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Três Maneiras de Escrever Para Crianças

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1 
 
TRÊS MANEIRAS DE ESCREVER PARA CRIANÇAS 
C.S. Lewis 
 
A meu ver, quem escreve para crianças pode abordar seu trabalho de três maneiras: duas 
são boas, e uma, em geral, é má. 
A maneira má, fiquei conhecendo há pouco tempo, a partir de dois testemunhos 
involuntários. Um desses testemunhos me foi dado por uma senhora que me enviou o 
original de um conto que ela havia escrito, no qual uma fada punha à disposição de uma 
criança um mecanismo maravilhoso. Digo “mecanismo” porque não se tratava de capa, 
anel ou chapéu mágico, ou de alguma outra coisa tradicional. Era uma máquina, um 
aparelho cheio de registros, alavancas e botões que deveriam ser apertados. Se a criança 
apertasse o botão, ganharia um sorvete; se apertasse outro, ganharia um cãozinho de 
verdade, e assim por diante. Fui obrigado a dizer à autora, com toda a sinceridade, que eu 
não gostava nem um pouco daquele tipo de coisa. Ela respondeu: “Eu também não gosto, 
acho muito aborrecido. Mas é isso que a criança moderna quer”. O outro fato foi o 
seguinte: no primeiro livro que escrevi, fiz uma longa descrição de um chá completo – 
que me pareceu delicioso – oferecido por um fauno hospitaleiro à minha heroína, uma 
garotinha. Um homem, pai de vários filhos, me disse: “Ah, já sei como teve essa ideia. 
Se você quisesse agradar a leitores adultos, escreveria uma cena de sexo. Então, decerto, 
pensou: “Para crianças, não dá. Em vez de sexo, o que posso oferecer-lhes? Já sei! Os 
pirralhos adoram se encher de guloseimas”. Na realidade, porém, eu é que gosto muito de 
comer e beber. Escrevi o que eu gostaria de ter lido quando criança e que ainda gosto de 
ler agora, com mais de cinquenta anos. 
Tanto a senhora do primeiro exemplo quanto o pai de família do segundo concebem que 
escrever para crianças é um departamento especial, o de “dar ao público o que ele quer”. 
2 
 
As crianças, evidentemente, constituem um público especial; basta descobrir o que elas 
querem e lhes oferecer exatamente isso, por menos que nos agrade. 
Uma outra maneira, a princípio, pode parecer idêntica à primeira, mas penso que a 
semelhança é superficial. É a maneira de Lewis Carroll, Kenneth Grahame e Tolkien. O 
livro publicado nasce de uma história contada de viva voz e talvez espontaneamente a 
uma determinada criança. A segunda maneira é semelhante à primeira porque o autor, 
sem dúvida, procura dar à criança o que ela quer. Só que nesse caso ele está lidando com 
uma pessoa concreta, uma criança específica que, evidentemente, é diferente de todas as 
outras. Não concebe que as “crianças”, de modo nenhum, como uma espécie estranha 
cujos hábitos ele precisa “identificar”, como faria um antropólogo ou um caixeiro 
viajante. Também suspeito que não seria possível assim, frente a frente, entreter a criança 
com coisas calculadas para agradar a ela mas que o próprio autor visse com indiferença 
ou desprezo. Tenho certeza de que a criança não se deixaria enganar. Quem estivesse 
contando se tornaria um pouquinho diferente por estar falando com uma criança, e a 
criança se tornaria um pouquinho diferente por estar ouvindo as palavras de um adulto. 
Nesses casos, cria-se um acordo, uma composição de personalidades, da qual surge a 
história. 
A terceira maneira, a única que sou capaz de usar, consiste em escrever uma história para 
crianças porque é a melhor forma artística de expressar algo que você quer dizer. Do 
mesmo modo, um compositor pode criar uma Marcha Fúnebre, não em vista de um 
funeral público, mas porque certas ideias musicais que lhe ocorreram se encaixam melhor 
nessa forma. Esse método pode ser aplicado a outros tipos de literatura infantil, e não só 
às histórias. Ouvi dizer que Arthur Mee nunca conversou nem quis conversar com uma 
criança. Na opinião dele, era pura sorte os meninos gostarem de ler o que ele gostava de 
escrever. Pode ser que essa historieta tenha sido inventada, mas ela ilustra o que quero 
dizer. 
Dentro da espécie “história para crianças”, a subespécie que por acaso me convinha era 
fantasia, ou (num sentido bem amplo do termo) o conto de fadas. Evidentemente, existem 
outras subespécies. A trilogia de E. Nesbit sobre a família Bastable é um excelente 
espécime de outro tipo. É uma “história para crianças” no sentido de que as crianças 
podem lê-la e, de fato, a leem; mas também é a única forma pela qual E. Nesbit poderia 
nos transmitir com tanta intensidade a atmosfera da infância. É verdade que as crianças 
da família Bastable também figuram, apresentadas de modo bem-sucedido do ponto de 
vista adulto, num dos romances que ela escreveu para adultos, mas nele só aparecem por 
um momento. Acho que ela não teria condições de mantê-las. Quando escrevemos 
longamente sobre crianças vistas pelos olhos de adultos, o sentimentalismo tende a se 
introduzir, ao passo que a realidade da infância, tal como todos nós a vivemos, tende a se 
excluir. Ora, todos nós nos lembramos de que nossa infância, tal como a vivemos, era 
infinitamente diferente de como os adultos a viam. Foi por isso que, quando perguntaram 
a Sir Michael Sadler qual sua opinião sobre uma nova escola experimental, ele respondeu: 
“Não vou dar nenhuma opinião sobre nenhum desses experimentos enquanto as crianças 
não crescerem para nos dizer o que realmente aconteceu”. Assim, a trilogia dos Bastable, 
por mais improváveis que sejam muitos de seus episódios, proporciona até aos adultos, 
em certo sentido, uma leitura mais realista sobre infância do que se poderia encontrar na 
maioria dos livros escritos para adultos. Por outro lado, no entanto, também proporciona 
às crianças que a leem algo muito mais maduro do que imaginam. O livro inteiro é um 
estudo do personagem de Oswald, um autorretrato inconscientemente satírico, que toda 
3 
 
criança inteligente é plenamente capaz de apreciar; mas nenhuma criança iria sentar-se 
para ler um estudo sobre um personagem se fosse escrito de outra forma. Há outro aspecto 
em que as histórias para crianças servem de veículo a esse interesse psicológico, mas 
tratarei disso mais adiante. 
Nesse breve exame da trilogia dos Bastable, parece-me que tropeçamos num princípio. 
Nos casos em que a história para crianças é simplesmente a forma adequada para o que o 
autor quer dizer, é evidente que os leitores que quiserem ouvir o que ele tem a dizer vão 
ler ou reler a história, seja qual for a idade deles. Só aos trinta anos conheci O vento nos 
salgueiros e os livros da família Bastable, e acho que nem por isso os aprecei menos. 
Inclino-me quase a afirmar como regra que uma história para crianças de que só as 
crianças gostam é uma história ruim. As boas permanecem. Uma valsa da qual você só 
gosta enquanto está dançando não é uma boa valsa. 
Essa regra me parece ainda mais verdadeira no que se refere ao tipo particular de história 
para crianças de que mais gosto, a fantasia ou conto de fadas. Hoje em dia, a crítica 
moderna usa o adjetivo “adulto” como marca de aprovação. Ela é hostil ao que denomina 
“nostalgia” e tem absoluto desprezo pelo que chama de “Peter Panteísmo”. Por isso, em 
nossa época, se um homem de cinquenta e três anos admite ainda adorar anões, gigantes, 
bruxas e animais falantes, é menos provável que ela seja louvado por sua perpétua 
juventude do que seja ridicularizado e lamentado por seu retardamento mental. Se dedico 
algum tempo a defender-me dessas acusações, não é tanto porque me importe muito em 
ser ou não ridicularizado e lamentado, mas porque a defesa tem uma relação íntima com 
toda a minha concepção do conto de fadas e até mesmo da literatura em geral. Essa defesa 
consiste em três proposições. 
1. Respondo com um tu quoque. Os críticos para quem a palavra adulto é um termo de 
aplauso, e não um simples adjetivo descritivo, não são nem podem ser adultos. Preocupar-
se em ser adulto ou não, admirar o adulto por ser adulto, corar de vergonha diante da 
insinuação de que se é infantil: essessão sinais característicos da infância e da 
adolescência. E, na infância e na adolescência, quando moderados, são sintomas 
saudáveis. É natural que as coisas novas queiram crescer. Porém, quando se mantém na 
meia-idade ou menos na juventude, essa preocupação em “ser adulto” é um sinal 
inequívoco de retardamento mental. Quando tinha dez anos, eu lia contos de fadas 
escondido e ficava envergonhado quando me pilhavam. Hoje em dia, com cinquenta anos, 
leio-os abertamente. Quando me tornei homem, deixei para trás as coisas de menino, 
inclusive o medo de ser infantil e o desejo de ser muito adulto. 
2. A visão moderna, a meu ver, envolve uma falsa concepção do crescimento. Somos 
acusados de retardamento porque não perdemos um gosto que tínhamos na infância. Mas, 
na verdade, o retardamento consiste não em recusar-se a perder as coisas antigas, mas sim 
em não aceitar coisas novas. Hoje gosto de vinho branco alemão, coisa de que tenho 
certeza de que não gostaria quando criança; mas não deixei de gostar de limonada. Chamo 
esse processo de crescimento ou desenvolvimento, porque ele me enriqueceu: se antes eu 
tinha um único prazer, agora tenho dois. Porém, se eu tivesse de perder o gosto por 
limonada para adquirir o gosto pelo vinho, isso não seria crescimento, mas simples 
mudança. Hoje em dia, já não gosto somente de contos de fadas, mas também de Tolstói, 
Jane Austen e Trollope, e chamo isso de crescimento; se tivesse precisado deixar de lado 
os contos de fadas para apreciar os romancistas, não diria que cresci, mas que mudei. 
Uma árvore cresce porque ganha novos anéis; já um trem não cresce quando deixa para 
4 
 
trás uma estação e ruma para a seguinte, esbaforido. Na realidade, meu argumento de 
defesa é ainda mais forte e mais complexo. Hoje em dia, para mim, meu crescimento 
aparece tanto na leitura dos romancistas quanto na dos contos de fadas, pois a verdade é 
que agora aprecio melhor os contos de fadas do que apreciava na infância: como agora 
sou capaz de investir mais, também acabo extraindo mais. Mas não é esse o ponto que 
desejo enfatizar. Mesmo que o gosto pela literatura adulta viesse meramente acrescentar-
se ao gosto inalterado pela literatura infantil, o acréscimo, ainda assim, mereceria o nome 
de “crescimento”, o que não aconteceria se o processo consistisse em simplesmente deixar 
um fardo de lado e pôr outro sobre os ombros. É verdade que o processo de crescimento, 
por acaso e por infelicidade, acarreta outras perdas. Porém, não é essa a essência do 
crescimento, e certamente não é o que faz do crescimento algo louvável ou desejável. Se 
assim fosse, se trocar de fardos ou deixar estações para trás fossem a essência e a virtude 
do crescimento, por que parar na idade adulta? Por que não dar também um sentido 
positivo à palavra senil? Por que não congratular as pessoas por perderem os dentes e o 
cabelo? Certos críticos parecem confundir o crescimento com o preço do crescimento, e 
também gostariam de tornar esse preço muito mais alto do que ele naturalmente deve ser. 
3. A associação dos contos de fadas e histórias fantásticas com a infância é um fenômeno 
local e acidental. Espero que todos já tenha lido o ensaio de Tolkien sobre os contos de 
fadas, que talvez seja a contribuição mais importante que alguém já tenha dado a esse 
tema. Quem leu há de saber que, em quase todas as épocas e lugares, os contos de fadas 
não eram feitos especialmente para as crianças nem desfrutados exclusivamente por elas. 
Só se deslocou para a escola maternal quando caiu de moda nos círculos literários, tal 
como, nas casas vitorianas, a mobília que caía de moda ia para os quartos das crianças. A 
verdade, porém, é que muitas crianças não gostam desse tipo de literatura, assim como 
muitas crianças não gostam de sofás de crina, de que muitos adultos gostam, como gostam 
de cadeiras de balanço. E todos aqueles que a apreciam, sejam jovens ou velhos, 
provavelmente a apreciam pela mesma razão. E, mais ainda, ninguém é capaz de dizer 
exatamente que razão seria essa. As duas teorias que mais frequentemente me ocorrem 
são as de Tolkien e Jung. 
Segundo Tolkien¹, o atrativo do conto de fadas consiste em que nele o homem cumpre de 
maneira mais plena sua função de “subcriador”; não faz um “comentário sobre a vida”, 
como adoram dizer hoje em dia, mas constrói, tanto quanto possível, um mundo 
subordinado que lhe é próprio. Uma vez que, segundo Tolkien, essa é uma das funções 
características do ser humano, é natural que seu bom desempenho gere satisfação. Para 
Jung, o conto de fadas libera arquétipos que residem no inconsciente coletivo; e, quando 
lemos um bom conto de fadas, estamos obedecendo ao antigo preceito “Conhece a ti 
mesmo”. Ouso acrescentar aqui minha própria teoria, não desse tipo literário como um 
todo, mas de uma característica sua. Refiro-me à presença de seres não humanos que, não 
obstante, comportam-se, em diversos graus, como os seres humanos: gigantes, anões e 
animais falantes. A meu ver, eles são, no mínimo (pois é possível que tenham muitas 
outras fontes de poder e beleza), um hieróglifo admirável que veicula uma psicologia, 
uma tipologia de caráter, de modo muito mais sucinto que o romance, e para leitores que 
o romance ainda não poderia atingir. Consideremos o sr. Texugo de O vento nos 
salgueiros – amálgama extraordinário de superioridade hierárquica, maneiras bruscas, 
mau humor, timidez e bondade. A criança que algum dia encontra o sr. Texugo guarda 
para sempre, em seu íntimo, um conhecimento da humanidade e da história social inglesa 
que não poderia adquirir de nenhum outro modo. 
5 
 
É claro que, assim como nem toda a literatura infantil é fantástica, nem todos os livros 
fantásticos são infantis. Mesmo numa época tão ferrenhamente antirromântica como a 
nossa, ainda é possível escrever histórias fantásticas para adultos (embora em geral seja 
preciso fazer nome num gênero literário mais elegante para arranjar quem as publique). 
Porém, pode haver um escritor que, em determinado momento, encontre não somente na 
fantasia, mas na fantasia para as crianças a forma exata para dizer o que pretende dizer. 
A distinção é sutil. Suas fantasias para crianças e fantasias para adultos terão muito mais 
coisas em comum uma com a outra do que com o romance convencional ou com o que às 
vezes se denomina “romance da vida infantil”. Aliás, é provável que os mesmos leitores 
leiam seus livros fantásticos “infantis” e suas histórias fantásticas para adultos. Não 
preciso lembrar o público a quem me dirijo de que a classificação rígida dos livros 
segundo faixas etárias, tão cara a nossos editores, tem uma relação muito vaga com os 
hábitos dos leitores reais. Aqueles que são censurados quando velhos por lerem livros de 
criança também eram censurados quando crianças por lerem livros escritos para os mais 
velhos. Nenhum leitor que se preze avança obedientemente de acordo com um 
cronograma. A distinção, portanto, é sutil; e não sei exatamente o que me fez sentir, num 
determinado ano de minha vida, que o que eu devia escrever – ou deixar jorrar – não era 
somente um conto de fadas, mas exatamente um conto de fadas para crianças. Em parte, 
acho que essa forma me permite, ou obriga, a deixar de fora certas coisas que eu queria 
mesmo deixar de fora: obriga-me a concentrar toda a força do livro nas palavras e atos 
dos personagens. Ela coíbe o que um crítico generoso, mas perspicaz, chamou de “o 
demônio positivo” que vive em mim, e também impõe certas restrições muito frutíferas 
as tamanho da obra. 
Se deixei que o tipo fantástico de história infantil dominasse esta discussão, foi porque é 
o tipo que conheço melhor e de que mais gosto, e não por ter a intenção de condenar 
algum outro. Porém, os adeptos dos outros tipos gostam de condená-lo. Mais ou menos 
uma vez a cada cem anos, algum sabichão se levanta e tenta acabar com o conto de fadas. 
Talvez, então, convenhaeu dizer algumas palavras em defesa desse tipo de leitura para 
crianças. 
O conto de fadas é acusado de dar às crianças uma falsa impressão do mundo em que 
vivem. Na minha opinião, porém, nenhum outro tipo de literatura que as crianças 
poderiam ler lhes daria uma impressão tão verdadeira. As histórias infantis que pretendem 
ser “realistas” tendem muito mais a enganar as crianças. Quanto a mim, nunca achei que 
o mundo real pudesse ser igual aos contos de fadas. Acho que eu esperava que escola 
fosse igual às histórias da escola. As fantasias não me enganavam, as histórias de escola, 
sim… Todas as histórias em que as crianças passam por aventuras e sucessos que são 
possíveis, no sentido de que não rompem as leias da natureza, mas quase infinitamente 
improváveis, tendem muito mais que os contos de fadas a criar falsas expectativas. 
Quase o mesmo argumento responde à popular acusação de escapismo, embora a questão, 
nesse caso, não seja tão simples. será que os contos de fadas ensinam as crianças a se 
recolher num mundo em que todos os desejos se realizam – numa “fantasia” no sentido 
técnico-psicológico do termo – em vez de enfrentar os problemas do mundo real? Bem, 
é aqui que o problema se torna sutil. Mais uma vez, vamos comparar o conto de fadas 
com a história escolar ou qualquer outra história que seja rotulada como “Livro para 
Meninos” ou “Livro para Meninas” em vez de livro infantil. Não há dúvidas de que ambos 
despertam desejos e os satisfazem imaginariamente. Temos vontade de passar através do 
espelho, de chegar ao país das fadas. Também temos vontade de ser aquele aluno ou aluna 
6 
 
imensamente popular e bem-sucedido, de ser o menino ou a menina de sorte que descobre 
a trama do espião ou monta o cavalo que nenhum caubói consegue domar. Os dois 
anseios, porém, são muito diferentes. O segundo, especialmente quando voltado para algo 
tão próximo como a vida escolar, é voraz e extremamente sério. Sua realização no nível 
imaginário é de fato compensadora: nós a buscamos, fugindo das decepções e 
humilhações do mundo real, e somos mandados de volta a ele com uma insatisfação nem 
um pouco divina. Trata-se sempre de lisonjear o ego. O prazer consiste em imaginar-se 
objeto de admiração. O outro anseio, o anseio pelo país das fadas, é muito diferente. Em 
certo sentido, a criança não anseia pelo país das fadas da mesma maneia que o garoto 
anseia por ser o herói da sexta série. Será que alguém supõe que ele, de fato e 
prosaicamente, anseia pelos perigos e desconfortos de um conto de fadas? – que seu 
desejo é de fato que houvesse dragões na Inglaterra contemporânea? De jeito nenhum. 
Seria muito mais verdadeiro dizer que o país das fadas desperta no menino um anseio por 
algo que ele não sabe o que é. Comove-o e perturba-o (enriquecendo toda a sua vida) com 
a vaga sensação de algo que está além de seu alcance, e, longe de tornar insípido ou vazio 
o mundo exterior, acrescenta-lhe uma nova dimensão de profundidade. O menino não 
despreza as florestas de verdade por ter lido sobre florestas encantadas: a leitura torna 
todas as florestas de verdade um pouco encantadas. Trata-se de um tipo especial de 
anseio. O menino que lê a história “escolar” do tipo que tenho em mente deseja o sucesso 
e fica infeliz (quando termina o livro) porque esse sucesso lhe escapa; o menino que lê o 
conto de fadas simplesmente deseja e sente-se feliz no próprio ato de desejar. Sua mente 
não esteve concentrada nele mesmo, como acontece frequentemente nas histórias mais 
realistas. 
Não quero dizer que histórias escolares para meninos e meninas não deveriam ser escritas. 
Só afirmo que elas tendem, muito mais do que as histórias fantásticas, a tornar-se 
“fantasias” no sentido clínico do termo. E a mesma distinção vale para a literatura adulta. 
A fantasia perigosa é sempre superficialmente realista. A verdadeira vítima do devaneio 
em que todos os desejos se realizam não se inspira na Odisseia, em A tempestade ou em A 
serpente Uroboros. Prefere histórias que falam de milionários, beldades irresistíveis, 
hotéis de luxo, praias tropicais e cenas picantes – coisas que poderiam realmente 
acontecer, que deveriam acontecer, que teriam acontecido se o leitor tivesse tido a justa 
oportunidade. Isso porque, como digo, existem dois tipos de anseio. Um deles é 
uma askesis, um exercício espiritual, o outro é uma doença. 
Um ataque muito mais severo ao conto de fadas como literatura infantil é desferido pelos 
que não querem que as crianças sintam medo. Eu mesmo, na infância, sentia tanto medo 
à noite que não corro o risco de subestimar essa objeção. Não gostaria de acender a 
fogueira desse inferno particular para nenhuma criança. Por outro lado, nenhum dos meus 
medos nasceu de contos de fadas. Minha especialidade eram os insetos gigantes, e os 
fantasmas ocupavam um péssimo lugar. Suponho que os fantasmas tenham nascido, 
direta ou indiretamente, de algo que li, mas certamente não de histórias de fadas. Já os 
insetos não se originaram de nenhuma leitura. Não havia nada que meus pais pudessem 
fazer ou deixar de fazer para me salvar das garras, mandíbulas e olhos daquelas 
abominações multípedes. E o problema, como tantos já observaram, é exatamente esse. 
Não sabemos quais são os objetos que podem despertar esse tipo de medo na criança. 
Digo “esse tipo de medo” porque precisamos, a esta altura, fazer uma distinção. Os que 
afirmam que as crianças não devem sentir medo podem estar querendo dizer duas coisas. 
Podem querer dizer (1) que não devemos fazer nada que possa despertar na criança medos 
fantasmagóricos, debilitantes e patológicos contra os quais a coragem comum nada pode: 
7 
 
as chamadas fobias. Se possível, a mente da criança deve manter-se isenta de coisas em 
que não suporta pensar. Ou podem querer dizer (2) que devemos tentar manter a criança 
alheia ao fato de que nasceu num mundo onde há mortes, violência, ferimentos físicos, 
aventura, heroísmo, covardia, onde há o bem e o mal. Se querem dizer a primeira coisa, 
concordo com eles; se querem dizer a segunda, não concordo. Essa última é a atitude que 
dá às crianças uma falsa impressão e alimenta-as de escapismo, no mau sentido da 
palavra. Há algo de absurdo na ideia de educar desse modo as crianças de uma geração 
da era da OGPU² e da bomba atômica. Como é muito provável que venham a encontrar 
inimigos cruéis, convém que pelo menos ouçam falar de audazes cavaleiros e da coragem 
heroica. Caso contrário, o destino delas se tornará não mais luminoso, porém mais 
sombrio. Além disso, a maioria das pessoas constata que a violência e o derramamento 
de sangue, numa história, não produzem nenhum temor assombro nas mentes das 
crianças. Quanto a isso, tomo sem remorso o partido da raça humana contra os 
reformadores modernos. Que venham os reis malvados e as decapitações, as batalhas e as 
masmorras, os gigantes e os dragões, e que os vilões morram todos, cabalmente, no final 
do livro. Nada me convencerá de que isso provoca numa criança normal um tipo ou um 
grau de medo que esteja além do que ela precisa sentir. Pois é claro que ela quer sentir 
um pouquinho de medo. 
Os outros medos – as fobias – já são uma questão diferente. Não creio que possam ser 
controlados por meios literários. Para que, ao nascermos, já os trazemos prontos conosco. 
Sem dúvida, a imagem particular em que se fixa o terror da criança pode às vezes 
remontar a um determinado livro. Porém, será o livro a fonte ou somente a ocasião do 
medo? Se a criança tivesse sido poupada daquela imagem, não haveria outra, igualmente 
imprevisível, que teria o mesmo efeito? Chesterton nos conta de um garotinho que tinha 
mais medo do Albert Memorial³ que de qualquer outra coisa no mundo. Conheço um 
homem cujo grande terror, na infância, era a edição da Encyclopedia Britannica em papel 
da China – por uma razão que desafio você a identificar. E parece-me possível que, se 
você sódeixar que seu filho leia histórias inocentes sobre a vida infantil, em que nada 
assustador jamais acontece, além de não conseguir eliminar os terrores, acabará por 
eliminar da vida dele tudo o que possa torná-los respeitáveis ou suportáveis. Ora, nos 
contos de fadas, ao lado das figuras terríveis, encontramos os seres radiantes, os eternos 
protetores e consoladores; e as figuras terríveis não são meramente terríveis, mas também 
sublimes. Seria ótimo se nenhum menino, deitado em sua cama, ao ouvir ou imaginar que 
ouviu um ruído, jamais sentisse medo. Mas, se o medo é inevitável, é melhor que a criança 
pense em gigantes e dragões do que em meros ladrões. E acho que São Jorge, ou qualquer 
outro paladino armado, é um consolo bem maior que a ideia de polícia. 
E vou mais longe. Se me fosse possível escapa de meus medos noturnos à custa de nunca 
ter conhecido a “terra encantada”, será que eu teria saído ganhando com a troca? Não 
estou sendo leviano. Os medos eram terríveis. Mas parece-me que o preço a pagar teria 
sido alto demais. 
Porém, afastei-me demais do tema, e isso foi inevitável, pois, dos três métodos, só 
conheço por experiência o terceiro. Espero que meu título não tenha levado ninguém a 
pensar que eu seria presunçoso a ponto de querer dar conselhos sobre como escrever para 
crianças. Tive duas excelentes razões para não fazer isso. Em primeiro lugar, muita gente 
escreveu histórias bem melhores que as minhas, e prefiro aprender sobre essa arte a 
pretender ensiná-la. Em segundo lugar, em certo sentido, jamais “criei” uma história. 
Comigo, o processo assemelha-se muito mais à observação de pássaros do que ao falar 
8 
 
ou construir. Eu vejo imagens. Algumas dessas imagens têm um sabor comum, quase um 
mesmo aroma, que as reúne num único grupo. Fique quieto, simplesmente olhando, e elas 
começarão a se juntar. Se você tiver muita sorte (eu nunca tive tanta), um conjunto 
completo se reunirá numa forma tão coerente que você terá uma história perfeita, sem 
precisar fazer nada. Mas, com mais frequência (para mim, sempre), restam algumas 
lacunas. É então que, por fim, será preciso inventar deliberadamente, criar razões para 
que determinados personagens estejam em determinados lugares fazendo determinadas 
coisas. Não sei se é esse o método usual de escrever histórias, e menos ainda se é o melhor. 
No entanto, é o único que conheço: para mim, as imagens vêm em primeiro lugar. 
Antes de terminar, gostaria de voltar ao que disse no começo. Rejeitei toda e qualquer 
abordagem que parta da pergunta: “Do que as crianças modernas gostam?” Poderiam me 
perguntar: “Você também rejeita a abordagem que parte da pergunta: ‘Do que as crianças 
modernas precisam?’ – em outras palavras, a abordagem moral ou didática?” Acho que 
a resposta é “Sim”. Não porque eu não goste de que as histórias tenham uma moral, e 
menos ainda por pensar que as crianças não gostam da moral da história. É antes porque 
tenho certeza de que a pergunta “Do que as crianças modernas precisam” não nos levará 
a uma boa moral. Ao fazer essa pergunta, assumimos uma atitude de excessiva 
superioridade. Seria melhor perguntar: “Qual é a moral de que eu preciso?”, pois penso 
que, com certeza, o que não nos preocupa profundamente não interessará profundamente 
a nossos leitores, O melhor, porém, é não fazer pergunta nenhuma. Deixe que as imagens 
lhe contem qual é a moral delas, pois sua moral intrínseca nasce naturalmente das raízes 
espirituais que você conseguiu lançar no decurso de sua vida. Por outro lado, se elas não 
lhe mostrem moral nenhuma, não queira inventá-la. A moral inventada provavelmente 
será um lugar-comum, ou mesmo uma falsidade, colhida a esmo da superfície de sua 
consciência. Não cabe oferecer isso às crianças, uma vez que uma autoridade 
inquestionável nos garantiu que, na esfera moral, elas são pelo menos tão sábias quanto 
nós. Quem consegue escrever uma história para crianças sem moral nenhuma deve fazê-
lo – desde que, é claro, esteja mesmo disposto a escrever para crianças. A única moral 
que vale alguma coisa é a que brota inevitavelmente de toda a estrutura de caráter do 
autor. 
Aliás, tudo na história deve brotar da estrutura de caráter do autor. Para escrever para 
crianças, temos de partir dos elementos de nossa imaginação que temos em comum com 
elas. Somos diferentes de nossos pequenos leitores não por nos interessarmos menos, ou 
menos seriamente, pelas coisas de que estamos tratando, mas por termos outros interesses 
de que as crianças não compartilham. A matéria de nossa história deve fazer parte do 
mobiliário habitual de nossa mente. Foi essa, a meu ver, uma característica de todos os 
grandes escritores de literatura infantil, mas nem todos o compreendem. Há não muito 
tempo, para elogiar um conto de fadas bastante sério, um crítico afirmou que o autor “não 
disse nada em tom de pilhéria”. Mas por que deveria dizê-lo se não estava contando nada 
engraçado? A meu ver, nada é tão fatal para essa arte quanto a ideia de que o que temos 
em comum com as crianças é, no sentido privativo, sempre algo “infantil”, e que o infantil 
é sempre cômico. Devemos encarar as crianças como nossos iguais naquela região da 
nossa natureza em que efetivamente somos iguais. Nossa superioridade consiste, por um 
lado, em termos acesso a outras regiões, e, por outro (e mais pertinente), em termos mais 
habilidades que elas para contar histórias. A criança, como leitora, não deve nem ser 
tratada com condescendência nem idealizada: falamos com ela de homem para homem. 
Todavia, a pior de todas as atitudes é a atitude profissional, que vê as crianças 
indistintamente como uma espécie de matéria-prima que temos de manipular. É claro que 
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temos de nos esforçar para não lhes fazer mal; e podemos, se a Onipotência assim quiser, 
ter a ousada esperança de fazer-lhes algum bem – mas não mais que o bem de tratá-las 
com respeito. Não podemos imaginar que somos a Providência ou o Destino. Não digo 
que um funcionário do Ministério da Educação não possa escrever uma boa história para 
crianças, pois tudo é possível. Mas não apostaria nisso. 
Certa vez, num refeitório de hotel, eu disse em voz um pouco alta demais: “Odeio ameixas 
secas”. De outra mesa, inesperadamente, ouvi a voz de um menino de seis anos: “Eu 
também”. A simpatia entre nós foi instantânea. Nem eu nem ele achamos aquilo 
engraçado. Ambos sabíamos que as ameixas secas são ruins demais para serem 
engraçadas. É esse o encontro adequado entre o homem e a criança como personalidades 
independentes. Quanto às relações muito mais elevadas e mais difíceis entre uma criança 
e seus ais ou entre crianças e professores, nada digo. Um escritor, um mero escritor, está 
fora disso. Não é nem mesmo um tio. É um homem livre, um igual, um par, como o 
carteiro, o açougueiro e o cachorro do vizinho. 
 
Referências 
¹ “On Fair-Stories”, Essays Presented to Charles Williams (1947); 
² Polícia secreta soviética; 
³ Um monumento londrino. 
LEWIS, Clive Staples. As crônicas de Nárnia. São Paulo: Editora WMF Martins 
Fontes, 2009. (p. 741 – 751)

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