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Autor: Prof. Cassio Marcos Vilicev Colaboradoras: Profa. Raquel Machado Cavalca Coutinho Profa. Christiane Mazur Doi Anatomia null Importante Professor conteudista: Cassio Marcos Vilicev É graduado em Educação Física pela Universidade de Mogi das Cruzes e em Fisioterapia pela Universidade Bandeirante de São Paulo. É doutor em Ciências pela Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo – USP e mestre em Ciências pelo Instituto de Ciências Biomédicas da mesma universidade. Possui especialização em Educação a Distância pela Universidade Paulista – UNIP e em Didática do Ensino Superior pela Universidade Sant’Anna (1999). Atualmente, cursa Formação Pedagógica em História na UNIP (EaD). Foi professor de Educação Física em escolas e clubes desportivos de São Paulo e no curso de graduação em Educação Física e Enfermagem do Centro Universitário Santa Rita. Atualmente, é professor titular da UNIP nos cursos de Fisioterapia, Enfermagem, Nutrição, Farmácia, Biomedicina e Educação Física e de pós-graduação na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo. Foi consultor na elaboração de questões para o Serviço Nacional do Transporte (Sest) e para o Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (Senat), e consultor de Educação Física na Empresa EGaion. Publicou trabalhos em diversas áreas das Ciências Biomédicas, como Anatomia dos Sistemas: Educação Física; Anatomia dos Sistemas: Enfermagem, entre outros. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. U512.35 – 21 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) V711a Vilicev, Cassio Marcos. Anatomia. / Cassio Marcos Vilicev. – São Paulo: Editora Sol, 2021. 320 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Sistema vascular. 2. Sistema muscular. 3. Sistema respiratório. I. Título. CDU 611 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento, Administração e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades Universitárias Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Marília Ancona-Lopez Vice-Reitora de Graduação Unip Interativa – EaD Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcello Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático – EaD Comissão editorial: Dra. Angélica L. Carlini (UNIP) Dr. Ivan Dias da Motta (CESUMAR) Dra. Kátia Mosorov Alonso (UFMT) Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista – EaD Profa. Deise Alcantara Carreiro – Comissão de Qualificação e Avaliação de Cursos Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Giovanna Oliveira Ricardo Duarte Marques Sumário Anatomia APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................9 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................9 Unidade I 1 HISTÓRIA DA ANATOMIA.............................................................................................................................. 13 1.1 Período pré-científico ......................................................................................................................... 14 1.2 Período científico ................................................................................................................................. 15 1.2.1 Mesopotâmia e Egito ............................................................................................................................ 15 1.2.2 Grécia Antiga ............................................................................................................................................ 16 1.2.3 Roma ............................................................................................................................................................ 22 1.2.4 A contribuição do povo árabe ........................................................................................................... 26 1.2.5 O Renascimento ...................................................................................................................................... 28 1.2.6 As ciências contemporâneas .............................................................................................................. 34 2 BASES GERAIS DA ANATOMIA ................................................................................................................... 37 2.1 Divisão da anatomia: estudos ......................................................................................................... 38 2.1.1 Anatomia macroscópica ...................................................................................................................... 38 2.1.2 Anatomia microscópica ........................................................................................................................ 38 2.1.3 Anatomia artística .................................................................................................................................. 39 2.1.4 Anatomia comparativa ......................................................................................................................... 39 2.1.5 Anatomia do desenvolvimento ou embriologia ......................................................................... 40 2.1.6 Anatomia nepiológica ou nepionatomia ...................................................................................... 41 2.1.7 Anatomia do adulto ............................................................................................................................... 41 2.1.8 Anatomia gerontológica ...................................................................................................................... 41 2.1.9 Anatomia radiológica ............................................................................................................................ 41 2.1.10 Anatomia de superfície ...................................................................................................................... 43 2.2 Anatomia sistêmica e topográfica ................................................................................................ 43 2.2.1 Anatomia sistêmica................................................................................................................................ 43 2.2.2 Anatomia topográfica ........................................................................................................................... 46 2.3 Terminologia anatômica .................................................................................................................... 47 2.4 Conceito de normal e variações anatômicas ............................................................................ 48 2.4.1 Fatores gerais de variação anatômica ............................................................................................ 49 2.5 Anomalias ................................................................................................................................................ 57 2.6 Monstruosidade .................................................................................................................................... 62 2.7 Divisão do organismo humano ....................................................................................................... 63 2.8 Posição anatômica ............................................................................................................................... 64 2.9 Planos de delimitação do organismo humano ........................................................................65 2.10 Planos de secção do organismo humano ................................................................................ 66 2.11 Termos de posição e direção .......................................................................................................... 69 2.12 Cavidades corporais .......................................................................................................................... 71 2.13 Princípios gerais de construção do organismo humano ................................................... 72 2.13.1 Antimeria ................................................................................................................................................. 72 2.13.2 Metameria ............................................................................................................................................... 73 2.13.3 Paquimeria .............................................................................................................................................. 74 2.13.4 Segmentação ......................................................................................................................................... 74 2.13.5 Estratimeria ou estratificação ......................................................................................................... 75 3 GENERALIDADES DO ESQUELETO E DOS OSSOS................................................................................. 76 3.1 Os principais papéis do esqueleto e dos ossos ......................................................................... 79 3.2 Arquitetura óssea ................................................................................................................................. 83 3.3 O periósteo e o endósteo .................................................................................................................. 85 3.4 Vascularização óssea ........................................................................................................................... 85 3.5 Inervação óssea ..................................................................................................................................... 86 3.6 Morfologia óssea .................................................................................................................................. 86 3.7 Características anatômicas de superfície dos ossos ............................................................... 92 3.8 Fatores de variação anatômica no número de ossos ............................................................ 96 4 ESTUDO DO ESQUELETO ............................................................................................................................... 97 4.1 Esqueleto da cabeça ............................................................................................................................ 99 4.2 Ossos do neurocrânio .......................................................................................................................101 4.3 Ossos da face ........................................................................................................................................101 4.4 Ossos do esqueleto da cabeça em conjunto ...........................................................................103 4.4.1 O esqueleto da cabeça do recém-nascido ..................................................................................103 4.4.2 O esqueleto da cabeça dos indivíduos senis ..............................................................................105 4.4.3 O esqueleto da cabeça e o dimorfismo sexual..........................................................................105 4.4.4 Esqueleto do pescoço ..........................................................................................................................107 4.4.5 Esqueleto do tronco .............................................................................................................................107 4.4.6 Esterno ......................................................................................................................................................108 4.4.7 Costelas .....................................................................................................................................................109 4.4.8 Coluna vertebral .....................................................................................................................................111 4.4.9 Cintura escapular .................................................................................................................................. 117 4.4.10 Membro superior ................................................................................................................................ 118 4.4.11 Cintura pélvica .....................................................................................................................................121 4.4.12 Membro inferior................................................................................................................................. 124 Unidade II 5 SISTEMA CARDIOVASCULAR .....................................................................................................................138 5.1 O coração ...............................................................................................................................................142 5.1.1 Volumes e pesos do coração ........................................................................................................... 144 5.1.2 Localização do coração ..................................................................................................................... 145 5.1.3 Limites do coração .............................................................................................................................. 146 5.1.4 Configuração externa do coração ................................................................................................. 147 5.1.5 Configuração interna do coração ................................................................................................. 150 5.2 Tipos de circulação do sangue ......................................................................................................159 5.2.1 Circulação sistêmica e pulmonar .................................................................................................. 159 5.2.2 Circulação portal ...................................................................................................................................161 5.2.3 Circulação cardíaca ............................................................................................................................. 162 5.2.4 Circulação fetal ..................................................................................................................................... 164 5.2.5 Circulação colateral ............................................................................................................................ 165 5.3 Aparelho valvar do coração ...........................................................................................................165 5.4 Esqueleto fibroso do coração ........................................................................................................169 5.5 Microanatomia ....................................................................................................................................169 5.6 Pericárdio ...............................................................................................................................................170 5.7 Complexo estimulador do coração .............................................................................................172 5.8 Os vasos de sangue e linfáticos ....................................................................................................173 5.8.1 Circuito sistêmico ................................................................................................................................179 5.8.2 Aorta e seus ramos .............................................................................................................................. 179 5.8.3 Tronco pulmonar .................................................................................................................................. 186 5.9 Irrigação da cabeça e do pescoço................................................................................................186 5.10 Irrigação dos membros superiores ............................................................................................188 5.11 Irrigação da região pélvica ...........................................................................................................191 5.12 Irrigação dos membros inferiores .............................................................................................192 5.13 Vasos linfáticos, linfonodos, ductos linfáticos e tonsilas ................................................194 6 SISTEMA RESPIRATÓRIO .............................................................................................................................195 6.1 Nariz.........................................................................................................................................................196 6.1.1 Cavidade nasal ...................................................................................................................................... 198 6.1.2 Seios paranasais ....................................................................................................................................201 6.2 Faringe ....................................................................................................................................................203 6.2.1 Dimensões ............................................................................................................................................... 203 6.2.2 Cavidades da faringe .......................................................................................................................... 204 6.2.3 Parte nasal da faringe ........................................................................................................................ 204 6.2.4 Parte oral da faringe ........................................................................................................................... 205 6.2.5 Parte laríngea da faringe .................................................................................................................. 206 6.2.6 Músculos da faringe ............................................................................................................................207 6.3 Laringe ....................................................................................................................................................207 6.3.1 Papéis da laringe .................................................................................................................................. 208 6.3.2 Esqueleto da laringe ........................................................................................................................... 209 6.4 Traqueia ..................................................................................................................................................215 6.5 Brônquios ..............................................................................................................................................219 6.6 Pulmões ..................................................................................................................................................220 6.7 Segmentação broncopulmonar ....................................................................................................222 6.8 Pleura ......................................................................................................................................................222 Unidade III 7 SISTEMA DIGESTÓRIO ..................................................................................................................................233 7.1 Parte supradiafragmática ................................................................................................................233 7.1.1 A boca e os anexos .............................................................................................................................. 234 7.1.2 A faringe .................................................................................................................................................. 246 7.1.3 O esôfago ................................................................................................................................................ 246 7.2 Parte infradiafragmática .................................................................................................................249 7.2.1 O estômago ............................................................................................................................................ 249 7.2.2 O intestino delgado............................................................................................................................. 252 7.2.3 O intestino grosso ................................................................................................................................ 255 7.2.4 O reto e o ânus ..................................................................................................................................... 259 7.2.5 Glândulas anexas ................................................................................................................................. 260 8 APARELHO LOCOMOTOR ............................................................................................................................268 8.1 Sinartroses e anfiartroses ................................................................................................................268 8.2 Articulações fibrosas .........................................................................................................................269 8.2.1 Suturas ......................................................................................................................................................270 8.2.2 Sindesmoses ............................................................................................................................................271 8.2.3 Gonfoses .................................................................................................................................................. 272 8.2.4 Esquindilese ............................................................................................................................................ 272 8.3 Articulações cartilagíneas ...............................................................................................................273 8.4 Diartroses ...............................................................................................................................................275 8.5 Generalidades dos músculos .........................................................................................................280 8.5.1 Tipos de músculos.................................................................................................................................281 8.5.2 Papéis dos músculos ........................................................................................................................... 283 8.5.3 Componentes macroscópicos dos músculos estriados esqueléticos .............................. 283 8.5.4 Nomenclatura dos músculos estriados esqueléticos ............................................................ 287 9 APRESENTAÇÃO Esta disciplina serve de alicerce e recurso aos alunos que buscam profissões relacionadas à área da saúde, entre elas a enfermagem. Preparado para enriquecer os cursos que abordam anatomia humana, este livro-textotraz uma introdução indispensável a esse assunto. O objetivo é beneficiar as informações aplicadas das estruturas anatômicas do organismo humano e as noções para o aproveitamento de outras disciplinas básicas. Aqui são retratadas experiências práticas que permitem aos universitários da área da saúde a utilização de episódios referentes a situações com as quais poderão se deparar no exercício da profissão. A unidade I é composta por tópicos como: introdução à morfologia, bases gerais da anatomia e sistema esquelético. Já a unidade II abrange os aspectos anatômicos, funcionais e clínicos do sistema cardiovascular e do sistema respiratório. Por fim, a unidade III direciona os estudos aos sistemas digestório, articular e muscular. Todas as unidades são acompanhadas de exemplos de aplicação, saiba mais, lembretes e observações, destaques que facilitam a memorização dos assuntos centrais deste livro-texto. As figuras também auxiliam o esclarecimento das características de cada tema, complementando o aprendizado. Além disso, está presente uma revisão terminológica, relevante em um livro-texto dessa natureza, que compreende a versão dos epônimos mais utilizados na clínica médica, protegida tecnicamente pela terminologia anatômica. Há, ainda, notas explicativas e definições de palavras e expressões, o que facilita a compreensão do texto, mesmo para os principiantes, ainda não familiarizados com a terminologia da área. A ciência moderna traz consigo um conjunto de particularidades que pode ser muito bem figurado no conhecimento metodológico abordado pelas ciências da natureza, tais como a ideia de neutralidade científica, o afastamento radical entre sujeito e objeto, a ideia de objetividade e a fragmentação do saber. Alguns campos de saber concentram como alicerce para seus estudos e influências as teorias e metodologias tanto das ciências naturais como das ciências humanas. Essa é a conjuntura atual de diversos cursos, que se configuram como campos multi ou interdisciplinares do saber e se distinguem pelo estudo e pesquisa com fins de intercessão pedagógica. INTRODUÇÃO Os conhecimentos anatômicos são indispensáveis para o profissional da área de saúde, que lida durante toda sua carreira com o corpo humano. A anatomia humana é o alicerce para a compreensão de conteúdos essenciais, como a fisiologia, a patologia e a clínica. O aprendizado da anatomia envolve, na maioria das vezes, trabalho árduo, pois os alunos devem se habituar à terminologia anatômica, bem como às peças anatômicas, que diversas vezes não se assemelham aos impressos nos atlas de anatomia. 10 A anatomia humana desde sempre foi influenciada por fatores sociais, políticos, econômicos, religiosos e por tendências e modismos educacionais. Sua incorporação no estudo da medicina significou a transição de uma medicina mística, pouco precisa, para uma medicina objetiva. Os primeiros registros do estudo e ensino de anatomia remontam à Escola de Alexandria onde, segundo os registros de Galeno, teriam sido efetuadas as primeiras dissecações públicas de animais e corpos humanos. A etimologia da palavra “dissecar” origina-se do verbo latino disseco, are, que também se redige deseco, are, cujo significado é o de cortar dividindo e separando as partes. No grego é escrito aναλúστε e quer dizer corte, fatia, secção. O substantivo correspondente, desectio, onis traduz-se por corte, talho. Dissecare, como termo médico, já foi utilizado por Plínio, no século I d.C. Desectio, onis foi adaptado para dissección, em espanhol; dissezione, em italiano; e dissecção, em português. Os léxicos da língua portuguesa têm manifestado dúvida entre dissecção e dissecação. Em Gardner, Gray e Rahilly (1988, p. 3) lê-se: “Do ponto de vista etimológico, o termo dissecação: dis – significa separadamente e secare, cortar é o equivalente latino do grego anatomé”. A história da anatomia humana, todavia, foi marcada também por estorvos, quando, após a queda do Império Romano, houve um avanço mínimo em seu desenvolvimento, devido à sobrepujança da doutrina, filosofia e prática da era autoritária que teve início com a Idade Média. Na primeira metade do século XVI, surgiram questões religiosas acerca da atividade de dissecar corpos para o aprendizado e o Papa Bonifácio VII tentou excomungar os anatomistas. Muitos deles chegaram a ser agredidos pela própria população, exilados ou acusados de forma injusta de práticas desumanas, como a de dissecar corpos ainda com vida. A dissecação humana foi proibida em diversos locais e quase nenhum estudo de caráter inovador ou extraordinário foi efetuado na área durante esse período. As dissecações para fins de estudo sempre geraram contestações e pode-se afirmar que foi só a partir do século XIV que, na Europa, mais especificamente na Universidade de Bolonha, elas se tornaram parte do ensino médico sob os auspícios de Mondino de Luzzi. Nessa época, por influência do movimento escolástico, os estudos e as investigações em anatomia humana fundamentavam-se, especialmente, na tradução de obras e tratados anatômicos, sendo a dissecação um método de averiguação de dados preexistentes. Apenas no século XVI e em pleno movimento renascentista Andreas Vesalius publicou a obra De Humanism Corporis Fabrica. As contribuições de Vesalius ao desenvolvimento da anatomia humana como ciência são inúmeras. No campo do ensino, destacou-se sua ardorosa defesa da prática sistemática da dissecação de animais e de seres humanos; no campo da pesquisa, a inovação de sua sugestão foi projetar paralelos entre as estruturas corporais humanas e animais, demonstrando as dessemelhanças entre elas e, por conseguinte, assinalando os deslizes da anatomia galênica, que imperava nos principais livros usados até então, como, por exemplo, o Anothomia, de Mondino de Luzzi. Outro aspecto considerável da obra de Vesalius foi o uso de figuras que buscavam inserir os conhecimentos científicos e anatômicos em um contexto natural e social mais extenso, dando de certa 11 maneira vida aos cadáveres representados, e alçando, assim, a figura do anatomista carrasco, até então considerado um personagem sombrio ligado à morte, ao patamar de profissional socialmente aceito, especialmente com o começo das dissecações públicas anuais, que se tornavam cada vez mais frequentes no âmbito europeu. O desenvolvimento da anatomia descritiva teve na figura e na obra de Vesalius uma época de renovação a partir da qual, paulatinamente, novas estruturas do corpo humano foram sendo identificadas e/ou nomeadas. Dentre seus alunos, destacaram-se Gabriel Falloppio e Fabricio d’Acquapendente. A anatomia descritiva, ao final do século XVIII, já tinha buscado, identificado e descrito grande parte das estruturas do corpo humano, concedendo lugar, gradualmente, a outras disciplinas que viriam a constituir as relações entre essas estruturas, como, por exemplo, a fisiologia. A anatomia descritiva fracassou ao mostrar-se estática, uma vez que não desvendava as relações entre as estruturas do corpo humano identificadas, e, seguramente, isso pode ser uma das razões pelas quais, no século XIX, com o surgimento da medicina experimental, a anatomia deixa parte de seu campo de ação para disciplinas como a fisiologia e a anatomia patológica. Isso ratificava um novo posicionamento epistemológico, funcionalista e experimental para os estudos modernos acerca dos condicionantes do estado normal e patológico do corpo humano. Exemplo disso é o fato de que, dentre os nomes proeminentes da anatomia do século XIX, sobressaíram-se William Sharpey e Henry Gray, ambos célebres por suas colaborações tanto na organização de algumas das edições do Quain’s Anatomy quanto na publicação do Gray’s Anatomy, obras dedicadas ao avanço do conhecimento da anatomia humana por parte de médicos cirurgiões, cujas atividades foram estimuladas pelo aparecimento da anestesia. Porém, a história da anatomia não está interligada só à história do ensino e do aprendizado,está atrelada também à história da arte. As dissecações costumavam ser eventos de cunho mais teatral do que letivo, podendo acontecer dentro ou fora dos terrenos das universidades, nos chamados teatros anatômicos, visto que a população também admirava acompanhar tais práticas. As personalidades locais eram até mesmo seduzidas a seguir as dissecações de cadáveres. Em geral, os cirurgiões e os estudantes de medicina eram obrigados a ver essas demonstrações. A apreensão era demonstrar onde se encontravam os órgãos, quais suas interconexões, cores, formas e texturas, ou seja, a anatomia popular. Lembrete Dissecção ou dissecação significa a ação de dissecar, separar as partes de um corpo ou de um órgão. Utiliza-se tanto na anatomia (dissecação de um cadáver ou parte desse) como em uma cirurgia (dissecação de uma artéria ou de uma veia). 13 ANATOMIA Unidade I 1 HISTÓRIA DA ANATOMIA O trecho a seguir foi retirado da Oração ao cadáver desconhecido, de Carl Rokitansky, e é direcionado aos estudantes de anatomia humana. Ao te curvares com a rígida lâmina de teu bisturi sobre o cadáver desconhecido, lembra-te que este corpo nasceu do amor de duas almas, cresceu embalado pela fé e pela esperança daquela que em seu seio o agasalhou. Sorriu e sonhou os mesmos sonhos das crianças e dos jovens. Por certo amou e foi amado, esperou e acalentou um amanhã feliz e sentiu saudades dos outros que partiram. Agora jaz na fria lousa, sem que por ele se tivesse derramado uma lágrima sequer, sem que tivesse uma só prece. Seu nome, só Deus sabe. Mas o destino inexorável deu-lhe o poder e a grandeza de servir à humanidade. A humanidade que por ele passou indiferente (CAPELLI, 2016, p. 4). A história da anatomia humana é análoga a da medicina. De fato, a preocupação com a estrutura do corpo humano foi estimulada pelo anseio dos profissionais da área de saúde em esclarecer uma disfunção orgânica do corpo. Em contrapartida, diversas religiões reprimiram o estudo da anatomia por meio das restrições atribuídas à dissecação humana e das evidências nas explanações não científicas para as doenças e fraquezas. Durante séculos, o interesse inato dos indivíduos em seus próprios corpos e capacidades físicas se deparou com diversas maneiras de demonstração. Os gregos, por exemplo, estimulavam as provas atléticas e apregoavam a perfeição do corpo em suas esculturas, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 1 – Mirón, Discóbolo, 455 a.C., cópia em mármore da escultura original, em bronze, Museu Britânico 14 Unidade I Do escultor grego Mirón, produzida em torno de 455 a.C., a obra da figura anterior representa um atleta momentos antes de lançar um disco. Os gregos antigos já tinham o conhecimento do nu artístico e apreciavam a boa forma física, logo davam destaque ao retratar a musculatura dos corpos, principalmente o corpo masculino Posteriormente, muitos dos grandes mestres do Renascimento costumavam retratar na arte figuras humanas. Alguns destes artistas eram magníficos anatomistas, pois a apreensão deles com as minúcias pedia que o fossem. Michelangelo foi um desses artistas que captou o luxo da forma humana em esculturas como David, conforme ilustra a figura a seguir, e em pinturas como as da Capela Sistina. O estudo da história da anatomia nos auxilia a contemplar a ciência que se tornou tão importante atualmente. Figura 2 – Michelangelo, David, 1501-1504, escultura em mármore Disponível em: https://bit.ly/35r2gZc. Acesso em: 15 jun. 2021. 1.1 Período pré-científico É possível que um tipo de anatomia comparada prática seja a ciência mais antiga. Os primórdios do conhecimento anatômico mediante elementos e inscrições datam da pré-história, então, é possível deduzir que já nesse período havia algumas informações anatômicas circulando. Essas informações foram eternizadas ao longo da história como, por exemplo, por meio de desenhos que representam partes da anatomia humana encontrados nas montanhas de Tassili n’Ajjer, no Saara argelino, datadas de aproximadamente 3000 a.C, conforme ilustra a figura a seguir. 15 ANATOMIA Figura 3 – Pinturas rupestres Disponível em: https://bit.ly/2SApZn2. Acesso em: 15 jun. 2021. 1.2 Período científico O período científico se iniciou com os registros de observações anatômicas feitas na antiga Mesopotâmia em cerca de 3000 a.C, em blocos de argila, por meio da escrita cuneiforme, e continua até hoje. Obviamente, todas as colaborações do passado para a ciência da anatomia não podem ser especificadas, contudo, certos indivíduos e culturas tiveram grande impacto, que serão comentados brevemente nesta unidade. 1.2.1 Mesopotâmia e Egito Na Mesopotâmia, o olho era a parte constituinte do corpo humano que se expressava para o mundo, sendo tal fato destacado nas pinturas. Em contrapartida, o tronco permanecia na posição frontal, enquanto a cabeça, as pernas e os pés encontravam-se de perfil. As esculturas produzidas não incluíam muitos detalhes anatômicos, entretanto, demonstravam um corpo sólido. Já no Antigo Egito o progresso das técnicas de embalsamamento obrigou e motivou o estudo da anatomia humana. Apesar de suas carências, os médicos egípcios julgavam que o coração era o centro motor do corpo humano, pois descreviam que o coração falava, batia e pulsava. Começo do segredo do médico: conhecimento da anatomia do coração. Há neles vasos (indo) a todos os membros. Quando qualquer médico da deusa Sekhmet [...], ou qualquer mágico coloca seus dedos na testa, na nuca, ou nas mãos ou sobre o próprio coração, ou sobre os dois braços, ou sobre as duas pernas, ou em qualquer parte do corpo humano, sente qualquer vestígio do coração, porque os vasos deste vão a todos os territórios do corpo humano (PAULA, 1962, p. 37). 16 Unidade I Os grandes discípulos dos egípcios seriam os gregos, que se saciaram nos conhecimentos daqueles que habitavam as regiões do Nilo desde Hipócrates até Galeno. Figura 4 – Deusa Sekhmet Fonte: Paula (1962, p. 35). 1.2.2 Grécia Antiga Para os gregos o conhecer – o espetáculo, a inteligência – tem prioridade sobre o operar – a ação, o prático. A propriedade básica do pensamento grego está no dualismo das relações entre a realidade empírica e um absoluto que a esclareça, na separação entre Deus e o mundo. O resultado desse dualismo é o irracionalismo, que produz sustentação à serena compreensão grega do mundo e da vida. O mundo real dos indivíduos depende de Deus, porém, nunca se pode chegar até Ele, porque dele não deriva. Deus é o absoluto racional, todavia, ele não cuida do mundo e da humanidade, a qual não criou, não distingue e nem governa. Para os gregos, ela era governada pelo acaso, isto é, pela necessidade irracional. Essa concepção de mundo era, assim, marcada pelo pessimismo desesperado, razão pela qual foi considerado como período trágico. Aristóteles, conforme ilustra a figura a seguir, ao longo da vida escreveu mais de mil obras. Alguns de seus trabalhos mais relevantes são: História dos Animais, Das Partes dos Animais e A Geração dos 17 ANATOMIA Animais. Nesses trabalhos desenvolveu teorias coesas sobre a geração e a hereditariedade e sugeriu a anatomia comparada, embora nunca tivesse dissecado um corpo humano. Figura 5 – Rafael Sanzio, Escola de Atenas, 1509-1510, afresco, 500 cm x 700 cm. O ponto central de fuga fica entre Platão e Aristóteles Disponível em: https://bit.ly/3iKNBjw. Acesso em: 15 jun. 2021. Conforme mencionados anteriormente, Aristóteles dá belas descrições de alguns órgãos sob o ponto de vista da anatomia comparada. Tais descrições foram fortuitamente ilustradas com desenhos, que são as primeiras figuras anatômicas de que se tem conhecimento. Dentre seus erros anatômicos merece destaque a sua rejeição em dar grande relevância ao cérebro. A superioridade, segundo ele, reside no coração, sede também da inteligência, conceito contrário ao da maioria dos médicos escritores de seu período. Não é de todo incerto que Aristóteles tenhaefetuado experimentos sobre o cérebro e observado tal falta de sensibilidade. Assim, considerou-o simplesmente um meio para resfriar o coração e impedir seu superaquecimento. Segundo ele, esse processo de resfriamento era motivado pela secreção da fleuma. Aristóteles era, via de regra, muito mais fraco em fisiologia do que em anatomia. Portanto, não sabia as diferenças entre artérias e veias, e cria que as artérias contivessem ar, além de sangue. Por mais de 2 mil anos, a filosofia aristotélica, de forma mais ou menos modificada, estabeleceu a principal referência intelectual da humanidade. Segundo Galeno, foi Alcmeão de Crotona, conforme ilustra a figura a seguir, quem escreveu a primeira obra de anatomia. Ele dissecou a trompas auditivas, os nervos ópticos e o olho, o qual propunha ser feito de água (oriunda do cérebro e encontrada facilmente ao dissecá-lo) e fogo (notado quando o olho é ferido). Assim, sugeriu uma teoria da visão, segundo a qual existiria no olho um fogo interno. 18 Unidade I Figura 6 – Busto de Alcmeão datado do séc. XIX Fonte: Celesia (2012, p. 409). Saiba mais Vários anatomistas imortalizaram seus nomes criando uma série de epônimos, ou seja, diversas estruturas anatômicas receberam denominações em homenagem aos primeiros anatomistas que as descreveram. Por exemplo, o polígono de Willis e a trompa de Eustáquio, as glândulas de Bartholin, o fundo de saco de Douglas e as trompas de Falópio, essas últimas sendo as seguintes estruturas anatômicas: as glândulas vestibulares, a escavação retouterina e as tubas uterinas. Leia mais informações sobre o assunto em: BEZERRA, A. J. C.; BEZERRA, R. F. A. Epônimos de uso corrente em anatomia humana: um glossário para educadores físicos. Revista Brasileira de Ciência e Movimento, Brasília, v. 8, n. 3, 2000. Disponível em: https://bit.ly/3wUIykR. Acesso em: 9 mar. 2019. Alcméon considerava o cérebro a sede das sensações e o centro da vida intelectual, informações essas que mais tarde foram resgatadas na medicina. Todos os órgãos dos sentidos estariam ligados ao cérebro – o centro da memória e centro do saber. Acreditava-se também que era no cérebro que o espermatozoide se originava, a partir dos 14 anos de idade. 19 ANATOMIA Hipócrates, conforme ilustra a figura a seguir, é considerado o pai da medicina ocidental, entretanto, na área da anatomia nada alcançou de importante, mas foi provavelmente o precursor do estudo da anatomia constitucional. O médico acreditava que o encéfalo não só estava compreendido nas sensações, mas seria a sede da inteligência. Ele foi o primeiro a estabelecer uma relação entre o cérebro e a doença sagrada, a epilepsia. Figura 7 – Escultura facial de Hipócrates Fonte: Loukas et al. (2007, p. 147). Embora Hipócrates supostamente tinha só restrita a orientação em dissecações humanas, ele foi bem conduzido na afamada teoria humoral de organização do corpo. Por meio dessa teoria eram identificados quatro humores no corpo e cada um deles era agregado a um órgão em especial: sangue com o fígado; cólera, ou bile amarela, com a vesícula biliar; fleuma com os pulmões; e melancolia, ou bile preta, com o baço. Acreditava-se que um indivíduo teria o equilíbrio dos quatro humores. Vale notar que os quatro humores ainda hoje fazem parte da linguagem e da clínica médica. Melancolia é um termo utilizado para descrever depressão ou desânimo de um indivíduo, enquanto “melano”, que significa preto, alude a um semblante obscuro ou pálido. Cólera é uma patologia intestinal que causa diarreia e vômito. Fleuma, no interior do sistema respiratório, é sinal de diversas doenças pulmonares. 20 Unidade I Fígado Baço Membros inferiores Pulmão Bile amarela SIV VESangueVD Alma Cabeça Figura 8 – Esquema do sistema cardiovascular de acordo com os gregos antigos Fonte: Bestetti, Restini e Couto (2014, p. 3). Na figura anterior há a presença de dois vasos paralelos oriundos do fígado e do baço, interligados ao coração, no tórax, aos membros inferiores e à cabeça. No coração, há um poro no septo interventricular conectando o VD (ventrículo esquerdo) e o VE (ventrículo direito), dois vasos conectados ao VD, e um vaso conectado ao VE vindo dos pulmões. O VD é maior do que o esquerdo, ao passo que o VE é mais espesso do que o direito. O VD contém sangue, ao passo que o VE é preenchido com ar e bile amarela, de acordo com o Corpus Hippocraticum. Quando Atenas perdeu sua liberdade, o centro científico passou para Alexandria, no Egito, onde pela primeira vez a anatomia tornou-se uma disciplina. Os dois primeiros e maiores professores dela foram Herófilo e Erasístrato, que iniciaram o chamado período alexandrino da anatomia. Herófilo, conforme ilustra a figura a seguir, é visto como o “açougueiro de homens”, pois realizava vivissecção em criminosos da prisão real. Acredita-se que ele tenha dissecado vários seres humanos, muitas vezes em demonstrações públicas (“sem dúvida, o melhor método para aprender”, escreveu Celsius, aprovando (TERÇARIOL, 2018, p. 18). Foi ele também que fez a primeira distinção clara entre as artérias e as veias e ampliou os estudos sobre a pulsação, que considerava um processo ativo das próprias artérias. 21 ANATOMIA Foi Herófilo definitivamente que reconheceu o cérebro como o órgão central do sistema nervoso e a sede da inteligência. O médico dividiu os nervos em motores e sensitivos e descreveu as meninges. Ampliou, ainda, o conhecimento sobre outras partes do cérebro, distinguindo o cérebro, o cerebelo e o quarto ventrículo. Os termos próstata e duodeno são derivados dos que foram usos por ele. Ele fez também a primeira descrição dos vasos quilíferos do intestino. Lembrete A vivissecção é a dissecação ou operação cirúrgica em animais vivos para estudo de alguns fenômenos anatômicos e fisiológicos. Figura 9 – Herófilo: a primeira dissecação, na entrada principal da Nouvelle Faculté de Médecine de Paris Fonte: Schumacher (2007, p. 16). Erasístrato atentava-se mais às funções do corpo humano do que à sua estrutura, e comumente é chamado de pai da fisiologia. O anatomista aperfeiçoou os dados sobre o cérebro e o cerebelo, considerando tais órgãos como a sede da alma. Dentre suas diversas descrições determinou a substância cerebral, e não a dura-máter, como sendo a origem dos nervos cranianos. Além disso, estabeleceu o cérebro e o cerebelo como órgãos parenquimatosos e descreveu os ventrículos encefálicos. Juntamente com Herófilo, determinou que o número de giros está relacionado com a inteligência humana. Era um racionalista e se declarava inimigo de todo misticismo. Teve, ainda, que usar a ideia de natureza como força externa, que molda os objetivos para os quais o corpo age. Erasístrato compreendeu a ação dos músculos na produção do movimento e atribuiu o encurtamento dos músculos à sua distensão pelo espírito animal. 22 Unidade I Figura 10 – Jacques-Louis David, Erasístrato descobrindo a causa do mal de Antíoco, 1774, óleo sobre tela, 120 cm x 155 cm, Escola Nacional Superior de Belas-Artes Entretanto, o esplendor das descobertas anatomopatológicas de Herófilo e Erasístrato caíram em infortúnio quando se levantou a suspeita de que escravos e condenados à morte haviam sido dissecados vivos, após a autorização de Ptolomeu I. Machado de Assis, no “Conto Alexandrino”, cita Herófilo na história de dois filósofos: Stroibus e Pítias. Tinham sido escalpelados cerca de cinquenta réus, quando chegou à vez de Stroibus e Pítias. Vieram buscá-los; eles supuseram que era para a morte judiciária, e encomendaram-se aos deuses. De caminho, furtaram uns figos, e explicaram o caso alegando que era um impulso da fome; adiante, porém, subtraíram uma flauta, e essa outra ação não a puderam explicar satisfatoriamente. Todavia, a astúcia do larápio é infinita, e Stroibus, para justificar a ação, tentou extrair algumas notas do instrumento, enchendo de compaixão os indivíduos que os viam passar, e não ignoravam a sorteque iam ter. A notícia desses dois novos delitos foi narrada por Herófilo, e abalou a todos os seus discípulos (VILICEV, 2002). Conta-se que Herófilo e outros anatomistas pretenderam saber se o “nervo do furto” residia na palma das mãos das pessoas. Pelo que se diz, Herófilo dissecou primeiro Stroibus e a seguir Pítias durante oito dias. 1.2.3 Roma O interesse do Estado em Roma fundamentava-se em sua arte, que era caracterizada como sendo objetiva, e para a representação do poder de forma realista esculpiam-se rostos de autoridades, conforme 23 ANATOMIA ilustra a figura a seguir. Para que os corpos fossem mitificados e divinizados em paredes de casas era utilizada a pintura mural. Figura 11 – Júlio César Disponível em: https://bit.ly/3vtfr6L. Acesso em: 15 jun. 2021. Em muitos aspectos, Roma incluiu os progressos científicos e as bases para a Idade Média. O questionamento científico perfaz a teoria pela prática durante esse período. Foram realizadas algumas dissecações de cadáveres humanos, tendendo mais determinar a razão da morte em casos criminais. A medicina não era preventiva, contudo, confinava-se, quase sem exceção, ao tratamento de soldados lesados em combates. Nos últimos tempos da história romana, as leis eram postas evidenciando a autoridade da Igreja na prática médica. De acordo com as leis romanas, por exemplo, nenhuma gestante morta poderia ser sepultada sem a retirada do feto do útero de maneira que ele pudesse ser batizado. Esse é o caso da morte de Agripina, mãe de Nero, cuja história gerou um contrassenso na época pelo viés anti-Nero que ela apresentava. Nero arquitetou um navio, cujo fundo se abriria quando estivesse no mar, e Agripina foi colocada a bordo. Quando o fundo se abriu, ela caiu no mar, contudo, conseguiu nadar até a margem e, por isso, Nero enviou um assassino para matá-la. O imperador afirmou que ela havia tentado assassiná-lo e depois cometera suicídio. Suas hipotéticas palavras finais ao assassino quando estava prestes a matá-la foram “Ataque meu útero!”, insinuando que ela almejava ver destruída a primeira parte de seu corpo que tinha gerado um “filho tão abominável”, conforme ilustra a xilogravura de Guilherme de Lorris a seguir: 24 Unidade I Figura 12 – O imperador Nero assistindo à dissecação de sua mãe Agripina, que ainda está viva e tem as mãos amarradas Fonte: Schumacher (2007, p. 17). Considerado o príncipe dos médicos, Galeno foi uma personagem fundamental na história da medicina. Como a dissecação humana era abolida na época, ele não dissecava cadáveres humanos, porém, os humanizava por aproximação, sendo essa talvez a causa de seus erros anatômicos. Figura 13 – Bustos de Galeno Fonte: Pasipoularides (2014, p. 48). Galeno utilizava seres humanos para fazer pesquisas, observando feridas profundas ou estudando cadáveres de indigentes encontrados eventualmente. As principais descrições dele encontram-se nos campos dos sistemas nervoso, muscular e cardiovascular, bem como do esqueleto humano. 25 ANATOMIA Figura 14 – Desenho dos ossículos da orelha (círculo branco), presente no livro Ossibus Doctissima et Expertissima Commentaria, de Galeno Fonte: Dispenza et al. (2013, p. 358). Galeno descreveu o esterno com sete peças, tanto como as costelas com as quais se articula. Detalha também a cartilagem tireóidea com o nome de O Chondros Thyreoides, semelhante ao escudo cretense. Em nenhum período da história o status de um homem prevaleceu tão profundamente em uma ciência como o de Galeno na medicina. Suas inspirações prorrogaram-se pelos próximos 13 séculos, passando pela Idade Média e chegando até o século XVI, sendo que as obras de Galeno determinaram os princípios dos dados anatômicos. Observação Era uma obrigação religiosa entre os gregos e os romanos cobrir com terra qualquer osso humano encontrado por casualidade. Apenas os condenados e os suicidas poderiam ficar sem enterro. Entre os gregos existia a crença de que as almas dos mortos haviam de vagar pelas margens do Rio Estige, o rio da imortalidade, até que seus corpos tivessem sido enterrados. 26 Unidade I Saiba mais As seguintes leituras vão ampliar muito seu conhecimento sobre o surgimento e o desenvolvimento do estudo da anatomia: KICKHÖFEL, E. H. P. A lição de anatomia de Andreas Vesalius e a ciência moderna. Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 1, n. 3, p. 389-404, 2003. Disponível em: https://bit.ly/3wWdIbo. Acesso em: 10 de mar. 2019. ALVES, M. V. A medicina e a arte de representar o corpo e o mundo através da anatomia. In: CATÁLOGOS BNP. Arte médica e imagem do corpo: de Hipócrates ao final do século XVII. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal, 2010, p. 31-50. Disponível em: https://bit.ly/3daq3RC. Acesso em: 10 mar. 2019. CHEREM, A. J. Medicina e arte: observações para um diálogo interdisciplinar. Revista Acta Fisiátrica, São Paulo, v. 12, n. 1, p. 26-32, 2005. Disponível em: https://bit.ly/2T0Os52. Acesso em: 10 mar. 2019. CHIARELLO, M. Sobre o nascimento da ciência moderna: estudo iconográfico das lições de anatomia de Mondino a Vesalius, Scientiæ Zudia, São Paulo, v. 9, n. 2, p. 291-317, 2011. Disponível em: https://bit.ly/3h0p07L. Acesso em: 10 de mar. 2019. 1.2.4 A contribuição do povo árabe O período entre a morte de Galeno e a primeira tradução de uma obra de material médico no século XI, ocorrida no Mosteiro de Monte Cassino, no sul da Itália, é o chamado de idade das trevas da anatomia. Crê-se que tanto o estilo de vida quanto os sentimentos nutridos pela sociedade medieval em relação ao corpo humano teriam reduzido a edificação de saberes que abrangeu a anatomia, a medicina e outras áreas do saber. Os séculos X e XI foram marcados pelo aumento demográfico associado à expansão territorial empreendida pelas Cruzadas religiosas, o que possibilitou o renascimento comercial. Com a retomada das atividades comerciais e a instauração de espaços urbanos, as universidades se multiplicaram com a finalidade de acatar às necessidades de expandir o conhecimento por parte dos comerciantes no processo de expansão de seus negócios. Do mesmo modo, a própria maneira de organização social que nascia clamava por certos serviços, como aqueles relativos à jurisprudência e à medicina. Em um clima essencialmente escolástico, o ensino das universidades comumente, assim como o ensino da anatomia, era abalizado nas traduções de textos árabes, como os tratados de Avicena, conforme ilustra a figura a seguir. Como a observação da natureza ainda era inadvertida nessa época, não existia instrumentação prática em anatomia. 27 ANATOMIA Figura 15 – Estátua de Avicena Fonte: Zarshenas e Zargaran (2015, p. 239). Avicena organizou e sistematizou os saberes de Hipócrates e Galeno em um compêndio de medicina considerado uma obra majestosa e conhecido como O Cânone da Medicina. Ela foi publicada pela primeira vez apenas em 1492 e trata-se de uma mistura de saberes médicos islâmicos e gregos. Esse foi o primeiro livro médico a mostrar a reparação de tendões em um período no qual esse tratamento era equivocadamente contraindicado. Figura 16 – Os três maiores professores de medicina na Antiguidade Fonte: Assef, Castaneda e Oro (2018, p. 71). 28 Unidade I 1.2.5 O Renascimento A fase conhecida como Renascimento foi determinada pela vida nova das ciências e teve forte influência nas grandes universidades europeias localizadas em Bolonha, Salerno, Pádua, Montpellier e Paris. Apenas no Renascimento seriam aceitos, ainda que com certa cautela e dignidade, os procedimentos de violação do corpo por meio de estudos de cadáveres. Com o aumento do mérito na anatomia durante o Renascimento, a aquisição de cadáveres para a dissecação se tornou um problema grave. Estudantes de medicina cometiam repetidamente a invasão de sepulturas para saqueá-las, até que um decreto oficial foi expedido, possibilitando utilizar os corpos de criminosos executados como espécimes. As aulas de anatomia aconteciam em um teatroanatômico, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 17 – Vista panorâmica do teatro anatômico de Pádua Fonte: Schumacher (2007, p. 21). O teatro anatômico deveria ser vasto e arejado, com bancos organizados em círculos, como os do Coliseu romano, possibilitando a acomodação de muitos alunos sem importunar os movimentos do maestro, o cirurgião. O cadáver era colocado em uma mesa no centro do teatro e os instrumentos em outra, próxima à primeira. Os professores de anatomia pronunciavam suas aulas de cátedras um pouco distante de onde estava o cadáver, a frase: “Eu não devo tocá-lo com uma vara de 10 pés” possivelmente originou-se durante esse período em menção ao odor de um cadáver em deterioração. 29 ANATOMIA Saiba mais Para saber mais sobre o teatro anatômico, leia o artigo: ALVES, E. M. O.; TUBINO, P. Proibições das dissecações anatômicas: fato ou mito? Jornal Brasileiro de História da Medicina, Brasília, dez. 2017. Do século XIII ao início do século XVI, os progressos no conhecimento anatômico foram morosos, fundamentados na contínua revisão e extensão de tratados preexistentes. A anatomia macroscópica foi privilegiada nessa época, contudo, para seu desenvolvimento foi imprescindível o aperfeiçoamento das técnicas de observação, dissecação, descrição, ilustração e o gradual refinamento terminológico, processo para o qual Mondino de Luzzi, conforme ilustra a figura a seguir, é considerado o precursor. Figura 18 – Xilogravura da aula de anatomia de Mondino Fonte: Schumacher (2007, p. 19). 30 Unidade I Do século XIII ao século XVI, o desenvolvimento da anatomia concentrou-se no cenário italiano e ampliou-se para outros países, em agravo do decreto pontifício propagado em 1300. Sua inserção enquanto disciplina nas universidades foi regularizada também pelo refinamento das formas de representação das estruturas corporais concebidas pelo processo de ilustração do corpo, o que se tornou possível devido à influência do naturalismo na arte italiana. Assim, artistas como Leonardo da Vinci e Michelangelo estavam entre os primeiros a efetuar o estudo científico da anatomia humana, devido ao interesse na forma humana. Além disso, a invenção da impressão tornou os livros facilmente acessíveis e as ilustrações necessárias para anatomia poderiam naquele momento ser mais facilmente reproduzidas e distribuídas. A escrita invertida é uma característica das observações de Leonardo da Vinci em seus desenhos. Canhoto, da Vinci produziu centenas de desenhos anatômicos feitos a partir de dissecações. Suas contribuições, do ponto de vista anatômico, só podem ser elencadas retrospectivamente, mas a precisão e a objetividade de suas ilustrações inspiram, ainda hoje, a construção de novos esquemas anatômicos. Ele ponderou o homem como sendo o centro do universo, distendendo a figura humana em duas formas geométricas, uma em relação ao quadrado e a outra em relação ao círculo, sendo que a unidade melodiosa seria dada pelo conjunto. Seu ponto de partida foram os escritos do arquiteto e do engenheiro militar Marco Vitrúvio, o qual constituíra no século I a.C. a doutrina que relacionava a proporcionalidade da soberba arquitetura com as do homem de boa adequação, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 19 – Leonardo Da Vinci, O homem vitruviano, 1490, lápis e tinta sobre papel, 34 cm x 24 cm Fonte: Cherem (2005, p. 28). Uma das mais apreciadas imagens plásticas do Renascimento, pintada na Capela Sistina por Michelangelo entre 1508 e 1512, se apresenta na A Criação de Adão, reproduzida a seguir. Nesse afresco, observamos que os membros superiores são simétricos e têm uma composição muito semelhante, fazendo referência à passagem bíblica “Deus criou o homem à sua imagem e semelhança” 31 ANATOMIA (Gênesis, 1.27). De tal modo, por meio dessa simetria, Michelangelo insere um equilíbrio entre os dois lados do afresco, entre a figura divina e a humana. Figura 20 – Michelangelo, A criação de Adão, detalhe da Capela Sistina Disponível em: https://bit.ly/3gsTgct. Acesso em: 15 jun. 2021. Saiba mais Em meio aos afrescos que pintou no teto da Capela Sistina, Michelangelo espalhou imagens de ossos, nervos, músculos, vísceras, artérias e órgãos humanos que ficaram escondidos desde 1512 até concluir o trabalho encomendado pelo Papa Júlio II. Para saber mais sobre o assunto, leia o estudo de dois pesquisadores da Unicamp que conseguiram identificar e decifrar um código criado por Michelangelo para revelar as peças anatômicas pintadas de forma mascarada nas imagens principais. LEVY, C. Pesquisadores dissecam lição de anatomia de Michelangelo. Jornal da Unicamp, Campinas, n. 256, p. 12, 2004. Disponível em: https://bit.ly/3vREdgR. Acesso em: 10 de mar. 2019. Na história da anatomia, o século XVI mostra-se relevante por conta da obra do anatomista Andreas Vesalius, considerado o pai da anatomia. No cenário italiano, Vesalius revelou-se um ferrenho defensor da técnica da dissecação, que considerava como a única forma de conhecer realmente o corpo humano. O intuito de sua obra era, a partir da dissecação sistemática de cadáveres, abandonar o caráter revisionista que prevalecia nas investigações anatômicas. Seu estudo intitulado De Humani Corporis Fabrica foi concluído em 1543, conforme ilustram as figuras a seguir. O impacto que isso causou se deveu tanto ao nível de apuração dos detalhes anatômicos compreendidos por suas ilustrações quanto 32 Unidade I pela veia artística de sua obra, de caráter tipicamente renascentista, acrescida de influências galênicas, naturalistas e escolásticas. Figura 21 – Vesalius, ilustrações do livro De Humani Corporis Fabrica Fonte: Hildebrand (1996, p. 379). 33 ANATOMIA O grande valor das práticas e das informações preconizadas por Vesalius prosseguiram no século seguinte, sendo que seus estudos ganharam evidência em telas, como, por exemplo, em Lição de Anatomia do Dr. Tulp, pintada por Rembrandt em 1632: Figura 22 – Rembrandt, A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, 1632, óleo sobre tela, 169,5 cm x 216,5 cm Disponível em: https://bit.ly/3zB2vPo. Acesso em: 15 jun. 2021. Nessa obra, o cadáver é o de Adriaen Adriaansz, conhecido como o Garoto, um deficiente mental, com grave dismorfismo corporal, com medidas de quase um anão, que após roubar várias vezes foi enforcado. Personagens ilustres assistiram à dissecação do cadáver de Adriaen, como o anatomista amador e filósofo René Descartes e o médico inglês Thomas Brown. Reconhecendo que os artistas pós-renascentistas já não recorriam às dissecações, embora reconhecessem a importância de tais conhecimentos, é valido enfatizar que essa aula com sete alunos anatomistas se trata apenas de uma demonstração. Portanto, não ocorreu de fato uma dissecação anatômica e, ainda, a tela contém alguns erros anatômicos, como os descritos a seguir: • O comprimento do membro superior esquerdo é bem maior do que o direito. • Os músculos flexores superficiais do antebraço estão originando erradamente do epicôndilo lateral ao invés do epicôndilo medial, o que sugere o desconhecimento de Rembrandt sobre anatomia, conforme ilustra a figura a seguir. • No raio X da pintura, inicialmente a mão direita do cadáver não tinha dedos. Rembrandt pintou-a posteriormente com base na mão de outra pessoa. Entretanto, consiste em uma mão delicada, com unhas bem cortadas, nada lembrando a de um ladrão. 34 Unidade I Figura 23 – Detalhe dos tendões bifurcados dos músculos flexores superficial e profundo dos dedos Disponível em: https://bit.ly/3xyZyx4. Acesso em: 15 jun. 2021. Saiba mais Conheça melhor a história que inspirou o quadro de Rembrandt, lendo: SIEGAL, N. A lição de anatomia. São Paulo: Rocco, 2017. 1.2.6 As ciências contemporâneas As contribuições para a ciência anatômica durante o século XX não foram tão magníficas quanto eram no período em que pouco se sabia sobre a estrutura do corpo humano. O estudo da anatomia foi se aperfeiçoando cada vez mais por meio dasespecializações e as pesquisas foram se tornando cada vez mais detalhadas e complexas. Podemos afirmar que, infelizmente, um ponto negativo do estudo da anatomia ocorreu durante o período da Segunda Guerra Mundial, quando as polêmicas bioéticas abrangendo as experiências com seres humanos tomavam corpo com o processo de Nuremberg. Durante o julgamento muitos anatomistas alemães foram denunciados por utilizarem corpos de vítimas do holocausto para as pesquisas anatômicas, assim como foram realizadas diversas acusações da presença da suástica nazista nas páginas de alguns atlas anatômicos do período. Joseph Mengele talvez tenha sido o cientista mais carniceiro de Hitler, seus experimentos custaram a vida de cerca de 400 mil pessoas em Auschwitz. Mengele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, amputou membros de prisioneiros e dissecou anões vivos em seu laboratório. 35 ANATOMIA “Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências em homens e não em ratos” (MORAIS, 2011, p. 6). Isso era o que proferia com ar de orgulho Sigmund Rascher, responsável pelo campo de concentração de Dachau. Lá, ele se utilizava de cobaias humanas vivas para seus experimentos. Já o médico da renomada Universidade de Estrasburgo, August Hirt, utilizou cerca de oitenta corpos em estudos anatômicos para determinação da superioridade do povo ariano. Para muitos especialistas em anatomia o Atlas Pernkopf, conforme ilustra a figura a seguir, produzido com base na dissecação de corpos de aproximadamente 1500 prisioneiros, é o melhor trabalho ilustrado sobre anatomia humana já efetuado na história. Para outros, trata-se de um livro questionável e póstumo que, ao lado de suásticas, traz a seguinte frase: “feliz conjunção de ilustradores brilhantes e corpos de criminosos executados” (REZENDE, 2019). Figura 24 – Atlas Pernkopf Fonte: Pernkopf (1979, capa). A partir de 1977, uma nova técnica de preparação de peças anatômicas foi elaborada. Essa descoberta foi realizada pelo médico e professor da Universidade de Heidelberg na Alemanha, Gunther von Hagens, o qual se intitula “Vesalius do século XXI”, que inventou e desenvolveu o processo de plastinação, conforme ilustra a figura a seguir, uma maneira moderna de mumificação, fazendo com que os cadáveres tenham uma elevada resistência. A plastinação é outro aspecto que envolve polêmicas bioéticas, em que espécimes inodoros, secos e quase eternos estão sendo vastamente utilizados como modelos de anatomia em exposições e faculdades de medicina. Milhares de pessoas já testemunharam corpos dissecados em uma das exposições de anatomia pelo mundo e o novo mercado on-line de espécimes humanos plastinados está aumentando. 36 Unidade I Figura 25 – Cadáver plastinado, musculatura e pele Fonte: Andreoli et al. (2012, p. 84). A anatomia humana sempre será uma ciência relevante, não só porque aperfeiçoa o entendimento do funcionamento do corpo humano, mas também por ser fundamental no diagnóstico clínico e no tratamento das doenças. A anatomia humana já não é mais restrita à observação e à descrição das estruturas isoladas, ela se ampliou para compreender as complexidades de como o corpo humano age como um todo integrado. A ciência da anatomia é dinâmica e permanecerá ativa porque os dois aspectos do corpo humano – estrutura e função – são inseparáveis. Saiba mais Para conhecer as novas técnicas de preservação de peças anatômicas, acesse: ANDREOLI, A. T. et al. O aprimoramento de técnicas de conservação de peças anatômicas: a técnica inovadora de plastinação. Revista EPeQ/Fafibe, Bebedouro, n. 4, p. 81-85, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3zBECXM. Acesso em: 10 mar. 2019. KIM, J. H. Exposição de corpos humanos: o uso de cadáveres como entretenimento e mercadoria. Mana, Rio de Janeiro, v. 18, n. 2, p. 309-348, 2012. Disponível em: https://bit.ly/3wHjmhv. Acesso em: 10 mar. 2019. 37 ANATOMIA Compreenda melhor os precursores da medicina lendo: GORDON, R. A assustadora história da medicina. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. Para saber mais sobre a história da anatomia e conhecer o Museu de Anatomia UFCSPA, consulte: UFCSPA. Uma breve história da anatomia humana. Porto Alegre: UFCSPA, [s.d.]. Disponível em: https://bit.ly/3vBXsLq. Acesso em: 10 de mar. 2019. 2 BASES GERAIS DA ANATOMIA A anatomia humana é considerada a disciplina mais antiga da medicina, tanto que no começo ambas se confundiam. Pelo menos no princípio era possível saber anatomia, ou pelo menos ter alguns conhecimentos anatômicos, para poder praticar a medicina. Desde aquela época começou a ser oportuno o pensamento nulla medicina sine anatomia, ou seja, não há medicina sem anatomia. Ramo seco da biologia, ciência dos mortos ou ciência dos fósseis, a anatomia morreu: esses são os versos cantados por aqueles que julgam desnecessário o estudo da anatomia. Para demonstrar esse mal, um caso pitoresco ocorreu no Brasil, quando um laureado com prêmio Nobel foi convidado a fazer conferências científicas e educacionais sobre atualização do currículo médico. O famoso professor, com toda a autoridade que um ganhador de prêmio Nobel pode ter, brindou a plateia com a seguinte mimosidade: “uma grande redução no currículo poderia ser feita às custas da anatomia, pois para conhecer a anatomia dos homens bastaria conhecer a anatomia do rato”. A grande vantagem que ele antevia era que a dissecação de um mamífero pequeno poderia ser feita em três dias e não nos três anos necessários para dissecar o homem. Na discussão que se seguiu, um dos participantes da plateia perguntou: “Se o orador fosse acometido por uma apendicite aguda, ele escolheria o cirurgião que tivesse dissecado um rato, ou um que tivesse dissecado um cadáver humano?” O orador fez uma longa pausa e confessou honestamente que ele escolheria o cirurgião que tivesse estudado anatomia no homem. O professor que fizera a pergunta retomou a palavra e parabenizou o orador pela sua excelente escolha, acrescentando: “principalmente porque o rato não tem apêndice vermiforme” (DI DIO, 1998, p. 28). A anatomia divulga as bases da forma e da estrutura do corpo humano e de seus órgãos. A forma descreve a morfologia externa do indivíduo, de seus membros e órgãos. A estrutura respeita a organização interna dos órgãos e de seus componentes nos níveis macroscópico, microscópico, submicroscópico e molecular; O termo “estrutura” inclui a função. A anatomia determina, ao lado da fisiologia e da bioquímica, a base para a profilaxia, o diagnóstico, a terapia e a reabilitação de patologias. 38 Unidade I Observação Homeostase é a preservação de um ambiente interno moderadamente contínuo e adaptado para a sobrevivência das células e dos tecidos do corpo. Defeitos na preservação das circunstâncias homeostáticas indicam patologias. Os processos das patologias podem atingir primeiramente um tecido, um órgão ou um sistema específico, porém, em última instância conduzirão a modificações de função ou da estrutura das células do corpo. Algumas patologias podem ser recuperadas pelas defesas corporais, já outras exigem tratamento. Por exemplo, quando acontece um trauma e existe sangramento excessivo ou lesão de órgãos internos o tratamento cirúrgico pode ser indispensável para resgatar a homeostase e impossibilitar problemas potencialmente letais. 2.1 Divisão da anatomia: estudos Além dos aproveitamentos na medicina e das diversas formas de estudo da anatomia, há uma leitura anatômica nas várias áreas da atividade humana. 2.1.1 Anatomia macroscópica Refere-se às estruturas com dimensões maiores do que 1 milímetro, isto é, as estruturas que podem ser identificadas a olho nu ou com auxílio de uma lupa. A figura a seguir mostra a anatomia macroscópica de um cadáver conservado com técnica MAR V. Figura 26 – Métodos do Museu de Anatomia de Rosário Fonte: Mignaco et al. (2011, p. 29). 2.1.2 Anatomia microscópica Parte além das estruturas analisadasa olho nu, que permite uma subdivisão mais detalhada do corpo humano. Visualiza estruturas com dimensões menores do que 1 milímetro. A anatomia microscópica 39 ANATOMIA divide-se em citologia – estudo da estrutura e função da célula – e histologia, estudo dos tecidos e anatomia microscópica dos órgãos. Lembrete A anatomia macroscópica estuda as estruturas do corpo humano a olho nu, enquanto a anatomia microscópica se utiliza de equipamentos como, por exemplo, os microscópios. 2.1.3 Anatomia artística A anatomia artística, que se presta ao estudo das proporções dos segmentos naturais do corpo humano, a configuração exterior, relacionando-a, principalmente, com ossos e músculos, estática e dinamicamente para finalidades de escultura e pintura. Como exemplo de anatomia artística temos a pintura Mona Lisa, também conhecida como Gioconda, a mais conhecida obra de Leonardo da Vinci: Figura 27 – Leonardo da Vinci, Mona Lisa, 1503-1506, óleo sobre madeira, 77 cm x 53 cm, Museu do Louvre Disponível em: https://bit.ly/3gN1FXd. Acesso em: 15 jun. 2021. 2.1.4 Anatomia comparativa A anatomia comparativa compara e inclui os planos estruturais de diferentes representantes do reino animal e busca regras relacionadas à forma. Outra função dela é o confronto entre seres humanos e outros animais, com o intuito de encontrar formas homólogas, ou seja, iguais entre as espécies, e as heterólogas, ou seja, diferentes entre as espécies. 40 Unidade I 2.1.5 Anatomia do desenvolvimento ou embriologia A anatomia do desenvolvimento é o estudo do conjunto de episódios que vão da fecundação de um ovócito secundário por um espermatozoide à formação de um organismo adulto. A gravidez é o conjunto de episódios que se inicia com a fertilização; prossegue durante a implantação, desenvolvimento embrionário e desenvolvimento fetal; e, de modo ideal, termina com o nascimento de uma criança, após aproximadamente entre 38 e 40 semanas depois da última menstruação. As figuras a seguir mostram os períodos embrionário e fetal, respectivamente. A fecundação ou fertilização consiste no encontro dos gametas feminino e masculino, ovócito secundário e espermatozoide, que acontece na ampola da tuba uterina. O período embrionário corresponde às primeiras nove semanas a partir do dia da fertilização, aquele em que todos os órgãos e sistemas se formam (organogênese). Orelha Olho Nariz Membro superior Cordão umbilical Membro inferior Embrião de 52 dias Figura 28 – Período embrionário Fonte: Tortora (2016, p. 1113). Orelha Olho Nariz Boca Membro superiorFeto de 26 semanas Membro inferior Figura 29 – Período fetal Fonte: Tortora (2016, p. 1113). 41 ANATOMIA O período fetal inicia-se a partir da décima semana pós-fertilização e vai até o nascimento. Nessa fase o bebê é chamado de feto e os órgãos já constituídos sofrem um processo de crescimento e amadurecimento até que se apresentem em totais condições de funcionamento no final da gravidez. Saiba mais Para saber mais sobre os efeitos da gestação: TORTORA, G. J. Princípios de anatomia e fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2016. GODINHO, J. M. et al. Prevalência de desconfortos musculoesqueléticos no puerpério. In: CONGRESSO DE PESQUISA E EXTENSÃO DA FACULDADE DA SERRA GAÚCHA, 2017. Anais – V Congresso de Pesquisa e Extensão da FSG. Caxias do Sul: Faculdade da Serra Gaúcha, 2017. Disponível em: https://bit.ly/3jjbejg. Acesso em: 11 mar. 2019. 2.1.6 Anatomia nepiológica ou nepionatomia A palavra nepio ou nípio, do grego, e infans, do latim, significa “o que não fala”. Portanto, trata-se do estudo da anatomia da primeira infância e constitui-se de uma ligação entre o estudo da embriologia e o da anatomia de crianças, adolescentes e adultos jovens. 2.1.7 Anatomia do adulto Estuda a estrutura do corpo humano após o seu completo desenvolvimento. É subdividida em masculina (entre 25 e 60 anos de idade) e feminina (entre 21 e 50 anos idade). 2.1.8 Anatomia gerontológica É o estudo da morfofisiologia do indivíduo idoso (acima de 60 anos de idade). Não deve ser confundida a anatomia gerontológica, que corresponde ao estudo do idoso normal com a geriátrica, pois essa estuda o idoso doente e faz parte, portanto, da anatomia patológica. 2.1.9 Anatomia radiológica Existem diversas técnicas e procedimentos para obter imagens do corpo humano. Vários tipos de imagem permitem a observação de estruturas anatômicas no interior do corpo, e são cada vez mais benéficas para o diagnóstico exato de um amplo espectro de distúrbios anatômicos e fisiológicos. A avó de todas as técnicas de imagem é a radiografia convencional (com raios X), em utilização desde o final da década de 1940. As tecnologias de imagem mais modernas, conforme ilustram as figuras a seguir, 42 Unidade I não só aperfeiçoaram a capacidade diagnóstica, mas também elevaram o conhecimento da anatomia e da fisiologia normais. Figura 30 – Densitometria óssea da região lombar da coluna vertebral Fonte: Tortora (2016, p. 21). Figura 31 – Angiograma de um adulto apresentando obstrução da artéria coronária (seta) Fonte: Tortora (2016, p. 21). 43 ANATOMIA Saiba mais O livro a seguir oferece informações valiosas sobre anatomia seccional e a tecnologia clínica. Consulte-o: MARTINI, F. H.; TIMMONS, M. J.; TALLISTSCH, R. B. Anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009. 2.1.10 Anatomia de superfície A anatomia de superfície é a anatomia do indivíduo e limita a superfície do corpo humano. A experiência adquirida durante o estudo anatômico é aplicada aos métodos clássicos do exame clínico. Esse tipo de anatomia tem um papel de grande relevância nos cursos de investigação clínica. Seus métodos clássicos de investigação clínica abrangem: • Inspeção: eficaz para a percepção de mudanças patológicas externas que insinuem a patologia do paciente ou até aceitem um diagnóstico visual. • Palpação: percepção pelo tato e que consente a avaliação de alterações estruturais ou volumétricas, especialmente de órgãos internos, e da sensibilidade à dor de alguma região que indica processos patológicos. • Percussão: golpes leves e desferidos pelos dedos sobre a superfície do corpo provocam uma sonoridade na projeção dos órgãos internos. O som gerado difere, dependendo da consistência (conteúdo aéreo ou líquido) dos tecidos postos abaixo da pele e provê dados para a avaliação da posição e da projeção dos órgãos. • Ausculta: normalmente realizada com o auxílio de um estetoscópio, que permite a percepção de sons originados pela respiração e pelos batimentos cardíacos e os movimentos intestinais • Provas funcionais adicionais: executadas durante o exame do aparelho locomotor e do sistema nervoso. 2.2 Anatomia sistêmica e topográfica 2.2.1 Anatomia sistêmica Para os estudantes iniciantes no estudo da anatomia humana é justificável dar ideia da construção do corpo dos animais, adicionando a espécie humana, comparando-a a construção de um edifício. Em linhas gerais, seria a simples relação entre a anatomia e a arquitetura, saindo das unidades como as menores partes e chegando, por sua agregação progressiva ao todo, corpo e edifício concomitantemente. 44 Unidade I A comparação entre a construção de um animal e de um edifício inicia por suas unidades. As unidades de um edifício são os tijolos e as de um animal, no caso o ser humano, são as biológicas ou células microscópicas. Tijolos semelhantes são arranjados de maneira a formar uma parede e células semelhantes de maneira a formar um tecido. Cada tecido pode ser interpretado como um conjunto de células idênticas para exercer a mesma função geral. As paredes são arranjadas de maneira a compor uma sala ou um quarto e os tecidos são agrupados de maneira a compor um órgão. Cada órgão é interpretado como um instrumento de função, sendo diferenciado pela origem, sede (situação), forma, estrutura e por suas relações. Além disso, o corpo pode ser chamado de organismo e sua fábrica, constituídade órgãos, chamada de organização. Os quartos são compostos de maneira a formar um apartamento e os órgãos estão agrupados para estabelecer um sistema. Cada sistema é interpretado como um conjunto de órgãos que têm as mesmas origens e estrutura, cujas funções especiais são unidas para a atuação de funções complexas. Os apartamentos são adjacentes ou verticalmente superpostos para constituir um edifício e os sistemas estão agrupados de maneira a formar o organismo. Lembrete O estudo do organismo pode ser realizado por sistemas ou regiões. O organismo é, assim, interpretado como uma união de sistemas (orgânicos), podendo-se concluir, com as devidas notas, que a vida básica é a somatória das funções dos sistemas integrados. Por conseguinte, a anatomia sistêmica envolve o estudo indutivo macroscópico dos sistemas orgânicos analisados separadamente. Dessa forma, podemos enumerar os seguintes sistemas, do ponto de vista da anatomia sistêmica: o sistema esquelético, que compreende o estudo dos ossos, às cartilagens e as uniões entre os ossos às articulações; o sistema muscular, composto pelos músculos esqueléticos e cutâneos, tendões, aponeuroses, retináculo e fáscias musculares; o sistema cardiovascular, que abrange o coração, vasos sanguíneos, vasos linfáticos, baço, timo e linfonodos; o sistema respiratório, constituído pelos pulmões e as vias aéreas (faringe, laringe, traqueia e brônquios); o sistema digestório, representado pelo canal alimentar (boca, faringe, esôfago, intestino delgado, intestino grosso, reto e ânus) e órgãos anexos (glândulas da boca, dentes, língua, fígado, vesícula biliar e pâncreas); o sistema urinário que entre seus constituintes estão os rins, ureteres, bexiga urinária e uretra; o sistema genital composto pela genitália externa (pênis e escroto) e a genitália interna (testículos, epidídimo, ducto deferente, ducto ejaculatório, glândula seminal, glândulas bulbouretrais e próstata); o sistema genital feminino composto pela genitália externa (vulva ou pudendo) e a genitália interna (ovários, tubas uterinas, útero e vagina); o sistema nervoso cujos componentes são o encéfalo, medula espinal, nervos, gânglios e órgãos dos sentidos; o sistema tegumentar representado pelo tegumento (pele), os seus anexos (unhas, pelos e glândulas) e a 45 ANATOMIA tela subcutânea; os órgãos endócrinos, representados pelo conjunto de órgãos sem ductos, isto é, órgãos de secreção interna. Ureter Rim Bexiga urinária Tecido conectivo Tecido muscular liso Tecido muscular liso Célula muscular lisa Mitocôndrias Núcleo Molécula (DNA) Átomos Organismo Tecido conectivo EpitélioBexiga urinária Parede da bexiga urinária Uretra Sistema urinário Figura 32 – O estudo da anatomia em diferentes escalas Fonte: Vanputte et al. (2016, p. 5). Saiba mais O livro a seguir traz informações mais aprofundadas sobre os sistemas do corpo humano: TORTORA, G. J. Princípios de anatomia e fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2016. p. 4-7. Os aparelhos são formados por grupos de dois ou mais sistemas com funções semelhantes. Assim, temos: • aparelho osteoarticular: formado pelos sistemas esquelético e articular; • aparelho locomotor: constituído pelos sistemas esquelético, articular e muscular; 46 Unidade I • aparelho da nutrição: composto pelos sistemas respiratório, digestório e endócrino; • o aparelho urogenital: que compreende os sistemas urinário e genital masculino, o aparelho reprodutor formado pelos sistemas genital masculino, genital feminino e tegumentar; • aparelho neuroendócrino: constituído pelo sistema nervoso e os órgãos endócrinos; • aparelho cardiorrespiratório: constituído pelos sistemas cardiovascular e respiratório; • aparelho gastropulmonar: formado pelos sistemas digestório e respiratório; • aparelho mastigador: composto pelos músculos, língua e dentes; • aparelho lacrimal: compreende a glândula lacrimal, saco conjuntival palpebral, papila e os canalículos lacrimais, saco lacrimal e ducto nasolacrimal; • aparelho neurossensorial: formado pelo sistema nervoso e os órgãos dos sentidos. Observação Assim, vários aparelhos formam o organismo. O reprodutor é composto pelo sistema tegumentar, além dos sistemas genitais. O sistema tegumentar está envolvido com a reprodução, pois as mamas pertencentes a esse sistema, sendo que sua justificativa consiste na ejeção de leite materno, estimulado pela ação do hormônio ocitocina, fornecendo, assim, alimento para o bebê. 2.2.2 Anatomia topográfica A anatomia topográfica ou regional é o estudo das características anatômicas e das relações entre os diversos órgãos em cada região do organismo, como, por exemplo, as regiões do crânio e da pelve. Saiba mais O filme a seguir narra a história de uma viagem submarina através do organismo em direção ao cérebro para a realização de uma perigosa cirurgia. Para derrotar os seres destruidores, a equipe é miniaturizada antes de começar esta aventura fantástica. VIAGEM fantástica. Direção: Richard Fleischer. EUA: Twentieth Century Fox, 1966. 111 min. 47 ANATOMIA 2.3 Terminologia anatômica Ao estudar a anatomia, o aluno vai se defrontar com uma variedade de palavras novas, terminologias usadas para chamar as partes do organismo e dos órgãos. A terminologia anatômica, conforme ilustra a figura a seguir, é um documento oficial que deve ser cumprido com precisão pelos professores e alunos. Para facilitar a descrição anatômica, podemos usar abreviaturas. As seguintes estão entre as mais utilizadas em anatomia: • a.: artéria; • fasc.: fascículo; • lig.: ligamento; • m.: músculo; • n.: nervo; • r.: ramo; • v.: veia, • gl.: glândula; • aa.: artérias; • ligg.: ligamentos; • mm.: músculos; • nn.: nervos; • rr.: ramos; • vv.: veias. A terminologia anatômica é essencial para a saúde. Os termos são oriundos do latim ou do grego e são utilizados no mundo todo. 48 Unidade I Figura 33 – A importância de um vocabulário correto Fonte: Martini, Timmons e Tallistsch (2009, p. 47). 2.4 Conceito de normal e variações anatômicas A observação de um mesmo órgão em indivíduos distintos mostra que apesar de morfologicamente semelhantes eles não são rigorosamente idênticos. Os órgãos possuem pequenas distinções entre si. O ponto de vista considerado normal em anatomia é a situação morfológica mais comum. Os outros órgãos com características um pouco distintas do mais comum, mas que funcionam bem, se chamam variações anatômicas. Um mesmo órgão, em cada indivíduo possui formas virtuosamente distintas. É necessário, então, determinar qual desses aspectos é classificado normal. Para que uma característica anatômica seja classificada como uma variação é preciso levar em conta determinados fatores. Como exemplo, podemos citar a posição do coração, sendo que ele se encontra em sua maior parte à esquerda do plano mediano. Nesse caso, não há dano para a função. As variações anatômicas podem ser internas ou externas. As internas evidentemente são aquelas que acontecem em órgãos internos, como, por exemplo, as variações na posição e no contorno do estômago em relação ao tipo constitucional, conforme ilustra a figura a seguir. Já as variações anatômicas externas são observadas externamente, como, por exemplo, ao considerarmos dois indivíduos, um alto e outro baixo. Percebemos que funcionalmente um indivíduo de 1,60 metros de altura tem equilíbrio para andar da mesma maneira que um de 1,70 metors de altura. 49 ANATOMIA A) B) C) D) Figura 34 – Variações na posição e no contorno do estômago em relação ao tipo constitucional Fonte: Netter (2006, p. 275). A forma da tonicidade do estômago, por exemplo, se altera conforme a estrutura muscular de suas paredes. Os tipos são: • Estômago hipertônico: paredes musculares contraídas em tempo relativamente maior, portanto, a sua tonicidade é máxima. Ele é típico na maioria dos indivíduos obesos. • Estômago ortotônico: tonicidade normal, portanto, considerado dentro da normalidade.• Estômago hipotônico: tonicidade baixa, mas não ao extremo. • Estômago atônico: tonicidade das paredes quase nula, sendo que o estômago pode atingir até ao nível da pelve. Observação Além das variações anatômicas conhecidas como individuais, o organismo possui variações pertinentes a fatores gerais de variação anatômica, como, por exemplo, sexo, idade, raça e biótipo. 2.4.1 Fatores gerais de variação anatômica Os fatores gerais de variação anatômica são: Sexo O dimorfismo sexual é prontamente reconhecível, conforme ilustram as figuras a seguir. Além das características sexuais secundárias que se desenvolvem na puberdade, como, por exemplo, nas mulheres a presença de mamas desenvolvidas e pelo corporal escasso. Em contrapartida, nos homens existe o 50 Unidade I crescimento do pelo facial e os ombros sendo mais largos do que a pelve. Assim, sabemos que existem também as diferenças relacionadas ao fator sexo em órgãos não genitais. Figura 35 – Sexo masculino e feminino Fonte: Mourão Júnior e Abramov (2011, p. 6). Observação O popularmente conhecido “gogó”, cujo nome correto é proeminência laríngea, antes denominada de pomo de Adão (homem, em hebraico) e não de Eva (mulher, em hebraico) porque se acreditava que ele existisse apenas no homem (sinal de que a maçã ficou engasgada na garganta por conta do pecado original). Sabe-se hoje que a proeminência laríngea é mais comum no homem, mas há homens (principalmente os gordos) que não a têm e há mulheres (magras) que a possuem. Recorrendo à mitologia grega, Hermes era considerado o deus do atletismo e Afrodite a deusa do amor, do sexo e da beleza. De acordo com o mito, na Grécia teria nascido um menino extremamente bonito, Hermafrodito, cujo nome deriva da união de Hermes e Afrodite. O menino se transformou posteriormente em um ser andrógino por haver se unido à ninfa chamada de Salmácis, conforme ilustra a figura a seguir, representando a fusão dos dois sexos e aquele que não tem gênero definido. 51 ANATOMIA Figura 36 – Jean Gossaert, Hermafrodito e Salmacis, 1517, óleo sobre madeira, 32,8 cm x 21,5 cm Disponível em: https://bit.ly/3wAwhBQ. Acesso em: 15 jun. 2021. Exames feitos na corredora sul-africana Caster Semenya durante o Mundial de Berlim em 2009 confirmaram que a atleta é hermafrodita. A fundista não tem ovários e apresenta órgãos sexuais masculinos internos, que estariam produzindo uma grande quantidade de testosterona. Figura 37 – Caster Semenya Disponível em: https://bit.ly/3iQSl7b. Acesso em: 15 jun. 2021. 52 Unidade I Saiba mais A diversidade de gênero no esporte é um tema importantíssimo. O artigo a seguir trabalha o assunto de modo interessante: LAGUNA, M. Além de Tifanny, outros casos de diversidade de gênero no esporte. Veja on-line, São Paulo, 12 jan. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3gBI7G9. Acesso em: 11 de abr. 2019. Idade Observam-se alterações anatômicas com o avançar da idade, nos vários períodos ou fases da vida intrauterina e extrauterina. As fases de vida intrauterina são: ovo, embrião e feto; na extrauterina os períodos principais são os seguintes: recém-nascido e período neonatal, infância, meninice, pré-puberdade, puberdade, pós-puberdade, virilidade, velhice e senilidade. Em cada uma destas fases, o organismo possui aspectos próprios, como, por exemplo, a pele das crianças é mais fina do que a dos adultos. Portanto, sabemos que os idosos têm como características rugas faciais decorrentes do ressecamento geral da pele, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 38 – O envelhecimento da pele resulta em perda da elasticidade e aparecimento de rugas Fonte: Van de Graaff (2003, p. 127). 53 ANATOMIA Raça A raça (grupo étnico), em um sentido amplo, refere-se a um grupo de indivíduos que obedecem a uma divisão da espécie humana. Em sentido restrito, raça é um grupo de indivíduos que apresentam características particulares em comum devido a uma descendência. Portanto, abrangem os grandes grupos raciais (branco, negro e amarelo) e os seus graus de mestiçagem, responsáveis por diferenças morfológicas externas e internas. Os humanos são os únicos membros vivos da família dos hominídeos. O Homo sapiens está incluído dentro desta família, à qual pertencem todas as variedades ou grupos étnicos de humanos (conforme ilustra a figura a seguir). Assim, há diferenças raciais em órgãos em todos os sistemas, além das bem conhecidas características morfológicas externas que diferenciam cada grupo racial. Possuem algumas características anatômicas diferentes entre si e próprias de cada grupo racial, como, por exemplo, as cores da pele, dos cabelos e dos olhos, os tipos de cabelo e nariz. (A) (E) (B) (C) (F) (D) Figura 39 – Principais raças humanas: A) mongoloide (Tailândia), B) caucasoide (norte da Europa), C) negroide (África), D) povo do subcontinente indiano (Nepal), E) capoide (boximane do Kalahari) e F) australoide (homem de Ngatatjara, oeste da Austrália) Fonte: Van de Graaff (2003, p. 27). Frequentemente, estudos que usam populações são questionados quanto à homogeneidade de suas amostras em relação à raça e etnia. Esses questionamentos procedem, pois, a heterogeneidade amostral pode elevar a variabilidade dos resultados e mascará-los. Esses dois conceitos (raça e etnia) são confundidos inúmeras vezes, mas existem diferenças sutis entre ambos: raça engloba características fenotípicas, como, por exemplo, a cor da pele; etnia também compreende fatores culturais, como, por exemplo, a nacionalidade, a afiliação tribal, a religião, a língua e as tradições de um determinado grupo. Sobre a ampla utilização do termo “raça”, cresce entre os geneticistas a definição de que raça é um conceito social, muito mais que científico. 54 Unidade I Saiba mais Para saber mais sobre a diferença entre raça e etnia: SANTOS, S. J. R. et al. Raça versus etnia: diferenciar para melhor aplicar. Dental Press J. Orthod, [s.l.], v. 15, n. 3, maio/jun., 2010. Disponível em: https://bit.ly/3h7dhV9. Acesso em: 11 mar. 2019. Biótipo Essa característica refere-se ao tipo constitucional, que são subdivididos em dois tipos extremos constitucionais em que as diferenças anatômicas são mais óbvias: os longilíneos e brevilíneos. Os indivíduos longilíneos são altos, magros com pescoço longo e membros compridos em relação ao tronco. Já os brevilíneos são baixos, gordos com pescoço curto e membros curtos em relação ao tronco. Entre esses estão os indivíduos mediolíneos, que não devem ser chamados de normolíneos, porque são tão normais quanto os dois outros tipos. Evolução O ancestral da linhagem humana era seu primata das savanas que não andava bem ereto. Portanto, a posição bípede se tornou típica de nossos ancestrais e acabou sendo a responsável por uma série de características nossas mais essenciais. Além disso, entre os últimos 500 mil e 200 mil anos, nosso cérebro sofreu um crescimento considerável em volume. A estrutura do cérebro também vinha mudando e caracterizava-se por ter uma área motora e uma área da fala. Um cérebro maior parecia estar associado a uma crescente habilidade em utilizar as mãos e os braços e ao aparecimento de uma linguagem falada. Tais fatos conduziram esses indivíduos ao consumo cada vez maior de carne na alimentação. Então, é possível que com o decorrer do tempo os ácidos graxos encontrados na carne tenham requintado o cérebro e provavelmente seu funcionamento. É por isso que os humanos são englobados junto com os macacos em um mesmo grupo zoológico, que é a ordem dos primatas. Porém, é evidente que nem em tudo sejam semelhantes. Assim, a comparação dos humanos com os chimpanzés revela que aqueles: • São mais adaptados à vida terrestre. • O encéfalo é três vezes maior do que um chimpanzé. Certas regiões extremamente especializadas e certas estruturas no interior do encéfalo são responsáveis pelas emoções, pensamentos, raciocínio, memória e até mesmo precisa coordenação de movimentos. • As pernas sãomais longas e mais fortes do que os braços. 55 ANATOMIA • A região lombar da coluna ostenta uma curvatura que desloca o centro de equilíbrio para trás, dessa maneira a massa corporal é posta diretamente sobre a pelve e os membros inferiores. A coluna dos chimpanzés, ao contrário, é reta ou curvada uniformemente. • O ílio é largo, proporcionando uma grande área para a fixação dos músculos glúteos e dos demais músculos que os mantêm eretos. • Os fêmures acompanham a linha média do corpo, de maneira que os pés ficam diretamente sob o centro de gravidade, melhorando o equilíbrio na vertical. • Os dentes e maxilares são menos maciços. • Os olhos são dirigidos para adiante, de forma que quando focaliza um objeto ele é visto sob dois ângulos. A visão estereoscópica dá a percepção de profundidade ou imagem tridimensional. • O dedo polegar é estruturalmente adaptado para agarrar objetos com bastante versatilidade. A articulação selar da base do dedo polegar possibilita uma grande amplitude de movimentos, conforme ilustra a figura a seguir. Todos os primatas apresentam dedos polegares em oposição. Aye-aye (lêmur) Tarsier (lêmur) Gorila Humano Creek Figura 40 – O dedo polegar em oposição possibilita uma pega em pressão, característica dos primatas Fonte: Van de Graaff (2003, p. 26). Meio ambiente O meio ambiente em que se vive pode ser responsável, direta ou indiretamente, por diferenças morfológicas e, portanto, variações anatômicas, por meio do controle que pode gerar nos indivíduos. Essas alterações são claras quando se confrontam indivíduos que residem nas regiões equatorial, tropical e polar. 56 Unidade I Biorritmos Consiste no evento cíclico de atividades biológicas, ou seja, a alternância periódica de situações diversas em seres humanos e em outros animais. Um exemplo disso é a variação biológica circadiana circa (latim), cerca ou aproximadamente; dies, dia, é um ritmo periódico com um ciclo de cerca 24 horas, empregado à repetição rítmica de determinados fenômenos que acontecem em seres vivos aproximadamente no mesmo tempo cada dia, como, por exemplo, na glândula pineal de animais. Observação Em torno das 19 horas, quando a luminosidade natural do dia é reduzida, a retina envia uma mensagem para o hipotálamo de que escureceu. A mensagem chega ao ‘relógio biológico’, que fica na parte anterior do hipotálamo. Esse é o sinal para o relógio processar o botão de liga e desliga (apelidado de sleep switch, interruptor do sono, em inglês). O relógio comunica a glândula pineal para iniciar e liberar a produção do hormônio melatonina, que facilita o começo do sono. Como a produção demora cerca de duas horas para atingir a seu ápice, o melhor horário para ir para a cama é a partir das 21 horas ou 22 horas. O botão também ativa outros mecanismos relacionados ao acúmulo de cansaço, avisando que chegou o período de descansar O botão de liga e desliga do sono nada mais é do que um aglomerado de células chamadas sonogênicas, que se localizam na parte anterior do hipotálamo. Elas se conectam com outras células que estão na parte posterior do hipotálamo, cuja função é contrária, ou seja, a de manter o corpo desperto. Enviando uma mensagem química, elas avisam que é chegada a hora de dormir. Gravidade Gravitação é o fenômeno de atração entre corpos de grande massa. Os seres humanos estão subordinados a ela, ainda que seu controle passe, em geral, despercebido. A força da gravidade se cumpre pelo peso que o corpo deve suportar, como, por exemplo, quando o corpo está na posição vertical, ortostática ou ereta sobre as plantas dos pés; ou quando está deitado, em decúbito dorsal, sobre as regiões occipital, posterior do tórax, as nádegas, as regiões posteriores da coxa e poplítea, a parte posterior da perna e do calcanhar. A ausência de gravidade (weightlessness) que existe nos veículos espaciais produz em astronautas, como já foi comprovado após viagens espaciais, alterações na arquitetura óssea, que estão sujeitas da falta de estímulos. 57 ANATOMIA Esportes A prática de exercícios físicos gera variações anatômicas que são com facilidade observadas. Elas podem ser elucidadas nos tenistas e nos esgrimistas, que se valem de um só membro superior, nos quais é possível notar sua preferência pela hipertrofia dos músculos dessa extremidade superior, gerando uma maior e mais clara assimetria bilateral. Trabalho Os movimentos executados por trabalhadores, especialmente em profissões não sedentárias, são responsáveis devido a sua repetição, por alterações morfológicas, mais comumente localizadas do que generalizadas no organismo. 2.5 Anomalias Anomalia pode ser definida como qualquer modificação morfológica que causa danos funcionais ao indivíduo, mas compatível com a vida. A maioria das anomalias é congênita. Contudo, algumas são adquiridas por causa de patologias graves contraídas durante o desenvolvimento do indivíduo, ou devido ao tipo ou à natureza do trabalho desenvolvido. Como exemplo de anomalias, temos as do crânio, as craniossinostoses, que consistem no fechamento prematuro das suturas cranianas, entre elas a escafocefalia, caracterizada pelo fechamento prematuro da sutura sagital, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 41 – Escafocefalia, sinostose sagital isolada (aumento do diâmetro anteroposterior) Fonte: Trad e Rosique (2005, p. 378). Dentre as anomalias da face está a fissura labiopalatal ou lábio leporino, conforme ilustra a figura a seguir, que consiste na fissura do lábio superior semelhante ao de um coelho ou lebre. Já nas anomalias da coluna vertebral, se encontram a hipercifose, hiperlordose e a escoliose. 58 Unidade I Figura 42 – Fissura labiopalatal Fonte: Van de Graaff (2003, p. 42). Dentre as anomalias do tórax estão o tórax em funil, ou tórax de sapateiro, e o tórax em quilha, ou tipo peito de pombo, conforme ilustram as figuras a seguir, desenvolvido em pacientes portadores de asma. Figura 43 – Pectus excavatum simétrico agudo Fonte: Coelho e Guimarães (2007, p. 466). 59 ANATOMIA Figura 44 – Pectus carinatum superior Fonte: Coelho e Guimarães (2007, p. 466). Os membros superiores e inferiores são acometidos por anomalias como: • focomelia, que consiste no membro reduzido do segmento distal e implantado no tronco; • sindactilia, condição na qual dois ou mais dedos estão fusionados conforme ilustra a figura a seguir: Figura 45 – Sindactilia Fonte: Van de Graaff (2003, p. 189). 60 Unidade I • polidactilia, conforme ilustra a figura a seguir, ou seja, dedos extranumerários. Figura 46 – Polidactilia Fonte: Van de Graaff (2003, p. 189). • tálipe ou pé torto, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 47 – Tálipe Fonte: Van de Graaff (2003, p. 189). • anomalias no sistema nervoso, como a microcefalia, situação em que o cérebro permanece anormalmente pequeno. 61 ANATOMIA Observação A transmissão vertical do Zika vírus (da gestante para o bebê) ainda é uma hipótese, pois ainda não existem indícios científicos aceitáveis confirmando que ele pode ser transmitido da mãe para o feto. O vírus de fato já foi encontrado no líquido amniótico e no encéfalo de alguns fetos, sugerindo a microcefalia. Provavelmente, o vírus afeta o desenvolvimento do sistema nervoso central a partir da vesícula encefálica primordial conhecida como prosencéfalo, que posteriormente vão formar o telencéfalo e o diencéfalo, regiões do cérebro. Por fim, as anomalias do aparelho reprodutor estão relacionadas aos indivíduos hermafroditas, é a polimastia, ou seja, mamas extranumerárias e a presença de pênis duplo, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 48 – Pênis duplo Fonte: Abouzeid et al. (2015, p. 83). Saiba mais Para saber mais sobre os diferentes tipos de anomalias congênitas: COELHO, M. S.; GUIMARÃES, P. S. F. Pectus carinatum. Jornal Brasileiro de Pneumologia, Brasília, v. 33, n. 4, p. 463-74, 2007. Disponível em: https://bit.ly/3q6BmiZ. Acesso em: 11 mar. 2019. COELHO,M. S.; GUIMARÃES, P. S. F. Pectus excavatum: abordagem terapêutica. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, Rio de Janeiro, v. 34, n. 6, p. 412-427, 2007. Disponível em: https://bit.ly/3qkqFJT. Acesso em: 11 mar. 2019. 62 Unidade I SILVEIRA, A. R. J. et al. Talidomida: um fantasma do passado: esperança do futuro. Revista Virtual de Iniciação Acadêmica da UFPA, Belém, v. 1, n. 2, p. 1-15, 2001. Disponível em: https://bit.ly/2UcGPZz. Acesso em: 11 mar. 2019. SOCIEDADE BRASILEIRA DE INFECTOLOGIA. Microcefalia e zika vírus: tudo sobre o caso que colocou o Brasil em alerta. Boletim da SBI, São Paulo, n. 52, p. 3-5, 2015. TRAD, C. S.; ROSIQUE, R. G. Craniossinostoses primárias: ensaio iconográfico. Revista de Radiologia Brasileira, São Paulo, v. 38, n. 5, p. 377-380, 2005. Disponível em: https://bit.ly/3iNGBT3. Acesso em: 11 mar. 2019. 2.6 Monstruosidade Monstruosidade é uma modificação morfológica muito ampla, a ponto de causar intensas perturbações na construção corpórea do indivíduo, sendo em geral incompatível com a vida. Além de doenças e hábitos deletérios, como o tabagismo e o alcoolismo, que atingem a gestação e os fetos, a própria medicina pode originar anomalias e monstruosidades. Exemplo típico de iatrogênese, ou seja, monstruosidade gerada por agentes terapêuticos, é o da talidomida. No final da década de 1950 e no início da de 1960, na Europa ela era receitada para aliviar as náuseas matutinas de mulheres gestantes, especialmente as primigestas, a talidomida. Hoje a talidomida é utilizada com sucesso para aliviar fortes dores agregadas a reações de lepra aguda. No entanto, a talidomida não deve ser utilizada quando a gestação estiver em curso ou for planejada. Com o progresso atual da medicina, em especial das técnicas cirúrgicas, alguns tipos de deformações graves podem ser corrigidos cirurgicamente, com sobrevida do indivíduo, como, no caso dos xifópagos (gêmeos conectados pelo abdome, os irmãos siameses), conforme ilustra a figura a seguir. Figura 49 – Xifópagos Fonte: Freitas (2004, p. 71). 63 ANATOMIA Um outro exemplo de monstruosidade é a anencefalia (ausência de cérebro), conforme ilustra a figura a seguir, e o ciclope. Figura 50 – Anencefalia Fonte: Pereira-Mata (2018, p. 134). Saiba mais Para saber mais sobre o assunto: VIANA, R. C. Ciclopia: monstruosidade representada na literatura mitológica, escultura e música clássica. Medicineisart, Brasília, nov. 2010. Disponível em: https://bit.ly/3gF0Il2. Acesso em: 11 mar.de 2019. E para saber mais sobre a experiência intrigante de um médico ao realizar uma cirurgia de grande risco de separação de gêmeos siameses, veja: MÃOS talentosas (a história de Benjamin Carson). Direção: Thomas Carter. EUA: Johnson & Johnson Spotlight Presentations, 2009. 90 min. 2.7 Divisão do organismo humano O organismo humano divide-se em cabeça, pescoço, tronco e membros, conforme ilustra a figura a seguir. A cabeça corresponde à extremidade superior do corpo e encontra-se unida ao tronco por uma parte estreitada, o pescoço. No pescoço encontram-se órgãos como a laringe, a glândula tireoide, as glândulas paratireoides, parte da traqueia e o esôfago. O tronco abrange o tórax e o abdome com as referentes cavidades torácica e abdominal separadas entre si pelo diafragma. A região do corpo entre o pescoço e o abdome é habitualmente reconhecida 64 Unidade I como tórax. O abdome se encontra abaixo do tórax. Centralizado na frente do abdome, o umbigo é um evidente ponto de reparo. A cavidade abdominal estende-se inferiormente na cavidade pélvica. Dos membros, dois são superiores e dois inferiores. Cada um tem uma raiz, pela qual está unida ao tronco e uma parte livre. Na transição entre o braço e o antebraço há o cotovelo; entre o antebraço e a mão, o punho; entre a coxa e a perna, o joelho; entre a perna e o pé, o tornozelo. Membros superiores Pescoço Cabeça Braço Mão Antebraço Abdome Tronco Tórax Membros inferiores Coxa Perna Pé Figura 51 – Segmentos do organismo Fonte: Lippert (2013, p. 5). 2.8 Posição anatômica Nessa posição, o indivíduo é observado de pé e ereto, com os membros superiores caídos naturalmente, próximos ao corpo, de cada lado do tronco. O olhar fixo é voltado horizontalmente para frente, assim como as palmas das mãos com os dedos justapostos. Os membros inferiores igualmente 65 ANATOMIA aos superiores permanecem unidos, com os pés paralelos, e as pontas dos dedos do pé também voltados para frente, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 52 – Posição anatômica Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 5). 2.9 Planos de delimitação do organismo humano Na posição anatômica o organismo humano pode ser delimitado por planos tangentes à sua superfície, os quais, com suas intersecções, geram a constituição de um sólido geométrico, um paralelepípedo, conforme ilustra a figura a seguir. Apresenta-se, assim, para as faces desse sólido, os que se seguem planos correspondentes, sendo eles dois planos verticais, um tangente ao ventre, plano ventral ou anterior; e outro ao dorso, plano dorsal ou posterior. Esses e outros paralelos a eles também são denominados como planos frontais, por serem paralelos à fronte. A denominação ventral e a denominação dorsal são destinadas ao tronco, enquanto a anterior e a posterior aos membros. Os dois planos verticais tangentes aos lados do corpo são chamados de planos laterais direito e esquerdo. Os dois planos horizontais, um tangente à cabeça, é chamado de plano cranial ou superior; e o outro à 66 Unidade I planta dos pés é chamado plano podálico (podos, pé) ou, ainda, inferior. O tronco separado é limitado inferiormente pelo plano que incide pelo vértice do cóccix, ou seja, o osso que no homem é o vestígio da cauda de outros animais. Por essa razão, é chamado caudal. Os planos auxiliam na referência para a utilização de termos de posição e direção, ao localizar os órgãos e denominar suas partes. Figura 53 – Planos de delimitação do organismo humano Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 6-7). 2.10 Planos de secção do organismo humano O plano que separa o organismo humano em metades direita e esquerda é chamado de plano mediano, conforme ilustra a figura a seguir. Todo corte do corpo produzido por planos paralelos ao plano mediano é uma secção sagital, ou seja, corte sagital, e os planos de secção são também chamados de sagitais. O nome resulta do fato de que o plano mediano incide pela sagitta (do latim seta) do crânio fetal. 67 ANATOMIA Figura 54 – Plano mediano Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 6-7). Os planos de cortes que são paralelos aos planos ventral e dorsal são chamados frontais. Os frontais, conforme ilustra a figura a seguir, são planos verticais que incidem também da cabeça aos pés, porém, que estão em ângulos retos com o plano sagital. Mesmo que somente um deles incida perto pela sutura coronal do crânio, eles admitem também a designação de planos coronais. Todo corte é também chamado frontal ou secção frontal. Figura 55 – Plano coronal Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 6). 68 Unidade I Os planos transversais ou horizontais, conforme ilustra a figura a seguir, também são planos de cortes que incidem transversalmente no organismo humano em ângulos retos, com ambos os planos sagital e frontal. O corte é chamado de transversal ou secção transversal. Figura 56 – Plano transversal Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 7). Lembrete Para a descrição da posição anatômica e a situação dos órgãos, é necessário imaginar o organismo sempre em uma mesma posição (a anatômica) e utilizar os planos de delimitação e secção. Para se sustentar equilibrado, o organismo humano também assume determinadas posições com relação aos planos anatômicos, são elas: • Ereto: posição em pé, na vertical. • Supino: posição em decúbito dorsal, ou seja, a região das costas para baixo e face para cima. • Decúbito ventral: posição contrária ao supino, ou seja, a região do abdome e face parabaixo. • Decúbito lateral: posição deitado lateralmente sobre o lado esquerdo ou direito. 69 ANATOMIA Saiba mais O texto a seguir traz um conteúdo muito importante sobre o viés da história, arte e literatura: WILLIAMS, H. A. Anatomias: uma história cultural do corpo humano. Rio de Janeiro: Record, 2016. 2.11 Termos de posição e direção Os termos de posição e direção são utilizados para encontrar as estruturas e as regiões do organismo humano, concernentes à posição anatômica. O termo proximal é a região dos membros mais próxima à raiz do membro, como, por exemplo, o joelho é proximal ao pé, enquanto o termo distal é a região dos membros mais distante da origem, por exemplo, a mão é distal ao cotovelo. O termo anterior é aquele que está à frente de uma região ou estrutura do organismo humano, como, por exemplo, o umbigo está no lado anterior do corpo. Já o termo posterior refere-se ao dorso de uma região ou estrutura do organismo humano, como, por exemplo, os rins são órgãos posteriores em relação aos intestinos. O termo superior é a região ou estrutura próxima, ou em direção à cabeça, como, por exemplo, o tórax é superior ao abdome. Já o termo inferior é a região ou estrutura do organismo humano localizado próximo ou em direção aos pés, como, por exemplo, as pernas são inferiores ao tronco. O termo medial é a região do organismo humano ou estrutura mais próxima ao plano mediano, como, por exemplo, o coração é medial em relação aos pulmões. O termo lateral é a região ou estrutura do organismo humano mais afastado do plano mediano, como, por exemplo, as orelhas são laterais ao nariz. Os termos interno e externo são utilizados para descrever a distância relativa de uma estrutura do centro de um órgão ou de uma cavidade, como, por exemplo, a artéria carótida interna é situada dentro da cavidade do crânio e a artéria carótida externa é situada fora da cavidade do crânio. O termo ipsilateral refere-se ao mesmo lado do corpo, como, por exemplo, a mão e o pé esquerdos são ipsilaterais. O termo contralateral refere-se aos lados opostos do corpo, como, por exemplo, os músculos bíceps do braço esquerdo e reto femoral da coxa direita são contralaterais. O termo superficial é usado para a estrutura localizada mais próxima à superfície corpórea, como, por exemplo, a pele é superficial em relação aos ossos. O termo profundo é usado para a estrutura localizada internamente ao corpo, longe da superfície, como, por exemplo, o músculo masseter é profundo em relação à pele. 70 Unidade I O termo mediano refere-se à estrutura que coincide com o plano mediano, por exemplo, o nariz. Veja alguns exemplos de utilização dos termos de posição e direção ilustrados nas figuras a seguir: A B C Figura 57 – Termos de posição e direção Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 7). Figura 58 – Termos de posição e direção Fonte: Dângelo e Fatinni (2000, p. 7). • As linhas azuis nas figuras representam o plano mediano. • A estrutura representada em vermelho na primeira figura é considerada mediana, pois coincide com o plano mediano. 71 ANATOMIA • A estrutura representada pela letra A na primeira figura é considerada anterior, pois está mais próxima ao ventre. • A estrutura representada pela letra C na primeira figura é considerada posterior, pois está mais próxima ao dorso. • A estrutura representada pela letra B na primeira figura é considerada intermédia, pois está situada entre as duas anteriores. • A estrutura representada em amarelo na segunda figura é considerada medial, pois está mais próxima ao plano mediano. • A estrutura representada em vermelho na segunda figura é considerada lateral, pois está mais distante ao plano mediano. • A estrutura representada em rosa na segunda figura é considerada intermédia, pois está situada entre as duas anteriores. 2.12 Cavidades corporais As cavidades corporais são espaços internos do corpo que alojam os órgãos ou as vísceras. No organismo humano há cinco cavidades: • A cavidade do crânio situa-se no interior do crânio e abrange o encéfalo. Já o canal vertebral começa na base da cavidade do crânio e aloja a medula espinal. Essas duas cavidades constituem um espaço único contínuo. • A cavidade torácica localiza-se no tórax, acima do diafragma, com o mediastino limitando-a em lados direito e esquerdo. A cavidade torácica aloja o coração, vasos de sangue, esôfago, timo, traqueia, brônquios e pulmões. • A cavidade abdominal começa logo após a cavidade torácica, na parte superior do abdome. Na cavidade abdominal encontram-se o estômago, a maior parte do intestino, o fígado, a vesícula biliar, o baço, o pâncreas e os rins. • A cavidade pélvica envolve o interior da pelve. Está situada na parte inferior do abdome e aloja parte do intestino, da bexiga urinária, da uretra e dos órgãos genitais internos. • Além das grandes cavidades corporais fechadas do organismo, temos outras cavidades corporais menores. A maioria está na localizada cabeça e se abre para o exterior do organismo. São elas: — Cavidade oral e digestória: habitualmente chamada de boca, abrange órgãos anexos da mastigação, como, por exemplo, os dentes e a língua. Ela é contínua com parte da cavidade dos órgãos que forma o canal alimentar, a qual se abre para o exterior no ânus. 72 Unidade I — Cavidade nasal: situada dentro e posteriormente ao nariz. A cavidade nasal forma parte das vias áreas superiores do sistema respiratório. — Cavidades orbitais no crânio: abrigam os olhos e os apresentam em uma situação anterior. — Cavidades da orelha média: situadas no crânio e medialmente ao tímpano. Abrangem ossículos que conduzem vibrações sonoras para os receptores auditivos nas orelhas internas. — Cavidades sinoviais: cavidades articulares que apresentam um líquido lubrificante que diminui o atrito quando os ossos se movimentam uns sobre os outros. Cavidade torácica Cavidade ventral Cavidade abdominopélvica Canal vertebral Cavidade dorsal Cavidade do crânio Figura 59 – As cavidades corporais Fonte: Springhouse Corporation (2013, p. 1). 2.13 Princípios gerais de construção do organismo humano 2.13.1 Antimeria O plano mediano divide o organismo humano em duas partes semelhantes, uma direita e esquerda. Essas partes são chamadas antímeros, que são semelhantes morfológica e funcionalmente, por isso o organismo humano é arquitetado conforme o princípio de simetria bilateral. Dessa forma, por exemplo, as hemifaces de um mesmo indivíduo não são iguais, conforme ilustra a figura a seguir. As linhas que incidem pelas fendas palpebrais, bem como pelas comissuras labiais, não são horizontais, mas sim oblíquas. Além disso, a linha mediana da face não é retilínea, mas convexa para um lado ou para outro. 73 ANATOMIA Associando-se esses três elementos, observa-se que comumente a linha mediana da face é convexa para a direita e coincide com um eixo ocular oblíquo para cima e para a direita, e com um eixo bucal oblíquo para baixo e para a direita. Tudo isso sugere um maior desenvolvimento da metade direita da face. O pavilhão da orelha é, comumente, maior e mais alto à esquerda. Figura 60 – Assimetria da face Fonte: Freitas (2004, p. 54). Além disso, existem diversas diferenças morfológicas externas nos indivíduos, como, por exemplo, no tamanho das mamas e na altura dos testículos. Internamente, as diferenças são mais claras, como é o caso do coração, que se apresenta mais reposicionado para a esquerda, o que se chama de situação levocárdica. Por outro lado, pode-se citar a posição, como se observa nos rins, sendo o direito rotineiramente mais baixo do que o esquerdo, devido ao fígado que preenche quase completamente do lado direito, enquanto o baço está posto à esquerda da linha mediana. Porém, os pulmões apresentam só assimetria quanto à forma e não em relação à posição. 2.13.2 Metameria Satisfaz a superposição longitudinal de segmentos semelhantes, referidos metâmeros. No adulto, os exemplos clássicos de metameria são:a coluna vertebral, conforme ilustra a figura a seguir, em que existe a superposição de vértebras e a cavidade torácica, em que as costelas estão superpostas longitudinalmente, permanecendo entre elas os espaços intercostais. 74 Unidade I Cervical Torácica Lombar Sacral Coccígea Figura 61 – Coluna vertebral Fonte: Martini, Timmons e Tallistsch (2009, p. 160). 2.13.3 Paquimeria É o princípio pelo qual o segmento do organismo do indivíduo representado pela cabeça, pescoço e tronco são compostos esquematicamente por dois tubos, chamados de paquímeros. Existem os paquímeros anterior ou ventral e o posterior ou dorsal. 2.13.4 Segmentação O princípio da segmentação ou da estrutura segmentar na construção do organismo humano é verificado no tipo de subdivisão dos órgãos de acordo com a distribuição dos seus vasos sanguíneos e linfáticos, nervos e, quando existir ductos, canais ou tubos relacionados com sua função, como, por exemplo, brônquios, ductos bilíferos e vias urinárias. Figura 62 – Segmentos anátomo-cirúrgicos do fígado Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 885). Em anatomia e cirurgia o conhecimento da segmentação possibilita retirar apenas a parte lesada ou patológica de um órgão. Por exemplo, o fígado pode ser considerado como a soma de 75 ANATOMIA oito segmentos anátomo-cirúrgicos que representam oito pequenos fígados. Em caso de processo patológico localizado no fígado, no qual seja recomendada uma biópsia, essa poderá ser realizada no segmento portal correspondente. 2.13.5 Estratimeria ou estratificação É o princípio segundo o qual o organismo humano é construído por camadas ou estratos que se superpõem. Por exemplo, a pele, na qual se caracteriza a camada superficial, a epiderme e a camada profunda, a derme – ou também a tela subcutânea, com suas três camadas fundamentais, procedendo a seguir a fáscia muscular, músculos e ossos. Lembrete O organismo humano é estruturado conforme determinados princípios que chamamos de planos gerais de construção. A estratificação acontece também em órgãos ocos, como, por exemplo, no intestino. As paredes desses órgãos são formadas por camadas superpostas. No coração, o pericárdio é a camada externa, o miocárdio a média e o endocárdio a camada que forra internamente o coração. Por fim, no sistema nervoso central podemos citar a disposição das meninges e os seus respectivos espaços. Assim, teremos na sequência, a partir o tecido ósseo até o tecido nervoso: ossos, espaço epidural, dura-máter, espaço subdural, aracnoide-máter, espaço subaracnóideo, pia-máter e tecido nervoso, conforme ilustra a figura a seguir. Crânio Dura-máter Espaço subaracnóideo Aracnoide-máter Córtex cerebral recoberto por pia-máter Escalpo Aponeurose epicrânica Tecido conectivo frouxo e periósteo do crânio Figura 63 – Encéfalo e meninges Fonte: Martini, Timmons e Tallistsch (2009, p. 393). 76 Unidade I Saiba mais Os textos a seguir falam sobre como eram os laboratórios de anatomia e as farmácias medievais, as pesquisas de decomposição do século XIX e os laboratórios de cirurgia plástica. Consulte-os: ROACH, M. Curiosidade mórbida: a ciência e a vida secreta dos cadáveres. São Paulo: Paralela, 2015. E para saber o que permitiu ao homo sapiens subjugar as demais espécies e o que o torna capaz das mais belas obras de arte, dos avanços científicos mais impensáveis e, infelizmente, das mais horripilantes guerras, leia: HARARI, Y. N. Sapiens: uma breve história da humanidade. 30. ed. Porto Alegre: L&PM, 2017. 3 GENERALIDADES DO ESQUELETO E DOS OSSOS Embora o corpo humano seja o resultado da interpretação de todos os sistemas, existem alguns deles que, devido a relações mais íntimas no desenvolvimento (embriologia), na situação (topografia), na função (fisiologia), e à fatores didáticos, podem ser considerados ou concentrados, caso no qual recebem o nome de aparelho. Podemos listar vários sistemas do ponto de vista da anatomia sistêmica, como o aparelho osteoarticular, formado pelos sistemas esquelético e articular, e o aparelho locomotor, composto por três sistemas: o esquelético, o articular e o muscular. No aparelho locomotor, o sistema esquelético inclui os ossos, os quais dão fixação aos músculos, delimitam cavidades para a proteção dos órgãos nelas contidas, formam alavancas, servem como órgãos passivos de movimento e como hematocitopoeiticos. Durante o Renascimento, Leonardo da Vinci despontou como um dos maiores artistas de todos os tempos, muito conhecido ainda hoje por suas descrições artísticas do corpo humano. Ele dissecou centenas de corpos para que pudesse adquirir uma compreensão da musculatura e da forma do corpo humano. Podem-se notar o conhecimento e a valorização expressos em seu trabalho artístico. A figura a seguir mostra que desde os tempos antigos até os dias hoje a apreciação da beleza da forma humana em movimento sempre seduziu a atenção de artistas, cientistas, profissionais da saúde e atletas. Essa investigação sobre o movimento humano evoluiu de pura arte para um conjunto de arte e ciência que combinava teorias e princípios procedentes da anatomia, fisiologia, antropologia, física, mecânica e biomecânica. No estudo da anatomia do aparelho locomotor o foco central está nos músculos e nos ossos aos quais eles se prendem. Os ossos também se conectam uns aos outros, formando as articulações. 77 ANATOMIA Assim, as três principais estruturas nas quais devemos nos ater à anatomia do aparelho locomotor são os ossos, as articulações e os músculos. Figura 64 – A plástica na ginástica artística Fonte: Houglum (2014, p. 4). O esqueleto é o arcabouço resistente no qual o organismo humano está construído, conforme ilustram as figuras a seguir, respectivamente. Muito similar à armação de um edifício, o esqueleto deve ser forte o suficiente para sustentar e proteger todas as estruturas anatômicas do corpo humano. A estrutura esquelética ordena a forma e tamanho do corpo e pode ser influenciada pela nutrição, nível de exercícios físicos e hábitos posturais. Figura 65 – Esqueleto humano, em vistas anterior e posterior, respectivamente Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 4). 78 Unidade I No esqueleto imaturo em desenvolvimento, conforme ilustra a figura a seguir, a interferência do apoio de peso e forças musculares tem uma ação mais considerável na constituição do tamanho e no formato dos ossos do que as mesmas forças aplicadas sobre um esqueleto maduro. Por esse motivo, é relevante dar valor extremo aos tipos de exercícios físicos e hábitos posturais de um pré-adolescente. Figura 66 – Esqueleto imaturo Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 10). Observação Um exemplo clássico de alteração no esqueleto imaturo é a presença de escoliose idiopática, uma curvatura lateral da coluna vertebral, existente em aproximadamente 15% a 20% das meninas entre 10 e 12 anos de idade. Há indícios de que essa modificação se dá porque as mulheres mais novas passam muito tempo mantendo a massa corporal sobre os saltos finos. Ou por conta da postura que compreende joelhos hiperestendidos e lordose. É simples supor sobre prováveis causas, porém, ainda não há temas científicos cruciais. É sabido que o sistema esquelético é flexível, podendo ser modelado e formado por meio da atividade. O esqueleto humano representa 20% da massa corpórea, ou seja, 14 quilos em um indivíduo de 70 quilos. O sistema esquelético desempenha um papel principal e vários papéis secundários para cooperar com outros sistemas em papéis substanciais. 79 ANATOMIA Os ossos são formados por diversos tecidos que agem em conjunto, como, por exemplo, o tecido ósseo, a cartilagem, o tecido conjuntivo denso, o epitélio, o tecido adiposo e o tecido nervoso. Por essa razão, cada osso do corpo é considerado um órgão. Portanto, o tecido ósseo é um tecido vivo, complexo e dinâmico, participando, assim, de forma contínua em um processo chamado remodelação, ou seja, a formação de novo tecido ósseo e a degeneraçãodo tecido ósseo antigo. Toda a estrutura dos ossos e suas cartilagens, juntamente com os ligamentos e os tendões, compõem o sistema esquelético. A seguir serão examinados os vários elementos dos ossos a fim de auxiliá-lo a compreender como eles se constituem e envelhecem, além disso será estudado como o exercício físico afeta a densidade e a resistência óssea. Observação O estudo da estrutura óssea e o tratamento dos distúrbios ósseos é chamado osteologia. 3.1 Os principais papéis do esqueleto e dos ossos Como visto anteriormente, o esqueleto fornece as alavancas e os eixos de rotação sobre os quais o sistema muscular realiza os movimentos. Assim, uma alavanca consiste em uma máquina simples que eleva a força ou a velocidade de movimento. Pode-se dizer que as alavancas são inicialmente os ossos longos do corpo humano e os eixos são as articulações nas quais os ossos se deparam, conforme ilustra a figura a seguir. Figura 67 – Sistema de alavancas Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 302). Um segundo papel relevante do esqueleto é servir de arcabouço e suporte para as partes moles do corpo humano. Os ossos dos membros inferiores, da pelve e da coluna vertebral suportam o corpo humano, utilizados para a manutenção da postura ereta. Quase todos os ossos provêm suporte para os músculos e apoio para os dentes. 80 Unidade I Existem ainda outros papéis adicionais não associados exclusivamente com o movimento humano. Tecidos e órgãos vulneráveis são comumente protegidos por elementos do esqueleto. As costelas, por exemplo, protegem o coração e os pulmões, conforme ilustram as figuras a seguir, o crânio aloja o encéfalo, as vértebras fornecem abrigo para a medula espinal e a pelve óssea acomoda órgãos digestórios e genitais. Figura 68 – As costelas protegem o coração e os pulmões (vistas anterior e posterior) Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 36). O osso é um depósito para minerais, especialmente, de cálcio e fósforo. O cálcio é o mineral mais farto no corpo humano. Um indivíduo apresenta aproximadamente de 1 a 2 quilos de cálcio, dos quais mais de 98% estão armazenados nos ossos e nos dentes. Os minerais armazenados são liberados na circulação sanguínea quando há necessidade de distribuição a todas as partes do corpo humano. Ele é essencial para a contração muscular, para a coagulação do sangue e para a movimentação de íons por meio da membrana celular. Já o fósforo é essencial para as funções dos ácidos nucleicos DNA e RNA. Na hipótese dos minerais não se encontrarem na alimentação em quantidades satisfatórias, eles podem ser retirados dos ossos até serem compensados pela própria alimentação. Na realidade, depósitos e retiradas de minerais para os ossos e a partir deles acontecem quase incessantemente. 81 ANATOMIA Lembrete DNA (ácido desoxirribonucleico) é uma molécula presente no núcleo das células de quase todos os seres vivos e que carrega toda a informação genética de um organismo. RNA (ácido ribonucleico) é o responsável por sintetizar as proteínas. Se todo o mineral fosse extraído de um osso longo, o colágeno se tornaria o principal constituinte e o osso ficaria excessivamente flexível. Contudo, se o colágeno é retirado do osso, os componentes minerais se tornariam o constituinte principal e o osso ficaria muito quebradiço, conforme ilustra a figura 69. O colágeno é uma proteína de relevância essencial na composição da matriz extracelular do tecido conjuntivo, sendo responsável por grande parte de suas propriedades físicas. A) B) Sem minerais C) Sem colágeno Figura 69 – A) Osso normal; B) osso desmineralizado, no qual o colágeno é o principal componente, pode ser dobrado sem quebrar; C) quando o colágeno é extraído, os minerais são o principal componente restante, tornando o osso tão quebradiço que é facilmente destruído Fonte: Vanputte (2016, p. 165). Podemos descrever os ossos como órgãos hematocitopoiético, ou seja, eles realizam a produção de células sanguíneas por meio da medula óssea vermelha, conforme ilustram as figuras a seguir. Estima-se que uma média de 2 milhões e meio de células sanguíneas vermelhas é produzida a cada segundo pela medula óssea vermelha para suprir aquelas que são excluídas e degradadas pelo fígado. Em uma criança, o baço e o fígado também produzem células sanguíneas. Com o passar do tempo, a maior parte da medula óssea vermelha transforma-se em medula óssea amarela, de maneira que no adulto encontra-se medula óssea vermelha apenas em alguns ossos, como, por exemplo, no esterno. Já a medula óssea amarela é formada basicamente de células adiposas, que armazenam triglicerídeos. Os triglicerídeos armazenados são reservas potenciais de energia química. 82 Unidade I Pontos ósseos palpados facilmente através da pele Distribuição da medula óssea vermelha Figura 70 – Vista anterior Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 6). Pontos ósseos palpados facilmente através da pele Distribuição da medula óssea vermelha Figura 71 – Vista posterior Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 7). Por fim, existem os osteoblastos, as células responsáveis pela síntese dos componentes orgânicos da matriz óssea, como, por exemplo, o colágeno, proteoglicanos e glicoproteínas. Essas células ósseas também estão envolvidas no metabolismo, pois secretam osteocalcina, um hormônio que influencia na regulação de glicemia. 83 ANATOMIA 3.2 Arquitetura óssea Como descrito anteriormente, os ossos são peças duras e calcificadas, em número, coloração e formas variáveis. Apresentam matéria orgânica (um terço) e matéria inorgânica (dois terços). A matéria orgânica atribui elasticidade aos ossos, enquanto a matéria inorgânica atribui à rigidez e a força. Observação Calcula-se que se for empregada vagarosamente uma carga sobre um crânio humano, ele é capaz de suportar 3 toneladas antes dele se quebrar. As extremidades de um osso longo são chamadas de epífises, enquanto a parte média é chamada de diáfise. Durante o crescimento ósseo, as epífises são compostas por um material cartilagíneo chamado placa de crescimento. Macroscopicamente, os ossos têm dois tipos diferentes de substâncias ósseas, a esponjosa e a compacta. Os dois podem aparecer de maneira simultânea, porém, em quantidades variadas em um mesmo osso, conforme ilustram as figuras a seguir. Substância esponjosa Substância compacta Cavidade medular Figura 72 – Corte longitudinal da extremidade proximal de uma tíbia e da diáfise de um fêmur, mostrando respectivamente as substâncias ósseas e a cavidade medular Como visto na figura anterior, a substância óssea esponjosa é mais leve, o que diminui a massa total de um osso, de modo que o osso se mova com maior simplicidade quando tracionado pelo músculo esquelético. Ela é porosa e se situa na parte interna dos ossos, constituindo as trabéculas ósseas (do latim, “pequenos feixes”). As trabéculas ósseas suportam e protegem a medula óssea vermelha. Além disso, a presença da substância óssea esponjosa diminui a massa do esqueleto e colabora com a mobilidade dos ossos pelos músculos esqueléticos. A substância óssea esponjosa é encontrada em grandes quantidades nas epífises dos ossos longos e nos ossos curtos, sendo recobertas por uma fina camada de substância óssea compacta. A substância óssea compacta se caracteriza por ter um revestimento externo denso e rígido. Ela sempre reveste completamente todo osso e tende a variar de espessura. Assim, a substância óssea compacta predomina na diáfise dos ossos longos. Além disso, ela envolve uma cavidade chamada de 84 Unidade I cavidade medular, que contém a medula óssea, vermelha ou rubra e amarela ou flava, conforme ilustra a figura a seguir. Medula óssea vermelha Medula óssea amarela Medula óssea vermelha Figura 73 – Medula óssea Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 7). O osso esponjoso localiza-se profundamente no periósteo, compondo uma fina substância compacta, o córtex, que continua para o interior do osso como substância esponjosa,composta de trabéculas ósseas. Saiba mais Sobre o tema do transplante de medula, recomendamos que você assista ao filme a seguir: UMA PROVA de amor. Direção: Nick Cassavetes. EUA: Curmudgeon Films, 2009. 109 min. Para saber mais sobre a estrutura dos ossos nos níveis macroscópicos e microscópicos e a importância da formação óssea durante as diferentes fases da vida de uma pessoa, leia: TORTORA, G. J.; GRABOWSKI, S. R. Corpo humano: fundamentos de anatomia e fisiologia. 10. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 117-125. 85 ANATOMIA 3.3 O periósteo e o endósteo A superfície externa de um osso é comumente revestida pelo periósteo, conforme ilustra a figura a seguir, exceto as superfícies articulares que são recobertas por cartilagem do tipo hialina. Ele isola e protege o osso dos tecidos vizinhos; provê uma via e um local de união para o suprimento cardiovascular e nervoso; e participa ativamente no crescimento ósseo em diâmetro e na reparação de fraturas. No entanto, o periósteo não reveste os ossos sesamoides. No interior do osso, o endósteo celular reveste a cavidade medular, conforme ilustra a figura seguinte. O endósteo está em atividade durante o crescimento e sempre que a reparação e o remodelamento da arquitetura óssea estiverem acontecendo. Epífise proximal Osso esponjoso Osso compacto Forame nutrício Vasos nutrientes Cavidade medular Fibras perfurantes Periósteo Endósteo Linha epifisial Epífise distal Cartilagem articular Diáfise Figura 74 – Osso longo com periósteo rebatido Fonte: Larosa (2016, p. 34). Junto com o periósteo e a medula óssea, o endósteo é uma das estruturas anatômicas muito importantes para os ossos. 3.4 Vascularização óssea Os ossos são muito vascularizados, pois que recebem amplo suprimento de sangue. Os vasos metafisários e os vasos epifisários são também muito importantes. As artérias adentram os ossos a partir do periósteo. As artérias periosteais acompanhadas por nervos adentram a diáfise e irrigam o periósteo e a parte externa da substância compacta. Próximo ao centro da diáfise, uma grande artéria nutrícia adentra o osso compacto por meio do forame nutrício, conforme ilustra a figura anterior. Ao adentrar a 86 Unidade I cavidade medular, a artéria nutrícia se ramifica em ramos proximal e distal, que irrigam a parte interna da substância óssea compacta da diáfise, substância óssea esponjosa e a medula óssea. Na tíbia há uma artéria nutrícia, enquanto no fêmur existem diversas artérias nutrícias. As extremidades dos ossos são irrigadas pelas artérias metafisárias e epifisárias. Tanto as metafisárias como as nutrícias irrigam a medula óssea vermelha e as substâncias ósseas da metáfise. As artérias epifisárias irrigam a medula óssea e as substâncias ósseas das epífises. Há uma ou duas veias nutrícias que seguem a artéria nutrícia na diáfise. Há também abundantes veias epifisárias e metafisárias que saem das epífises com suas relativas artérias. As veias periosteais saem do periósteo com suas relativas artérias. Os vasos linfáticos dos ossos estão no periósteo, porém, alguns podem adentrar o tecido ósseo. 3.5 Inervação óssea Os nervos seguem as artérias que irrigam os ossos. O periósteo, conforme ilustra a figura anterior, é rico em nervos sensitivos, responsáveis pela sensação de dor. Portanto, as dores são consequentes de uma fratura, tumores ósseos ou de uma biópsia da medula óssea vermelha por meio de uma agulha. Microscopicamente a medula óssea vermelha é avaliada em situações como leucemias, linfomas e anemias aplásicas. As dores apresentam-se à medida que a agulha adentra o periósteo. No entanto, conforme ela ultrapassa o periósteo as dores vão diminuindo. Saiba mais Para saber mais sobre o assunto leia as notas clínicas que aparecem neste capítulo do livro e o conteúdo que versa sobre os fatores de regulação do crescimento ósseo: MARTINI, F. H. O sistema esquelético: tecido ósseo e estrutura do esqueleto. In: MARTINI, F. H. Anatomia humana. Porto Alegre: Artmed, 2009. Lembrete Na maior parte dos casos os ossos são abundantemente vascularizados. Cada tipo de osso recebe suprimento de sangue e nervoso de forma característica. 3.6 Morfologia óssea Os ossos podem apresentar diversos tamanhos e formatos. Por exemplo, o osso pisiforme da mão possui o tamanho e a forma de uma ervilha, enquanto o fêmur pode ter até 60 centímetros de comprimento em alguns indivíduos e com uma cabeça arredondada em formato de bola. Desse modo, o fêmur suporta 87 ANATOMIA grande massa corporal e pressão, sendo que sua arquitetura de cilindro oco provê força máxima com peso mínimo. Na maioria dos casos, os ossos são classificados conforme sua forma geométrica aproximada em: longos, alongados, curtos, planos e irregulares. Existem, ainda, os ossos pneumáticos, sesamoides e acessórios. Os ossos longos são formados por uma diáfise e duas epífises. Apresentam o comprimento maior em relação à largura e a espessura que são equivalentes. Os ossos longos são encontrados apenas no esqueleto apendicular, como, por exemplo, o osso úmero, conforme ilustram as figuras a seguir, em vista anterior e posterior, respectivamente. Eles proporcionam suporte ao organismo e oferecem uma série de alavancas e elos que nos possibilitam criar movimentos. Figura 75 – Úmero, em vista anterior e posterior Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 8). Os ossos alongados são achatados, sendo eles um subgrupo dos ossos longos. Eles não apresentam epífises bem definidas e não têm cavidade medular. A clavícula e as costelas são exemplos típicos de ossos alongados. 88 Unidade I Figura 76 – Vista anterior da clavícula direita e vista interna da costela Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 8). Os ossos curtos apresentam as três dimensões, comprimento, largura e espessura equivalentes, as quais lhes conferem uma forma cúbica. Exemplos clássicos desse grupo são os ossos do carpo e os ossos do tarso, exceto o pisiforme, que é um osso sesamoide, e o osso calcâneo, que é um osso irregular, conforme ilustram as figuras a seguir. Esses ossos têm um papel relevante na absorção de choque e transmissão de forças. Osso pisiformeOssos do carpo A) B) Figura 77 – Ossos do carpo e calcâneo Fonte: Paulsen e Waschke (2010, p. 289 e 1113). Nos ossos planos a largura e o comprimento predominam sobre a espessura. Alguns exemplos de ossos planos são os que formam a calvária. Eles possuem duas lâminas compactas, onde localiza-se um tecido ósseo mais denso e, entre essas camadas, uma camada esponjosa composta de osso menos denso, chamada díploe, conforme ilustram as figuras a seguir. Os ossos planos proporcionam proteção para o conteúdo interno e ampla superfície para a fixação muscular. 89 ANATOMIA Parietal Frontal Díploe Lâmina externa Lâmina interna Figura 78 – Parietal (vista interna) e díploe Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 13). Os ossos irregulares não possuem formas geométricas bem definidas. As vertebras, os ossos da base do crânio, conforme ilustram as figuras a seguir, e os ossos da face são exemplos deste grupo. Eles oferecem suporte de massa corporal, dissipação de cargas, proteção da medula espinal e contribuem com os movimentos e locais de inserção muscular. Figura 79 – Vértebra lombar (vista superior) e temporal (vista lateral) Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 13). Os tipos morfológicos podem ainda apresentar características adicionais que nos possibilitam classificá-los. Os ossos pneumáticos apresentam uma ou mais cavidades de volumes variáveis, chamadas seios, que se apresentam revestidas de mucosa e preenchidas por ar. Os ossos pneumáticos estão localizados no crânio, sendo eles: o frontal, a maxila, o etmoide e o esfenoide. 90 Unidade I Seio frontal Seio esfenoidal Seio maxilar Células etmoidais Figura 80 – Cavidades do crânio Fonte: Larosa (2016, p. 33). Observação O osso temporal é considerado pneumatizado, pois apresenta cavidades que se comunicam com a cavidade da orelha, enquantoos ossos pneumáticos se comunicam a cavidade nasal. Os ossos sesamoides se assemelham a sementes de gergelim e são localizados em regiões que alguns tendões cruzam epífises de ossos longos. Eles se desenvolvem dentro dos tendões e os protegem de desgaste exorbitante junto ao osso. Também alteram o ângulo de inserção de um tendão. Os ossos sesamoides estão presentes no desenvolvimento fetal, mas não são considerados partes do esqueleto axial ou apendicular, exceto pelas patelas, que são os maiores ossos sesamoides. 91 ANATOMIA Figura 81 – Patela (vista anterior) Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 13). Os outros ossos sesamoides mais frequentes estão situados nas plantas dos pés e na base do primeiro metatarso. Nos membros superiores os ossos sesamoides são frequentemente encontrados nos tendões próximos à superfície palmar e na base dos metacarpos. Outro exemplo clássico de osso sesamoide é o hioide. Figura 82 – Hioide (vista anterior) Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 14). Observação Embora apresentem o comprimento maior que a largura, as costelas e a clavícula não têm canal medular, muito menos metáfises; por esse motivo, são classificadas como ossos alongados. 92 Unidade I Os ossos acessórios são raros e sua sede, dimensões e número podem ser muito variáveis. Ocorrem mais comumente na superfície externa do que na interna. Do ponto de vista da anatomia comparativa, alguns desses ossos correspondem aos que se encontram normalmente em outros vertebrados, ao passo que em outros não apresenta essa correspondência. A esses ossos acidentais dá-se o nome de ossos suturais ou wormianos, os quais acontecem muitas vezes na sutura lambdoide, em crânios hidrocefálicos. Como exemplos de ossos acessórios podemos mencionar os ossos bregmático, o osso ptérico e o osso astérico. Observação As lâminas das epífises dos ossos longos específicos ossificam em prazos previstos. Os médicos radiologistas comumente podem especificar a idade de um indivíduo jovem analisando as lâminas das epífises para observar se elas ossificaram. Uma diferença entre a idade dos ossos e cronológica pode sugerir alguma disfunção metabólica. 3.7 Características anatômicas de superfície dos ossos Os ossos apresentam acidentes ósseos ou detalhes ósseos, como: as proeminências, as fossas, as depressões, os tubérculos, as eminências, os orifícios, os canais, as cavidades e os seios. Essas são apenas as características mais frequentes, que compõem pontos de referência em anatomia, radiologia, ortopedia e antropologia física. As seguir alguns exemplos de características anatômicas da superfície dos ossos: • Forame: do latim, foramine, orifício, é uma abertura por meio da qual passam artérias ou nervos, como o forame magno do osso occipital. Forame magno Figura 83 – Forame magno 93 ANATOMIA • Fossa: do latim, fossa, fenda, trincheira, é uma depressão rasa sobre um osso, como a fossa cerebelar do osso occipital. Fossa cerebelar Figura 84 – Fossa cerebelar • Côndilo: do grego, Kondylo, elevação arredondada, é uma proeminência grande e arredondada que constitui uma união, como os côndilos medial e lateral do fêmur. Côndilo Figura 85 – Côndilo do fêmur 94 Unidade I • Cabeça: do latim, caput, cabeça, é uma projeção arredondada que compõe uma união e é sustentada na constrição (colo) do osso, como a cabeça do úmero. Cabeça Figura 86 – Cabeça do úmero • Tuberosidade: do latim, tuberositas, excrescência, é uma projeção grande e arredondada, frequentemente com uma superfície áspera, como a tuberosidade da tíbia. Tuberosidade Figura 87 – Tuberosidade da tíbia • Espinha: projeção aguda e delgada, oriunda da face de um osso, como a espinha da escápula. Espinha Figura 88 – Espinha da escápula 95 ANATOMIA • Crista: do latim, crista, aresta linear mais saliente que uma linha, é uma margem ou borda proeminente, comumente rugosa, como a crista ilíaca do quadril. Crista Figura 89 – Crista • Incisura: chanfradura ou entalhe em uma margem óssea, como a incisura da mandíbula. Incisura Figura 90 – Incisura da mandíbula Saiba mais O livro a seguir fala sobre detalhes ósseos, como os que formam as cinturas escapular e pélvica e os ossos dos esqueletos apendicular e axial, além de como elaborar pranchas de anatomia utilizando-se de papel vegetal, lápis HB2, lápis para colorir e caneta Stabilo. É uma leitura que tem muito a agregar à sua formação: NILTON, A.; CÂNDIDO, P. L. Anatomia para o curso de odontologia geral e específica. 4. ed. Rio de Janeiro: Santos, 2019. 96 Unidade I Observação Em cerca de 400 a.C. a filosofia confucionista dizia que: “O que ouvi foi o que esqueci, o que vejo, lembro, o que faço, compreendo”. Durante esse período, a maior parte dos processos de ensino e aprendizagem dependiam apenas de formas visuais e auditivas. Como resultado, muitos dados não permaneciam na memória, assim como as conquistas da compreensão material se tornavam menos profundas. Ao estudarmos a anatomia, o desenho é uma das metodologias mais eficientes e relevantes, uma vez que há uma integração de ideias associada à observação, elevando, assim, a compreensão e motivação de aprendizagem de estudantes universitários. 3.8 Fatores de variação anatômica no número de ossos Existem 206 ossos no indivíduo adulto médio e normal, excluindo-se os ossos sesamoides e os ossículos da audição, na orelha média. Funcionalmente, os ossículos da audição que vibram em resposta às ondas sonoras, atingindo o tímpano, não integram o esqueleto axial nem o apendicular, porém são agrupados com o esqueleto axial por conveniência. Figura 91 – Ossículos da audição: martelo, bigorna e estribo O martelo, do latim, malleus, na Idade Média tinha forma semelhante ao utilizado em Roma Antiga pelos açougueiros ou sacerdotes para atordoar os animais antes da matança ou sacrifício. Esse instrumento era construído com madeira pesada e possuía forma geral arredondada. O primeiro a descrever a bigorna e o martelo foi Andreas Vesalius, que notou a semelhança de forma com os instrumentos do ferreiro e assim os denominou. Já o estribo, do latim, stapes, não era conhecido pelos romanos e gregos porque eles não tinham selas de couro para os seus cavalos. Para cavalgar era utilizado um cobertor que era colocados diretamente no dorso dos animais, chamado de epihippion, do grego, epi, em cima e hippos, cavalo. As selas de couro e os estribos foram apenas introduzidos no século IV pelos otomanos, que eram chamados de scalae. O primeiro anatomista a dar o nome ao ossículo da orelha foi Giovanni Ingrassias, em 1546, embora se afirme que Bartolomeu Eustachio tenha sido o primeiro a descrevê-lo em 1564. 97 ANATOMIA O número de peças ósseas varia com a idade, havendo maior número no recém-nascido do que um uma pessoa com idade avançada. Por exemplo, no crânio de uma criança permanecem duas peças ósseas para medianas ou hemifrontais que, com a sinostose da sutura metópica comporão o osso frontal. Já a idade avançada, com as sinostose de todas as suturas, torna o crânio uma esfera óssea. Figura 92 – Norma anterior do osso frontal: sutura metópica e parte anterior da fontanela anterior Saiba mais Para saber mais sobre o crescimento ósseo em comprimento e largura e a cartilagem articular e os fatores que afetam o crescimento ósseo, como, por exemplo, a nutrição e os hormônios. VANPUTTE, C. L. et al. Anatomia e fisiologia de Seeley. 10. ed. Porto Alegre: AMGH, 2016. p. 176-178. Para entender melhor como o exercício e o estresse mecânico afetam o tecido ósseo, leia: TORTORA, G. J. Princípios de anatomia e fisiologia. 14. ed. Rio de Janeiro: Guanabara-Koogan, 2016. p. 191. 4 ESTUDO DO ESQUELETO Como visto anteriormente, o esqueleto humano adulto consiste em 206 ossos, a maioria deles pares, com um membro de cada par nos lados direito e esquerdo do corpo. Vimos que há fatores de variação no número de ossos. Assim, os esqueletos de recém-nascidos, lactentes e crianças apresentam maisde 206 ossos porque alguns deles se unem mais tarde. Como exemplos, podemos citar os ossos do quadril e alguns ossos da parte final da coluna vertebral, o sacro e o cóccix. 98 Unidade I Os ossos do esqueleto adulto estão agrupados em três divisões principais: o esqueleto axial, o esqueleto apendicular e as cinturas escapular e pélvica. O esqueleto axial apresenta 80 ossos e o esqueleto apendicular é composto por 126 ossos. A figura a seguir mostra como as duas divisões se unem para compor o esqueleto completo. O esqueleto axial consiste em ossos em torno do eixo longitudinal do corpo humano, descrevendo uma linha vertical imaginária que atravessa o centro de gravidade do corpo, indo da cabeça até o espaço entre os pés. Portanto, o esqueleto axial é composto pelos ossos do crânio, o hioide, as costelas, o esterno e os ossos da coluna vertebral. Já o esqueleto apendicular é formado pelos ossos dos membros superiores e inferiores. Os ossos que compõem as cinturas unem os membros ao esqueleto axial. Portanto, a cintura escapular une os membros superiores ao esqueleto axial, enquanto a cintura pélvica liga os membros inferiores ao esqueleto axial. Figura 93 – Visão geral do esqueleto humano Observação Funcionalmente, os ossículos da audição na orelha média, que vibram em resposta às ondas sonoras atingindo o tímpano, não integram o esqueleto axial nem o apendicular, porém, são agrupados com o esqueleto axial por conveniência. 99 ANATOMIA Como já observado, o esqueleto humano adulto consiste em 206 ossos, podendo ser dividido em esqueletos axial e apendicular, além das cinturas escapular e pélvica. A seguir está uma relação que abrange as patelas, porém, não os sesamoides. Esqueleto axial Coluna vertebral: 26 Crânio: 80 Hioide: 1 Costelas e esterno: 25 Esqueleto apendicular Membro superior: 64 Membro inferior: 62 Ossículos da orelha: 6 Total: 206 4.1 Esqueleto da cabeça O esqueleto da cabeça ou esqueleto cefálico abrange os ossos do crânio e os ossos da face ou viscerocrânio. Consiste, portanto, em uma sequência de ossos que em sua maioria estão unidos entre si por articulações imóveis, com exceção realizada apenas para a mandíbula, que se articula com o osso temporal pela articulação sinovial, a articulação temporomandibular. Ele é composto por 22 ossos divididos em duas partes: o neurocrânio e os ossos da face. O neurocrânio envolve os ossos relacionados à proteção dos órgãos do sistema nervoso central. Ele é formado pelos seguintes ossos: frontal, temporal, etmoide, esfenoide, parietal e occipital. Os ossos da face estão relacionados aos órgãos dos sentidos: o paladar, a visão e o olfato. Além disso, ancoram os músculos da expressão facial. Eles são formados pelos seguintes ossos: maxilas, mandíbula, palatinos, vômer, nasais, zigomáticos, lacrimais e conchas nasais inferiores. Exceto a mandíbula, os demais ossos da face se articulam com as maxilas, que servem de implantação dos dentes superiores. É importante examinar a geografia básica do esqueleto da cabeça antes de descrever seus ossos individualmente. Com a mandíbula retirada, o esqueleto da cabeça equipara-se a uma esfera óssea desigual e vazia. Portanto, os ossos da face compõem sua norma anterior e o neurocrânio constitui o resto do esqueleto da cabeça. O neurocrânio pode ser dividido em calota craniana e base do crânio. A calota craniana, também chamada de calvária, compõe as normas superior, lateral e posterior do esqueleto da cabeça, do mesmo modo a região da fronte. A base do crânio, ou assoalho, constitui a norma inferior do esqueleto da cabeça. Internamente, detalhes ósseos proeminentes dividem a base do crânio em 3 “andares” ou fossas, as fossas: anterior, média e posterior do esqueleto da cabeça. O encéfalo aloja-se plenamente nessas fossas, sendo envolvido pela calota craniana. Desta maneira, o encéfalo preenche a cavidade craniana. Além da grande cavidade craniana, o esqueleto da cabeça apresenta diversas pequenas cavidades. Entre elas estão as da orelha média e da orelha interna, entalhadas na norma lateral da base do crânio e, anteriormente, a cavidade nasal e as órbitas. As órbitas abrigam os globos oculares. 100 Unidade I Figura 94 – Esqueleto da cabeça: normas anterior e lateral Figura 95 – Esqueleto da cabeça: normas posterior e inferior Figura 96 – Esqueleto da cabeça: norma superior da base do crânio e da calvária 101 ANATOMIA Observação Hidrocefalia é o acúmulo do líquor nas cavidades encefálicas, causando aumento na pressão intracraniana sobre o cérebro, o que pode causar lesões no tecido cerebral, bem como o aumento do crânio. 4.2 Ossos do neurocrânio O osso frontal do neurocrânio é um osso plano, anterior, ímpar e mediano da calvária. O osso occipital é um osso plano, inferior, posterior, mediano, pertencente à base do crânio, perfurado por uma abertura ampla e oval – o forame magno – por meio do qual a cavidade craniana comunica-se com o canal vertebral. O osso esfenoide é um osso irregular, ímpar, mediano e situa-se na base do crânio, anteriormente aos temporais e à parte basilar do osso occipital. O osso etmoide é um osso leve, esponjoso, irregular, ímpar, inferior e situa-se na base do crânio. O osso parietal é um osso plano, par e compõe o teto do crânio. O osso temporal é um osso irregular, par e muito complexo. Ele possui três partes: escamosa, petrosa e timpânica. A parte petrosa abrange o órgão vestibulococlear e a cavidade timpânica que contém os três ossículos da audição. O termo occipital, do latim, occipitium, occipúcio, corresponde à parte posterior da cabeça. Já esfenoide advém do grego, sphen, cunha, arado e eidos, semelhante, forma, é provável que Galeno tenha sido o primeiro a descrever esse osso que parece estar encravado como uma cunha, entre o crânio a maxila. No entanto, a etimologia mais contestada é de que o termo vem do grego sphein, mariposa, vespa, por sua forma geral ter semelhança com um inseto alado. Por sua vez, etmoide deriva do grego, ethmos, peneira, eidos, semelhante. Parietal é advém do latim, pariet [em], parede, ou seja, parede de uma cavidade. Os ossos do crânio que formam as paredes dele. Por fim, temporal é derivado do latim, temporalis, relativo ao tempo, termo utilizado porque no homem adulto as marcas da idade (do tempo) manifestam-se primeiramente nessa região, branqueando os cabelos. 4.3 Ossos da face O osso zigomático frequentemente referido como “maçãs do rosto” forma parte da parede lateral e assoalho da órbita, é par e irregular. O osso nasal é um pequeno osso retangular, que forma, com o nasal do lado oposto, o dorso do nariz. A maxila é um osso plano, anterior e irregular e forma quatro cavidades: o teto da cavidade oral, o assoalho e a parede lateral do nariz, o assoalho da órbita e o seio maxilar. Ela possui os alvéolos dentários para abrigar os dentes superiores. O osso lacrimal é um pequeno osso retangular situado na parte medial da órbita, sendo o menor e mais frágil osso da face. O osso palatino é um osso irregular, localizado posteriormente à maxila. Forma a parte posterior do palato duro, parte do assoalho e parede lateral da cavidade nasal e o assoalho da 102 Unidade I órbita. O vômer é um osso ímpar, plano, de formato trapezoidal. Forma as partes posteriores e inferiores do septo nasal. A concha nasal inferior é um pequeno osso com o formato de uma placa delgada e alongada e com margens curvas. Situa-se ao longo da parede lateral da cavidade nasal, separando os meatos nasais médio e inferior. É a única concha nasal independente, pois as outras, superior e média, pertencem ao etmoide. A mandíbula, conforme ilustra a figura a seguir, é um osso ímpar, móvel da cabeça, o maior e mais forte da face, onde tem situação anteroinferior. Apresenta o formato de uma ferradura e contêm os alvéolos dentários para abrigar os dentes inferiores. Figura 97 – Mandíbula O osso zigomático, do grego, zygomatikos, unido, ligado e zygon, par, foi assimchamado por Galeno. Similarmente, maxila deriva do grego, maxilla/maxilarae, parte superior da face, bochechas. Já lacrimal advém do latim, lacrima, lágrima, por conta de um erro de grafia da transição da palavra grega dacrion, lágrima, para lacrion, daí lacrima. Por sua vez, palato deriva do latim, pallatum, céu da boca, e para alguns estudiosos estaria associado a pascere, alimentar, ao passo que para outros de palare, cercar, murar. Os antigos anatomistas gregos não distinguiam entre palato duro e palato mole, ambos eram nomeados em conjunto como diafragma oris. Vesálio foi um dos primeiros a distinguir o platô duro e mole e denominava os ossos do palato como os palati. Já vômer advém do latim, vômer, vomitar, pois na Roma Antiga a lâmina do arado (relha) era chamada vômer, sendo que o nome do osso pode estar associado à sua forma ou porque o movimento da terra sulcada pelo instrumento lembrava o ato de vomitar. Inicialmente parte do etmoide, foi nomeada separadamente por Gabrielle Falópio e Realdo Colombo, que o chamaram arati vomer imitatur (imitando a lâmina do arada). 103 ANATOMIA 4.4 Ossos do esqueleto da cabeça em conjunto Por meio da cefalometria, ou mensuração da cabeça, podemos reconhecer crânios microcéfalos, mesocéfalos e macrocéfalos, ou seja, pequenos, médios e grandes. Quando as dimensões são extrapoladas, esses tipos são ditos patológicos, como, por exemplo, o crânio hidrocéfalo, que possui descomunal hidrocefalia. 4.4.1 O esqueleto da cabeça do recém-nascido As principais variações do esqueleto da cabeça do recém-nascido (RN) em relação ao adulto residem na falta dos seios paranasais, como o osso esfenoide e osso frontal. As margens dos ossos da calvária no feto de termo estão espaçadas, mas unidas por suturas membranáceas, que possibilitam a diminuição de volume da cabeça fetal, muito relevante para a passagem pela vagina e vulva durante o parto normal. Ao nível dos ângulos dos ossos, sem ainda ter ocorrido a ossificação, estão as fontanelas do esqueleto da cabeça: as fontanelas medianas, anterior e posterior; e as fontanelas laterais, anterolateral ou esfenoidal e posterolateral ou mastóidea. À medida que a ossificação toma as áreas membranáceas, as fontanelas reduzem de dimensões até sumir. A última fontanela a realizá-la é a anterior, que desaparece entre o segundo e o terceiro ano de vida, conforme ilustram as figuras a seguir. Figura 98 – Diferentes vistas das fontanelas em crânio desarticulado e reconstruído Fonte: Bustamante et al. (2010, p. 255). 104 Unidade I Figura 99 – Norma superior: fontanela anterior Fonte: Bustamante et al. (2010, p. 256). Figura 100 – Norma lateral: fontanela anterolateral e posterolateral Fonte: Bustamante et al. (2010, p. 256). Figura 101 – Norma posterior: fontanela posterior Fonte: Bustamante et al. (2010, p. 256). 105 ANATOMIA 4.4.2 O esqueleto da cabeça dos indivíduos senis Nos indivíduos senis a elasticidade do esqueleto da cabeça reduz e as suturas somem por sinostoses, conforme ilustra a figura a seguir, após os 40 anos de idade. Por volta dos 22 anos, é a vez da sutura sagital e a sutura esfenofrontal; aos 24 anos, a sutura coronal; aos 26 anos, a sutura lambdoide e a sutura occipitomastóidea; aos 30 anos, a sutura parietomastóidea; aos 37 anos, a sutura temporoparietal. O fechamento começa a acontecer vagarosamente e sofre um surto na idade avançada, ao passo que tende a completar-se após os 80 anos. Figura 102 – Sinostose da sutura coronal (vista lateral do crânio) Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 97). 4.4.3 O esqueleto da cabeça e o dimorfismo sexual Os caracteres mais dimórficos e usuais do crânio são: tamanho geral do crânio (maior nos homens do que nas mulheres); processos mastoides (maiores e mais desenvolvidas nos homens do que nas mulheres); arcos superciliares (muito marcados nos homens e pouco nas mulheres); túber frontal (bem marcados nas mulheres e pouco nos homens); protuberância occipital externa (relevo muito marcado nos homens e pouco nas mulheres); e mandíbula (maior e mais quadrangular nos homens do que nas mulheres). Até a puberdade há pequena diferença entre o crânio da menina e do menino. 106 Unidade I Arco superciliar A) B) Protuberância occipital externa Crista supramastóidea Túber frontal Margem supraorbital Forma arredondadaForma quadrangular Arco superciliar Protuberância occipital externa Processo mastoide Figura 103 – A) Comparação genérica de algumas características anatômicas cranianas entre indivíduos do sexo masculino e feminino, norma anterior; B) Comparação genérica de algumas características anatômicas cranianas entre indivíduos do sexo masculino e feminino, norma lateral Fonte: Azevedo (2008, p. 60). Saiba mais O processo de identificação do segmento cefálico ou de partes dele a partir de exames periciais tem sido bastante relevante para o esclarecimento de fatos de interesse jurídico-social. Uma tentativa de observar o dimorfismo sexual e estimar a idade consiste em examinar os crânios secos. Leia sobre o assunto em: ALMEIDA JÚNIOR, E. et al. Sex and age estimation by cranial measurements. Journal of Dentistry & Public Health, Salvador, v. 9, 2018. Disponível em: https://bit.ly/3gWBDlK. Acesso em: 30 maio 2019. Leia mais sobre os ossos do crânio no livro: LAROSA, P. R. Anatomia humana: texto e atlas. São Paulo: Guanabara-Koogan, 2016. 107 ANATOMIA Lembrete Os ossos do neurocrânio são: o frontal, o etmoide, o esfenoide, os parietais, os temporais e o occipital. Os ossos da face são: as maxilas, a mandíbula, os palatinos, os nasais, os lacrimais, as conchas nasais inferiores, os zigomáticos e o vômer. 4.4.4 Esqueleto do pescoço Os ossos do esqueleto do pescoço são as vértebras cervicais e, do ponto de vista topográfico, o hioide. O hioide é um osso ímpar, mediano, sesamoide e faz parte de um conjunto de estruturas anatômicas que une a base do crânio ao esqueleto do pescoço. Está localizado na parte anterossuperior do pescoço, superior à laringe e posterior à mandíbula. Apresenta como papel oferecer suporte à língua, fornecendo locais de fixação para os músculos dela, do pescoço e da faringe, fazendo dele um elemento relevante nas ações de mastigação e no ato de engolir. O hioide é móvel e não se articula com mais nenhum osso. O termo hioide vem do grego, yoides/hyo, letra U e oides, forma. O osso foi descrito por Herófilo e, inicialmente chamou-se ipsiloides, forma da letra Y. 4.4.5 Esqueleto do tronco O esqueleto do tronco abrange o tórax, as vértebras lombares, as vértebras sacrais, as vértebras coccígeas e a pelve óssea. O tórax é a parte do organismo localizada no tronco, entre o pescoço e o abdome, exatamente entre a abertura superior do tórax e o diafragma. O formato abobadado do tórax possibilita grande rigidez, tendo em vista o pouco peso de seus constituintes e, dentre suas funções: • Protege os órgãos internos torácicos e abdominais, sendo que a maioria deles está cheia de ar ou líquido contra as forças externas. • Resiste às pressões internas negativas produzidas pela retração elástica dos pulmões e pelos movimentos inspiratórios. • Oferece fixação para os membros superiores e sustentar a sua massa. • Proporciona a fixação de diversos músculos que movem e sustentam a posição dos membros superiores em relação ao tronco, além de possibilitar fixação para os músculos do abdome, do pescoço, do dorso e da respiração. 108 Unidade I Crânio Costelas Esterno Vértebras lombares Sacro Cóccix Figura 104 – Esqueleto do tórax Fonte: Alves e Cândido (2016, p. 16). O formato do tórax depende da idade, do sexo e do biótipo da pessoa. O tórax do feto é mais desenvolvido sagitalmente do que transversalmente, em virtude do maior desenvolvimento do coração, do timo e dos órgãos abdominais do que dos pulmões. Aos 18 anos de idade, o tórax assume seu formato definitivo e continua crescendo até os 35 anos nos homens e 25 anos nas mulheres. No indivíduo senil,as costelas e as cartilagens costais perdem a flexibilidade e as articulações sofrem anquilose, conduzindo o tórax à perda da elasticidade e da mobilidade. Com a ampliação da coluna vertebral, as costelas ficam mais próximas umas das outras. O tórax masculino é mais largo do que o feminino, com a máxima largura ao nível da VIII costela, com pequeno aperto inferior. O tórax feminino é mais curto e arredondado, com maior aperto inferior do que o masculino. No indivíduo longilíneo, cujo crescimento é mais dinâmico e o que leva a um maior desenvolvimento em altura, o tórax é longo e estreito, enquanto no indivíduo brevilíneo, cujo desenvolvimento transversal prevalece sobre o vertical, o tórax é mais curto e largo. O termo tórax advém do grego, thorax, couraça, parte frontal da armadura. Na Grécia Antiga chamava-se de thorax a parte da armadura ou couraça que protegia o conjunto peito e abdome. Hipócrates e Aristóteles usaram o termo para ambas as partes do tronco, simultaneamente; já Platão restringiu a palavra à parte superior (peito). Galeno adotou essa denominação e a difundiu. 4.4.6 Esterno O esterno é um osso plano com aproximadamente 15 centímetros de extensão, mediano, ímpar, localizado medianamente na parede anterior do tórax e um osso hematocitopoiético. O esterno articula-se com as clavículas e as cartilagens das sete primeiras costelas. Possui três partes: o manúbrio do esterno, o corpo do esterno e o processo xifoide. 109 ANATOMIA Figura 105 – O esterno Fonte: Bustamante et al. (2010, p. 256). O termo advém do grego, sternon, peito masculino. Hipócrates usou a palavra para o peito masculino e o chamou de osso do peito. Os romanos chamavam-no de pectoris e a palavra sternum apareceu apenas no latim medieval, por meio da tradução de textos gregos. Por ser superficial e de fácil palpação, alguns etimologistas acreditam que seja derivada do grego, stereos, em relevo, evidente. 4.4.7 Costelas Então o Senhor Deus fez cair um sono pesado sobre Adão, e este adormeceu; e tomou uma das suas costelas, e cerrou a carne em seu lugar; e da costela que o Senhor Deus tomou do homem, formou uma mulher, e trouxe-a a Adão (Gn 2: 21-22). [...] A mulher foi tirada do lado de Adão, isto é, da sua costela, ela não foi tirada da cabeça, pois não é sua função dominá-la; nem de seus pés, pois não foi criada para ser pisada por ele (Gn 2: 21-22). [...] Esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada (Gn 2: 23). A Bíblia relata o momento em que Deus criou a primeira mulher: Eva. No entanto, essa passagem bíblica é apenas uma metáfora, pois tanto os homens como as mulheres possuem 12 pares de costelas que protegem o coração, os pulmões, o fígado e o baço. 110 Unidade I Na medicina são diversas as indicações cirúrgicas que retiram costelas com objetivos terapêuticos e reparadores. Em cirurgia torácica, deformidades relevantes do tórax, como, por exemplo, o pectus excavatum e o pectus carinatum, são reparados com a retirada parcial das cartilagens costais e o reposicionamento do esterno. Também não é incomum a necessidade de retirada de costelas após traumatismos torácicos ou em toracotomias muito extensas. De natureza igual, a retirada de costelas tem sido uma indicação frequente em cirurgia plástica para usá-las como enxerto em processos reparadores de orelhas, nariz e outras cirurgias craniomaxilofaciais. Parece existir uma bruma em torno desse processo, pois diversas celebridades sujeitam-se a essa cirurgia, sem, no entanto, assumirem tal fato. Isso já é considerável para que exista uma agitação nos meios de difusão de informação e a existência de diversas candidatas à sua realização, procurando conquistar um corpo visto como perfeito pela sociedade, colocando em risco sua plenitude física e emocional. As costelas têm formato de semiarcos, unindo as vértebras torácicas ao esterno. As costelas são classificadas em: costelas verdadeiras, I-VII (articulam-se diretamente ao esterno por intermédio das cartilagens costais); costelas falsas, VIII-X (articulam-se indiretamente com o esterno, unindo-se suas cartilagens costais umas às outras); e costelas flutuantes, XI e XII (curtas e livres, que protegem o fígado e o estômago). Figura 106 – As costelas Fonte: Martini, Timmons e Tallistsch (2009, p. 168). Logo abaixo do arco costal direito é possível apalpar o fígado durante a inspiração. Abaixo do arco costal esquerdo situa-se o estômago, não palpável; e o baço que pode ser palpado no lado esquerdo, especialmente quando possui um aumento patológico. Uma costela típica apresenta a cabeça, o colo e o corpo. Com exceção das costelas I, XI, e XII, as outras podem ser consideradas costelas típicas, embora a VIII, IX, e X sejam mais curtas e cooperem para constituir a margem costal. A primeira é a costela mais curta entre as costelas verdadeiras. Além disso, ela é mais larga e plana do que as outras, localizando-se sob a clavícula anteriormente, o que dificulta sua palpação. A artéria subclávia e a veia subclávia sulcam na face posterior. 111 ANATOMIA Observação Excepcionalmente, pode existir uma costela cervical e uma costela lombar, as quais são consideradas costelas supranumerárias, geralmente, conectadas com a C7 e a L1, concomitantemente. A contagem das costelas inicia-se no ângulo do esterno, onde se articula a II costela. Seu número se altera com frequência, por exemplo, 1,6% dos indivíduos apresenta uma XIII costela (costela lombar); 3,6% possuem apenas 11 pares de costelas; 10% possuem oito pares de costelas verdadeiras; e 0,6% apenas seis pares de costelas verdadeiras. As extremidades das costelas, em sua extremidade esternal, algumas vezes apresentam uma bifurcação (costela bífida). Em 5% dos indivíduos o brotamento costal fusionado com o processo transverso de C7 forma uma costela cervical. 4.4.8 Coluna vertebral A coluna vertebral oferece um suporte axial para o tronco e estende-se desde o crânio até a pelve, onde o peso do tronco é transmitido aos membros inferiores. Outra função dela consiste em proteger a medula espinal, provendo ainda pontos de fixação para as costelas e para os músculos do dorso e do pescoço. No feto e na criança, a coluna vertebral consiste em 33 ossos separados ou vértebras. Inferiormente, 9 vértebras se fundem para compor 2 ossos, o sacro e o cóccix. Os 24 ossos restantes permanecem como vértebras individuais separadas por discos intervertebrais. O termo sacro advém do latim, sacrum, sagrado, intocável, não profano. Os gregos e Galeno chamavam esse osso de ieron osteon (osso grande), mas a palavra ieron tinha também o significado de ilustre, importante, poderoso, glorioso. Figura 107 – Arranjo anatômico geral da coluna vertebral (vistas anterior, lateral e posterior) Fonte: Netter (2006, p. 146). 112 Unidade I Observação Herófilo, e depois Vesalius, chamaram assim o cóccix por sua semelhança, em conjunto, com o formato do bico do pássaro cuco. Por outro lado, Jean Riolan dá outra explicação, declara que na emissão de gases pelo ânus o som “ecoa” no cóccix, o osso do apito. Curiosamente, devido ao costume do cuco fêmea em se apoderar dos ovos de outros pássaros e chocá-los como seus, os gregos antigos utilizavam a palavra Kókkys como termo grosseiro às mulheres adúlteras. Regiões e curvaturas O comprimento médio da coluna vertebral no sexo masculino é de cerca de 71 centímetros, enquanto na do sexo feminino de 61 centímetros, sendo responsável por dois quintos da massa corporal total. Ela possui cinco regiões principais e vértebras distribuídas por diferentes regiões: 7 vértebras cervicais; 12 vértebras torácicas; 5 vértebras lombares; 5 vértebras sacrais; e de 3 a 5 vértebras coccígeas. Nas três regiões mais craniais da coluna as vértebras permanecem distintas durante toda a vida e são conhecidas como vértebras verdadeiras ou móveis; as da região sacral e coccígea, por outro lado, são chamadas vértebrasfalsas ou fixas, pelo fato de estarem unidas entre si no adulto para compor dois ossos, o sacro e o cóccix. Desse comprimento da coluna vertebral, a parte cervical mede 12,5 centímetros; a torácica, cerca de 28 centímetros; a lombar, 18 centímetros, e o sacro e o cóccix, 12,5 centímetros. Quando vista lateralmente, se observam-se as quatro curvaturas, conforme ilustra a figura a seguir, responsáveis por seu formato sinuoso. As curvaturas cervical e lombar são côncavas posteriormente; as curvaturas torácica e sacral são convexas posteriormente. As curvaturas aumentam a elasticidade e a flexibilidade da coluna, possibilitando que ela trabalhe de maneira mais semelhante a uma mola do que a uma haste rija. Normal NormalHipercifose Hiperlordose Escoliose Figura 108 – Curvaturas da coluna vertebral Fonte: Gould (2012, p. 2). 113 ANATOMIA A cifose é uma curvatura normal da coluna vertebral, localizada na região torácica, presente em todos os indivíduos. A hipercifose é uma modificação nessa região, que leva a um aumento da cifose normal, deixando os ombros projetados para frente e o dorso arredondado. A curvatura normal da região lombar é uma curvatura anterior, chamada de lordose. Em caso de uma curvatura excessiva dessa região, dizemos que se trata de uma hiperlordose. A escoliose é uma condição em que a coluna vertebral do indivíduo apresenta uma deformação lateral em forma de curva. A curva, em geral, tem um formato de S ou C. Lembrete As curvaturas convexas na vista posterior são chamadas cifoses; na vista anterior, lordoses; onde existir um L na região cervical ou região lombar há uma lordose. Elementos das vértebras As estruturas anatômicas encontradas em quase todas as vértebras, exceto em C1 e C2, servem como meio de diferenciação dessas em relação aos demais ossos do esqueleto. Todas as vértebras têm sete elementos fundamentais: o corpo vertebral; o processo espinhoso; o processo transverso; os processos articulares; as lâminas; os pedículos e o forame vertebral. A C7 contém um processo espinhoso longo e proeminente, conforme ilustra a figura a seguir. Processo articular superior Processo transverso Processo espinhoso Processo articular inferior Lâmina Pedículo Arco vertebral Corpo vertebral Figura 109 – Vista posterossuperior esquerda. Com exceção de C1 e do C2, todas as vértebras são formadas pelos mesmos elementos estruturais Fonte: Gilroy e Macpherson (2017, p. 6). 114 Unidade I Observação No indivíduo em idade avançada, principalmente em mulheres, ocorre uma redução de massa óssea, chamada de osteoporose. A desmineralização e a diminuição do número de trabéculas ósseas reduzem a resistência dos corpos vertebrais, que podem de tal modo sofrer fraturas, mesmo na falta de traumas. A causa da osteoporose é, dentre muitas, a falta de estrógenos, fator idade e alimentação pobre em vitamina D e cálcio. As características regionais possibilitam a diferenciação das vértebras de acordo com a cada região. As vértebras cervicais apresentam um corpo pequeno e o processo espinhoso bífido e horizontalizado; seus processos transversos têm os forames transversários que permitem a passagem da artéria vertebral. Já nas vértebras torácicas o processo espinhoso não é bifurcado, se apresenta descendente e pontiagudo. Elas se articulam com as costelas, sendo que as superfícies articulares dessas vértebras são chamadas de fóveas e hemifóveas. As fóveas podem estar situadas no corpo vertebral, no pedículo ou nos processos transversos. O forame vertebral tem o formato circular. Nas vértebras lombares os corpos vertebrais são maiores, pois suportam a massa corporal. O processo espinhoso é quadrilátero, além de estar disposto em posição horizontal. Apresenta o forame vertebral em formato triangular e os processos mamilares. Possui o processo transverso bem desenvolvido, chamado de apêndice costiforme. Pode ser distinguido também por não possuir forame no processo transverso e nem a fóvea costal. As vértebras consideradas atípicas são C1, ou atlas, e C2, ou áxis e epistrofeu. C1 C2 Cervical Torácica Lombar Figura 110 – Características regionais das vértebras O termo axis advém do latim, axis, eixo, pivô e do grego, axon, eixo. Hipócrates chamava a vértebra de odonta, por conta de seu processo e Galeno a denominava dentiformis. Celso parece ter sido o primeiro a designar a C2 por esse nome, pelo fato de a C1 girar sobre ela como um eixo. Até a época de Vesailus, apenas o processo odontoide dessa vértebra era chamado de áxis, por sua semelhança a um pivô. 115 ANATOMIA Conforme ilustra a figura a seguir, Atlas, gigante mitológico de força cavalar, filho de Iápeto e Clímene, após a derrota dos Titãs para os deuses foi condenado por Júpiter a amparar o mundo nos ombros. Essa é a imagem do Titã reproduzida por vários escultores, chama-se C1 que, por analogia, sustenta a cabeça. Figura 111 – Atlas, Viena, Áustria Disponível em: https://bit.ly/2TSiiZE. Acesso em: 15 jun. 2021. A C1 não possui corpo vertebral e nem processo espinhoso e apresenta como a principal distinção em relação às outras o fato de não ter um corpo vertebral. Além disso, ela possui outras estruturas: o arco anterior do atlas, que constitui, aproximadamente, um quinto do anel; o tubérculo anterior; a fóvea do dente, que se articula com o processo odontoide; o arco posterior do atlas, que constitui aproximadamente dois quintos do anel; e o tubérculo posterior. A C2 apresenta um processo ósseo forte chamado de processo odontoide. O sacro tem o formato de uma pirâmide quadrangular com a base voltada para cima e o ápice para baixo. Articula-se superiormente com L5 e inferiormente com o cóccix. Ele varia conforme o sexo, sendo que nas mulheres é mais largo e curto do que nos homens e tem uma curva mais pronunciada, possivelmente relacionada com a forma do restante da pelve óssea feminina, adequada para a gestação. Discos intervertebrais Os 23 discos intervertebrais conectam os corpos vertebrais vizinhos. A defasagem entre o número de vértebras e o número de discos intervertebrais deriva do fato de que os ossos das regiões sacral e coccígea não possuem disco intervertebral entre si e que C1 e C2 são conectadas por meio de articulações sinoviais. Os discos intervertebrais consistem em um anel fibroso externo que envolve um núcleo pulposo interno. A pressão sobre o disco intervertebral gera uma expansão do núcleo pulposo em todas as direções, uma vez que é abundante a presença de água e o disco não pode ser comprimido. Essa expansão determina uma força de tração no anel fibroso. Portanto, o disco desempenha um papel de almofada aquosa. Eles representam um tecido com redução do metabolismo e mínima aptidão regenerativa. 116 Unidade I O esforço de compressão diário motiva uma diminuição reversível de água do núcleo pulposo, que implica na redução da altura dos discos intervertebrais e na estatura do corpo. Com a descompressão acontece uma reidratação, induzindo nutrientes ao disco intervertebral. No entanto, os vasos de sangue estão presentes tão-só nas camadas mais externas do anel fibroso. Lembrete As articulações da cabeça não apresentam discos intervertebrais. A falta dos discos entre o osso occipital C1 e C2 possibilita a grande movimentação dessa região. A figura a seguir mostra que diversas atividades esportivas, como pular corda, saltar de trampolim ou fazer jogging, levam a um aumento considerável da carga que age sobre a coluna vertebral. Saltos leves sobre um trampolim provocam uma pressão máxima de 240%; saltos altos, uma carga de 380%; pular corda sem grande esforço, uma carga de 240%; jogging realizado com sapatos apropriados, eleva a carga para valores de 170%, um dos motivos pelos quais indivíduos com artrose avançada de joelho devem evitar esse tipo de carga. Valores consideravelmente mais altos com cargas dinâmicas estão presentes também. Por esse motivo, durante cargas esportivas, como, por exemplo, no levantamento depeso, deve-se prestar atenção para que a realização do movimento seja realizada com a técnica apropriada, uma vez que ela leva a uma melhor distribuição de cargas na região dos discos intervertebrais. Em pé Deslizando sobre bolas suíças Praticando jogging Saltando do trampolim Pulando corda Apoiado sobre quatro apoios Com as costas arqueadas Com acentuação da lordose lombar 0% 50% 100% 150% 200% 250% Momento de curvatura Pressão intradiscal Figura 112 – Pressão intradiscal e momentos de curvatura nos fixadores vertebrais para diferentes atividades esportivas relacionadas aos valores na posição em pé Fonte: Weineck (2013, p. 88). 117 ANATOMIA A herniação do núcleo pulposo para dentro do anel fibroso ou através dele é uma causa comum de lombalgia, muitas vezes chamada de ruptura ou deslizamento do disco intervertebral. Atividades físicas, como, por exemplo, os alongamentos, descomprimem os discos e aumentam a circulação do sangue geral, o que acelera a captação de O2 e de nutrientes pelos discos e a retirada de metabólitos. Observação Uma musculatura abdominal e lombar forte protege a coluna vertebral e é capaz de fazer com que o disco intervertebral seja predominantemente submetido à pressão. Variações no número das vértebras A maioria dos indivíduos apresenta 33 vértebras, porém, alguns podem ter 32 ou 34 em razão de falhas no desenvolvimento. As estimativas da frequência de números anormais das vértebras acima do sacro alteram entre 5% e 12%. As variações das vértebras são afetadas por diversos fatores de variação anatômica, como, por exemplo, raça, sexo e ambiente. O aumento do número de vértebras é mais comum em homens e a diminuição em mulheres. Além disso, algumas raças têm maior variação do número de vértebras. Tais diferenças podem ser clinicamente relevantes. 4.4.9 Cintura escapular A cintura escapular é composta pela escápula e clavícula, conforme ilustram as figuras. A clavícula é um osso par que compõe parte da cintura escapular e é alongado, ou seja, embora comprido nem sempre apresenta cavidade medular, conforme visto na classificação morfologia óssea. Portanto, não é um osso longo típico por não possuir todos os atributos indispensáveis para assim ser comtemplada. A clavícula tem o formato curvado como um S (em itálico), localizada quase que horizontalmente logo acima da I costela. A escápula é um osso par, plano e triangular. A escápula articula-se com dois ossos: o úmero e a clavícula. Figura 113 – A escápula 118 Unidade I Figura 114 – A clavícula Observação O termo escápula advém do latim, scapulae, espáduas, ombros, e do grego, skaptein, escavar, pá, pois em algumas culturas antigas as escápulas de animais eram usadas como pás. Aristóteles e Galeno chamavam-na de omoplata, do grego omos, ombro e platôs, chato. 4.4.10 Membro superior Os membros superiores dos seres humanos, ao passarem da posição quadrúpede para a bípede, tiveram a função de locomoção reduzida, porém, ganharam mobilidade e preensão. Os ossos dos membros superiores podem ser divididos em três segmentos: o braço, o antebraço e as mãos. O úmero é o maior e mais longo osso do membro superior, localizado no braço. Os dois ossos longos paralelos, o rádio e a ulna compõem o esqueleto do antebraço. Na posição anatômica, o rádio situa-se lateralmente e a ulna medialmente. Figura 115 – Úmero Figura 116 – Rádio Figura 117 – Ulna 119 ANATOMIA O termo úmero deriva do latim, humerus/umerum ombros, espáduas, e do grego, omos, ombros. Por sua vez, rádio advém do latim, radius, raio de uma roda, cuja forma foi comparada aos raios de uma roda, sendo o termo introduzido por Celso. Já ulna, do latim, ulna, antebraço, e do grego, olene, cotovelo tem diversos significados, que na anatomia moderna são distintos. Assim, para uns era o antebraço enquanto para outros, o braço, e para muitos a união dos dois, o cotovelo. Passou a designar o osso do antebraço no século XX, em substituição ao cúbito. Observação Algumas vezes é pertinente utilizar algum recurso que auxilie a lembrar de um novo dado. Tal ajuda é chamada de dispositivo mnemônico ou ativador da memória. Para auxiliar a lembrança da localização da ulna em relação à mão, um mnemônico pode ser MU (o mindinho está no lado da ulna), ou, ainda, o polegar é a antena do rádio. A mão preênsil representa, em companhia ao encéfalo e a laringe, o seu comprometimento com a capacidade da fala, um órgão cultural imprescindível para a evolução dos homens. É consenso que a evolução da mão, até atingir a aptidão de produção de ferramentas, aconteceu anteriormente ao avanço da fala. De qualquer forma, a mão apresenta um papel relevante na comunicação não verbal, ou guiando a palavra proferida ou, ainda, como parte da linguagem corporal. As funções preênsil e tátil da mão são fundamentais e carecem das articulações dos dedos, com o polegar exibindo uma movimentação extraordinária e podendo ostentar uma posição de oposição em relação aos quatro outros dedos. Os papéis das articulações das mãos são inerentes no uso e no posicionamento adequado das mãos em relação ao antebraço. Para que os dedos façam ações mais concisas, manuseando artefatos pequenos, na escala de milímetros, os dedos têm que ser finos. Eles não apresentam músculos e são movidos por longos tendões dos músculos do antebraço e, ainda, dos músculos intrínsecos da mão. Coligado à visão, os humanos podem utilizar o sentido tátil da mão para o reconhecimento de um espaço tridimensional e de seus artefatos. A relevância da mão procedeu no uso da expressão “palpar” também para o entendimento de processos abstratos. A mão se divide em: carpo, metacarpo e os ossos dos dedos. O carpo é formado por 8 ossos dispostos em duas fileiras: proximal e distal. A fileira proximal de lateral para medial inclui: o escafoide, semilunar, piramidal e pisiforme. A fileira distal de lateral para medial inclui: o trapézio, trapezoide, capitato e hamato. O metacarpo é composto por cinco ossos que são numerados de lateral para medial em I, II, III, IV e V metacarpos e obedecem aos dedos da mão. Eles são classificados como ossos longos. Entre os ossos do metacarpo existem os espaços interósseos. Os cinco dedos da mão de lateral para medial são: o polegar (I), o dedo indicador (II), o dedo médio (III), o dedo anular (IV) e o dedo mínimo (V). Eles apresentam 14 falanges, cada uma na qual há uma 120 Unidade I base, um corpo e uma cabeça. São classificadas como ossos longos. Do II ao V dedos apresentam três falanges: a proximal, a média e a distal. O dedo I possui duas falanges: a proximal e a distal. Ulna Processo estiloide da ulna Semilunar Piramidal Pisiforme Hamato Hâmulo do osso hamato Capitato Trapezoide Tubérculo do trapezoide Trapézio Tubérculo do escafoide Escafoide Processo estiloide do rádio Rádio Ossos do metacarpo Figura 118 – A mão Fonte: Netter (2006, p. 435). O termo mão deriva do latim, manus, mão. Por sua vez, carpo advém do grego, karpos, punho. Os ossos do carpo não tinham nomes individuais, eram distinguidos por números nas obras de Vesalius. Foram Monro e Albinus que publicaram tratados de osteologia denominando-os como “osso do carpo”. Similarmente, metacarpo deriva do grego, meta, depois de, além, após, e karpos, punho. Aristóteles afirmava que o metacarpo possuía cinco ossos, já Galeno apenas quatro, pois considerava o osso metacarpiano do polegar uma falange. A palavra escafoide provém do grego, skaphoeides, scaphe, canoa e oides, forma de. O termo nomeava indistintamente qualquer osso ovoide escavado, em forma de canoa, em cuja concavidade encaixava-se outro osso. Já semilunar advém do latim, luna, lua, e semi, metade e piramidal do latim, pyramidalis/pyramis, relativo à pirâmide. A real origem da palavra é provavelmente egípcia, quando, no Egito Antigo, os pães eram denominados pyramis e apresentavam o formato de uma pirâmide. Alguns etimologistas alegam que pyramis deriva do grego pyr, fogo, porquea forma da pirâmide lembra a de uma pira; ou do grego pyros, trigo, pela forma adotada pelo acúmulo de grãos desse cereal. O termo pisiforme é derivado do latim pisum, ervilha, e formis, forma de. Já capitato do latim, capitatum/caput, provido de cabeça, cabeçudo; e uncinado, do latim, uncinatus, forma de gancho, recurvado. Por sua vez, o termo falange, do grego, phalangx, fileira de soldados, foi utilizado por Aristóteles para se referir aos ossos dos dedos, por conta de seu arranjo em fileiras, um atrás do outro. 121 ANATOMIA Lembrete Para fixar os nomes dos ossos do carpo (de proximal para distal; de lateral para medial): “Um barco (escafoide) viajou à luz do luar (semilunar) em torno da pirâmide (piramidal) e pela plantação de ervilhas (pisiforme). O grande trapézio (trapézio), o trapézio pequeno (trapezoide), a grande cabeça (capitato) devem permanecer juntos ao gancho (hamato)”. 4.4.11 Cintura pélvica Ao assumir a marcha ereta, e em similaridade à coluna vertebral, a pelve humana possui grandes desigualdades funcionais em comparação à dos quadrúpedes. Ela é extraordinariamente maciça se comparada à pelve de quadrúpedes, uma vez que ampara grande parte da massa corporal, exceto dos membros inferiores. Na posição ereta, o peso das vísceras abdominais e das vísceras pélvicas é empregado especialmente sobre a pelve. O termo pelve, do latim, pélvis, bacia, caldeirão, e do grego, pyelos, tigela, bacia, em Roma Antiga se referia a um grande vaso fundo com uma orda retorcida, como um caldeirão. A tradução francesa da palavra foi bassin e, no final do século passado XX, por ser o francês a língua oficial nos tratados de obstetrícia, ela foi traduzida para o português, literalmente, como bacia e ficou consagrada na área médica. A cintura pélvica, do latim, pélvis, é formada pelos ossos do quadril, que se articulam entre si, pelas vértebras coccígeas e pelo sacro. O osso do quadril é classificado morfologicamente em plano ou irregular. A sua constituição inclui três ossos isolados: o ílio, o ísquio e o púbis. Nos seres humanos, até a puberdade, as três peças ósseas que compõem o osso do quadril continuam conectadas umas às outras por cartilagem. A partir deste período acontece a ossificação da cartilagem e o osso do quadril passa a ser único, apesar de que permaneçam as nomeações das peças ósseas que o formam originalmente. Figura 119 – Osso do quadril 122 Unidade I O estreito superior da pelve, ao nível das linhas arqueadas, divide a pelve em uma parte superior, a pelve maior, ou falsa, e outra parte inferior, a pelve menor, ou verdadeira. A pelve maior aloja os órgãos abdominais, enquanto a pelve menor aloja os órgãos do sistema genital e o final do sistema digestório. A sínfise púbica é uma articulação semimóvel que une os ossos do quadril. Observação Durante a gestação e o parto, a pelve feminina sofre modificações. As dimensões da pelve menor aumentam e a sínfise púbica se torna mais flexível nas gestantes à medida que os hormônios, no caso a relaxina, produzida pelo corpo lúteo e pela placenta, promovem o relaxamento dos ligamentos pélvicos. A pelve representa um conjunto ósseo, em formato de anel, que transmite o peso da cabeça, do pescoço, dos membros superiores e do tronco por meio de suas articulações até os membros inferiores. Em relação à pelve masculina, a feminina possui as seguintes peculiaridades: • Ossos mais suaves e delgados, com as saliências e as depressões menos pronunciadas. • Promontório mais saliente. • Sínfise púbica e o sacro mais curto. • Concavidade sacral mais funda. • Fossas ilíacas maiores, mais rasas, achatadas e horizontais. • Inclinação pélvica apresenta 4 graus a mais. • Arco púbico mais ampliado. • Acetábulos mais separados. • Forame obturado mais oval com predomínio transverso nos homens; e mais circular nas mulheres. • Ossos fêmures mais oblíquos. 123 ANATOMIA Articulação sacroilíaca Promontório sacral Diâmetro transverso ~ 13 cm da abertura superior da pelve Diâmetro anatômico ~ 11 cm da abertura superior da pelve Diâmetro oblíquo ~ 12,5 cm da abertura superior da pelve Eminência iliopúbica Espinha isquiática Túber isquiático Arco púbico Sínfise púbica Figura 120 – A pelve feminina Fonte: Netter (2006, p. 776). As asas do ílio são mais alargadas Diâmetro transverso da pelve Diâmetro oblíquo da pelve Todas as medidas são ligeiramente menores do que no sexo feminino, no que diz respeito ao tamanho do corpo Diâmetro anatômico da pelve A abertura superior da pelve está orientada mais anteroposteriormente do que no sexo feminino, onde ela tende a ser transversalmente oval O arco púbico e o ângulo subpúbico são mais estreitos A sínfise púbica é mais profunda (mais alta) Os túberes isquiáticos estão mais afastados Figura 121 – Pelve masculina Fonte: Netter (2006, p. 342). 124 Unidade I 4.4.12 Membro inferior Os membros inferiores dos seres humanos desenvolveram-se, sobretudo, para a manutenção da massa corporal e a locomoção. Portanto, eles têm a capacidade de movimentar-se de um lugar para outro e sustentar o equilíbrio. Os ossos dos membros inferiores podem ser divididos em três segmentos: a coxa, a perna e os pés. Os membros inferiores são unidos ao tronco pela cintura pélvica. A marcha ereta dos humanos solicita adaptações morfológicas, não apenas na pelve, mas também na parte livre do membro inferior, responsável por muitas diferenças entre os membros inferiores e os superiores. Em virtude da sustentação da massa corporal, o fêmur é um osso muito mais vigoroso do que o úmero. O acetábulo da articulação do quadril é expressivamente mais profundo do que a cavidade glenoide da articulação do ombro, ocasionando em uma resistência maior contra luxações, contudo, possuindo uma movimentação mais restringida. Os ligamentos possuem os mesmo objetivos e são muito fortes, cujo arranjo possibilita a postura ereta, com um mínimo de empenho, em uma articulação do quadril em extensão. Os prestigiosos ligamentos do joelho não apenas resistem a luxações, porém, também se exibem estendidos, transformando os membros inferiores em colunas estáveis, adequados em sustentar a massa corporal, sem grande vigor muscular. A disposição assimétrica dos ligamentos da articulação do quadril e da articulação do joelho, por exemplo, possibilita uma flexão máxima sincrônica durante a corrida. O fêmur é o mais longo e pesado osso do organismo humano. Ele influencia significativamente a estatura de um indivíduo, que pode ser medida a partir do comprimento do fêmur, como, por exemplo, na arqueologia. O fêmur transmite o peso do tronco e da pelve para a tíbia. Figura 122 – O fêmur Caso o fêmur seja fraturado, acontece a perda de aproximadamente de 1 a 2 litros de sangue, e isso pode causar choque por hipovolemia, estado de diminuição do volume de sangue. A patela é um osso pequeno e triangular, situada anteriormente à articulação do joelho. É o maior osso sesamoide do corpo humano. É dividida em: base, ápice, face anterior e face articular. A face anterior é convexa, enquanto a posterior possui uma área articular lisa e oval. Afora pelo fêmur, a tíbia é o maior osso no corpo humano que aguenta a massa corporal. Está situada medialmente na perna e tem o papel de transferir o peso do fêmur para o tálus. 125 ANATOMIA Figura 123 – Tíbia Lembrete O termo “tíbia” quer dizer flauta, pois os ossos tibiais de pássaros eram utilizados antigamente para fazer instrumentos musicais. A fíbula localiza-se lateralmente e um pouco posterior à tíbia e não possui a função de manutenção da massa corporal. Ela não contribui com a articulação do joelho e auxilia a estabilização da articulação do tornozelo. Também não transfere o peso do fêmur para o pé significativamente. Figura 124 – Fíbula O termo fíbula, do latim espeto, agulha, prego, reconhecido como anatômico em virtude de sua similaridade com uma agulha. Estaria relacionado à “infibulação”, processousado pelos romanos em que uma agulha de prata era inserida no prepúcio de adolescentes a fim de evitar relações sexuais prematuras. Já a palavra fêmur deriva do latim, fêmur, coxa, sendo que há controvérsia quanto sua origem, para alguns estudiosos seria advinda de fero, “eu levo ou carrego”, já para outros de feo, “eu gero ou produzo”. Por sua vez, patela é derivada do latim, patela, prato, panela rasa. Geralmente feitas de barro ou cerâmica para uso diário, eram comumente utilizadas em rituais de sacrifícios, quando eram ricamente ornamentadas, possuindo longos cabos. O termo foi introduzido por Celso, provavelmente pela semelhança de forma do prato e cabo com o osso e o tendão do músculo quadríceps femoral e o ligamento patelar. O último segmento dos membros inferiores é o pé, que se divide em: tarso, metatarso e falanges, que compõem o esqueleto dos dedos. Os pés são responsáveis pela sustentação e pela locomoção. O pequeno desenvolvimento dos ossos dos dedos dos pés se dá pelo fato de que, com a aquisição da postura ereta, os dedos dos pés humanos abandonaram o papel de órgãos de preensão, diferentemente de outros primatas. 126 Unidade I O tarso possui sete ossos, divididos em duas fileiras: a proximal e a distal. Os dois ossos da fileira proximal são: o calcâneo e o tálus. A fileira distal abrange: o osso navicular, o osso cuboide, o osso cuneiforme medial, o osso cuneiforme intermédio e o osso cuneiforme lateral. Ele transmite a massa corpórea em dois sentidos: inferior e posterior, para o calcâneo; e inferior e anterior para o calcâneo e o osso navicular, os quais, por sua vez, o transmitem para os ossos da fileira distal e para os metatarsos. O calcâneo é um osso quadrangular que compõe o calcanhar, transferindo a massa corporal transmitida pelo tálus ao solo. É o mais volumoso dos ossos do tarso. O osso navicular está localizado medialmente no pé. O osso cuneiforme medial apresenta o formato de cunha. O osso cuboide é o maior da fileira distal do tarso. O metatarso é composto por 5 ossos, que são numerados de medial para lateral em I, II, III, IV e V. Esses ossos são longos e determinam a ligação entre o tarso e as falanges. Diferentemente das mãos, em que o polegar possui enorme independência de movimentação, no metatarso todos os ossos são paralelos e no mesmo plano. Os dedos dos pés de medial para lateral são: o hálux, ou dedo I, dedo II, dedo III, dedo IV e o dedo mínimo ou V dedo. A palavra hálux deriva do latim, hallus, que quer dizer dedo grande do pé. O termo pé é derivado do latim, pes/pedis, pé de homem ou animal, e do grego, pódos. Por sua vez, tarso advém do grego, tarsos, cesto para secar queijo, moldura de tear. A palavra era usada para designar uma série de estruturas planas e expandidas, como asa de ave, lâmina de serra. Hipócrates usava o termo tarsós podós para a planta do pé. Galeno foi o primeiro a usá-lo para nomear uma parte do esqueleto no pé. Similarmente, metatarso é derivado do grego, meta, depois, entre, e tarsos, tornozelo. A palavra foi cunhada por analogia a metacarpo e foi introduzida pela primeira vez por André Laurentius, em 1589. Mais algumas origens de termos dessa área: calcâneo, do latim, calx, calcanhar; tálus, do latim, talus, tornozelo, dado de jogar; cuboide, do grego, kuos/kybos, cubo e eidos, forma de; navicular, do latim, navícula, pequeno barco (Vesalius usava o termo scapheoides ou navicularis para os ossos do carpo; cuneiforme, do latim, cuneus, cunha e formis, forma de). As falanges são ossos longos e somam-se em 3: falange proximal, falange média e falange distal, em cada dedo (exceto o hálux) e, às vezes, o dedo mínimo possui apenas duas falanges. 127 ANATOMIA Tíbia Tálus * * Navicular Tarso Cuneiformes Falange proximal do hálux Falange distal do hálux Metatarsos Cuboide Calcâneo Fíbula Falanges Articulações interfalangeanas Falange proximal Falange média Falange distal Figura 125 – Pé Fonte: Milady (2010, p. 7). Observação Na clínica médica utiliza-se comumente outra divisão que define a região do antepé na divisão anatômica supracitada. O tálus e o calcâneo compõem o retropé. Os demais ossos do tarso e os ossos do metatarso formam o mediopé. Resumo A anatomia humana é a ciência que estuda a estrutura do organismo humano. A terminologia anatômica é descrita, geralmente, com vocábulos de origem grega ou latina. A história da anatomia é similar a da Medicina e foi influenciada pelas diversas religiões. O interesse pré-histórico pela anatomia foi indiscutivelmente limitado à observação e puramente baseado no misticismo. A anatomia encontrou grande aprovação como uma ciência, primeiramente, na Grécia Antiga. Alexandria foi um centro de aprendizagem científica, local em que foram realizadas dissecações e vivissecções. Durante o período romano, Galeno, um médico influente, fez alguns avanços relevantes em anatomia, mas, ao mesmo tempo, implantou erros graves na literatura que se tornaram incontestáveis durante séculos. Na 128 Unidade I Idade Média, a anatomia sofreu forte repressão religiosa e as dissecações de cadáveres humanos foram proibidas. Durante as Cruzadas, as escritas anatômicas foram levadas de Alexandria pelos árabes, cujos estudos foram bastante relevantes nesse período. Diversas universidades se estabeleceram na Europa durante o Renascimento. O médico Andreas Vesalius é considerado o pai da anatomia. A plastinação é uma técnica anatômica que envolve polêmicas bioéticas, pois os cadáveres humanos são mostrados em exposições e faculdades de medicina. As células especializadas estão estrutural e funcionalmente integradas para constituir um organismo. O corpo humano é dividido em cabeça, pescoço, tronco e membros. Na posição anatômica, o indivíduo está ereto com os pés paralelos, olhar voltado para o horizonte e membros superiores juntos ao tronco com as palmas das mãos voltadas para frente e os dedos das mãos dirigidos para baixo. Todas as descrições de posição ou localização partem da posição anatômica. As direções abrangem a superior, inferior, anterior, posterior, medial, lateral, proximal e distal. Os planos que passam através do organismo humano são: o sagital, o coronal e o transverso. Termos de direção são utilizados para descrever a localização de uma parte do corpo em relação à outra parte na posição anatômica. O organismo é formado por diversas cavidades. A cavidade anterior é subdividida em: torácica, abdominal e pélvica; a posterior é subdividida em craniana e espinal. Os princípios de construção do corpo humano abrangem a antimeria, metameria, paquimeria, segmentação e estratimeria. O aparelho locomotor é composto pelo esqueleto, pelas articulações e pelos músculos. O esqueleto é dividido em esqueleto axial, que consiste no crânio, hioide, coluna vertebral e tórax. O esqueleto apendicular consiste em ossos dos membros superior e inferior. Há duas cinturas, a escapular e a pélvica. As funções do esqueleto abrangem a sustentação, a proteção, a produção de células de sangue e o armazenamento de gordura e minerais. Os 14 ossos da face são: nasais, maxilas, zigomáticos, mandíbula, lacrimais, palatinos, conchas nasais inferiores e vômer. Os ossos da face compõem a forma básica da face, dão sustentação para os dentes e proporcionam as inserções para os músculos da face. O osso hioide está situado no pescoço, entre a mandíbula e a laringe. Os ossículos da audição (martelo, bigorna e estribo) estão situados no interior de cada cavidade da orelha média. 129 ANATOMIA A coluna vertebral consiste nas seguintes vértebras: 7 cervicais, 12 torácicas, 5 lombares, 4 ou 5 sacrais fundidas e 3 a 5 coccígeas fundidas. Há sete pares de costelas verdadeiras e cinco pares de costelas falsas. Os dois pares inferiores de costelas falsas (pares 11 e 12) são chamados de costelas flutuantes. Há também um par de escápulas e de clavículas. Anteriormente, cada clavícula se articula com o esterno pela articulaçãoesternoclavicular. O braço contém o úmero, que se estende do ombro ao cotovelo. Detalhes anatômicos do úmero incluem: proximais, a cabeça, os tubérculos maior e menor, o colo anatômico e o sulco intertubercular; distais, os epicôndilos medial e lateral, as fossas coronoide e do olécrano, o capítulo e a tróclea. O antebraço contém a ulna (medialmente) e o rádio (lateralmente). A mão contém 27 ossos, incluindo 8 ossos carpo, 5 ossos do metacarpo e 14 falanges. A pelve divide-se em pelve maior, que ajuda a sustentar as vísceras pélvicas, e pelve menor, que constitui as paredes do canal do parto. Cada osso do quadril consiste em ílio, ísquio e púbis. A coxa contém o fêmur, que se estende do quadril ao joelho, onde se articula com a tíbia e a patela. Detalhes anatômicos do fêmur incluem: proximais, cabeça, fóvea da cabeça do fêmur, colo, trocanter maior e trocanter menor; distais, epicôndilos lateral e medial, côndilos lateral e medial e face patelar. A perna contém a tíbia, medialmente e a fíbula, lateralmente. O pé contém 26 ossos incluindo 7 ossos do tarso, 5 do metatarso e 14 falanges. Os ossos podem ser classificados de acordo com a sua forma em: longos, curtos, planos e irregulares. As superfícies externas dos ossos apresentam detalhes anatômicos, por exemplo, tuberosidades, fossas, forames e incisuras. Um típico osso longo possui diáfise, com um canal medular preenchido por medula óssea, epífises, periósteo e endósteo. O osso compacto é a parte densa externa; o osso esponjoso é a parte interna porosa e vascular. 130 Unidade I Exercícios Questão 1. Leia o texto a seguir: “Uma breve história da anatomia humana Figura 126 – Rembrandt, A lição de anatomia do dr. Tulp, 1632, óleo sobre tela, 169,5 cm x 216,5 cm, Mauritshuis A anatomia humana é símbolo de um mistério que, durante toda a história, instigou questionamentos daqueles que, incessantemente, ansiavam por descobrir o que se esconde sob o manto o qual chamamos de pele. Embora os primeiros registros de dissecações em seres humanos sejam de Alexandria, realizadas por Herófilo e Erasístrato no século IV a.C., muitos consideram seu início já em meados do século V a.C. quando, no sul da Itália, Alcméon de Crotona realizou dissecações em animais, na tentativa de estender suas descobertas à espécie humana. Por volta do século II, quando, por motivos éticos e religiosos, proibiu-se o uso de cadáveres humanos, predominou a prática da dissecação em animais. O grande expoente desse período foi Galeno, que trabalhou como médico na mais famosa das arenas de gladiadores de Roma – o Coliseu – e realizou inúmeras dissecações em animais, criando teorias e representações que se enquadrassem também ao corpo humano, consideradas inovações à época, mas hoje defasadas. Durante os três séculos seguintes, a Escola de Galeno reinou por toda a Europa, até que, com a queda do Império Romano e a ascensão do Clero cristão ao poder, no século V, tanto suas descobertas quanto quaisquer outros estudos sobre anatomia – em animais ou humanos – foram proibidos, sendo atribuídos a eles características de cunho hediondo. Tal situação culminou com uma estagnação que durou aproximadamente 700 anos, quando em Salerno, na Itália, foi criada a primeira Universidade de Medicina, trazendo à tona os registros de Galeno. 131 ANATOMIA Outro passo, ainda maior, foi dado quando foram novamente legalizadas as práticas de dissecação de cadáveres humanos nas universidades – práticas ainda muito rudimentares, as quais, devido à inexistência de quaisquer formas de conservação dos corpos, deveriam ser realizadas sempre em até 48 horas – marcando o início de uma época de irrefreáveis avanços da anatomia. Tal progresso se deveu, em grande parte, ao aumento do número de pessoas interessadas na área durante o período Renascentista, sendo, muitas delas, artistas que buscavam, na anatomia, bases para retratarem de maneira mais precisa a figura humana. O mais famoso deles, Leonardo da Vinci, entre seus vários trabalhos, ainda é reconhecido por seus diversos esboços e obras baseados na arte da dissecação. Então, em 1543, foi produzido o primeiro livro atlas de Anatomia – De Humani Corporis Fabrica – pelo médico belga Andreas Vesalius, incitando cada vez mais médicos a desmistificarem os segredos do corpo humano. Com a disseminação do conhecimento e a crescente busca por respostas, ao final do século XVII, Swammerdam, Ruysch e outros estudiosos passaram a produzir peças anatômicas para exposição em museus de anatomia. Atualmente, a disciplina de anatomia humana é de caráter obrigatório para todos cursos da área da saúde, visto que o seu entendimento se faz fundamental para a compreensão da fisiologia e dos processos patológicos que acometem o ser humano.” Adaptado de: UFCSPA ([s.d.]). Com base na leitura e nos seus conhecimentos, avalie as afirmativas: I – Os primeiros estudos a respeito da anatomia feitos com dissecações em seres humanos ocorreram por volta do século V a.C. II – Galeno (Claudius Galenus), no período clássico (romano) da história, fez importantes contribuições para os estudos da anatomia humana por meio de experimentações com a dissecação de animais. III – O primeiro livro atlas de Anatomia, chamado de De Humani Corporis Fabrica, foi elaborado pelo médico belga Andreas Vesalius, em 1453; essa obra estimulou estudiosos a progredirem no conhecimento da anatomia humana. É correto o que se afirma em: A) I, II e III. B) I e II, apenas. C) II e III, apenas. D) II, apenas. E) III, apenas. Resposta correta: alternativa C. 132 Unidade I Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: segundo o texto, “embora os primeiros registros de dissecações em seres humanos sejam de Alexandria, realizadas por Herófilo e Erasístrato no século IV a.C., muitos consideram seu início já em meados do século V a.C. quando, no sul da Itália, Alcméon de Crotona realizou dissecações em animais, na tentativa de estender suas descobertas à espécie humana”. Sobre o tema aqui abordado, vale a pena ler o texto a seguir: “Praxágoras é reconhecido como o primeiro a identificar as diferenças entre as artérias e as veias. O primeiro uso de cadáveres para pesquisa anatômica ocorreu no século IV a.C., com Herófilo e Erasístrato. Eles tiveram permissão para dissecar indivíduos ainda vivos (vivissecções), no caso criminosos de Alexandria sob os auspícios da dinastia dos Ptolomeus. Herófilo em particular sintetizou o conhecimento anatômico com mais proximidade do conhecimento atual do que qualquer outro até aquela época. O grego Teofrasto (? – 287 a.C.), discípulo de Aristóteles, também realizou dissecções em humanos. Ele cunhou o termo ‘anatomia’ (em grego, anna temnein), que se generalizou, englobando todo o campo da biologia que estuda a forma e a estrutura dos seres vivos, existentes ou extintos.” Adaptado de: Lacerda (2010, p. 3). II – Afirmativa correta. Justificativa: segundo o texto, “por volta do século II, quando, por motivos éticos e religiosos, proibiu-se o uso de cadáveres humanos, predominou a prática da dissecação em animais”. Destaca-se que “o grande expoente desse período foi Galeno, que trabalhou como médico na mais famosa das arenas de gladiadores de Roma – o Coliseu – e realizou inúmeras dissecações em animais, criando teorias e representações que se enquadrassem também ao corpo humano, consideradas inovações à época, mas hoje defasadas”. Sobre Claudius Galenus, vale a pena ler o texto a seguir: Figura 127 – Claudius Galenus 133 ANATOMIA “Claudius Galenus (Pérgamo, 129, agora Bergama na Turquia – provavelmente Sicília, 200) foi um proeminente médico grego (educado em Alexandria), cirurgião e filósofo. Galeno contribuiu muito para a compreensão de numerosas disciplinas científicas, incluindo a anatomia, a fisiologia, a patologia, a farmacologia, a neurologia e a filosofia. A anatomia e a medicina de Galeno foram influenciadas pela teoria do ‘humorismo’, praticada pormuitos médicos gregos, inclusive Hipócrates. As teorias de Galeno dominaram e influenciaram a ciência médica ocidental por quase ‘dois milênios’. Suas análises anatômicas, baseadas na dissecção de animais (símios, porcos e cães), permaneceram incontestáveis até 1543, quando descrições e desenhos pormenorizados de dissecações do corpo humano foram publicados em De Humani Corporis Fabrica (de Andreas Vesalius). A teoria de Galeno para o funcionamento do sistema circulatório ainda perdurou até 1628, quando William Harvey publicou Exercitatio Anatomica de Motu Cordis et Sanguinis in Animalibus, e estabeleceu que o sangue circulava e o coração o impulsionava, como uma bomba. Galeno elucidou a anatomia da traqueia e foi o primeiro a demonstrar que a laringe gera a voz. Galeno provavelmente entendeu a importância da ventilação artificial porque um de seus experimentos usava inflar os pulmões de um animal morto. Uma de suas maiores contribuições para a medicina foi o trabalho sobre o sistema circulatório. Ele foi o primeiro a reconhecer que existem diferenças entre o sangue venoso (escuro) e o arterial (brilhante). Com seus experimentos anatômicos em animais compreendeu melhor os sistemas circulatório, nervoso, respiratório e outras estruturas. Mas seu trabalho ainda continha muitas imprecisões. Galeno acreditava que o sistema circulatório consistia de dois sistemas unidirecionais de distribuição de sangue, ao invés de um único sistema unificado de circulação. Seu entendimento foi que o sangue venoso seria gerado no fígado (de onde seria distribuído para o corpo e então consumido). Galeno postulava igualmente que o sangue arterial seria gerado no coração (de onde seria distribuído para o corpo e então consumido). O fígado e o coração, então, seriam responsáveis por regenerar o sangue, completando o ciclo. Galeno também acreditava na existência de um grupo de vasos sanguíneos chamados de rete mirabile, próximo à parte dorsal do encéfalo. Infelizmente o trabalho original de Galeno se perdeu no tempo. Temos conhecimento de uma fração de seu trabalho graças às compilações feitas pela medicina árabe, que foram recuperadas no renascimento na Europa.” Adaptado de: Lacerda (2010, p. 4). III – Afirmativa correta. Justificativa: segundo o texto, “em 1543, foi produzido o primeiro livro atlas de Anatomia – “De Humani Corporis Fabrica” – pelo médico belga Andreas Vesalius, incitando cada vez mais médicos a desmistificarem os segredos corpo humano”. Sobre Andreas Vesalius, vale a pena ler o texto a seguir. Figura 128 – Andreas Vesalius 134 Unidade I “Vesalius conseguiu refutar diversas teorias sobre o corpo humano, antes propostas por Galeno, o que foi de extrema importância para o avanço de estudos relacionados à anatomia, provando até mesmo o contrário acerca da crença comum de que os homens possuíam uma costela a menos do que as mulheres. Andreas Vesalius (1514-1564) publicou um tratado de anatomia em 1543, De Humani Corporis Fabrica, que era um desafio a Galeno. Vesalius foi da Lovaina até Pádua, onde pôde dissecar corpos de criminosos condenados à morte (enforcamentos) sem medo de ser perseguido. Seus desenhos são descrições detalhadas da anatomia humana que evidenciam as diferenças em relação às descrições feitas por Galeno (em animais). Muitos outros anatomistas que vieram depois de Vesalius também desafiaram o ‘saber galênico’, mas este ainda reinou por mais um século.” Adaptado de: Lacerda (2010, p. 4). Figura 129 – Ilustração da obra de Vesalius (1543) com desenho realístico de uma dissecção Fonte: Lacerda (2010, p. 6). Questão 2. O esqueleto humano pode ser genericamente dividido em: • esqueleto axial (composto pela caixa craniana, pela coluna vertebral e pela caixa torácica); • esqueleto apendicular (composto pela cintura escapular, pela cintura pélvica e pelo esqueleto dos membros superiores e inferiores). Em relação aos elementos formadores do esqueleto axial e do esqueleto apendicular, analise a figura a seguir. 135 ANATOMIA Crânio Maxilar Mandíbula Úmero Esterno Coluna vertebral Rádio Ulna Sacro Ílio Carpo Metacarpo Falanges Ísquio Púbis Tarso Metatarso Falanges Elemento 7 Elemento 6 Elemento 5 Elemento 4 Elemento 3 Elemento 2 Elemento 1 Figura 130 – Esqueleto humano Adaptada de: Brito e Favaretto (1997, p. 51). Assinale a alternativa que mostra correta e respectivamente os nomes dos elementos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. A) Escápula, clavícula, costelas, fêmur, patela, tíbia e fíbula. B) Cuboide, clavícula, costelas, fêmur, rótula, tíbia e tálus. C) Tálus, cuboide, escápula, fêmur, rótula, tíbia e fíbula. D) Clavícula, escápula, costelas, cuboide, patela, tálus e ulna. E) Clavícula, escápula, costelas, fêmur, rótula, tíbia e fíbula. 136 Unidade I Resposta correta: alternativa E. Análise da questão Visualizamos, na figura a seguir, as identificações dos elementos 1, 2, 3, 4, 5, 6 e 7. Crânio Maxilar Mandíbula Úmero Esterno Coluna vertebral Rádio Sacro Ílio Carpo Metacarpo Falanges Ísquio Púbis Tarso Metatarso Falanges Fíbula Tíbia Rótula Fêmur Costelas Escápula Clavícula Ulna Figura 131 – Esqueleto humano Adaptada de: Brito e Favaretto (1997, p. 51). 137 ANATOMIA Vejamos descrições dos elementos apresentados: • A clavícula é um osso par do esqueleto humano que liga os membros superiores ao tronco. • A escápula é um osso par do esqueleto humano, localizado na porção póstero-superior do tórax que, juntamente com a clavícula, forma a cintura escapular e possibilita a união de cada membro superior ao tronco. • As costelas são ossos alongados e arqueados que se estendem da coluna vertebral até o esterno, ao qual se unem pelas cartilagens costais. • O fêmur é um osso longo, localizado na coxa, que se articula de modo proximal com o quadril e de modo distal com a tíbia e a rótula. Trata-se do único osso presente na região da coxa. • A rótula é um osso móvel na parte dianteira do joelho. • As tíbias (“ossos da canela”) são ossos longos localizados entre os pés e os joelhos. • A fíbula é um osso longo da perna do corpo humano.