar, no exemplo a seguir, que os elementos de coesão (que serão vistos mais adiante) podem ligar uma frase à outra, mas é preciso pensar na coerência, ou seja, na unidade de sentido do parágrafo. Isso significa que o texto pode ser coeso sem ser coerente, como no exemplo de Koch & Travaglia (1997): João vai à padaria. A padaria é feita de tijolos. Os tijolos são caríssimos. Também os mísseis são caríssimos. Os misseis são lançados no espaço. Segundo a teoria da Relatividade o espaço é curvo. A geometria Rimaniana dá conta desse fenômeno. Não é possível dizer que há total falta de coesão a esse parágrafo. Mas de que ele trata mesmo? De João? Da padaria? Dos mísseis? Fica difícil dizer. Embora ele procure estabelecer alguma coesão entre as frases, encadeando o que se diz anteriormente, não constrói uma coerência, uma unidade de sentido. 8 Unidade: Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais Você deve ter observado que, apenas, retomar a cada frase uma palavra da frase anterior não significa que o parágrafo ficará coerente. A coesão e a coerência são processos que caminham juntos, são interdependentes. Mas retornaremos a esses dois princípios de textualidade, mais adiante. Vamos começar a falar da constituição, da construção de um parágrafo? O parágrafo, além de apresentar unidade, coerência e clareza, conforme Goldstein, Louzada e Ivamoto, a partir de um determinado padrão, é constituído de: 1) Tópico frasal: formado, geralmente, por um ou dois períodos breves, os quais trazem a ideia núcleo do parágrafo. Do ponto de vista gráfico, o final do tópico frasal vem sinalizado por algum sinal de pontuação: ponto, vírgula, ponto-e-vírgula, travessão; 2) Desenvolvimento: é a parte do parágrafo na qual o conteúdo do tópico frasal será especificado, expandido. É certo que nem todo parágrafo apresenta essas características: às vezes, o tópico frasal, ou seja, a ideia núcleo vem diluídanele, sendo apenas evocada por palavras de referências. Mas, na maioria deles, o tópico frasal aparece logo no início, seguido do desenvolvimento; 3) Conclusão: consiste na parte do parágrafo que apresenta, de modo conciso, consequências, implicações ou até mesmo inferências. Nem todos os parágrafos apresentam a conclusão, somente quando o parágrafo sozinho constitui o texto é que a conclusão aparece obrigatoriamente. Agora vamos ver um exemplo de parágrafo bem estruturado, com coerência, coesão, unidade e clareza? “Viver é mesmo uma ginástica. O coração se contorce para bombear o sangue que, por sua vez, corre o corpo inteiro. A respiração estica e encolhe os pulmões. O aparelho digestivo se dobra e desdobra com o alimento. Tudo na vida animal é movimento - músculos que se contraem, músculos que se estendem. Graças a cerca de 650 músculos o homem pode, além de viver, ficar em pé, andar, dançar, falar, piscar os olhos, cair na gargalhada, prorromper em lágrimas, expressar no rosto suas emoções, escrever e ler este texto. Portanto, o desempenho da musculatura é muito mais forte que mera força bruta.” (Revista Superinteressante, n.2, 1988). No exemplo anterior, note que o parágrafo apresenta um tópico frasal (“Viver é mesmo uma ginástica”), ou seja, é a ideia núcleo do parágrafo formado por um período curto e que apresenta o assunto do texto. Na sequência, você pode observar o desenvolvimento do tópico frasal, expandindo e especificando, de forma clara e coerente, como viver exige certa ginástica de todos os órgãos do corpo humano. Por fim, o último período (“Portanto, o desempenho da musculatura é muito mais forte que mera força bruta.”), de modo conciso e conclusivo, finaliza o texto ressaltando a importância do desempenho da musculatura e argumentando que os músculos não servem apenas para “a força bruta”, ou seja, para lutar ou carregar pacotes. Creio que há uma intenção na conclusão de levar o leitor a refletir sobre o que se fala no “senso comum” sobre a função dos músculos no corpo humano. Há a intenção de fazer o leitor ampliar seus conhecimentos e sair do “senso comum”. Concorda? Releia o parágrafo para refletir sobre o que dissemos acima. 9 Você deve notar também que os parágrafos são, normalmente, descritivos, narrativos ou dissertativos. O parágrafo que acabamos de ver é um bom exemplo de parágrafo dissertativo, na medida em que se observa uma posição defendida pelo autor do texto (“viver é mesmo uma ginástica”) que se apoia em exemplos de órgãos do corpo humano que realizam “uma ginástica” para manter o corpo vivo. Além disso, as formas verbais no presente do indicativo acentuam a posição defendida pelo autor, bem como a permanência da verdade afirmada e a intenção final de ampliar conhecimentos e a reflexão do leitor sobre o tema. E o parágrafo descritivo? Como se caracteriza? Vamos ver dois exemplos num mesmo trecho? “Era um burrinho pedrês, miúdo e resignado, vindo do Passa-Tempo, Conceição do Serro, ou não sei onde no sertão. Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom, como outro não existia e nem pode haver igual. Agora, porém, estava idoso, muito idoso. Tanto que nem seria preciso abaixar-lhe a maxila teimosa, para espiar os caldeirões dos dentes. Era decrépito mesmo à distância: no algodão bruto do pêlo - sementinhas escuras em rama rala e encardida; nos olhos remelentos, cor de bismuto, com pálpebras rosadas, quase sempre oclusas, em constante semi-sono; e na linha fatigada e respeitável - uma horizontal perfeita, do começo da testa à raiz da cauda em pêndulo amplo, para cá, tangendo as moscas.” (ROSA, 1984, p.17) Perceba que, no texto de João Guimarães Rosa, o burrinho pedrês é singularizado, caracterizado por diferentes adjetivos, como “miúdo”, “resignado”, “idoso” etc. Também, nos dois parágrafos descritivos, você pode notar a presença das formas verbais no pretérito imperfeito, como “era”, “chamava”, “existia”, “estava” etc, sugerindo uma continuidade no passado. É importante você observar que na descrição não há uma ordem determinada, isso significa que o autor poderia alterar a ordem das frases sem alterar o sentido do parágrafo. Ele poderia ter começado o parágrafo com a frase “Chamava-se Sete-de-Ouros, e já fora tão bom,...” e, na sequência, “Era um burrinho pedrês...” Essas alterações, no primeiro parágrafo, revelam que as características descritas não indicam relações de anterioridade ou causalidade, mas sim propriedades e aspectos presentes numa situação. No parágrafo narrativo, no lugar de uma sequência de estados, como aquela que acabamos de ver na descrição do “burrinho pedrês”, temos uma sequência de ações expressas por formas verbais no pretérito perfeito do indicativo ou pretérito mais-que-perfeito do indicativo, além de relatar um acontecimento ou uma sucessão de fatos em sequência, como você pode observar no parágrafo seguinte, do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis: Naquele dia, a árvore dos Cubas brotou uma graciosa flor. Nasci; recebeu-me nos braços a Pascoela, insigne parteira minhota, que se gabava de ter aberto a porta do mundo a uma geração inteira de fidalgos. Não é impossível que meu pai lhe ouvisse tal declaração; creio, todavia, que o sentimento paterno é que o induziu a gratificá-la com duas meias dobras. Lavado e enfaixado, fui desde logo o herói da nossa casa. Cada qual prognosticava a meu respeito o que mais lhe quadrava ao sabor. Meu tio João, o antigo oficial de infantaria, achava- me um certo olhar de Bonaparte, coisa que meu pai não pôde ouvir sem náuseas; meu tio Ildefonso, então simples padre, farejava-me cônego. (...) (ASSIS, disponível em http://www. dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000167.pdf,acesso em maio de 2013) 10 Unidade: Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais Note que no parágrafo anterior, o narrador, Brás Cubas, apresenta uma sequência de ações, transformações em torno do acontecimento: o nascimento do narrador protagonista, a ação da parteira, os prognósticos dos tios. Observe, também, a presença, principalmente, das formas verbais no pretérito perfeito do indicativo, como “brotou”, “nasci”, “recebeu”, “fui” e atente para a sequência de ações que revelam uma sucessão no tempo e uma relação de anterioridade e posterioridade. Isso significa, por exemplo, que as opiniões dos tios sobre o futuro de Brás Cubas são apresentadas depois do nascimento do protagonista. É importante lembrar que mesmo em um parágrafo predominantemente narrativo podemos encontrar sequências descritivas ou expressões que caracterizem algo, no caso, o próprio Brás Cubas, “herói de nossa casa”, como ele mesmo disse, e os tios que o viam futuramente como “cônego” e com “um certo olhar de Bonaparte”. Vimos os tipos de parágrafos, vamos ver agora como você pode iniciar um parágrafo? A forma mais comum de iniciar um parágrafo é a declaração inicial. Trata-se de uma afirmação inicial que é rodeado por ideias secundárias que a justificam e costuma vir na introdução do texto. Veja o exemplo a seguir: “A prática da redação é muito importante para a formação profissional. Não é apenas por causa da necessidade de redigir cartas, relatórios, ofícios e, eventualmente, artigos que um agrônomo, por exemplo, precisa saber escrever. A prática da redação é fundamentalmente um excelente treinamento para a organização do raciocínio e para o desenvolvimento da capacidade de se expressar”. (MORENO; GUEDES, 1989, p.72). Como afirma Goldstein, Louzada e Ivamoto (2010, p.40), “a declaração inicial aproveita- se de um dado conhecido por todos no princípio”, ou seja, de que a prática de redação é fundamental para a formação profissional. Note como, na sequência, os autores justificam como é importante a redação na forma de “organização do raciocínio” e “o desenvolvimento da capacidade de se expressar”. Outra forma de você iniciar um parágrafo é com a interrogação, apresentando uma ou mais perguntas, uma reflexão sobre o que se estádiscutindo. Normalmente, responde-se à questão na sequência, como no seguinte exemplo: “Por que me lembraria agora daquela velhinha de Florença? Há sentimentos antigos, dentro de nós, que não perdem a força, que não se deixam aniquilar pelo tempo e pelos acontecimentos; estão apenas reclinados como em cadeiras invisíveis, numa obscura sala de espera.” (MEIRELES, 1973, p.24). No primeiro parágrafo da crônica “Uma velhinha em Florença”, de Cecília Meireles, é possível observar que a pergunta inicial se não é respondida logo depois, é refletida na sequência, na medida em que se fala sobre lembranças, sentimentos antigos que não podem ser esquecidos como a lembrança daquela velhinha de Florença. 11 A definição é uma outra maneira de iniciar o parágrafo. Partimos do conceito de algo, de uma ideia, normalmente o foco do tema, o que se assemelha muito ao que faz o dicionário. Veja o exemplo: “A conversação é uma atividade lingüística básica, que pertence às práticas diárias de qualquer cidadão, independente de seu nível sócio cultural. Ela representa o intercurso verbal em que duas ou mais pessoas se alternam, discorrendo livremente sobre questões propiciadas pela vida diária”. (CASTILHO, 1986, p. 21) No exemplo, observe como o autor Ataliba de Castilho define, inicialmente, o que é a conversação para, depois, expandir o conceito acrescentando outras ideias relacionadas ao assunto, como a do “intercurso verbal”, alternada por duas ou mais pessoas no momento da conversação. Outra possibilidade de iniciar um parágrafo é por meio da oposição e comparação, o que subdivide o parágrafo em dois grupos de ideias de posições diferentes sobre um mesmo tema. No famoso texto de Rui Barbosa “Política e Politicalha”, citado no livro de Othon Moacir Garcia (2001), você pode encontrar um bom exemplo de oposição e comparação, como se observa: Política e politicalha não se confundem, não se parecem, não se relacionam uma com a outra. Antes se negam, se excluem, se repulsam mutuamente. A política é a arte de gerir o Estado, segundo princípios definidos, regras morais, leis escritas, ou tradições respeitáveis. A politicalha é a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais. (BARBOSA apud GARCIA, 2001, p. 232) Marcado por contraste, o parágrafo se inicia com frases que comparam e opõem a política à politicalha. Note como o autor, Rui Barbosa, marca antiteticamente o sentido de cada palavra, realçando o sentido contrário de cada uma. Podemos iniciar o parágrafo também por uma citação. Nesse caso, logo no início utilizamos a fala de alguém, o discurso de uma autoridade no assunto, por exemplo, recortada por aspas no caso de citação direta, informando o autor do dito, depois (ou antes). Esse tipo de início de parágrafo é Importante na sustentação do que se defende. Vamos ver o seguinte exemplo: Ser ou não Disse Alexandre Dumas que Shakespeare, depois de Deus, foi o poeta que mais criou. Aos 37 anos, já escrevera 21 peças e inventara uma forma de soneto. Era um rico proprietário de terras e sócio do Globe Theatre, de Londres. Suas peças eram representadas regularmente para a rainha Elizabeth I. Na Tragégia de Hamlet, Príncipe da Dinamarca, publicada em 1603, Shakespeare superou a si mesmo, tomando uma antiga história escandinava de fraticídio e vingança e transformou-a numa tragédia sombria sobre a condição humana, traduzida quase 1000 vezes e encenada sem cessar. Sarah Bernhardt, John Gielgud, Laurence Olivier, John Barrymore e Kenneth Branagh, todos buscaram entender o melancólico dinamarquês. (Veja - especial do Milênio, disponível em http://pt.scribd.com/doc/118807916/Guia-de-Producao- Textual, acesso em 12 de maio de 2013) 12 Unidade: Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais Você observou como é possível introduzir um parágrafo citando o pensamento ou apoiando- se em palavras de especialistas no assunto? No caso, o autor desse parágrafo utilizou a citação indireta do romancista francês Alexandre Dumas para ressaltar a importância de Shakespeare para a literatura inglesa e universal. Por último, temos a alusão. Esse é um recurso muito utilizado tanto em textos que remetem a fatos corriqueiros ou já acontecidos, podendo-se voltar ao passado para comparar o que acontece hoje quanto em textos informativos, para fazer referências a localizações geográficas e a dados estatísticos. No exemplo novamente de um texto de Rui Barbosa, você pode observar como o autor se refere a um fato já acontecido: “Conta uma tradição cara ao povo americano que o Sino da Liberdade, cujos sons anunciaram, em Filadélfia, o nascimento dos Estados Unidos, inopinadamente se fendeu, estalando, pelo passamento de Marshall. Era uma dessas casualidades eloqüentes, em que a alma ignota das coisas parece lembrar misteriosamente aos homens as grandes verdades esquecidas.” (BARBOSA apud GARCIA, 2001, p. 210). Observe que a partir de uma alusão a um episódio da tradição histórica do povo americano, Rui Barbosa faz uma reflexão a partir do Sino da Liberdade (1752) que tanto marcou, com seus badalos, o movimento abolicionista e a independência norte-americana (1776), quanto à morte de John Marshall em 1835, conhecido como um dos participantes da Revolução Americana. Já vimos algumas formas de iniciar um parágrafo. Agora, vamos ver as diferentes maneiras de se desenvolver um parágrafo? Você pode desenvolver o parágrafo de diversas maneiras, uma delas é a oposição ou contraste e comparação que já vimos no texto de Rui Barbosa sobre a oposição entre política e politicalha. Retome o parágrafo e note que o autor, ao comparar os dois termos, deixa clara a definição de cada um, revelando como a politicalha corrompe os ideais básicos da política. Outra forma de você desenvolver um parágrafo está na enumeração ou descrição de detalhes, como notamos no parágrafo inicial de O Mulato, de Aluísio Azevedo, citado como um exemplo desse tipo de desenvolvimento por Othon Moacir Garcia: Era um dia abafadiço e aborrecido. A pobre cidade de São Luís do Maranhão parecia entorpecida pelo calor. Quase que se não podia sair à rua: as pedras escaldavam; as vidraças e os lampiões faiscavam ao sol como enormes diamantes, as paredes tinham reverberações de prata polida; as folhas das árvores nem se mexiam; as carroças d’água passavam ruidosamente a todo o instante, abalando os prédios; e os aguadeiros, em mangas de camisa e pernas arregaçadas, invadiam sem-cerimônia as casas para encher as banheiras e os potes. Em certos pontos não se encontrava viva alma na rua; tudo estava concentrado, adormecido; só os pretos faziam as compras para o jantar ou andavam no ganho. (AZEVEDO, disponível em http://narradoresdoreconcavo.com.br/listas/arquivos/484/lit_o_mulato.pdf, acesso em 17 de maio de 2013) 13 “O dia abafadiço e aborrecido” é descrito nos detalhes de tudo o que se pode encontrar neste espaço: “pedras” que “escaldavam”, “as vidraças e os lampiões” que “faiscavam ao sol”, o reflexo da prata polida nas paredes, as árvores que não se mexiam e a ausência de pessoas nas ruas, enfim, os detalhes são enumerados pelo narrador exemplificando “o dia abafadiço”. A relação de causa e efeito é também outra possibilidade desenvolver o parágrafo. Em Goldstein, Ivamoto e Louzada (2010, p.44), temos um exemplo desse desenvolvimento: A indústria do plástico alegará em uma campanha publicitária que suas sacolinhas não são danosas ao ambiente. A justificativa é que quase 100% delas são reutilizadas em geral para embalar lixo. O problema é que muitas se rasgam com facilidade. Por isso, a indústria fará uma campanha junto ao comércio para que compre apenas sacolinhas com certificado de resistência. Veja. São Paulo: 28 maio 2008, p.40 apud GOLDSTEIN; LOUZADA; IVAMOTO (2010, p.44) No parágrafo, o que aparece em negrito, segundo as autoras, são causas para que a indústria do plástico divulgue uma campanha publicitária. Sobre suas sacolinhas (não danosas) está o fato de que elas são reutilizadaspara embalar lixo. Ao fato de se rasgarem com facilidade (causa), coloca-se em seguida o efeito, isto é, promover uma campanha publicitária que enfatize a compra de sacolinha com certificado de resistência. Até o momento, vimos como se estrutura um parágrafo, a partir de alguns exemplos de tipos de tópicos frasais e tipos de desenvolvimentos que produziram textos coesos e coerentes, com unidades de sentido e clareza. Mas quais são os elementos de coesão/coerência que promovem uma organização lógica, revelando um encadeamento de ideias, garantindo, assim, a construção de sentidos na ligação de uma frase com outra? Este é o assunto do nosso próximo item. A coesão e a coerência no parágrafo Vimos, no início dessa unidade, que a coesão e a coerência devem caminhar juntas em um texto. A coerência é a lógica interna do texto, que se revela na medida em que há uma progressão das ideias partindo de um tema ou assunto inicial. As ideias se articulam ao longo do parágrafo, construindo uma unidade de sentido. Segundo Goldstein, Louzada e Ivamoto, para garantir a coerência de um texto deve-se considerar: 1. acontinuidade de sentido, caracterizada pela manutenção do assunto central e pelo desenvolvimento desse assunto de modo progressivo e claro; 2. a sequência lógica das ideias: das mais gerais às mais específicas ou o inverso; 3. a manutenção da mesma pessoa verbal ao longo do texto; 4. a adequação da variante linguística utilizada ao contexto da comunicação e ao gênero textual escolhido; 14 Unidade: Estrutura do parágrafo, coesão e coerência textuais 5. a descrição espacial ordenada: dos dados mais próximos aos mais distantes ou o contrário; 6. as indicações temporais, situando o assunto em relação a fatos anteriores ou posteriores; 7. a adequação do título ao contexto. (GOLDSTEIN; LOUZADA; IVAMOTO, 2010, p.24) Para construir e manter a coerência no texto é fundamental estar atento aos processos de coesão textual, que vão permitir estabelecer ligações entre as partes do texto pela retomada de palavras, pela repetição, pela substituição de um termo por outros, sejam por outros nomes, expressões ou pronomes, ou pelo uso de palavras que liguem frases e palavras do texto (essas palavras são os conectivos: conjunções, preposições, pronomes relativos etc.). Sendo assim, podemos dizer que coesão será do tipo referencial, quando retomar termos por meio da substituição, de repetição da própria palavra ou elipse; e será do tipo sequencial, na medida em que estabelecer elos entre as palavras, frases e orações que compõem o texto. (GOLDSTEIN; LOUZADA; IVAMOTO, 2010, p.27). Vamos ver agora como esses mecanismos de coesão aparecem no parágrafo do texto a seguir, de Rubem Braga, intitulado “O Pavão”: Eu considerei a glória de um pavão ostentando o esplendor de suas cores; é um luxo imperial. Mas andei lendo livros, e descobri que aquelas cores todas não existem na pena do pavão. Não há pigmentos [...]. O que há [...]são minúsculas bolhas d’água em que a luz se fragmenta, como em um prisma. O pavão é um arco-íris de plumas. (...)(BRAGA, 1960, p. 149) Note que o parágrafo apresenta diversos mecanismos de coesão. Quanto ao tipo referencial, ele pode ser observado tanto na a repetição da palavra “pavão”, que aparece sublinhada, e na sua substituição em “arco-íris de plumas” quanto nas elipses destacadas nas chaves que retomam a expressão “na pena”. Já as palavras assinaladas em retângulos representam a coesão do tipo sequencial, ou seja, são conectivos (termos que ligam duas palavras, expressões ou orações) como o e, que tem o valor adicional (“andei lendo livros” e (somado a isso, acrescido a isso) descobri”; ao passo que o em que ( preposição “em” + pronome relativo “que”) funciona como ligação entre as expressões “bolhas d’água” e “luz” (uma anterior e outra posterior) indicando relação de lugar (a luz se fragmenta nas minúsculas bolhas d’água). Vale assinalar que este último caso, pode ser exemplo tanto de coesão sequencial, por estabelecer uma relação sintática, quanto de coesão referencial, por retomar um termo anterior (“minúsculas bolhas d’água”). Por fim, é importante observar que a coerência no parágrafo ocorre não apenas pelos elementos de coesão citados, mas também pela forma como o tema central, o pavão, apresenta uma progressão, permitindo uma unidade ao texto, desde o título. Nessa unidade, apresentamos alguns conceitos e pudemos refletir juntos sobre importantes mecanismos e recursos que auxiliam tanto no processo de produção escrita como no de leitura, na medida em que possibilitam a construção de sentidos no texto: por um lado, eles auxiliam a produzir uma expressão mais clara e organizada daquilo que ser quer dizer (escrita) e, por outro, auxiliam a obter uma compreensão mais adequada e apurada daquilo que foi dito (leitura). Procure fazer um quadro síntese com as ideias aqui apresentadas, não só para seus estudos, mas também para sua consulta durante a leitura e a escrita de seus textos. 5 • Estratégias de Leitura • Processamento da Informação · Esta unidade tem como eixo temático “Estratégias de Leitura”. Nosso objetivo é ampliar seus conhecimentos sobre a leitura, especialmente, mostrar algumas estratégias para que você possa ler com mais adequação e, consequentemente, produzir textos com mais eficiência. Estratégias de Leitura Atenção Para um bom aproveitamento do curso, leia o material teórico atentamente antes de realizar as ativi- dades. É importante também respeitar os prazos estabelecidos no cronograma. 6 Unidade: Estratégias de Leitura Contextualização Leia o texto a seguir e perceba como as estratégias de leitura estão no contexto do mundo jurídico, segundo análise do Prof. Sírio Possenti. Até tu, Cesare? Mecânica da interpretação textual pode ser flagrada até em fatos que não envolvem a leitura de textos, como o pedido de extradição do italiano Cesare Battisti Sírio Possenti Há muitas questões no ar sobre leitura. Algumas dizem respeito a aspectos teóricos cruciais, como a discussão sobre se o sentido é imanente ao texto ou se o texto deve ser considerado em seu contexto, amplíssimo (como ler textos bíblicos?) ou mais restritos (como ler jornais?), ou sobre qual a relevância do autor (sua biografia, sua ideologia) e do leitor (sua experiência, seu conhecimento enciclopédico, sua ideologia) na decisão sobre o ou os sentidos de um texto; ou sobre as relações intertextuais, ou os sentidos ocultos etc. Outras questões soam mais pragmáticas, como as que se referem a como a leitura deve ser feita na escola: deve-se ou não “impor” um sentido dos textos (o sentido canônico), especialmente dos literários, ou, ao contrário, deve-se incentivar as múltiplas leituras, ou as leituras “de cada um”. Essa questão afeta as provas, sejam os vestibulares, sejam os testes mundiais (do tipo Pisa) que pretendem avaliar o nível de leitura dos estudantes em diversos países. As questões são relevantes. Algumas têm reflexos diretos nas teorias ou derivam delas ou delas se beneficiam. Outras implicam políticas: tipos de livros a serem distribuídos e lidos, de interpretações aceitáveis etc. Extradição Mas há outra questão, frequentemente esquecida, que produz inclusive efeitos práticos nas sociedades, e pode ser exemplificada pelas leituras jurídicas. Seja o caso do pedido de extradição de Cesare Battisti, recentemente examinado pelo Supremo. Todos souberam que o julgamento - detalhes à parte - terminou com 5 votos pela extradição e 4 contrários. Uma segunda votação terminou em 5 a 4, desta vez sobre quem detém a última palavra sobre a questão, se o Supremo ou o presidente da República. Quem quisesse analisar o problema do ponto de vista da leitura, poderia perguntar, primeiro, de que tipo de leitura se trata, já que a verdadeira, ou mais correta, é decidida no voto, e a interpretação que vale é a com maior número de partidários. Creio que todos achariam estranho se esse critério fosseadotado numa prova de vestibular (a alternativa mais vezes escolhida pelos vestibulandos, digamos, seria a correta). Mas esta é, a meu ver, uma questão secundária, apesar de tudo. A mais interessante é outra, e ela é comum em julgamentos das Cortes. Trata-se de uma questão de leitura, mas não no sentido de que duas ou várias pessoas fornecem interpretações diferentes de um texto (de um artigo de uma lei, por exemplo). Quem assistiu ao julgamento deve ter percebido que não foi esta a questão que dividiu os votos no caso em questão. 7 O que decidiu os votos de cada juiz foi um tipo especial de critério. Os que votaram a favor da extradição puseram em questão as razões pelas quais o ministro Tarso Genro concedeu refúgio ao italiano. Disseram, com pequenas variações, que seus crimes eram comuns, não políticos, diferentemente da avaliação do ministro da Justiça. Os que votaram contra a extradição não discordaram desta interpretação (com exceção de um ministro, Marco Aurélio de Melo). Eles não disseram que Tarso Genro estava certo. Isto é, não fizeram uma leitura diferente do parecer do ministro da Justiça. Divergência O que eles fizeram foi julgar a questão a partir de outro ponto de vista. Em vez de discutir o texto de Genro (de fato, eles o desconheciam!), discutiram a natureza da legislação que define quem deve decidir pela concessão ou não do refúgio, e ela diz que o Supremo não tem a ver com isso, e a questão compete ao Executivo. Em suma, que se trata de questão de política, não da Justiça (em sentido estrito). O ponto central da argumentação foi que, uma vez concedido o refúgio pelo Executivo, o processo acaba, ninguém mais deve pronunciar-se. Há exemplos semelhantes na literatura: se, por exemplo, se lê considerando-se que a questão do livro é a da existência ou não do diabo (e, portanto, do mal etc.), o sentido do livro é um; todos os episódios são considerados em relação a esta questão. Se, diferentemente, se considera que o livro retrata o comportamento da sociedade brasileira (quem sobe na vida passa a explorar os outros, e Riobaldo não passa de um exemplo de tal comportamento), o livro tem outro sentido. Não se trata mais de uma questão metafísica, mas de uma questão sociológica. Não é uma questão para ser posta de lado. Sírio Possenti é professor associado do departamento de linguística da Unicamp e autor de Os Humores da Língua (Mercado de Letras). Fonte: Revista Língua. Acesso em: 21 de setembro de 2012. 8 Unidade: Estratégias de Leitura Estratégias de Leitura Você já deve ter se deparado na sua vida pessoal, acadêmica ou profissional muitas vezes com o termo “leitura”. Aqui mesmo, na unidade I, já apresentamos uma introdução a esse respeito. Mas... será que, todas as vezes que nos defrontamos com esse termo, ele possui o mesmo significado? Para a noção de leitura ficar mais clara, ou, dizendo melhor, as noções de leitura, nós nos basearemos nos postulados de Orlandi (1988) . A primeira acepção que a autora apresenta é a de Leitura como atribuição de sentidos, isto é, diante de um exemplar verbal, visual ou sonoro é possível percebê-lo, ler os seus significados. A segunda noção atribuída à Leitura é a de leitura de mundo, em que se reflete a sua relação com a ideologia. Mais estritamente, Leitura, para a academia, pode significar a construção de um aparato teórico e metodológico, isto é, uma aproximação com grandes autores, por exemplo, as várias leituras de Aristóteles. Ainda, relacionada à escolaridade, vincula-se a leitura à alfabetização, o que, hoje, denominamos letramento. Para nós, interessa-nos, aqui, apenas a noção de leitura como atribuição de sentidos. Além de entender a leitura como uma atividade decorrente da concepção de sujeito, de língua, de texto que se adote. Simplificando essas noções em um quadro, temos: Quadro I – Concepções de língua, sujeito, texto e leitura Concepção Foco Língua Sujeito Texto Leitura Subjetivismo idealista Autor Representação do pensamento Psicológico, individual, dono de suas vontades e ações. Produto lógico do pensamento representação mental) do autor Atividade de captação das ideias do autor, sem considerar as experiências e os conhecimentos do leitor. O sentido está no autor, basta ao leitor captar essas intenções. Objetivismo abstrato Texto É uma estrutura, um código, apenas um instrumento de comunicação. (Pré)determinado pelo sistema. Assujeitado pelo sistema, não- consciente. Produto da codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ ouvinte, a quem basta conhecer o código utilizado. Atividade que exige do leitor o foco no texto, em sua linearidade, pois tudo o que é necessário está posto ali. Nesta concepção, cabe ao leitor reconhecer o sentido das palavras e estruturas do texto. Assim, como na primeira concepção, o leitor só realiza uma atividade de reconhecimento e de reprodução. 9 Interacionismo Interação Autor-leitor texto Lugar de interação. Atores/construtores sociais, sujeitos ativos que, dialogicamente, se constroem e são construídos no texto. É um sujeito social, histórico e ideologicamente situado, que se constitui na interação com o outro. Lugar de interação e da constituição dos interlocutores. Atividade interativa altamente complexa de produção de sentidos, que se realiza com base nos elementos linguísticos apresentados e organizados na superfície textual e que requer mobilização de saberes no interior do evento comunicativo. É claro que todas essas concepções são importantes para as atividades de leitura, de escrita, e até de ensino de língua materna, mas, para continuidade de nossa unidade, é necessário declarar que priorizamos a concepção de língua que privilegia os sujeitos e seus conhecimentos na interação. Para compreender melhor essa noção, acompanhe o texto apresentado a seguir. Fonte: http://cacogalhardo.wordpress.com/tag/pescocudos-2/ Para compreendermos melhor a concepção que possui foco no autor-leitor-texto, vamos pensar no mosquito como se ele fosse um texto. Desse modo, cada interlocutor empresta ao texto os seus conhecimentos e experiências; assim, o objeto-texto é o mesmo, a leitura realizada dele é que foi diferente. Veja este outro texto: Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/cartum/cartunsdiarios/#18/9/2012 10 Unidade: Estratégias de Leitura Diante dos cartazes de alerta, Garfield infere que se há tanta insistência para que ele se afaste é porque alguém o quer longe de “alguma coisa muito boa”. Ele interage com o autor das placas, busca o que está implícito nas frases imperativas e deduz que ele deve continuar. Na concepção interacionista, espera-se que o leitor “concorde ou não com as ideias do autor, complete-as, adapte-as” (KOCH; ELIAS, 2006, p. 12), ou seja, que a interação do leitor com o autor e o texto seja realizada por seleção de informações, inferências, verificações, antecipações e hipóteses e, também, por objetivos de leitura. Se acreditarmos que o sentido não está no texto, mas se constrói a partir dele, entenderemos o leitor, também, como construtor do sentido. Koch (1998) ilustra essa afirmação utilizando a metáfora do iceberg. No texto, nós só percebemos uma pequena superfície exposta, porém há uma grande área submersa, que para ser conhecida necessita de mergulhos nas profundezas do implícito, dos conhecimentos armazenados em nossa memória, das intertextualidades, isto é, é preciso recorrer aos vários sistemas de conhecimento e ativar estratégias cognitivas e interacionais. É claro, que após toda essa demanda conseguiremos construir UM sentido (não há O sentido, pois cada leitura é sempre uma releitura). Veja como é interessante a leitura que a Mafalda promove para a expressão “Self-made man” na tirinha apresentada a seguir. Fonte: http://tirinhasdejornais.blogspot.com.br/ Os norte-americanos chamam as pessoas que conseguem subir na vida com opróprio esforço de self-made man. Fonte: Thinkstock.com 11 Para deixar mais clara a noção de que cada leitura é sempre uma nova leitura, em que novos sentidos são impressos, emprestamos do discurso popular a ideia de que ler o livro “O pequeno Príncipe” de Antoine de Saint-Exupéry é diferente em distintas fases da vida. Ler o livro na infância, na adolescência e na idade adulta faz com que nossa percepção sobre os seus sentidos sejam diferentes e, em nossa interação com o texto, em cada uma dessas etapas da vida, podemos incluir conhecimentos diferentes, frutos de nossas experiências e aprendizagens. O texto não muda, mas o conhecimento que o leitor aplica à leitura com certeza não é o mesmo em cada contexto, em cada momento da vida. Fonte: http://img.americanas. com.br/produtos/01/00/ item/163/2/163212G1.jpg Com isso, não preconizamos que o leitor possa ler qualquer coisa em um texto, pois o sentido não está apenas no leitor, nem no texto, nem na intenção do autor, mas na interação autor- texto-leitor. Por isso, é fundamental que o leitor considere, “na” e “para” a produção de sentido, as “sinalizações” textuais, além dos conhecimentos que possui. O Bicho “Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato, Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem”. Manuel Bandeira Manuel Bandeira mostra-nos que ao prestar mais atenção ao “bicho”, ao observar os detalhes, “a imundice do pátio”, a “comida entre os detritos”, percebe-se o ser real: um homem. Assim como um olhar que se aproxima, que presta atenção aos detalhes e às sinalizações do texto, o aprofundamento na leitura faz emergir novos sentidos. Cabe ao leitor buscar uma leitura cada vez mais aprofundada, fugindo da superficialidade, do senso comum. Fiorin e Savioli (2007) apontam níveis de leitura que se distinguem pelo grau de abstração. Segundo os autores, as diversidades manifestam-se no nível mais superficial e a unidade textual encontra-se em um nível mais profundo. Em uma narrativa, por exemplo, no primeiro nível, destacam-se os elementos mais fáceis de serem observados, tais como o cenário, a época, as personagens, as ações concretas. No segundo nível, observam-se aspectos que prescindem de uma análise mais atenta, como os valores com que as personagens entram em acordo ou desacordo. No terceiro nível, ocorrem os significados mais abstratos. 12 Unidade: Estratégias de Leitura Para exemplificar: Era uma vez três porquinhos. Eles eram alegres. O mais novo adorava brincar, o segundo era músico e o mais velho era muito trabalhador. Um dia, percebendo que o dono da fazenda iria vender seus filhotes, a dona Porca juntou suas economias, dividiu-as entre os três porquinhos e os aconselhou a ir morar longe da fazenda. O porquinho mais novo comprou palha e construiu sua casinha. A palha era muito barata e ele poderia comprar muitos brinquedos com o que sobrasse do dinheiro. O segundo porquinho resolveu construir uma casinha de madeira, porque era mais rápido de construir e ele logo poderia voltar a dedicar-se às suas musicas. Desta forma, ele passava os dias tocando e cantando. O terceiro porquinho, que era muito esperto e trabalhador, fez sua casinha de tijolos. Ele gastou todo o seu dinheirinho, mas construiu uma casa resistente e muito bonita. Algum tempo depois, um lobo muito malvado se mudou para aquela região. Quando ele soube que a li moravam três porquinhos, resolveu procurá-los. O lobo já estava cansado de comer frutinhas da floresta. Ele queria achar as casas dos porquinhos, porque queria comer leitão assado. Ele procurou e achou a casinha de palha. Bateu na porta: – Abra esta porta senão derrubo sua casa. Como o porquinho não abriu, o lobo estufou o peito e soprou. A casinha foi para os ares. O porquinho saiu correndo pela floresta e foi se esconder na casinha de madeira de seu irmão. O lobo foi correndo atrás dele. Chegando na casinha de madeira, o lobo novamente pediu que abrissem a porta: – Abra esta porta senão derrubo sua casa. Como os porquinhos não fizeram isso, ele soprou com força e derrubou a casinha. Os porquinhos correram para a casa de tijolos e, quando chegaram, contaram tudo para o irmão. Como este era muito esperto, trancou todas as portas e janelas e colocou um caldeirão de água a ferver na lareira. O lobo chegou até a casinha minutos depois. Bateu na porta e como ninguém respondeu, ele estufou o peito e soprou. A casinha continuou como estava. O lobo continuou soprando até cair exausto no chão. Descansou um pouco e ficou pensando como faria para entrar. Tentou derrubar a porta, mas esta estava muito bem trancada. Forçou as janelas e também não conseguiu abrir. O lobo estava ficando furioso, quando teve uma idéia! – Vou descer pela chaminé — pensou ele, já sentindo o gostinho da vitória. Subiu no telhado e foi descendo pela chaminé. Quando estava caindo, começou a sentir um calor muito grande até cair dentro do caldeirão de água fervendo. Ele saiu correndo, todo queimado pela água quente. O lobo ficou com tanta vergonha, que se mudou para um lugar muito distante, e nunca mais se teve notícias dele. Os três irmãozinhos decidiram morar juntos na mesma casinha de tijolos. Mais tarde, buscaram sua mãe para viver com eles e foram felizes para sempre. Disponível em http://www.historiasinfantis.eu/os-tres-porquinhos 13 Se fossemos analisar esse texto apenas em seu nível superficial, faríamos perguntas sobre os personagens, sobre o que cada um gostava de fazer, por que a Mamãe Porca pediu para que os filhos deixassem a fazenda, ou o que aconteceu quando o lobo assoprou a casa de palha. São todas informações que podem ser retiradas do texto, bastando apenas localizá- las, sem exercício de reflexão. Numa análise mais reflexiva, todavia em um nível intermediário, precisaríamos trabalhar com quatro fases distintas de organização dos enunciados na narrativa: manipulação, competência, performance e sanção (ver definições no quadro abaixo). O leitor deverá relacionar essas partes ao texto e perceber a importância de cada uma delas para o sentido do texto. Poderíamos perguntar se os alunos acham correta a atitude da mãe (manipulação), ou se os porquinhos estão certos em construir casas mais simples e menos seguras e guardar dinheiro para brinquedos (competência e performance). Questionar, ainda, a postura do porquinho que resolve gastar todo o seu dinheiro e demorar mais na construção da casa (sanção). Essas são algumas das questões possíveis para gerar reflexão e discussão. Glossário Manipulação: um personagem induz outro a fazer alguma coisa. O que vai fazer precisa querer ou dever realizar a coisa. Competência: o sujeito do fazer adquire um saber e um poder. Performance: O sujeito do fazer executa a ação. Sanção: O sujeito do fazer recebe castigo ou recompensa. (FIORIN; SAVIOLI, 2007, p. 57) Já na análise mais profunda, nós precisaríamos atentar ao fato de que todo texto tem uma intenção e que por trás de histórias infantis inocentes a sociedade sempre busca dar conselhos, ensinar os comportamentos sociais adequados; nesse caso, ensina-se que não se deve ter preguiça e que o trabalho é importante. Observem essa frase retirada do texto: “O terceiro porquinho, que era muito esperto e trabalhador, fez sua casinha de tijolos”. Veja a relação que o autor estabelece em ser esperto e trabalhador. Viu como o trabalho é valorizado? Não ter preguiça, ser trabalhador é ser esperto. E quem, dentre os leitores, não deseja ser esperto? Dessa forma, é no caminho da superfície para os significados mais abstratos que ocorre o processamento textual. 14 Unidade: Estratégias de Leitura Processamento da Informação Leia o texto a seguir e tente descobrir do que ele trata: Como o próprio nome indica, a representação sinal e amplitude utiliza um bit para representar o sinal, o bit maisà esquerda: 0 para indicar um valor positivo, 1 para indicar um valor negativo. Na representação em complemento para 1 invertem-se todos os bits de um número para representar o seu complementar: assim se converte um valor positivo para um negativo, e vice-versa. Quando o bit mais à esquerda é 0, esse valor é positivo; se for 1, então é negativo. PROENÇA, A. J. Representação Binária de Números. Minho: Universidade do Minho, 2004, p. 4 Difícil compreendê-lo? Sabe qual é o seu tema? Perceba que ele fala de números binários, de representação em complemento 0 e 1. Trata-se de uma das linguagens de computador. Você conseguiu entendê-lo por causa do seu conhecimento sobre esse tipo de linguagem e as informações sobre complemento 0 e 1, ou foi ajudado pelo reconhecimento da palavra “bit”? Para a compreensão do texto, nós recorreremos a estratégias de processamento da informação. Nesse caso, tivemos que apelar ao processamento de conhecimentos enciclopédicos, além dos conhecimentos linguísticos. Para qualquer atividade de leitura, de produção de sentidos, nós mobilizamos várias estratégias sociocognitivas, isto é, para o processamento textual nós utilizamos vários tipos de conhecimentos armazenados na memória. De forma geral, para o processamento textual, recorremos a três grandes sistemas de conhecimento: o linguístico, o enciclopédico e o interacional. Conhecimento Linguístico O conhecimento linguístico abrange o conhecimento gramatical e lexical. Esse tipo de conhecimento ajuda a entender a organização do texto na sua superfície; além de facilitar a compreensão do uso de elementos de coesão e, até mesmo, a escolha da palavra adequada ao tema e à variante linguística. Fonte: http://www.oqueeisso.blog.br/?tag=mafalda 15 Para a compreensão dessa tirinha da Mafalda, precisamos ativar o conhecimento linguístico. Só com o domínio do vocábulo “reacionário” é que conseguiremos compreender a tira. Veja uma das acepções do verbete no Dicionário Houaiss: Glossário Reacionário: 4 que ou aquele que defende princípios ultraconservadores, contrários à evolução política ou social; reacionarista, reacionista. http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=reacion%C3%A1rio&stype=k Agora, é possível compreender que a Mafalda explica ao caranguejo que o futuro é para frente, mas ele continua indo na direção inversa à apontada por ela, por isso ela o considera um reacionário, ou seja, alguém que não aceita as mudanças na sociedade. Reacionário é o oposto de revolucionário. Veja outro exemplo: Fonte: Frank & Ernest - por Bob Thaves. Disponível em http://tirinhasdejornais.blogspot.com.br/2012/04/frank- ernest-por-bob-thaves_777.html Para a compreensão dessa tirinha, o leitor deverá reconhecer a expressão “estar viajando” como gíria presente na língua portuguesa, que pode ter outras variantes como “viajar na maionese” e “viajar na batatinha”, todas com o sentido de dizer um absurdo, bobeira, coisa sem sentido. Conhecimento Enciclopédico O conhecimento enciclopédico refere-se a conhecimentos gerais sobre o mundo e às experiências pessoais do leitor. É todo o rol de informações que adquirimos ao longo da vida, por isso ele também é diferente para cada pessoa. Especialmente, não podemos considerar que crianças e adolescentes tenham o mesmo grau de informação que um adulto. Da mesma forma, as pessoas vão ter conhecimentos diferentes em função de suas experiências, por exemplo, quem nasceu em área urbana não possui vivências sobre o tempo, a terra, os animais como as pessoas que nasceram em um sítio. Quer outro exemplo? Responda: Você conhece as pirâmides mexicanas? Não, mas há quem conheça. Você pode até estar pensando “isso é loucura, pirâmides são no Egito”. É isso mesmo, todos nós conhecemos as pirâmides egípcias, embora poucos de nós as tenhamos vivenciado, 16 Unidade: Estratégias de Leitura mas dificilmente na escola você aprendeu sobre as pirâmides mexicanas. Algumas pessoas já pisaram nelas! Para você não ficar curioso, colocamos abaixo uma breve explicação. Para ampliar o seu conhecimento: Chichén Itzá As pirâmides mexicanas (existem outras pirâmides similares em outros locais nas Américas) também têm centenas de milhares de anos e são imensas: algumas com mais de 60 metros de altura e 220 metros na base. Mas há duas grandes e básicas diferenças entre as estruturas do antigo Egito e as do México: os monumentos das Américas normalmente não são túmulos, e foram projetados como uma grande elevação de terra, com uma escada, que “sobe” em sua face externa até o ponto mais alto, e um templo construído no topo. Chichén Itzá, sítio arqueológico que faz parte das muitas ruínas da região maia, é o conjunto de pirâmides mais visitados no México, provavelmente, porque elas ficam muito próximas a Cancun, local em que há muitos turistas. Texto adaptado de: http://umbreonmaster.blogspot.com/2010/09/as-piramides-mexicanas.html Fonte: Thinkstock.com Você percebe a importância dos conhecimentos enciclopédicos para a leitura adequada de um texto? Entendeu porque seus professores na Educação Básica, ou familiares, sempre insistiram que para ler e escrever melhor é preciso ler mais? A leitura traz conhecimentos que fazem ampliar o seu repertório. Veja mais um exemplo: Fonte: http://www.izip.com.br/blog/promocao-coca-cola-em-busca-da-6%C2%AA-comemoracao-voce-na-final-da-copa- do-mundo.html 17 Por que a Promoção Cola-Cola anuncia “em busca da 6ª comemoração”? Para a compreensão dessa propaganda precisamos recorrer ao conhecimento enciclopédico de que o Brasil já foi campeão da Copa do Mundo cinco vezes. Por isso, em 2010 (veja o ingresso do lado esquerdo da propaganda), o Brasil tentava na África (veja os quatro personagens símbolos desta copa no topo da página) ser campeão pela 6ª vez. Koch (1998) aponta que o conhecimento armazenado na memória de cada indivíduo pode ser do “tipo declarativo (proposições a respeito dos fatos do mundo)”, ou do “tipo episódico (os “modelos cognitivos” “socioculturalmente determinados e adquiridos através da experiência”). Esses modelos nos ajudam a levantar as hipóteses, a criar expectativas sobre o(s) campo(s) lexical(is) a serem explorados no texto, a fazer inferências e, neste caso, suprir lacunas ou incompletudes da superfície textual. Vamos a mais um exemplo? A charge, publicada em 2005, na Folha de S. Paulo, nos mostra como os conhecimentos adquiridos fazem diferença para a interpretação. Aqui, precisamos recorrer aos modelos cognitivos do tipo episódico para compreender os sentidos do texto. No caso, precisamos lembrar os escândalos enfrentados pelo governo Lula, em 2005, quando foram delatados casos de corrupção, de favorecimentos políticos e pagamentos ilícitos para deputados. Esses casos tiveram início quando Antonio Palocci, ministro da Fazenda de Lula, foi acusado de receber um mensalão de cinquenta mil reais de empresas que fraudavam licitações públicas de coleta de lixo em cidades administradas pelo PT. Entre as denúncias, ganhou muito destaque o evento em que José Adalberto foi flagrado, em julho de 2005, com US$ 100 mil escondidos nas roupas íntimas. Na época, ele era assessor do deputado José Guimarães (PT-CE), irmão do ex-deputado e assessor especial do Ministério da Defesa, José Genoino. Ficou mais fácil compreender a charge? Conhecimento Interacional O conhecimento interacional refere-se às formas de interação por meio da linguagem. Essa relação pode acontecer de diferentes formas: o diálogo entre autor e leitor no próprio texto ou no prefácio do livro; a colocação da quantidade de informação adequada para que o leitor possa reconstruir o objetivo da produção do texto; a seleção da variante linguística ajustada a cada situação de interação; a conformação do gênero textual à situação comunicativa e, até mesmo, palavras grifadas, entre aspas, parênteses ou quaisquer outros recursos gráficos usados para chamar a atenção do leitor. O conhecimento interacionalengloba os seguintes conhecimentos: Fonte: http://www.charge-o-matic.blogger.com.br/2005_08_01_archive.html 18 Unidade: Estratégias de Leitura • Ilocucional; • Comunicacional; • Metacomunicativo; • Superestrutural. Vamos observar cada um desses conhecimentos? O Conhecimento ilocucional nos permite reconhecer os objetivos e propósitos que o produtor do texto, em uma dada situação de interação, pretende atingir. Segundo Koch (1998, p. 27), “trata-se de conhecimentos sobre tipos de objetivos (ou tipos de atos de fala), que costumam ser verbalizados por meio de enunciações características, embora seja também frequente a sua realização por vias indiretas”. Nesse sentido, o locutor deverá ter o conhecimento necessário para a captação do objetivo ilocucional. Fonte: http://site.unitau.br//scripts/prppg/la/6sepla/site/resumos_expandidos/SANTOS_Aparecida_de_Fatima_Amaral_dos_SILVA_ Celia_Francisca_da_p_54_70.pdf A tirinha nos mostra a falta do conhecimento ilocucional do personagem Eddie Sortudo, amigo de Hagar, que ao ouvir do amigo que eles beberiam para brindar à vida, pois ela é breve, não conseguiu compreender o seu sentido conotativo e a entendeu “ao pé da letra”, respondendo que imaginava que a viagem deles para a Inglaterra fosse alguns dias depois. Agora, leia o seguinte exemplo: Na convocação de Recall apresentada conseguimos, com facilidade, perceber o propósito do autor, a empresa Citröen: alertar para possíveis problemas de fabricação de alguns exemplares dos veículos C4 e C4 Pallas; convocar para inspeção e substituição de peças, buscando evitar incêndios e acidentes. Viu como é fácil compreender? Fonte: http://www.citroen.com.br/_v2/Servicos/Recall.aspx 19 O Conhecimento comunicacional refere-se a normas comunicativas gerais (como as máximas descritas por Grice, quadro abaixo); à quantidade de informação necessária numa situação concreta para que o interlocutor seja capaz de reconstruir o objetivo do produtor do texto; à seleção da variante linguística adequada ao evento; à adequação dos tipos de texto às situações comunicativas. Máximas Conversacionais de Grice Máxima da Quantidade: quantidade de informação que se supõe ser necessária numa mensagem. Faça sua mensagem tão informativa quanto necessária. Não dê mais ou menos informações do que o necessário nos seus enunciados. Máxima da Qualidade: a sua contribuição deve ser verdadeira. Não diga o que considerar falso. Não diga algo para o qual não possa fornecer evidências adequadas. Máxima da Relação / Relevância: a sua contribuição deve ser relevante; “não diga o que não for importante”. Máxima de Modo: a sua contribuição deve ser clara o suficiente para ser entendida. Evite expressões obscuras. Evite ambiguidades. Seja breve (evite prolixidade). Seja ordenado. Leia o texto abaixo com bastante atenção, perceba que ele se construiu com base na quebra das regras comunicacionais, os dois personagens não dão a quantidade de informação necessária para que a mensagem seja compreendida com adequação. Divirta-se! Um Problema de Comunicação Num determinado país, regido pelo regime socialista, havia um efetivo favorável à natalidade. Por necessidade de mão-de-obra, criaram uma lei que obrigava os casais a terem determinado número de filhos. Previra também uma tolerância de cinco anos, que consistia no fato de que para os casais que completassem cinco anos de casamento sem terem pelo menos um filho, o governo destacaria um agente para auxiliar o casal. Assim tivemos o seguinte fato, em que Mário e a esposa dialogavam: MULHER: Querido, hoje completamos o 5º aniversário de casamento! MARIDO: É, e infelizmente não tivemos um herdeiro. MULHER: Será que eles vão enviar o tal agente? MARIDO: Eu não sei. MULHER: E se ele vier? MARIDO: Bem... eu não tenho nada a fazer. MULHER: E eu menos ainda. MARIDO: Vou sair, pois já estou atrasado para o trabalho. 20 Unidade: Estratégias de Leitura Após a saída do marido, batem à porta. A mulher a abre e encontra um homem à sua frente. Era um fotógrafo que se enganara de endereço. HOMEM: Bom dia, eu sou... MULHER: Já sei ... pode entrar. HOMEM: Seu marido está em casa? MULHER: Não, ele foi trabalhar. HOMEM: Presumo que ele esteja a par ... MULHER: Sim, ele está a par e também concorda. HOMEM: Ótimo, então vamos começar? MULHER: Mas já? Assim tão rápido? HOMEM: Preciso ser breve, pois ainda tenho mais seis casais para visitar. MULHER: Puxa, e o senhor aguenta? HOMEM: Sim, aguento, pois gosto do meu trabalho. Ele me dá muito prazer. MULHER: Então, como vamos fazer? HOMEM: Permita-me sugerir, uma no quarto, duas no tapete, duas no sofá, uma no corredor, duas na cozinha e a última no banheiro. MULHER: Nossa ... não é muito? HOMEM: Minha senhora, nem o melhor artista de nossa profissão consegue na primeira tentativa. Numa dessas a gente acerta bem na mosca. MULHER: O senhor já visitou alguma casa neste bairro? HOMEM: Não, mas tenho comigo algumas amostras dos meus últimos trabalhos. Veja! (Mostrando fotos de crianças.) não são lindas? MULHER: Como são belos estes bebês; o senhor mesmo que fez? HOMEM: Sim. Veja este aqui. Foi conseguido na porta de um supermercado. MULHER: Nossa ... não lhe parece um tanto público? HOMEM: Sim, mas a mãe era artista de cinema e queria publicidade. MULHER: Eu não teria coragem de fazer isto. HOMEM: Essa aqui foi em cima de um ônibus. MULHER: Que horror ... HOMEM: É... foi um dos serviços mais duros que já fiz. 21 MULHER: Eu imagino. HOMEM: Veja este, foi conseguido num parque de diversões em pleno inverno. MULHER: Credo ... como o senhor conseguiu? HOMEM: Não foi fácil; se não bastasse a neve caindo, tinha uma multidão em cima de nós. Eu quase que não consigo acabar. MULHER: Ainda bem que eu sou discreta, espero que ninguém nos veja. HOMEM: Ótimo, eu também prefiro assim. Agora se me der licença eu vou armar o tripé. MULHER:Tripé? Para quê? HOMEM: Bem madame, é necessário. O meu aparelho além de pesado, depois de pronto para funcionar, mede mais de um metro. A mulher desmaiou. Fonte: autor desconhecido. Disponível em http://pt.shvoong.com/humanities/1710141- problema-comunica%C3%A7%C3%A3o/ Vamos a outro exemplo? Veja como o autor brinca com as variantes linguísticas adequando- as à situação de comunicação: presença ou não do guarda. Sketch - Dois homens tramando um assalto – Valeu, mermão? Tu traz o berro que nóis vamo rendê o caixa bonitinho. Engrossou, enche o cara de chumbo. Pra arejá. – Podes crê. Servicinho manero. É só entrá e pegá. – Tá com o berro aí? – Tá na mão. Aparece um guarda. – Ih, sujou. Disfarça, disfarça... O guarda passa por eles. – Discordo terminantemente. O imperativo categórico de Hengel chega a Marx diluído pela fenomenologia de Feurbach. – Pelo amor de Deus! Isso é o mesmo que dizer que Kierkegaard não passa de um Kant com algumas sílabas a mais. Ou que os iluministas do século 18... O guarda se afasta. 22 Unidade: Estratégias de Leitura – O berro, tá recheado? – Tá. – Então vamlá! Luís Fernando Veríssimo. O Estado de S. Paulo, 08 mar. 98. Viu como é fácil compreender o conhecimento comunicacional? Vamos ao próximo. O Conhecimento metacomunicativo permite ao produtor do texto garantir a compreensão do texto e conseguir a aceitação dos objetivos propostos para ele. Para isso, o produtor introduz no texto sinais de articulação ou apoios textuais, ainda, realiza atividades de formulação ou construção textual. O Nascimento da Crônica Machado de Assis Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e La glace est rompue; está começada a crônica. Mas, leitor amigo, esse meio é mais velho aindado que as crônicas, que apenas datam de Esdras. Antes de Esdras, antes de Moisés, antes de Abraão, Isaque e Jacó, antes mesmo de Noé, houve calor e crônicas. No paraíso é provável, é certo que o calor era mediano, e não é prova do contrário o fato de Adão andar nu. Adão andava nu por duas razões, uma capital e outra provincial. A primeira é que não havia alfaiates, não havia sequer casimiras; a segunda é que, ainda havendo-os, Adão andava baldo ao naipe. Digo que esta razão é provincial, porque as nossas províncias estão nas circunstâncias do primeiro homem. Quando a fatal curiosidade de Eva fez-lhes perder o paraíso, cessou, com essa degradação, a vantagem de uma temperatura igual e agradável. Nasceu o calor e o inverno; vieram as neves, os tufões, as secas, todo o cortejo de males, distribuídos pelos doze meses do ano. Não posso dizer positivamente em que ano nasceu a crônica; mas há toda a probabilidade de crer que foi coetânea das primeiras duas vizinhas. Essas vizinhas, entre o jantar e a merenda, sentaram- se à porta, para debicar os sucessos do dia. Provavelmente começaram a lastimar-se do calor. Uma dia que não pudera comer ao jantar, outra que tinha a camisa mais ensopando que as ervas que comera. Passar das ervas às plantações do morador fronteiro, e logo às tropelias amatórias do dito morador, e ao resto, era a coisa mais fácil, natural e possível do mundo. Eis a origem da crônica. Que eu, sabedor ou conjeturador de tão alta prosápia, queira repetir o meio de que lançaram mãos as duas avós do cronista, é realmente cometer uma trivialidade; e contudo, leitor, seria difícil falar desta quinzena sem dar à canícula o lugar de honra que lhe compete. Seria; mas eu 23 dispensarei esse meio quase tão velho como o mundo, para somente dizer que a verdade mais incontestável que achei debaixo do sol é que ninguém se deve queixar, porque cada pessoa é sempre mais feliz do que outra. Não afirmo sem prova. Fui há dias a um cemitério, a um enterro, logo de manhã, num dia ardente como todos os diabos e suas respectivas habitações. Em volta de mim ouvia o estribilho geral: que calor! Que sol! É de rachar passarinho! É de fazer um homem doido! Íamos em carros! Apeamo-nos à porta do cemitério e caminhamos um longo pedaço. O sol das onze horas batia de chapa em todos nós; mas sem tirarmos os chapéus, abríamos os de sol e seguíamos a suar até o lugar onde devia verificar-se o enterramento. Naquele lugar esbarramos com seis ou oito homens ocupados em abrir covas: estavam de cabeça descoberta, a erguer e fazer cair a enxada. Nós enterramos o morto, voltamos nos carros, dar às nossas casas ou repartições. E eles? Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada. Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres- diabos, durante todas as horas quentes do dia? Observe, nesse texto, como o autor interage com o leitor explicitamente ao usar vocativos como “leitor amigo”, “leitor”. No último parágrafo do texto, faz pergunta ao leitor “E eles?”, “Se o sol nos fazia mal, que não faria àqueles pobres-diabos, durante todas as horas quentes do dia?” e até responde a pergunta diretamente ao leitor: “Lá os achamos, lá os deixamos, ao sol, de cabeça descoberta, a trabalhar com a enxada”. Vemos que aqui o processo de interação é evidente no texto. Outro exemplo: Nesse anúncio de panela de pressão, vemos que a palavra “outra” foi destacada por aspas para ironizar os produtos concorrentes. O Conhecimento superestrutural permite identificar textos como exemplares de determinado gênero. Também envolve conhecimentos sobre as macrocategorias ou unidades globais que distinguem vários tipos de textos; e, ainda, conhecimentos sobre a conexão entre objetivos e a ordenação ou sequenciação textual. No exemplo colocado abaixo, reconhecemos a capa do jornal e as chamadas para as notícias que serão apresentadas nas outras páginas. O segundo exemplo é o de uma notícia. Reconhecer esses textos como pertencentes ao domínio jornalístico e denominá- los (capa de jornal, chamada e notícia), demonstram o nosso conhecimento superestrutural. Fonte: http://anunciosdeantigamente. blogspot.com/ 24 Unidade: Estratégias de Leitura Podemos também falar em aproveitamento de gêneros para demonstrar a nosso conhecimento superestrutural. Nesse caso, o aproveitamento do formato de gêneros prévios, de gêneros que usados com outras intenções reforça os objetivos e a intencionalidade textual. Para exemplificar, colocamos, ao lado, uma propaganda institucional da W/Brasil. A agência, que foi uma das patrocinadoras do filme Central do Brasil, aproveita as indicações ao Oscar para contar isso. A proposta do anúncio diz respeito à própria história do filme, assim, o texto do anúncio foi redigido como se fosse uma das cartas ditadas à personagem Dora no filme. Figura 1. Fonte: http://members.tripod.com/beto_brazil/p32.html Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cp09062007.htm Fonte: http://blogs.estadao.com.br/reclames-do- estadao/category/noticias-curiosas/page/2/ 5 • Implícitos textuais • Intertextualidade Para um bom aproveitamento na disciplina é muito importante a interação e o compartilhamento de ideias para a construção de novos conhecimentos. Para interagir com os demais colegas e com seu tutor, utilize as ferramentas de comunicação disponíveis no Ambiente de Aprendizagem (AVA) Blackboard (Bb) como Fórum Dúvidas e Mensagens. Esse diálogo é fundamental no processo de aprendizagem. · Esta unidade terá por tema “Implícitos Textuais e Intertextualidade”. Nosso objetivo é aprofundar seus estudos sobre a leitura. Pretendemos, especialmente, mostrar como a compreensão dos pressupostos, dos subentendidos e da intertextualidade ajuda a ler com mais adequação e, consequentemente, a construir textos com mais eficiência. Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade 6 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Contextualização Leia o texto a seguir: Diz a sabedoria popular: “quem conta um conto aumenta um ponto”. Alguns autores, porém, subvertem esse dito e enfrentam o desafio de contar um conto com poucos pontos, ou melhor, com poucas palavras. Dalton Trevisan escreve a partir de “notícia policial, frase no ar, bula de remédio, pequeno anúncio, bilhete de suicida, o meu fantasma no sótão, confidência de amigo, a leitura dos clássicos”, como declara em uma de suas raríssimas entrevistas. Da leitura dos clássicos, nasceu o livro Capitu sou eu, publicado em 2003, no qual há um conto homônimo, em que o autor se apropria de uma das mais célebres e controversas personagens da literatura brasileira.” (Adaptado de SOUTO,S.) Essa apropriação está ligada a um dos conceitos que veremos nessa unidade “a intertextualidade”. No texto de Suzana Souto, link a seguir, você poderá compreender um pouco do que se trata essa intertextualidade, na análise de uma carta, em que Dalton Trevisan se defende da reclamação de uma leitora sobre o livro “ Capitu sou eu”, explicando inclusive a origem dessa frase, da qual o autor se apropriou para dar título a seu livro. (Adaptado de SOUTO, S. Capitu é Dalton. Disponível em http://revistalingua.uol.com.br/textos/78/artigo255401-1.asp. Acesso em 25/09/2012) 7 Implícitos textuais Na unidade anterior, já conversamos sobre os vários níveis de leitura de um texto e vimos como podemos fazer uma análise mais superficial ou mais aprofundada do texto. Ora, é claro que se quisermos fazer uma leitura mais aprofundada, um dos pontos importantes é entender o que está por trás do dito, entender os implícitos textuais, pois sua interpretação propicia uma maior possibilidade de atribuir sentidos ao que se lê e, consequentemente, nos torna leitores mais críticos, menos ingênuos. A linguagem é um “jogo” de interação em que há objetivos, relações que desejamos estabelecer, efeitos de sentido que pretendemos causar, comportamentos que estimulamos, ou seja,na interação pela linguagem busca-se atuar sobre os outros. Para isso, construímos nosso texto usando operadores argumentativos, indicadores modais, atitudinais e avaliativos e marcadores de pressuposição. Desta forma, nota-se que não basta conhecer o significado literal das palavras, é necessário reconhecer todos os seus empregos possíveis de acordo com as intenções do produtor do texto. Vamos compreender melhor esse assunto? Assim, o jornalista Matthew Shirts escreveu “... acabara, havia pouco, O Homem do Avesso, de Fred Vargas, um policial francês, mas interessante” (O Estado de S. Paulo, 3/10/2005, D10). Nessa frase, há cinco informações explícitas: 1) tinha acabado de ler um livro; 2) o livro era um romance policial; 3) o romance foi escrito por Fred Vargas; 4) a autora é francesa; 5) o livro é interessante. Do uso da conjunção adversativa “mas” decorre a informação implícita de que todos os romances policiais franceses são chatos. Retirado de http://www.revistalingua.com.br/textos.asp?codigo=11080 Vamos compreender melhor: “um policial francês, mas interessante”. Essa oposição, marcada pela conjunção “mas”, dita de outra forma, ficaria assim: “Os romances policiais franceses não são interessantes; mas, esse, surpreendentemente, é.” Esta é a informação implícita! Como vimos no exemplo anterior, em qualquer texto, há sempre ideias explícitas e implícitas. Em relação às primeiras (ideias explícitas), não é necessário pensar sobre o que se está lendo, todo o conteúdo é facilmente compreendido, sem preocupação com informações que possam estar nas entrelinhas. Já em relação às segundas (ideias implícitas), no entanto, é necessário um esforço maior de percepção, de análise para a compreensão do texto, para a atribuição de sentidos. As ideias implícitas podem ser apresentadas sob duas formas: como pressupostos ou como subentendidos. 8 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Vamos ver exemplos dos dois casos? Lucca tornou-se um vegetariano convicto. O verbo “tornou-se” nesta frase denota que anteriormente Lucca não era vegetariano, porque se ele já fosse vegetariano não poderíamos falar que ele se tornou. Informação Pressuposta Pressupostos são ideias não expressas de maneira explícita na frase. Sua compreensão decorre do sentido de certas palavras ou expressões contidas na frase. Um fumante com um cigarro na mão pergunta a outro que também está fumando: - Você tem fogo? Por trás dessa pergunta subentende-se: Acenda-me o cigarro, por favor. Informação subentendida Subentendidos são insinuações, não marcadas linguisticamente, contidas numa frase ou num conjunto de frases. Pela análise dos exemplos, já é possível perceber o que Ducrot (1987, p. 17) explica: “Tratar-se-á de distinguir dois tipos de efeitos de sentido e de mostrar que é interessante descrever um deles a partir do componente linguístico, enquanto o outro exige a intervenção do componente retórico”. Ducrot afirma que a pressuposição tem estreita relação com as construções sintáticas e aponta a negação e a interrogação como modificações sintáticas pertinentes para demonstrar que há um pressuposto na frase. Se usarmos o enunciado “Gérson continua bebendo” para as transformações sugeridas: Gérson continua bebendo? “É falso que Gérson continua bebendo”; não há perda do pressuposto, fato comprova que ele está na construção linguística, no caso, o verbo “continua”. Por sua vez, o subentendido não é perceptível pelas construções sintáticas, não há uma relação aparente, mas, de acordo com Ducrot (1987), existe sempre um “sentido literal” do qual os subentendidos estão excluídos. Observe esse exemplo: “Gérson não despreza cerveja”, por trás deste enunciado é possível entender “Gérson gosta muito de cerveja”. Se, neste caso, nós fossemos acusados de maledicência poderíamos nos proteger atrás do sentido literal das palavras e deixar a responsabilidade de interpretação com o interlocutor. De acordo com Platão e Savioli (2007, p. 244), “os subentendidos são as insinuações escondidas por trás de uma afirmação.” Observemos outro exemplo: Fonte: http://portugauss.blogspot.com.br/2011/04/aula-4-ambiguidades-correcao-i.html 9 No diálogo do último quadrinho, há duas possibilidades de subentendido: Stock fez sexo com sua própria noiva. Stock fez sexo com a noiva do amigo. Não há respostas explícitas no texto, assim, além de trabalhar com o subentendido, para causar riso, o autor trabalha também com a ambiguidade. Os subentendidos dependem muito do leitor/ouvinte, já os pressupostos podem ser percebidos, como já dissemos, por vários elementos linguísticos. A seguir apresentamos um quadro com exemplos desses elementos. Adjetivos Luiza foi minha primeira sobrinha. Primeira pressupõe: • que tenho outras sobrinhas; • que as outras sobrinhas nasceram depois de Luiza. Verbos que indicam mudança ou permanência de estado (por exemplo, permanecer, continuar, tornar-se, vir a ser, ficar, passar [a], deixar [de], começar[a], principiar[a], converter- se, transformar-se, ganhar, perder). Cláudio continua doente. O verbo continuar indica que Cláudio já estava doente no momento anterior ao presente. Verbos denominados “factivos”, isto é, que são complementados pela enunciação de um fato (fato que é pressuposto), normalmente, são verbos de estado psicológico (lamentar, lastimar, sentir, saber) Lamento que Patrícia tenha sido demitida. O verbo lamentar faz pressupor que o produtor do texto não conhecia o fato de Patrícia ter sido demitida. Verbos que indicam um ponto de vista sobre o fato expresso pelo seu complemento (por exemplo, pretender, supor, alegar, presumir, imaginar). Gérson pretende que a sua filha seja modelo e atriz. O verbo pretender pressupõe que seu objetivo direto é verdadeiro para o sujeito (no caso, Gérson) e falso para o produtor do texto. Certos advérbios A produção agropecuária brasileira está totalmente nas mãos dos brasileiros. O advérbio totalmente pressupõe que não há no Brasil nenhum estrangeiro produtor agrícola. Certos conectores circunstancias, principalmente, quando a oração por eles introduzida vem anteposta (desde que, antes que, depois que, visto que) Antes que Napoleão mandasse invadir Portugal, a corte de D. João transferiu- se para o Brasil. A expressão “antes que” faz pressupor que Napoleão mandou invadir Portugal. Orações adjetivas Os brasileiros, que não se importam com a coletividade, só se preocupam com o seu bem-estar e, por isso, jogam lixo na rua. O pressuposto é que todos os brasileiros não se importam com a coletividade. Certas conjunções Frequentei a Escola Pública, mas aprendi bastante. O pressuposto é que na Escola Pública não se aprende nada. Adaptado de KOCH (1992) e PLATÃO, F. S. & FIORIN (2007) 10 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Vamos ver outros exemplos? A locução adverbial da manchete da revista faz pressupor que o governo estava quebrado naquele momento da publicação da revista (agosto de 2002) e que não era o único momento de problemas, pois a expressão “De novo” faz chegar à conclusão de que o país já enfrentou outras crises antes. Na charge da ameaça da mãe, está subentendido que o menino já cometeu outras artes e ela bateu no garoto por isso. Ainda, podemos inferir que o chargista Mandrade aponta a própria mãe, que ameaça e surra o garoto, de ser culpada pelas atitudes do garoto. Viu como é simples chegar a uma leitura mais profunda de qualquer texto? É só prestar atenção nos recursos usados pelo produtor na elaboração do texto e ativar seus vários conhecimentos prévios, de mundo, enciclopédicos , textuais e linguísticos. Intertextualidade Quantas vezes, no processo de escrita, elaboramos um texto recorrendo à citação ou à paráfrase de outros? Ou ainda, quantas vezes, em nossas leituras, precisamos (re)conhecer outro(s) texto(s) para que possamos fazer uma leitura mais adequada do texto, atribuindo-lheoutros sentidos? Veja o exemplo a seguir: Escândalo e Literatura (o caso do dinheiro na cueca) Um haicai: “Cueca e dinheiro, o outono da ideologia do vil companheiro.” 11 À moda Machado de Assis: “Foi petista por 25 anos e 100 mil dólares na cueca” À moda Graciliano Ramos: “Parecia padecer de um desconforto moral. Eram os dólares a lhe pressionar os testículos”. À moda Drummond: “Tinha um raio-x no meio do caminho, e agora José?” À moda Lispector: “Guardei os dólares na cueca e senti o prazer terrível da traição. Não a traição aos meus pares, que estávamos juntos, mas a séculos de uma crença que eu sempre soube estúpida, embora apaixonante. Sentia-me ao mesmo tempo santo e vagabundo, mártir de uma causa e seu mais sujo servidor, nota a nota”. À moda Paulinho da Viola “Dinheiro na cueca é vendaval” À moda Camões “Eis pois, a nau ancorada no porto à espreita dos que virão d’além na cobiça da distante terra, trazendo seus pertences, embarcam minh’alma se aflige tão cedo desta vida descontente” À moda Guimarães Rosa: “Notudo. Ficado ficou. Era apenas a vereda errada dentre as várias.” À moda Shakespeare “Meu reino por uma ceroula!!! “ Adaptado (autor desconhecido) O texto que você acabou de ler é uma releitura do texto Os diferentes estilos de Paulo Mendes Campos que, por sua vez, parodiava Raimond Queneau (esse autor conta em um microconto a história de um homem que vê um estranho duas vezes no mesmo dia. O mais interessante de seu livro é que a mesma história é contada 99 vezes em estilos diferentes). O texto “Escândalo e Literatura” estabelece relações intertextuais com o de Paulo Mendes Campos e o de Raimond Queneau. Nós precisaríamos ter conhecimentos sobre a existência desses textos e sobre a política nacional para a compreensão adequada do texto. Isto é intertextualidade. 12 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Os diferentes estilos Parodiando Raymond Queneau, que toma um livro inteiro para descrever de todos os modos possíveis um episódio corriqueiro, acontecido em um ônibus de Paris, narra- se aqui, em diversas modalidades de estilo, um fato comum da vida carioca, a saber: o corpo de um homem de quarenta anos presumíveis é encontrado de madrugada pelo vigia de uma construção, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, não existindo sinais de morte violenta. Estilo interjetivo Um cadáver! Encontrado em plena madrugada! Em pleno bairro de Ipanema! Um homem desconhecido! Coitado! Menos de quarenta anos! Um que morreu quando a cidade acordava! Que pena! Estilo colorido Na hora cor-de-rosa da aurora, à margem da cinzenta Lagoa Rodrigo de Freitas, um vigia de cor preta encontrou o cadáver de um homem branco, cabelos louros, olhos azuis, trajando calça amarela, casaco pardo, sapato marrom, gravata branca com bolinhas azuis. Para este o destino foi negro. Estilo então Então o vigia de uma construção em Ipanema, não tendo sono, saiu então para passeio de madrugada. Encontrou então o cadáver de um homem. Resolveu então procurar um guarda. Então o guarda veio e tomou então as providencias necessárias. Aí então eu resolvi te contar isso. Estilo Nelson Rodrigues Usava gravata cor de bolinhas azuis e morreu! Paulo Mendes Campos (adaptado) Seguem abaixo dois estilos diferentes do microconto de Raymond Queneau Anotação No ônibus S, em hora de aperto. Um cara de uns 26 anos, chapéu mole com cordão em vez de fita, pescoço comprido demais, como se tivesse sido estiado. Sobe e desce gente. O cara discute com o vizinho. Acha que é espremido quando passam. Tom choramingas, jeito de pirraça. Mal vê um lugar vago, corre pra se aboletar. Duas horas depois, vejo o mesmo cara pelo Paço de Roma, defronte à estação São Lázaro. Lá vai com outro que diz: “Você devia pôr mais um botão no sobretudo”. Mostra onde (no decote) e como (para fechar). Animismo Era uma vez um chapéu marrom, de feltro mole e abas caídas, com uma trancinha em volta para enfeitar, um chapéu entre outros, cujo destaque aleatório era mais devido às desigualdades do solo e à sua repercussão pelas rodas do veículo automóvel que o transportava, a ele o chapéu. A cada parada, as idas e vindas dos circustantes causavam nele, o chapéu, movimentos laterais ocasionalmente assaz pronunciados, o que terminou por irritá-lo, ele o chapéu. Exprimiu então sua ira lá dele chapéu por intermédio de uma voz nem um pouco de feltro, e que se lhe articulava a ele, o chapéu, numa disposição estrutural cuja ovóide de ressonância, óssea, irregularmente perfurada e recoberta com uma camada qualquer de matéria animal situava-se sob si, si o chapéu. Depois foi sentar-se, se o chapéu, se pôr nem tirar. Uma duas horas mais tarde, a pouco mais de metro e meio do nível do solo, em deslocamento contínuo defronte à estação São Lázaro, lá estava ele, o chapéu. Um desmiolado dizia que devia pôr outro botão no sobretudo... Outro botão... e sobretudo... dizer isto a ele!... É de se comer o chapéu!... Adaptado. Disponível em http://cabeceiradigital.blogspot.com/2010/04/exercicios-de-estilo-raymond-queneau.html 13 A Intertextualidade pode ser considerada uma característica da constituição de todo e qualquer texto. Mais estritamente, compreende um conjunto de procedimentos textuais em que um texto faz remissão a outro, ou seja, em que se estabelece um diálogo entre textos. Podemos dizer, também, que a intertextualidade diz respeito ao processo de construção, reprodução ou transformação do sentido. Sendo assim, conseguir identificar a presença ou não de intertextualidade depende do repertório do leitor, do conhecimento da língua e do conhecimento da organização, estilo e propósito comunicacional dos textos. Enfim, todos os tipos de conhecimentos são ativados para a produção e escrita de textos. A intertextualidade pode ocorrer ao se usar uma mesma estrutura, como por exemplo, o soneto (que apresenta dois quartetos e dois tercetos), ou uma receita (ingredientes e modo de fazer), pode haver intertextualidade também no fato de citar, explícita ou implicitamente, outros textos, e ainda, ao se usar a mesma temática, como podemos ver nos exemplos a seguir: Leonardo da Vinci, Mona Lisa, 1504 Fernando Botero, Mona Lisa, 1978 Jean-Michel Basquiat, MOna Lisa, 1983 (...) Paralisa com seu olhar Monalisa Seu quase rir ilumina Tudo ao redor minha vida Ai de mim, me conduza Junto a você ou me usa Pro seu prazer, me fascina Deusa com ar de menina (...) VERCILO, J. Monalisa. Disponível em http:// letras.mus.br/jorge-vercillo/72636/ 14 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Intertextualidade explícita Há intertextualidade explícita quando há citação da fonte no intertexto, citamos: os discursos relatados, as citações e referências, os resumos, as resenhas e traduções, também nas retomadas de textos dos interlocutores para encadear sobre ele ou questioná-lo na conversação. Vejamos alguns exemplos: Fonte: VALENTE, 2008 Governo nega escalada da violência apesar de aumento de homicídios em SP Afonso Benites André Caramante De São Paulo Após apresentar queda no mês de julho, o Estado de São Paulo voltou a registrar alta nos homicídios dolosos (intencionais). Houve crescimento também na capital paulista. O aumento no Estado foi de 8,6% em comparação com agosto de 2011 e de 6,3% se analisado o acumulado nos oito primeiros meses do ano. Na cidade de São Paulo, o crescimento foi maior: 15,2 % em agosto e 15,4% no acumulado do ano. Os dados constam das estatísticas da Secretaria da Segurança divulgadas ontem. No mês passado foram registrados 391 homicídios dolosos no Estado, com 417 vítimas -em uma ocorrência pode haver mais de uma pessoa morta. Em todo o ano, foram 2.924 registros, com 3.109 vítimas. Apesar dessa alta, a quarta do ano no Estado, o governo nega que São Paulo esteja passando por uma nova escalada da violência. Em junho, quando a gestão Geraldo Alckmin(PSDB) admitiu essa preocupação com o aumento na criminalidade, morriam em média 14 pessoas por dia no Estado. Em agosto, foram 13 mortes diárias, o segundo maior índice do ano. “Já tivemos quedas sensíveis nos indicadores criminais. O problema é que vivemos numa sociedade violenta e precisamos melhorar a qualidade da investigação para punir os criminosos e mostrar que o crime não compensa”, disse o chefe da Polícia Civil, delegado Marcos Carneiro Lima. O recrudescimento da violência ocorreu também em outros índices criminais. Os principais foram latrocínio (roubo seguido de morte), que teve um aumento de 71,4%, e estupro, 31%. “Nas últimas décadas São Paulo reduziu consideravelmente seus homicídios. Mas, agora, parece ter estabilizado essa queda. Isso mostra que a política de segurança precisa ser revisada”, disse o presidente da comissão de segurança do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), Renato De Vitto. Dos 17 tipos de crime divulgados ontem pelo governo, apenas roubo (-4,8%), homicídio culposo (-7,1%) e roubo a banco (-52%) tiveram redução no Estado. A cidade de São Paulo foi uma das que tiveram maior alta na criminalidade. De todos os índices divulgados, apenas latrocínio, roubo e roubo a banco tiveram redução. O que mais preocupou as autoridades foi o aumento dos homicídios dolosos. “Não dá para atribuir o aumento do homicídio a uma só causa. Pode ser desde briga de bar até uma reação ao crime. Tudo precisa ser analisado”, afirmou De Vitto. Folha de S. Paulo, 26/09/2012. Disponível http://www1.folha. uol.com.br/cotidiano/1159341-governo-nega-escalada-da- violencia-apesar-de-aumento-de-homicidios-em-sp.shtml 15 Os trechos sublinhados marcam a citação explícita, pois há explicitação do autor do texto: Charaudeau e Maingueneau (no primeiro texto) e, Marcos Carneiro Lima, chefe da Polícia Civil e Renato De Vitto, presidente da comissão de segurança do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (segundo texto). Na intertextualidade explícita, é importante entender que no texto há esse recurso; porém, ainda é mais importante considerar a motivação para a escolha do autor, ou seja, é necessário saber por que e para que o autor citou a fonte. Intertextualidade implícita Ocorre intertextualidade implícita quando não há citação da fonte. Neste caso, é responsabilidade do interlocutor recuperá-la, caso em que é necessário utilizar o recurso de processamento da informação, isto é, é necessário recorrer ao conhecimento enciclopédico ou de mundo para reconhecer quando há um diálogo entre os textos. A intertextualidade implícita é um recurso muito usado na publicidade, no humor na canção popular. Vamos ver exemplos desses casos? Observe a relação entre essas imagens! E fique atento ao que a propaganda se apropria no texto “alfaceamericana”! Fonte: http://alquimiadaspalavrassm.blogspot.com.br/2010/03/intertextualidade-exemplos- para.html Imagem mais famosa do filme Beleza Americana, dirigido por Sam Mendes, 1999. UIP/Dreamworks, 1999 16 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Aladim e a Lâmpada maravilhosa (...) Pediu-lhe, depois, alguma coisa para comer, ao que ela respondeu: - Meu filho, nada tenho em casa, mas fiei algum algodão e irei vendê-lo. - Em vez do algodão, mamãe, venda a lâmpada, propôs o menino. Ela apanhou a lâmpada e começou a esfregá-la, porque estava muito suja. Nesse momento, surgiu um gênio que gritou bem alto: - Sou o gênio da lâmpada e obedecerei à pessoa que a estiver segurando. A senhora estava assustada demais para poder falar, mas o menino agarrou-a ousadamente e disse: - Arranje-me alguma coisa para comer. O gênio desapareceu e voltou equilibrando na cabeça uma bandeja de prata na qual havia doze pratos, também de prata, cheios das melhores iguarias. Havia ainda dois pratos e dois copos vazios. Colocou a bandeja na mesa e desapareceu outra vez. Aladim e sua mãe sentaram-se e comeram com grande prazer. Nunca haviam provado comida tão gostosa. Depois de comerem tudo, venderam os pratos, conseguindo, assim, dinheiro que deu para viverem por algum tempo com bastante conforto. (...) Nesses dois últimos casos, vemos a relação que se criou entre a história em quadrinhos da Magali ( Maurício de Souza) e a famosa história do Gênio de Aladim! E veja como a Legião Urbana trouxe Camões para a sua canção “Monte Castelo”: Monte Castelo Legião Urbana Ainda que eu falasse A língua dos homens E falasse a língua dos anjos, Sem amor eu nada seria. É só o amor! É só o amor Que conhece o que é verdade. O amor é bom, não quer o mal, Não sente inveja ou se envaidece. Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine. (1 Coríntios 13:1) Poema O amor é sofredor, é benigno; o amor não é invejoso; o amor não trata com leviandade, não se ensoberbece. (1 Coríntios 13:4) O amor é o fogo que arde sem se ver; É ferida que dói e não se sente; É um contentamento descontente; É dor que desatina sem doer. Amor é fogo que arde sem se ver, é ferida que dói, e não se sente; é um contentamento descontente, é dor que desatina sem doer. Camões Esse segundo tipo de intertextualidade, ou seja, a implícita, pode ocorrer de diversas formas: • Alusão – consiste na menção a outro texto conhecido pelos interlocutores. A alusão sugere o diálogo entre os textos. Ocorre de forma sutil. A referência ao autor ou ao texto alheio é feita de forma indireta ou subentendida. • Paráfrase – ocorre pela mudança das palavras do texto, mas a ideia base do texto é mantida no novo texto. • Paródia – ocorre como uma forma de contestar ou ridicularizar os outros textos. Há distanciamento na retomada de um texto em outro. Algumas vezes, denota-se um novo ponto de vista, algumas vezes espírito crítico ou ironia. 17 Vejamos, comparativamente, os exemplos a seguir: Texto original Minha terra tem palmeiras Onde canta o sabiá, As aves que aqui gorjeiam Não gorjeiam como lá. (Gonçalves Dias) Citação Inicialmente, a interpretação do poema será feita através da montagem de um esquema comparativo que é possível inferir a partir de características levantadas junto às duas primeiras estrofes e que estabelecem um confronto direto entre um cá menosprezado e um lá altamente valorizado: 1. Minha terra tem palmeiras, 2. Onde canta o Sabiá, 3. As aves, que aqui gorjeiam, 4. Não gorjeiam como lá. 5. Nosso céu tem mais estrelas, 6. Nossas várzeas têm mais flores, 7. Nossos bosques têm mais vida, 8. Nossa vida mais amores. Fonte: http://ufscar.academia.edu/WiltonJoséMarques/Papers/1339552/O_poema_ea_metafora Alusão A Canção de Gonçalves Dias pode ser vista como componente importante no processo de fabulação da imagem de país empreendido pelo discurso compromissado dos “homens cultos” do oitocentos brasileiro; ou, dito de outra forma, ela entranhou-se de tal modo na nossa cultura que Machado de Assis, ao discursar na inauguração do busto de Gonçalves Dias no Passeio Público do Rio de Janeiro, em junho de 1901, não teve dúvidas ao afirmar que a “Canção está em todos nós”. Fonte: http://ufscar.academia.edu/WiltonJoséMarques/Papers/1339552/O_poema_ea_metafora Paráfrase Meus olhos brasileiros se fecham saudosos Minha boca procura a ‘Canção do Exílio’. Como era mesmo a ‘Canção do Exílio’? Eu tão esquecido de minha terra… Ai terra que tem palmeiras Onde canta o sabiá! Carlos Drummond de Andrade. Paródia Minha terra tem macieiras da Califórnia Onde cantam gaturamos de Veneza Os poetas da minha terra São pretos que vivem em torres de ametista. Murilo Mendes Nem sempre é fácil distinguir essas diversas formas de intertextualidade implícita, já que a diferença entre elas pode ser bem sutil no uso. Mas, com certeza, a partir dos conceitos que vimos nessa unidade, você poderá perceber sentidos diferentes nos textos e destacar as intenções de seu autor. Procure resumir o conteúdo desse material teórico, pois essa é uma formade estudar o que vimos até aqui! 18 Unidade: Leitura: Implícitos textuais e Intertextualidade Material Complementar Nessa unidade falamos da Intertextualidade na perspectiva da leitura. Mas como leitura e escrita andam sempre juntas, inclusive no nome da nossa disciplina, para ampliar o conceito de intertextualidade, leia o capítulo 5 (páginas 101 a 130) do livro: KOCH, I. G. V.; ELIAS, V. M. Ler e escrever: estratégias de produção textual. São Paulo: Contexto, 2009. (E-book) Nele, você encontrará a intertextualidade definida na perspectiva da escrita e poderá retomar muitos dos aspectos vistos no material teórico. Há também muitos exemplos práticos. Não deixe de ler e de fazer uma síntese para seus estudos. O livro encontra-se na Biblioteca Virtual. Lembre de acessar o link pela área do aluno. Bons estudos!