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RESUMO O filme é narrado pelo próprio menino Nicolau. Logo nas primeiras cenas, o menino está na sala de aula e sua professora escreve uma frase no quadro que Nicolau chama de “tema engraçado” para uma redação: O que você quer ser quando crescer? Nicolau passa a falar sobre possíveis desejos de seus colegas enquanto ele mesmo não sabe a sua própria resposta. Diz que seu pai quando era criança desejava ter uma profissão bem diferente da que exerce e quanto à sua mãe, Nicolau afirma que tem certeza de que ela sempre quis ser mãe, e que inclusive, não gostaria que ela fizesse outra coisa. Seguindo a narrativa, Nicolau então descobre por que não sabe o que quer ser quando crescer; segundo ele, a sua vida é “legal” e não quer que ela mude. Joaquim, colega de classe, conta aos meninos que irá ganhar um irmãozinho e descreve quão desagradável é a situação. No caminho de volta para casa, Nicolau pergunta à Joaquim se ele não havia desconfiado sobre a chegada do irmão e Joaquim afirma que só notou a mudança de comportamento do pai, que de repente ficou mais atencioso, amoroso e prestativo com a mãe e com os afazeres domésticos. Em casa, Nicolau pergunta à mãe como se faz um bebê e ela o olha apreensivamente, momento em que o pai adentra na sala e sua presença põe fim ao assunto. Mais adiante, fazendo ligação com a narrativa de Joaquim e o comportamento de seus pais, Nicolau passa a desconfiar que também irá ganhar um irmãozinho e entra em desespero. Afirma ter certeza de que com a chegada da nova criança, sua mãe será persuadida pelo pai a abandoná-lo no bosque - assim como aconteceu com o Pequeno Polegar, da estória contada na sala de aula. Nicolau passa a enxergar seu pai como um duro e cruel rival e tenta a todo custo agradar sua mãe para não ser abandonado e não perder seu lugar na vida da genitora; e faz planos com os colegas para se livrar do suposto irmão. Logo em seguida, Joaquim que havia hostilizado a chegada do irmão, relata que tem sido agradável e que poderá ensiná-lo várias coisas. Nicolau então, desiste do plano de abandonar o suposto irmão, descobre que sua mãe não está gravida e insiste para ter um irmãozinho. Quando enfim seu desejo parece ter sido atendido, o menino descobre que ao nascer, a criança se trata de uma menina, fica furioso e enquanto fala o que pensa sobre ter ganhado uma irmã invés de um irmão, as pessoas na sala riem, e no final, Nicolau diz enfim saber a resposta do tema da redação: Quando crescer quer fazer as pessoas rirem. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Em resposta à carta aberta ao Dr. M. Furst, Freud questiona o que se quer alcançar quando se priva as crianças do esclarecimento sobre a vida sexual humana. (FREUD, 1856/1939). Para Freud essa privação além de não deter a pulsão sexual que naturalmente se manifesta, também não impede que as crianças adquiram conhecimento por outras vias. Aliás, essa privação ao final, parece só ter o propósito de desenvolver no futuro adulto, um desprezível senso de repugnância sobre tudo que é de ordem sexual. Em outras palavras, se a verdade fosse revelada sem vieses de negação, despertaria na criança menos curiosidade comparada àquilo que, por ignorância se pretende conservar. Para Freud, é um erro crasso pensar que falta às crianças pulsão sexual e que essa só se manifesta na puberdade. De modo geral, todas as crianças nascem trazendo sexualidade consigo e certas sensações sexuais as acompanham desde o aleitamento. Inclusive, não são somente os órgãos reprodutivos que proporcionam sensações de prazer na criança - em que pese os estímulos dos genitais serem também inevitáveis durante a infância. Existe um repertório de comportamento e ações inatas de excitação por meio de toques na pele - denominadas de zonas erógenas e pulsões biológicas afetivas que proporcionam também prazer sexual. Dito de outro modo, embora a criança não tenha consciência sexual, ela já nasce com uma capacidade natural de obter prazer unicamente através do seu próprio corpo (autoerotismo), que certamente se denomina prazer sexual. As crianças quando ainda muito pequenas percebem semelhanças e diferenças biológicas entre meninos, meninas, pai, mãe e até animais. Fazem observações, comparações e questionam os pais - que em sua maioria tentam ignorar o assunto em nome do pudor convencional e da própria consciência pesada a respeito de assuntos sobre sexualidade. Mais tarde, a criança mais velha tenta aprender por suas próprias vias e entre tentativas e erros, informações trocadas com colegas tão sem saber quanto ela mesma, acaba por imprimir novos padrões comportamentais de culpa e repugnância. Para Freud, o ideal é tratar o assunto sexualidade desde o início com a mesma seriedade que merece os outros assuntos cotidianos dignos de respeito. No artigo “três ensaios sobre a teoria da sexualidade”, Freud afirma que o elemento organizador da sexualidade é o falo. No texto “A organização genital infantil (1923)”, Freud expõe a teoria do primado do falo na primeira infância e delimita suas elaborações sobre a sexualidade feminina. Segundo Freud, meninas e meninos compartilham a universalidade do pênis. Em outras palavras, o interesse das crianças de ambos os sexos pelo pênis é dominante. (FREUD, 1856/1939). Sendo assim, Freud afirma que as teorias sexuais formuladas por crianças desconsideram a diferença entre sexos; as crianças atribuem um pênis a todas as pessoas e o menino conclui que o pênis da menina é pequeno enquanto ela é pequena e conforme ela cresce esse pênis também crescerá. Essa curiosidade infantil leva a criança a descobrir a diferença anatômica entre os sexos e essa observação de que o menino tem algo que a menina não tem, ou seja, a falta desse objeto é senão o falo (objeto) que falta. Neste caso, à própria falta do falo, Freud deu o nome de castração. (FREUD, 1856/1939). Portanto, não se pode explicar o complexo da castração sem levar em conta sua origem na fase do primado do falo. Toda essa busca de resposta por parte das crianças - essa desconfiança de que algo proibido está sendo escondido, faz nascer as teorias sexuais infantis, cujo objetivo é amenizar o desassossego a respeito da origem dos bebês e outras questões sexuais. Dessa forma, a relação das teorias sexuais infantis e o tormento da castração, se deve ao fato de que a primeira das teorias é baseada no desconhecimento da diferença entre os sexos, onde o pênis é visto como um órgão importante e que ambos os sexos o possuem ou possuirão. Logo, dada a importância conferida ao órgão, nasce a angústia de castração, desenvolvida geralmente pelas ameaças de mutilação, motivado por exemplo quando a criança é flagrada tocando seu órgão genital. No texto “Sobre teoria sexuais infantis - 1908”, observa-se então que a primeira grande preocupação das crianças está centrada na dúvida: De onde vem os bebês? Notadamente com a chegada de um irmão, em que o medo de ser abandonado pelos pais - especialmente pela mãe, e sobretudo a ideia de que terá que compartilhar tudo com o “intruso”, desperta a criança para a vida afetiva e a faz refletir. Neste contexto, é sabido que as crianças conseguem perceber que durante a gravidez, o aumento corporal da mãe tem relação com a chegada do novo membro da família. Logo, a teoria da cegonha não faz parte do repertório infantil, sendo uma criação adulta com finalidade de mascarar a verdade sobre o nascimento das crianças. Neste ponto, destaca-se que as teorias sexuais infantis buscam explicar a origem das crianças e são criadas por elas mesmas, face à conduta dos adultos de reprimir qualquer conteúdo sexual nessa fase. Teorias que mais tarde, segundo Freud, acabam sendo indispensáveis para a concepção das próprias neuroses quando adultos (FREUD, 1856/1939). Neste contexto, Freud relata que a primazia do falo se apresenta como a primeirateoria. Logo, como as crianças acreditam que todas as pessoas nascem com pênis, evidentemente desconhecem a existência da vagina, dando sentido à segunda teoria sexual infantil, a de que, se a criança cresce dentro da barriga da mãe, ela precisa ser retirada e a única via possível seria a abertura do intestino. Daí a teoria da cloaca - em que a criança seria “excretada” - como acontece com tantos animais. A terceira teoria leva em conta o flagra que as crianças dão nos pais durante a relação sexual - é aquela situação em que os pais intuindo que as crianças dormem ou que não possuem entendimento suficiente, deixam escapar aos olhos e/ou ouvidos dos pequenos, nuances de sua intimidade como casal. Ainda que a criança perceba o ato sexual de seus pais de forma fragmentada, seus sentidos como audição e visão as fazem chegar à conclusão daquilo que se pode chamar de concepção sádica do coito, interpretando o ato de amor como violência - em que a parte mais forte (o pai) se impõe sobre o mais fraco (a mãe) (FREUD, 1856/1939). Aqui, é interessante pontuar que as crenças e as estórias inventadas pelos adultos a respeito da origem dos bebês não são recebidas de bom grado pelas crianças, que desconfiadas e muitas vezes reprimidas por suas perguntas consideradas inoportunas, se lançam às próprias investigações, o que segundo Freud, faz surgir o primeiro conflito psíquico na criança, já que, sabedora de que os adultos escondem algo, por certo o que se deseja tanto descobrir é proibido. Logo, o resultado de sua busca deve permanecer escondido dos adultos. Em outras palavras, recalcado. Em suma, as teorias sexuais infantis são delineadas através da própria pulsão natural de investigação das crianças e dos fatores ambientais. Elas são exímias observadoras e relacionam o que escutam, o que veem dos seus pais e de si mesmas e interpretam à sua maneira. De modo geral, as crianças fazem analogias aos contos infantis, fazem comparações e apontamentos que Freud afirma ter em até certo ponto, muita verdade imbuída. ANÁLISE DO CASO O início do filme mostra Nicolau numa sala de aula e com dúvida sobre o que escrever na redação proposta pela professora: O que você quer ser quando crescer? Para Nicolau, a vida era boa e por não desejar outra coisa senão permanecer criança, ele não tinha de pronto a resposta para o tema da redação. Quando seu amigo Joaquim conta aos amigos sobre sua frustração de ganhar um irmãozinho, os meninos passam a intuir que dividir as coisas seria mesmo algo de natureza muito aterrorizante. Freud explica que dentre as teorias sexuais infantis, a dúvida de onde vêm os bebês decorre geralmente da notícia da chegada de um irmão e dá início às teorias criadas por elas a respeito da origem dos bebês. Ao chegar em casa, Nicolau pergunta à sua mãe como se faz um bebê e ela fica apreensiva; olha para o menino com espanto e se sente aliviada quando seu pai entra na sala interrompendo o assunto. Neste ponto, Freud faz duras críticas sobre a falta de esclarecimento sexual às crianças e afirma veementemente que o conteúdo oculto, ou seja, aquilo que se deseja esconder das crianças sob o pressuposto de que é moralmente incorreto, desperta ainda mais a curiosidade delas, que buscando pelos próprios meios descobrir o que por pulsão natural se desperta, corre o risco de ter acesso a conteúdo de fato pernicioso. Em outras palavras, para Freud, a pureza que se deseja manter na infância, jamais será conservada pela ignorância. O imaginário infantil é repleto de fantasias. As crianças estão constantemente aprendendo e fazendo associações com o que ouvem e veem. Nota-se que Nicolau passa por angustiantes processos de desenvolvimento psíquico; as perdas aqui descritas como processos de castração geram ansiedade e são causadas especialmente pelo medo de serem separadas de um objeto valioso - medo literal e figurativo que inegavelmente são atinentes à própria constituição do sujeito, mas que demandam maturação adequada sob pena de não se conseguir desenvolver um adulto saudável. No filme, quando Nicolau desconfia que sua mãe está grávida, ele tenta agradá-la, pois, apesar de ter certeza de que ela não o abandonaria, seu pai poderia persuadi-la a fazer. O medo do abandono, da perda de seu espaço como filho único e a aterrorizante ideia de ter que lidar com um irmão mais novo sem entender ao certo os processos biologicamente naturais que deles decorrem, desenvolveu em Nicolau sentimentos de angústia e insegurança. Em suma, as fantasias sexuais infantis são tão naturais quanto as pulsões biológicas das crianças, e segundo Freud, dada a dinâmica das associações que elas fazem para chegarem à resposta de suas dúvidas, não se pode dizer serem elas todas de natureza inverídica. Dito de outro modo, há certa coerência nas fantasias criadas por elas tendo em vista a seleção criativa de fatos que elas unem para respaldá-las. Ainda assim, Freud destaca que o assunto sexualidade infantil deveria ser discutido com a mesma importância que os outros assuntos de igual apreço. CONCLUSÃO Em seus estudos, Freud descobriu que o adoecimento neurótico está intrinsicamente associado ao processo de formação psicossexual da criança; e quando expõe a composição da pulsão sexual, Freud refuta todo argumento que visa encobrir das crianças os eventos e particularidades da vida sexual humana. De fato, considerando que toda criança nasce biologicamente pronta para experiências de sensações corporais de auto excitação e que ainda muito antes da puberdade ela já se apresenta constituída e somaticamente organizada para sensações e sentimentos mais refinados, é razoável supor que privá-las do conhecimento teórico acerca do que acontece com seu corpo, esclarecendo de forma inteligente e sadia os processos naturais da sexualidade humana, é um desserviço para o seu desenvolvimento psicossexual e a sua própria constituição salutar enquanto sujeito. No filme o Pequeno Nicolau, foi possível observar que a angústia do menino por não saber a origem dos bebês - o que inconscientemente faz menção à sua própria origem - ou seja, quem ele é como pessoa, de onde veio e o que deseja se tornar por exemplo, fazem parte de um processo natural de curiosidade e necessidade para o desenvolvimento sadio de construção de personalidade. Ocorre que a tarefa de instrução cabe aos adultos, que privando as crianças de verdadeiro conhecimento em nome de uma suposta religiosidade e pudor moral, acabam por replicar um padrão comportamental de repugnância e vergonha acerca dos temas que retratam a sexualidade, e isso, além de levar as crianças a criarem suas fantasias, teorizar e experimentarem ao seu modo - dentre outras consequências, corre-se o risco de na fase adulta, apresentarem-se como patologicamente incapazes de lidar com as excitações geradas e psiquicamente impedidas de alcançar seu objetivo final. Em outras palavras, a sexualidade infantil mal elaborada se estende por toda a vida e potencialmente não consegue canalizar- se de forma construtiva. Por fim, conforme salientou Freud, na formação psíquica do sujeito e na construção da subjetividade, a sexualidade ocupa um papel central, não podendo ter sua importância relativizada face aos padrões culturais e normativos morais. REFERÊNCIAS Freud, Sigmund, 1856-1939 Amor, sexualidade, feminilidade / Sigmund Freud ; tradução Maria Rita Salzano Moraes. -- 1. ed. -- Belo Horizonte : Autêntica Editora, 2018. -- (Obras Incompletas de Sigmund Freud ; 7) O Pequeno Nicolau. Direção de Laurent Tirard. Produção Olivier Delbosc Marc Missonnier Genevieve Lemal Alexandre Lippens Films. França: 2009. DVD (90 min).